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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'•> ■*•' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
W_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atuat
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
■.¿t¿';'■['',' j'íj--1-1'1*'

/:■• ■..:-;T,íi;¡~-jyi.:ii;-;i*>**<w- ■

ANO XI — N? 126 JUNHO DE 1970


ÍNDICE

A Realidade Decisiva ¿33

I. DROGAS E MÍSTICA

1) "Poderiam as drogas ou os alucinógenos proporcionar


aos horneas tana auténtica experiencia mística e a entrada no
paraíso celeste ?" 23S

2) "Por que as drogas sao tao difundidas entre os jovens de


l'oje?" 23S

II. SERA MESMO?

3) "A existencia do purgatorio é de fé ?

Nao se deveria purificar o clássico canceito de purgatorio ?


É o dinheiro que salva as almas do purgatorio ?" 245

III. NA ERA DA ASTRONÁUTICA

i) " 'Eram os deuses astronautas?' Um livro que empolga e


pode jyrovocar revolucdo tanto no plano da ciencia como na da
Religiáo.

Que dicar dos misterios apontados pelo autor ?" 257

IV. UM DESAFIO

5) " 'O Cristo recrucificado'... Romance de Nikos Kazantza-


kis, que desafia os cristáos. Abaixo a inercia !" 265

RESENHA DE L1VR0S 275

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


A REALIDADE DECISIVA
Divulgou-se recentemente entre nos urna bela oragáo es
crita de próprio punho pelo falecido senador Robert Kennedy,
dos EE.UU. Essa prece, recitada diariamente pelo grande
homem público, foi encontrada no bolso do seu paleto por oca-
siáo do seu assassinato.
Sem dúvida, merece atengáo:
«Em tuas máos, ó Deus, eu me abandono. Vira e revira
esta argila, como o barro na máo do oleiro. Dá-lhe forma e
depois, se quiseres, esmigalha-a como se «smigalhou a vida de
Joáo, meu irmao.
Manda, ordena. Que queres que eu faga? Que queres que
eu faga?
Elogiado o humilhada, perseguido, incompreendido e calu-
niado, consolado, sofredor, inútil para tudo, nao me resta senáo
dizer a exempio de tua Máe: Faca-se em mim segundo a tua
palavra.
Dá-me o amor por excelencia, o amor da Cruz; mas nao
da cruz heroica que poderia nutrir o amor próprio; mas o da
cruz vulgar, que carrego com repugnancia, daquela que se
encentra cada día na contradicáo, no esquecimento, no insu-
cesso, nos falsos juízos, na frieza, nais recusas e nos desprezos
dos loutros, no mal-estar e nos defeitos do corpo, ñas trevas
da miente e na aridez, no silencio do coracao. — Entáo somente
Tu saberos que Te amo, embora eu mesmo nada saiba. Mas
ISTO BASTA».
Tais dizeres sugerem algumas reflexóes.
Fazem-nos penetrar no íntimo de um homem cuja carreira
foi brilhante, mas que, nem por isto, deixou de conhecer a
angustia e a trituragáo da vida cotidiana; sentiu-se «humilhado,
incompreendido, inútil para tudo». A cruz é realmente o qui-
nháo mais seguro na existencia de todo homem de ideal,
mesmo dos que mais afagados parecem; é a cruz que, em
grande parte, condiciona o crescimento do homem.
E que sugere a fé em tais ocasióes de dor?
O abandono & vontade do Pai. É mediante o sofrimento
que Ele, o Divino Oleiro, purifica a argila de suas criaturas, a
fim de as tornar mais belas. •
Abandonar-se a vontade de Deus ñas horas amargas é
nobre, sem dúvida, mas nao é fácil. A natureza nem sempre
aceita os designios de Deus.

— 233 —
Entáo que fazer?
Pedir a Deus, queira dar á sua criatura o amor o
amor a própria cruz. «Sofre alguém entre nos? — Que ele
reze» (Tiago 5,13). Pode-se dizer, sem receio de errar? que a
oracao e o principio de solucáo de todos os problemas do
nomem. A oragao é também o recurso permanente do cris-
tao... E recurso fácil! Sim; para orar, nao é necessário esteja
o cnstao na amizade de Deus; pode estar atolado na fossa e i
deprimido pelo pecado; basta que se coloque na atitude de
mendigo de Deus. Orar também nao requer necessáriamente >
cabeca «fresca» ou saúde bem disposta; mesmo quando can- \
sado e incapacitado de concatenar idéias, pode o cristáo coló-
car-se na presenga de Deus e oferecer-lhe as suas expectativas — r-
e o seu amor... ou, ao menos, o seu désejo de amar o Sumo
Bem. Desejar amar, no caso, já é amar; já é efeito da graca
de Deus, que age na criatura deprimida.
Ainda urna reflexáo. Há «cruzes» e cruzes na vida do
homem. Com efeito, há cruzes que, devidamente suportadas,
podem tornar-se motivo de vanglória, pois suscitam a admi-
racao do público para com o sofredor. Mas também há cruzes
que, em absoluto, nao trazem compensagáo sensível; sao o
insucesso, a contradigáo, o esquecimento... Estas sao as que
mais se assemelham á cruz de Cristo; sao as mais preciosas,
porque nos fazem perder fé em nos mesmos e ñas criaturas,
obrigando-nos a procurar firmeza e amparo em Deus só; sao
as cruzes que nos dilatam e fazem crescer na verdadeira vida.
É principalmente o amor a tais cruzes que havemos de pedir.
Mesmo que as vézes nos parega nada mais compreender do
plano de Deus (Ele oportunamente se compraz em desconser-
tar-nos, a fim de que nos reconsertemos nÉle), a adesáo fiel
e incondicional ao Pai do céu é extremamente valiosa. «Entáo
sómente Tu saberás que Te amo, embora eu mesmo nada saiba.
Mas isto basta». O justo vive da fé; ele sabe que, para aquéle
que pouco ou nada vé, é sumamente bom aderir Aquele que
tudo vé, tudo compreende.
Que a Virgem Santíssima, modelo da entrega total a Deus
numa fe que, duramente provada, foi mais forte do que a pro-
pna morte, nos obtenha a graga de repetírmos com conscién-
cia e^ amor crescentes: «Faga-se em mim segundo a tua pa

rí a oí^ saberás-- embora eu mesmo nada saiba... ISTO


ÜAol A»,

E.B.

— 234 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XI — N' 126 — Junho de 1970

1. DROGAS E MÍSTICA

X) «Podersam as drogas ou os alucinógenos proporcionar


aos bomens urna auténtica experiencia mística e a entrada no
paraíso celeste?»
2) «Por que as drogas sao too difundidas entre os jovens
de hoje?»

Em sintese: O uso de drogas, principalmente das alucinogénicas,


é reconocidamente prejudicial á saúde psíquica e íisica do consumi
dor : aleta os centros sensoriais do cerebro, excita a imaginagáo e a
emotividade, impedindo a pessoa de aplicar a inteligencia, a vontade
e a memoria a concepcSo de auténtico e generoso ideal de vida.
Nao obstante, os alucinógenos mais e mais se difundem entre os
jovens por varios motivos: primeiramente, a curiosidade e o desejo
de estar na moda, nao ficando p'ra tras, impele muitos & primeira
experiencia; depois, a volúpia, poderosamente excitada pelos meios
de comunicacáo social (cinema, revistas, jornais...), entretém o uso
habitual de drogas. Interésses comerciáis de produtores e distribuidores
também desempenham papel notorio na propagado do vicio. — Acresce
que as drogas se tornaram nos últimos anos o símbolo de urna atitude
filosófico-religiosa: a «beat generation», que contesta a sociedade de
consumo, julga que as drogas sao meio eficaz para libertar o homem
dos esquemas do tecnicismo e do puritanismo dos mais velhos. Diz-se
outrossim que os alucinógenos proporcionan! contato místico com a
Divindade.
Ora médicos e psicólogos abalizados repelem decididamente o
consumo de drogas, a nao ser em casos devidamente dosados, com
íins terapéuticos. Quanto aos efeitos místicos, sao ilusorios; a expe
riencia de Deus se obtém em lucidez de mente e disciplina de vida,
nao no tipo 'de alheamento induzido pelas drogas.

Resposta: Em todas as partes do mundo, inclusive no


Brasil, ouvem-se vozes alarmadas em vista do crescente con
sumo de drogas, principalmente entre os jovens-. As proporcóes
do fenómeno preocupam as autoridades civis: jovens de 14/15
anos sao internados em clínicas para se submeter a curas de
desintoxicacáo; meninas-mocas de 13/14 anos, foragidas de

— 235 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

casa, sao encontradas em transe psicodélico »; os contraban


distas de tóxicos sao muitas vézes jovens que iniciam a sua
experiencia de vida pública.
Tais fatos lancam questóes: seria de grande importancia
conhecer os possiveis motivos que levam os jovens ao encalco
de drogas; urna vez esclarecidas as causas, sanear-se-ia mais
fácilmente o mal. É á procura de urna resposta que as páginas
seguintes seráo escritas.

1. Drogas em revista

Antes do mais, oonvém precisar o que sao os alucinógenos 2


e qual a sua atuacáo no organismo humano.
Sabe-se que os alucinógenos pertencem á categoría gené
rica das drogas. Ora hoje em dia estas vém sendo distribuidas
em tres principáis subclasses:
1) grandes drogas ou estupefacientes própriamente ditos;
2) estimulantes;
3) alucinógenos.
Passemos em revista cada um déstes tres tipos de drogas.
1) Estupefacientes

As mais conhecidas destas drogas sao a morfina, a eroína,


a codema (oriundas do opio) e a cocaína (proveniente da fólha
da coca).

Ingeridas ou injetadas no organismo, provocam tonteiras;


a seguir, crescente aceleragáo de reflexos, sempre mais agita
dos e desconexos; donde decorre um estado de exaltagáo e
euforia, em que os empreendimentos se tornam facéis; por
ultimo, registra-se letargía com excitantes visóes e intenso
prazer erótico.

Com o tempo, o organismo se defende contra o tóxico,


elevando a sua capacidade de tolerancia; o sujeito vé-se entáo
obngado a aumentar as respectivas doses. Cai em estado de

— 236 —
DROGAS E MÍSTICA

«dependencia», em que a droga se torna idéia fixa, geradora


de psicose e angustias. Toxicomania e criminalidade estáo em
estrita correlagáo.

2) Estimulantes

Sao representados principalmente pelas anfetaminas. Estas


estimulam os centros produtores de energia do organismo, de
modo que numa fase de cansago ou stress, o sujeito se torna
capaz de imprevistas faganhas (usam-se na prática do esporte,
I
em período de exames ou de sobrecarga profissional). Nao
raro, urna vez terminada a agáo do estimulante, o paciente
sofre um colapso físico.
O recurso esporádico a tais drogas pode solucionar situa-
góes difíceis (de médo, torpor, indolencia...). Caso, porém,
se torne hábito, altera nocivamente os centros de comando do
organismo.

3) Aluctnógenos

Sao derivados de plantas que os povos primitivos, princi


palmente no México, conheciam e utilizavam, máxime em ceri-
mónias religiosas. Sómente nos últimos tempos a ciencia isolou
e estudou atentamente tais produtos. Os mais conhecidos den-
tre éles sao o peyotl, o teojianacatl, o ololiuqui e a oanapa
indiana.
O peyotl pertence la familia dos cactus; é cultivado ñas
regióes secas do México e do Sul dos Estados Unidos. Déle se
deriva o alcaloide chamado «mescalina».
O teojianacatl (= cogumelo de Deus) era tido pelos indios
mexicanos como alimento sagrado a ser ingerido ñas soleni-
dades religiosas; facilitaría o contato com a Divindade e o
diagnóstico de certas molestias. Dessa substancia se extrai a
psilocibina.
O ololiuqui (nome azteca) cresce no México meridional;
suas sementes sao mastigadas com finalidade mágica e reli
giosa. Em 1955 o psiquiatra canariense Osmond, tendo ingerido
tal substancia, verificou que provocava primeiramente um es
tado de torpor; a seguir, sensagáo de bem-estar com visees
fortemente coloridas e notáveis alteragóes do ambiente.
A canapa indiana é oriunda do Himalaia. Foi levada para
a China em 3.000 a. C. aproximadamente; daí, para a Pérsia,
o Congo, as Américas e finalmente a Europa. Os seus princi-

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6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

país derivados sao a marijuana e o hashish (haxixe, em forma


aportuguesada). Éste vocábulo parece ter dado origem ao
termo assassino (= consumidor de hashish), pois, a quanto
parece, os criminosos costumavam estimular-se com tal subs
tancia.

Dentre os alucinógenos obtidos por síntese química, o mais


importante é o LSD-25 (dietilamina do ácido lisérgico); o n« 25
indica apenas que a síntese foi efetuada pela primeira vez aos
2 de maio (de 1938). Os iniciados o chamam simplesmente
«ácido».
Sabe-se hoje que a acáo do LSD sobre o organismo é
5.000 vézes mais enérgica que a da mescalina e 100 vézes
mais poderosa que a da psilocibina. Urna grama de LSD pode
provocar o «delirio branco» (reacio extática) era 5.000 pes-
soas. Dadas as suas dimensóes microscópicas, dez doses de LSD
podem ser enviadas ao respectivo destinatario ocultas sob um
sélo de correio.
Examinemos agora de mais perto

2. Os efeitos dos alucinógenos

Cada individuo reage as drogas de maneira muito pessoal.


Pelo que, é impossível prever com precisáo todos os efeitos
que determinada droga possa desencadear no respectivo consu
midor. Nao obstante, os estudiosos assinalam com clareza al-
guns dos efeitos mais patentes comuns a todas as substancias
alucinogénicas.
No plano psíquico, registra-se distorcáo das percepgóes:
visáo, audicáo, tato se alteram not&velmente. Atenua-se a ca-
pacidade de distinguir entre realidade e fantasía; perdem-se
as nocóes de espago e tempo; a memoria torna-se um tanto
caótica; a atengáo passa a flutuar sem se poder fixar. A rea
lidade ambiente se torna como que fluida e esvaecente ou tam-
bém turbilhonante. O individuo concebe a idéia de estar saindo
do mundo de cada dia para penetrar em mundo novo, de am
pias dimensóes e fulgurantes luzes; em conseqüéncia, julga-se
estranhamente poderoso, capaz de superar qualquer dificul-
dade.

O despertar do estado de torpor ou a volta das viagens


imaginarias nao significa sempre recuperacáo das faculdades
mentáis do sujeito; apatía, depressáo, angustia, recusa da rea
lidade sao conseqüéncias mais ou menos permanentes do con-

— 238 —
DROGAS E MÍSTICA

sumo de drogas. Acrescentem-se, em plano mais remoto, dese


quilibrio mental e apagamento da personalidade.
Por vézes notam-se também conseqüéncias somáticas: o
corpo perde peso e proporcües normáis, assumindo formas ab
surdas e extravagantes.
A éste desgaste psicossomático sobrevém o fato de que
i os alucmógenos acarretam para o consumidor certa dependén-
: cia psíquica: quem experimentou o éxtase psicodélico, sente-se
a ele mais e mais atraído como se fósse a solugáo radical e
\ universal para o problema de sua existencia.
f Em meados de 1969, o govérno do Estado de Nova Iorque
(U.S.A.), tendo em vista reprimir o uso de tóxicos, proibiu
a entrada de marijuana no seu territorio. Em conseqüéncia,
os toxicómanos, nao conse^uindo superar a necessidade psí
quica de «paraísos artificiáis», puseram-se imediatamente ao
encalgo de quaisquer outras drogas que se achassem no mer
cado; donde resultaram, em poucos meses, numerosos casos de
grave intoxicagáo, muitos dos quais foram fatais.
Todavía, mesmo após táo negativo balango, nao se pode
deixar de reconhecer que, em alguns casos, os alucinógenos
vém a ser auténticos recursos medicináis: facilitam a manifes-
tagáo de conflitos inconscientes, dissipam bloqueios psicoafeti-
vos, curam agressividades e incomunicabilidade... É absoluta
mente necessário, porém, que o uso de tais substancias seja
entáo estritamente orientado e controlada por especialista
idóneo.

3. Juventude e drogas

Pergunta-se agora: por que se registram tantos casos de


consumo de tóxico entre os jovens?

1) Observado geral

Em geral, o jovem vive a sua primeira aventura alucino-


génica por curiosidade ou pelo desejo de provar e conhecer
tudo (desejo muito compreensVel na idade juvenil); a fama
de que as drogas levam a experiencias maravilhosas ou de que
causam sensagóes novas e proibidas é suficiente para estimular
o rapaz ou a moga.

É dosi colegas ou dos companheiros de jogos e diverti-


' mentos que muitos recebem o seu primeiro cigarro de mari
juana ou a primeira dose de ácido lisérgico, de hashish, cola

— 239 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

e outras estranhas combinagóes. Estes elementos sao tídos


como presentes e, conseqüentemente, como demonstragóes de
camaradagem, de espirito de grupo; quem os recebe como
oferta, se julga obrigado a aceitá-los para nao ficar «p'ra tras»,
mas antes estar no passo do dia. Cigarros e bolinhas sao con
sumidos em roda amiga, num recanto qualquer (as vézes,
clandestino), em seróes ou noitadas, ou em passeios... A
obtengáo e a distribuicáo de tóxicos sao facilitadas mediante
processos requintados de simulagáo e contrabando.
Após as primeiras experiencias, já nao é a curiosidade
que impele o consumidor de tóxicos, mas é muitas vézes a
própria volúpia que se apossa do individuo, volúpia incessante-
mente alimentada por quanto disseminam os cinemas, os jor-
nais, as cantilenas e outros meios que impregnam a opiniáo
pública.

2) A «beat generatíon»

O consumo de drogas nos últimos tempos tem-se tornado


mais e mais freqüente nos grupos de jovens contestatarios
norte-americanos. Vivendo na periferia de grandes cidades dos
Estados Unidos, ésses jovens se vestem de cores vivas; sao
clamorosos, nao, porém, violentos; constituem a faixa dos
«hippies», também dita «beat generation», que apregoam a
mudanga da atual sociedade de consumo (a propósito déste
programa, veja-se «P.R.» 114/1969, p. 229; 115/1969, p. 278;
120/1969, p. 515).
O consumo de alucinógenos entre os «hippies» ou por
parte da «beat generation» é fomentado por teorías filosóficas
e «místicas», das quais se tornaram notáveis arautos os pro-
fessóres T. Leary e K. Alpert, da Universidade de Harvard
(U.S.A.). Estes estudiosos, após prolongadas experiencias e
pesquisas, formularam a chamada «teoría psicodélica», que em
substancia se resume nos seguintes termos:
Só o consumo de drogas poderá tornar possível a reno-
vagáo da sociedade, pois Cínicamente as drogas sao capazes
de subtrair o homem ao puro tecnicismo e ao presente estado
de psicose generalizada; as drogas abriráo novos horizontes
aos seus consumidores, horizontes decorrentes de novas per-
cepcóes e intuigóes, que emergiráo das profundidades do espi
rito humano. As drogas agem como «urna chave química que
abre a mente, liberta o sistema nervoso das suas estruturas
ordinarias, dando-lhe a possibilidade de captar as novas reali-
dades da consciéncia dilatada». Mediante as drogas, abre-se

— 240 —
DROGAS E MÍSTICA

ao homem um mundo de maior riqueza espiritual, quase de


inspiragio divina; as «viagens» (mentáis) através désse mundo
colocam a pessoa em estado de plena Iiberdade interior.
O Prof. Leary, ao propagar suas idéias, costuma observar
que a nova filosofía é apta a provocar reagóes e perseguigóes.
Acrescenta, porém, que estas ocorrem no inicio de qualquer
> religiáo. A «viagem» (mental) é como urna peregrinagáo a
,: Meca: custa sacrificios e fadigas, mas transforma o sujeito.
Quanto ao vendedor de drogas psicodélicas, longe de ser um
\ criminoso, é o grande «Santo» que desafia a policía a fim de
i instaurar urna nova sociedade.
É bem compreensível que tais teorias, com seu sabor de
pioneirismo e contestagáo libertadora, com seus tragos quase
proféticos, atraiam o interésse dos jovens. Estes se acham pre
cisamente numa fase de intolerancia em relagáo aos «grandes»,
que, segundo éles, se esclerosaram e tornaram hipócritas. Pre
ocupados com sua seguranga financeira, capazes de permitir
a fome no mundo, contanto que levem existencia tranquila, os
mais velhos (assim vistos pelos jovens) suscitam o protesto
da nova geragáo, que diz procurar urna sociedade mais humana,
repelindo injustigas e puritanismo.
Precisamente a droga, enaltecida pelos mestres do psico-
delismo, vem a ser no mundo jovem insatisfeito o meio de
protestar contra os esquemas da moral burguesa e da sociedade
de consumo. É o símbolo de novo mundo; é fonte de inspiraráo
e Iiberdade espiritual.
No fenómeno de difusáo das drogas, nao se poderia silen
ciar o papel da propaganda ou da publicidade. O consumo de
drogas é altamente rendoso para quem as produz e distribuí.
Por isto há produtores de substancias alucinogénicas (se nao
no Brasil, ao menos no estrangeiro) que mandam distribuir
varios tipos de drogas, a título de oferta graciosa, ñas assem-
bléias e manifestagóes de juventude, as portas das Universi
dades e das escolas medias. Os responsáveis por tais presentes
sabem que o estudante, após urna primeira experiencia, difícil
mente se absterá de ulterior recurso aos mesmos.
Impóe-se agora urna avaliagáo das teorias psicodélicas.

4. Mística ou m¡stif¡ca$5o ?

1. É muito freqüente, nos escritos psicodélicos, a afir-


macáo de que o recurso as drogas dilata a consciéncia e pro-

— 241 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 1 e 2

porciona contato com o mundo do inconsciente; mobiliza poten


cialidades secretas do «eu» e assim dá inicio á escalada para a
verdade.

Ora estes sugestivos dizeres nao recebem confirmacáo da


parte dos médicos e psicólogos mais abalizados. Estes ensinam
que qualquer tipo de alucinógeno, e de modo particular o LSD,
é um corrosivo do cerebro, que influi negativamente sobre as
faculdades do consumidor, principalmente sobre a sua capa-
cidade de julgar; as drogas agem sobre diversos centros ner
vosos e sensoriais da massa cerebral (tálamo, córtice, hipo
campo ...), prejudicando o funcionamento normal dos mesmos,
reforgando a vivacidade das percepgóes até a alucinóse, exci
tando a fantasia e as representagóes simbólicas. As mesmas
substancias movem também a afetividade do paciente, néle
desencadeando sentimentos intensos e pujantes, capazes de
provocar comportamentos desconsiderados: ansiedade e pá
nico, agressividade hostil ou terna dilegáo, éxtase feliz ou tris
teza imensa, desgosto horrorizado ou cuipabilidade irremediá-
vel... Os resultados obtidos mediante as drogas sao impre-
visiveis (dependem muito do tipo de personalidade e das dis-
posicdes momentáneas do consumidor); urna experiencia de
alegría extática pode ser seguida de profundos sentimentos de
angustia e tristeza; a «descoberta do Absoluto» pode ter após
si urna experiencia banal, alheia ao transcendental.

Os «éxtases» e as «viagens» da pessoa «estupefeita» a tor-


nam passiva e inoperante, colocando-a em estado de desori-
entagáo e confusáo mentáis; «estas condigóes o sujeito nao
consegue distinguir das suas criagóes fantasistas o que ele
possui de mais genuino e pessoal. Em vez de usar de iniciativa
própria e livre escolha, a pessoa é alienada ou envolvida em
urna trama artificial; por isto torna-se-lhe muito difícil ou im-
possivel colaborar na regeneragáo da sociedade. Costumam os
estudiosos dizer que o estado mental désse individuo é compa-
rável a um caleidoscopio fortemente sacudido, do qual nada de
seguro e razoável se pode depreender.

2. A afirmagáo de que a experiencia psicodélica é de


índole mistico-religiosa nao resiste a um exame serio e sereno.
Verdade é que povos antigos (e ainda hoje certas populacóes
das ilhas do Pacífico), de cultura pré-científica, ignorando as
virtualidades psicotrópicas de certos vegetáis, atribuiam (e
atribuem) a determinadas plantas o poder maravilhoso de por
o homem em contato experimental com a Divindade. Hoje,
porém, sabe-se muito bem que a exaltagáo psicológica e a eu-

— 242 —
DROGAS E MÍSTICA 11

foria de que gozavam os antigos devotos visando drogas, nao


sao senáo modificagóes do psiquismo produzidas por estimu
lantes químicos.

Note-se, alias, que as pretensas experiencias místicas dos


psicodélicos contemporáneos nao tém efeitos duradouros; os
resultados de euforia sao efémeros; urna vez passado o efeito
da droga, o sujeito póe-se a duvidar de suas «visóes» religiosas,
e nao vive de modo algum como um érente ou um homem
de fé.
A auténtica experiencia religiosa supóe premissas e pro
voca reacSes radicalmente diversas das do psicodelismo; «boli-
nha» e grac.a (de Deus) nao sao da mesma índole. O genuino
contato com Deus realiza-se em estado de lucidez e conscién-
cia; Deus nao é urna projegáo ou urna criagáo do psiquismo
do homem, mas é um ser vivo — Inteligencia e Amor — com
o qual o homem mais e mais se encontra na medida em que
se purifica de paixóes e tendencias desregradas, exercendo
disciplina sobre si mesmo; ora disciplina, autodominio, uso
consciente das faculdades se opóem frontalmente ao consumo
de drogas. Éste implica dissolugáo da personalidade, excitagáo
da emotividade e obnubilacáo da mente.
Mais ainda: nao se pode em nossos dias, ou seja, na era
da ciencia e da técnica, reproduzir o comportamento do homem
pré-científico das culturas arcaicas. Éste fazia das drogas um
sacramento; acreditava no valor e na eficacia sagrada das
mesmas; estava persuadido de que, consumindo-as, participava
da Divindade. O homem moderno, porém, nao pode permitir
a si mesmo táo simplória credulidade; sabemos que as drogas
sao um produto da natureza cujos efeitos psicodélicos se expli-
cam pela farmacología e a psicofisiologia.

3. Enfim a mística do psicodelismo se manifesta ilusoria


ainda a outro título: há contradicho entre o brado de reforma
da sociedade e o comportamento prático dos consumidores de
drogas. Estes geralmente vivem desengajados; criticam a so
ciedade, mas nada fazem por melhorá-la. Ora erros e defeitos,
por mais graves que sejam, nao se eliminam pelo desinterésse
e a marginalizacáo indolentes. — Outro poderia ser o juízo a
proferir sobre os psicodélicos, se estes se mostrassem mais
prontos á generosidade e ao sacrificio.

4. Deve-se, porém, reconhecer que certas drogas, devida-


mente dosadas e controladas por um profissional idóneo, pódem
ter efeito terapéutico. Admita-se, por exemplo, o caso de al-

— 243 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu.. le 2

guém que tenha prevengóes em relagáo aos valores religio


sos...; o consumo da droga poderá néle dissolver os meca
nismos de defesa inconsciente, suscitando urna certa disponi-
bilidade frente las realidades transcendentais. Todavía note-se
que, neste caso e em outros semelhantes, o individuo nao faz
experiencias religiosas, mas apenas desmantela o seu bloquea-
mento anti-religioso.
*

5. Como responder?
i

Em julho de 1969, o presidente Nixon, preocupado com »


a difusáo das drogas nos E.U.A., enviou ao Congresso urna
mensagem que solicitava mais severa repressáo do tráfico dro- •
guista. O Ministro da Justiga formulou um projeto de lei, que
punia com dez anos de prisáo a quem fósse encontrado sim-
plesmente na posse de marijuana. A oposigáo, porém, se le-
vantou, alegando: «Como encarcerar dez milhóes de jovens?»
Em novembro de 1969, Nixon declarou ter mudado de
parecer: «Outrora julgava eu que a solugáo era a intransi
gente aplicagáo das leis: mais prisóes, mais condenagóes. Con-
tudo nao é assim. Quando nos encontramos diante de rapazes
de 13, 14 e 15 anos, a solugáo nao é o cárcere; a resposta é
'informagáo'; a resposta é 'compreensáo'». De entáo por diante,
os órgáos govemamentais puseram-se a promover conferencias
de esclarecimento sobre as drogas ñas Universidades e nos
colegios; intensificam-se as obras de recuperagáo dos indivi
duos viciados, e impóem-se graves penas aos produtores e dis
tribuidores de drogas.
Outros países tém adotado semelhantes solugóes. A Franga,
por exemplo, pune severamente os traficantes de alucinógenos
e tenta influir sobre a opiniáo pública mediante os meios de
comunicacáo social (imprensa escrita e falada); pronrove aulas
sobre a agáo e os efeitos das drogas e abre novos caminhos
para a desintoxicagáo dos psicodélicos.
Ao nosso Brasil, aos nossos dirigentes, educadores e pais •
de familia compete outrossim refletir seriamente sobre as raa-
neiras de ajudar a juventude a se libertar das ameagas da
alienado psicodélica; nao seja a generosidade da nova geragáo
deteriorada por falsas concepgóes místicas. *'

A propósito ampia bibliografía poderla ser citada. Vejam-se, por ,


exemplo, >
G. Perico, «Giovani e allucinogeni», em «La Clvilta Cattolica»,
7/3/70, qu. 2873, pp. 417-433.

— 244 — . . . .. . „ ■
PURGATORIO! COMO? 13

F. N. Moschini, «Os caminhos dos venenos», em «Problemas brasi-


leiros», marco 1970, pp. 7-22.
A. Porot, «Les toxicomanies». Presse Universitaire de France. Pa-
ris 1968.
H. Solms, «La drogue et les jeunes», em «Rééducation», agósto-
-setembro 1963, pp. 61ss.
T. Leary, R. Metzner, K. Alpert, «L'esperienza psichedelica». Mi-
« laño 1969.
.i1 D. H. Salman, «Le droghe psichedeliche e l'esperienza religiosa»,
em «Concilium» 49/1969, pp. 137ss.
'. «Quattro ragazzi drogati si confessano», em «L'Europeo» 1
I 30/10/1969, pp. 25ss.

II. SERÁ MESMO ?

3) «A existencia do purgatorio é de fé?


Nao as deveria mirificar o clássiooi concoito de purga
torio?

Í2 o dinheir» que salva as almas do purgatorio?»

Em síntese: O purgatorio é um estado postumo em oue a alma


se purifica das inclinacSes desreeradas e dos resquicios do pecado com
que tenha deixado a vida presente.
Embora mantenha urna atitude fundamental de amor a Deus. pode
urna criatura tolerar em sua conduta freaüentes faltas mais ou menos
deliberadas, e morrer nesse estado. Em tal caso, Deus nao condena sua
criatura, mas lhe proporciona um estágio extraordinario de purificacáo,
nois é impossivel que urna alma, portadora da mínima sombra de
, falha. sustente a visáo de Deus face-a-face.
A purificacáo postuma, conforme os bons teólogos, se faz nao pelo
fogo. mas pela penetracáo do amor de Deus ñas profundidades da
alma, de modo a ai extinguir todo vestigio de egoísmo e amor desor-
* denado. Tal purificacáo é dolorosa: a alma verificará amargamente
" ter sido leviana, ter perdido tempo e graca de Inestimável valor.
A dor do purgatorio é mesclada de alegría, pois a alma em tal
condicao sabe que pertence irreverslvelmente ao amor de Deus.
Visto que as almas no purgatorio nada podem merecer para ace
lerar o seu processo de purificacáo, os cristáos na térra podem-lhes ser
úteis mediante a chamada «comunháo dos santos (ou de bens sagra-
t dos)». Nao ha alma abandonada no purgatorio, pois os sufragios da
« Igreja militante beneficiam todas as almas. Aquelas por quem os
párenles (pobres ou incrédulos) nao mandam celebrar a S. Missa, sao
objeto da misericordia divina, como as demais almas do purgatorio.

— 245 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

Evite-se comparar éste estado a um cárcere onde certos prisionelros


passam melhor do que outros por terem parentes mals ricos e pres
tigiosos.

Besposta: Por «purgatoria» entende-se o estado (nao um


local) em que as almas dos fiéis que morrem no amor de Deus,
mas ainda portadoras de inclinagóes desregradas e resquicios
do pecado, se libertam destas escorias mediante urna purifi-
cagáo do seu amor. O purgatorio vem a ser urna concessáo da
misericordia divina, que nao quer condenar a quem O ama,
mas nao pode receber em sua santíssima presenga qualquer
sombra de pecado.
A doutrina do purgatorio é, hoje em dia, especial objeto
de atencáo. Certas descrigóes assaz populares e fantasistas da
expiagáo postuma contribuiram, de certo modo, para fazer
perder de vista quanto de belo e iiobre há nessa proposicáo da
fé. Por isto, ñas páginas que se seguem, procuraremos apre-
sentar a nogáo de purgatorio despojada de concepsóes pouco
condizentes com o depósito revelado.
Já em «P.R.» 8/1957, pp. 9-12 e 14/1959, pp. 66-72 foi
abordado o tema «purgatorio». Neste fascículo recordaremos
e desenvolveremos quanto ai foi dito.

1. Purgatorio : Biblia e magisterio

Antes do mais, é preciso averiguar o que se encontra nos


mananciais da fé a respeito do purgatorio.

1) Escritura Sagrada

A doutrina do purgatorio nao se encontra explícita nos


livros da Escritura; contudo algumas passagens biblicas apre-
sentam as idéias fundamentáis que a inspiram. Tenham-se em
vista os textos seguintes: /
a) 2 Mac 12, 39-46: «No dia seguinte, Judas foi com os
seus, como era necessário, levantar os corpos daqueles que
haviam sido mortos, para sepultá-los com os familiares nos
túmulos de seus antenatos. Encontraram, sob a túnica de cada
um dos defuntos, objetos consagrados, provenientes dos ídolos
de Jámnia, que a Lei proibe aos judeus; tornou-se entáo evi- *f
dente a todos que esta fóra a causa de sua morte. Todos, por
conseguinte, louvaram o Senhor, justo Juiz, que torna mani-

— 246 —
PURGATORIO! COMO? 15

festas as coisas ocultas. A seguir, puseram-se a orar, pedindo


que o pecado cometido fósse inteiramente perdoado; e Judas,
o corajoso, exortou o poyo a guardar-se puro do pecado, tendo
ante os olhos as conseqüéncias da culpa daqueles que haviam
caído. Depois, havendo feito urna coleta, em que recolheu a
quantia de duas mil dracmas, enviou-a a Jerusalém para ser
empregada num sacrificio expiatorio. Bela e nobre acá», ins-
'i pirada pela lembranca da ressurreigáo! Pois, se nao acreditasse
r que ésses soldados mortos ressuscitariam, teria sido coisa su-
# pérflua e ridicula orar pelos defuntos. Além disto, considerava
.* que está reservada urna bela recompensa aqueles que ador-
** mecem na piedade. Eis por que ele fez ésse sacrificio expia
torio pelos mortos, a fim de que fóssem libertados dos seus
1 pecados».
No dia seguinte ao da vitória sobre o general pagáo Gór-
gias, Judas Macabeu (+ 160 a. C.) descobriu, debaixo das
túnicas de seus soldados mortos, pequeños ídolos de que se
haviam apoderado no saque de Jámnia; eram objetos impuros,
que a-Lei proibia aos israelitas guardar consigo. Acreditava,
porém, que os soldados «haviam morrido piedosamente» o
que insinúa que a sua culpa nao fóra grave ou, caso o fóra,
déla se tinham arrependido antes de morrer. Nao obstante,
depois da morte ficaram-lhes aderéncias do mal, das quais
deviam ser h'bertados, a fim de poderem conseguir a «bela
recompensa». E Judas julgava que, em vista desta purificacáo,
lhes podiam ser úteis os sufragios dos vivos, razáo pela qual
mandou oferecer um sacrificio expiatorio em Jerusalém.
b) 1 Oor 3, 10-16: «Conforme a graga de Deus que me
v- foi dada, como sabio arquiteto, coloquei o fundamento, e outro
constrói por cima. Cada qual, porém, veja como constrói por
cima. Ninguém pode colocar fundamento senáo o que está
colocado, a saber, Jesús Cristo. Se alguém constrói sobre éste
fundamento servindo-se de ouro, prata, pedras preciosas, ma-
deira, feno, palha, a obra de cada um aparecerá claramente;
i com efeito, o dia do Senhor a dará a conhecer, pois se revelará
, no fogo, e o fogo provará a qualidade da obra de cada um. Se
a obra construida subsistir, o operario receberá urna recom
pensa; se, porém, a obra de alguém fór consumida, o operario
perderá sua recompensa; ele, contudo, será salvo, mas como
♦ que através do fogo».

O texto trata dos pregadores do Evangelho, os quais edi-


. ficam sobre Cristo, e nao sobre fundamento estranho ou falso.
Uns, porém, constroem com zélo (servindo-se de ouro, prata,
pedras preciosas); outros, com negligencia e tibieza (com na-

947
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

deira, feno, palha...). O dia do Senhor ou día do juízo reve


lará o afinco de cada qual dos operarios. Enguanto os pri-
meiros nada teráo de temer, os outros sofreráo detrimento,
isto é, padeceráo dores e penas; todavía nao deixaráo de se
salvar; salvar-se-áo depois de provar a angustia devida as suas
obras imperfeitas — o que (pode-se dizer) insinúa o tipo de
salvagáo que ocorre mediante o purgatorio (o fogo, porém,
neste contexto nao é senáo o símbolo do juízo de Deus).
Os autores citam também o texto de Mt 5, 25s: Jesús ai
dá a entender que, após a caminhada da vida presente (a via),
pode haver um cárcere (metáfora), donde o homem réu sai
depois de ter expiado por completo. O texto nao é suficiente
mente claro. Como quer que seja, vé-se que a Escritura fornece
ao leitor os dados que constituem a estrutura da doutrina do
purgatorio.

2) Magisterio da Igreja

Até o século IV, a fé no purgatorio é atestada principal


mente pelos sufragios que os cristáos faziam por seus defun
tos, mormente ao celebrarem a S. Eucaristía. A praxe dos
sufragios, usual já nos tempos de Judas Macabeu (século II
a. C), continuou sem interrupgáo na Igreja. Já que os cris
táos nao oram pelos reprobos, estas preces supóem almas que,
terminado o seu currículo terrestre, ainda nao entraram na
posse da bem-aventuranca, podendo ser ajudadas nisto pelos
fiéis sobreviventes na térra.
S. Agostinho (+ 430) e os escritores subseqüentes afir-
maram mais explícitamente a existencia da expiagáo postuma
anterior ao juízo universal.
O magisterio da Igreja colheu e exprimiu a fé do povo de
Deus em alguns documentos, que equivalem a definigóes dou-
trinárias.
Eis, por exemplo, um trecho da Constituigáo «Benedictus
Deus» do Papa Bento XII promulgada em 1336:

«As almas... dos fiéis falecidos,... dado que nada tenha havido
a purificar quando morreram ou nada haja a purificar quando futu
ramente morrerem, ou — caso tenha havido ou haja algo a purificar —
urna vez purificadas após a morte,... essas almas, logo depois da
morte e da purificacáo de que precisam,... foram, estáo e estarao
no céu» (Enquiridio, Denzinger-Schonmetzer 1000 [530]).

Como se vé, éste documento ensina a necessidade eventual


de purificagáo postuma, purificagáo que, sendo transitoria, pre
para a entrada na visáo celeste.

— 248 —
PURGATORIO'. COMO?

O II Concilio de Liáo (1264) declarou:

«Se (os cristáos que tenham pecado) falecerem realmente possufdos


de contricáo e caridade, antes, porém, de ter ieito dignos frutos de
penitencia por suas obras más e por suas omissóes, suas almas, depois
da morte, sao purificadas pelas penas purgatorias ou catartéricas...
Para aliviar estas penas, sao de proveito os sufragios dos fiéis vivos,
a saber, o Sacrificio da Missa, as oracdes, esmolas e outras obras de
piedade que, conforme as instituigóes da Igreja, sao praticadas habí-
tualmente pelos cristáos em favor de outros fiéis» (Dz.-Sch. 1304 [693]).

O Concilio de Trente (1545-1563) reafirmou a existencia


do purgatorio nos termos do anterior.

A Constituigáo «Lumen Gentium» do Concilio do Vaticano


II professa:

«O Sacrossanto Sínodo recebe com grande respeito a venerável fé


de nossos antepassados sobre o consorcio vital com os irmáos que
estSo na gloria celeste ou ainda se purificam após a morte, e propóe
de novo os decretos dos Sagrados Concilios Niceno II, Florentino e
Tridentino» (n* 51).
«Reconhecendo cabalmente a comunhao de todo o Corpo Místico
de Jesús Cristo, a Igreja terrestre, desde os primordios da religiao
crista, venerou com grande piedade a memoria dos defuntos e, porque
é um pensamento santo e salutar rezar pelos defuntos para que sejam
perdoados os seus pecados, também ofereceu sufragios em favor
déles» (n* 50).

«Alguns dos discípulos de Cristo peregrinam na térra ; outros,


terminada esta vida, sao purificados, enquanto outros sao glorifica
dos» (tí> 49). .

Nao resta dúvida, pois, de que a doutrina do purgatorio


constituí um dogma de fé que a Igreja definiu outrora cons
cientemente e reafirma em nossos días por seu magisterio ordi
nario e extraordinario.
Importa agora verificar com exatidáo qual o conteúdo
désse ensinamento da fé.

3. Que é propríamente o purgatorio?

.. As descricóes populares do purgatorio por vezes quase


sugerem, seja um inferno em miniatura. Tal concepgáo 'fanta-
, sista há de ser removida peremptóriamente.

1. Para entender o que seja o purgatorio, devem-se


, levar em conta os seguintes pontos:
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, gu. 3

1) O amor a Deus, em um cristáo, pode coexistir com


tendencias desregradas e pecados leves ao menos semidelibe-
rados. Há, sim, em todo individuo humano um lastro inato e
multicolor de desordem: egoísmo, vaidade, obcecagáo, covardia,
negligencia, moleza, infidelidade... acham-se táo intimamente
arraigados no interior do homem que chegam por vézes a
acompanhar as suas mais serias tentativas de se elevar a Deus
e de dar a Deus o lugar primacial que lhe cabe na criatura.
2) Todo pecado (principalmente quanda grave, mas tam-
bém a falta leve) deixa na alma um resquicio de si ou urna
inclinacáo má (metafóricamente: ... deixa urna cicatriz, deixa
um pouco de ferrugem na alma, dificultando-lhe a prática do
bem). Com efeito, o pecado implica sempre urna desordem, um
amor a Deus, que nao se consegue impor por completo a todos
os atos do sujeito, mas se vé contestado pelo egoísmo ou a
procura do deleite desregrado. Quando, após o pecado (grave
ou leve), a pessoa, movida por arrependimento e amor, pede
perdáo a Deus, o Pai do céu perdoa; o Senhor jamáis rejeita
urna contrigáo sincera. Todavía o amor do pecador arrepen-
dido, por mais genuino e leal que seja, pode nao ser suficiente
mente intenso para extinguir todo resquicio de concupiscencia
existente na alma. Em conseqüéncia, o pecador arrependido
recebe o perdáo do seu pecado, mas ainda deve prestar satis
facáo pelo mesmo. Essa satisfacáo nao há de ser comparada
a urna multa mais ou menos arbitraria imposta por Deus ou
a um castigo vingativo; ela nao é senáo urna exigencia do amor
da alma a Deus, amor que, estando debilitado, pede ser corro
borado e purificado.

O Concilio de Trento declarou:

«No tocante á satisfacáo... é de todo falso e alheio á Palavra de


Deus afirmar que a culpa nunca é perdoada pelo Senhor sem que
toda a pena correspondente também seja perdoada. Com efeito, ñas
Escrituras Sagradas encontram-se claros e famosos exemplos que...
refutam éste erro com plena evidencia» (Denz.-Sch. 1689 [904]).

Como exemplos bíblicos de expiacáo exigida por Deus,


mesmo depois de perdoada a culpa, podem-se citar os seguintes:
Moisés e Aaráo cederam á pouca fé em dado momento
de sua vida; por isto viram-se pelo Senhor privados de entrar
na Térra Prometida, embora nao haja dúvida de que a culpa
lhes tenha sido perdoada (cf. Núm 20,12s; 27, 12-14; Dt
34, 4s).

— 250 —
PURGATORIO! COMO? 19

Davi, culpado de homicidio e adulterio, foi agraciado ao


reconhecer o delito; nao obstante, teve que sofrer a pena de
perder o filho do adulterio (cf. 2 Sam 12,13s).
Em outros textos, o perdáo é estritamente associado a
obras de expiagao:

Assim o velho Tobías ensina a seu filho que a esmola o


libertará de todo pecado e da morte eterna (cf. Tob 4,lls).
Algo de semelhante é anunciado por Daniel ao reí Nabuco-
donosor (cf. Dan 4,24).
O Profeta Joel, junto com a conversáo do coracáo, exige
]ejum e pranto (cf. Jl 2,12s).

A justa satisfacáo pode ser prestada pela criatura ou na


vida presente (processo éste que é normal e deveria ser con
siderado por todos os cristáos como programa de vida aqui
na térra); o penitente entáo se empenha corajosamente por
livrar-se de suas tendencias desregradas e tornar puro o seu
amor a Deus e ao próximo. Ou, se nao o consegue nesta pere-
grinacáo (por motivo de covardia, tibieza ou outro qualquer)
compreende-se lógicamente que deverá chegar a essa pureza
na vida postuma antes de entrar na visáo face-a-face de Deus.
Entáo a criatura se arrependerá por ter condescendido com a
moleza e a indefinicáo>; a alma terá consciéncia de que devia
ter sido mais coerente e menos leviana; tomará consciéncia
de que foi cercada pelo amor de Deus no decorrer de toda a
sua vida e o ignorou ou esbanjou (amarga consciéncia!) Esta
venficacáo nao poderá deixar de Ihe ser dolorosa, de mais a
mais que a alma perceberá que, por causa de sua indefinicáo
na térra, Ihe será diferida ou postergada a entrada no gozo
definitivo de Deus; ser-lhe-á duro averiguar que faltou ao en
contró marcado com Deus, justamente após a morte, quando
as almas mais fome e sede tém de Deus.
Aprofundando as idéias ácima, pode-se dizer: é devagar
ou lentamente que o homem se torna, segundo todas as dimen-
sóes do seu ser, o que ele já é no «núcleo» de sua personali-
dade. Em outros termos: urna decisáo generosamente abracada
pela vontade do homem * nao costuma penetrar e mover ins
tantáneamente todas as carnadas da personalidade; ela muitas
vezes encontra, no fundo da consciéncia ou também no incons
ciente do individuo, urna resistencia mais ou menos tesa resis-

— 251 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

téncia que provém de atos e hábitos do passado do sujeito.


É essa resistencia que deve ser vencida, de modo a exigir da
alma o empenho cada vez mais enérgico do seu amor a fim
de que éste penetre toda a respectiva personalidade.

4. Nogoes complementares

1. Paradoxalmente, o purgatorio é também um estágio


de vida cumulado de alegría, ... de alegría a que nenhum dos
prazeres da térra pode ser comparado. Com efeito, a alegría
no purgatorio jorra da consciéncia que a alma tem, de que ela
pertence ao amor de Deus de modo irreversível. Ela sabe que
é •o amor que a purifica e que nela cresce para penetrá-la por
completo.
Deve-se mesmo dizer que a alma no purgatorio nao deseja
evitar éste estado, pois reconhece que é um dom da miseri
cordia divina sem o qual ela nao poderia atingir a sua consu-
magáo.
S. Catarina de Genova (+ 1510) deixou no seu «Tratado
sobre o purgatorio» as seguintes reflexóes, que merecem ser
levadas em conta:

«Enquanto depende de Deus, vejo que o céu nao tem portas, e


ai pode entrar quem queira, pois Deus é todo bondade; mas a divina
esséncia é táo pura que a alma, tendo em si algum empecilho, se
precipita por si no purgatorio, onde encontra essa grande misericor
dia : a destruicjío do seu empecilho.
Enquanto a purificacáo nao está terminada, essas almas com-
preendem que, caso se aproximassem de Deus pela visáo beatifica,
nao estariam no seu lugar e, em conseqüéncia, experimentariam maior
soírimento do que ficando no purgatorio» (cap. 9 e 16).
«Paz nenhuma é comparável á das almas do purgatorio, excetuada
a dos Santos no céu; e essa paz aumenta incessantemente pela in
fluencia progressiva de Deus sobre essas almas e a medida que os
empecilhos desaparecem. A ferrugem do pecado é o obstáculo... ;
quando esta ferrugem se vai, a alma reflete cada vez mais períeita-
mente o verdadeiro Sol que é Deus. Sua íelicidade aumenta na pro-
porcao em que a ferrugem diminuí» (cap. 2).
«As almas do purgatorio nao podem desejar outra coisa senáo
permanecer onde estao, como Deus em Justica dispds... N&o podem

ier consigo mesmas t "Esk alma tó l*Íá ñM flfi ÜIÍ, Oü


*Eu antes déla1... Acham-se táo satisfeitas com as disposicSes de
Deus a seu respeito que amam tudo que agrada a Deus» (cap. 1).

3. Vé-se, pois, que nao se deve comparar o purgatorio


ao inferno. Neste as almas se acham incompatibilizadas com o

— 252 —
___ PURGATORIO! COMO? 21

amor e fixadas para sempre na aversáo a Deus e ao próximo.


Enguanto o purgatorio é prenhe de esperanza e caridade se
renas, o inferno é a retorsáo de todos os valores humanos e
cristáos.

No inferno, além da ausencia de Deus, admite-se algo que


a S. Escritura chama «fogo», aguilháo físico e real, cuja na-
tureza os teólogos nao sabem explicitar com exatidáo. FaJa-se
i também de «fogo do purgatorio». Parece, porém, que nao se
t trata senáo de urna metáfora para designar o próprio sofri-
f mentó decorrente da dilagáo da visáo face-a-face.
' O conceito de «fogo do purgatorio» provocou no século XV
k (época do Concilio de Florenga) decidida repulsa por parte
dos cristáos orientáis separados de Roma; a estes o fogo do
purgatorio lembrava um inferno provisorio, ou seja, urna aber-
ragáo doutrinária.
Os cristáos do Oriente até o século XVII aceitavam, sem
dificuldade, a idéia de urna purificagáo postuma no sentido
aquí exposto (sem mengáo de fogo). A partir do século XVII,
porém, sob a influencia de autores protestantes, tém hesitado
em sua posigáo doutrinária. Nao obstante, ainda hoje muitos
aceitam urna purificagáo postuma, evitando descer a porme
nores e reconhecendo a eficacia da oragáo e dos sufragios pelos
defuntos.
A estas idéias deve-se acrescentar algo sobre

5. Sufragios pelos defuntos

Distingam-se dois aspectos do tema: 1) sufragios dos fiéis


na térra pelas almas do purgatorio; 2) preces das almas em
M favor dos homens neste mundo.

11) Sufragios pelas almas

1. Desde os primeiros séculos a Igreja tem orado pelos


defuntos, principalmente na celebragáo da S. Eucaristía. O Con
cilio do Vaticano II, confirmando os dizeres de Concilios ante
di riores, convalidou tal praxe (ver textos á p. 17 [249]).
O fundamento teológico dos sufragios pelos defuntos é o
g seguinte:

As almas, no purgatorio, nao podem abreviar nem ace


1 lerar o processo de sua purificagáo, pois sao incapazes de me-

— 253 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 3

recer algo (o período de méritos é sómente a vida presente).


Contudo os cristáos na térra podem ser-lhes úteis em virtude
da Comunháo dos Santos (ou Comunháo dos bens sagrados),
que une todos os membros da Igreja entre si; já que todos os
fiéis — militantes, padecentes e triunfantes — formam o Corpo
de Cristo, os méritos de uns beneficiam os outros. Assim po
dem os fiéis na térra satisfazer pelas almas no purgatorio (ao
passo que estas apenas podem «satispadecer»). Os sufragios
aplicados as almas do purgatorio fazem com que estas sejam
mais profundamente penetradas pelo amor de Deus, o qual
nelas há de consumir mais rápidamente as impurezas do pe
cado.

2. Note-se, a propósito, que a comunicacáo de bens espi


rituais entre os fiéis nao conhece classes nem privilegios; todos
os bens espirituais da Igreja circulam entre todos os membros
desta. Por isto nao é adequada a expressáo «as almas mais
abandonadas no purgatorio»; todas as almas sao beneficiadas
pelos sufragios gerais da Igreja; nao há alma abandonada.
Mais explícitamente: nao se deve conceber o purgatorio
como um cárcere, onde se encontrem prisioneiros de origens
diversas; os que tém familia numerosa e rica, ai recebem mais
visitas e presentes, ou seja, passam melhor do que aqueles
que pertencem a familias pobres ou negligentes; poderáo sair
da prisáo mais cedo do que os seus companheiros indigentes.
Evite-se transpor tal imagem, com suas categorías e classes,
para o além-túmulo. O purgatorio, de certo modo, transcende
os conceitos que adquirimos neste mundo; pertence aos sabios
e misteriosos designios salvíficos de Deus, a respeito dos quais
a Revelacáo Divina é sobria. Por isto nao se creia que urna
alma do purgatorio que nao se beneficie de sufragios — ou
por nao ter familia, ou por só ter parentes incrédulos ou negli
gentes ou pobres — é urna «alma abandonada»; na verdade,
ela está envolvida pela infinita misericordia de Deus, á qual se
dirigem constantemente as preces e os sufragios da Igreja
peregrina na térra.

3. Assim também se vé que é infundada a objecáo mui-


tas vézeg proferida: «As almas de familia pobres, que nao tém
dinheiro para mandar celebrar a S. Missa, sofreráo mais, e
mais tempo, no purgatorio do que as almas dos ricos! O di
nheiro é decisivo até no purgatorio!»
Nao se deve crer que essas regras de lógica terrestre e
comercial sejam observadas também por Deus; o Senhor Altís-
simo seria muito pobre, muito desfigurado, se atendesse menos

— 254 —
PURGATORIO! COMO? 23

solícitamente aos interésses daqueles que menos dinheiro tém


em seu favor; heranga monetaria nao significa primazia para
alguém, diante de Deus. Jamáis se deve esquecer que a graca
e a misericordia de Deus tém o primado sobre os esforcos e
as obras dos homens. As almas dos pobres, por conseguinte, sao
objeto do Amor salvífico de Deus tanto quanto as dos ricos;
, ' abstenhamo-nos de estabelecer urna ordem de prioridade ñas
a ' relagóes de Deus com as almas.
Acontece, porém, que entre nos e as almas do purgatorio
1 * ná o dever de sufragar, ... e de sufragar segundo determinada
\ ordem: impóem-se á nossa caridade primeiramente aqueles
que nos estáo mais próximos (parentes, amigos, colaboradores,
* benfeitores...). A urna familia crista — pelo fato mesmo de
ser crista toca o dever imperioso de sufragar as almas, a
comegar pelos membros defuntos dessa familia.

4. E como sufragar?
Evidentemente a S. Missa, sendo o sacrificio da Cruz
perpetuado para beneficiar os homens através dos sáculos, é,
da nossa parte, o meio mais eficaz para ajudar as almas do
purgatorio. Esta doutrina sempre foi professada e posta em
prática pela Igreja.
É oportuno frisar que nao se pode oferecer a Comunháo
Eucarística como tal nem pelos vivos nem pelos defuntos; a
Comunháo, enquanto sacramento, age apenas sobre o cristáo
a quem é dada; ninguém pode receber os sacramentos pelos
outros. Todavía, na medida em que é obra boa e meritoria, a
S. Comunháo pode ser oferecida por vivos e defuntos.
Mencionem-se também as oragóes, particulares e comuni
tarias, dos fiéis, a paciencia ñas provagóes de cada dia, os
sacrificios generosamente empreendidos por amor a Deus e ao
(K próximo. — Deve-se frisar que o valor expiatorio das obras
boas e das preces pelos defuntos é dependente do grau de fer-
| vor e caridade de quem as cumpre.

5. Por último, observe-se que nos é impossível avaliar


a duragáo do purgatorio, pois éste estado nao é regido pelo
sistema de anos e dias que na térra usamos, considerando os
movimentos dos astros. No purgatorio, a duragáo é represen-
tada -pelos atos dos espíritos, atos de conhecimento e amor;
cada um déstes atos é urna unidade de duragáo ou um instante
espiritual, e cada qual désses instantes pode corresponder a
vinte, trinta ou sessenta horas do nosso tempo solar (como
urna pessoa pode permanecer horas continuas em éxtase, ab-

— 255 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, gu. 3

sorvida por um único pensamento); os atoe sucessivos dos espi


ritas constituem a serie dos instantes espirituais chamada «evo»
ou «eviternidade». Ora, já que nao se vé qual a proporgáo vi
gente entre o tempo solar e o evo dos espirites, torna-se-nos
impossível avaliar a duragáo das penas do purgatorio para al-
guma alma.

2) Rogar as almas do purgatorio ?

É costume nao raro entre os fiéis invocar as almas do


purgatorio a fim de que intercedam por interésses dos cristáos
na térra.

Será justificado?... recomendável?

— Até o sáculo XVI, os teólogos, inclusive S. Tomás de


Aquino (+ 1274), eram contrarios a tal praxe;
julgavam que
as almas no purgatorio precisam de auxilio mais
do que podem
dar auxilio pela oraoáo; acham-se em estado passivo e em
expectativa, nao em condigóes de exercer algoem favor do
próximo. Apelavam também para o fato de que a Liturgia da
Igreja nunca invoca os fiéis do purgatorio.

Todavía, a partir do sáculo XVI, tem-se difundido a opi-


niáo contraria a. dos autores medievais. Os teólogos dos últimos
sáculos observam que o fato de estarem expiando e nao pode-
rem merecer nao impede que as almas do purgatorio orem em
favor de outros. Tém inteligencia e vontade lúcida; conservam
toda a caridade que as animava na térra em prol dos demais
membros do Corpo Místico; por que entáo nao atuariam em
nosso beneficio? Deve haver fluxo e refluxo entre a Igreja
triunfante, a padecente e a militante.

Nada de decisivo pode ser objetado a estas consideracóes.


A autoridade eclesiástica hoje reconhece a legitimidade da
invocagáo das almas, embora éste costume nao tenha entrado
na Liturgia da Igreja. Contudo deve-se recomendar moderacáo
em tal praxe. O estado das almas do purgatorio exige que
pensemos em auxiiiá-las por nossas oragóes mais do que em
ser auxiliados por suas preces; prevaleca a recordagáo de suas
indigencias mais do que a das nossas!

Bibliografía:

C. Pozo, «Teología del mas allá», em «BAO n° 282. Madrid 1968.


E. Bettencourt, «A vida que comeca com a morte». Rio de Ja
neiro 2 1958.

— 256 —
«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?» 25

Garrlgou-Lagrange, «O homem e a eternidade». Lisboa 1959.


«Se purifier pour voir Dieu», em «La Vie Spirituelle» t. LVIII
tí> 491 (1963); número inteiro dedicado ao purgatorio.
M. Jugie, «Le Purgatoire et les moyens de l'éviter». París2 1940.
«Christus. Cahiers Spirituels», t. 9 n' 34 (1962).

III. NA ERA DA ASTRONÁUTICA

4) «'Eram os deuses astronautas?' Um Iivro que empolga


e pode provocar revolugao tantoi no plano da ciencia como no
da Beligiao.
Que dizer dos misterios apontados pelo autor?»
Em sintese: Erich von Daniken, na obra ácima, cita numerosos
dados da arqueología, da geología e da historia antiga que o levam a
crer tenha sido a Térra outrora visitada por astronautas extraterres-
tres Estes, dotados de civilizacáo avancadíssima, passaram por «deuses»
aos olhos dos homens da pré-história; é o que explica que as tradic8es
mais antigás do género humano íalem de «deuses» e lhes atribuam
facanhas maravilhosas. Estes astronautas fecundaram mulheres de
modo a produzir homens intelectualmente reforcados, que deram gran
de impulso ao progresso cultural do género humano; também ensi-
naram aos homens os recursos da arte e da industria que hoje admira
mos nos vestigios da pré-história e da historia antiga.
Evidentemente, a tese de E. von Daniken é muito mais inspirada
pela íantasia do que pela ciencia estrita. Alias, o autor nao é dentista,
mas, sim, jornalista. A arbitrariedade de mente do jornalista se ma-
nifesta com toda a clareza quando ele aborda textos bíblicos, preten-
dendo interpretá-los segundo as suas opinides; E. von Dániken mostra
nao conhecer, em absoluto, as regras obvias e as conclus6es mais fir
mes da ciencia exegética; para interpretar a Biblia, é preciso voltar
aos tempos dos escritores sagrados e procurar entender os textos bí
blicos como éles os entendiam. E. von Dániken nao sómente nao faz
éste trabalho, mas lé a Biblia através das lentes de suas teorías.
Em suma, o Iivro «Eram os deuses astronautas ?» é interessan-
tíssimo como coletánea de dados maravilhosos, mas vulnerável do
ponto de vista «üiterpretacSo dos dados».

Resposfca: Está muito em voga o Iivro «Eram ós déUSéfi


«astronautas? Enigmas indecifrados do passado», da autoría de
Erich von Dániken. Escrito em alemáo no ano de 1968, roí
traduzido para varios idiomas, e já apareceu em portugués na
i sua terceira edicáo (Editora Melhoramentos, 1970). O mesmo

— 257 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

autor escreveu posteriormente um livro que complementa o


anterior com nevos dados e conjeturas, e traz em portugués
o titulo «De volta as estrélas. Argumentos para o impossível»
(mesma editora, 1* edigáo em 1970).
Analisaremos abaixo a tese proposta por E. von Dániken.
após o que, sugeriremos algumas reflexóes a respeito.

1. «Eram os efeuses astronautas?»

Erich von Dániken é um jornalista alemáo (nao geólogo,


físico, historiador...), que percorreu quase o mundo inteiro,
observando rochas, montanhas, monumentos, túmulos, inscri-
góes e outros documentos da civilizacáo antiga... Impressio-
nado por quanto encontrou, deixou que a fantasía trabalhasse
sobre tais dados e formulou a seguinte hipótese apresentada
nos livros citados:
Nos tempos pré-históricos, a Térra foi repetidamente visi
tada por astronautas provenientes de outros planetas. Porta
dores de civilizagáo e técnica muito ayancadas, pareciam deuses
aos homens terrestres pré-históricos, os quais, em conseqüén-
cia, passaram a falar de «deuses» em suas tradigóes (daí o
título do livro «Eram os deuses astronautas?»). Tiveram unióes
sexuais com mulheres da pré-história — o que deu grande
incremento á inteligencia e aos talentos do nosso género hu
mano. Os cosmonautas extraterrestres deixaram na térra ves
tigios de sua passagem (monumentos, máquinas, instrumentos
de trabalho) e ensinaram aos homens numerosas técnicas para
que fóssem subindo no plano cultural.
Assim, por exemplo, diz o autor que «em Nazca (Perú),
situado num vale dos Andes, há um campo de pouso com pis
tas em solo rochoso que medem 60 km de extensáo. Na mesma ►
regiao ha um verdadeiro balizamento para facilitar a aproxi-
magao de astronautas; sao sinais de 250 m de altura, gravados .
em alcantilados rochedos» (pp. 30s). J
Os pretensos astronautas seriam provávelmente habitantes i
de Marte. — Éste planeta tem dois satélites (Deimos e Fobos),
de mínimas dimensóes (cérea de 8 e 16 quilómetros de diá
metro respectivamente); julgam alguns cientistas que se trata »•
de satélites artificiáis, o que levaría a crer numa civilizacáo
outrora existente em Marte e talvez extinta em nossos días. j
«Se urna catástrofe de origem cósmica pode ser levada *
em consideragáo como causadora do aniquilamento de urna ¿
«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?» 27

civilizacáo sobre o planeta Marte, entáo tais indicios também


reforcam a nossa teoría de que a térra, em obscuros tempos
arcaicos, possa ter recebido visitas do espago. Fica, portante,
de pé a possibilidade especulativa de que grupos de gigantes
marcianos quigá se salvaram na Térra, onde fundaram, em
conjunto com os seres semi-inteligentes vivendo aqui entao, a
nova cultura do homo sapiens. Como a gravitagao de Marte
i é menor do que a da Térra, é de se supor que a oonstituigao
física do homem de Marte fósse mais robusta e de porte maior
. do que a dos habitantes da Térra. Se nessa teoría houver um
f halo de realidade, entáo teríamos os gigantes que vieram das
* estrélas que eram capazes de mover blocos colossais de pedra,
que ensinaram aos homens artes ainda ignoradas e que, final
mente, se extinguiram...» («Eram os deuses...» p. 153).
Diante de livro táo sensacional e desafiador, é mister ins
tituir ,

2. Algumas reflexoes

Distinguiremos tres pontos merecedores de atengáo.

1) Observado geral
Inegávelmente, o livro de von Daniken apresenta nume
rosos dados concretos de arqueología, historia e geografía que
langam questóes ao observador. É muito útil tomar conheci-
mento désse material; a cultura geral do leitor assim se enri
quece, enquanto a inteligencia é estimulada a raciocinar.
Todavía note-se que o autor nao é própriamente um cultor
das ciencias naturais e humanas, mas um jornalista, que cole-
tou dados, e tenta interpretá-los, antes do mais, com a fan
tasía A superficialidade das interpretagóes dadas por von
Daniken é particularmente evidente quando ele aborda textos
^ bíblicos, como se verá abaixo.
As analogías que o autor pretende descobrir entre certas
\ rochas e as obras da escultura humana, nao bastam para asse-
verar que aquelas tenham sido talhadas por artistas marcia
nos Aqui no Brasil mesmo há montanhas impresionantes,
como o Dedo de Deus e a Verruga do Frade (Serra dos Órgaos,
Teresópolis), o Frade e a Freirá (perto de Vitoria, no Espirito
•* Santo). As grutas de Maquiné e Lagoa Santa apresentam sa-
lóes subterráneos, em que a erosáo e os calcáreos produziram
* belíssimas obras naturais, semelhantes a rendas, vestido de
noiva, bolo de casamento, trono real... Ora ninguem pensa
em atribuir tais desenhos a artistas humanos.

— 259 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

Ademáis pergunta-se: por que nao voltam os habitantes


de Marte ou de outros globos á Térra, desde que temos cons-
ciéncia da historia do género humano (há cinco ou sete mil
anos) ? Será de crer que a civilizacáo de todos ésses seres ra
cionáis se extinguiu?
É oportuno, sem dúvida, procurarmos reconstituir o pas-
sado e prever o futuro de nossa historia. É também iuegável
que os antigos nos deixaram monumentos (as pirámides do
Egito, por exemplo) que atestam elevados conhecimentos cien
tíficos; isto nos incita a procurar explicar a origem de tais
conhecimentos. Faz-se mister, porém, que nesse setor a fanta
sía permanega sempre sob o controle da razio.

2) Habitantes em outros planetas

Diz o erudito jornalista que «há 18.000 planetas relativa


mente próximos de nos, os quais oferecem condigóes necessárias
á vida, similares as que existem na Térra»; aínda que só 1%
désses planetas seja habitado, haveria 180 planetas habitados
(cf. p. 13).
Aos astrónomos compete julgar tais dados numéricos.
Continua o escritor asseverando que, quando se provar
realmente a existencia de seres inteligentes fora da Térra, «se
tornaráo duvidosas as nossas religióes e se deflagrará a maior
das revolucóes e urna total reformulagáo da Historia da Hu-
manidade» (p. 69)..
Ora é de notar que a existencia de habitantes em outros
planetas se concília perfeitamente com os dados da fé crista:
Deus só revelou aos Iwwnens o que diz respeito ao género hu
mano terrestre e á sua salvagáo por Jesús Cristo; fora disto,
pouco ou nada se conhece dos insondáveis designios divinos.
Desde o sáculo passado, observam os teólogos a conveniencia
de que outros planetas sejam habitados por seres inteligentes;
estes dariam a Deus a gloria que tanta materia nao Lhe pode
dar. Apenas é de notar que os homens extraterrestres seriam
devedores de fé e amor ao mesmo Senhor que nos criou; quanto
ao mais, a prudencia manda que nos calemos, pois ignoramos
por completo a historia religiosa de tais hipotéticos seres.
3) E a Biblia?

É quando von Daniken recorre á Biblia que mais se podem


avaliar as suas teorías, pois a Biblia é um livro que as ciencias
(lingüística, arqueología, historiografía...) tém estudado cri-
teriosamente, de modo a depreender o seu sentido exato.

— 260 —
«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?» 29

Examinemos, pois, as principáis reflexóes do erudito jor-


nalista em torno da Biblia.

a) O concertó de Deus

Julga von Dániken que «algumas das ocorréncias narra


das no Antigo Testamento nao sao compatíveis oom o caráter
de um Deus bondoso, grande e onipresente... Aquéle que
deseja conservar intangíveis as teses da fé bíblica, deve ou
deveria estar interessado em esclarecer quem, afinal, educou
os homens na antigüidade, quem lhes deu as primeiras regras
para um oonvívio social... e quem destruiu os pervertidos.
Se pensarmos e perguntarmos assim, nao estaremos sendo
ateus. Temos a firme convicgáo de que, quando a última per-
gunta relativa ao nosso passado tiver merecido urna resposta
genuína e convincente, ALGO restará no infinito que, por falta
de nome melhor, chamamos DEUS» (p. 68s).
Ora quem lé as narrativas do Antigo Testamento, verifica
nelas a imagem de Deus que trata com um povo «de dura
cerviz», ou seja, rude e primitivo; ésse Deus pune, mas se
revela também como «o Deus de Bondade e Amor»; já no
Antigo Testamento se manifesta eloqüentemente o amor de
Deus:
«O Senhor vosso Deus vos escolheu... dentre todos os povos que
estáo sobre a face da térra. O Senhor aderiu a vos e vos escolheu,
nao porque ultrapasseis em número todos os povos; sois o mínimo
de todos os povos. Mas, porque o Senhor vos ama e quis cumprir o
juramento que fez a vossos pais» (Dt 7,6s).
«Sabei que nao é por causa da vossa justica que o Senhor vosso
Deus vos dá ésse belo pais (Canaa) como propriedade; sois um povo
de dura cerviz» (Dt 9,6; cf. 4,37).

Quem educou o povo de Israel, levando-© paulatinamente


a compreender as exigencias do amor, foi o próprio e único
Deus, e nao «deuses» (astronautas) provenientes de outros
planetas. Deus nao é ALGO, mas ALGUÉM, a Suma Sabedona
e o Primeiro Amor.
Embora as diversas arengas religiosas da humanidade con-
cebam numerosos deuses, a sá razáo ensina que só pode haver
um Deus: um Deus Santo e Perfeito, fonte de todas as per-
feicóes existentes ñas criaturas* Os conceitos fantasistas de
Deus propalados por povos de mentalidade primitiva nao nos
devem tornar céticos no tocante ao conhecimento de Deus; ao
homem é possível, sim, chegar pela razáo e pela fé á nogáo
do Deus único e verdadeiro.

— 261 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

O fato de que Deus na Biblia fala de si na primeira pessoa


do plural («Fagamos o homem segunda a nossa imagem...»,
por exemplo, em Gen 1,28), nao quer dizer que a Biblia insinué
multiplicidade de deuses. O plural, no caso, é intensifícativo:
«Elohim» (em lugar de El) quer dizer «O Forte ou o Poderoso
por excelencia».
Á p. 51s do seu livro, von Dániken sugere algo de singu
lar: os filhos de Deus que tomaram por mulheres filhas dos
homens (cf. Gen 6,ls), deveriam ser marcianos. Ora a sadia
exegese ensina que «filhos de Deus», no caso, sao os homens
bons, e «filhas dos homens» designam as mulheres pecadoras.

b) Sodoma e Gomorra

A destruigáo de Sodoma e Gomorra, de que fala Gen 19,


teria sido provocada pela explosáo de urna bomba atómica lan-
cada por cosmonautas!...
— Os estudiosos explicam a ruina das duas cidades pela
geología da própria regiáo. Esta é rica em betume e petróleo
(grandes depósitos déstes materiais foram encontrados na re
gido do Mar Morto); também é marcada pela presenga de gases.
Ora um terremoto terá provocado a combustáo do petróleo e
dos gases, dando assim origem á terrível destnricáo descrita
em Gen 19.

c) O «carro» do Senhor

O profeta Ezequiel, no capítulo 1» do seu livro, descreve


o maravilhoso carro do Senhor na Mesopotánia, sustentado por
quatro estranhos viventes e dotado de quatro rodas. O jorna-
lista von Daniken identifica tal veículo com urna nave espa
cial pilotada por «deuses» ou astronautas extraterrestres.
A propósito, deve-se dizer que, embora certos pormenores
da visáo de Ezequiel fiquem obscuros, tal visáo quer significar
a «mobilidade espiritual» do Senhor: a presenca de Deus nao
e limitada ao templo de Jerusalém, mas acompanha seus fiéis
ate a térra do exilio (Mesopotamia), onde se encontra Ezequiel.
O carro, por conseguinte, é mero símbolo, pois Deus nao usa
veículo; os estranhos animáis que ornamentam o carro, lem-
bram os karibu assírios (nome correspondente a querubins); os
karibu eram animáis monstruosos cujas estatuas se achavam
colocadas ia entrada dos palacios da Babilonia: tinham cabega
de homem, busto de leáo, patas de touro e asas de águia O
profeta Ezequíel inspirou-se nessas estatuas para descrevei- o

— 262 —
«ERAM OS DEUSES ASTRONAUTAS?» 31

simbólico carro do Senhor. Eis a explicagáo científica a ser


dada a visáo de Ezequiel.

d) A arca da aliansa

Deus revelou a Moisés o modelo conforme o qual deveria


ser feita a Arca da Alianga (cf. Éx 25, 40). Mais tarde, na
ocasiáo em que a Arca foi transportada para Jerusalém, Oza
ousou tocá-la com a máo; entáo, como que atingido por um
raro, Oza caiu morto instantáneamente (cf. 2 Sam 6, 3-7).
Quer isto dizer que a Arca estava elétricamente carregada,
como pensa von Dániken (renovando, alias, a hipótese de cer-
tos comentadores de tempos passados)?
A eletricidade era elemento desconhecido aos homens nos
sáculos xm/X a. C. Se, nao obstante, Moisés e os israelitas ja
a utilizavam nessa época, nao se entende que tenha caído no
esquecimento e desuso.
Na verdade, o jornalista alemáo propóe interpretagáo es-
tranha á mentalidade do texto sagrado. Quem lé o texto de
2 Sam 6,6s, verifica que a causa da morte de Oza nao se deri-
vou diretamente da arca sagrada; houve urna intervengáo de
Deus entre o toque da arca e a morte de Oza.
E por que terá o Senhor fulminado Oza por haver tocado
a arca de Deus?
— A Lei de Moisés proibia aos israelitas violar os objetos
do culto com olhares ou toques indiscretos; ora Oza ousou co
locar a máo na arca do Senhor. A pena de morte, no caso,
pode parecer excessivamente severa; todavia deve ser consi
derada á luz do rigor com que em Israel era punida a violagao
das coisas santas. Ademáis é preciso nao esquecer que os epi
sodios do Antígo Testamento se referem a um povo que muitas
vézes so se rendía as impressóes fortes; em conseqüéncia, a
pedagogía divina recorría a intervengoes marcantes, todavia
sem detrimento da justíga (se os homens tém o senso da jus-
tiga, muito mais Deus o tem).

e) A longevidade dos antigos

E. von Dániken impressiona-se pelas noticias de que os


sumérios viviam dezenas de milhares de anos (os Patriarcas
bíblicos viviam centenas de anos). A fim de explicar éste dado
literario, apela para a teoría da relatividade de Einstein e as
viagens dos astronautas (num inciso, alias, assaz confuso;
cf. pp. 39s).

— 263 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 4

Na verdade, os sáculos ou milenios de vida que os antigos


povos atribuían) a seus primeiros reis ou Patriarcas, devem
ser entendidos simbólicamente: designam simplesmente a auto-
ridade e a venerabilidade de que gozavam tais heróis (todo
mestre venerando é clássicamente concebido como anciáo en
canecido e, por isto, respeitável). Nao é preciso, pois, procurar
na matemática a interpretagáo da «longevidades dos antigos,
pois esta nao tem sentido cronológico. Os Patriarcas bíblicos e
os reis sumérios viveram quanto podiam viver os homens nos
primordios da historia da civilizagáo.

f) Moisés e o Pentateuco

Á p. 68 escreve o jornalista alemáo:


«Consta que Moisés escreveu os cinco primeiros livros bí
blicos, embora até hoje seja um misterio indecifrado qual a
língua em que ele possa té-Ios escrito».
Na realidade, consta que Moisés nao escreveu os cinco
livros iniciáis da Biblia tais como éles hoje sao. No sáculo XIII
a. C. Moisés codificou as tradigóes já existentes, oráis e escri
tas, jurídicas e históricas, do povo de Israel, dando assim inicio
á Torah ou á Lei de Moisés. No decorrer dos tempos, o bloco
legislativo deixado por Moisés foi sendo, por sua vez, adaptado
a tempos e lugares sucessivos; diversos autores e grupos de
autores deram-lhe sua contribuigáo própria. Só no sáculo V
a. C, por obra do escriba e sacerdote Esdras, é que o conjunto
histórico-legislativo de Israel chegou á sua forma definitiva.
Por conseguinte, a Lei dita de Moisés deve-se, em substancia,
a éste legislador; o seu espirito é o de Moisés, mas a sua forma
literaria revela a fusáo de quatro documentos (Javista, Eloísta,
Deuteronómio, Código Sacerdotal) oriundos em épocas e cir
cunstancias varias da historia de Israel. Cf. «P.R.» 100/1968,
pp. 142-168.
Mais aínda: ao interpretar o livro do Génesis, o jornalista
alemáo mostra desconhecer as mais elementares regras de
exegese. Cf. «Volta as Estrélas» p. 164, onde o editor brasileiro
do livro chega a corrigir o autor. Os apócrifos e os livros bí
blicos auténticos sao usados promiscuamente.
Era suma, estas e outras observacóes em torno dos eonhe-
cimentos bíblicos de E. von Daniken evidenciam que o autor
nao foi um exegeta própriamente dito ao utilizar o Livro Sa
grado; deixou-se levar por preconceitos e fantasía mais do que
por estudos bíblicos. Nao é assim que se constrói urna teoría
científica.

— 264 —
«O CRISTO RECRUCIFICADO» 33

3. Conclusao

Os dados nao bíblicos que E. von Daniken apresenta para


fundamentar sua tese, devem ser estudados cada qual de per
si. Há realmente elementos da arqueología e da historia antiga
que nao se explicam fácilmente; tais sao os achados da ilha
de Páscoa, situada a 3.600 quilómetros do litoral do Chile;
apresenta vestigios de civilizacáo cuja origem nao foi até hoje
elucidada. E. von Daniken interpreta-os como restos da estada
de marcianos na térra; todavía bem se poderia dizer que se
trata de destroces da populagáo que habitava a ilha de Páscoa,
quando esta aínda estava unida ao continente...
Numa palavra, a tese global do jornalista alemáo parece
fantasista e arbitraria demais para poder ser razoávelmente
aceita. O mérito do autor está, antes, em ter colecionado táo
numerosos e importantes elementos arqueológicos, cujo conhe-
cimento só pode deleitar o leitor e estimulá-lo á reflexáo obje
tiva e serena.

IV. UM DESAFIO

5) «'O Cristo recrucificado'... Romance de Nikos Ka-


zantzaJds, que desafia os cristaos. Abaixo a inercia!»

Em síntese: Nikos Kazantzakis é um escritor grego que, após


muito viajar em países cristaos e socialistas, deixou obras que visam
a despertar os cristaos para a mensagem social do Evangelho.
Em «O Cristo recrucificado» apresenta a figura de um jovem
cristáo que dá a vida, vítima de seus protestos e sua acáo contra as
iniusticas sociais praticadas por urna povoagáo de cristaos ricos, ava-
rentos e gozadores despreocupados. O autor insinúa que hoje Cristo
seria a «Guerra» e a Cruz redentora seria «o petróleo que incendearia
as casas dos ricos»... De resto, todo o livro é perpassado por um
espirito de crítica nao sómente ao Cristianismo aburguesado e aco
modado, mas também á Religiáo como tal (que o autor tende a iden
tificar com crendices vas).
É evidente que tal interpretacáo da mensagem crista é falsa. De
um lado, nao se pode negar o imperioso dever que incumbe aos cris
taos de se interessar eficazmente pela sorte dos povos subdesenvolvi-
dos Doutro lado, porém, deve-se reconhecer que o Evangelho apresenta
o amor do homem ao próximo como decorréncia do amor a Deus. O
Cristianismo jamáis poderia esquecer a sua dimensáo vertical, que é
primacial, e sem a qual nem a horizontal se conserva auténtica. Para

— 265 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 5

que o cristáo possa ser verdaderamente fiel ao seu irmáo, é neces-


sário que se inspire em Deus e nos valores sobrenaturais. Ademáis é
evidente que a Cruz de Cristo nao significa petróleo incendiario, mas,
sim, amor que é forte e tenaz e que só em casos excepcionais se vé
obrigado a recorrer á violencia.

Resposta: Nikos Kazantzakis nasceu na ilha de Creta


(Grecia) em 1873. Durante a sua infancia, foi testemunha da
guerra dos gregos contra o dominio turco. Estudou Direito
em Atenas, e seguiu para París, onde sofreu a influencia de
Henri Bergson, filósofo judeu, amigos dos santos e místicos.
Viajou muito, chegando a China e ao Japáo. Passou um
período de retiro no Monte Athos (Grecia), onde há venerável
e famosa colonia de monges cristáos ortodoxos (= orientáis
cismáticos). Visitou a Rússia, movido por profunda admiracáo
a Stalin. Desde a juventude, foi socialista militante. Em 1945
tornou-se ministro do Estado grego; posteriormente ocupou
importante cargo na diregáo da UNESCO. Urna vez aposen
tado, dedicou-se exclusivamente á producto literaria. Faleceu
na Alemanha em 1957.

O mais famoso romance de Kazantzakis é «Zorba o Grego».


Todavía o que mais interpela o cristáo, é certamente «O Cristo
recrucifícado», que a Editora «Nova Fronteira» (GB) publicou
em portugués, na traducáo de Guilhermina Sette.
Ñas páginas que se seguem, apresentaremos primeiramente
o conteúdo de «O Cristo recrucificado», o que permitirá um
juízo sereno sobre o livro.

1. «O Cristo recrucificado»

Na aldeia de Lycovrissi (Anatólia, Turquía) vive pacata


mente urna populagáo grega, de religiáo crista ortodoxa (sepa
rada de Roma). O Governador ou agá do povoado é um turco,
que vive interessado principalmente em comer, beber e fumar.
Os cristáos de Lycovrissi tém por costume representar de
sete em sete anos a Paixáo de Cristo na Semana Santa. Por
isto, em determinado ano, o Conselho dos Anciáos ou maio-
rais, reunidos em casa do pope (sacerdote) Grigoris, escolhe
os companheiros que no ano seguinte deveráo fazer os papéis
respectivos de Cristo, dos apostólos Pedro, Tiago, Joáo, de
Judas e de María Madalena. Ésses escolhidos sao gente rude,

— 266 —
«O CRISTO RECRUCIFICADO 3á

como, alias, toda a populagáo da aldeia; tém suas falhas mo


ráis mais ou menos notorias: cedem á ganancia do dinheiro
e aos prazeres da carne, excetuando-se apenas o jovem pastor
Manólios, que deve fazer as vézes de Cristo. Educado em um
mosteiro, sob a diregáo de santo monge, Manólios conservou
costones puros, mesmo depois de ter sido trazido para Lyco
vrissi por Patriarchéas, o principal dos ricacos da aldeia.
: — Urna vez escolhidos para desempenhar os papéis de Cristo e
dos Apostólos, os companheiros comecaram a se compenetrar
do Evangelho e de suas exigencias.
> Um belo dia aparece &s portas de Lycovrissi urna grande
caravana de gregos com seu pope Photis; tendo sido expulsos
de sua regiáo pelos turcos, pediam refugio na aldeia dos com
patriotas. Estes, tendo á frente o pope Grigoris, résolveram
repelir duramente os desterrados, míseros e famintos, pretex
tando que eram portadores de doenga infecciosa, a qual pre-
judicaria o bem comum em Lycovrissi. Comodismo e ganancia
assim sufocaram a caridade crista.
Rechacados, os prófugos estabeleceram-se na montanha
de Sarakina, próxima de Lycovrissi, onde haviam de tentar
subsistir apesar de sua extrema indigencia.
Ao presenciar tal gesto dos habitantes de Lycovrissi, Ma
nólios concebeu tristeza e repudio. Chamou a atengáo de seus
companheiros que haviam de representar Pedro, Tiago e Joáo;
lia-lhes o Evangelho. Em conseqüéncia, os quatro homens iam
mudando de mente, e mais e mais se interessavam pela sorte
dos prófugos de Sarakina.
Sobreveio um incidente na aldeia... Certo dia amanheceu
assassinado Youssouf, o pagem do agá. Éste, em sua furia,
quería vingar-se enforcando todos os habitantes de Lycovrissi;
todavía Manólios, a fim de salvar a sua gente, se apresentou
ao governante como se fóra o homicida. la ser executado em
praca pública, quando urna velha doméstica do agá demons-
trou que o verdadeiro réu era outro servente do próprio agá;
éste entáo foi bárbaramente trucidado.
Percebendo a insistencia &e Manólios e seus companheiros
sensibilizados pela indigencia dos prófugos, o pope Grigoris
* langóu a excomunháo sobre Manólios. Éste foi tido como hipó
crita, que, com semblante e atitudes de santo, nao visava senáo
, destruir a felicidade da aldeia.
' Com o passar do tempo morreu o velho Patriarchéas. Seu
filho Michelis (designado para ser o Apostólo Joáo), cada vez

— 267 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 5

mais convicto de que nao podía pactuar com o egoísmo dos


seus, resolveu dar a heranca — as térras e propriedades do
pai — aos famintos de Sarakina... Sabedores do fato, os mí
seros desceram á aldeia de Lycovrissi para tomar posse désses
bens, mas foram duramente repelidos pela populacáo; esta ale-
gava que Michelis era um alienado, incapaz de assinar válida
mente um documento de doagáo.

Provocados por tal atitude, os pobres de Sarakina, cujos


filhos váo desfalecendo (apesar dos auxilios que lhes prestam
os «Apostólos»), precipitam-se armados sobre Lycovrissi. De-
sencadeia-se urna luta sangrenta entre os habitantes da mon-
tanha e os da aldeia. O agá, informado, pouco se importa com
a questáo, até o momento em que lhe dizem que o promotor
da celeuma é «Manólios, o bolchevista», agente da Rússia que
póe em perigo a própria nagáo turca. Entáo, o agá chama o
jovem pastor e o interroga. Manólios toma sobre si a plena
responsabilidade do tumulto, e se reconhece réu de morte, a
fim de que o agá desista de punir os demais cristáos. O chefe,
a principio, nao quer acreditar na culpabilidade do santo pas
tor; Manólios, porém, atendendo a rogos do próprio agá, ma-
nifesta tudo que pensa: afirma seu desejo de conclamar os
homens do mundo inteiro, para assaltarem «as grandes cida-
des apodrecidas» (p. 457). Entáo, constrangido, o agá entrega
o jovem á populagáo de Lycovrissi, que na igreja da aldeia
o executa. Manólios morre como vítima inocente, salvando
assim os seus próprios adversarios, os habitantes da aldeia.
— Vendo perdida toda chance de permanecer na regiáo, os po
bres de Sarakina se póem de novo a caminho em demanda de
melhor sorte.

Kazantzakis tem a habilidade de prender a atencáo do lei-


tor por todo o decorrer de 467 páginas. Descreve ambiente e
costumes orientáis com vivacidade e crueza. Sabe narrar com
finura e sarcasmo as atitudes hipócritas da falsa religiáo. Infe
lizmente, porém, ao mencionar a sensualidade dos personagens
em cena, desee a observagóes que tém sabor picante e sao
dispensáveis.

A traducáo recorre á linguagem popular, que a clássica


gramática reprovaria. Assim os pronomes de caso oblíquo da
terceira pessoa jamáis ocorrem; por conseguinte, lé-se «rece-
ber éles, delxar éles, conhecem ele, acorda ele...» (pp. 32. 34.
37...). O verbo «tem» substituí o «há» (existe): «tem lúar»
(p. 207). Certas frases comecam por pronome átono; assim

— 268 —
«O CRISTO RECRUCIFICADO» 37

«me dé» (p. 406). O emprégo de tais locugóes concorre para


tornar mais picante a tese do livro.
É natural agora a pergunta:

2. Qual a mensagem da obra ?

1. É evidente que Kazantzakis quis insinuar o que ele


julgava ser o sentido da Paixao de Cristo ou o que seria a
Paixáo do Senhor Jesús em nossos dias, caso Cristo viesse de
novo á térra.
No sofrimento e na morte de Manólios reproduzem-se os
tragos característicos do padecimento do Senhor Jesús. Sem
culpa alguma, Manólios perece para libertar da ruina os seus
compatriotas, que sao também os seus algozes. A hipocrisia
farisaica inspira o odio contra o pastor, que desmascara a falsa
religiosidade de sua gente. O agá turco lembra Póncio Pilatos,
que nao deu importancia aos litigios dos judeus, mas se viu
sobressaltado quando Ihe disseram que sua inercia contradiría
aos interésses de César e, em última análise, aos seus inte-
résses pessoais...

Em conseqüéncia, o livro de Kazantzakis nao é um ro


mance qualquer, mas um romance ideológico, cuja tese pode
ser assim reconstituida:

Cristo morreu para libertar os homens do jugo do pecado.


A Cruz foi o instrumento dessa libertagáo no século I da era
crista. ■ - . ' . ,.¿i*

Ora hoje em dia o pecado se concretiza na opressáo do


homem pelo homem; sao as injustigas sócio-económicas, aco-
bertadas por urna religiosidade hipócrita, a qual vem a ser
garantía e tranqüilidade para os poderosos iniquos. Por conse-
guinte, o auténtico cristáo, discípulo e continuador de Cristo,
deve-se engajar decididamente na mudanca das estruturas so-
dais, até mesmo mediante a revolucáo armada, o recurso á
violencia, aos incendios... É extremamente significativa a
afirmagáo de Yannakos («o Apostólo Pedro»):
«Se Cristo descesse hoje á térra, nesta térra assim como
ela está, que é que vocé pensa que ia trazer no ombro? Urna
cruz? Nao! Um lata© de petróleo... Dei a minha palavra de

— 269 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, qu. 5

honra a Deus como vou queimar a casa do velho Ladas»


(p. 414) \
O Cristianismo deveria, por consegunite, inspirar a revo-
lugáo armada.
Tambera merece atengáo a seguinte passagem:
Michelis contempla urna efigie de Cristo esculpida por
Manólios na madeira e pergunta:
«Quem é éste personagem? — É a guerra!
— Nao, é Cristo, respondeu Manólios, enxugando a testa
coberta de suor.
— Mas entáo que diferenga há entre Ele e a Guerra?»
Em outra secgáo diz Loukas:
«P|áo e petróleo! Tem razáo, Yannakos. O homem senté
necessidade destas duas coisas para viver e para se vingar,
porque viver náó basta» (p. 405).
O Cristianismo deveria, por oonseguinte, inspirar a revo-
lugáo armada no mundo atual. Os padres deveriam seguir o
exemplo do pope Photis, que, inspirado por Santo Elias, «dis-
tribuiu aos mais valentes as armas de que dispunha» (p. 420).
O próprio profeta Elias, no romance, se confunde com um
lobo.
É o que se dá quando quatro companheiros revoltados se
aprestam a descer de Sarakina para assaltar a casa do velho
Ladas:

«De repente, um uivo prolongado ressoou ao longe, para


os lados do pico da montanha, perto da cápela do Profeta
Elias; os quatro homens pararam.
— É um lobo, disse Yannakos; também está com fome.
— Talvez seja santo Elias, disse Loukas; ele tem fome
também,
— Santo Lobo, venha ajudar a gente! disse Yannakos. —
Vamos, rapazes; os cordeiros nos esperam lá em baixo»
(p. 405).

1 Ladas era um dos magnates de Lycovrissi, homem rico e ex


tremamente avarento. — O petróleo, no caso, seria o meio de atear
fogo á casa e as posses do velho; seria também o símbolo da destruicáo
violenta da ordem vigente.

— 270 —
«O CRISTO RECRUCIFICADO» 39

2. Note-se mais: referindo-se a Deus, o autor emprega


urna serie de expressóes ambiguas, que suscitam estranheza
na mente de um leitor cristáo (ou que fazem eco a «slogans»
do ateísmo marxista).
Assim, por exemplo, Kazantzakis atribuí a Yannakos os
seguintes dizeres:
«Nao se pode esperar tudo de Deus. Ele é bom; nao digo
o contrario, mas tem tantas outras coisas para faaxsr! Vamos
nos mexer um pouco. Ajude-se, o Céu lhe ajudará, 'Lobo, por
que está táo gordo? — Porque vou á caca sózinhof Nunca se
está táo bem servido como por nos mesmos. Vamos entáo nos
servir esta noite... Companheiros, a caminho!» (p. 404).
Nestas afirmacóes encontra-se, sem dúvida, algo de verí
dico- Deus nao dispensa o trabalho do homem, mas pede-lhe
que se esforcé e lute lealmente por implantar a ordem e o
amor sobre a térra; ninguém julgue que, por ser amigo de
Deus pode cruzar os bragos e aguardar que «as cotovias caiam
do céu já assadas» (p. 404). Todavía ésses mesmos dizeres
insinuam ironia a respeito de Deus e da ReUgiáo: Deus seria
um papai bom ou «bonacháo», todavía um papai que o homem
dispensa quando quer deveras resolver os seus problemas.
Considere-se também a seguinte passagem:
Yannakos possuia um burrinho, chamado Youssoufaki,
que caira em poder do avarento Ladasu Certa noite, o bur
rinho sonhou que o seu verdadeiro dono fóra vé-lo e acaricia
do Entáo «o burrinho pacato e piedoso baixou a cabega;
fechou os olhos e dirigiu urna prece ao seu Deus — um Deus
próvido de imensa e espéssa cauda e de urna grande cabeca
de burro, equipado de albarda dourada e arreio vermelno, bor
dado de contas de prata parecidas com estrélas.
Meu Deus, faga com que o sonho que me mandou esta
noite, se realize!» (p. 409).
Haverá neste tópico apenas graca e encanto literarios?
Ou pode-se ai entrever algo de intencionalmente zombeteiro?
Talvez venha a propósito lembrar que os perseguidores do
Cristianismo no Imperio Romano apresentavam o Deus dos
cristáos como um Deus «onocéfato» ou um Deus «cabega de
asno».

Também é digno de nota o seguinte episodio-:


Certa vez os pobres de Sarakina, aproveitando-se de pro-
visóes arrebatadas em casa do velho Ladas, conseguiram comer

— 271 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970, gu. 5

um pouco de pao untado com óleo. Consumiram-no como «pao


bento». Entao «todos sentiram os ossos e a carne se fortale-
cerem, como se tívessem recebido o corpo, do Salvador. Depois
de beberem um gole de vinho, as mulheres nao puderam con-
ter o pranto.

'Meu Deus, diziam elas, um bocado de pao, um gole de


vinho, que mais precisa a alma para se sentir com asas?'»
(p. 410).
Neste tópico, chama a atengáo a insinuagáo de que pao
e óleo sao o equivalente (se nao o sucedáneo... e sucedáneo
ainda melhor) do corpo do Salvador (S. Eucaristía). O autor
do romance nao ridiculariza própriámente a prática da Reli-
giáo; um leitor cristáo, porém, tem o direito de repelir as alu-
sóes ácima.
Mais: o pope Photis, pertencente ao grupo dos refugiados,
prornompe certa vez ñas seguintes exclamagóes:
«Maldito o homem que pretende avaliar os atos de Deus
pela medida de seu próprio coragáo. Está perdido; arrisca-se
a divagar, a proferir blasfemias e renegar a Deus...!
Parou. Vinham-lhe palavras aos labios que o deixaram
apavorado. E, por fim, nao se conteve mais:
'Qual é ésse Deus que deixa morrer as criangas?' murmu-
rou, levantando-se» (p. 403) .
A observagáo final seria nova insinuagáo de que Deus é
inerte e indiferente aos homens, ou melhor, de que Deus sim-
plesmente nao existe?
Passemos agora á questáo:

3. Que «fizer do livro ?

1. Em apreciagáo serena, pode-se comegar por reconhe-


cer urna intengáo positiva no autor do romance.
O livro pretende despertar o leitor para as obrigagóes so-
ciais dos crístáos: aquéle que diz amar a Deus, mas se fecha
a seu irmáo, nao é auténtico cristáo (cf. 1 Jo 3,16-18). Falsa
é a religiáo que se serve de títulos, vocábulos e ritos sagrados
para acobertar egoísmo, hedonismo, comodismo... A popula-
gáo de Lycovrissi representa um Cristianismo hipócrita, «opio
do povo», que por certo é urna caricatura, a qual merece ser
decididamente repudiada.

— 272 —
«O CRISTO RECRUCIFICADO» 41

Por conseguinte, o romance «O Cristo recrucificado» pode


prestar servico ao público na medida em que alerta o leitor
para os perigos da hipocrisia religiosa, mostra a hediondez da
falsa religiáo e lembra os deveres sociais decorrentes do Evan-
gelha O crista© que labuta em favor de melhor sorte para seus
irmáos famintos, nao deve ser, por éste fato mesmo, tachado
de bolchevista ou agente da Rússia soviética, é o Evangelho
e nos ensinamentos de Cristo que ele encontra vigoroso apelo
e o estímulo para nao cruzar os bragos.
2. Todavía nao se pode deixar de reconhecer que o livro
de Kazantzakis é marcado por nota fortemente tendenciosa: a
Redengáo de que falam os Evangelhos e Sao Paulo, hoje em
dia seria a revolugáo social; Cristo se identificaria com
«Guerra» e a Cruz salvífica com o petróleo que ateia incendios.
Ora a esta tese dois reparos devem ser feitos:
a) É verdade que a mensagem do Evangelho visa a re
mediar aos males físicos e temporais do homem; mas nao é
isto que a define própriamente. Ela tem em mira, antes do
mais, a restauragáo plena da ordem no mundo, que comeca
necesariamente pela reconciliagáo do homem com Deus. A
colaboragáo do homem com o homem na justic.a e no amor
será utópica, se nao se lhe der um fundamento mais sólido
do que a filantropía; ela supóe, sim, a adesáo do homem a
Deus. Por isto a Redengáo crista visa, antes do mais, a unir o
homem ao Criador (mediante a Religiáo sadiamente entendida)
para poder, conseqüentemente, unir o homem ao homem. O
aspecto social do Cristianismo e seu empenho pela renovagáo
da ordem vém a ser decorréncias (sem dúvida, serias) do con
tato do cristáo com Deus, contato que se obtém pela oragáo
e a vida sacramental (a Eucaristía jamáis poderá encontrar
equivalente ou sucedáneo na existencia do cristáo).
Ademáis o homem cristáo visa ao homem todo, o qual
nao é sómente corpo e materia (com seus problemas de fome
e nudez), mas é também personalidade, dotada de espirito,
com inooercíveis aspiragóes ao Absoluto e ao Infínito.
b) A agáo social ou política do cristáo só recorre á vio
lencia em casos extremos, ou na absoluta falta de meios paci-
fícos para remover urna ordem de coisas tiránica e duradoura.
Enganar-se-ia quem julgasse que petróleo e incendio sao substi
tutivos da Cruz de Cristo em nossos dias. Tem-se dito com
razáo que o odio gera o odio; por conseguinte, nao realiza a
obra de Cristo, que é amor. Tal é a doutrina repetidamente
apregoada pelas encíclicas papáis dos últimos tempos.

— 273 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 126/1970. qu. 5

3. Verifica-se também que o romance de Kazantzakis


desfigura a Religiáo segundo os termos clássicos da literatura
esquerdista. Com efeito, de um lado, vivida pela populagáo de
Lycoyrissi, a Religiáo vem a ser hipocrisia, vemiz sagrado para
o egoísmo, o hedonismo e os vicios da carne. De outro lado,
a Religiáo dos prófugos de Sarakina e de seus amigos é urna
religiáo de visóes, sonhos portentosos, milagres (tenha-se em
vista a doenca de pele ou lepra surpreendentemente contraída
por Manólios e maravilhosamente curada). Tal apresentagao
de Religiáo lembra, antes, a crendice, o obscurantismo e certas
estados patológicos.

Na verdade, a Religiáo é a mais viril e nobre das expres-


sóes do ser humano. A sá razáo mesma afirma a necessidade
e o valor da Religiáo; sem Deus o homem nao se realiza, nao
se encontra consigo mesmo. — O genuino padre está longe
de ser um explorador da boa fé ou da crendice do povo, um
gozador de privilegios ou um alimentador de crendices. É, an
tes, um homem que, prenhe de valores absolutos colhidos no
íntimo contato com Deus (na oracáo e na Eucaristía), procura
encarnar tais valores em sua conduta de vida assim como ñas
comunidades a que ele se dirige; é alguém que leva ao hero
ísmo e á magnanimidade — o que nao quer dizer violencia e
guerra, mas, sim, tenacidade e perseveranga inquébrantáveis no
amor ao próximo.

Em conclusao: «O Cristo recrucificado» é um dos múlti


plos espécimens de urna literatura que procura, em termos
envernizados e aparentemente evangélicos, desfigurar o Evan-
gelho, extinguindo o que éste tem de mais auténtico e pre
cioso: a mensagem do Eterno, do Absoluto, sem o qual o
homem jamáis será auténtico homem.

Esteváo Bettencourt O.S.B.

CORRIGENDA

Em «P.R.» 124/1970, p. 27 [167], linha 10, leia-se «ilí


cito», em vez de «lícito».
No mesmo número, p. 46 [186] nota 1, leia-se «o pensador
alemáo», em lugar de «o pensador francés».

— 274 —
RESENHA DE LIVROS 43

RESENHA DE LIVROS

Deus existe — Eti o encontré!, por André Frossard; traduc&o de


Carlos Lacerda. — Distribuidora Record, Rio de Janeiro — Sao Paulo
1970, 140x210 mm, 167 pp.

Cada pessoa humana reflete de modo único a infinita perfeigáo


divina. Por isto a consideracáo de urna personalidade e de seu roteiro
de vida é apta a elevar a Deus. Tal é a impressáo que se colhe, por
exemplo, da leitura de um livro como o de Frossard. Éste autor narra
como chegou a Deus sem que tivesse dado o mínimo passo consciente
para tanto. Filho de antepassados judeus, protestantes e católicos, ñas-
cido numa aldeia da Franca em que havia urna sinagoga e nenhuma
igreja, Henri aderiu primeiramente ao socialismo, seguindo nisto o
exemplo de seu pai, numa total indiferenga as coisas da ReligiSo; Jesús
Cristo só o interessava na medida em que lhe parecia ter sido um
precursor do moderno socialismo. — Aconteceu, porém, que um belo
dia, quando tinha vinte anos, entrou numa cápela de Paris á procura
de um amigo; repentinamente foi ai de tal modo tocado pela acfio da
graca que, cinco minutos mais tarde, saía do santuario inabalávelmente
convicto de que Deus existe e de que só lhe restava pedir o Batismo,
para viver doravante como auténtico cristáo. Desde entáo é urna das
grandes figuras do catolicismo francés.

Tem-se assim o relato de urna conversáo singular: nao preparada


por procura humana, nem precedida de crise de espirito, ela dá teste-
munho da soberana agáo do Espirito de Deus. Éste encontra campo
ampio para se manifestar na criatura que nao ceda á covardia, á mes-
quinhez e & indiferenga.

Quem é éste homem?, por Frei Mateus Rocha. — Livraria Duas


Cidades, Sao Paulo 1969, 140 x 190 mm, 133 pp.

O autor é um dominicano que, de há muito, se dedica aos meios


estudantis e universitarios. No livro ácima examina diversas atitudes
que se podem tomar diante da figura de Jesús Cristo. Com muita
sabedoria analisa também os ditos e feítos de Jesús, dando énfase es
pecial á ressurreicáo do Senhor; esta, sendo um fato que a crítica até
hoje nao conseguiu explicar pela fraude ou a alucinacao dos discípu
los, vem a ser o testemunho mais lúcido de que Jesús nao foi simples-
mente um pensador e líder, mas, antes do mais, «o Filho de Deus e
o Salvador do mundo» (p. 9), como o próprio Jesús Cristo mais de urna
vez deu a entender. — Frei Mateus ilustra suas consideracSes citando
textos de filósofos cristáos e náo-cristaos. Poe em relevo tanto a face
humana como a face divina de Jesús Cristo; mostra-se muito interés-
sado pelas repercussóes sócio-económicas do Evangelho. Todavía seria
para desejar que o autor fósse mais sistemático e rigoroso na exposicáo
de suas idéias; o livro é urna coletánea de conferencias mais do que
um tratado de teologia — o que nao impede seja muito recomendável
e útil.

-275- *■'""'**"''
44 «PERGUNDE E RESPONDEREMOS» 126/'197O

Pastoral da Penitencia — Fundamentos. Colecáo «Pastoral Litúr


gica» n' 4. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 125 x 185 mm, 303 pp

Éste livro recolhe os estudos apresentados num encontró de Litur


gia realizado em Vitoria (ES) no ano de 1966; seus colaboradores sao
teólogos e moralistas de projegáo no Brasil: Frei Bernardino Leers,
D. Frei Valfredo Tepe, Frei Luciano Parisse, Frei Luiz Bertrando Gor-
gulho... A apresentac.no do livro é da lavra de D. Clemente Isnard,
Bispo de Nova Friburgo.

Os artigos consideram o sacramento da Penitencia sob vario.' as


pectos: bíblico, dogmático, psicológico, moral...; tentam p6r em rrlévo
a dimensáo eclesial e teológica da Confissáo, tornando assim o sacra
mento mais rico de significado para os fiéis. É necessário que ms'es
se váo criando claras nogoes de pecado, culpabilidade, comunháo jom
a Igreja, ofensa a Deus, a fim de se evitarem mal-entendidos e falsos
escrúpulos em torno do sacramento, que nao pode ser confundido com
um meio de psicoterapia. As celebracñes comunitarias (ñas quais nao
deve faltar a confissáo auricular) podem válidamente contribuir para
despertar nos pastores e nos fiéis o senso eclesial da Penitencia.
— Nem todos os artigos da coletñnea sao do mesmo valor; há ai cer
tas páginas de significado ambiguo e de linguagem pouco clara; o
conjunto, porém, oferece oportuno subsidio para os teólogos e pastores,
a quem o livro se destina própriamente.

Shalom: paz. O sacramento da reconciliacao, por Bernard Háring;


traducáo do Pe. José Raimundo Vidigal. Colecáo «Revelacáo e Teo
logía» 10. — Edicóes Paulinas, Sao Paulo 1970, 145x210 mm, 455 pp.

Como o anterior, também éste livro trata do sacramento da Peni


tencia, visando a fomentar a sua renovacáo. O autor é famoso teólogo
e moralista, que aborda o assunto com mais amplidáo e riqueza de
dados do que os colaboradores da obra atrás citada. O Pe. Háring
neste seu livro é realista e prático, sem deixar de apresentar profun
das bases teológicas; a sua linguagem é, tanto quanto possível, sim
ples e clara. Quando necessário, aponta fainas da pastoral dos últimos
tempos; fá-lo, porém, dentro dos termos devidos, evitando críticas
generalizadas, que mais destroem do que constroem.

O Pe. Háring trata nao sámente do sacramento da Penitencia em


si, mas também dos mandamentos da lei de Deus e de suas exigen
cias. Aborda outrossim problemas atinentes á confissáo das enancas
dos enfermos, dos seminaristas, dos escrupulosos. Considera as di
versas íuncSes que competem ao confessor, desenvolvendo a necessá-
ria casuística de maneira viva e construtiva. Em suma, a nova obra
do Pe. Háring é de importancia capital no estudo do sacramento ¿la
Penitencia.

No tocante á absolvigáo dada sob forma coletiva a urna assemoléia


de fiéis sem confissáo especifica dos pecados, há atualmente opinióes
e usos diferentes. Tem-se ministrado a absolvicáo com dispensa da
acusacáo pessoal; já que tal praxe nao está suficientemente funda
mentada ñas declarantes anteriores da Igreja e causa certa inquiata-
gao, espera-se para breve urna declaragao oficial da Santa Sé a respeito
(como noticiam as boas fontes de informaedes).

97R
'i Magníficat. Diario 1936-1963, por Pierre Van der Meer de Wal-
cheren; traducáo de M. Cecilia de M. Duprat. — Editora Agir, Rio de
Janeiro 1970, 140 x 210 mm, 351 pp.

O autor, atualmente monge beneditino e sacerdote da Abadia de


Oosterhout, (Holanda), já publicou dois livros de notas intimas: «Diario
de um Convertidos e «Deus e os Homens». Éste terceiro volume supóe
um periodo de dezoito meses que Pierre e sua esposa Cristina passa-
ram cada qual num mosteiro, tentando comprovar a sua possível
\ vocagao monástica. Tendo verificado que, por ora, nao era vontade
i de Deus que permanecessem na vida claustral, voltaram em 1936 a
" \ se reunir em seu lar perto de París. Finalmente em 1954, após a
i \ morte da esposa, Pierre tornou a ingressar no mosteiro de Oosterhout,
■i onde professou e recebeu as ordens sacras;, ainda hoje, octogenario,
¡' vive com espirito lúcido, inflamado e compreensivo. As notas do
!j famoso escritor sao perpassadas de espirito de fé e de gratidáo a
>l Deus; Pierre de Walcheren pertence ao grupo heroico de Léon Bloy
i ' Stanislas Fumet, Jacques e Raíssa Maritain... O livro apresenta
passagens belas, aptas a elevar a Deus numa proficua leitura esni-
¡ ritual.

Biscos da Fé, por W. Valle Martins. Colegáo «Mysterium fidei»


(reflexdes biblicoteológicas). — Edigoes Paulinas, Sao Paulo 1970,
130 x 200 mm, 121 pp.

O Pe. Waldemar Martins entrega agora ao público, reunidos num


só volume, os artigos que publicou na imprensa de Santos desde 1966
a 1968. Alias, já em 1965 deu a lume semelhante obra com o título
«Sinal verde na Igreja?*.

O autor aborda temas como ateísmo, marxismo, as correntes de


pensamento extremadas em religiáo, o sacramento da Confissao; em
suma, encara a presente crise de fé e de periodo pos-conciliar com
serenídade e firmeza. Evitando polémica, emite opinides equilibradas
e distancia-se das radicalizagóes. É reamente disto que o mundo cató
lico e nao católico precisa nesta fase da Iiistória. O leitor se beneficiará
com essa obra despretensiosa (longe de ser um tratado teológico)
escrita para o vasto público que le jomáis, de modo a transmitir em
linguagem clara verdades serias e importantes.

E.B.

t
i
NO PRÓXIMO NÚMERO :

Casamentas mistos em nova fase

Jesús Cristo «Superstar >■

O padre e a política ¡

Jovens se suicidan! •

A «riqueza» do Vaticano

Educacao Moral e Cívica

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

I porto comum KCrS 2000


Assinatura anual I

1970 I porte aéreo NCrS 25.00


Número avulso de qualquor mes c ano NCr$ 2 0:1

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íiuiicc: Geral da 1957 ¡i 1004 XCr$ 10.00

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(¿uciclica 5-Populonim Progressio» NCr$ 0,50

Ericit-lica rllumunac Vitae* (Reguiac'io da Natalidade) NCr$ 0,70

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