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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
!° visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
'',-■'■ ir'1 ' 'j ■

1OA!
ÍNDICE

I. ClfiNCIA E EELIGIAO

1) "A Igreja é favorável ao controle da natalidade. Ela já


nao faz distineáo entre meioa naturais e meios artificiáis para a
regidammtac&o dos naseimentos" 69

H. DOGMÁTICA

2) "Por que a fé está em erise nos nossos dios?


Quál o criterio para nao errar em materia de fé?" 60

S) "Que é essencial na fé crista?

Quais os artigos de fé que alguém deve aceitar para ser


cristáo ?" 67

III. ESPIRITUALIDADE

U) "Apóa o Concilio nao sobroti lugar para oa Religiosos nem


na Igreja nem na aoeiedade contemporánea.

Quais os fundamentos teológicos e bíblicos da vida religiosa?" 7i

TV. IGREJA E MUNDO MODERNO

5) "Hoje falose muito da Igreja dos pobres. Que significa


esta expressáo?" 8S
6) "O sacerdote, de amanhd deverá ser um homem, casado,
ocupado no exercicio de urna profiasao civil" 87

CORRESPONDENCIA MIÜDA

COM APBOVAgAO ECLESIÁSTICA


¡PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano IX — N* 98 — Fevereiro de 19Ó8

I. CIENCIA E RELIGIÁO

1) «A Igreja é favorávcl ao controle da natalidade. Ela


já nao faz distmg&o entre meios naturais e meios artificiáis
para a regulamentacáo dos nascimentos».

As proposigóes ácima, freqüentemente proferidas nos


últimos tempos, sao ambiguas ou mesmo erróneas. Exigem,
portante, esclarecimentos, que abaixo seráo dados por etapas :
1) meios naturais e artificiáis; 2) a questáo da pilula;
3) observagáo final.

1. Meios naturais e meios artificiáis

No processo de limitagño da natalidade, distinguem-se


dois tipos de meios :

1) meios naturais: sao aqueles que nao violentam as leis da na-


tureza ou do organismo humano, mas, ao contrario, as respeitam. Tal
6, sem dúvida, o método de Ogino-Knaus: os cónjuges prevéem por
cálculo os periodos em que a natureza é por si mesma estéril, e pra-
ticam a cópula apenas em tais fases; assim o seu ato conjugal pode
tornar-se infecundo, sem que haja interferencia no curso mesmo da
natureza;

2) meios artificiáis: sao os que dosviam ou impedem o exercíclo


natural das fungóos sexuais, recorrendo a algum artificio mecánico
(diafragma, camisa de Venus, dispositivo intrauterino...), farmacéu
tico (droga esterilizante...) ou cirúrgico (ligadura de trombas,
aborto).

Ora a Moral crista se apoia sobre a lei natural (sobrepondo


a esta, sem dúvida, os preceitos do Evangelho). As leis da na-
turezá sao as leis do Criador, que nao é lícito ao homem trans
gredir a seu bel-prazer. Assim como o ólho foi feito para ver
e o ouvido para ouvir, assim também a funcáo nutritiva foi
dada ao homem para conservar a sua existencia (e nao sim-
plesmente para deleitar o seu paladar); paralelamente, diz a
Moral clássica, a funcáo generativa foi outorgada pela natu-

— 49 —
2 «PERGUNTE E RESRPONDEREMOS» 93/1968, qu. 1

reza ao homem para que ele conserve a sua especie ou se


reproduza. Em conseqüénda, os atos moráis do ser humano
tém que levar em conta esta finalidade natural das suas fun-
góes (em particular, a fungáo sexual deve ser vista á luz da
sua finalidade reprodutiva). É por tais motivos que se diz
que as leis moráis estáo baseadas ñas leis naturais. Em con-
seqüéncia, os meios artificiáis de limitacáo da natalidade, por
contrariarem as leis da biología, sao classicamente condenados
pela Moral católica.
Faz-se mister notar bem que a teología contemporánea
nao ab-rogou a distingáo entre «natureza» e «artificio», «meios
naturais» e «meios artificiáis» no processo de limitagáo da
natalidade ; esta distincáo é táo imutável quanto a própria
natureza humana é imutável através dos séculos.
Para ilustrar estas afirmagóes, sejam aqui citadas as
palavras de S. S. o Papa Paulo VI dirigidas a Assembléia Geral
da. O.N.U. em 4 de outubro de 1965 :

«A vida do homem é sagrada; ninguém ouse atentar contra ela.


O respeito pela vida, mesmo no que se refere ao grande problema da
natalidade, deve ter na vossa assembléia a sua mais alta afirmacáo
e a sua deícsa mais racional. Vos deveis procurar que o pao soja
suficientemente abundante na mesa da humanidade, e nao favorecer
urna regulamentacáo artificial dos nascimentos, que seria irracional,
para diminuir o número dos comensais do banquete da vida».
Estas palavras do Pontifice dáo a ver que o Magisterio da Igre-
ja reconhece a distincáo entre «regulamentacáo artificial» e «r. na
tural» da natalidade; aquela vem a ser repudiada como algo de irra
cional (palavra intencionalmente escolhida pelo S. Padre para se di
rigir a um auditorio de cristaos e náo-cristáos).

Todavía neste conjunto de idéias unT problema surgiu e


vem-se avolumando nos últimos anos : é o problema da pílula
anovulatória, que apresenta características próprias e merece
especial atengáo, como abaixo veremos.

2. A pílula: emprégo terapéutico lícito

Tém sido fornecidas ao público em quantidade o varieda


des crescentes as chamadas «pílulas anovulatórias» (ou inibi-
doras da ovulagáo). Contém substancias ditas progestógenas,
(progestógenas, porque possuem propriedades biológicas seme-
lhantes a da progesterona, hormónio da maternidade). Tais
pílulas nao somante suprimem a ovulagáo, mas freiam a ativi-
dade ovariana, ficando inibida totsü ou parcialmente a produ-

— 50 —
A PILULA ANTICONCEPCIONAL

gao dos hormónios sexuais. Tais efeitos, porém, sao reversí-


veis: caso deixe de tomar a pílula, a mulhef em ppucas se
manas recupera a atividade do ovario, as vézes com inten-
sidade surpreendente.
Como se vé, as pítalas sao um elemento que esteriliza
(embora provisoriamente); todavía nao podem ser equiparadas
aos contraceptivos meramente artificiáis, pois elas fornecem
ao organismo feminino o hormónio que éste mesmo produz
e de que necessita de maneira especial em certas situagóes. Por
isto as pilulas tém as vézes efeitos realmente terapéuticos; se-
cundam e beneficiam a natureza, contribuindo para restaurar
as atividades normáis do organismo, quando estas se acham
perturbadas.
Eis os principáis casos em que a pílula nao age contra a
natureza, mas se comporta como auténtico e benéfico remedio :

1) há certas infectes do organismo feminino, das quais sao


parcial ou totalmente respansáveis os hormónios .sexuais (foliculina).
Essas infeccSes podem ser acompanhadas de Ies5es no útero (endo-
metrial), no ovario, nos seios (molestias fibro quisticas). Ora verifica-
■se que, urna vez cessada a producto dos hormónios sexuais mediante
o uso da pílula anovulatória, se processa a cura da paciente.
2) Há pessoas cujas menstruacoes sao demasiado freqüentes.
Multiplicándose de tal modo, as menstruae6es podem acarretar ane
mia ou deficiencia de ferro no organismo — o que provoca distur
bios de saííde. Convém, entáo, suprimir temporariamente as mens
truacoes. a fim de acelerar a reconstituicao das reservas de ferro e
a cura do organismo enfermo. Em tais casos, a pilula é o verdadeí-
ro remedio.
3) Há certos tipos de magreza doentia que podem ser corrigidos
pelos efeitos que a pílula exerce sobre o funcionamento geral do
organismo.

4) Pessoas tendentes a ser esteréis podem ser curadas pelo uso


da pilula, pois esta, quando deixa de ser ingerida, provoca superati-
vidade do ovario.
A pessoas cujos ciclos menstruais sao muito irregulares, tem
sido receitada a pílula em vista de obter a devida regularizagáo. To-
davia os resultados até hoje registrados sao poucos satisfatónos, de
modo que a pilula nao é o remedio ideal.

Nos quatro primeiros casos atrás registrados, a pilula é


medicamento para estados patológicos ; a liceidade de sua
aplicagáo nao padece dúvida, desde que seja indicada por
médico consciencioso; administra-se entáo a pílula (proges-
terona) como se administram pepsina, insulina ou outros hor-
mónios em vista de determinadas deficiencias do organismo.

— 51 —
4 «PERGUNTE E RESRPONDEREMOS» 98/1968, qu. 1

É claro que a pílula, mesmo ñas situacóes que acabamos


de registrar, esteriliza provisoriamente o organismo. Note-se,
porém, que ela nao é tomada como esterilizante e, sim, como
remedio necessário para a cura de urna verdadeira situagáo
mórbida da paciente. O efeito primario da pílula, em tais
casos, é terapéutico e está em plena consonancia com a natu-
reza. A esterilizacjio provisoria nesses casos é efeito nao de-
sejado, mas tolerado; é compensada ou superada pelo efeito
bom intencionado pela paciente: a recuperagáo da saúde.
Há, porém, casos de medicina em que se tem discutido se
o emprégo terapéutico da pílula é moralmente lícito ou nao.

3. A pílula: emprégo terapéutico controvertido

1) Após o parto

A todo parto segue-se um período estéril cuja duragáo varia de


algumas semanas a alguns anos. Certos fatóres tendem a prolongar
essa fase de esterilidade: tais sao a idade, o grande número de par
tos anteriores, a rápida sucessáo dos estados de gravidez, ó trabalho
físico extenuante, a \ carencia de nutrfc&o, certos hábitos alimenta
res, doencas crónicas e principalmente a amamentacáo. As mulheres
que amamentam, podem, em certas regioes do globo, permanecer es
teréis por dois anos ou mais.

Diante de tais fatos, tem-se proposto o segumte raciocinio :


Apos o parto, algumas mulheres precisam de diferir o
reinicio de suas menstruales a fim de curar-se de anemia ou,
de modo geral, restabelecer seu estado de saúde. Ora, se a
natureza mesma proporciona á mulher tal intervalo de repouso
(intervalo cuja duragáo é variável), parece lícito ao médico
secundar a natureza, prescrevendo a pílula, a fím de oferecer
ao organismo feminino mais ampia oportunidade de se res
taurar. As pilulas retardaráo o recomégo da atividade ovariana,
sem contrariar a natureza, pois esta, em tais casos, oscila de
organismo para organismo, como vimos.

2) Por ocasiáo da menopausa

A menopausa ou o desapareclmento definitivo das menstruagóes


é muitas vézes precedida de um periodo (de variável duragáo) em que
as menstruágSes se tornam muito irregulares e os ciclos anovulató-
rios sé multiplicam.
A menopausa se dá geralmente aos 49 anos de idade; todavía as
oscilaedes podem ser consideráveis. Há fatóres que favorecem o es-
tabelecimento da menopausa, como outros há que a retardam; en
tre as causas que influenciam diversamente o curso da natureza, re-

52
A P1LULA ANTICONCEPCIONAL

gistram-se as doencas crónicas, a alimentagáo, os numerosos partos an


teriores, o género de vida (em Ceilao, notou-se, neste particular,
urna diíerenca entre as mulheres que viviam em meio urbano e as
de meio rural).

Ora admita-se. que urna mulher, próxima á menopausa,


precise, por motivos de saúde, de parausar sua atividade ova-
riana. Pergunta-se entáo: nao seria licito tomar a pílula a
fim de reforgar os fatóres que aceleram a menopausa? A
pílula, dizem, nao faria violencia á natureza, mas agiría se
gundo as tendencias desta.
Estes dois casos, que tém certa semelhanga entre si, sao
discutidos pelos moralistas. Alguns julgam que o emprégo da
pílula nessas duas situagóes nao seria própriamente terapéu
tico, já teria foros de esterilizagáo direta.

3) Disturbios psicológicos

Certas neuroses como a ciesifobia ou o médo neurótico


da gravidez podem provocar perturbagóes cardiacas, digestí-
vas, sexuais (dor por ocasiáo do contato sexual, aversáo ao
consorte...). — Ora o consumo temporario de anovulatórios
pode-se tornar fator de importancia capital para a respecdva
psicoterapia; a pilula age entáo como sedativo que dissipa o
pánico da gravidez; urna vez removido éste elemento, a psi
coterapia pode atacar diretamente a raiz da neurose e tentar
curá-la definitivamente. ¡
Alguns moralistas reconhecem a legitimidade dos anovu
latórios em tais casos, pois a inibigáo ovariana temporaria lhes
parece justificada pela necessidade de tratamento psicoterápico
adequado. — Outros, porém, julgam que em tais casos o
uso da pilula corresponde a urna esterilizagáo direta e, por-
tanto, ilícita.
Antes de proferirmos um juízo sobre estes casos discutidos,
enumeremos ainda outros.

4. A pílula: uso extra-medicinal

Até aqui vimos situacóes em que os anovulatórios sao uti


lizados como auténticos remedios ou ao menos como elementos
promotores da saúde da mulher. Em tais casos, a pilula age
(ou parece agir) na linha da natureza biológica ou fisiológica
da paciente.

— 53 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 1

Nos últimos tempos, porém, tem-se argumentado do se-


guinte modo: a natureza biológica e fisiológica é cega; só
leva em conta a procriagáo e as leis da procriagáo. Todavía o
homem é um ser inteligente, que, além da procriagáo, vé outros
valores em seu horizonte. Com efeito, o homem, raciocinando,
percebe que a explosáo demográfica, as dificuldades financei-
ras, a deficiencia de meios educacionais, a penuria de condigóes
higiénicas exigem o controle da natalidade, a fim de que nao
se multipliquem indefinidamente os filhos. Mais aínda: o homem
contemporáneo percebe com particular acume que o ato sexual
tem que ser enquadrado dentro da grande moldura do amor
humano ; éste se exprime na cópula conjugal. O ato sexual nao
parece orientado apenas á reprodugáo da especie, mas tam-
bém á plena realizacáo do amor e da personalidade de cada
um dos cónjuges ; sem cópula sexual, a vida marital corre o
risco de se esfacelar, pois a continencia entre esposos é dura
ou difícilmente praticável. Em vista disto, perguntam muitos
pensadores contemporáneos: nao seria lícito aos cónjuges (de-
sejosos de se unir em amor puro) praticar o ato sexual ex-
cluindo a prole, desde que nao a possam procriar por motivos
financeiros, educacionais ou higiénicos ? Em outros termos:
pode-se dizer que quem usa a pílula por motivos de economía,
perigo de fome mundial, dificuldades financeiras, etc., está
realmente contrariando a natureza? Quem usa inteligentemente
a pílula em vista de um planejamento controlado da familia,
pode, sim, estar contradizendo á natureza biológica, mas nao
está violando a natureza inteligente do homem. O ser humano,
dizem, nao é mero reprodutor biológico, mas urna pessoa do
tada de nobres sentimentos, que se exprimem através do ato
sexual, excluindo a prole se isto parece conveniente aos in-
teressados.
Caso se admitam tais teses, torna-se lícito usar a pílula
diretamente com a finalidade de esterilizar.
É esta nova formulagáo do problema que tem provocado
os arduos debates contemporáneos em torno dos anovulatórios,
dividindo os teólogos, moralistas, filósofos, psicólogos, soció
logos, médicos em duas correntes opostas :

1) a primeira, dita «conservadora», que julga ser ¡licita a pilula


desde que tomada como esterilizante; a natureza sexual do homem
tem sua finalidade biológica, e é estritamente em vista desta meta
que ela deve funcionar. Caso se provoque o ato sexual, excluindo se
premeditadamente a prole, cométese urna falta moral ou um pe
cado;

— 54 —
A PÍLULA ANTICONCEPCIONAL

2) a segunda córrante de pensadores, dita «progressista»,- pro-


p5e urna acepcao mais larga de natureza humana. Esta nao seria
definida apenas pelas leis da biología, mas também por seu aspec
to inteligente ou racional. Em conseqüéncia, nao contrariaría a na
tureza quem recorresse á pilula, a íim de atender a concepgSes e
planos da inteligencia humana.

Que dizer diante do impasse ?

5. Um juízo sobre o assunto

Para o fiel católico, a palavra final da controversia toca


ao supremo magisterio da Igreja. O S. "Padre Paulo VI reser-
vou a si o julgamento definitivo dos anovulatórios. Éste juízo
requer estudos e reflexóes muitos ponderados; supóe também
dados concretos de teología, filosofía, psicología, medicina,
dados que contribuam para se estabelecerem cada vez mais
claramente os conceitos de natureza, leis da natureza, amor
humano... Enquanto a Santa Sé estuda o assunto, Paulo VI
declarou que perduram as normas já anteriormente promul
gadas por Pió XII segundo as quais apenas o método da con
tinencia periódica (tabela de Ogino-Knaus ou temperatura)
é licito á consciéncia crista.
Feita esta observagáo, seja aquí permitida breve consi-
deracáo sobre a problemática :
A fungáo sexual é, como todos háo de reconhecet, urna
fungáo biológica ; está naturalmente sujeita as leis da biología.
É claro que há de ser exercida pelo homem de maneira inteli
gente e livre, á diferenga do que se dá nos animáis irracionais.
O homem sabe por que exerce o ato sexual; ele, alias, só o
exerce quando quer ou desde que corresponda las aspiracóes
de sua personalidade humana.
O bom senso, porém, parece incutir que a elevagáo das
fungóes sexuais ao plano da inteligencia, no homem, nao quer
dizer que elas devam ser emancipadas das leis da biología.
Admitamos, sim, que" o criterio para se praticar o ato
sexual nao seja a reprodugáo, mas simplesmente o amor e o
desejo de exprimir o amor entre o homem e a mulher. Em
conseqüéncia, como vimos, a mulher julgará lícito recorrer á
pilula anovulatória, a fim de praticar a cópula sem o perigo
de prole.
Imagine-se, porém, que a pilula seja contra-indicada em
tal ou tal caso, como realmente (e nao raro) acontece.. . Se

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8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 98/1968, qu. 1

o criterio para a prática do ato sexual continua sendo o amor,


os cónjuges recorreráo entáo a mejos mecánicos (camisa de
Venus e outros). E, caso estes nao sejam suficientes, aínda
julgaráo estar habilitados em consciéncia a recorrer a meios
cirúrgicos (esterilizagáo, ligadura de trombas, etc.). E, por
último, se necessário (?!), porque nao lhes será licito recorrer
também ao aborto ?

Hoje em dia procura-se legitimar o aborto quando cometido nos


seis primeiros dias após a conceicáo, antes que o ovo se coloque
no útero, ou antes da nidificacao!...

Vé-se, pois, que, se nao se guarda um limite objetivo para


o uso de contraceptivos, ou seja, o respeito as leis naturais da
biología humana, abre-se a porta para urna escala indefinida
de arbitrariedades subjetivas; todos os processos anticoncep-
ciomais podem entáo ser gradativa e insensivelmente legitima
dos ; já nao resta freio algum neste setor.
Por isto parece que a solugáo do problema da natalidade
é impossível, se nao se procura incutir na sociedade contem
poránea, de um lado, o respeito as normas da biología humana
e, de outro lado, o dominio da pcssoa sobre si mesma, seus
instintos e paixóes. Caso se procure resolver o problema sem
exigir disciplina e renuncia do homem em relagáo a si mesmo,
já nao se encontraráo limites para dizer o que és lícito e o
que nao é lícito; poder-se-áo entáo cometer os atos mais des
propositados sob o aspecto de liceidade; a consciéncia moral,
inspirada pela casuística, vai resvalando insensivelmente até
a total negacáo da dignidade humana.
É, pois, para desejar que os intelectuais e educadores ex-
citem na sociedade de hoje a certeza do inestimável valor que
tem o dominio do homem sobre si mesmo. Quem possui esta
grande qualidade (hoje em dia táo pouco apregoada), mais
fácilmente evita desatinos e segué as leis da sá Moral (leis
manifestadas, sem dúvida, pela própria biología humana).

6. Documenta-gáo

Para ilustrar e fundamentar o que acaba de ser dito, váo


aquí citadas algumas declarares pontificias.
1) Num discurso dirigido por S. S. o Papa Pió XII aos
membros do VTI Congresso Internacional de Hematología, que
versava sobre o problema das doengas hereditarias (12/EX/58),
encontra-se o seguinte :

— 56 —
A P1LULA ANTICONCEPCIONAL 9

Primeiramente S.S. falou da esterilizacáo. Lembrou ser ilícita


a esterilizacáo direta, que tem par objetivo tornar impossivel a
procriacáo. Quanto á esterilizacao indireta, recordou que ela nao
é diretamente intencionada (mas apenas tolerada) pelo médico <ou
pela paciente: é urna operacao que visa eliminar determinado mal do
organismo (por exemplo, um cáncer no útero) e que acarreta indi-
retamente a infecundidade désse organismo (no caso, a ablacáo do
útero é realizada como a de qualquer outro órgáo canceroso; é o
tratamento do cáncer, e nao o désejo de esterilizar, que a exige).
«Será licito impedir a ovulacáo por meio de pilulas tomadas
como remedio para as reacfies exageradas do útero e do organismo,
embora ésse remedio, impedindo a ovulacáo, torne também impossi
vel a íecundacao? Será permitido á mulher casada ter relacSes com
o seu marido, apesar dessa esterilidade temporaria? A resposta de
pende da intencáo da pessoa. Se a mulher toma ésse remedio, nao
a íim de impedir a conceicáo, mas únicamente por indicacáo do mé
dico, como medicamento necessário a determinada doenca do útero
ou do organismo, ela provoca urna esterilizacao indireta, que é lici
ta segundo o principio das ac5es que tém duplo eíeito».

Como se vé, intencionar a esterilizagáo como tal é ilícito.


Intencionar, porém, a cura de urna doenca mediante um re
medio neeessário que venha a esterilizar o organismo (sem
que isto seja diretamente intencionado) é moralmente licito.
2) Eis as dedaracóes de Panlo VI atinentes ao assunto :
Aos 23 de junho de 1964, o S. Padre assim se dirigia ao
Colegio Cardinalício:

«Todos falam do problema do controle dos nascimentos... É pro


blema extremamente grave... É problema extremamente complexo
e delicado A Igreja reconhece os seus múltiplos aspectos. E a Igre-
ja deverá proclamar essa lei de Deus á luz das verdades científicas,
sociais e teológicas que, nestes últimos tempos, se tornaram o obje
to de estudos e documentacáo muito vastos.
Esperamos terminar éste estudo em breve com a colaboracáo
de numerosos sabios de valor... Mas dizemos francamente que nao
temos até o presente momento raz8es suficientes para considerar
como ultrapassadas e, por conseguinte, náo-obrigatórias as normas
dadas pelo Papa Pió XII a éste propósito. Tais regras devem ser
tidas como plenamente válidas, ao menos enquanto nao Nos sen-
tirmos em consdéncia ohrigados a modificá-las... Parece, pois,
oportuno recomendar que ninguém por ora arrogue a si o direito de
se pronunciar em termos destoantes das normas vigentes».

Aos 27 de mareo de 1965, S. S. assim falava aos membros


da Comissáo instituida para estudar o problema da natalidade:

•iPedimo-vos instantemente que nao percais de vista a urgencia


de urna situacáo que pede da Igreja e da sua suprema autoridade
indicacdes nao ambiguas. Nao se pode deixax a consciéncia dos ho-
mens exposta ás incertezas que hoje em dia íreqUentemente impe-
dem a vida conjugal de se expandir segundo o designio do Senhor...

— 57 —
10 «PERGUNTE E RESRPONDEREMOS» 98/1968, qu. 1

Tais sao os objetivos aos quais tenderá a vossa pesquisa: de


um lado, procurareis chegar a melhor canhecimento das leis fisioló
gicas, dos dados psicológicos e medicáis, dos moyimentos demográfi
cos e das rebordosas sociais; de outro lado e principalmente, procu
rareis levar em conta a luz superior que projetam sdbre tais fatos
os dados da fé e do ensinamento tradicional da Igreja...
No caso presente, o problema pode-se resumir nos seguintes ter
mos: de que forma e segundo quais normas os cónjuges devem
cumplir, no exerclcio do seu amor mutuo, o servigo da vida ao qual
os chama a sua vocagáo?»

Por fim, aos 29 de outubro de 1966, o S. Padre dizia a


ginecólogos e obstetras italianos quanto segué:

«Há um ponto no qual as duas competencias, a Nossa e a vossa,


poderiam entrar em contato e dialogar juntas. Queremos íalar da
questáo da regulamentacao da natalidade — questáo vastissima, de-
licadíssima, na qual, por suas implicac3es religiosas e moráis, temos
Nos mesmos o título, ou melhor, a obrigacáo de tomar a palavra.
É questáo de atualidade. Sabemos que se espera de Nos, sim, urna
palavra decisiva acerca do pensamento da Igreja a ésse respeito. Mas,
como é obvio, nao o podemos faaer mesta ocasiáo.
Recordaremos aqui apenas o que expusemos no Nosso discurso
de 23 de junho de 1964: o pensamento e a norma da Igreja nao
mudaram; sao aqueles vigentes no ensinamento tradicional da Igre
ja O Concilio Ecuménico, há pouco celebrado, trouxe alguns ele
mentos de juízo utilissimos para integrar a doutrina católica sobre
éste importantíssimo tema, más nao de molde a mudar-lhe os termos
substanciáis, elementos aptos a ilustrar e a provar com abalizados
argumentos o interésse que a Igreja devota ás questóes 'concernen-
tes ao amor, á natalidade e á familia.
Com isto, a nova palavra que se espera da Igreja sobre o proble
ma da regulamentacáo dos nascimentos nao foi ainda pronunciada
pelo fato de que Nos mesmos, tendo-a prometido e a Nos reservado,
quisemos submeter a atento exame as instancias doutrinais e pasto-
rais que surgiram nos últimos anos sobre éste problema, estudando-
-as em confronto com os dados da ciencia e da experiencia que de
todos os campos Nos foram apresentados, especialmente do vosso
campo médico e do campo demográfico, para dar ao problema sua
solucáo verdadeira e boa, que outra nao pode ser senao aquela in
tegralmente humana, isto é, moral e crista. Acreditamos dever assu-
mir objetivamente o estudo de tais instancias e elementos de juízo.
•Páreceu-Nos ser isto Nosso dever; e procuramos cumpri-lo do me
lhor modo, encarregando urna ampia, variada e versadissima comis-
sao internacionais Esta, em suas diversas sess5es e com longas dis-
cussSes, realizou um grandioso trabalho e Nos entregou suas con-
clusOes. Estas todavía Nos parecem nao poder ser consideradas defi
nitivas, pelo fato de apresentarem grandes implicacoes com outras
nao poucas e nao leves questees, tanto de ordem doutrinal, quan
to de ordem pastoral e social... Éste fato... impoe á Nossa res-
ponsabüldade um suplemento de estudo, o qual estamos resolutamen
te realizando, com grande respeito por quem já dedicou aos mesmos
problemas tanta atencáo e fadiga, mas também com a consciéncia
das obrigacBas do Nosso. cargo apostólico. Tal foi o motivo que re-

— 58 —
A P1LULA ANTICONCEPCIONAL 11

tardou a Nossa resposta e que deverá diferi-la ainda por algum tem-
P°.
Entrementes, como já dissemos no discurso citado, a norma até
hoje ensinada pela Igreja e completada pelas sabias instrucSes do
Concilio exige fiel e generosa observancia. Nao se pode dizer que ela
nao obriga, alegando, que o Magisterio da Igreja está agora em esta
do de dúvida; na verdade, ele se acha num momento de estudo e
reflexáo sobre tudo quanto foi apresentado como digno de atentissi-
ma consideracSo».

3) Nos «Diálogos com Paulo VI» de Jean Guitton, léem-


-se as seguintes consideragóes do S. Padre:

«No amor há infinitamente mais que o amor. Queremos dizer


que no amor humano, há o amor divino. E é por isso que é profun
do, oculto e substancial o laco entre o amor e a fecundidade! Todo
amor auténtico de um homem e de urna mulher, quando nao é um
amor egoístai tende para a criacáo de um outro ser saido désse amor.
Amar pode querer dizer 'amar-se a si mesmo'. Mas, quando se ul-
trapassou éste estadio do egoísmo, quando se compreendeu verdadei-
ramente que o amor é a alegría comum, a dádiva mutua, chega-se en-
táo ao que é verdadeiramente o amor.

Se é verdade que o amor é isto que lhe digo, compreende-se que


nao se pode separar o amor do fruto do amor... O amor encaminha-
-se para a fecundidade. Imita o ato criador. Renova. Dá a vida, é
um sacrifícelo em vista da vida.
O que é temivel na técnica moderna é a separacáo que ela in-
troduz entre o amor e a íecundidade. Dir-me-áo que esta separacáo
' é por vézes tristemente necessária por razGes de saúde ou de orna
mento. Mas é preciso ter em conta que esta separacáo nao é normal,
é perigosa. Quando se utiliza urna técnica para dissociar o ato do
amor do seu fim, é necessário considerar que se tira alguma coisa
á íelicidade.
O problema que se p5e toca ñas fontes da vida. Toca nos sentí-
mentos e nos interésses mais vivos do homem e da mulher. É um
problema extremamente complexo, multo delicado. A Igreja reco-
nhece 05 seus múltiplos aspectos, interroga as competencias múlti
plas que entram em jfigo... A Igreja deve igualmente afirmar a sua
própria competencia, que nao é a sua, mas a da lei de Deus, que
Ela conserva, ensina, interpreta, aplica. A Igreja deverá proclamar
essa lei imutável á luz das verdades científicas, sociais e psicológi
cas que nestes últimos tempes tém sido objeto de estudos muito ex
tensos... É sempre necessário para a Igreja seguir atentamente os
desenvolvimentos... desta questáo. E é precisamente o que a Igre
ja faz. A questáo, neste momento em que lhe falo, está em estudo,
um estudo táo largo, táo aberto e tSo profundo quanto posslvel, tfio
grave e honesto como o requer éste problema humano...

A seguir, Paulo VI passa a falar de castídade e das exi


gencias de dominio do homem sobre si mesmo. E observa :

«Bem sei que nao se deixa de objetar: "Impondes á natureza


humana um jugo demasiado pesado'. Mas onde se encontra a nature-

— 59 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 2

za humana? Chama-se natureza aquilo que o homem vulgar é em


conseqüéncia de tantas faltas ou condicianamentos, ou aquilo que o
homem deveria ser, aquilo que pode ser com a graca de Cristo?
Será preciso adaptar a lei moral aquilo que se faz geralmente,
reduzir nesse caso a moral aos costumes (que, entre parénteses, se
arriscam a ser amanhá ainda mals baixos do que hoje, e até onde
iremos?...). Ou, ao contrario, será preciso manter o ideal na sua
altura sublime, mesmo se ésse nivel é pouco acessivel, mesmo se o .
homem vulgar se senté incapaz ou culpado? Parece-me que, com os
sensatos, com os heróis, com os santos, diría: todos os verdadeiros
amigos da natureza humana, da verdadeira felicidade humana (eren-
tes e descrentes), no intimo do seu coracáo, mesmo se protestam, se
resistem, agradecerao á autoridade que tiver luzes bastantes, bastan
te fdrea e bastante confianca para nao rebaixar o Ideal. Nunca os
profetas de Israel aceitaram diminuir o ideal, jamáis atenuaram o
sentido do perfeito, da perfeicSo, nem reduziram o afastamento entre
o ideal e a natureza: jamáis restringiram o sentido do pecado, milito
pelo contrario» (pág. 320-3).

II. DOGMÁTICA

2) «Porque a fé está em crise nos nossos dias ?


Qual o criterio para, nao errar em materia de fé ?»

A hora presente é, sem dúvida, marcada por urna crise


de fé, em vista da qual o Santo Padre Paulp VI muito opor
tunamente instituiu o Ano da Fé. Novas sentencas váo sendo
propostas em materia de doutrina e moral, as quais diferem
das formulaeóes de mestres ahtigos e medievais. Por certo,
varias dessas novas proposicóes sao ortodoxas e religiosamente
sadias; explicitam a doutrina da fé, pondo em relevo as
pectos da mesma que nos últimos tempos foram menos real-
gados e hoje em dia exigem certo destaque. Outras, porém,
das novas proposigóes destroem, direta ou indiretamente, ar-
tigos da fé católica.
Táo grande variedade de sentencas provoca perplexidade
no povo de Deus. A fim de esclarecer a situacáo, indagaremos
abaixo quais as suas causas e quais os criterios para se saber
se determinada proposigáo é de fé ou nao.

— 60 —
POR QUE CRISE DE FÉ? 13

1. O «porqué» do problema

A crise de fé em nossos días tem certamente suas ori-


gens bem remotas; é, em grande parte, a conseqüéncia da
evolucáo do pensamento filosófico e do comportamento moral
dos últimos sáculos. Já que nao pretendemos fazer o histórico
completo do problema, interessa-nos aqui apenas realgar um
fato que se tornou ocasiáo próxima para a intensificado da
presente crise de fé.
Ao abrir o Concilio do Vaticano n, em 11 de outubro de
1962, o Papa Joáo XXin dizia ao público que o Concilio nao
tencionava repetir simplesmente as verdades da fé católica;
para tanto nao seria necessário reunir táo magna assembléia.
Tarefa do Concilio seria, antes, procurar propor a doutrina
revelada (em sua integridade e pureza) de maneira nova, em
estilo pastoral,, muito acessível á mentalidade do hbmem
moderno:

«A doutrina auténtica seja estudada e exposta por meio de íor-


mas de indagacáo e formulagSo literaria do pensamento moderno.
Urna é a substancia da antiga doutrina da fé e outra é a íormulacáo
que a .reveste; e é disto que se deve — com paciencia, se necessário
— ter grande conta, medíndo tudo ñas formas e proporcSes do ma
gisterio de caráter prevalentemente pastoral» (cf. B. Kloppenburg,
«Concilio Vaticano II», t. H, pág. 310).

Estas palavras do S. Padre Joáo XXIII estimularan! os


teólogos a procurar novas formulac.6es para a perene doutrina
da fé, levando em conta as categorías do pensamento moderno
e os subsidios que a filosofía contemporánea pode fornecer 6
Teología.
Pergunta-se entáo: quais as principáis características da
mentalidade dos homens de hoje?... características a ser
consideradas para que se proponha de maneira mais atraente
e eficaz o depósito da fé.

2. Cinco notas marcantes

Sem pretensáo de esgotar o assunto, váo abaixo indicadas


cinco grandes linhas do pensamento moderno:

1) Descoberta da dimensáo «tempo»

Por efeito dos numerosos e importantes resultados da


paleontología, da arqueología, da etnología, etc., o homem

— 61 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 2

moderno tomou consciéncia de ser herdeiro de urna historia


de quase dois milhóes de anos; o seu olhar penetra mima es
tensa pré-história. Salta-lhe aos olhos o fato de que os seres
visíveis e as formas de vida evoluem; é preciso, pois, contar
com o fator «evolugáo».

Ao contrario, os antigos e medievais concebían! o mundo e o


homem de maneira mais estática, admitindo um fixismo mais cu
menos rígido. Suas perspectivas sobre a historia era assaz limita
das, pois nao possuiam os meios de pesquisa que hoje em dia
nos sao dados. Em conseqüéncia, expunham o plano de Deus e a
mensagem das Escrituras Sagradas, supondo urna historia do gé
nero humano muito mais acanhada do que na verdade ela é.

Por conseguinte, torna-se tarefa dos teólogos modernos


propor aos homens contemporáneos a mesma mensagem da
Biblia e, em particular, dos Evangelhos, em termos novos:
termos que projetem luz genuina sobre a longa pré-história
do género humano, sobre o desenvolvimento paulatino da ci-
vilizacáo e da cultura, sobre a historia das Religióes da huma-
nidade, etc. Ao teólogo moderno cabe também interpretar
auténticamente acontecimentos antigos, reconstituindo fielmen
te as respectivas molduras históricas; ele percebe melhor o
sentido dos dizeres e dos feitos dos antepassadós.

2) Cunho científico

As ciencias exatas (matemática, física, química...) tor-


naram-se os prototipos do saber contemporáneo. O homem
moderno tende a só aceitar o que possa ser matemáticamente
demonstrado. O seu pensamento se torna assim científico ou
mesmo cientificista, racionalista.

Em conseqüéncia, o cidadáo do séc. XX perdeu muito "da capa-


cidade de intuicáo que todo homem naturalmente possui. Distancian-
do-se (talvez involuntariamente) da natureza, para dedicarle mais e
mais ao mundo da mecánica e da técnica, vivendo em arranha-céus,
lidando constantemente com aparelhos e máquinas, o pensador con
temporáneo perde fácilmente o contato com as formas mais espon
táneas da vida ou com as criacOes da natureza. Isto acarreta, entre
outras conseqüéncias, a seguinte: torna-se difícil ao homem moderno
estimar o significado e o alcance ^e símbolos e imagens, pois só a
intuic&o ' os- aprecia devidamente (os símbolos sSo expressSes náo-
■matemáticas, mas válidas e oportunas, de realidades transcendentes).

A fim de acompanhar o homem moderno e fazer-se com-


preender por ele, o teólogo vé-se obrigado a «traduzir» e ex
plicar cuidadosamente o modo de falar das Escrituras Sagra
das, táo ricas em símbolos; as afirmacóes religiosas que ou-

— 62 —
POR QUE CRISE DE F£? 15

trora podiam ser feitas em linguagem um pouco ou muito


figurada, sem detrimento para a fé dos cristáos, tém de ser
reconsideradas e reproduzidas em termos mais condizentes com
as categorías cientificistas do homem moderno. Alguns exe-
getas protestantes liberáis chegam mesmo a propor a «des-
mitizacáo» das Escrituras; cf. «P.R.» 97/1968, qu. 3.

3) Enstencialismo

O existencialismo, em sua faceta mais positiva, é a ten


dencia a dar sentido concreto, imediato, vivencial a todos os
valores ; é a recusa da mera teoría sem influencia na realidade
prática. Teve sua origem em meados do sáculo passado, quan-
do o dinamarqués luterano Soren Kierkegaard se insurgiu con-
tra um tipo de protestantismo que nao tuina repercussáo na
conduta dos seus adeptos.
A mentalidade existencialista exige dos teólogos nao se
limitem a elucubragóes abstraías, mas procurem sempre mos
trar o valor vital das verdades da fé ; tenham em vista fazer
que a doutrina sagrada mais e mais penetre no comportamento
de todos os fiéis, levando-os a «engajar-se» como cristáos em
tarefas apostólicas e missionárias.
Nao se pode, porém, deixar de dizer que o existencialismo
tem, como conseqüéncia negativa, urna forte nota de anti-
-intelectualismo. O homem moderno pouco aprecia a metafísica
e a filosofía especulativa em geral. Isto inegávelmente requer
que o pregador cristáo recorra a novos métodos de exposicáo
dos artigos da fé.

4) Antropocentrismo

O existencialismo tende a conceber a verdade e a moral


em fungáo das situacóes em que se acha o homem; o que
vem a ser: .. .em fungáo do homem mesmo. Éste torna-se
assim o ponto de referencia ou o criterio dos valores. Instau-
ra-se destarte urna mentalidade antropocéntrica.

Independentemente do existencialismo, os modernos estudos de


psicología e personalidade puseram em relevo a dignidade da pes-
soa humana. Os direitos desta vém sendo proclamados e defendidos
com insistencia nos últimos tempos.

Como se compreende, os teólogos tém que responder a


tal descoberta do homem, explicando á luz da fé e em novas
tonalidades quem é o homem, qual a sua missáo na térra,
quais os verdadeiros direitos e deveres que a Revelagáo Divina

— 63 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 2

Ihe assinala... Em suma, a antropología teológica deve ser


explicitada para poder levar a devida mensagem ao homem
de hoje.

5) Soáaliza$ao

O homem moderno percebe, mais do que nunca, a sua


dimensáo social e a necessidade de se unir aos seus semelhantes
para se realizar; é a uniáo que faz a fórca, suscita energía e
feitos heroicos. Conseqüentemente, os individuos de hoje ten-
dem a se socializar, isto é, congregar-se em grupos de aspi-
racóes homogéneas, grupos nos quais cada um é corresponsá-
vel. Principalmente a juventude mostra-se ciosa de diálogo e
corresponsabilidade. — Em tais circunstancias, os arautos da
fé sao impelidos a propor urna visáo crista da vida em socle-
dade (civil, política, profissional, educacional, religiosa...).
Compete-lhes desenvolver o sentido e o valor teológicos da
«comunidades sob os seus diversos aspectos.
Vejamos agora algumas das novas sentengas propostas
por teólogos desejosos de exprimir as verdades da fé em ter
mos da filosofía ou da mentalidade modernas.

3. Novas fiormulagoes

Um dos exemplos mais interessantes é o que se refere á


8. Eucaristía.
A teología, desde o séc. XII, utiliza o termo «transubstan-
ciacáo» para designar a conversáo da realidade do pao e do
vinho na realidade do corpo e do sangue de Cristo. — Éste
termo, porém, pareceu a certos teólogos demasiado impessoal
ou «coisificante». Resolveram, por isto, recorrer as expres-
sóes «transignificagáo» e «transfinalizacáo»; quem fala de
significado e fim, diz algo de relativo ao homem...: o pao e
o vinho na Eucaristía mudariam de significado e finalidade.
Esta reformulacáo era, sem dúvida, mais eloqüente para o
homem (mais antropocéntrica), mas revelou-se ambigua e in
suficiente, pois nao exprime nem incluí necessáriamente a real
presenca de Cristo no sacramento do altar.
A respeito veja-se «P.R.» 89/1967, qu. 3.
A ressorreisSo corporal de Cristo só pode ser aceita como
milagre. Ora milagre, para o pensamento racionalista, é, de
antemao, impossível; sámente urna mentalidade «mítica» ou
dada a mitos o pode aceitar. — Por isto certos estudiosos

— 64 —
POR QUE CRISE DE FÉ? 17

afírmam (outros sugerem) que, na verdade, Cristo nao res-


suscitou corporalmente; apenas, dizem, a sua mensagem, con
denada a ser sufocada quando Jesús morreu crucificado, é
que sobreviveu, pois de fato ela se propagou até hoje.
Cf. «P.R.» 93/1967, qu. 2; 97/1968, qu. 3.
A doutrina do pecado original, supondo urna culpa grave
no inicio dos tempos e a conseqüente necessidade de Redengao,
parece humilhar o homem moderno. Éste é propenso a con
siderar a historia como evolugáo sempre progressiva; tende
também a afirmar irrestritamente os valores da natúreza
humana. —É o que leva alguns teólogos a identificar o pecado
original com o «pecado do mundo», ou seja, com o «clima de
pecado» em que toda crianga nasce.
Cf. «P.R.» 96/1967, qu. 1.
A maternidade virginal de Maria significa mais um por
tento, que nao encontra acolhida ñas categorías do raciona
lismo. — Daí a tendencia de certos escritores a tomá-la como
metáfora ; significaría apenas que Jesús é o Pilho Unigénito
do Pai Eterno.
Cf. «P.R» 95/1967, qu. 3.

Os anjos, tidos como figuras mitológicas, seriam símbolos


de que Deus é especialmente providente para com os homens.
— Por conseguinte, os demonios nao existiriam.
Cf. «P.R.» 97/1968, qu. 2.
A nogáo de pecado se reduaria a complexos psicopatoló-
gicos, traumas e recalques de educacáo. Conseqüentemente, nao
haveria inferno.
Cf. «P.R.» 5/1958, qu. 6 e 7; 7/1958, qu. 5. ,

Estas sentengas bastam para dar idéia do novo panorama


de opinióes recém-criado na Igreja. Diante de tal quadro, per-
gunta-se:

4. Como saber se algo é de fé ou nao ?

Deve-se dizer que sáb de fé todas as verdades que

1) foram reveladas por Deas


2) e sao propostas pelo Magisterio da Igreja.

1) «Reveladas por Deas». O Senhor falou aos homens


desde os tempos dos Patriarcas bíblicos (Abraáo, séc. XIX...)

— 65 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 2

até Jesús Cristo (cf. Hebr 1,1). Falou por via oral. Parte da
Revelacáo foi consignada por escrito, de modo a constituir as
Escrituras Sagradas ou a Biblia.
Sao, portante, dois os cañáis pelos quais a Palavra de
Deus chega até nos : a Tradicáo meramente oral, dita «divinc-
-apostólica» (porgue remonta a Jesús Cristo e aos Apóstelos)
e a Escritora Sagrada.
Todavía ésses dois cañáis seriam lacónicos e insuficientes
se nao se lhe acrescentasse
2) o Magisterio da Igreja. Éste é o órgáo instituido pelo
próprio Cristo para interpretar auténticamente o depósito da
fé, preservando os cristáos de cair no individualismo. Cristo
lhe prometeu sua infalivel assisténcia até o fim dos tempos
(cf. Mt 28,20). O Magisterio é independente da santídade dos
homens da Igreja, pois o Senhor se serve déstes como de ins
trumentos para transmitir o Evangelho.
O Magisterio se exerce

a) de maneira ordinaria: é o ensinamento constante e moralmen-


te unánime dos Bispos. Quando estes, em consonancia com o sucessor
de Pedro, propóem alguma verdade como objeto de íé, tal verdade é
realmente de íé.
b) .. .de maneira extraordinaria: o Magisterio por vézes jul-
ga oportuno definir solenemente determinada proposicáo de fé. Isto
se faz por voz do Sumo Pontífice ou por pronunciamento de ubi
Concilio Ecuménico. Tais definieres geralmente se dáo quando há
controversias ou dúvidas sdbre alguma verdade revelada. Para que
urna proposigáo seja de fé, nao se requer tenha sido definida pelo
Magisterio extraordinario; basta seja ensinada pelo Magisterio or
dinario ñas circunstancias ácima (letra a).
A Assungáo corporal de María aos céus, por exemplo, já era
dogma antes de ser proclamada por Pió XII em 1950. Alias, o Ma
gisterio da Igreja nao tem o direito de criar novos dogmas: ele
apenas explícita e formula com clareza a crenca já professada pelo
povo de Deus.

Qs teólogos tem o direito e o dever de aprofundar a ver


dade sagrada, propondo novas formulacóes para a mesma.
Compete aos Bispos julgar tais novas fórmulas que os estudio
sos propóem, e definir se se conciliam ou nao com a fé orto
doxa. As sentengas dos teólogos, de per si, nao tem valor defi
nitivo ; válem tanto quanto os argumentos sobre os quais se
baseiam.
Enquanto os Bispos nao se pronunciam, compete a sacer
dotes e leigos usar de reserva para com as novas formulacóes
de doutrina que de certo modo contradigam aos ensinamentos

— 66 —
O ESSENCIAL NA FÉ CRISTA 19

constantes da Igreja. Nao recusem as novas proposites pelo


simples fato de serem novas (podem ser real enriquecimento),
mas também nao queiram aceitar a novidade pela novidade.
Os argumentos dos teólogos modernos sao, por vézes, sutis;
além do mais, recorrem a linguagem técnica, ornada de neo
logismos, de modo que os fiéis leigos difícilmente os podem
julgar. Em conseqüéncia, pode-se indicar a todo leigo cristáo
o seguinte criterio (geral e imediato) para avaliar as novas
proposicoes: examine se estas despertam (no próprio sujeito
e no próximo) mais entusiasmo para a vida crista, isto é, se
levam a urna fé mais lúcida e coerente, a um amor sobrenatural
mais genuino; se suscitam o gósto da oragáo, da uniáo com
Deus e da mortificagáo; se estimulam a paciencia forte e a
perseveranga heroica; se provocam ao zélo pela S. Igreja e
pela salvacáo do próximo... Quando alguma nova proposigáo
faz arrefecer o entusiasmo do cristáo, disseminando o relati
vismo religioso, esteja certo de que tal proposigáo é suspe'.ta.
A Palavra de Deus sempre incita o fiel a procurar entrega mais
plena e férvida ao Senhor e la sua S. Igreja.

3) «Que é cssencial na fé crista ?»


Quais os artigos de fé que algném deve aceitar para ser
cristáo ?»

Em resposta, proporemos as verdades, que, segundo os


documentos do Magisterio da Igreja, integram o sagrado de
pósito da fé. Procuraremos distingui-las devidamente de sen-
tencas que nao se impóem obligatoriamente á crenga dos
cristáos..

1. O misterio de Deus

Existe um só Deus, transcendente, isto é, nao identificado


com a natureza ou o cosmos. Deus nao é fungáo do homem
(nao é «para o homem»), mas o homem é criatura de Deus
(«para Deus»), «a quem servir é reinar».

Deus nao habita «lá em cima» nem «além dc...>, mas também
nao é «a própria base do nosso verdadeiro ser» (Robinson, «Ura
Deus diferente», pág. 74). S. Agostinho dizia sabiamente: «Superior
summo meo, intbnior intimo meo»; o que quer dizer: «Deus ultra-
passa os meus conceitos mais elevados, mas age no mais intimo de
mim mesmo, conservando-me no ser (e na gra?a santificante, se
Lhe sou fiel)».

— 67 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 98/1968. qu. 3

A vida de Deus é táo rica que se afirma em tres Pessoas.


Estas nao esfacelam a unidade de Deus, mas relacionam-se
entre si á semelhanca dos tres ángulos de um triangulo. Outra
analogía da vida de Deus uno e trino é a alma humana;
esta tem sua inteligencia e sua vontade, com as quais realiza
urna trilogía unitaria. Cf. ulteriores explicacóes em «P.R.»
1/1958, qu. 3.

2. O Bem é difusivo de si

Deus houve por bem cria*, e criou por pura bondade.

Diziam os lilósoíos neo-platónicos: «O Bem é difusivo de si».


Em linguagem crista acrescenta-se: «Ora Deus é sumamente bom.
Por isto é sumamente difusivo de si».

Iivremente, e nao por coagáo, criou Deus o mundo, para


que as criaturas, tiradas do nada, participen! da sua sabedoria
e bondade.
' O homem, como único ser racional e consciente neste
mundo visível, é a imagem de Deus, destinado a levar todas as
criaturas inferiores a dar gloria ao Senhor.
Nao se deve dizer que, segundo as Escrituras Sagradas,
o mundo foi feito em seis dias ou eras. A Biblia (Gen 1-2)
refere-se á oxigena do mundo e do homem, visando transmitir
ensinamentos de ordem religiosa e moral em linguagem aco
modada a orientáis antigos ; déla, pois, nao se pode depreender
conclusáo alguma de ciencias naturais.

Em suma, eis o que, á luz da sá razSo e da íé, se pode dizer a


respeito das origens:

Ato Criador EVOLUCAO REGIDA PELA Ato Criador


PROVIDENCIA

Produc&o da Aparecimento Aparecimento Aparecimento Producáo da


materia dos Minerais dos Vegetáis dos Animáis Alma
primitiva Irracionais Humana

Conciliam-se, pois, perfeitamente criasao (por parte de


Deus) e evohisáo (dentro do imenso setor da materia). O
próprio corpo humano, sendo material, pode-se ter originado
de materia preexistente por via de evolugáo. Quanto á alma,
sendo espiritual, é sempre criada diretamente por Deus.
Cf. «P.R.» 29/1960, qu. 1.

— 68 —
O ESSENCIAL NA FÉ CRISTA 21

3. A origem do mal

O homem, constituido inicialmente em estado de harmonía


sobrenatural com Deus — a justica original —, decaiu désse
estado mediante um pecado grave. Após a queda, a natúreza
humana foi destituida dos dons que a ornavam, de modo que
todos os homens nascem destoantes do exemplar concebido
pelo Criador; esta deformidade chama-se «o pecado original»,
que nao equivale a urna culpa ñas criancinhas, mas é a carencia
da graca santificante com que todos deveriam nascer se os
primeiros país nao tivessem pecado.
A culpa dos primeiros país consistiu em soberba, que levou
á desobediencia. Nao há fundamento para admitir pecado
sexual. A fruta proibida de Gen 3, 2s representa um preceito
(que nao se pode especificar) dado por Deus ao .homem. A'
serpente de Gen 3,1 significa o demonio. Nao se procure loca
lizar geográficamente o paraíso terrestre; ele designa sim-
plesmente a ordem e a harmonía em que o homem e as cria
turas que o cercavam estavam colocados antes do pecado.
Até hoje na Igreja se ensina o monogenismo, doutrina
segundo a qual houve apenas um casal — Adáo e Eva — na
origem do género humano. Todavía vtal proposigáo nao é de fé,
pois pertence ao setor das ciencias naturais; nem a Igreja
a definiu ou intenciona definir. Pertence a fé apenas a dou
trina do pecado original, a qual se salva também em hipótese
poligenista (muitos casáis na origem da historia).
É preciso contudo notar que a S. Igreja, por voz do S..
Padre Paulo VI, continua a afirmar o monogenismo. Por con*
segidnte, o fiel católico está em ccnsciéncia obligado a res
petar esta posicáo e abster-se de professar ou ensinar o poli-
genismo. As ciencias naturais, nao podendo ,tocar a estaca
zero da pré-história, nada tém a dizer de decisivo sobre o
assunto. Cf. «P.R.» 96/1967, qu. 1.

4. Os anjos

Deus criou também os anjos, espirites destituidos de corpo.


Muitos déles comprovaram sua fídelidade ao Criador, e foram
confirmados na graca; sao os anjos bons. Os outros se rebe-
laram tornando-se criaturas definitivamente avéssas a Deus;
sao os demonios.

A presenta dos anjos enche de tal modo a mensagem biblica, prin


cipalmente a dos Evangelhos, que ela nao pode ser interpretada em

— 69 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 98/1968, qu. 3

sentido figurado. A existencia dos anjos bons e maus pertence ao de


pósito da íé.
Requerse sobriedade na maneira de conceber os anjos bons e
os maus. Sabe-se apenas com certeza de fé que Deus executa seus
sabios designios mediante os anjos bons, e permite aos maus, ten-
tem os homens a fim de acrisolar a íé déstes. Evitem-se represen-
tac5es antropomórficas, assim como «estórias» e crendices maravi-
lhosas a respeito dos anjos. Cí. «P.R.» 97/1968, qu. 2.

5. As Escrituras

Deus houve por bem revelar-se sucessivamente aos ho


mens, do que resultou a Biblia (o Livro) Sagrada.
Quanto aos livros bíblicos, deve-se dizer o seguinte:

O bloco Génesis 1-11 narra a «pré-história bíblicas, isto é, apre-


senta o fundo de cena que justifica a vocagáo de Abraáo e a Jiistó-
ria do povo de Israel. — O mundo era originariamente harmonio-
so; todavia o pecado o foi corrompendo progressivamente (o peca
do dos prhneiros pais, o de Caim e Abel, o dos contemporáneos de
Noé, o dos homens soberbos que quiseram construir a torre de Ba
bel...). Entáo visando realizar a obra de salvacáo do hoiriem medi
ante a própria naturcza humana, Deus quis seqüestrar Abraao e
sua descendencia, da qual nasceria o Messias ou Salvador.

A pré-história bíblica (Gen 1-11) nao apresenta mitos,


mas também nao refere historia no sentido moderno; narra,
sim, a «historia religiosa da humanidade primitiva», isto é,
fatos selecionados de modo a transmitir ensinamentos religio
sos a homens simples. A mensagem désses fatos, porém, é
perene: há um só Deus, que é bom; o mundo nao é eterno,
mas criatura do único Senhor; o homem, entre as criaturas
visíveis, é o lugar-tenente de Deus, destinado a dominar a
térra; deve, contudo, lutar contra o pecado, que o desvia de
sua missáo. — Nao se queira deduzir de Gen 1-11 alguma
indicagáo de idade do género humano; os números de «anos»
ai indicam a venerabilidade ou a autoridade dos Patriarcas.
Em Gen 12 comega a historia do povo de Abraáo, que
vai até Cristo. Pode ser controlada pelos dados da historia
profana ; comprova-se verídica em seu conjunto. Nenhum povo
oriental antigo cultuava tanto a historia como Isarel, pois os
judeus sabiam que o Senhor se lhes manifestava através de
fatos históricos ; daí o cuidado de consignar fielmente tais
acontecimentos. — Todavía no Antigo Testamento há maneiras
de narrar ou géneros literarios, dotados cada qual de seu
estilo e de suas regras de interpretagáo próprias: livros estri-
tamente históricos (1 Mac, Sam, Rs), livros de historia edi-

— 70 —
O ESSENCIAL NA FÉ CRISTA 23

ficante (núcleo histórico livremente ornamentado : Tob, Jdt,


Est), livros poéticos (Jó, Ecle), proféticos (Is, Jer...), apo-
caliticos (Dan...). Cada género'literario é verídico quando
entendido segundo as normas de estilo e vocabulario que
o regem.

Os Evangelhos- apresentam urna síntese esquemática dos


verdadeiros ditos e feitos de Jesús, procurando realgar a men-
sagem doutrinária do Divino Mestre. Cf. «P.R.» 7/1958, qu. 4.

6. Jesús Cristo

Na plenitude dos tempos, Deus Pai mandou seu FUho á


térra, o qual se fez verdadeiro homem, com o nome de Jesús
Cristo. Éste tornou-se obediente ao Pai até a morte (de cruz)
porque o primeiro homem se fizera desobediente até incorrer
na morte.
Após tres días Jesús ressuscitou. A ressurracáo corporal
de Cristo é a verdade fundamental do Credo cristáo. «Se Cristo
nao ressuscitou, vá é a vossa fé», declara Sao Paulo (1 Cor
15,14-17). Sim ; era necessário que a carne, criada para a
gloria de Deus, mas deturpada pelo pecado do homem, servisse
de instrumento de redengáo e fósse finalmente penetrada pela
majestade de Deus. Ademáis, a ressurreigáo corporal de Cristo
é o sinéte sobrenatural que autentica em nome de Deus Pai
a pregagáo de Cristo.
A ressurreigáo de Jesús, embora seja portentosa, é um
fato realmente histórico. Quem nao a aceita, terá de admitir
que mentira, fraude ou alucinagáo tenham podido atravessar
tres séculos de perseguigáo (até Constantino Magno, 313) e
hajam servido de pedestal a vinte séculos de Cristianismo. Ora
éste outro portento seria «mais desafiador para a razáo hu
mana» do que a própria realidade da Ressurreicáo corporal de
Cristo. Cf. «P.R.» 93/1967, qu. 2.

7. O Corpo Místico

A obra de Cristo se prolonga no misterio da Igreja, Esta


é o Corpo Místico de Cristo, isto é, o Cristo que continua a
viver e agir entre os homens sob os véus da carne ou através
da fraqueza humana dos cristáos.
A Pedro e seus sucessores (os Bispos de Roma) Cristo
confiou um primado de jurisdigáo e magisterio (cf. Mt 16,16-18;
Le 22,31s; Jo 21,17), de sorte que se pode dizer: «Onde está

— 71 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 98/1968. qu. 3

Pedro, ai está a Igreja». Ao que se deve acrescentar : «E onde


está a Igreja, ai está Cristo, e onde está Cristo, ai está Deus
Pai». Cf. «P.R.» 13/1959, qu. 3.

Todos os Bispos, como sucessores dos Apostólos, sao responsávels


pelo bem da S. Igreja; n&o podem, porém, governar sem estar em
comunháo com seu Cheíe visivel, que é o Bispo de Roma. Cf. «P.R.>
84/1964, qu. 2.

Ao laicato toca a valiosa fungáo de cristianizar as estru-


turas seculares déste mundo, dando presenca á Igreja ñas fá
bricas, nos quarteis, ñas escolas, nos escritorios..., enquanto
aos clérigos compete o ministerio de salvacáo das almas. Cf.
Const. «Lumen Gentium» n» 31, citado á pág. 77 déste fas
cículo.
Dentro da Igreja do Vaticano II conservam seu pleno valor o
celibato e a vtrgiñdade consagrados a Deus; sao sinais muito pre-
nhes e significativos da vida etenna ou das realidades que nao passam,
em meio a éste mundo que passa (cf. 1 Cor 7, 29-31),

8. Os cañáis da Redencáo

A obra de Cristo se aplica a cada cristáo através dos sete


cañáis da graca, que sao os sacramentos.

O Batismo faz participar da morte e da ressurreicáo do Senhor,


conferindo um germen de vida nova, vida divina, que se deve desen
volver por todo o decurso da peregrinacao do cristáo na térra.

A Encaristia é a perpetuacjáo do sacrificio da cruz. Por ela,


Cristo, como sacerdote e vítima, se torna presente sobre os
altares, unindo os fiéis ao seu ato sacrifical. Todavía a real
presenca do Senhor nao se restringe á celebracáo da Missa;
na realidade, o pao e o vinho consagrados sao o corpo e o
sangue do Senhor até serem destruidos por um agente físico
ou químico qualquer. É necessário que os católicos vivam cons
cientemente a Santa Missa como sacrificio e ceia, mas nao
negligenciem a piedade (adoracáo, louvor, visitas, exposi-
cáo...) para cóm o SS. Sacramento presente ñas igrejas e
cápelas.
O pecado é a violacáo da Leí de Deus, cometida pelo homem livre
e responsável. Ha naturalmente estados patológicos que ate-
nuam a responsabilidade e, por conseguinte, a pecaminosldade dos
atos humanos. Isto, porém, nao quer dizer que todo ato mau se
reduza a um complexo ou a um trauma psicológico.

A confíssao sacramental é estritamente necessária para a


remissáo dos pecados graves ou mortais. Todavia nao deve

— 72 —
O ESSENCIAL NA Fé CRISTA 25

ser limitada a tais casos. É um canal de graga que sustenta o


homem na luta contra o mal. Assim como todo cristáo é pe
cador, assim deve ele ser um penitente; deve viver em estado
de penitente, procurando associar a sua penitencia á de Cristo
mediante o sacramento adequado.
O matrimonio é um contrato em que homem e mulher se
entregam um ao outro em amor, cuja expressáo natural é a
prole. No Cristianismo, o matrimonio, sem perder o seu sentido
natural, é elevado a um plano superior: destina-se a realizar
a obra da Redencáo em cada familia crista. A uniáo de Cristo
e de sua Igreja se prolonga na do esposo com a esposa. Por
isto~o casamento é monogámico e indissolúvel, tanto no plano
natural como no sobrenatural ou sacramental.

9. A oonsumas&o

No fim dos tempos, Cristo voltará como Juiz de todos os


homens. Dar-se-á entáo a ressurreicáo dos corpos; já que o
ser humano nao é alma apenas, mas alma e corpo, éste parti
cipará da sorte daquela para todo o sempre.
Esta sorte será
ou a eterna felicidade (céu); a alma que, cheia de amor a
Deus, deixe a vida terrestre, gozará da visáo de Deus face
a face;
ou a perene separacáo de Deus (inferno); quem termina
seus dias, nutrindo revolta voluntaria contra o Senhor, expe
rimentará o terrível tormento de haver sido feito para o Bem
Infinito e, nao obstante, ter deliberadamente recusado ésse
Supremo Bem. O fogo do inferno (cf. Mt 22,13; 25,41) nao
se compara ao da térra; é um estímulo material que repre
senta as criaturas corporais violentadas pelo pecador.
A fé crista também professa o purgatorio — estado onde
os justos que morrem com amor a Deus mesclado de contra-
dicóes, purificam ésse seu amor, lamentando nao ter sido na
térra táo conseqüentes quanto necessário. Tal estado cessará
com o juízo final.

O limbo nao é artigo de íé, mas sentenga comum entre os


teólogos. Seria um estado de bem-aventuranga (nao condenagao)
natural decorrente da visáo de Deus por analogía (nao face a íace,
como no céu); tal seria a sorte das criangas morías sem Batismo.
Sem cair em erro de íé, pode-se admitir que Deus, na hora da morte,
dé a toda crianga a oportunidade de optar por ou contra o Supremo
Bem, indo entáo para o céu ou para o inferno.

— 73 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1963, qu. 4

£ necessário nao se fazer a «topografía do Além>, segundo a


qual o céu estaría «lá em cima», como parque ameno, e o inferno
«lá em babeo», como tanque de enxófre fumegante.

Estas proposicóes a respeito dos últimos fins devem ser


professadas com firmeza e, ao mesmo tempo, com sobriedade,
a fim de nao se reproduzirem os cenários antropomórficos da
«Divina Comedia» de Dante.
Deve-se, alias, dizer que a vida celeste comeca na térra
em toda alma justa. Ensina Sao Tomás que «a grasa santifi
cante é a sementé da gloria» ; toda a gloria celeste se encontra
germinalmente em cada alma que viva no amor de Deus. É
fazendo a experiencia desta verdade que os cristáos mais e
mais se certificam das outras verdades de sua fé. •

III. ESPIRITUALIDADE

4) «Após o Concilio nao sobrou lugar para os Religiosos


nem na Igreja nem na sociedad© contemporánea,
Quais os fundamentos teológicos e bíblicos da vida; re
ligiosa ?»

Responderemos á questáo ácima, propondo primeiramente


o lugar da vida religiosa na Igreja. A seguir, examinaremos
algumas objegóes que se Ihe tém feito últimamente. — Como
se compreende, tudo quanto fór dito abaixo, aplicar-se-á tanto
aos Religiosos como as Religiosas.

Antes de abordar o assunto, lembramos que foi considerado sob


outros aspectos em «P.R.» 91/1967, qu. 5 («Novas Religiosas») e
92/1967, qu. 4 (obediencia).

1. O lugar da vida religiosa

Como lembrava recentemente o Concilio do Vaticano n,


todos os cristáos sem excegáo sao chamados á santidade, isto
é, á perfeicáo de vida ; Deus a ninguém destinou para um
semi-ideal ou para a mediocridade (cf. Const. «Lumen Gen-
tium» c. V).
A realizacáo mais exata do chamado a perfeicáo é o mar
tirio cruento. Com efeito, no martirio a pessoa imita o Cristo
Jesús, o modelo da santidade, em toda a medida do possível:

— 74 —
NAO SOBROU LUGAR PARA OS RELIGIOSOS? 27

movida por ardente amor a Deus e odio ao pecado, entrega até'


o próprio corpo. Por isto os mártires sempre foram conside
rados como os primeiros santos ou os mais fiéis seguidores de
Cristo.
Todavía o martirio é um dom que Deus distribui segundo
o seu livre e sabio designio; a ninguém é lícito provocá-lo.
Por isto, a Sabedoria Divina houve por bem instituir outro meio
de santificacáo, acessível a todos os homens: o Batismo. Éste
rito sagrado, por acáo do próprio Deus, faz que o neófito par
ticipe da morte e da ressurreigáo do Senhor Jesús; o can
didato é enxertado em Cristo, recebendo um germen de vida
nova, sobrenatural.
Ésse processo sacramental, místico, deve ser reafirmado
e desenvolvido pelo cristáo durante o restante de sua vida na
térra ; todos os dias compete-lhe morrer ao velho homem e
dar, em seus pensamentos, palavras e obras, expansáo á se
menté de vida sobrenatural que lhe foi comunicada pelo sacra
mento. Assim toda a existencia do cristáo nao é senáo a vi
vencia do Batismo. Ela constituí um martirio protraído e in
cruento ; o cristáo morre todos os dias, renunciando cada vez
mais á concupiscencia desregrada e amando mais e mais a
Deus ; a morte física vem a ser a consumagáo désse processo.
É, sem dúvida, grandiosa a vocacáo dos fiéis balizados.
Note-se, porém, que o Batismo lhes deixa o g6zo de muitos
dos bens da térra (posses materiais, lagos de familia, etc.) :
a norma de vida dos cristáos balizados sao os mandamentos
de Deus e da S. Igreja. — Sendo assim, o Espirito Santo quis,
desde os tempos do Apostólo Sao Paulo (cf. 1 Cor 7), suscitar
na Igreja a vocacáo a urna imitagáo mais perfeita do Cristo
Jesús : tal é o chamado daqueles que procuram seguir o Senhor
praticando nao sómente os mandamentos, mas também os
conselhos evangélicos.
Com efeito, disse Jesús a um jovem que asseverava ter
sempre observado os mandamentos de Deus:
«Se queres ser perfeito, val, vende o que possuis e dá aos po
bres, e terás um tesouro no céu. Vem depois e segue-me» (Mt 19.
21).

Aos Apostólos advertiu o Senhor:

«Nem todos compreendem esta palavra, mas sómente aqueles


a quem foi concedido éste dom. Pois há eunucos que nasceram assim
do seio materno, outros foram feitos eunucos pelos homens, e há
também eunucos que assim se íizeram éles mesmos, por causa do
reino do céu. Quem puder compreender, compreenda» (Mt 19, lis).

— 75 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 4

Palavras que Sao Paulo desenvolve em 1 Cor, recomen


dando a vida una ou a virgindade consagrada ao Senhor:
«Desejo que viváis sem preocupacües. Quem nao tem esposa,
cuida das coisas do Senhor e do modo de agradar ao Senhor. Quem
tem esposa, cuida das. coisas do mundo e do modo de agradar a es
posa. Fica dividido.
A mulher que nao é casada, e a virgem pensam mas coisas do
Senhor, para serení santas de corpo e de espirito. A que é casada
pensa ñas coisas do mundo e no modo de agradar ao marido»
(1 Cor 7, 32-34).

Cristo também declarou:

«Desci do céu para fazer nao a minha vontade, mas a vontade


daquele que me enviou» (Jo 6, 38).
«Meu alimento é fazer a vontade daquele que me mandou e
cumprir a sua obra» (Jo 4, 34).

Palavras que Sao Paulo também explicita em Flp 2, 7s :


«Mostrando-se exteriormente como homem, humilhou-se a si
mesmo, íazendo-se obediente até a morte, e a morte de cruz>.

Tais passagens bíblicas, as quais outras se poderiam acres-


centar, constituem o fundamento da «vida religiosa». Esta vem
a ser caracterizada pela profissáo de pobreza, castidade e obe
diencia, profissáo mediante a qual o Religioso procura seguir
o Cristo Jesús nao sómente em seu espirito de amor, mas tam
bém em seu desnudamente material. A vida religiosa tende
assim a levar o Batismo até as últimas conseqüéncias ; so
nao atinge o martirio cruento, porque ninguém tem o direito
de extinguir a sua existencia na térra, nem mesmo por amor
a Deus.
Eis o lugar preciso em que se sitúa a vida religiosa na
S. Igreja: ela se coloca entre o Batismo e o martirio, visando
ser de maneira incruenta a imitagáo mais conseqüente do
Cristo Jesús.
Todavia contra ésse sublime ideal ouvem-se nos últimos
tempos

2. Algumas objecóes

Afirma-se :

1) «Os sacramentos do Batismo e da, Ordem constituem


dois estados bem diferentes na Igreja: o do cristao leigo e o

— 76 —
NAO SOBROU LUGAR PARA OS RELIGIOSOS? 29

do clérigo. O Religioso, porém, nao recebe sacramento próprio;


apenas vive o sen Batismo. Entao como se define o seu estado?
Como se diferencia do Ieigo? Também o Ieigo é chamado á
santidade».

Observar-se-á :

a) O Religioso nao é consagrado em sua vocacáo espe


cífica por um sacramento, mas por um sacramental solerte e
público: a profissáo religiosa. Esta dá origem a um estado
próprio na S. Igreja ; por isto a Cons.tituicáo «Lumen Gentium»
nao quis tratar dos Religiosos no seu capítulo IV, dedicado
aos leigos, mas abriu um capítulo peculiar para os Religiosos
(cap. VI), acompanhado do Decreto «Perfectae Caritatis».

A respeito da profissáo religiosa como sacramental, cf. «P.R.»


16/1959, qu. 3.

b) O Religioso se distingue dos cristáos leigos pelo fato


de que estes sao caracterizados pela sua índole secular (cf.
Canst. «Lumen Gentium» n» 31); vivem no século ou no mundo,
onde constituem familia, exercem urna profissáo e trabalham
por cristianizar as estruturas da sociedade civil.
O Religioso, ao contrario, é chamado a um quadro de
vida peculiar, em que nao há familia, nem posses individuáis,
nem uso arbitrario da vontade própria. O Religioso, portante,
por seu ambiente e seu tipo de vida, diferencia-se bem do Ieigo
no século. Cabe-lhe assim a fungáo de anal para o povo de
Deus: por seu próprio género de vida, ele deve avivar em
todos os homens, principalmente em seus irmáos na fé, a cons-
ciéncia de que os cristáos já possuem os bens escatológicos,
isto é, trazem a vida eterna iniciada em germen no tempo pre
sente; por conseguinte, interessa-lhes viver segundo os valores
da etemidade, libertándose de todos os entraves materiais
que possam prejudicar a verdadeira vida. É esta a mensagem
que os Religiosos tém a missáo de apregoar de maneira per
manente no povo de Deus.

«A índole secular é própria e peculiar dos leigos. Na verdade,


os que rcceberam ordens sacras — embora possam algumas vézes
ocuparse das coisas seculares, exercendo até urna profissáo secular
— em virtude da sua vocacSo estSo. destinados principal e direta-
mente ao sagrado ministerio. Os Religiosos, peto seu estado, dio alto
e eximio testemunho de que o mundo nao pode transfigurar-se e
oferecerse a Deus sem o espirito das bem-aventurancas. Aos leigos
compete, por vocacao própria, buscar o Reino de Deus ocupándose
das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus» (Canst. «Lumen
Gentium» 31).

— 77 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 4

Muito interessante é o fato de que justamente no capítulo sd-


bre os Leigos. (trechos ácima) a Constituicáo conciliar define a po-
sicáo dos Religiosos na Igreja: compete-lhes ser para todo o povo
de Deus, leigos e clérigos, portadores do testemunho de Cristo ou si
máis da perfeicao evangélica ou do espirito das bem-aventurancas.
Adiahte diz a mesma Constituicáo:
«A profissáo dos conselhos evangélicos aparece, na verdade,
como sinal que pode e deve atraír eficazmente todos os membros da
Igreja a cumprirem com diligencia os deveres da vocacáo crista.
Precisamente porque o Povo de Deus nao tem aqui a sua cidade
permanente, mas procura a futura, o estado religioso, que deixa
os seus membros mais livres das preocupacSes terrenas, manifesta
melhor a todos os fiéis os bens celestes já presentes neste mundo,
testemunha a vida nova e eterna, adquirida pela Redencáo de Cristo,
e prenuncia a ressurreicáo futura e a gloria do Reino celestial.
Éste mesmo estado imita ainda de mais perto e renova perpetua
mente na Igreja aquela forma de vida que o Filho de Deus, ao vir
ao mundo, assumiu para cumprir a vontade do Pai e propós aos
discípulos que o seguiam. Finalmente, mostra de modo particular a
elevacáo do Reino de Deus ácima de tudo que é terreno, manifesta
as maiores exigencias que imp8e, e faz ver a todos os homens a
maravilhosa eficacia de Cristo que reina, e o poder infinito do Es
pirito Santo que opera maravilhas na Igreja» (n« 44).

É oportuno frisar: nao sómente o ambiente de vida dos


Religiosos deve ser sinal para o mundo. Também o seu modo
de orar, trabalhar e tratar com o próximo deve ser a expres-
sáo de um amor mais puro, intenso e liyre. Sem esta conduta
correspondente, o quadro exterior de vida dos Religiosos po-
deria tornar-se um contra-testemunho.
Contudo pode-se insistir:

2) «Seremos capazes de viver o Batísmo e imitar o Cristo


Jesús até as últimas conseqüencias? Nao se vé quem o faca!»

Em resposta, dir-se-á:
Jesús Cristo, o Homem-Deus, isento de pecado, nao pode
ser reproduzido na integra por pobres pecadores. Os Religio
sos nao se iludem a tal respeito.
Como entáo entender a apregoada imitacáo de Cristo ?
Pode-se comparar o cristáo e, de modo especial, o Reli
gioso a urna parábola (figura geométrica) posta entre dois
eixos (ordenada e abdssa): a parábola, por sua curvatura, tende
a se aproximar cada vez mais das suas coordenadas, mas na
realidade jamáis as tocará (ou só as tocará no infinito, como
diz a linguagem técnica). — Ora o Cristo Jesús é a ordenada
ou o eixo vertical, ao qual o cristáo deve tender como a pará
bola ; verdade é que o cristáo nunca atingirá a perfeigáo de

— 78 —
NAO SOBROU LUGAR PARA OS RELIGIOSOS? 31^

Cristo, mas por vocagáo divina ele deve tender a se aproximar


mais e mais déla; nao há termo de chegada no caminho da
perfeicáo aqui na térra ; é preciso aspirar sempre a mais amor
e mais renuncia ; há sempre muito mais estrada a percorrer
do que o que já foi percorrido. Por isto é que, embora os Reli
giosos fiquem aquém do ideal (o Cristo Jesús), o seu. género
de vida conserva plena razáo de ser, pois tal género de vida
fornece um quadro «ideal» — quadro que, mediante o despo-
jamento, favorece o dinamismo interior, o crescimento no amor
e, conseqüentemente, a imitacáo de Cristo.

Diga-se de passagem que tambera o sermSo de Jesús sobre a


montanha- (Mt 5-7) é um modelo que nao pode ser executado de
maneira períeita em toda e qualquer situacáo da vida presente. Por
exemplo, um cristáo, pelo fato de ser cristáo, nem deve nem pode
apresentar sempre a outra face a quem o esbofeteia numa face;
nao pode sempre entregar o manto a quem lhe quer tirar a túni
ca; nao pode sempre camtnhar dois mil passos com quem o angaria
para caminhar mil passos (cf. Mt 5, 39-41). O bem comum e a or-
des (que, por certo, o Senhor Jesús desejou ardentemente) pedem
que os cristáos se acautelem com realismo perante 'Os agresso-
res e desordeiros; se nao, o Evangelho seria pretexto para a implan-
tacao da injustica neste mundo. Todavía o sermáo sobre a montanha
deve sempre pairar ante os olhos do cristao como urna linha de má
xima ou um eixo que rege de perto ou de longe o comportamento
do cristáo. O espirito de generosidade sugerido por tal sermáo deve
penetrar todo o comportamento do discípulo de Cristo. Essa gene
rosidade se traduzira ora mais, ora menos vislvelmente em cada
um dos atos do cristáo, de acordó com as possibilidades concretas
em que éste se encontrar.

De resto, é muito arbitrario dizer-se que nao se vé a san-


tidade na vida religiosa. Na verdade, só Deus pode julgar ade-
quadamente as consciéncias. As falhas mais chamam a atengáo
do que a santidade, pois esta tem entre as suas características
a de nao querer aparecer.

Diz-se ainda :

3) «Na vida religiosa tudo está previsto, arrumado e


assegurado. Bem diversa é a sorte dos leigos no mundo».

É preciso nao exagerar a afirmacáo «Tudo está pre


visto e assegurado». Há comunidades religiosas que vivem na
penuria, carecendo, por vézes, dos recursos necéssários para
prover a saúde de seus, membros.
Deve-se, porém, reconhecer que os Institutos religiosos
fazem o possível para isentar os confrades e as co-Irmás de
solicitudes materiais, proporcionando a cada qual o necessário
para que possa tranquilamente dedicar-se ao Reino de Deus

— 79 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 4

eao bem das almas. Neste propósito, nada há de censurável,


desde que se evitem a superfluidade e o luxo. Ao contrario, é
desejável que haja nao sómente na vida religiosa, mas também
ñas casas de familia, um ritmo de vida regular e pacato, ritmo
sem o qual homem algum pode desenvolver plenamente seus
talentos mais nobres.
A dureza da vida religiosa nao deve consistir na intran-
qüilidade económica. Ela se faz sentir de outro modo, modo,
nao menos realista e penoso: o Religioso fiel á sua vocacáo
é um homem que já nao pertence a si, nem dispóe de si; vive
permanentemente para Deus, seja na oragáo (no face-a-face
com o Senhor), seja no trabalho (onde ele indiretamente en-
contra o Senhor). O Religioso deve dar o exemplo da abnega-
cáo ou do esquecimento de si; caso tenha urna tarefa apos
tólica, há de procurar tornar-se cada vez mais «um homem
devorado pelos homens» (palavras do Santo Cura de Ars).
Também as casas religiosas devem mais e mais procurar ser
tidas como mansóes de abnegacáo e devotamente. Esta atitude
dos Religiosos os diferencia estritamente dos homens do século;
muitos- déstes passam penuria, mas tém. o direito de pensar
primeiramente em si, provendo, antes do mais, aos interésses
de sua pessoa e de seus familiares.
A outro titulo, o Religioso fiel á sua observancia nao pode
deixar de levar urna vida dura: a vida comum, a obediencia,
o silencio, a consciéncia de nada possuir como propriedade, etc.
sao elementos que mortifican!, ...de maneira invisível, sim,
mas em termos incisivos. Esta renuncia interior há de ser al
tamente meritoria aos olhos de Deus e proficua aos homens;
mediante a Comunháo dos Santos, ela redunda necessariamente
em favor dos muitos irmáos que padecem necessidades de alma
e corpo neste mundo. A Redengáo do género humano foi efe-
tuada por Cristo pregado á Cruz; ela requer que haja per
manentemente almas a orar e se sacrificar pelo próximo.

De resto, é preciso também observar que nos últimos decenios


o Senhor tem suscitado vocacfies especiáis na S. Igreja: certos Reli
giosos e Religiosas tém fundado pequeñas comunidades em ambien
tes desprovidos de recursos materiais (as vézes, favelas), procuran
do adaptar-se as condicfies de vida da populac&o local. Estas inicia
tivas merecem pleno louvor, contanto que sejam vividas em espi
rito de fé e dentro da obediencia religiosa; nao devem, porém, tor
nar-se o tipo único de casas religiosas, pois estas, para exercer o ma
gisterio, a enfermagem ou tnesmo a vida contemplativa, deverao
procurar os ambientes adequados; é preciso que em tddas as zo
nas de populacho haja mansCes de Religiosos.

— 80 —
NAO SOBROU LUGAR PARA OS RELIGIOSOS? 33 '

Replica-se mais:

4) «A vida religiosa, como ela existe hoje em dia, está


' demais institucionalizada; impoe padrees que sufocam a liber-
dade e a personalidade dos Religiosos».

— Observe-se que a institucionalizagáo (isto é, o estabe-


lecimento de Regras e Constituicóes) na vida religiosa foi sus
citada pela experiencia mesma.

Os primeiros Religiosos (ou monges) nos séc. III/IV abandona-


vam parantes, haveres e a próprla patria, a fim de seguir o Cristo
em total desnudamente A principio, mostravamse fiéis ao seu
ideal, segulndo dócilmente as inspirares do Espirito Santo; a lite
ratura crista daqueles sáculos apresenta figuras de heróis da as-
cese e da uniáo com Deus. No decorrer do tempo, porém, tais asce
tas foram sendo vítimas de suas ilusOes; entregues ao livre arbi
trio, tachavam de santos os seus caprichos e desvarios; sob a capa
de servir a Deus, serviam ao comodismo, mentmdo ao Senhor e
ao próximo pela tonsura e pelo hábito.
Foram chamados «giróvagos» (homens que passavam a vida
vagueando a seu bel-prazer, hospedándose em casas alheias, pro
pensos a satisfazer a si mesmos em tudo) e «sarabaitas» (ascetas
que viviam em grupos de dois ou tres (atendendo mais ás suas in-
clinacóes pessoais do que k disciplina religiosa).

Contra tais abusos levantaran! a voz S. Jerónimo (f 421,


ep. 22, 34), Joáo Cassiano (t 435 aproximadamente, Col. 18,7)
e Sao Bento (f 543, Regra c. 1). Foi em vista dos perigos do
individualismo e do subjetivismo assim manifestados que os
grandes Patriarcas da vida religiosa Sao Pacómio (t 346),
Sao Basilio (t 379), Santo Agostmho (t 430), Sao Bento
(t 543) escreveram as suas Regras; procuraran! orientar o
fervor dos discípulos, preservando-o de cair. em aberragóes.
Os legisladores religiosos posteriores até nossos dias só tiveram
em mira o mesmo objetivo. É o que explica e justifica a exis
tencia de Regras Religiosas, necessárias também em nossos
tempos, para evitar iniciativas que, aparentemente oportunas,
nao seriam senáo servigo a caprichos pessoais e fuga do ideal
própriamente religioso.
Todavía faz-se mister que a institucionalizagáo nao tire
as almas generosas as iniciativas de se doar mais a Deus e
ao próximo, segundo íntuigóes que o Espirito Santo pode, sus
citar nos Religiosos. Estejam os Superiores atentos a ésses
rasgos de magnanimidade; encorajenwios desde que, & luz
de Deus, os julguem genuínos. Também é oportuno que as
Regras Religiosas e os «Livros de Usos» nao descam a pres-
crigóes demasiado pormenorizadas ; abstenham-se de impór

— 81 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 4

«padráo» em observancias acidentais, pois isto, em vez de


fazer bem as almas, pode prejudicá-las (o «material humano»
de hoje pede condicionamentos diversos dos de outrora).
Do seu lado, os Religiosos procuran nao nutrir precoticeitos
contra suas ConstituigSes; aceitem o quadro de vida em que se
acham, como o quadro de encontró com Deus; é «hoje e aqui» que
cada um tem que se santificar, pois o dia de amanhá é incerto. Nao
presumam fácilmente estar sendo movidos pelo Espirito Santo para
algum tipo de vida singular; sob as belas palavras «carisma pró
prio» e «intuicáo profética» podem-se ocultar amor próprio, falta
de humildade, fuga da profissáo feita a Deus...

Estas consideracóes se completaráo na seguinte

3. Conclusa*)

O que foi dito até aqui, parece demonstrar suficientemente


que a vida religiosa está plenamente justificada dentro da
S. Igreja. Contradiría frontalmente á doutrina do Vaticano II
quem assevérasse que a exaltacáo do laicato suprimiu o lugar
próprio dos Religiosos no povo de Deus.
Seja lícito frisar aínda o seguinte : os criterios que justi-
ficam o estado religioso na Igreja nao sao os de rendimento
profissional ou técnico; nao sao a eficiencia na pedagogía, na
enfermagem ou na acáo social... É, antes, a santificacáo do
próprio Religioso e do próximo que dá sentido á vida religiosa.
Ora santificacáo incluí necessáriamente oragáo, uniáo continua
com Deus, mortificacáo do velho homem, humildade, esqueci-
mento de si...; estes sao valores que a razáo natural nem
sempre estima, mas que a fé nao pode deixar de reconhecer
como primaciais.
Em conseqüéncia, o Religioso nao se julgará frustrado em
sua personalidade, caso os Superiores nao lhe permitam culti
var tal ou tal dote ou exercer determinada atividade para a
qual senté inclinacáo.. É no amor a Deus e na renuncia a si
que se afirma a personalidade do Religioso. Esta personalidade
será grande e forte se souber colocar perseverantemente a sua
entrega a Deus ácima de qualquer outro valor meramente
humano (magisterio, enfermagem ou ac&o social...).
É para desejar, porém, que os Superiores nao menosprezem
de maflfeira preconcebida os dotes naturais de seus filhos e
irmáos em Cristo.
«Convenc&m-se todos de que a profissao dos conselhos evangé
licos, embora implique a renuncia a bens dignos, sem dúvida, de
grande estima, nao obsta contudo ao verdadeiro desenvolvimento da

— 82 —
«IGREJA DOS POBRES» 35

pessoa humana; antes, pelo contrario, por sua própria natureza o


favorece imenso. Na verdade, os conselhos evangélicos abracados vo
luntariamente, segundo a vocagáo pessoal de ■ cada um, contribuem
imenso para a puriíicacao do coracao e para a liberdade do espi
rito, excitam continuamente o fervor da caridade e, sobretudo, como
se comprova com o exemplo de tantos santos Fundadores, podem
aproximar mais o povo cristao do género de vida virginal e pobre
que para si escolheu Cristo Senhor Nosso e que a Virgem sua Máe
abragou. Nem se julgue que os Religiosos, pela sua consagradlo, se
alheiam dos homens ou se tomam inútels á sociedade terrestre. Pois,
embora algumas vézes nao se ocupem diretamente dos seus contem
poráneos, tém-nos presentes de modo mais profundo ñas entranhas
de Cristo e colaboram espiritualmente com éles a finí de que a edi-
ficagáo da cidade terrena se alicerce sempre no Senhor e para Ele
se oriente» (Const. «Lumen Gentium» n» 46).

Conscientes do enorme valor de sua vocacáo, os Religiosos


do Vaticano II só podem agradecer ao Senhor o inefável dom
que receberam, pedindo-Lhe ao mesmo tempo que o estenda
a muitos e muitos novos candidatos:
«Enfim, éste Sagrado Concilio encoraja e louva ésses homens
e mulheres, Religiosos e Religiosas, que, nos mosteiros ou ñas es
colas e hospitais ou aínda ñas missaes, honram a Esposa de Cris
to pela fidelidade constante e humilde á sua consagrado, e prestam
a todos os homens generosos e variadissimos servicos» (Const.
«Lumen Gentium» n' 46).

IV. IGREJA E MUNDO MODERNO

5) «Hoje fala-se muito de 'Igreja dos pobres'. Que signi


fica esta expressáo ?»

A expressáo «Igreja dos pobres» é inspirada, em grande


parte, por urna passagem da Constituigáo «Lumen Gentium»
do Concilio do Vaticano n, que vai abaixo transcrita :

«Do mesmo modo que Cristo Jesús consumou a redenc.ao na


pobreza e na perseguicáo, assim também, para poder comunicar aos
homens os frutos da salvacáo, a Igreja é chamada a seguir o mesmo
caminho Cristo Jesús, sendo de condicáo divina,, aniquilou-se e tomou
a condicáo de servo e por causa de nos féz-se pobre, Ele que era
rico: assim a Igreja, que certamente precisa de recursos humanos
para cumprlx a sua mlssfio, nao fot fundada para buscar glorias ter
renas, mas para pregar, também com o seu exemplo, a humildade
e á abnegacáo. Cristo foi enviado pelo Pal a anunciar a Boa-Nova
aos pobres, a proclamar a' libertacáo aos cativos, a procurar e salvar
o que estava perdido; de modo semelhante a Igreja ama todos
aqueles que a fraqueza humana aflige, reconhece a imagem do seu
Fundador, pobre e sofredor, nos pobres e nos que sofrem, esforca-se
por aliviar-lhes a indigencia, e néles deseja servir a Cristo» (n* 8).

— 83 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 5

Éste trecho sugere tres questóes:

1) Quais as relagóes da Igreja com os bens materiais ?


2) Em que consiste a pobreza da Igreja ácima apregoada?
3) Quem sao os pobres a quem se destina a Igreja ?

Examinemos de per si cada urna destas questóes.

1. Igreja e bens materiais

O texto conciliar reconhece explícitamente : «Para exe-


cutar a sua missáo, a Igreja certamente neoessita de recursos
humanos». Esta verdade obvia decorre do fato de que a Igreja
é destinada a agir neste mundo, e agir de maneira humana.
Deus nao lhe prometeu subsistencia nem meios de agáo mila
grosos ; mas, ao contrario, quer que os filhos da luz se sirvam
dos instrumentos de trabalho que a inteligencia e a prudencia
recomanda (cf. Le 16, 1-9). — Naturalmente, a Igreja nao se
deve apegar a tais bens, nem por meio déles procurar a gloria
déste mundo ; Ela há de os considerar e utilizar como recursos
sem os quais, humanamente falando, se tornaría impossível o
cumplimento de sua missáo.
A respeito já se encontra longa exposicáo em «P.Tt.»
94/1967, qu. 5.

2. A pobreza da

Após haver mencionado Cristo, que, «embora fósse rico,


se fez pobre» (2 Cor 8,9), o texto conciliar prossegue: «da
mesma maneira a Igreja... foi instituida para proclamar
a humildade e a abnegagáo pela palavra e pelo exemplo».
É, pois, na humildade e na abnegacáo que deve consistir a
pobreza da Igreja. Procurando imitar a Cristo, a Igreja, se
gundo o Concilio, há de procurar antes do mais «ser humilde
e abnegada». Ela nao foi feita para ambicionar ou disputar as
glorias déste mundo. As questóes relativas á pobreza sao im
portantes, mas admitem distingues, podendo ser resolvidas di
versamente de acordó com as diversas situagóes em que se
encontrem os filhos da Igreja. Em outros termos : as questóes
de pobreza exigem ser consideradas com certa elasticidade,
visto que, como foi dito atrás, sem possuir a Igreja nao pode
realizar sua missáo salvifica. Ao contrario, humildade' e abne
gacáo sao valores que se impóem indistintamente a todos os
membros da Igreja em todas as situagóes.

— 84 —
«IGREJA DOS POBRES* ■ 37

S. Igreja destinada aos pobres

Pergunta-se : qual o tipo de pobreza para o qual a Igreja


deve espontáneamente voltar as suas solicitudes ? Estas háo
de se dirigir sómente ou principalmente para os homens ma
terialmente pobres ?

— Nao é esta a intencáo do Concilio. Os pobres aos quais


a Igreja se destina, sao «todos aqueles que a fraqueza humana
aflige», expressáo esta que abrange nao sómente os deserdados
de bens materiais, mas também as pessoas abastadas e as
classes possuidoras ; sem dúvida, os que possuem, em meio aos
seus haveres, sao freqüentemente vitimas aflitas.

Com eíeito, «íraqueza humana» significa nao sómente carencia


de bens materiais ou de saúde íislca, mas também a privacSo de
buns espirituais, tais como a carencia da luz da verdade, o ¿rro, princi
palmente nos planos filosófico e religioso, inquletacáo e anseios do
espirito, ausencia de Deus, vazio Interior, género de vida materia
lista, desvíos moráis (graves e leves), inimizade, carencia de amor
genuino e puro. Tais deficiencias afligem o homem tanto na abun
dancia como na escassez de bens temporais. É, pois, a todos ésses
tipos de pobreza que a «Igreja dos pobres» deve procurar acudir
e Invar remedio. Práticamente, todos os homens sem excecáo entram
dentro de tal acepcáo de «pobres».

Quem preconiza que a Igreja dirija sua solicitude primei-


ramente para os que sao materialmente pobres, dando menos
atengáo aos que vivem em melhores condigóes materiais, pro-
póe urna distingáo que Cristo em absoluto nao intencionou
distingáo que poderia corresponder a urna especie de dema
gogia espiritual. A Igreja nao quer, nem pode querer, ser
«classista», preferindo alguma categoría social. Cristo veio re
dimir todos os homens e instituiu a sua Igreja para que atenda
a todos, pois todos sao, em algum sentido, aflitos pela fraqueza
humana e necessitados. O único criterio válido para que a
Igreja estabeleca urna «ordem de atendimento» é o grau de
fraqueza humana que atinge cada homem:

há pessoas e sociedades mais necessitadas: sao aquelas que


menos possuem a graca de Deus ou mais lon».-> ostáo do Cristo
Jesús;
há também pessoas é grupos menos necessitados, por já goza-
rom do ineíável dom da fé e viverem fiplmente segundo a ver.laríe
do Evangelho (deve-se reconhecer, porém, que mesmo entre as pes-

- 85 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 5

soas de fé e moral rigorosamente cristas ha crises ou momentos de


fraqueza, que podem e devem atrair de modo especial o zélo da Santa
Máe Igreja).

Em suma, caso se quisesse estabelecer prioridade entre as


tarefas da Igreja (o que é difícil e perigoso), dever-se-ia dizer:
aqueles a quem a Igreja primeiramente deve atender sao os
ricos e pobres, os fiéis e infiéis que mais longe estáo de Deus
e do seu santo Reino ; sao aqueles nos quais a reta fé, a espe
ranza e a caridade nao existem ou passam por grave perigo
ou sofrem algum detrimento ; sao também aqueles que o vicio
e o pecado envolvem.

Práticamente, em muitos casos, é difícil (se nao impossível) a


um pastor de almas ou a um apostólo leigo julgar qucm é que se
acha mais longe ou mais perto ds Deus. '
Para os outros homens, que padecem .¡e necessidades nao pro-
priamente religiosas ou subrenaturais (aflicSes de ordem material), a
Igreja também volta sua solicitude; Ela deve, sim, acudir aos enfer
mos, aos famintos, aos foragidos, ás criancas desprovidas, etc. Estas
tarefas, porém, íicam subordinadas á missáo palmar de levar a to
dos os homens as gracas da salvacáo eterna; nao devem entravar o
desempenho desta.

Tais consideragóes levam ás seguintes conclusóes :

1) Aos homens que possuem bens materiais, a Igreja


deve oferecer o que Cristo lhe confiou de específicamente seu
para ser entregue ao mundo: os tesouros da Redencáo, os
subsidios da vida eterna (os sacramentos, a Escritura Sagrada,
a vida de oragáo, as normas da moral crista individual e social).

2) Aos que nao possuem, a Igreja deve apresentar pri


meiramente os mesmos bens. Caso esteja em seu poder aliviar-
-lhes, direta ou indiretamente, a indigencia material, Ela está
obligada a fazé-lo. Esta outra tarefa nao é específicamente
eclesiástica, mas é de grande importancia, pois muitos homens
nao sao capazes de assimilar os bens espirituais se nao se lhes
proporciona urna elevacáo de vida material.

Estas observagóes evidenciam quáo erróneo seria preten


der evitar urna «Igreja da classe rica», instituindo urna «Igreja
da classe pobre». O Evangelho so reconhece urna Igreja sem
classes, Igreja de todos os homens, em que cada um é servido
na medida das suas necessidades próprias. E as necessidades
se avaliam a comecar das mais transcendentes, que sao as
necessidades da graga e da vida eterna.

- 86 —
O PADRE E OS AFAZERES TEMPORAIS 39

6) «O sacerdote de amanhá deverá ser um homent ca


sado, ocupado no exercício de ama profíssáo civil».

A respeito déste assunto já se encontram consideracóes


em «P.R.» 87/1967, qu. 5 (sacerdote e profissáo civil) assim
como em «P.R.» 94/1967, qu. 3 (encíclica sobre o celibato).
Para elucidar a questáo em estilo diferente, as páginas que
se seguem apresentaráo as reflexóes do escritor francés Jean
Guitton sobre o tema; tém o valor de ser o testemunho de
um leigo do povo de Deus, e... leigo de sólida formacáo reli
giosa e cultural. Guitton parece exprimir o sentimento de grande
parte do povo cristáo, sentimento que é, por certo, suscitado
pelo Espirito de Deus.

Jean Guitton nasceu em Saint-Étienne (Franca) em 1901. Tor-


nou-se professor de Filosofía na «Sorbonne» (Paris) em 1955. Escre-
veu numerosas obras sobre assuntos filosóficos e religiosos. Em ...
1961 loi eieito membro da Academia Francesa. Foi o primeiro ouvin-
te leigo que Paulo VI chamou ao Concilio Ecuménico do Vaticano
II, Ainda recentemente muito se distinguiu pela publicacáo dos seus
«Diálogos Íntimos com Paulo VI».
Abaixo vüo transcritas as principáis passagens de um artigo de
Guitton intitulado «Le prétre de demain» (O sacerdote de amanhá).
publicado na revista «Le Christ au monde», vol. XII (1967) 160164.

A pergunta

«Há días atrás, dois jovens sacerdotes vieram perguntar-me


o que seria o padre depois do Vaticano U, quais as suas carac
terísticas, o seu estilo de vida, a sua maneira de evangelizar
(de mandar ou obedecer),... se teria urna profissáo civil, etc.» •
Responde Guitton :

«Dois chamados complementares

Como varios outros estados sublimes, a vocagáo, em última


análise, consiste em unir de maneira vital dois chamados com
plementares, mas diferentes: um chamado, por assim dizer,
'horizontal', de evangelizacáo do mundo (tarefa comum ao
sacerdote e ao apostólo leigo) e, de outra parte, um chamado
■vertical', que é urna consagracáo,.uma relagáo de oferecimento
a Deus pelo Cristo Jesús e no Cristo Jesús, "relagáo que é a
nota própria do sacerdocio. A síntese real, e nao artificial, des-
tas duas vías sempre foi difícil, mas no presente momento é
particularmente ardua, pois atualmente os valores temporais
tém grande peso e causam notável angustia.

— 87 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 6

Características do novo padre: simplicidade

A Igreja após o Concilio acentuará a sua presenca no


mundo. E o sacerdote após o Concilio procurará, de diversos
modos, mesclar-se a massa humana. Podem-se determinar cer
tas características désse padre novo :
1) será mais simples, familiar e menos hierático em suas pa-
lavras, suas atitudes, suas vestes, seus gestos... Sua autoridade se
apresentará como um servico, urna funcao. Renunciará á eloqüéncia
retórica, pomposa e estereotipada, para apresentar no seu modo de
falar e agir mais verdade auténtica, mais simplicidade essencial. Em
suma, ele se aproximará do homem moderno...

Presente em toda parte, mas discretamente

2) O padre entrará mais ñas preocupaedes, ñas tarefas, nos afa-


zeres, ñas pesquisas, nos métodos, ñas esperanzas e angustias, ñas
diíiculdades de conseténcia... A semelhanga de um conselheiro, de
um perfume, de um fermento, de urna ebrrente de agua que fecunda
sem ruido, ele estará presente em toda parte, de maneira invisível,
discreta, pronto a auxiliar e socorrer, como o Espirito.

Acüo comunitaria

3) O padre desejará envolverse em urna atividade solidaria,


comum e comunitaria. Deverá viver a sos, para melhor amar, sem
distincao, todos os scus semelhantes. Deverá sempre guardar a so-
lidáo, que é coisa táo diferente do isolamento. Mas assim como cív
há de se unir, tanto quanto possivel, aos seus paroquianos, ele há
de trabalhar em comunidade com seus irmáos no sacerdocio...

Fique realmente padre

Depois de ter mostrado ésse aprofundamento do 'servico


aos homens' implicado pelo sacerdocio, nao posso sufocar cer-
tos receios que experimento ao falar com jovens padres. 'Tenho
dois ouvidos, dizia-me outrora o Cardeal Saliége : um para
ouvir o que me dizem, e o outro para ouvir o que nao me
dizem...'
Sim, receio que os padres de amanhá, movidos pelo nobre
intuito de se mesclar a nos outros, seus irmáos leigos, sofram a
tentagáo (para se aproximar mais de nos) de nos seguir em
nosso setor prÓprio. Receio que lamentem nao ser, como nos,
homens de afazeres civis, especialistas, profissionais, técnicos,
políticos, sindicalistas, operarios ou chefes, células do orga
nismo social, atores da 'historia' temporal, pais de familia.
Receio que percam tempo e suor e se esgotem querendo falar
nossa linguagem própria e até nossa giria, querendo adotar
nossos métodos e nossas atitudes, nossa vida trepidante, nossas
preocupaedes temporais, nossas angustias de homens engaja-

— 88 —
O PADRE E OS AFAZERES TEMPORAIS 41

dos ñas tarefas políticas, em urna palavra:... nosso estilo de


vida leiga moderna. Receto também que desejem tomar-se o
que sao entre nos os 'diretores' leigos de consciéncia: psiquia
tras, terapeutas, sociólogos, psicanalistas, psicólogos, hachareis
em ciencias humanas... •

Estima profunda do sacerdocio

Ao escutar os meus jovens amigos, receio que já nao es-


timem suficientemente a dignidade do seu estado, que alimen-
tem urna especie de remorso inconsciente por nao terem esco-
lhido a via certamente mais larga, mais fácil, mais ventilada,
mais familiar, mais calorosa, mais solidaria, do 'apostolado
leigo'. Receio que por vézes, em seus seróes, na solidáo das ci-
dades ou dos campos, tenham a impressáo de estar 'cortados
de seus irmáos, os homens', apontados pelos outros como seres
estranhos, sem familia, sem experiencia vital e quase sem
raízes. Ou ainda que considerem como ideal e únicamente vá
lida a situagáo excepcional dos 'padres-operarios...'

Seja um homem de Deus

É portante com toda a minha conviccáo e longa experien


cia de vida que lhes digo o seguinte :
i Perderéis sempre, se quiserdes equiparar-vos a nos ou
guiar-nos no nosso setor leigo. Ganhareis sempre, se vos esta-
belecerdes com alegría, fórca e simplicidade irradiante naquilo
que é o vosso dominio próprio e incomunicável: o sacerdocio.
Pedimo-vos, antes de tudo e ácima de tudo, que nos deis Deus,
principalmente mediante ésses poderes que possuis com ex-
clusividade: absolver e consagrar. Pedimo-vos, sejais os 'ho
mens de Deus', ish Elohim, como os Profetas, os portadores
da Palavra eterna, os distribuidores do Pao da vida, os repre
sentantes do Eterno entre nos, os embaixadores do Absoluto.
Estamos no relativo. Precisamos de ver em vos o Absoluto.
Na realidade, habitamos o relativo, mas nos nos movemos,
respiramos, vivemos no Abosluto !
E, sem o Absoluto a nos envolver, nao poderíamos sequer
gozar do relativo !

O que os leigos esperam do padre

Ora, tendo fome e sede do Abosluto e nao o encontrando


em parte alguma em estado puro, precisamos de ter juntó de
nos um ente semelhante a nos que, mesmo na sua fragilidade
e miseria, encarne a idéia do Absoluto e nos prove por sua
presenca que o Absoluto existe, que ele está mesmo mais perto
de nos do que o julgamos.

— 89 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968, qu. 6

Esta exigencia radical crescerá no mundo de amanhá, no


dia em que os espirites, decepcionados pelo relativo, se preci-
pitarem em demanda do Absoluto. Mas, antes mesmo dessa
data, as consciéncias precisam de urna presenta clandestina do
Absoluto, e déla precisam... cada vez mais. É oportuno que
os padres de amanhá estejam perto dos homens... Mas supli-
co-lhes nao esquegam... aquilo que nos outros, leigos, espe
ramos déles.

O celibato dos padres, sustentáculo dos leigos

Quisera dizer urna última palavra sobre o problema do


celibato dos padres, que muito se debate no presente momento,
Falarei do ponto de vista de um leigo casado.
A castidade, neste mundo afrodisíaco, é para cada um urna
via estreita e difícil. Se os leigos podem praticar sem esfórgo
heroico a castidade pré-nupcial e a castidade, a fídelidade con
jugáis, isto se dá porque na realidade éles véem viver, fora
dos claustros, jovens fortes, viris, radiantes e comunicativos,
que sao castos com alegría e seguranga: os sacerdotes. A
abnegagáo de alguns déles eleva e saneia a atmosfera em be
neficio de todos. Sem ésses entes muito humanos, que impri-
miram ao seu corpo mesmo a marca do Absoluto e cuja conduta
seria absurda se o Absoluto nao existisse, o nivel espiritual
babearía ¡mediatamente. A carne pouco a pouco prevalecería
sobre o esp'rito, pois sem demora neis convenceríamos de que
o espirito nao pode superar a carne, ao menos fora das condi-
góes excepcionais do mosteiro ou do estado religioso. Haveria
urna queda da liberdade ñas almas. Tal é a minha conviegáo.
Outrora falei dessa questáo com Henrique Bergson, o amigo
dos Tieróis e dos santos', quando ele escrevia 'Les Deux Sources'.
E, tudo bem ponderado, tudo bem considerado, ésse filósofo,
que nao era católico, concluía no mesmo sentido, afirmando
que a continencia e a vida espiritual estáo associadas entre si
neste planeta 'refractario'».
As palavras de Jean Guitton parecem dispensar comen
tarios. O leitor avaliará o peso de testemunho táo sabio e pro
fundamente cristáo. Seja lícito destacar apenas a afirmagáo
de que o padre é o rtepresentante do Eterno e o embaixador do
Absoluto. Sim; o padre deve apresentar aos seus irmáos, por
seus sentimentos, suas palavras e seu modo de vida, um qué
de eternidade. Ora isto nao é possível se ele nao vive urna
vida inteiramente dedicada a Deus e as almas ; caso queira
assumir funcóes civis, frustra a sua missáo e subtrai ao povo
de Deus o servigo que por vocagáo lhe deveria prestar.

— 90 —
43 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 98/1968

CORRESPONDENCIA MIÚDA

ESTUDANTE DE FILOSOFÍA (Nüerói) :

1) O amigo pergunta se éste mundo nao é urna pura ficgáo ou um


puro "maia" (segundo a expressáo hindú). Tudo seria "interpretado"
por nosso sistema nervoso. Neste caso, como achar a verdade?
— A crítica do conhecimento, depois de muitas reflexóes, chega fi
nalmente á conclusáo de que é preciso admitir o realismo natural, isto
é, aceitar a veracidade dos nossos sentidos e a capacidade do nosso
intelecto para apreender a verdade. As nogóes que se incutem natural
e necessariamcnte a todos os homens, hfio de ser fiéis á reaLidade.
Por qué?
Porque quem queira negar isto, ao negá-lo, está supondo e afirman
do o que nega. Para negar a veracidade das nossas faculdades de co-
nhecimonto- temos de servir-nos délas supondo que sejam verazes ou
que sejam instrumentos aptos para afirmar ou negar alguma coisa.
2) A lógica de Aristóteles está baseada no realismo natural; a
geometría euclidiana, que é a mais espontánea, supóe essa lógica; aris
totélica. O velho filósofo formulou regras de pensamento que acompa-
nharam e parece acompanharáo o género humano através dos séculos.
3) Baruch Spinoza foi, em última análise, panteísta. Seu sistema
filosófico é assaz singular. Um dos seus principios de ética reza o se-
guinte: "Por reaüdade e perfeifño entendo a mesma coisa". Isto quer
dizcr que, se existe urna reaíidade errónea ou viciada, é preciso dizer
que cía é a j>oiíe¡c.ao. Consecuentemente, a moral varia conforme as
situagóes; caímos assim no relativismo ético, que só serve -para amo-
lecer e degradar o homem.
Esperamos voltar a estes assuntos em outro fascículo de "P.R.". Por
ora veja "P.R." 29/1959, qu. 1.
Agradecemos cordial mente ao amigo a resposta que enviou ao nosso
inquérito de dezembro pp.

NOÉMIA (Sao Paulo): A noticia que a Sra. refere- nao lhe deve
causar aprcansóes. A Companhia de Jesús resolveu apoiar firmemente a
inteKTac.üo dos negros nos E.U.A., opondo-se a discriminac,úo racial. Ésta
medida foi tomada em vista da Justina; todos os homens sao iguais
peíante Deus. Naturalmente o apoio dado aos negros nao deverá redun
dar em injustica para com os brancos (.nao deverá ser causa de vin-
gancas e morticinios), pois nao se corrige um erro mediante outro erro.
A Companhia de Jesús é bastante sabia para evitar o extremo oposto.

D. Estéváo Bettencourt O.S.B. -


A RADIO TUPI DA GUANABARA

apresenta os programas

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

todos os domingos, das 6h 30min ás 7h, na palavra de

D. Estéváo Bettencourt O. S. B.

«CONVERSA DE TRES MINUTOS»

de segunda a sexta-feira ás 6h 50min, por

monges de Sao Bento da GB


NO PRÓXIMO NÚMERO :

Meníolidade moderna e símbolos

«Um Deus diferente» de Robinson

Eucaristía e real presenta de Cristo

Homossexualismo (homofilia)

A sociolizacáo na Religiao

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

{porte comum NCr$ 10,00

porte aéreo NCr$ 15,00

Número avulso de qualquer mes e ano NCr$ 1.00

Colecao encadernada de 1957 a 1964 NCr$ 80,00

Índice Geral de 1957 a 1964 NCr$ 7,00

Encíclica «Populorum Progressio» NCr$ 0,50


A colecao encadernada da «P. B.» 1967 estará a venda a partir
de fevereiro de 1968.
Rogamos a todos efetuem seus pagamentos csom a possivel
brevidade.

REDACAO ADMDÍISTRACAO

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