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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


Jor

O leitor quer qualidade


Di Franco, Carlos Alberto. O leitor quer qualidade. O Estado de S.
Paulo, 6/10/2008, p. A2.

Acabo de regressar da Europa. Lá, como cá, os jornais investem pesado na tentativa
de conquistar e fidelizar leitores. A mídia impressa perde leitores em todo o mundo.
Aqui, felizmente, a crise ainda não se instalou com a força de outros mercados.

Televisão e internet são, freqüentemente, os bodes expiatórios. Os jovens estão


"plugados" horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É
evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é só a moçada que foge
dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos
navegantes do espaço virtual. A perplexidade do setor é enorme. Mas os equívocos
estratégicos são ainda maiores.

Os jornais, erradamente, pensam que são meio de comunicação de massa. E não são.
Daí derivam providências fatais: a absurda imitação da televisão, a incapacidade para
dialogar com a geração dos blogs e dos videogames e o alinhamento acrítico com os
modismos politicamente corretos.

Esqueceram que os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público,
independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada
vez mais órfã de produtos de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na
infografia e na prestação de serviços - estratégias convenientes e necessárias -,
defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que devemos
conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na TV ou na internet. Ele
quer informação de qualidade: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a
análise que o ajude, de fato, a tomar decisões.

O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos


qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está, freqüentemente, dominado pela fofoca e
pelo declaratório. Não tem notícia, mas sobra suposição sem fundamento e
documentação. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à
morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência. Políticos e
partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das idéias. Nós,
jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a
missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos
minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não
contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.

Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)


site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
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Por isso uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É
preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda
do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas
carências e cobrar soluções dos governantes.

Não se pode permitir que políticos e suas assessorias de comunicação definam a


agenda das coberturas jornalísticas. O centro do debate tem de ser o cidadão, as
políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. Na prática, não
obstante a teoria da agenda-setting (Maxwell McCombs e Donald Shaw, formuladores
da hipótese, afirmam que o debate público é determinado pelas pautas dos jornalistas)
atribuir à imprensa uma influência decisiva na determinação da agenda do público, tal
poder, de fato, passou a ser exercido pelos políticos. O jornalismo de registro, pobre e
simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real.
Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com
equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Outros riscos ameaçam a qualidade da cobertura jornalística. Sobressai, entre eles, o


perigo da instrumentalização da imprensa. Os protagonistas do teatro político não
medem esforços para fazer com que a mídia, à sua revelia, destile veneno nos seus
adversários. Por isso é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem
ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: checou? Tem provas? A
quem interessa essa informação?

O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma
imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. A
sociedade quer um quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar
um perfil dos homens públicos: seus antecedentes, sua evolução patrimonial, seu
desempenho em cargos atuais e anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom
levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais
descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um
bom jornalismo de serviço.

Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o


rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles,
infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia
coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania.
Precisamos falar do futuro, dos projetos e dos planos de governo. Mas precisamos
também falar do passado, das coerências e das ambigüidades.

A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar


importante papel na recuperação da ética na vida pública. Transparência nos negócios
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
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públicos, ética e competência são importantes demandas da sociedade. Nosso


compromisso não é com as celebridades, mas com a verdade, com a informação bem
apurada e com os leitores. E nada mais.

Só uma séria retomada na qualidade informativa garantirá a fidelidade dos antigos


leitores e a conquista de novos. Precisamos mostrar que o jornal continua sendo útil,
importante, interessante.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo


(www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em
Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco -
Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@iics.org.br

Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)


site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
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