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Edu
ucação e Pssicologia

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UM “ AZZÃO ESC TA”
CRIT
E
Elisa Valério
o1 

O  paradigma  do  profeessor  reflexxivo  é  já  um  conceito o  recorrente  na  literaatura 
sobrre  formaçãão  de  prrofessores.  Existe  uma  u diverrsidade  dee  perspecctivas 
relattivamente  à  concepçãão  do  que  é  ser  profeessor  e  ensinar,  de  q
que  dificilm
mente 
daríaamos  contta,  caso  esse  fosse  um 
u dos  objectivos  deeste  traballho.  Contudo,  a 
probblematizaçãão  das  qu uestões  so obre  a  forrmação  dee  professo ores  articuula‐se 
neceessariamente  com  a  concepção  do  que  é  ser  profeessor  e  do  que  é  enssinar, 
porqque cada co
oncepção ev videncia deeterminado os enfoquess.  

Accerca da diiversidade de perspecctivas em relação ao q que é ser prrofessor e o o que 


é ensinar, partiilhamos a n noção apreesentada po or Gonçalo o Simões (2 2000, p. 13)) que 
se  traduz  num ma  diversidade  de  «metáforas
« s  do  professsor»,  corrrespondenttes  a 
conccepções  igu ualmente  diversas, 
d coonforme  a  lista 
l que  see  encontraa  no  excerto:  «O 
profe
fessor  comoo  adaptado or  de  decisõ
ões  (Postic));  O  professsor  como  a
autocontrolador 
(Ellio
ott);  O  pro
ofessor  com mo  práticoo  reflexivo  (Cruicksha ank  e  Appplegate,  Zeiicher, 
Schöön,  Elliott);;  O  professsor  como  experimentador  con nstante  (SStratemeyerr);  O 
profe
fessor  comoo  adaptativo  (Hunt);  O 
O professorr  como  inveestigador  na  acção  (C Core  e 
Shummsky);  O  professor  co omo  científfico  aplicad
do  (Brophyy  e  Evertso on,  Freeman);  O 
profe
fessor como artesão mo oral (Tom);; O professoor como sujjeito que ressolve probllemas 
(Joycce e Hroutuunian); O prrofessor com mo indagad dor clínico  (Smith, Cla ark); O proffessor 
como o  auto­ana alítico  (O’  Day);  O  professor 
p como 
c pedaagogo  radiccal  (Girouxx);  O 

1  Proffessora  do  ens


sino  Secundárrio,  Orientadorra  de  Estágio  do  Ramo  de  Formação  Educacional,  auttora  de 
manuaais e livros de apoio didáctico e de escrita d
de ficção. eom
mvv@hotmail.ccom 
VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 
 
professor  como  desenhador  (Yinger);  O  professor  como  artesão  político  (Kohl);  O 
professor  como  actor  político  (Carlson);  O  professor  como  académico  (Elner);  O 
professor como artista (Eisner, Pérez)» 

À  lista  apresentada  poderíamos  acrescentar  outras  tantas  metáforas  ou 


concepções, mas o exercício somente reforçaria a ideia de que ser professor é um 
conceito  plural.  O  professor  assume  características  diversas  que  não  se  excluem 
mutuamente; pelo contrário, relacionam‐se entre si. Por exemplo, para se ser auto‐
crítico  é  preciso  ser  também  reflexivo.  Por  outro  lado,  dificilmente  um  professor 
concentra  em  si  todos  os  atributos  expressos  na  lista  do  referido  autor,  pois  isso 
corresponderia a um ideal de professor, que se situa longe do professor real. Como 
se articula a concepção plural de ser professor com a formação de professores em 
situação  de  estágio  pedagógico?  Saúl  de  Jesus  (2000,  p.  315)  responde  à  questão 
nos  seguintes  termos:  «Não  há  um  perfil  geral  ou  normativo  de  bom  professor 
definido em termos de certos comportamentos manifestos ou traços de personalidade 
que a formação deva procurar implementar em todos os professores. O professor não 
pode  estar  limitado  à  aquisição  de  objectivos  e  comportamentos  estandardizados». 
Partilhamos  a  visão  apresentada  por  Saúl  de  Jesus  (ibidem)  relativamente  à 
formação inicial.  

Das metáforas de professor apresentadas, situamo‐nos num quadro teórico que 
coloca  o  enfoque  no  professor  reflexivo.  Partirmos  da  perspectiva  de  professor 
reflexivo veiculada por Donald Schön (1983), na obra The Reflective Practitioner e 
completamos essa perspectiva com a visão de Isabel Alarcão (1996c) no seu texto: 
Reflexão  Crítica  sobre  o  Pensamento  de  D.  Schön  e  os  Programas  de  Formação  de 
Professores, onde problematiza a questão da reflexão na formação inicial e propõe 
estratégias, na linha de pensamento daquele autor.  

Mestre em Ciências da Educação, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas 
‐ Estudos Portugueses e Ingleses. Professora de Português do ensino Secundário e 
orientadora de Estágio do Ramo de Formação Educacional, junto da Faculdade de 
Letras da Universidade de Lisboa. 

Donald Schön surge, na década de 80, com uma visão inovadora em matéria de 
formação de professores. Ao longo dos anos, as suas obras giram em torno de três 
temas actuais: o conceito de um professor profissional que tem de ser eficiente e 
que  tem  de  prestar  contas  do  seu  desempenho;  o  da  relação  entre  a  teoria  e  a 
prática e a temática da reflexão. A perspectiva de Donald Schön integra uma visão 
crítica sobre o «modelo de racionalidade técnica» que não apresenta soluções para 
a resolução de problemas reais que a prática pedagógica coloca. Segundo o autor, o 
ensino  universitário  contemporâneo  enferma  de  um  problema  que  é  o 
desfasamento entre aquilo que ensina, de acordo com os planos curriculares para 
futuros professores, e aquilo que eles terão de enfrentar na prática. O currículo dos 
futuros  professores  parece  ter  por  base  o  princípio  de  que  o  conhecimento 
científico e teórico de âmbito pedagógico‐didáctico se transforma em competência 
pedagógica  e,  posteriormente, em  competência  profissional.  Esta  visão  coloca  em 
evidência a noção de «transposição didáctica do conteúdo», ou seja, a capacidade de 

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 

transformar  uma  dada  matéria  em  conhecimento  adequado  para  alunos  com 
determinadas características (sociais, etárias, linguísticas, literárias, culturais), em 
circunstâncias específicas, numa dada situação. 

No  âmbito  do  paradigma  do  professor  reflexivo,  Donald  Schön  (1983),  no  seu 
livro  The  reflective  practitioner:  how  professionals  think  in  action  sintetiza  o  seu 
pensamento  pedagógico  ao  defender  que  a  formação  do  futuro  profissional  deve 
incluir  a  reflexão  a  partir  de  situações  práticas  reais,  com  base  na  teoria 
aristotélica em  que  praxis,  conhecimento  prático,  e  poiesis,  conhecimento  criativo 
se interligam, binómio que aliás caracteriza o conhecimento científico. Segundo o 
autor,  este  é  o  caminho  necessário  para  que  o  profissional  se  sinta  capaz  de 
enfrentar as  situações,  sempre  novas,  com  que  necessariamente  se irá  deparar,  e 
também  para  ser  realmente  capaz  de  tomar  decisões  apropriadas  em  zonas  de 
«indefinição», que também caracterizam o quotidiano docente. A prática reflexiva 
defendida por Donald Schön (1983) constitui um paradigma que interliga a teoria 
e a prática, na formação de professores.  

Para construir a sua visão acerca da formação, Donald Schön (1983) procurou 
compreender  a  actividade  profissional  dos  professores,  a  qual  nos  é  descrita, 
segundo as palavras de Isabel Alarcão (1996b, p. 13), como «actuação inteligente e 
flexível,  situada  e  reactiva,  produto  de  uma  mistura  integrada  de  ciência,  técnica  e 
arte,  caracterizada  por  uma  sensibilidade  de  artista  aos  índices  manifestos  ou 
implícitos,  em  suma,  uma  actividade  a  que  dá  o  nome  de  ‘artistry’».  Um  conceito 
fundamental  na  visão  do  autor  sobre  a  actividade  profissional  dos  professores  é 
precisamente  «artistry».  A  este  propósito,  seleccionámos  as  seguintes  passagens 
do livro de Donald Schön (1987), transcritas por Isabel Alarcão (1996b, p. 31‐32): 
«Artistry is an exercise of intelligence, a kind of knowing, though different in crucial 
respects  from  our  standard  of  professional  knowledge  (…)»;  «In  the  terrain  of 
professional  practice,  applied  science  and  research­based  technique  occupy  a 
critically important though territory, bounded several sides by artistry. There are an 
art  of  problem  framing,  an  art  of  implementation,  an  art  of  improvisation­  all 
necessary to mediate the use in practice of applied science and technique».  

Donald  Schön  usou  a  expressão  «professional  artistry»  referindo‐se  à 


competência  que  certos  profissionais  mostram  em  situações  únicas,  situações  de 
incerteza e situações de conflito na sua prática. Trata‐se de criatividade na medida 
em  que  possibilita  novas  formas  de  utilização  de  outras  competências  que  o 
professor  já  possui  e  traduz‐se,  em  última  instância,  em  novos  conhecimentos. 
Neste  âmbito,  surgem,  na  obra  de  Donald  Schön,  noções  fundamentais: 
conhecimento  na  acção,  «knowing­  in­action»;  reflexão  na  acção,  «reflection­in­
action»; reflexão sobre a acção, «reflection‐on‐action», e reflexão sobre a reflexão 
na acção, «reflection on reflection‐in‐action». «O conhecimento na acção» prende‐se 
com a execução, é um conhecimento táctico que os bons profissionais demonstram, 
é  um  conhecimento  dinâmico  que  resulta  da  regulação/reformulação  da  acção.  A 
«reflexão na acção» é feita em simultâneo com a própria acção, sendo a «reflexão 
sobre a acção» diferida no tempo, ou seja, posterior à acção. Por último, a «reflexão 
sobre  a  reflexão  na  acção»  leva  o  professor  a  antecipar  problemas,  descobrir 

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 
 
soluções.  Este  último  nível  de  reflexão  relaciona‐se  mais  directamente  com  a 
planificação.  

Os momentos de reflexão, de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais 
e profissionais são momentos em que cada um produz a «sua vida» e, no caso dos 
estagiários,  agindo  desse  modo,  «produzem  a  sua  profissão»,  conforme  realça 
António Nóvoa (1995b). 

Quando um professor reflecte sobre os aspectos da prática pedagógica procura 
conhecer  esses  aspectos  à  luz  de  referentes,  conceptuais  e  teóricos,  que  lhes 
confiram  significado.  Esses  referentes  podem  ser  os  conhecimentos  que  o 
professor  possui,  adquiridos  pela  informação,  pela  prática,  pela  experiência 
pessoal. Ao analisar e reflectir, o sujeito reorganiza esses referentes, aprofundando 
ou  gerando  novos  conhecimentos,  com  consequências  ao  nível  da  acção. 
Concordamos  com  as  palavras  de  Isabel  Alarcão  (1996c,  p.  179)  ao  afirmar:  «É 
nesta  interacção  que  reside  para  mim  a  essência  da  relação  teórico­prática  no 
mundo  profissional  dos  professores  e  penso  ser  esta  a  relação  que  Wallace  (1991) 
estabelece  entre  o  saber  documental  e  o  saber  experiencial  que,  através  do  que 
chama ciclo reflexivo (prática/reflexão), conduz ao desenvolvimento da competência 
profissional. Penso ser ainda esta a perspectiva de Dewey segundo a qual não se pode 
conhecer sem agir e não se pode agir sem conhecer». 

Uma das características da actuação do professor, afirma Isabel Alarcão (1999, 
p. 259), «é a capacidade de mobilização cognitiva de conteúdos vários em função da 
realização  de  tarefas  com  fins  educativos»  que  estão  longe  de  implicar  quer  um 
hábito,  quer  uma  improvisação.  A  metáfora  da  improvisação,  usada  por  Donald 
Schön (1987), para caracterizar a acção do professor, afigura‐se‐nos pouco clara na 
medida em que o professor mobiliza saberes teóricos e práticos, cuja orquestração 
lhe  parece,  ao  agir,  adequada  às  circunstâncias,  ao  contexto  e  aos  intervenientes. 
As  decisões  que  toma  não  são  tomadas  com  base  no  vazio,  são  o  resultado  de 
conhecimentos  teórico‐práticos  interiorizados  que,  aliados  às  características 
pessoais e relacionais do professor, o levam agir de uma maneira aparentemente 
improvisada, em situações de «indefinição». 

A  reflexão  enquanto  «forma  especializada  de  pensar»  remete‐nos  para  uma 


actividade  difícil.  Muitos  professores,  com  alguns  anos  de  experiência,  que 
dominam  um  número  razoável  de  conhecimentos  teóricos  e  práticos,  revelam 
dificuldade  em  reflectir  sobre  a  sua  profissão.  Seguramente  não  será  tarefa  fácil 
para os estagiários, cujo saber experiencial é ainda reduzido. Acerca da dificuldade 
que os professores têm em reflectir, Telmo Caria (2000, p. 144) afirma «Enquanto 
problema  de  formação,  a  questão  colocava­se  para  nós  do  seguinte  modo:  como 
explicar que professores com uma formação escolar superior, familiarizados com as 
ciências sociais (licenciaturas em história, filosofia e geografia), capazes de dominar 
teoricamente  os  conhecimentos  sociológicos  transmitidos  na  formação  e  de 
desenvolver  pensamentos  críticos  globais  sobre  a  organização  social  e  escolar 
(demonstrado  através  de  trabalhos  académicos),  tivessem  enormes  dificuldades  em 
reflectir sobre a sua experiência profissional».  

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 

Telmo  Caria  (ibidem)  procura  compreender  o  problema  da  reflexão  na 


formação, concebendo a aprendizagem como prática da reflexividade em contexto, 
através  do  estudo  dos  documentos  escritos  e  da  sistematização  daquilo  a  que 
«chama cultura curricular dos professores». Articula as questões da construção do 
conhecimento  profissional  e  o  relacionamento  dos  professores  com  esse 
conhecimento,  ou  seja,  o  tipo  de  pensamento  estratégico  que  os  professores 
desenvolvem. Telmo Caria (2000) coloca a questão nos seguintes termos: quais os 
meios  «tecnológico­intelectuais»  de  que  a  escola  se  serve  para  ensinar 
conhecimentos de modo descontextualizado2 em relação ao vivido? Essa tecnologia 
de que a escola se serve só pode ser a escrita, na opinião de Telmo Caria (ibidem, p. 
155) que estuda as «formas sociais escriturais: para entender as relações sociais que 
suportam  a  escrita  e  são  veiculadas  por  ela».  Trata‐se,  segundo  o  autor,  de 
compreender o ensino veiculado pela escola, enquanto aprendizagem das relações 
sociais,  através  de  textos  escritos,  configurando  a  ideia  de  que  o  conhecimento  é 
social  e  que  a  relação  com  o  conhecimento  pode,  e  deve,  na  opinião  do  autor  e 
também  na  nossa,  passar  pela  relação  dos  professores  com  a  escrita  e  com  os 
mecanismos cognitivos nela implicados. Não é estranha esta perspectiva uma vez 
que, em contexto escolar, nas diferentes disciplinas, se exige aos alunos que sejam 
capazes  de  usar  diversas  formas  escriturais,  que  atestam  das  suas  reais 
competências comunicativas, linguísticas e discursivas. 

O  pensamento  reflexivo  é  uma  capacidade  passível  de  ser  desenvolvida, 


levando‐nos  a  pensar  sobre  como  se  poderá  desenvolvê‐la  nos  professores  em 
situação de estágio. Usando as palavras do próprio Donald Schön (1995, p.88): «O 
que significa, então, tentar formar um professor para que ele se torne mais capaz de 
reflectir ‘na’ e ‘sobre’ a sua prática? O autor propõe a metodologia do «practicum», 
ou  seja,  «aprender  fazendo»,  mesmo  que  isso  signifique,  conforme  o  próprio 
constatou,  alguma  confusão  inicial.  O  autor  refere  exemplos  que  observou  em 
ateliers  de  design  arquitectónico,  em  que  os  futuros  arquitectos  começavam  por 
desenhar  antes  de  saberem  o  que  é  o  design.  Refere  Shön  (1995,  p.  89):  «Nos 
primeiros  tempos,  toda  a  gente  se  queixa  da  confusão».  Parece‐nos  pertinente 
destacar  este  exemplo  como  podendo  ter  um  paralelo  com  os  estágios  de 
professores  em  que  o  uso  da  Língua  seja  instrumental  como  é  o  caso  dos 
professores  em  geral  e,  em  particular,  dos  de  Português.  Se  não  vejamos:  o 
estagiário  exerce  a  docência  nesse  ano  de  formação,  mas  está  a  experimentar 
porque nunca leccionou antes. Pode surgir alguma confusão nos primeiros tempos, 
mas  o  estagiário  tem  de  dominar  saberes  e  possuir  competências  essências  ao 
exercício  da  docência;  no  caso  do  estagiário  de  Português  são  as  competências 
linguísticas, discursivas e literárias essenciais ao exercício da profissão, tal como os 

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 O uso da palavra «descontextualizado», como própria do ensino escolar, é relativa ao facto de o mesmo ensino 
não visar o conhecimento de pessoas e de relações entre essas pessoas, mas sim um conhecimento de «factos», 
tratando as pessoas como seus objectos e as relações sociais como instituições. Estamos perante uma «cultura 
escolar» que se caracteriza precisamente por ser escolar, como realça Suzanne Citron (1983), e que não parece 
ter evoluído no sentido de uma humanização, ou seja, no sentido de uma cultura que procure os instrumentos 
de  desenvolvimento  do  sujeito  e  que  passam  pelos  utensílios  de  comunicação  interpessoal,  entre  os  quais  a 
escrita se inclui.  
 

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 
 
candidatos  a  arquitectos  devem  possuir  noções,  por  exemplo,  de  equilíbrio 
estético‐funcional e competências relacionadas com o desenho e o traço. 

Partilhamos a ideia de Flávia Vieira (1994), citada por Isabel Alarcão (1996c, p. 
181), ao reforçar a ideia de que as estratégias de formação reflexiva se articulam 
com  princípios  de  formação  que  colocam  o  «enfoque  no  sujeito,  nos  processos  de 
formação,  problematização  do  saber  e  da  experiência,  integração  teoria  e  prática, 
introspecção metacognitiva». Neste âmbito, formação implica, por parte do sujeito, 
uma  postura  de  questionação  do  saber  para  a  compreensão  de  si  e  da  realidade 
profissional da qual é parte integrante. Aliás, reflectir começa por ser um «diálogo 
interno» com o próprio, onde existe o questionar e o ensaio de possíveis respostas.  

Isabel  Alarcão  (ibidem)  explicita  as  capacidades  aliadas  à  reflexão  que  devem 
ser desenvolvidas: observar, descrever, analisar, comparar, interpretar, avaliar de 
forma  crítica  e,  principalmente,  auto‐avaliar‐se,  o  que  implica  quase  todas  as 
capacidades anteriormente referidas. Para a autora, o contexto em que a formação 
inicial  se  desenrola  deve  ser  rico  em  termos  de  percursos  dicotómicos  de 
experimentação/reflexão.  Esse  contexto  abrange  o  ambiente  institucional 
(universidade, escola) e humano (os alunos, os o núcleo de estágio). O contexto da 
formação  deve  permitir  ao  estagiário  a  possibilidade  de  reflectir  conjuntamente 
com o seu núcleo (na escola e na universidade), ou seja, a exteriorizar e partilhar 
essa  reflexão,  ou  «diálogo  interno»3.  A  tese  fundamental  de  Vygotsky  (1987)  é 
precisamente a de que a linguagem ajuda a encontrar soluções para os problemas 
com que as pessoas são confrontadas e o domínio da escrita favorece, através da 
verbalização, a identificação e resolução desses problemas.   

As dimensões da reflexão transportam‐nos para as questões relacionadas com o 
conhecimento inerente ao exercício da docência. Entendemos conhecimento como 
saber profissional e, nessa acepção, o saber profissional dos professores desdobra‐
se em diferentes tipos de conhecimentos e de saberes. Para melhor compreender a 
natureza do conhecimento que os estagiários devem desenvolver, situamo‐nos nas 
propostas de dois autores: Marcelo García (1999) e Telmo Caria (2000). 

Marcelo García (1999, p. 84) utiliza o termo «conhecimento» para se referir, não 
só  a  áreas  do  ‘saber’  pedagógico  (conhecimentos  teóricos  e  conceptuais),  mas 
também  a  áreas  do  ‘saber­  fazer’  (esquemas  práticos  de  ensino),  assim  como  de 
‘saber  porquê’  (justificação  da  prática)».  O  autor  distingue  igualmente 
«conhecimento  do  conteúdo»  e  «conhecimento  didáctico  do  conteúdo».  García 
distingue  dois  tipos  de  conhecimentos:  o  didáctico  do  conteúdo  disciplinar  (de 
carácter  mais  teórico)  e  outro  que  abrange  um  saber  ensinar  esse  conteúdo  e 
3
 O diálogo colaborativo entre os estagiários e o orientador revela‐se indispensável. A forma para dialogar mas 
recorrente é a oralidade, mas a partilha de reflexões escritas constitui igualmente uma estratégia dialógica de 
construção  do  conhecimento.  Tal  como  Vygotsky  (1987)  realçou,  existe  uma  diferença  entre  aquilo  que  o 
indivíduo, perante uma tarefa, é capaz de fazer sozinho e o seu desempenho em situação de interacção social 
ou  «zona  de  desenvolvimento  proximal».  Para  o  autor,  o  conhecimento  é  construído  socialmente  e  é  possível 
activar o seu desenvolvimento através do diálogo, ou método socrático, através da maiêutica «maieutiké», ou 
seja,  a  arte  de  fazer  dar  à  luz  o  conhecimento.  Os  textos  argumentativos  do  padre  António  Vieira  são  um 
exemplo escrito deste método. 

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 

também  a  justificação,  a  teorização  sobre  esse  «como»  e  «porque»  se  ensina  de 
determinado modo. 

O «conhecimento do conteúdo» inclui o conhecimento substantivo e sintáctico. O 
conhecimento substantivo diz respeito à informação, aos conceitos, às definições e 
aos  procedimentos.  O  conhecimento  sintáctico  completa  o  anterior  e  é  adequado 
ao conteúdo que o professor tem de leccionar. Relaciona‐se com o domínio que o 
professor deve ter dos paradigmas, tendências e perspectivas na sua disciplina4.  

Marcelo García (ibidem) refere que o conhecimento disciplinar dos professores 
se destina a ser ensinado e, por isso, deve ser organizado em função, não apenas da 
estrutura  disciplinar,  mas  também  dos  alunos‐alvo  da  aprendizagem  desses 
conteúdos.  Por  isso,  é  necessário  que  os  estagiários  possuam  um  conhecimento 
didáctico do conteúdo a ensinar (que inclui o pedagógico e o didáctico), tal como 
afirma o autor (ibidem, p. 88): «O conhecimento didáctico do conteúdo representa a 
combinação adequada entre o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento 
pedagógico e didáctico de como a ensinar».  

Por  seu  lado,  Telmo  Caria  (2000)  dá  ênfase  ao  conhecimento  que  advém  da 
prática e é regulado por ela. O autor realça também a escrita como uma tecnologia 
a ser usada pelos professores na construção do conhecimento. No livro, A cultura 
profissional dos professores, Telmo Caria (ibidem, p. 155) apresenta um estudo que 
desenvolveu  no  âmbito  das  «formas  sociais  escriturais:  para  entender  as  relações 
sociais  que  suportam  a  escrita  e  são  veiculadas  por  ela».  Relativamente  à  questão 
dos  meios  «tecnológico­intelectuais»  de  que  a  escola  se  serve  para  ensinar 
conhecimentos, Telmo Caria (ibidem) argumenta que essa tecnologia é a escrita e 
foi através de textos escritos que  procurou compreender o ensino veiculado pela 
escola,  enquanto  aprendizagem  das  relações  sociais  e  também  compreender  os 
professores e a sua relação com a docência.  

Telmo Caria (ibidem, p. 158) apresenta‐nos uma visão antropológica da escrita 
porque possibilita o «exercício continuado da reflexão crítica e do pensamento sobre 
o pensamento passado, pois existe um passado de ideias identificável, mesmo após o 
desaparecimento  dos  seus  autores.  Segundo  Caria  (ibidem),  os  professores  usam  a 
escrita  para  fixar  a  realidade  e  as  práticas  sociais  (uso  dogmático),  mas  sem 
utilizarem  essa  escrita  para  reflectir  criticamente  e  agir  em  contexto  profissional 
(uso  prático).  Por  isso,  o  autor  defende  o  uso  articulado  da  escrita  nas  vertentes 
dogmática e prática, ou seja, defende a aprendizagem de uma «razão escrita».  

 4 No caso dos professores de Português o «conhecimento do conteúdo» (substantivo e sintáctico) consiste no 
domínio  das  características  linguistico‐discursivas  e  no  domínio  das  técnicas  de  interpretação  e  análise  das 
diversas tipologias de texto. As características linguísticas compreendem as regras de funcionamento da língua 
portuguesa  nas  realizações  oral  e  escrita;  as  características  discursivas  são  referentes  à  exposição  e 
organização do discurso, oral e escrito. A interpretação e análise de texto deve abranger textos não literários 
como banda desenhada, publicidade, carta, notícia, entre outros e também textos dos três géneros literários: 
narrativo, dramático e poético (ou lírico).  
 

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 
 
Entendemos  que  a  aprendizagem dessa  «razão  escrita»  deve  ser impulsionada 
na formação inicial para desenvolver, nos estagiários, uma atitude positiva face à 
escrita  e  à  profissão  docente.  Essa  atitude  deve  passar  pela  consciência  da 
importância  do  uso  da  escrita  para  registar  aspectos  da  escola,  do  ensino  e  do 
quotidiano  docente,  para  reflectir  sobre  esses  aspectos  e  para  agir  em  contexto 
profissional;  uma  espécie  de  «razão  prática»  que  envolve,  articuladamente,  a 
triangulação: escrita, reflexão e acção.   

Neste contexto, podemos perspectivar o conhecimento necessário ao ensino e à 
aprendizagem  como  um  conhecimento  contextualizado,  historicamente  situado, 
mas  nem  por  isso  estático.  Ao  contrário,  as  transformações  sociais  exigem  uma 
adequação  da  escola,  dos  professores  e  dos  formadores,  conduzindo 
necessariamente  a  uma  visão  dinâmica  do  conhecimento,  que  os  professores  e 
alunos  mobilizam  no  ensino,  e  na  aprendizagem,  em  contexto  escolar.  O  carácter 
dinâmico  do  conhecimento  relativo  ao  exercício  da  profissão  docente  leva‐nos  a 
afirmar que esse conhecimento «não existe», não é um corpo estático com regras e 
conceitos  imutáveis  e  aplicáveis;  ao  contrário,  ele;  tem  de  ser  constantemente 
(re)construído pela prática, pela reflexão e pela manipulação das tecnologias que 
impliquem  mecanismos  cognitivos,  como  é  o  caso  da  escrita.  O  verdadeiro 
conhecimento  pedagógico  é  aquilo  que  «se  sabe  fazer»,  um  saber  que  se  adquire 
com  a  experiência.  Portanto,  seria  insensato  pensar  que  é  possível  o  estagiário 
adquirir, ou apreender todo esse conhecimento durante o estágio pedagógico. Ele 
deverá  ser  exposto  a  experiências  e  percursos  de  formação  enriquecedores  com 
base  na  reflexão,  oral  e  principalmente  escrita,  que  o  possam  dotar,  não  «do 
conhecimento», mas sim de instrumentos de construção do conhecimento que lhe 
possibilitem  adequar  a  sua  actuação  às  situações  e  aos  contextos  que  irá 
futuramente encontrar e, assim, construir gradualmente o seu desenvolvimento. 

Em  suma,  concordamos  com  a  perspectiva  apresentada  por  Marcelo  García 


(1999)  para  quem  o  conhecimento  profissional  dos  professores  é  um 
conhecimento  «construído».  De  acordo  com  o  autor,  os  professores  não  são 
técnicos  que  executam  instruções  e  esquemas  elaborados  por  especialistas;  são 
construtivistas  capazes  de  processar  informação  e  tomar  decisões,  gerando 
conhecimento  prático5.  Na  capacidade  de  construção  do  conhecimento  prático 
reside  a  possibilidade  do  desenvolvimento  profissional  dos  professores, 
progressivamente  e  em  espiral:  quanto  mais  se  (re)constrói  mais  se  evolui.  Foi 
nesta perspectiva desenvolvimentista e construtivista que nos situámos.  

Concordamos igualmente com a perspectiva de Caria (2000) porque acrescenta 
a  necessidade  e  a  funcionalidade  da  escrita  para  objectivar  o  conhecimento 
teórico‐prático.  Baseando‐se  no  pensamento  de  Raúl  Iturra  (1990),  Telmo  Caria 
(2000, p. 164‐165) afirma a necessidade da escola possuir a «acção e as palavras 
para acompanhar a acção». Refere‐se o autor à palavra escrita como instrumento 
de  racionalização  da  cultura  e  de  «generalização  de  um  determinado  conteúdo  de 

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 Segundo uma concepção tecnicista de professor e da sua formação.  
 

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VALÉRIO, E. (2007) O conhecimento pedagógico‐ defesa de uma “razão escrita”. In, V. 
Trindade,  N.  Trindade  &  A.A.  Candeias  (Orgs.).  A  Unicidade  do  Conhecimento.  Évora: 
Universidade de Évora. 

pensamento  contextualmente  construído»,  possibilitando  a  relação  social  mediada 


pelo  conhecimento  abstracto.  A  mais  valia  da  escrita  sobre  o  oral  é  ainda  maior 
quando  se  trata  da  formação  de  professores  porque  os  problemas  identificados 
podem constituir‐se em matéria relevante e meio pertinente para permitir teorizar 
sobre a prática. Telmo Caria (2000) defende um estilo «crítico­reflexivo de relação 
com  o  conhecimento»  equacionado  estrategicamente  com  a  acção  e  uma  relação 
construída a partir da subjectividade dos actores contextualmente situados. 

Pensamos  que  as  visões  dos  autores  Marcelo  García  (1999)  e  Telmo  Caria 
(2000) se completam pois entendemos que existe um conhecimento do conteúdo 
necessário  ao  professor  para  poder  actuar,  mas  a  sua  eficácia  passará  pelo 
conhecimento  pedagógico‐didáctico  do  conteúdo  a  leccionar,  que  o  mesmo 
professor  possui.  Embora  com  perspectivas  diferentes  (uma  pedagógica  e  outra 
antropológica), ambos os autores reforçam a ideia da construção do conhecimento, 
dando  relevo  a  um  dinamismo  às  tarefas  de  reflexão/teorização  sobre  a  prática. 
Telmo  Caria  (ibidem)  acrescenta  a  importância  da  escrita,  e  aos  mecanismos 
cognitivos  nela  implicados,  como  uma  tecnologia  para  dar  corpo  a  essa 
reflexão/teorização.  

Partindo  do  quadro  teórico  anteriormente  descrito,  propomos  uma  estratégia 


de  formação  que  articule  a  reflexão  e  a  escrita  e  que  designamos  por  «escrita 
reflexiva». Entendemos que o desenvolvimento das capacidades de reflexão pode 
ser  feito  através  da  prática  da  escrita,  contribuindo  para  o  desenvolvimento  das 
respectivas competências. Referimo‐nos a escrita reflexiva, colocando a tónica, não 
apenas  na  questão  da  reflexão,  mas  também  na  escrita  como  actividade 
metacognitiva  capaz  de  promover  o  desenvolvimento,  pessoal  e  profissional  dos 
estagiários  uma  estratégia  que  deve  ser  incentivada  durante  a  formação  inicial 
como prática sistemática para o desenvolvimento profissional ao longo da vida.   

A escrita reflexiva, tal como a concebemos, é uma actividade porque envolve a 
elaboração  de  textos  de  natureza  descritiva  e  crítica  que  dão  conta  da  realidade 
docente e das experiências de formação vividas pelo sujeito, às quais outros podem 
ter acesso através da leitura desses textos, e, assim, partilhar essas experiências e a 
análise  que  delas  é  feita.  A  escrita  constitui  uma  estratégia,  enquanto  modo  de 
operacionalização/objectivação/distanciação  e  partilha  dessa  reflexão.  Assim 
sendo, quando nos referimos à escrita como estratégia, perspectivamo‐la, por um 
lado,  como  um  estratagema,  um  meio  de  facilitar  e  optimizar  a  formação  dos 
professores  em  situação  de  estágio,  mas,  por  outro,  também  a  escrita  é  uma 
actividade necessária porque, através dela, o estagiário transmite a forma de ver e 
compreender a sua profissão. 

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