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Pesquisa inserida no Grupo de Pesquisas em Paradigmas Assistenciais em Terapias
Alternativas (NEPATA) da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás
(UFG).
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Arteterapeuta e Enfermeira-Psiquiátrica, Profª Drª da Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG), Presidente da Associação Brasil Central de
Arteterapia (ABCA), membro do conselho diretor da UBAAT, integrante da rede PsicoArt. E-
mail: aclaudiaval@terra.com.br
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Graduanda de Enfermagem da UFG e relatora do trabalho
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Graduanda de Enfermagem da UFG
permite a troca com o outro que possui características semelhantes as suas e
ainda, favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados ao
próprio transtorno.
Introdução
A dependência química é um tema relevante, em especial, em nossa
sociedade contemporânea e envolve aspectos complexos e abrangentes. O
adolescente “busca uma identidade” que dê sentido à sua existência humana e
constantemente encontra erroneamente nas “drogas de abuso” ou substâncias
psicoativas e nos grupos marginais um grande aliado a esta busca (BAPTISTA,
2006).
Dentro da visão da Psicologia Analítica, e segundo Zoja (1992), os
adolescentes buscam nos grupos de pares “rituais de iniciação”, almejando
atingir a vida adulta e a regeneração de conteúdos psíquicos. Visto que a
estreiteza do mundo contemporânea dificulta o homem de estar mais próximo
do seu inconsciente, as drogas psicoativas representariam o amenizar inicial,
rápido e de maneira “mágica” da inserção do adolescente no grupo. O grupo
“drogadicto” por meio de rituais de iniciação cria a ilusão no adolescente da
possível transformação “mágica” de sua identidade: de criança para a vida
adulta (BAPTISTA, 2006; LESSA, 2004; ZOJA, 1992).
A expectativa do consumo inicial, que a pessoa parece buscar uma
dimensão no superior e sagrada, predomina, no plano consciente, com a
simples curiosidade de usar a droga psicoativa. Entretanto quando as
experiências do consume vão se repetindo e a vida de antes prossegue ou
ainda acentua o seu caráter profano, o usuário é obrigado a reprimir cada vez
mais profundamente a experiência arquetípica de vida – morte, que não é mais
um processo de iniciação e se torna uma repetição obsessiva e destrutiva
(LESSA, 2004).
A Arteterapia, aplicada ao dependente químico e de acordo com os
novos paradigmas de atenção em saúde mental, é um processo terapêutico
predominantemente não-verbal, por meio das artes plásticas, que acolhe o ser
humano com toda sua diversidade, complexidade, dinamicidade e o auxilia a
encontrar novos “sentidos” para sua vida, objetivando a reinserção e inclusão
social.
A Arteterapia também procura respeitar os diversos aspectos dos
usuários, como os afetivos, culturais, cognitivos, motores, sociais entre outros,
aspectos tão importantes na saúde mental (VALLADARES, 2004;
VALLADARES & CARVALHO, 2005a e b). Presume-se, então, que a análise
dos conteúdos das produções simbólicas: cores, profundidade, criatividade etc
apresenta o registro dos momentos de suas vidas (URRUTIGARAY, 2003;
2006).
Furth (2004), Leite (2002), Norgren (2004), Valladares (2004, 2005a e b) e
Valladares et al. (2000, 2002, 2004) acreditam que, tanto na arte quanto na
Arteterapia, os conteúdos do inconsciente são registrados pela produção
simbólica (imagens), pela cor, formas, movimentos, ocupação no suporte e
padrões expressivos gerais, elementos que compõem o processo de
transformação e obtêm consistência a partir da criação plástica. Assim, as
imagens produzidas pelos usuários ajudam na compreensão da trajetória
psíquica deles.
O trabalho objetivou descrever e analisar as sessões de arteterapêutico
aplicadas aos dependentes químicos jovens. As análises das imagens foram
baseadas no referencial teórico da Psicologia Analítica.
Metodologia
Esta pesquisa é um relato de experiência de atividades de Arteterapia,
realizada com um total de 98 usuários jovens de ambos os sexos de um
Hospital Psiquiátrico de Goiânia/GO.
Compuseram o estudo 32 intervenções breves de Arteterapia realizadas
duas vezes por semana, no período matutino, em ambiente inicialmente
fechado e posteriormente descontraído e junto à natureza, com participação
média de 15 usuários por sessão, em sua maioria de pessoas do sexo
masculino. O período total abrangeu os meses de agosto a dezembro de 2007.
O grupo foi formado por pessoas aquiescentes ao processo, sendo o
mesmo rotativo, pois a clientela era livre para entrar e sair do grupo e das
sessões quando quisesse.
Os pacientes apresentaram oscilação no diagnóstico clínico (OMS, 2003).
Os transtornos mentais decorrentes do uso abusivo de Substâncias Psicoativas
variaram entre as drogas: álcool, opióides, canabinóides, sedativos ou
hipnóticos, cocaína, estimulantes, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis. Os
usuários se encontravam em fase de desintoxicação das substâncias
psicoativas e estavam internados na Ala de Dependentes Químicos de um
Hospital Psiquiátrico particular de Goiânia/GO.
O tratamento preconizado nesta Instituição aos dependentes químicos era
de 28 dias de internação, atendimento por uma equipe multiprofissional e
atividades terapêuticas diversas, além do acompanhamento familiar.
Os objetivos das intervenções de Arteterapia foram facilitar a expressão
da subjetividade dos participantes e auxiliar, tanto na auto-expressão, quanto
na elaboração de conteúdos internos, alívio de tensões, angústias, medos,
expectativas e ansiedades, bem como favorecer a integração do grupo.
Permitir, ainda, que o criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir
consciência dos mesmos e, em seguida, melhorar a ativação e a estruturação
do processo de seu desenvolvimento interno.
Resultados e Discussão
Descrição dos temas trabalhados (séries) nas sessões de Arteterapia:
A) Série Mandalas
Objetivos: A mandala tem uma dupla finalidade, o de conservar a ordem
psíquica, se ela já existe; ou de restabelecê-la, se desapareceu. Nesse último
caso, incentiva a criação do ser humano (JUNG, 2005).
B) Série Corpo
Objetivos: Resgatar a identidade do dependente químico e preencher o vazio.
“O fato é que o auto-retrato pode ser distorcido da realidade, porque muitas
vezes tal imagem associa-se a aspectos idealizados ou patológicos que
geralmente refletem dificuldades profundas com o próprio corpo”
(VALLADARES & CARVALHO, 2005b, p.40).
C) Série Hospital
Objetivo: Investigar a relação do dependente químico com o ambiente
hospitalar, seus sentimentos e necessidades, tendo em vista que o desenho
concretiza pensamentos, exercita a memória e ainda relaciona-se ao
movimento e reconhecimento do objeto, no caso, o hospital (VALLADARES,
2007).
Comentários/Análise:
Símbolos recorrentes:
– Lago: “É interpretado plasticamente quase sempre como um olho aberto da
terra. É visto como moradia de entidades subterrâneas, de fadas, ninfas,
espíritos das águas etc. Representa no geral o feminino ou o inconsciente”
(CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
- Casa: Local de moradia, simboliza a cena das relações intrafamiliares, desde
as mais satisfatórias até as mais frustrantes. Relações familiares – lugar onde
são buscados os afetos, a segurança e as necessidades básicas que
encontram preenchimento na vida familiar. Provoca associações referentes à
vida doméstica no passado, presente ou como gostaria que fosse no futuro ou,
ainda, uma combinação desses estágios. Auto-retrato – relações do sujeito
com a realidade e a fantasia, sobre os contatos que faz com o meio
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991;
LEXIKON, 1994).
- Árvore: símbolo da vida, sempre abundante e auto-renovadora, pode estar
simbolicamente associada ao arquétipo do Self, e pode também expressar a
imagem da própria pessoa, evidenciando o seu crescimento e
desenvolvimento, além de poder conter um aspecto maternal, provendo-nos
com sua proteção, sombra, abrigo, dando-nos frutos que alimentam,
transmitindo solidez, permanência e enraizamento estável (CHEVALIER &
GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; JUNG, 2005;
LEXIKON, 1994).
Atividade que favoreceu trabalhar a criação artística versus a compulsão pela
droga. A criação ampliou os horizontes dos usuários e trouxe a liberdade de
escolha que favorece mudanças.
D) Série Máscaras
Objetivo: A máscara, como o teatro, amplia conceitos, exagera fatos, amplia a
vida, mostra algo além do que aparenta (AMARAL, 1996).
Comentários/Análise:
A mão pôde simbolizar a capacidade de influenciar o ambiente. Os usuários
puderam refletir sobre seu fazer, suas ações, sua vitalidade, seu crescimento,
sua vida e sua energia.
Os pés permitiram aos usuários refletirem sobre o contato deles com a
realidade, as atitudes de se por na vida, dando indicações de segurança, do
envolvimento no meio ambiente (a adaptabilidade).
A confecção de mãos e pés permitiu re-inventar modos de lidar com a
realidade. Pela ação criativa, pensamentos, idéias, sentimentos puderam se
materializar.
F) Série Histórias
Objetivos: As histórias procuram colocar o usuário diante de um processo que
envolve tanto a organização do real, como da sua criação, exercendo a função
ao mesmo tempo estruturante e expressiva, implicando transformação de
significados (VALLADARES, 2003).
Atividades desenvolvidas: Leitura de histórias em quadrinhos já prontas de
jornais e criação de suas próprias histórias em técnica de desenho e pintura
(carimbo) sobre papel.
Comentários/Análise:
O exercício valorizou o potencial expressivo e imaginativo dos jovens em
recuperação e foi um instrumento na recuperação dos adictos e o oposto da
alienação trazida pelo uso abusivo de drogas.
F) Série Construção
Objetivos: A construção resgata a edificação, a estruturação, a organização e
a elaboração da matéria e ao mesmo tempo, simbolicamente, incitam o
indivíduo a construir sua vida pessoal (VALLADARES & NOVATO, 2001).
Comentários/Análise:
O exercício possibilitou ao jovem dependente químico construir e transformar
na ação criativa, pois a Arteterapia é um processo alquímico e não é só uma
catarse.
Conclusões
As imagens dos usuários ao serem projetadas nas produções plásticas,
mostraram suas histórias de vida e o momento existencial deles, sinais
sugestivos ou não de fragilidade emocional como: suas angústias, medos,
objetivos, metas e planos futuros.
Concluindo, trabalhar a Arteterapia com dependentes químicos permite a
troca com o outro que possui características semelhantes às suas e ainda,
favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados à própria
dependência, podendo os personagens expressar e lidar de uma forma mais
natural com a doença.
Referências
AMARAL, A. M. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996.