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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorieun)
APRESEISTTAQÁO
DA EDI9ÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
258
Análise marxista e Cristianismo

Igreja e Maconaria

Ensino religioso aconfessional?

Qual o sentido do casamento civil

0 segredo de Fátima

Fenómenos mediúnicos

I Ano XXII — setembro-outubro — 198


PERGUNTE E RESPONDEREMOS Ano XXII - set. - out. - 1981 -
Publicacao bimestral No 258

SUMARIO
Diretor-Redator Responsável:
D. Estevao Bettencourt OSB . . . ATÉ O FIM! 289

Diretor-Administrador: Urna carta sobre

D. Hildebrando P. Martins OSB ANÁLISE MARX1STA E CRISTIANISMO . . . 290

Mais urna vez. . .


Administracao e distribuicao:
A IGREJA E A MACONARIA 305
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 - 59and., sala 501 Ecumenismo?
Cx. postal 2666 ENSINO RELIGIOSO ACONFESSIONAL?
Tel.:(021) 291-7122 ENSINO RELIGIOSOSINCRETISTA? 314

20000 Rio de Janeiro RJ


Parante a Igreja
QUAL O SENTIDO DO CASAMENTO CIVIL?. 320
Pagamento em cheque
ou vale postal ao:
De novo em relevo
Mosteíro de Sao Bento OSEGREDO DE FÁTIMA 330
do Rio de Janeiro
Caí xa postal 2666 Urna serie de livros que poem

20000 Rio de Janeiro RJ FENÓMENOS MEDÍ ÚNICOS EM FOCO .... 341

LIVROS EM ESTANTE 352


ASSINATURA ANUAL
1981-1982

Após 19de agosto: Cr$ 800,00 TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO


Esgotados os meses de Janeiro, 259 - novembro - dezembro — 1981
fevereiro, marco-abril de 1981.
"Um tal Jesús" (cassetes)
A assinatura comeca Que há na Irlanda do Norte?
no mes da inscrigao.
Mequinho salvo por Jesús Cristo
Renove-a o mais cedo possível.
O novo arcebispo de París é judeu

Celibato sacerdotal e ecumenismo


COMUNIQUE-NOS QUALQUER
MUDANCA DE ENDERECO Observar o sábado ou o domingo?
Greve de fome é lícita?
Compositao e impressao:

Marques-Saraiva
Santos Rodrigues, 240
C.nm anrovacao eclesiástica
... ATÉ O FIM!
Quem acompanha a vida de nossos dias, verifica que se
ressente especialmente da falta de urna qualidade discreta, pois
nao chama a atengáo, mas extremamente importante: a cora-
gem de ir até o fim de um propósito valioso.
É natural que, na execucáo de determinado programa de
vida ou de atividades, o cansago se faca sentir; a monotonía
desafia entáo a espontánea volubilidade do ser humano, de
modo que este é tentado a largar o que vem fazendo. Diz-se
que entre os jovens a instabilidade é mais notoria do que na
idade adulta. Pode-se crer, porém, que o mal tende a se gene
ralizar: a aversáo ao sacrificio, a desvalorizacáo de certos bens,
como o senso de responsabilidade, a honra, o brío... Ievam
muita gente a «quebrar» na hora H. Em conseqüéncia, sen-
te-se que falta «fibra» na sociedade contemporánea, solapada
pela moleza e a incoeréncia.
Ora o cristáo nao pode deixar de refletir sobre tal situa-
gáo. Verifica que a mesma tendencia a quebrar já ocorria na
Igreja nascente: a epístola aos Hebreus supóe um grupo de
leitores que, tendo abracado o Evangelho, se questionam sobre
a validade da sua opcáo, porque lhes acarreta perseguigóes e
despojamento. Sao como atletas que, tendo corrido galhar-
mente 80 ou 90% da sua carreira, dizem nao ter mais fólego
para os 20 ou 10% restantes; por conseguirte, estáo para
jogar fora o sacrificio de toda urna vida por causa do remate
derradeiro. A tais cristáos o autor sagrado escreve lembrando
o valor imenso do suportar e do pacientar heroicamente até
o fim. A vida crista é comparável nao a urna prova de salto
(que pode ser decidida em poucos segundos), mas urna cor
rida de fólego, em que precisamente a longa duracáo é o pe-
nhor da vitória; sim, vence aquele que sempre dá mais um
passo á frente, mais um, mais um,... mesmo que nao saiba
quantos ainda poderá dar. O que importa é prosseguir na
travessia do túnel, mesmo em meio as trevas. Dizia muito a
propósito S. Gregorio Magno (t 604): «A forga da obra boa
está na perseveranga» (hom. 25).
O cristáo é, por sua vocagáo mesma, o contrario do ho-
mem indiferente, cético, «desfalecido», que se arrasta pelas
estradas da vida. Como seria tal, se ele sabe que o Senhor
Deus dirá a última palavra da historia e, com Ele, a dirá todo
discípulo que for até as extremas conseqüéncias da sua voca
gáo na paciencia, tas vezes imperceptível, mas sempre heroica
e perseverante, de cada dia?
Que Ele d§ aos seus seguidores a coragem sem a qual
nao há Cristianismo!
E.B.
— 289 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXI! — N? 258 — Setembro-Outubro de 1981

Urna carta sobre

análise marxiste e cristianismo

Em smtese: O Pe. Pedro Arrupe S.J., Preposto Geral da Com


panhia de Jesús, publicou uma carta em que analisa as propaladas possi-
billdades de aproveitamento da análise marxista numa perspectiva de es-
tudos crista. Concluí pela negativa, visto que é praticamente imposslvel
adotar o método de análise marxista sem aceitar simultáneamente os
principios filosóficos ou o materialismo histórico e as conseqüéncias prá-
ticas (a luta de classes, por exemplo) que tal método implica. O autor
da carta, em última Instancia, faz eco ao Documento de Puebla e á posí-
cao do Papa Joáo Paulo II em discurso proferido ao CELAM no Rio de
Janeiro.

Comentario: Com a data de 8/12/1980, o Padre Pedro


Arrupe S.J., Preposto Geral da Companhia de Jesús, dirigiu
aos ProvincLais da América Latina uma carta, que foi outros-
sim enviada, para eonhecimento de causa, aos demais Provin-
ciais da Companhia. Versava sobre análise marxista e Cris
tianismo. O documento vinha a ser uma resposta a interro-
gagóes levantadas pelos próprios Provinciais da Companhia;
resultaya nao só de reflexáo pessoal do autor, mas também
de meticulosas consultas a peritos sobre o assunto; em con-
seqüéncia de tais consultas, o Pe. Arrupe recebeu de especia
listas cerca de setenta relatónos e estudos, que lhe permiti-
ram elaborar um documento sólido e válido.

Visto que tal texto se reveste de grande atualidade,


transcreveremos abaixo o respectivo teor; ao que se seguiráo
síntese e breve comentario do mesmo.

— 290 —
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO

I. O TEXTO DA CARTA

«01. No ano passado chegou-me o vosso pedido para que


vos ajudasse a aprofundar o problema da «análise marxista», so
bre a qual os Rispos da América Latina acabavam de dar impor
tantes instrucóes (Documento de Puebla, n» 544-545). Após ter rea
lizado ampia consulta sobre o tema, respondo agora a essa peti-
cao. Proponho-me, também, a enviar copias desta carta aos demais
Provinciais da Companhia, pois a mesma poderá ser igualmente útil
a varios deles.

02. Nao me referirei aquí a todo o problema das relaeóes


entre marxismo e Cristianismo, que é muito mais vasto e que tem
sido tratado em numerosos documentos pontificios e de diversas
Conferencias Episcopais. O assunto de que se trata agora é mais
específico e limitado : pode um cristño, um jesuíta, utilizar a «aná
lise marxista», distinguindo-a da filosofía ou ideología marxista, e
também da praxis ou, pelo menos, da perspectiva global que essa
análise implica ?

03. Diante desta pergunta, devo ressaltar, em prímeiro lugar,


que nem todos dao o mesmo sentido as paLavras «análise mar
xista». Freqüentemente, pois, é necessário pedir á pessoa que as
emprega, urna explicacao sobre o significado preciso que Ihes atri
buí. Por outro lado, este problema envolve aspectos sociológicos e
filosóficos, que nao sao diretamente da minha competencia como
Superior Geral. No entonto, levando em consideracao o modo como
geralmente se coloca hoje a pergunta, acho conveniente dar algu
nas orientacoes e indicacoes necessárias para o bom governo do
corpo apostólico da Companhia.

04. Tenho conscíéncia de que nem todos os jesuítas verao


refletidas suas ¡nquietacóes nesta pergunta : pode um cristao fazer
sua a «análise marxista»? £ certo, porém, que tal pergunta pode
ser ouvida com freqDSncia em vossas Provincias. Há alguns — rara
mente na América Latina, com mais freqüénáa em países da Eu
ropa — que se acham submersos, por seu apostolado, em um
ambiente de conviccáo e, as vezes, de longa tradicáo marxista. Há,
por exemplo, sacerdotes operarios que, por inculturacáo e por
solidariedade, sentem que nao podem deixar de compartilhar pontos
de vista que sao comuns entre seus companheiros de trabalho. Só
depo:s de se deparar com essa situacáo comecam a fazer um dis-
cernimento de fé, que consideram, por outro lado, muito importante.
Notam também que o comportamento concreto dos trabalhadores
marxistas está freqüentemente muito distante do marxismo teórico,

— 291 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 258/1981

e poem de sobreaviso contra urna supervalorizacao dos aspectos


intelectual do problema. Parecem-me muito úteis estas observacóes.
No entonto, é neeessário notor que, mesmo num discernimento de
fé mais intuitivo, os problemas atíngem também este nivel de refle-
xao no qual desejo trata-los agora. Porfanto, as orienfacóes que se
seguem sao importantes também para estes casos.

05. Em primeiro lugar, parece-me que, em vista da análise


que fazemos da sociedade, podemos aceitar certo número de pontos
de vista metodológicos que surgem mais ou menos da análise mar-
xista, sob a condicáo de nao Ihes darmos caráter exclusivo. Por
exemplo, a atencóo para os fatores económicos, para as estroturas
de propriedade, para os interesses económicos que podem mover
alguns grupos ou outros; a sensibilidade á exploracáo de que sao
vítímas classes sociais inteiras; a atencao para o lugar que ocupam
as lutas de classes na historia (de pelo menos numerosas socieda
des); a atencao para as ideologías .que podem servir de disforcé a
certos interesses e mesmo a ¡njusticas.

06. Entretanto, na prática, a adocao da «análise marxiste»


raramente significa adotar um método ou um «enfoque»; significa
geralmente aceitar também o próprio conteúdo das explicacoes dadas
por Marx sobre a realidade social de seu tempo, a fim de oplicá-las
á realidade de nosso tempo. Assim, impóe-se aqui urna primeira
observacao: em materia de análise social, nao deve haver nenhum
a priori ; cabem as hipóieses e as teorías, mas ludo deve ser verifi
cado e nada se pode pressupor como defintivamente válido. Entre
tanto, dá-se o caso de se adotar a análise marxista ou alguns de
seus elementos como um a priori que nao seria neeessário verificar,
mas, ovando muito, ilustrar. Com freqüéncia confundem-se abusiva
mente estes elementos com a opcao evangélica em favor dos pobres,
embora nao derivem diretamente déla. Neste campo da interpreta-
cao sociológica e económica temos que ser muito cuidadosos em
verificar as coisas, e exemplares no esforco de objetividade.

07. Chegamos agora ao núcleo da questao: pode-se aceitar


o conjunto das explicacoes que constituem a análise social marxista,
sem aderir á filosofía, á ideología e á política marxista? Considere
mos alguns dos pontos mais importantes a esse respeito.

08. Um bom número de cristaos que simpatizam com a aná


lise marxista pensam que esta, mesmo quando nao implica no «ma
terialismo dialético» nem, com mais razao, no ateísmo, incluí, no
entonto, o «materialismo histórico». Mais aínda : segundo alguns,

— 292 —
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO

¡denrifica-se com ele. Entendem, portanto, que todo o sotíal (inclu


sive o político, o cultural, o religioso e a consciencia) é como que
determinado pelo económico. Deve-se confessar que os termos assim
empregados nao ficam, nem no próprio marxismo, bem definidos,
e sao suscetíveis de diversas interpretacóes. Porém, com muita fre-
qüéncia, o materialismo histórico é compreendido num sentido redutor:
a política, a cultura, a religido, perdem sua própria consistencia, e
¡á nao se mostram senao como realidades que dependem totalmente
do que acontece naesfera das relacóes económicas. Ora esta ma-
neira de ver as coisas é prejudicial para a fé crista; pelo menos,
para o conceito cristao do homem e para a ética crista. Portanto,
embora seja verdade que devemos levar muito em consideracao os
fatores económicos em quaíquer explicacao da realidade social,
temos que evitar urna análise que suponha a idéia de que o eco
nómico, nesse sentido redutor, decide todo o resto.

09. O materialismo histórico carrega consigo, além disto, urna


crítica da r«ligiao e do cristianismo, da qual geralmente a análise
marxista nao se liberta. Assim sendo, essa crítica pode abrir nossos
olhos em relacáo aos casos em que se abusa da religiao para en-
cobrir situacóes sodais que nao se podem defender. Mas, se racio
cinamos como se tudo dependesse, em última análise, das relacoes
de producao, como se esta fosse de fato a realidade fundamental
e determinante, o conteúdo da religiao e do cristianismo logo se
relativiza e se reduz. A fé no Deus Criador e em Jesús Cristo Sal
vador se enfraquece ou, pelo menos, aparece como algo de pouca
utilidade. O sentido do gratuito se desvanece diante do sentido do
útil. A esperanca crista tende a se converter em algo irreal.

10. As vezes há quem pretenda distinguir a própria fé em


Jesús Cristo, que desejam guardar intacta, de suas diversas aplica-
coes doutrinais e sociais, que nao resistem aos ataques dessa cri
tica. Mas existe, entáo, o perígo de urna crítica radical contra a
Igreja, que vai muito além da sa correcáo fraterna na «Ecclesia
semper reformando». Algumas vezes, tender-se-á, inclusive, a ¡ul-
gá-la a partir de fora, e até a nao reconhecé-la como o lugar da
própria fé. Assim, nao é raro que a adocáo da análise marxista
conduza a ¡ulgamentos extremamente severos e até injustos em re-
lacao á Igreja.

11. Mesmo nos casos em que a análise sodal marxista n5o


é entendida como algo que implica no materialismo histórico em
sentido pleno, ela sempre supóe como elemento «ssencial urna teoría
radical do confuto e da luta de classes. Pode-se dizer, inclusive, que

— 293 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

é urna análise em termos de lufa de classes. Assim, mesmo quando


temos que reconhecer a existencia de antagonismos e de lufa de
classes com inteiro realismo {e o cristao sabe que existe urna certa
relacao entre estes males e o pecado), deve-se evitar, no entonto,
urna generalizacao indevida. Nunca foi demonstrado que toda a
historia humana, passada e presente, se possa reduzir á luta, e
muito menos á luta de classes no sentido estrito da palavra. Nao
se compreende a realidade social apenas por meio da dialética do
senhor e do escravo; mas tem havido, e ainda há, muitos outros
impulsos na historia humana (de a Manca, de paz, de amor); há
outras foreas profundas que a inspiram.

12. Ademáis este é um ponto em que a análise marxista


freqüentemente nao se limita a ser urna simples análise, mas esten-
de-se a um programa de acao e a urna estrategia. Reconhecer que
existe a luta de classes nao implica lógicamente que a única ma-
neira de acabar com ela seja utilizar a própria luta, a da classe
operaría contra a classe burguesa. Entretanto, é raro que aqueles
que adotam a análise marxista nao assumam também esta estra
tegia. E esta nao pode ser bem compreendida sem o messianismo
proletario que faz parte da ideología de Marx, e que ¡á fazia
parte da filosofía que ele havla delineado mesmo antes de se
dedicar as suas análises económicas sistemáticas. Por outro lado,
mesmo quando o cristianismo reconhece a legitimidade de certas
lutas, e nao excluí a revolucáo em situacoes extremas de tiranía que
nao admitem outro remedio *, nao pode admitir que a maneira pri
vilegiada de acabar com as lutas seja a própria luta. O cristianismo
tentará sempre dar priorídade a outros meios para a transformacao
da jociedade; recorrendo á persuasáo, ao testemunho, a reconci-
liacao; nunca perdendo a esperanca da conversao; somente em
última instancia o Cristianismo admitirá o recurso á luta propría-
mente dita (sobretudo se esta implica em violencia) para se defen
der contra a injustica. Trata-se de toda urna filosofía — e, para
nos, de urna teología — da acao.

13. Em suma, embora a análise marxista nao inclua direta-


mente a adesao á filosofía marxista em todo seu conjunto e,
menos ainda, ao «materialismo dialético» como tal —, no entonto'
tal como é ordinariamente entendida, implica de falo num con-
ceito da historia humana que nao concorda com a visSo crista do
homem e da sociedade, e desemboca em estrategias que fazem
perígar os valores e as atitudes cristas. As conseqüéncias disto nao

*«. Populorum Progresslo, n. 31 (A.A.S. LXIX, 1967, p. 272).

— 294 —
ANÁIJSE MARXISTA E CRISTIANISMO

sao sempre desastrosas, ao menos nao sempre desastrosas de ¡me


diato, embora muitas vezes tenham sido daninhas. O aspecto moral
é particularmente importante nesta materia; alguns cristáos que tert-
taram seguir durante algum tempo o análise e a prática marxista,
confessaram ter sido induzidos a aceitar fácilmente qualquer meio
para chegar a seus fins. Por isto até hoje se corrobora pelos fatos
o que escrevia Paulo VI na Octogésima Adveniens (n? 34): «Seria
ilusorio e perigoso.. . aceitar os elementos da análise marxista sem
reconhecer suas relacoes com a ideología». Separar urna da outra
é mais difícil do que, ás vezes, se supóe.

14. Neste contexto, os Bispos da América Latina, reunidos


em Puebla, fizeram notar que urna reflexáo teológica feita a partir
de urna praxis apoiada na análise marxista corre o risco de desem
bocar na «total politizacao da existencia crista», na «dissolucao da
linauagem da fé na linguagem das ciencias socíais» e no «esvazia-
mento da dimensao transcendental da salvacao crista» (Puebla,
n* 545). Este risco tríplice pode aparecer, de fato, na linha das
observacoes que acabo de fazer.

15. Por isto, a adocao nao só de alguns elementos ou de


alguns enfoques metodológicos, mas da análise marxista em seu
conjunto, nao é aceitável para nos. Mesmo que suponhamos que
a|guma pessoa, utilizando um instrumental muito preciso de distin-
cóes, possa sef estrifamente capaz de falar de análise marxista, sem
aceitar o materialismo histórico redudonista nem a teoría e a estra
tegia da luta de classes generalizada — seria isso ainda urna
análise marxista? —, a maiór parte dos homens, incluindo a maio-
ria^ dos jesuítas, nao é capaz de fazé7lo. Assim, existe um perigo
prático real em difundir a idéia de que se pode fácilmente reter a
análise marxista, como algo distinto da filosofía, da ideología e da
praxis política. Tanto mais que, com algumas poucas excecóes, os
marxistas propriamente ditos rejeitam a separacáo entre a análise,
por um lado, e a visSo do mundo ou os principios da acáo marxista,
por outro. Temos a responsabilidade de fazer este discernimiento
prálico, assim como temos a responsabilidade d« fazer o discerní-
mentó teórico. E é preciso também que demos aos ¡ovens jesuítas
em formacao os instrumentos de estudo crítico e de reflexáo crista
necessários para que percebam bem as difículdades que a análise
marxista comporta. Certamente durante o período de formacao nao
se pode apresentar esta análise como o melhor meio de abordagem
da realidade social.

ló. Desejo mencionar, além disto, um problema sobre o qual


gostaria de que nossos especialistas fizessem estudos mais profundos.

— 295 —
8 «PERGUNTE E RESP0NDEREMOS5 528/1981

Estou-me referindo ao problema das estruturas da propríedade (dos


meios de producto, como se compreende), problema que está no
amago de tantos aspectos da anátise marxista. Nao há dúvida de
que urna má dístríbuicao da propriedade, nao compensada por
outros fatores, «carreta ou facilita a exploracao descrita por Marx
e denunciada também pela Igreja. Nao obstante, nao se costuma
freqüentemente confundir a própría instituicáo da propríedade com
sua má distribuicáo? E importante continuar esfudando, com a ojuda
da experiencia, que tipo de distribuicáo dos direitos de propríedade,
assim como de outros tipos de poder (político, sindical...) per
mitiría realizar um mundo mais justo e mais pleno desenvolvimiento
das pessoas nos diferentes sistemas sociais. Longe de ignorar as
contribuicóes do ensino social da Igreja neste campo concreto, in
cumbe-nos o dever de estudá-las a fundo, especificar suas exigen
cias e contribuir para seu desenvolvimento.

17. Farei, finalmente, .quatro indicacoes á guisa de conclusao.


Em primeiro lugar, nao obstante as reservas que se devem fazer
em relacáo á análise marxista, devenios reconhecer e tentar com-
preender as razoes da atracao que exerce sobre tantas pessoas. Os
cristaos sao fácil e justamente sensíveis ao projeto de libertar os
homens das dominacoes e opressoes a que estao submetidos, á
promessa de fazer a verdade denunciando as ideologias que a
ocultam, á proposta de suprimir as divisoes sodais. Nao deixemos
crer que isto possa ser alcancado com meios demasiado simplistas ou
mesmo contrarios ao fim que almejamos; mas também nao desen
corajemos ninguém na busca perseverante dessas metas, que tém
afinidade direta com a caridade, característica decisiva do projeto
crístáo. Temos de ser, inclusive, compreensivos com o homem que
sofre na própría carne injusticas sociais revoltantes.

18. Esn segundo lugar, deve ficar bem claro que a análise
marxista nao é a única que esteta associada a pressupostos ideo
lógicos ou filosóficos, introduzidos subrepticiamente. De modo par
ticular, as análises sociais que sao praticadas habitualmente no
mundo liberal, implicam urna visao materialista e individualista do
mundo, que é também oposta aos valores e as atitudes cristas.
Neste sentido, será que damos atencao suficiente aos livros de texto,
por exemplo, que se usam em nossos cilégios? Quando empregamos
elementos de análise social, seja qual for sua origem, devemos
sempre criticá-los e puríficá-los, se quisermos permanecer fiéis ao
Evangelho, para depois escolher aqueles que verdadeiramente aju-
dem a compreender e descrever sem preconceitos a realidade. Nosso
esforco deve ser guiado pelos criterios do Evangelho, e nao por
ideologias incompatíveis com ele.

— 296 —
ANAUSE MARXISTA E CRISTIANISMO

19. Em lerceiro lugar, devemo-nos manter s«mpre dispostos


ao diálogo, no que concerne aos marxislas. Por outro lado, conforme
o espirito da Gaudium et Spes (n* 21 § ó), tampouco devemos re
cusar colaboracoes concretas bem definidas, que o bem comum
possa reqtierer \ Mas tenhamos sempre em consideracño nosso
papel próprio de sacerdotes e religiosos, e nunca atuemos como
franco-atiradores em relacáo á comunidade crista e aos que nela
tem a última responsabilidade pastoral; tratemos de assegurar-nos
de que qualquer colaboracáo nossa se dirija integralmente para
atividades aceitáveis pora um cristao. Em tudo isso temos o dever
de conservar sempre nossa própria identidade, pois, pelo fato de
aceitar alguns pontos de vista que sao válidos, nao nos podemos
deixar arrastar para a aprovacao da análise marxista em seu con
junto, e, sim, ser em tudo conseqüentes com a nossa fé e com os
principios de acao que ela supoe. Ademáis procedamos de maneira
a mostrar concretamente que o cristianismo é urna mensagem que
traz aos homens urna riqueza muito superior á de qualquer conceito
da análise marxista, por mais útil que seja.

20. Enfim, devemos também opor-nos com firmeza ás tenta


tivas dos que aostariam de aproveitar as reservas que temos diante
da análise marxista, para estimar menos ou até condenar como
«marxismo» ou «comunismo» o compromisso com a ¡ustica e com a
causa dos pobres, a defesa que os explorados fazem de seus pró-
prios direitos, as reivindicacóes justas. Nao temos notado com fre-
qüéncia formas de anticomunismo que nao passam de meios para
encobrir a injustica? Também a respeito disto conservemos nossa
identidade e nao deixemos que se cometam abusos da crítica que
fazemos ao marxismo e á análise marxiste.

21. Peco a todos um comportamento límpido, claro e fiel.


Rogo-lhes que se empenhem com todas as suas forcas, dentro do
ámbito da nossa vocacao, em favor dos pobres e contra as injus-
ticas, mas sem permitir que a ¡ndignacáo obscureca a visáo de fé,
e conservando sempre, até em meio aos conflitos, um coracáo cris
tao, urna atitude de caridade e nao de dureza.

22. Concluindo, tenho consáéncia de que no futuro a situa-


cáo da análise marxista poderá modificar-se em um ou outro ponto 2.
Além disto, a respeito dos diversos aspectos que abordei, há aínda
lugar para posteriores estudos teóricos e ¡nvestigacoes empíricas.

»Cf. Mater et Maglstra, IV (A.A.S. Lili. 1951, pp. 456-457)


* Cf. JOAO XXIII Pacem in Tenis, tfi 160 (A.A.S. LV, 1963, pp. 299-300).

— 297 -_
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Mas, no atual momento, peco que todos observem as indicacóes e


díretivas que esta carta contém; espero que ela Ihes permita, e
aos demais Superiores, ajudar mellior os jesuítas que, por seu minis
terio, estao mais em contato com horneas e mulheres de conviccoes
marxistas, incluindo também aqueles que se proclamam «cristáos-
-marxistas». Espero igualmente que minha carta Ihes permita ajudar
todos os jesuítas que, tendo necessidade de analisar a sociedade,
nao podem deixar de enfrentar o problema da análise marxista.
Assim poderemos trabalhar melhor na promoeáo da ¡ustica que devé
acompanhar todo nosso servico á fé.

Muifo fraternalmente em Nosso Senhor,


Pedro Arrupe, S.J.
Praep. Gen. Soc lesu

Roma, 8 de dezembro de 1980


Na solenidade da Imaculada Conceicao de María»

II. SÍNTESE E COMENTARIO

1. Preliminares

Ha, sem dúvida, numerosos membros da Companhia de


Jesús (ou mesmo muitos e muitos cristáos) que vivem e tra-
bainam em ambientes marxistas ou lado a lado a cristáos que
se dizem marxistas; isto ocorre tanto na Europa como na
América Latina. Daí a tentativa de aproximacáo entre cris
táos e marxistas, explicável pelo fato de que muitos operarios
marxistes estáo longe do marxismo teórico e das discussóes
académicas (n* 4). Tal tentativa exige reflexáo a fim de se
discernirán as linhas característícas de auténtico comporta-
mentó cristáo.

O presente documento nao tenciona considerar as rela-


Cóes entre marxismo e Cristiam'smo em sua amplidáo; para
tanto existem pronunciamentos dos Papas e das Conferencias
Episcopais. Visa únicamente a responder á pergunta: pode
um cristáo utilizar a análise marxista, distinguindo-a da filo
sofía ou ideología marxista como também da praxis ou, ao
menos, da perspectiva global do marxismo? Cf. n» 2.
Para que o leitor possa avaliar com dareza e seguranga
as respostas dadas pelo Pe. Arrupe, a redagáo desta revista
proporá breve nogáo do que seja a «análise marxista» em
causa.

— 298 —
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO 11

2. Que é onálise marxista?

Em sua obra «O Capital» (I9 volume em 1867, 2" volume


em 1885; 3* volume em 1894), Karl Marx expóe o que entende
por análise da sociedade. Esta vem a ser a decomposigáo teó
rica da sociedade atual, capitalista, e a identificagáo dos ele
mentos que geram e sustentam tal tipo de sociedade.

O capital ou a posse particular dos meios de produgáo


seria a peca responsável pela historia da sociedade e o seu
atual estado; os proprietários, segundo Marx, exploram os
trabalhadores assalariados, comprando-lhes o trabalho por
salario inferior ao valor deste; a mercadoria produzida pelos
operarios é vendida por prego muito mais elevado do que o
prego do trabalho (mais valia). Assim a classe capitalista se
opóe ao proletariado e é o seu explorador coletivo. A procura
constante de mais valia acarreta a crescente exploragáo do
trabalhador: o aumento da jornada de trabalho, a exploragáo
feroz do trabalho de mulheres e criangas, a mutilacáo física
de milhóes de operarios seriam os meios utilizados pelo capi
tal para atender á sua sede insaciável de mais valia.

Todavia, em virtude da concentracáo e da centralizagáo


da produgáo capitalista, a quantidade de operarios assalaria
dos cresce sem cessar; os operarios aglomeram-se em massas
cada vez maiores e mais compactas ñas vastas empresas capi
talistas. Assim o próprio capital vai gerando, no decurso da
sua evolugáo, a forga social destinada a destrui-lo. O proleta
riado assim constituido fará a sua revolugáo, tomará o poder,
estabelecerá a ditadura e expropriará os seus expropriadores.

Desta forma Marx pretendia ter descoberto a lei econó


mica do movimento da sociedade capitalista e mostrado que o
comunismo constitui a etapa futura e inevitável do desenvol-
vimento social; o advento do comunismo estaña preparado por
toda a historia da humanidade e pelas leis internas de evolu-
cáo do próprio capitalismo.

De passagem, observe-se que Marx criticou o capitalismo


tal como era praticado no século XIX — o chamado «capita
lismo liberal», que realmente foi (e é, onde ele subsiste) desu-
mano e anticristáo. Em nossos dias o capitalismo sofre diver
sas restricóes por parte da legislacáo trabalhista e dos planos
de economía dirigida de varios Governos. Quanto ao futuro

— 299 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

da sociedade capitalista, nao ocorreu como Marx o predisse,


pois este esperava que na Inglaterra e no Ocidente o comu
nismo substituisse o regime económico vigente; as premissas
de Marx, unilaterais como eram, nao correspondiam á reali-
dade histórica.

Voltemos agora ao texto da carta do Pe. Arrupe S.J.

3. Análise marxistes e Cristianismo

Eis como o documento procede em sua exposieáo:

3.1. No plano prático ou concreto

No plano prático é difícil alguém assumir a análise mar-


xista como método sem aceitar simultáneamente a doutrina e
as prospectivas professadas por Marx. Mais precisamente,
quem adota a análise marxista é levado a aceitar alguns pon
tos de doutrina lógicamente concatenados com esta:

1) O primeiro yem a ser o materialismo histórico (se


nao o materialismo dialético), segundo o qual todos os acon-
tecimentos da historia sao determinados pelo fator económico;
a ordem política, a cultural, a religiosa... reduzir-se-iam a
fenómenos cujas raizes seriam da esfera económica. Ora tal
reducionismo é contrario aos principios cristáos, que reconhe-
cem no homem urna alma espiritual, aberta para os valores
transcendentais; estes muitas vezes no decorrer da historia
levaram os homens a desprezar o económico a fim de melhor
atenderán ao apelo dos bens espirituais e transcendentais.
Cf. n« 8.

2) O materialismo histórico implica outrossim em seus


adeptos urna atitude crítica em relagáo á fé e ao Cristianismo,
que yáo avaliados segundo os criterios da produtividade eco
nómica; esta vem a ser, por assim dizer, o único valor reco-
nhecido, de modo que a fé em Deus Criador e em Jesús Cristo
Salvador se atenúa como se fosse inútil ou mesmo alienante
Cf. n» 9.

Mais: entre os arautos de tal mentalidade, há quem dis


tinga entre Jesús Cristo e as manifestacóes do Cristianismo

— 300 —
ANALISE MARXISTA E CRISTIANISMO 13

— o que redunda em crítica radical á Igreja, critica que n§o


somente nao se compatibiliza com a conduta de um bom cris-
táo, mas vem a ser inegavelmente injusta e passional. Cf. n» 10.

3) A análise marxista leva outrossim a adotar concep-


cóes radicáis sobre o conflito social e a luta de classes; na
verdade, a análise marxista acha-se estruturada sobre a teo
ría da luta de classes. Ora tal modc de pensar é unilateral ou
artificial; nao se pode dizer que toda a historia seja movida
pelo conflito entre patróes e operarios, pois muitos outros
fatores a movem, como sejam as relagóes de amor, paz,
alianza tanto entre individuos como entre sociedades. Cf. n» 11.

4) A análise marxista fácilmente implica um programa


de acáo estratégica, ou seja, de incitamento de urna classe
contra outra. O proletariado seria a vítima que, como o Mes-
sias, se entregaría á morte através da luta, a fim de renovar
a humanidade. Verdade é que o Cristianismo admite que, em
casos de tirania extrema, a revolucáo armada se possa legiti
mar; cf. Paulo VI, ene. Populorum Progressio n» 31. Todavia
o Cristianismo nao eré que a luta armada seja o meio ordi
nario de transformar a sociedade; ao contrario, apregoa a
prioridade dos recursos nao violentos como a (re)conciliacáo,
o testemunho de vida, o diálogo, etc. A filosofía — e a teo
logía — da agáo do Cristianismo diferem radicalmente da pra
xis marxista, que é incentivo á luta de classes. Cf. n« 12.

5) Deve-se ainda observar que, embora a análise mar


xista nao implique diretamente adesáo á filosofía marxista
como tal, sugere urna concepeáo de historia que nao corres
ponde a visáo crista e leva a estrategias que póem em perigo
os valores cristáos; entre outras táticas, verifica-se que alguns
cristáos adeptos da análise e da praxis marxistas, chegaram
a aplicar meios moralmente ilícitos para conseguir seus obje
tivos como se o fim justificasse os meios. Cf. n* 13.

Em vista de todas essas conseqüéncias e ameacas que


oneram a adocio da análise marxista, os Bispos latino-ameri
canos reunidos em Puebla no ano de 1979 deixaram a seguinte
advertencia:

"Cumpre salientar aquí o risco de ideologizacSo a que se expóe a


reflexSo teológica, quando se realiza partlndo de urna praxis que recorre
á anallse marxista. Suas conseqOéncias s§o a total politizacSo da existen-

— 301 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

cía crista, a dissolucáo da linguagem da fé na das ciencias sociais 8 o


esvaziamenlo da dimensSo transcendental da salvacáo crista" (n? 545).

Passemos agora a outro plano de estudos.

3.2. No plano teórico

Aqueles que em suas elucubragóes teóricas tentam elimi


nar da anahse marxista os elementos que a poderiam tornar
mcompativel com a mensagem crista, propóem distingoes alta
mente sutis, em conseqüéncia das quais se pode perguntar se
ainda tém em mira a auténtica análise marxista. Como quer
que seja, tais distingoes nao sao praticadas por bom número
de estudiosos. Os próprios marxistas, com poucas excegñes,
rejeitam a separagáo entre análise da sociedade e visáo do
mundo ou principios de agáo marxistas. Disto tudo se de-
preende mais urna vez que se faz necessária a opgáo entre
marxismo e Cristianismo, visto que as tentativas de alianga
teórica ou prática redundam em desvirtuar ou o marxismo ou
o Cristianismo. Cf. n? 115.

3.3. Ulteriores observacóes

3.3.1. Um problema especial

O documento ainda chama a atengáo para a problemática


da propriedade particular dos meios de produgáo, problema
que muito interessa ao marxismo. Distinga-se entre o direito
á propriedade particular e a distribuicáo da mesma A injusta
distribuigio acarreta graves males, que háo de ser superados
sem que por isto se negué o direito á propriedade particular!
Todavía é para desejar que os estudiosos procurem formular
os tipos de distribuigáo da propriedade (e do poder em geral)
que contribuam para se obter um mundo mais justo e mais
humano. A doutrina social da Igreja tem certamente algo de
importante a dizer a tal propósito. Cf. n' 16.

3.3.2. Os «a prior!» ou dogmatismos

Em materia de análise social, é necessário evitar os con-


ceitos formados a priori ou de antemáo, sem que se procure
averiguar a veracidade de tais conceitos. Com efeito, acon-

— 302 —
ANAUSE MARXISTA E CRISTIANISMO 15

tece, por exemplo, que certos estudiosos católicos adotam a


análise marxista sem a questionar nem comprovar, como se
isto nao fosse oportuno; há mesmo quem a identifique com a
opgáo pelos pobres da qual fala o documento de Puebla
(n.°* 383. 707. 733. 760. 1134...) — o que evidentemente é
erróneo. Em suma, requer-se o máximo de objetividade no
setor das ciencias sociais e económicas. Cf. n« 6b.

4. Diretrizes fináis

Finalmente a carta em foco propóe quatro perspectivas


referentes ao tema abordado.

4.1. Procurar compreender

Faz-se mister procurar compreender por que a análise


marxista e a filosofía que a acompanha, tanto atraem os
intelectuais e as massas hoje em dia. A resposta nao parece
difícil: os cristáos e, em geral, as pessoas honestas sao, com
razáo, sensiveis ao ideal de por fim as dominacóes e opres-
sóes injustas. É preciso, porém, que a demanda deste ideal
nao recorra a meios que lhe sao contrarios, como sao os meios
marxistas desrespeitadores da pessoa humana; o projeto cris
táo de promocáo do homem está indissoluvelmente associado
á caridade,... caridade para com todas as criaturas. Cf. n» 17.

4.2. Outros tipos de análise social

Nao somente a análise marxista está vinculada a pres-


supostos ideológicos, mas qualquer tipo de análise social incorre
no mesmo perigo: aplica urna visáo individualista e materia
lista do mundo. Será necessário, portento, que todas essas
propostas filosóficas sejam examinadas á luz do Evangelho a
fim de que este nao seja sufocado por outras perspectivas.
Cf. n* 18.

4.3. Abertura para o diálogo

O cristáo deve estar sempre disposto ao diálogo com qual


quer pessoa ou grupo honesto. Esse diálogo poderá mesmo
chegar á colaboracáo em casos bem definidos, desde que esta
seja exigida pelo bem comum. É de observar que o contato
de fiéis católicos — especialmente de sacerdotes e Religiosos

— 303 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

com marxistas jamáis deverá entrar em contraste com o modo


de pensar e agir da comunidade eclesiástica a que pertencem,
pois esta seria comprometida pelo que os seus membros fizes-
sem de destoante ou contraditório. Em toda e qualquer ativi-
dade, o fiel católico guardará sua identidade religiosa ou, no
caso devido, sacerdotal, procurando ser em tudo coerente com
essa identidade. Cf. n* 19.

4.4. Nao condenar sem motivo

O fato de um fiel católico nao aceitar a análise marxiste


nao quer dizer que condene como comunistas as justas tenta
tivas de defender a causa, os direitos e as reivindicagóes dos
pobres e promover urna reta ordem social. Nao se queira, em
nome do Evangelho, proferir condenacóes destituidas de fun
damento. Cf. n? 20.

A carta termina pedindo aos membros da Companhia de


Jesús que observem as diretrizes contidas em tal documento,
a fim de que a promocáo da justica social ocorra sempre den
tro de um clima auténticamente cristáo. Cf. n.08 21. 22.

Nao há dúvida, a tomada de posigáo do Pe. Arrupe S.J.,


amadurecida como é, veio reforcar as convicgóes que muitos
pensadores católicos alimentam a respeito da análise marxiste.
O próprio S. Padre Joáo Paulo n em discurso aos Bispos do
CELAM no Rio de Janeiro rejeitou a hipótese de utilizar-se a
análise marxiste como premissa para a elaboracáo de um sis
tema de pensamento católico:

"Importante tema na Conferencia de Puebla fol o da libertacfio Eu


vos exorlara a considerar o especifico e original da presenca da Igreja
na libertacSo. Fazia-vos notar como a Igreja 'nfio necessita de recorrer a
sistemas e Ideologías para amar, defender e colaborar na libertacfio do
homem' (III, 2). Na variedade dos tratados e correntes de llbertacSo é
indispensável distinguir entre o que implica 'urna reta concepcfio crista
de llbertacSo' (III, 6), 'em seu sentido integral e profundo como anunclou
Jesús' (Ibld.), aplicando lealmente os criterios que a Igreja oferece, e
outras formas de libertagáo distintas e até confutantes com o compro-
mlsso cristáo.

... A libertacfio crista usa 'meios evangélicos, com a sua eficacia


peculiar e nao recorre a algum tipo de violencia, nem á dlalétlca da luta
de classes ...■ (Puebla, 486) ou á praxis ou análise marxiste" (n<? 8).

Táo sabias e ponderadas advertencias já nao deixam mar-


gem para dúvidas no estudioso sincero.

— 304 —
Mais urna vez...

a igreja e a maznaría

«„ «f"1 sijUese: A Sagrada Congregado para a Doutrina da Fé aos


17/02/1981, publicou urna nota em que confirma a carta da mesmá da
tada de 19/07/1974 a respeitp da Maconaria e compendiada nos segulntes
Itens:
I tañe • **

1) Permanece a sancSo da excomunhSo para os católicos que se


filiem ou pertencam a alguma sociedade secreta (como, por exemplo. a
Maconaria) que conspire contra a Igreja.
2) Visto que esta norma é urna leí penal, há de ser interpretada
em sentido estrilo: desde que se possa comprovar que existe alguma
Loja Macónica que nao conspire contra a Igreja, a excomunháo nao recai
sobre os seus membros.

3) Os termos ácima nao significam que algum individuo ou grupo


católico esteja habilitado a fazer pronunciamentos sobre a Maconaria em
geral, declarando-a Inocua ou neutra frente á Religiáo O que a S Con-
gregacao nos anos de 1974 e 1981 teve e tem em mira, foi tSo sámenle
facilitar aos Srs. Blspos e sacerdotes a orientaclo de fiéis católicos Inte-
ressados na Maconaria e considerados cada qual dentro das peculiari
dades do seu caso. Somenfe á Santa Sé toca emitir pronunciamentos
públicos a respeito da Maconaria.

* * *

Comentario: Em PR 179/1974, pp. 415-426 foi publicado


um artigo que comentava importante decisáo da Santa Sé a
respeito da atitude da Igreja Católica frente á Maconaria.
Aínda em PR 245/1981, pp. 78-96 a nossa revista piíblicou
relativamente a Maconaria, urna Declaracáo dos Bispos da"
Alemanna. O presente número volta ao assunto publicando e
comentando urna Nota da Congregagáo para a Doutrina da Fé
referente á decisáo tomada pela mesma Congregacáo em 1974.
Eis o texto datado de 17/02/81, ao qual se seguirá breve
comentario.

I. O TEXTO DA NOTA
«Aos 19 de ¡ulho de 1974, a Sagrada Congregacáo para a
Doutrina da Fé escreveo a algunas Conferencias Episcopais urna
carta privada a respeito da interpretacáo do canon 2.335 do Có
digo de Oireito Canónico. Este proibe aos católicos, sob pena de
excomunháo, ¡nscrever-se ñas Lo¡as da Franco-maconaria.

— 305 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Visto que essa caria, tendo passado para o dominio público,


deu lugar a interpretacóes erróneas e tendenciosas, esta Congrega-
cao, sem querer antecipar-se as eventuais disposieSes do novo Có
digo de Direito Canónico, confirma e explícita quanto segué :

1) A atual disciplina canónica em nada foi modificada e


conserva a sua plena vigencia ¡

2) por isto nem a excomunhao nem as outras penas previstas


foram ab-rogadas ;

3) o que naquela carta se refere á interpretacao a ser dada


ao canon em questao, há de ser entendido, segundo as intencoes
da S. Congregacao, como simples lembrete dos principios gerais de
interpretacao das leis penáis para a solucao dos casos de pessoas
particulares que estejam sujeitas ao julgamento dos Ordinarios \
NSo era intencáo da S. Congregacao transferir as Conferencias Epis-
copais a incumbencia de proferir publicamente algum ¡uízo de cará-
ter geral sobre a índole das lo¡as da Franco-Maconaria, de modo
a implicar derrogacao das normas referidas.

Roma, na sede da Congregacao para a Doutrina da Fé, aos


17 de fevereiro de 1981».

II. COMENTARIO
Examinaremos sucintamente a Declaracáo de 1974 » a
Nota de 1981.

1. A Declaracáo de 1974
Como se vé, as Declaragóes da Santa Sé, datadas de 1974
e 1981, versam sobre o texto do canon 2.335, que assim reza:
"Aqueles que dao o seu nome á sella magónica e a sociedades se-
mefnantes que conspiram contra a Igreja e as legítimas autoridades ci-
vis,... tarrem sem mais na excomunhao slmplesmente reservada á
ssnts Sé ,

Ora em 1974 a S. Congregacao para a Doutrina da Fé


houve por bem declarar algo a respeito da interpretacáo deste
canon: sendo de índole punitiva ou penal, haveria de ser enten
dido segundo o principio jurídico que rege a interpretacáo das

1 Ordinário é ° Pelado ao qual está confiada urna clrcunscrlgáo ecle


siástica ; pode ser blspo (como na maloria dos casos) como também, em
alguns casos, é presbítero.

— 306 —
IGREJA E MACONARIA 19

leis penáis, a saber: — «As leis penáis háo de ser interpreta


das sempre em sentido cstrito» — o que que dizer: nao se
estendam as penalidades além dos casos aos quais elas eviden
temente devem ser aplicadas K

Considerando, pois, o texto do canon 2.335 á luz desta


norma, verifica-se que a frase de pronome relativo «Magona-
ria ou sociedade secreta que trame contra a Igreja» há de
ser entendida em sentido estrito, de tal modo que, se deter
minada sociedade magónica ou nao macónica nao conspire
contra a Igreja, já nao é atingida pela canon 2.335. Com
outras palavras: a frase relativa «que trama contra a Igreja»
nao há de ser interpretada como se tencionasse explicar a
índole de toda Loja Masónica, mas, sim, como restritiva a
certas Lojas magónicas ou as Lojas antieclesiásticas ou anti
cristas s.

A razáo de ser desta Declaragáo de 1974 é a seguinte:


A Magonaria, para quem a observa hoje em dia, apresen-
ta-se inspirada por diversas correntes e orientagóes filosóficas.
Existe a Magonaria regular, com sua sede principal em Lon
dres, que professa a crenga no Grande Arquiteto do Universo
e na imortalidade da alma, como existe a Magonaria irregular,

Este principio nao é senáo a formutacáo mais precisa de urna


norma mais geral que soa: "Odiosa sunt restringenda (os elementos
odiosos háo de ser entendidos em sentido restritivo)".
*Para facilitar o estudo do leitor, transcreveremos abalxo o trecho
da carta da S. Congregado para a Doutrina da Fé datada de 19/07/1974
que interessa ao presente estudo:
"Durante o longo exame da questáo, a Santa Sé consultou diversas
vezes as Conferencias Episcopais, Interessadas de modo particular pelo
assunto, a fim de tomar conheclmento mais acurado tanto da natureza e
da atuacSo da Maconaria em nossos dias quanto do pensamento dos
BIspos a respeito.
A grande divergencia de respostas, pela qual transparecem as situa-
edes diferentes de cada nacao, nao permitiu á Santa Sé mudar a legis
lado geral vigente, a qual por Isto continua em vigor, até que nova lei
canónica seja publicada pela competente Comissáo Pontificia para a revisflo
do Direito Canónico.
No entanto, no exame dos casos particulares, é necessárlo levar em
considerado que a leí penal está su]elta a interpretado estrila. Por con-
segulnte, pode-se enslnar e aplicar, com seguranca, a opini&o daqueles
autores segundo os quais o canon 2.335 se refere únicamente aos cató
licos que dáo o nome as assoclacóes que de fato conspiram contra a
Igreja.
Em qualquer situaefio, porém, continua firme a prolblc&o aos cléri
gos, aos Religiosos e aos membros de Institutos Seculares, de darem o
nome a quaisquer associaedes maconlcas" (Noticias, Boletim semanal da
CNBB, tfl 230, 23/08/74).

— 307 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

que cedeu ao indiferentismo religioso, ao ateísmo e ao anti


clericalismo. Enquanto aquela (a M. regular) atuou e atua
principalmente nos países anglo-saxónicos, esta (a M. irregu
lar) exerceu suas atividades mormente nos países latinos da
Europa e da América.

Em conseqüéncia, ao lado de Lojas antirreligiosas, pode


haver outras inocuas, pois professam principios filosóficos
compatíveis com o Cristianismo; muitos católicos pertencem a
tais Lojas únicamente por motivos profissionais, promocionais
ou humanitarios, sem a intengáo de contrariar ou combater a
fé católica e a S. Igreja; afirmam outrossim, após certo periodo
de adesáo á Loja, nada encontrar nesta que se oponha aos
principios da Reiigiáo ou do Catolicismo; nao obstante, em
virtude do canon 2.335 ficam privados dos sacramentos da
S. Igreja e os bispos nao os podem convocar para colaborar
com as obras diocesanas; muitos pastores de almas véem-se
assim cerceados em sua acjio pastoral, pois devem renunciar
á colaboragáo direta e explícita de pessoas importantes de suas
respectivas dioceses ou paróquias (Prefeitos municipais, juízes
de Direito, médicos, advogados...) pelo fato de serem tais
pessoas filiadas á Maconaria.

Para evitar os inconvenientes assim oriundos, a Santa Sé


em 1974 julgou oportuno pronunciar-se a respeito do canon
2.335, lembrando que é de índole penal e, por conseguinte,
só se aplica aos casos em que evidentemente tenha cabimento.
Passemos agora á consideragáo da Nota de 17/02/1981.

2. A Nota de 1981
Da leitura do texto transcrito á p. 305s deste fascículo,
depreende-se que

— a S. Igreja nao quis (nem pode) alterar o teor do


canon 2.335; fica, portante, a pena de excomunháo para todo
católico que conscientemente se filie ou pertenga a alguma
Loja conspiradora ou antieclesiástica;

— o principio jurídico de que as leis penáis háo de ser


entendidas em sentido estrito aplioa-se ao caso do canon 2.335,
como enunciou a Declaracáo de 1974.
— Eis, porém, que tal Declaracáo ocasionou mal-enten
didos, a saber: pessoas e grupos de pessoas julgaram que, na
base da mesma, estavam habilitados a proferir juízos sobre
a Magonaria em geral; chegaram mesmo a emitir pareceres

— 308 —
IGREJA E MACONARIA 21

sobre a Maconaria que derrogavam as normas e as intengóes


da S. Igreja, como se nada mais houvesse a objetar as ativi-
dades de certas Lojas Magónicas.

Conseqüentemente, as Conferencias Episcopais, por exem-


pío, nao compete fazer pronunciamentos sobre a Magonaria
como tal que nao levem em conta a existencia de Lojas irre
gulares ou antirreligiosas. O que a Declaragáo de 1974 tem
em vista, sao casos isolados ou particulares de católicos que,
animados por intencáo promocional ou humanitaria, se quei-
ram filiar ou se tenham filiado a alguma Loja Magónica ino
cua. Tais fiéis responderáo por lal atitude ao seu Bispo, e
poderáo, em conseqüéncia, ser tidos como isentos de qual-
quer pena canónica.

Por conseguinte, compete táo somente á Santa Sé pro


ferir julgamentos sobre a Maconaria como tal. Esta incum
bencia nao toca as Conferencias Episcopais como tais nem aos
Srs. Bispos em particular, porque, a realidade da Magonaria
sendo assaz diversa de nagáo para nagáo, os julgamentos se-
riam assaz diversos entre si. Tal diversidade de pronuncia
mentos poderia desorientar o povo de Deus, em vez de escla
rece-lo; somente um órgáo que tenha visáo panorámica e com
pleta da Maconaria no mundo, como é a Congregagáo para a
Doutrina da Fé, tem possibilidade e habilitagáo para proferir
um juízo objetivo e matizado a respeito da Magonaria. — Foi
para acentuar esta posigáo que a Santa Sé se pronunciou sobre
o assunto em fevereiro de 1981.

3. Ulterior reflexSo
1. Como se vé, a Nota de 1981 tem em vista interpre-
tacóes demasiado ampias da carta de 1974. Houve quem enten-
desse este documento como sinal de aprovagáo á Maconaria,
aprovagáo que nao levaría em conta a realidade muito diver
sificada das correntes magónicas hoje existentes. A Declara-
cao de 1974 nao modificou a legislagáo da Igreja referente á
Magonaria; apenas explicitou-a, recorrendo a um principio tra
dicional de hermenéutica jurídica. Com outras palavras: a
construgáo relativa «que conspira...» poderia ter sentido me
ramente explicativo como poderia ter sentido restritivo; ora a
S. Congregagáo para a Doutrina da Fé quis explicitar que tal
frase tinha sentido restritivo, o que decorria do fato de estar
inserida em urna lei penal.

— 309 —
22 ePERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

É sabia esta atitude da Santa Sé; atende aos dois aspec


tos do problema:

— na medida em que haja Lojas anticristás, estas ficam


vedadas, sob pena de excomunháo, aos fiéis católicos;
— na medida, porém, em que haja (e há) Lojas inocuas,
nao se aplica aos seus membros urna pena que no caso nao
teria sentido.

2. As duas Dedaracóes da Santa Sé em foco supóem


que a Maconaria nao seja sempre hostil á fé e a Igreja...
Ora esta suposigáo resulta de atento exame das diversas Lo
jas masónicas e de sua atuacáo no mundo contemporáneo.
Com efeito, está averiguado que há Lojas que conservam nao
somente a profissáo de fé no Grande Arquiteto do Universo,
mas também a veneracáo da Biblia Sagrada; interessam-se
táo somente por assuntos profissionais e promocionais, sem
interferir em política ou religiáo. É em vista de tais Lojas
que a Santa Sé deseja que o canon 2.335 seja interpretado
estritamente.

Perguntará, porém, o leitor: como reconhecer se tal ou


tal Loja hoje é ou nao anticristá, visto que a Maconaria
guarda o segredo de suas doutrinas e seus planos?
— Em resposta, só se pode apontar o método empírico:
procure o fiel católico interessado saber que pessoas compóem
a Loja a que se candidata; ninguém entra em alguma socie-
dade ou associagáo sem primeiramente se esclarecer a pro
pósito do que ela é ou pode vir a ser. Deve ser respeitado o
direito que toca a todo cidadáo, de nao assumir as cegas com-
promissos que poderiam afetar a sua personalidade.
Enquanto o fiel católico puder dizer sinceramente que na
Loja nada se encontra em oposicáo á sua qualidade de cató
lico, ser-lhe-á lícito permanecer na mesma. Todavía, desde
que verifique o contrario, compete-lhe retirar-se imediatamente
da Loja; a coeréncia e a honestidade o exigem.
Os outros fiéis católicos e os sacerdotes poderáo ajudar o
candidato católico a formar um juízo a respeito da Loja,
observando o teor de vida e as atividades dos membros com
ponentes da mesma; raima cidade pequeña esta tarefa é, como
se compreende, bem mais fácil do que em grandes centros
urbanos.

Deve-se também levar em consideracáo que as Lojas ma


sónicas, embora contem em seus registros de matrícula nume-

— 310 —
__ IGREJA E MAgONARIA 23

rosos membros, sao dirigidas por apenas pequeña porcenta-


gem destes. Com efeito; varios dos membros de cada Loja,
por motivos diversos (afazeres profissionais, condigóes sociais,
avangada idade, distancias, horarios...), nao costumam com
parecer as respectivas reunióes; em conseqüéncia, para se ave
riguar o tipo de orientagáo seguida por determinada Loja, é
importante considerar, antes do mais, as pessoas que a fre-
qüentam e nela militam habitualmente; urna minoría pode
dar o cunho decisivo a tal Loja.

4. Repercussáo
A Nota de 1981, embora nada tenha acrescentado de
novo á de 1974, contribuiu para provocar pronunciamentos de
pessoas surpresas com essa atitude da S. Igreja. Assim, por
exemplo, entre as cartas dos leitores publicadas pelo Jornal
do Brasil aos 31/03/81, p. 10, lé-se urna missiva que afirma
a fidelidade dos magons a um «Deus Supremo, Regente Maior»;
ao que o autor acrescenta o texto de urna oragáo atribuida
ao Papa Joáo XXm...; nessa oragáo, o Pontífice teria afir
mado que «havíamos impensadamente acreditado que um sinal
da cruz pudesse ser superior a tres pontos formando urna pirá
mide», além de outros varios despropósitos.
A tal missiva convém fazer as seguintes duas observa-
cóes:

4.1. Mojonaría e relativismo

Verdade é que a Magonaria regular professa a fé em Deus


«Grande Arquiteto do Universo»; todavía verifica-se que cer
tas correntes magónicas sao relativistas, ou seja, desabonam
a possibilidade de que a inteligencia humana chegue ao conhe-
cimento objetivo da verdade, principalmente no campo da
filosofía e da teología; a verdade filosófica e/ou religiosa
seria algo de subjetivo, válido táo somente para o individuo
que a quisesse professar. Reza um famoso Dicionário Mago-
nico:
"A Franco-Magonaria pode ser concebida como um movimento que
visa a congregar os homens de orlentacáo relativista para promover o
Ideal humanitario" (E. LENNHOFF-O. POSNER, Intematlonales Frelmaurer
Lexikon. Wien 1975, col. 1300).

Consecuentemente, o conceito de Religiáo nessas corren-


tes magónicas é relativista: todas as religióes seriam tentati
vas paralelas de exprimir a verdade divina, que, em última

— 311 —
24 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

análise, seria inatingivel. Com efeito, á verdade divina seria


adequada táo somente a linguagem dos símbolos maeons, lin-
guagem de muitos significados, entregue á capacidade de inter-
pretagáo de cada macom.

Ora tais concepgóes nao se coadunam com a doutrina


católica. Esta professa que Deus se reveJou aos homens, comu-
nicando-lhes a palavra da verdade; afirma outrossim que é
possivei construir um discurso racional ou filosófico que atinja
a verdade como tal, embora através de raciocinios sujeitos a
erros. Ademáis a experiencia ensina que as concepgóes rela
tivistas de tais correntes da Maconaria (que pretende ser um
sistema total e totalizante) acabam substituindo, como nova
«Religiáo» ou nova «cosmovisáo», as proposigóes cristas refe
rentes a Deus, ao mundo e ao homem.

Eis por que, em varios casos, existe entre a Igreja Cató


lica e a Maconaria dificuldade de, na realidade concreta, tra-
varem um diálogo positivo e satisfatório. Mesmo que alguma
Loja nao conspire contra a Igreja, a mentalidade que a anima,
é por vezes tal que aos poucos ela pode atenuar ou mesmo
extinguir a fé e a formagáo dos católicos que a ela se filiem.
Eis por que, embora o Direito Canónico nem sempre imponha
excomunháo aos católicos que ingressem na Maconaria, a
consciéncia crista é cautelosa em relagáo ao ingresso de um
católico na Magonaria. Ulteriores consideragóes se encontram
em PR 254/1981, pp. 78-96.

4.2. A «orajáo de Jofio XXIII»

Quanto a oragáo atribuida ao Papa Joáo XXm, nao resta


dúvida de que nao é deste Pontífice, pois

1) o conteúdo da dita oracáo refere proposigóes que


absolutamente nao se enquadram dentro da mensagem crista,
mesmo após a renovagáo conciliar: a cruz será sempre um
símbolo auténticamente cristáo e indispensável na pregacáo
do Cristianismo. Com efeito, Sao Paulo, em ICor 1,23.19.17;
Cl 2,20, lembra que a cruz está no centro da cosmovisáo e
da pregacáo cristas. É pela cruz de Cristo que tudó toma sen
tido novo, segundo o Apostólo. Por conseguinte, jamáis se
poderá pensar em substituir na iconografía crista a cruz por
tres pontinhos em pirámide ou pelo compasso; estes símbolos
nao tém relagáo com a mensagem do Evangelho. O Papa
Joáo XXm, cuja piedade era notoriamente amiga do Rosario

— 312 —
IGREJA E MACONARIA 25

e dos elementos tradicionais, nao pode ter sido o autor das


palavras que a «oracáo» lhe atribuí.

2) O texto da prece parece aludir á Declaragáo do Con


cilio do Vaticano II relativa á Liberdade Religiosa, pois diz:
"Temos lutado contra a liberdade de pensamento, pols nao Hnhamos
compreendido que o primelro dever de urna religlao, como justamente
afirma o Concflio, consiste em reconhecer o direito de nao crer em Deus."

Ora o documento do Vaticano II referente á Liberdade


Religiosa data de 7 de dezembro de 1985. O Papa Joáo XXIII,
porém, morreu em junho de 1963. Por conseguinte. jamáis
este Pontífice poderia ter feito a referencia ácima: «como
afirma o Concilio». Quando Joáo XXIII faleceu, nao existia
declaracáo conciliar sobre Liberdade Religiosa!

Note-se, alias, que este documento é mal entendido pelo


autor da «oracáo», pois nunca o Concilio intencionou declarar
que «o primeiro dever de urna religiáo consiste em reconhecer
o direito de nao crer em Deus». O que o Vaticano n afirmou,
é que a nenhum homem é licito constranger o seu próximo a
abandonar ou abracar qualquer crenga religiosa, pois nem o
ateísmo nem a fé se impóem pela violencia. Todo ser humano,
por conseguinte, deve ser deixado livre para dizer, em cons-
ciéncia, Sim ou Nao a Deus. Disto nao se segué que a fé e a
indiferenga religiosa sejam atitudes equivalentes entre si. O
Concilio chegou a declarar explícitamente:

"O próprlo Deus manlfesta ao género humano o caminho pelo qual


os homens, servindo a Ele, poderiam salvar-se e tornar-se felfees em
Cristo. Cremos que essa única e verdadeira religiáo se encontra na Igreja
Católica e Apostólica. Os homens todos estío obrigados a procurar a ver-
dade, sobretudo aquela que diz respeito a Deus e á sua Igreja e, depols
de conhecé-la, a abragá-la e a praticó-la" (Declaracáo Dianftati3 Huma-
nae n? 1).

É evidente, pois. que Joáo XXHI nao é o autor da oracáo


que a Magonaria lhe atribuí. A propósito veja-se PR 132/1970
pp. 554-556.

A propósito ver também

BENIMELLI-CAPRILE-ALBERTON, Maconaria c Igreja Católica ontem,


hoje e amanha. — £d. Paulinas, Sao Paulo 1981.
CAPRILE, G. La recente Dlchlarazione suH'appartenenza allá Mas-
sonería, em La Civilitá Cattolica 3138, 21/03/81, pp. 576-579.

— 313 —
Ecumenismo ?

ensino religioso aconfessional ?


ensino religioso sincretista ?

Em slntese: A Igreja Católica professa a absoluta necessidade de


se transmitirem na íntegra todas as verdades da fé católica, sem reducáo
do depósito sagrado. A catequese, portante, há de ser confessional e
nao a-confessional. Se necessário, onde haja pluralidade de crencas reli
giosas entre os catequizandos, a catequese será pfuri-confessional: minis-
trar-se-á entáo a doutrina católica integra aos católicos, enquanto cate
quistas protestantes e judeus ministraráo na sua íntegra a doutrina pro
testante ou judaica aos respectivos pupilos.

A razio desta atitude da S. Igreja é o fato de que a verdade de


fe nao é o produto da mente humana (como seriam sistemas filosóficos
ou os Credos de Partidos políticos). Por ¡sto nao compete ao homem
adaptar ou mutilar as verdades da fé católica; estas tém um caráter de
absoluto e divino, que deve ser fielmente respeitado (sem que por Isto
se estabelega polémica religiosa entre católicos e n§o católicos)

Comentario: Em alguns Estados do Brasil pratica-se ou


tenciona-se praticar, ñas escolas da rede oficial, um tipo de
ensino religioso que «nao divida os alunos», mas atenda a
todos, qualquer que seja a sua profissáo de fé. Em conse-
qüéncia, ministrar-se-ia (ou ministra-se)

— ou urna doutrina que «satisface» a católicos e protes


tantes, inspirada pelo «ecumenismo» (ecumenismo mal enten
dido);

— ou urna religiáo filosófica, natural, que seria a base


ampia e comum a todas as confissóes religiosas o que
atendería também a crengas nao cristas.

Assim procedendo, os educadores nao estariam separando


os alunos em turmas e salas diferentes no horario da aula de
Religiáo, mas os conservariam unidos no mesmo recinto.
Ora tal comportamento tem sido discutido. Na verdade,
nao se coaduna com o ponto de vista católico. Embora a

— 314 —
ENSINO RELIGIOSO ACONFESSIONAL? 27

É evidente, pois, que Joáo XXIII nao é o autor da oragáo


Igreja Católica seja a pioneira do ecumenismo e do diálogo
religioso, Ela nao pode aceitar tal maneira de transmitir a
religiáo. E por qué

1. O ponto de vista católico

Tres sao as objecóes a opor a tal atitude:

1) O comportamento indicado implica relativismo reli


gioso. Significa que ao educador seja lícito amoldar ou adap
tar o Credo a determinadas contingencias, omitindo alguns de
seus artigos ou apresentando-os de maneira tal que possam
ser interpretados em sentido diverso do que sempre tiveram.
Tal seria, por exemplo, o caso da Virgindade de María; ou
seria silenciada ou proposta em sentido meramente espiritual
ou alegórico. Tal seria também o caso da Santa Ceia do
Senhor: seria entendida como memorial meramente psicoló
gico sem implicar a fé na «Eucaristía como sacrificio e sacra
mento» ...

O professor de Religiáo nao negaría diretamente a Vir


gindade de María, mas a proporia de modo que nao contra-
riasse á respectiva tese protestante. O mesmo faria ele em
relagáo á S. Eucaristía.

Ora quem aceita as verdades da fé como proposigóes


reveladas por Deus, nao pode pactuar com algumá tentativa
de retoque ou de mutilagáo das mesmas. Os católicos afir-
mam que o patrimonio da fé vem de Deus; é entregue ao
homem para que este se beneficie do mesmo e o transmita
incólume aos seus semelhantes. Difere, pois, de principios de
ordem política; estes sao produtos do talento humano e, por
isto, estáo sujeitos a retoques e adaptagóes a criterio dos res
pectivos autores. Entende-se, pois, que dois ou tres Partidos
políticos constituam urna coalisáo ou urna Frente ünica, pondo
em relevo certas premissas comuns a todos e silenciando tópi
cos que os separem entre si; desejam assim ser mais fortes
para combater outro Partido político. O mesmo, porém, nao
se pode dar com as confissóes religiosas; somente quem nao
tem consciéncia do que sao os valores da fé, pode propor o
relativismo e o nivelamento das verdades religiosas.

As proposigóes da fé tém um cunho de Absoluto, que


deve ser afirmado sem timidez. Por isto a Igreja propugna

— 315 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

que as verdades do Credo sejam ensinadas todas e na íntegra,


sem deturpagáo. Por conseguinte, o ensino da Religiáo há de
ser confessional, e nao a-confessional, aínda que, por causa
disto, nao atenda a concepgóes meramente humanistas ou filo
sóficas. Para quem professe Credo diferente do católico, a
Igreja nao apregoa constrangimento nem violagáo da conscién-
cia, mas, sim, a possibilidade de Ihe ser ministrado o ensino
do respectivo Credo religioso ñas escolas públicas (quanto á
escola particular confessional, nao tem a obrigagáo de minis
trar ensino religoso que nao seja o de sua confissáo, pois o
aluno que nela se matricula deve saber que a orientagáo da
escola é tal). Donde se vé que a Igreja é favorável ao ensino
confessional (católico) e, se for o caso, pluriconfcssional (aten-
dendo a protestantes e judeus...), nunca, porém, a-confes-
sional.

2) O ensino de um sistema religioso comum a diversas


correntes religiosas redundaría no surto de mais urna reli
giáo. Seria pretensamente urna nova forma de Cristianismo,
forma diluida e depauperada, ou urna nova forma de religiáo
natural e filosófica; seria produto meramente humano, oriundo
da(s) mente(s) do(s) respectivo(s) autor(es). — Ora nao há
vantagem em criar novo tipo de crenga religiosa, apto a sus
citar confusáo e divisóes no povo de Deus.

Para o fiel católico, Deus pode ser conhecido pela razáo


natural ou pela filosofía, mas os conceitos filosóficos sao neces-
sariamente completados pela Revelagáo que Deus fez de si aos
homens; tal Revelagáo se encontra ñas Escrituras Sagradas e
na Igreja que Jesús Cristo houve por bem fundar como Máe
e Mestra ou como depositaría e transmissora fiel do depósito
revelado. Por conseguinte, a Religiáo natural, embora conte-
nha proposigóes verdadeiras, é insuficiente ao fiel católico.

3) Ecumenismo é palavra, por vezes, mal entendida.


Significa propriamente o movimento que tende a re-unir os
cristáos separados entre si, fazendo de católicos, protestantes,
ortodoxos, monofisitas e nestorianos um só rebanho sob um
só Pastor, ou sob o cajado de Pedro (a quem Jesús confiou o
pastoreio das suas ovelhas; cf. Jo 21,15-18). Por conseguinte,
o ecumenismo tem por ámbito de agáo o Cristianismo táo
somente, provocando conversagóes entre os diversos discípulos
de Cristo. Com os nao cristáos a Igreja Católica também pro
cura aproximagáo; esta, porém, nao se chama «movimento

— 316 —
ENSINO RELIGIOSO ACONFESSIONAL? 29

ecuménico», mas «diálogo religioso»; é o que ocorre entre cató


licos e judeus, entre católicos e mugulmanos, budistas, etc.

Em qualquer hipótese, os contatos da Igreja Católica com


outras confissóes religiosas jamáis deveráo implicar diluigáo
ou atenuagáo das verdades reveladas. Ñas conversagSes e no
diálogo religioso será apresentado o Credo católico em sua
integridade — o que nao quer dizer: ... de maneira polémica
ou agressiva, mas, sim, de acordó com as oportunidades que
a franqueza e a lealdade sugiram. Por isto nao se entende do
ponto de vista católico que, a título de nao separar..., se
encubram ou camuflem verdades reveladas por Cristo e pro-
fessadas pela Igreja Católica. Estas seráo sempre explanadas
e transmitidas ao público por um dever de consciéncia con
fiado por Cristo á sua Igreja.

Tais ponderagóes podem ser completadas pela palavra do


S. Padre Joáo Paulo n.

2. A palavra do Papa

Aos 16 de outubro de 1979, o S. Padre Joáo Paulo II


assinou a Exortacáo Apostólica «Catechesi Tradendae» (Ca-
tequese hoje), em que aborda os principáis problemas da cate-
quese em nossos dias.
1) Insiste na necessidade de se transmitir na íntegra o
depósito da fé, como se depreende, entre outros, do tópico
abaixo transcrito:
"Para ser perfeita a oblacáo da sua fé, aqueles que se tornam dls-
cfpulos de Cristo tém o direito de receber a palavra da fé nao mutilada
falsificada ou diminuida, mas sim plena e Integral, com todo o seu rigor
e com todo o seu vigor. Atraicoar em qualquer ponto a integridade da
mensagem é esvaziar perigosamente a própria catequese e comprometer
os frutos que Cristo e a comunldade eclesial tém o direito de esperar
déla. Nao é cortamente por acaso que o mandato final de Jesús no
Evangelho de Sao Mateus tem a marca de urna certa totalldade: 'Todo
poder me foi dado... Ensinai todas as gentes... ensinando-as a observar
tudo o que vos mandel... Eu estou convosco todos os días até o flm
do mundo'. ... Que seria de urna catequese que nao desse todo o seu
devido lugar á criacáo do homem e ao pecado deste, ao designio de
redencfio do nosso Deus e á longa e amorosa preparacño e realizacSo do
mesmo designio, á Encarnacfio do Filho de Deus, a María — a Imaculada,
a MSe de Deus, sempre Vlrgem, elevada ao céu em corpo e alma •— e
ao seu papel no misterio da ralvacio, ao misterio da iniqüidade, que
continua a operar em nossas vidas, e á potencia de Deus que nos liberta
dele, a necessidade da penitencia e da ascese, aos gestos sacramentáis
e litúrgicos, á realldade da presenca eucaristlca de Cristo, á participacSo
na vida divina já aqui sobre a térra e para além da morte, etc.? Asslm

— 317 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Jienhum verdadeiro catequista poderla legítimamente fazer, por seu próprio


arbitrio, urna selecáo no depósito da fé, entre aquito que ele conslderasse
importante e aquilo que julgasse sem importancia, para ensinar o 'Impor
tante' e rejeltar o restante" (n? 30).

2) Em particular, no tocante ao ecumenismo, ou me-


lhor, com respeito á colaboracüo entre católicos e nao cató
licos no setor da catequese, diz o S. Padre:

"Ñas situacSes de pluralidade religiosa, os Bispos poderSo julgar


oportunas ou mesmo necessárias certas experiencias de colaboracáo no
dominio da catequese entre católicos e outros crlstáos, como complemento
de catequese normal, que de toda maneira os católicos devem receber.
Tais experiencias encontram o seu fundamento nos elementos que sao
comuns a todos os crlstaos. A comunháo de fé entre os católicos e os
outros cristaos, no entanto, nao é completa e perfeita; existem mesmo,
nalguns casos, profundas divergencias. Por conseqüéncia, esta colabora-
cao ecuménica é por sua própria natureza limitada; ela nao poderá jamáis
significar reducio a um mínimo comum. Ademáis a catequese nao con
siste somente em ensinar a doutrina, mas também em iniciar a toda a
vida crista, levando para tanto a participar plenamente nos Sacramentos
da Igreja. Daqui a necessldade, naquelas partes onde exista urna expe
riencia de colaboragáo ecuménica no dominio da catequese, de vigiar
para que a formacao dos católicos fique bem assegurada na Igreja Cató
lica em materia de doutrina e de vida crista.

Houve cedo número de Bispos que fizeram notar, no decorrer do


Sínodo, o caso — cada vez mais freqüente, diziam eles — em que as
autoridades civis ou outras circunstancias impóem ñas escolas de alguns
países um ensino aa reilgiao crista (com manuais próprios, horas de
aula, etc.) comum a católicos e a nao católicos. Nao será muito neces-
sário, mas é bom que se diga: em tais casos nao se trata de verdadeira
catequese. Contudo tal ensino tem também importancia ecuménica quando
aprésenla com lealdade a doutrina crista. No caso de as circunstancias
imporem esse ensino, importa que seja assegurada além dele, e aínda
cdm malor cuidado, urna catequese específicamente católica" (n? 33).

Como se v§, o S. Padre recomenda que

— os católicos recebam a catequese normal e íntegra a


que tém direito. O que se lhes disser sobre as confissóes pro
testantes, seja dito sem detrimento deste ensino total e fiel á
mensagem da Igreja Católica;

— a catequese leve á participacáo dos sacramentos (Ba-


tismo, Crisma, Reconciliagáo, Eucaristía...);

—- em vez de reduzir a mensagem a verdades comuns, os


catequistas háo de procurar transmitir aos fiéis católicos a
mensagem específicamente católica naquelas regióes mesmas
onde só se ensinam verdades comuns.

3) No tocante ao ensino da historia das Religióes, diz o


S. Padre:
— 318 —
ENSINO RELIGIOSO ACONFESSIONAL? 31

"Torna-se necessário acrescentar aquí outra observagao, que se


sitúa nesta mesma linha, embora com perspectiva diferente. Sucede que
escolas do Estado póem á disposicáo dos alunos livros em que sao apre-
sentadas, por motivacoes culturáis — históricas, moráis ou literarias ,
as diversas religides, incluindo a religiSo católica. Urna apresentacSo obje
tiva dos fatos históricos, das varias religides, Incluindo a religiao católica.
Urna apresentacáo objetiva das diversas confissóes cristas poderá contri
buir mesmo para urna melhor compreensáo reciproca. Estarao os mestres
atentos a fazer todo o possivel a fim de que a apresentagáo seja verda-
deiramente objetiva, em relacáo a sistemas ideológicos ou políticos, bem
como a preconceitos pretensamente científicos, que Ihe deformass'em o
verdadeiro sentido. Em qualquer hlpótese, esses manuals nao poderiam
evidentemente ser considerados como obras catequéticas; para isto fal-
ta-lhes o testemunho daqueles que créem no expor a fé a outros que
créem, e urna compreensao dos misterios cristáos e da especificidade
católica colhidas do Interior da fé" (n? 34).

Pelas palavras de S. Santidade percebe-se que a S. Igreja,


em plena época de ecumenismo, está longe de ceder ao relati
vismo. Por isto mais urna vez se depreende que, do ponto de
vista católico, a catequese há de ser sempre explícitamente
confessional. É de crer que protestantes e judeus, por sua
vez, desejem poder transmitir na íntegra os artigos da fé que
professam. Somente quem é vacilante ou inseguro em sua fé,
estará disposto a aceitar ou propugnar urna catequese neutra
ou genérica, que vem a ser traicáo a auténtica consciéncia
religiosa de qualquer fiel.

(Continuado da pág. 352)

quem procure orientacio sobre o assunto nos diversos pontos do país.


— Parabéns á autora, a quem exprimimos os votos de que a sua obra
encontré a devida repercussao em nossas familias.

As marcas da Ressurreicáo, por J. U. Carreño Etxeandia, S. D. B


— Ed. Loyola, Sao Paulo 1981, 148 x 218 mm, 198 pp.

O autor apresenta um estudo atualizado do santo sudario de Turim.


Descreve esta peca e os estudos que médicos, fotógrafos, pintores, quí
micos, botánicos, historiadores e outros dentistas tém realizado sobre o
mesmo. O Pe. Etxeandia está convicto da autenticidade do sudario, que ele
vé comprovada pelos exames científicos. Verdade é que a historia da santa
mortalha se apresenta lacunosa, pois houve épocas da historia em que
se ignorou o paradeiro de tal reliquia; quando reaparecía, podia-se dizer
que era realmente a mesma que havia desaparecido? — Todavía estas
lacunas históricas nSo sfio decisivas, ou seja, nao prevalecem sobre a
evidencia que os exames científicos produzem em favor da genuinldade
da santa mortalha. — O llvro ó de grande interesse, visto que a Imprensa
de vez em quando aborda o assunto, deixando nio raro o leitor perplexo
a respeito do problema (nem sempre claramente transmitido).

B. B.

— 319 —
Perante a Igreja

qual o sentido do casamento civil ?

Em símese: A instituicao do casamento civil tem suas raizes no


séc. XVI, quando os reformadores protestantes negaram a Índole sacra
mental do contrato matrimonial. Lutero julgava que o casamento é urna
necessidade física imposta aos homens pela natureza, mas portadora de
pecado porque estimulado pela concupiscencia ou o desejo sexual (que
Lutero Identificava com o pecado); a misericordia de Deus perdoaria a
pecaminosidade do ato conjugal.

A poslcáo de Lutero deu inicio á "secularizacao do casamento". Os


autores posteriores (regalistas, juristas e filósofos) acentuaram a tese
dis inguindo entre o contrato natural do matrimonio e o sacramento do
matrimonio: aquele poderia ser considerado independentemente deste;
teria sua justificativa própria; o sacramento seria apenas urna béncáo dada
a um contrato natural válido por si mesmo. "enSao oaoa

A secularizacao se tornou fato reconhecido pelo Direito Civil a partir


da Revolugao Francesa de 1789. O Código de Direito de NapoleSo Bona-
parte (1799-1814) promulgou a existencia do casamento meramente civil,
Independente do matrimonio religioso; tal código tornou-se modelo para
a constituicao civil de numerosos povos europeus e nao-europeus.

A Igreja reconhece a legitimidade do casamento civil na medida em


que 1) estipula os efeitos civis do contrato nupcial, 2) atende aos ci-
dad§os nao católicos; para os fiéis católicos, porém, a Igreja afirma nao
haver outra possibilidade de legitima uniSo conjugal a nao ser a sacra
mental. O fiel católico que viva marltalmente unido a pessoa de outro
sexo sem o sacramento do matrimonio, acha-se em concubinato, aínda
que esteja casado no foro civil.

O contrato matrimonial nao pode ser equiparado aos contratos natu-


rais de compra, venda ou aluguel, pois instaura urna modafidade própria
de vida crista ou a via pela qual dois cristSos caminham juntos para Deus
e se santificam mutuamente. Se toda a vida do cristao é o desabrochar
do maCr m6 7° d° batismo' a vida caniu9al é a vivencia do sacramento

Comentario: Em nossos dias o casamento meramente


civil vai-se tornando algo de táo natural aos olhos de fiéis
católicos que muitos se unem apenas no foro civil, e nao pro-
curam o sacramento do matrimonio como se este fosse apenas

— 320 —
SENTIDO DO CASAMENTO CIVIL 33

urna béngáo ou um complemento deixado a criterio de cada


par de nubentes. Desde que o contrato matrimonial esteja
legalizado e tenha seus efeitos perante as instancias governa-
mentais, muitos nubentes dáo-se por tranquilos. Assim o ma
trimonio vai perdendo sua índole religiosa sacramental e se
vai laicizando ou secularizando mais e mais.

piante deste fato, que nao se justifica aos olhos da cons-


ciéncia crista, exporemos alguns tragos da historia do casa
mento e a atual doutrina da Igreja.

1. Tragos efe historia

Proporemos tres etapas: 1) ... até o sáculo XVI; 2) Nos


sáculos XVI/XVni; 3) Desde o século XVIII aos nossos dias.

1.1. Até o século XVI

A tradigáo bíblica, desde as suas origens, apresenta o


casamento como instituicáo natural que o Senhor Deus con
firma e abengoa. Como Criador dos primeiros homens, Deus
é o autor da familia e, por conseguinte, do matrimonio, que
dá origem á familia; a tendencia natural á uniáo do homem e
da mulher é sancionada pela explícita palavra do Criador.
Cf. Gn l,27s; 2,18-24.

Herdeiro desta concepeáo, o povo de Israel atribuía ao


matrimonio valor sagrado, que o punha ácima de todos os
outros contratos existentes na sociedade. O matrimonio na
Biblia do A.T. é considerado como colaboragáo com o próprio
Deus na realizagáo de um plano salvífico. Tenha-se em vista
especialmente o livro de Tobías, que com énfase propóe o
casamento promovido e abengoado pelo Senhor Deus. No
Cántico dos Cánticos a uniáo de esposo e esposa é alegoría do
amor que Javé tem á filha de Sion ou ao povo eleito.

De resto, o casamento foi reconhecido como instituifiáo


sagrada também pelos povos civilizados fora de Israel. O ma
trimonio, relacionado diretamente com a transmissáo da vida,
nao podía estar isento de valor religioso, como nao o estavam
o nascimento e a morte (pelo fato mesmo de se relacionar
diretamente com a vida, da qual só Deus tem o dominio).

— 321 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Nos escritos do Novo Testamento, Jesús confirma a san-


tidade das nupcias. Insistiu sobre a unidade e a indissolubili-
dade do casamento; cf. Me 10,2-12. Além do que, elevou o
matrimonio, já instituido e abengoado pelo Criador, á digni-
dade de sacramento, como ensina Sao Paulo em Ef 5,22-32.

A índole sagrada do contrato matrimonial foi reconhecida


pelas subseqüentes geragóes de cristáos. Por isto a Igreja
passou a legislar a respeito dos impedimentos e de outros
aspectos do casamento. Verdade é que na Idade Media os
teólogos muito discutiram sobre tal ou tal ponto da teología
do matrimonio, mas nunca puseram em questáo o valor sacra
mental do contrato matrimonial.

No sáculo XV e ainda no sáculo XVI, a Igreja e o Estado


assim se comportavam diante do matrimonio.

A Igreja estipulava as condigóes do vínculo matrimonial.


Só a Ela competía legislar a respeito, declarar a validade ou
a nulidade de algum casamento, reconhecer ou nao o título
de esposo ou esposa, afirmar a qualidade de filho legítimo,
propiciar novo casamento desde que se comprovasse a nuli
dade do anterior... O Estado só tinha autoridade sobre os
efeitos, pecuniarios ou civis, decorrentes do casamento: cabia-
-lhe cuidar dos direitos dos país sobre os filhos; dirimir ques-
tóes de partilha de bens, heranga, parentesco civil, etc...
Eis, porém, que no sáculo XVI os reformadores protes
tantes, fazendo eco pleno a vozes ¡soladas no sáculo XV come-
garam a se opor á clássica visáo religiosa do matrimonio.

1.2. Nos séculos XVI/XVIH

Martinho Lutero (f 1546) em 1517 langou a sua primeira


interpelagáo contra a Igreja Católica. No tocante ao matri
monio, em 1519 ainda ensinava a tradicional doutrina no seu
«Sermáo sobre o estado conjugal». Todavía em 1520 no livro
«De Gaptivitate Babyloniae» passou a combaté-la frontalmente:
negou a índole sacramental do casamento, que ele passou a
considerar como negódo civil, ein weitlich Geschaft, ein weit
lich Ding; tais expressóes recorrem freqüentemente sob a pena
do Reformador. Implicam que a regulamentagáo e a jurisdi-
gáo em materia matrimonial tocam exclusivamente ao Estado
civil, nao á Igreja.

Mais explícitamente, tal é o pensamento de Lutero: o


casamento é necessidade imposta pela natureza, necessidade

— 322 —
SENTIDO DO CASAMENTO CIVIL 35

física (cf. A nobreza crista, 1520; Sermao sobre o casamento,


1522). Por conseguinte é preciso reconhecer, sem hesitacáo,
que o matrimonio é indispensável a todo ser humano e que
o voto de castidade é contrario á natureza. Acontece, porém,
que o estado conjugal, embora necessário e digno de honra,
leva ao pecado, pois o ato conjugal é da mesma índole que
o ato de fornicagáo, de tal modo que somente por misericordia
Deus o perdoa (cf. A respeto dos votos monásticos, 1521).
Esta doutrina de Lutero decorre de inexato conceito de con
cupiscencia: para o Reformador, a concupiscencia, isto é, o
desejo sexual (como tal) é pecado; ora é precisamente a con
cupiscencia que leva o individuo ao ato conjugal. Em sintese,
Lutero considera o estado conjugal com severidade tal que,
apesar dos elogios, o tem na conta de estado quase pecaminoso;
doutro lado, porém, o voto de continencia lhe parece um desa
fio á natureza — o que leva a sua doutrina a um impasse.
Ainda segundo Lutero: se o ato conjugal é urna necessi-
dade física, seria contrario á natureza afirmar a estabilidade
do vínculo conjugal entre esposos que nao podem satisfazer
mutuamente aos desejos carnais. Por conseguinte, o matrimo
nio há de ser rescindível em grande número de casos.
Quanto a monogamia, Lutero a solapou. Com efeito, o
langrave Filipe de Hesse, que muito favorecía Lutero em sua
obra revolucionaria, alegava ao Reformador que a sua esposa
legítima lhe inspirava repulsa e que o temperamento de Fi
lipe nao lhe permitía a abstinencia sexual: em conseqüéncia,
pedia ao ex-frade que lhe fosse permitido — a semelhanga de
Abraáo, Jaco, Davi e Salomáo — esposar outra mulher. A
solicitagáo deixou Lutero e seus teólogos embaragados; depois
de muito meditar sobre o doloroso caso, Lutero respondeu ao
príncipe o seguinte: a poligamia é heranoa do A.T., que o
N.T. condena; por conseguinte, o principio da poligamia deve
ser afastado; todavía Filipe era autorizado a esposar o objeto
de seus desejos, «para a salvagáo do seu corpo e da sua alma,
assim como para a gloria de Deus»! Observasse, porém, a
condigáo de «proceder secretamente»! O novo casamento, tam-
bém dito «matrimonio turco», foi celebrado pelo pregador pro
testante da corte de Kesse, mas o segredo nao foi observado!
Varios protestantes de vida reta mostraram-se indignados;
Joaquim de Brandenburgo e Joáo da Saxónia nao mais quise-
ram ver o bigamo Filipe. Desgastado entáo pelas críticas á
sua excessiva indulgencia, Lutero respondeu: «A mentira tor-
na-se verdade quando aplicada contra a furia do diabo, para
a vantagem do próximo».

— 323 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Joáo Calvino (f 1564) também recusou a índole sacra


mental do contrato conjugal, embora tenha estimado o matri
monio e combatido o celibato. Condenou a poligamia e expli-
cou o caso dos patriarcas como sendo urna concessáo do Se-
nhor Deus á avidez dos mesmos.
Entre os canonistas da Reforma protestante, distingue-se
Basilio Monner (t 1566), autor da obra De matrimonio (1561).
Para este autor, o matrimonio tem fungáo muito elevada, mas
nao é sacramento; nao confere a graga; é res plañe política,
coisa meramente civil; Deus o instituiu, como também insti-
tuiu as magistraturas. Disto se segué que as causas matrimo
niáis nao estáo sujeitas ao foro eclesiástico e que o Papa nao
tem o direito de regulamentar o casamento ou conceder dis
pensas matrimoniáis.
A posicáo dos Reformadores no século XVI deu mar-
gem a que se fosse formando na mente dos estudiosos o con-
ceito de matrimonio meramente civil. Este conceito haveria
de amadurecer entre os juristas chamados «regalistas» 1 e os
filósofos que antecederam a Revolugáo Francesa de 1789. To
dos estes pensadores partiram da tese de que o matrimonio é,
antes do mais (se nao exclusivamente), um contrato civil. Por
isto deve estar sujeito á regulamentagáo e á jurisdicáo do Es
tado. O Senhor Jesús, ao elevar o contrato civil á dignidade
de sacramento, nao alterou a natureza desse contrato civil,
mas acrescentou-lhe algo de acessório e secundario; o contrato
civil do matrimonio ficou tal como antes, sujeito, portante, as
leis civis. Os poderes atribuidos por Jesús Cristo á sua Igreja
seriam de ordem meramente espiritual; por conseguinte, nao
se estenderiam nem indiretamente as coisas temperáis, como
sao por exemplo os contratos.
Os regalistas, que propunham suas teses galicanas, faziam
profissáo de fé católica (á diferenca dos autores da Revolugáo
Francesa). Sustentavam suas posigóes, embora o Concilio de
Trento tivessse afirmado o direito, na Igreja Católica, de
legislar sobre o matrimonio. Alegavam, para tanto, que as
normas do Concilio de Trento nao tínham sido aplicadas pelos
reis da Franga ou faziam a exegese sutil das palavras «Igreja»,
«matrimonio».

1 Por "regalistas" se entendem os pensadores que favoreceram as


relvindlcac6es dos reis (da Franca, da Austria, da Cspanha, de Portugal...)
e do Duque da Toscana, que pretendiam inger¡r-se em assuntos de Direito
CanOnico, contrariando a autonomía e a missao do Papado Eram defen
sores de "Igrejas Nacionals", como seria a Igreja Galicana, dlretamente
subordinada ao reí.

— 324 —
SENTIDO DO CASAMENTO CIVIL 37

Os filósofos racionalistas (Montaigne, Diderot, Montes-


quieu, Pufendorf...) foram menos cautelosos do que os juris
tas ao atacarem a clássica doutrina matrimonial da Igreja;
recorreram mesmo á sátira.

Todavía a clássica praxe ou a ordem de coisas vigente


nao foi oficialmente alterada até o fim do sáculo XVIII, em-
bora o poder civil, sob pretexto de interpretar os cánones da
Igreja ou favorecer o interesse dos fiéis, se fosse mais e mais
ingerindo na praxe matrimonial. Essa ingerencia do Estado
era justificada perante a Igreja como se fosse destinada ape
nas a regrar os efeitos civis do casamento; o poder secular
professava teóricamente o respeito ao sacramento do matri
monio e aos direitos da Igreja nesse particular.

1.3. Do fim do sáculo XVIII aos nossos días

A secularizacáo explícita do casamento foi-se tornando


fato concreto a partir do último quarto do século XVIII,
entrando em países tradicionalmente católicos. Para tanto,
alegavam os pensadores que a única instancia competente em
materia de contratos é o poder secular.

Na Franga, foi decisiva a Revolucáo Francesa de 1789,


com os acontecimentos que a cercaram. A nova Constituigáo
de 1791 rezava em seu título II, art. 7: «A lei só considera o
casamento como contrato civil». O principio da secularizacáo
estava estabelecido; as legislagóes sucessivas o aplicariam ñas
minucias da realidade. Napoleáo Bonaparte (1799-1814) intro-
duziu a nocáo de matrimonio meramente civil em seu famoso
Código de Napoleáo (título V), que serviu de modelo á Cons-
tituigáo de numerosos países europeus e nao europeus. Na
Franga a lei chegou a proibir aos sacerdotes abencoar no foro
religioso os cónjuges que nao se tivessem casado previamente
em instancia civil (Código Penal, artigos 199 e 200). É de
notar, porém, que, mesmo após a secularizacáo do matrimo
nio, o Goyerno Revolucionario francés instituiu um ritual de
matrimonio que pretendía fazer as vezes de Liturgia Cató
lica. Com efeito; movida por Robespierre, a Convencáo votou
um decreto cujo artigo 7» previa a Festa do Amor conjugal.
Um decreto do 3' Brumário do ano IV instaurou a festa nacio
nal dos Esposos, e a lei do 13» Fructidor do ano VI, que orga-
nizava as festas decadarias, tornou obrigatória a celebracáo
do casamento em decadi.

— 325 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

No Imperio Austríaco o monarca D. José II (1780-1790)


tornou-se o porta-voz e executor das idéias regalistas, tam-
bém ditas «febronianas» (pois tiveram em Justino Febrónio,
t 1790, um de seus mais ardentes mentores em territorio ale-
máo). O monarca concebeu, entre outras coisas, o programa
de fazer do matrimonio «urna realidade principalmente civil e
acessoriamente religiosa», como escreveu o Vice-Chanceler
Cobenzl. Conseqüentemente, em 1781 promulgou um edito que
conferia aos bispos o direito de conceder dispensas de impe
dimentos matrimoniáis por autoridade própria; por decretos
de 1783 e 1784 foram reservadas ao Estado todas as questóes
concernentes ao matrimonio; o sacerdote, ao abencoar o casa
mento, estaría exercendo urna fungáo estatal.

Na Toscana, semelhante reforma foi empreendida pelo


Grao-Duque Leopoldo II em 1786. O Bispo de Pistoia, Cipiáo
de Ricci, professava idéias regalistas; por isto, o Sínodo de
Pistoia em 1786 pediu ao Grao-Duque que decidisse autorita
riamente sobre todos os assuntos relativos ao matrimonio.

Urna das expressóes mais típicas do novo cpnceito de


matrimonio «contrato secular» é a definicáo devida ao filó
sofo Immanuel Kant em 1797: «O matrimonio é a uniáo de
duas pessoas de sexo diferente que entre si outorgam direito
recíproco sobre o seu corpo para o resto da vida» (Metafísica
dos costumes, § 24).

Neste texto, Kant ainda conserva a cláusula «para o resto


da vida». Todavía a nocáo de contrato acarretaria natural
mente a de rescindibüidade ou dissolubilidade do matrimonio.
Em suma, a tendencia secularizante foi-se difundindo cada
vez mais, encontrando eco ñas Constituicóes de varios povos.
Nos países em que, no século XIX, foi declarada a sepa-
ragáo da Igreja e do Estado (como no Brasil, por exemplo),
a situacáo constrangedora tornou-se menos penosa para a
Igreja. Com efeito, o Governo, estabelecendo o matrimonio
civil e suas modalidades, passou a ignorar o matrimonio sacra
mental, em vez de pretender subordinar os bispos e as cele-
bracóes da Igreja á legislacáo do Estado. Em tais países,
desde que ai reine a liberdade religiosa, a Igreja propóe aos
fiéis a sua doutrina e a sua legislacáo sobre o matrimonio e
atende aos fiéis que a procuram, sem sofrer entraves por parte
do Governo.

Importa agora considerar

— 326 —
. SENTIDO DO CASAMENTO CIVIL 39

2. A otitude da Igreja diante do matrimonio civil

1. A Igreja Católica nao se opóe ao matrimonio civil,


pois que

— dá fundamento aos efeitos civis do matrimonio sacra


mental;

— atende a situacáo das pessoas que, nao sendo balizadas


na Igreja Católica, nao podem pedir o sacramento do matri
monio. Em tais casos, o matrimonio civil legítimamente con
traído estabelece entre os consortes o vínculo natural do casa
mento, que é por si indissolúvel e merece pleno respeito.
Sao palavras do Papa Leáo XIII:
"Ninguém contesta ao Estado a funcáo que Ihe pode competir, de
adaptar o matrimonio ao bom comum no plano temporal e de estipular os
efeitos civis do casamento segundo a justica" (Carta Cl slamo, Acta, t I.
p. 239).

Na encíclica Aroanum diz o mesmo Pontífice:


"Nunca a Igreja legislou a respeito do casamento para levar em
conta as condicSes da sociedade e dos povos; mais de urna vez ela
suavizou suas leis na medida do possível, quando havia motivos justos e
importantes para isso. Ela também n§o Ignora nem contesta que o sacra
mento do matrimonio está voltado para a conservac§o e a propagac&o da
sociedade humana e, por isto, tem relaciomamento ora mais, ora menos
estnto com os interesses humanos... nc foro civil; é sobre esses Inte-
resses do foro civil que os chefes de Estado promulgam suas leis"
(Acta t. II, p. 34).

Segundo estas palavra, é inegável a competencia do Es


tado no tocante aos efeitos civis do matrimonio. Mas o casa
mento mesmo dos fiéis católicos deve ficar sujeito únicamente
á legislagáo da Igreja: «O casamento sendo por si mesmo
algo de sagrado, torna-se lógico que seja regrado e organi
zado nao pelo poder do Estado, mas pela divina autoridade da
Igreja, única instancia competente em se tratando de coisas
sagradas» (ene. Arcanum, t. n, p. 23).

2. A Igreja Católica pede mesmo aos fiéis católicos que,


antes de contrair o enlace religioso, se casem civilmente a fim
de que o seu casamento sacramental tenha o apoio das leis
civis. Via de regra (admitem-se excecóes), na atual ordem de
coisas a Igreja nao permite o casamento religioso sem o devido
acompanhamento do enlace civil.

3. Todavía importa dizer: para um católico batizado na


Igreja Católica nao há outra forma legítima de contrair ma-

— 327 —
Í2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2S8/1981
trimónio senáo a sacramental. O casamento civil nao supre
em absoluto, o sacramento do matrimonio; pode, sim ante-
ceder-se ou seguir-se a este, nunca, porém, o substituir O
matrimonio civil é instituicáo relativamente recente (data de
fins do sáculo XVHI), e se baseia na distingáo — que na prá-
üca é inexistente para os católicos — entre contrato e sacra
mento. Para a Igreja, o contrato matrimonial nao pode ser
equiparado a um contrato de compra, venda ou aluguel, pois
ele instaura a maneira como dois cristáos háo de caminhar
para Deus e santificar-se mutuamente num intercambio íntimo
de valores e aspiracoes. A vida conjugal vem a ser urna mo-
dalidade da vida crista, que nao é senáo a vivencia do sacra
mento do batismo; por isto ela é marcada por um sacramento
próprio (matrimonio) — sacramento que, como dizem os teó
logos, é permanente, pois dura por quanto tempo dura a ma
teria do sacramento, ou seja, a realidade corporal dos dois
cónjuges.

A consciéncia destas verdades levou o magisterio da I«reja


a reiterar sua doutrina diante do processo de secularizagáo do
matrimonio na Idade Moderna. Seguem-se palavras do Papa
Pío IX cujo teor é assaz forte, mas estritamente verídico:
"É dogma de fé que o casamento fol elevado por Nosso Senhor
Jesús Cristo á dignidade de sacramento. A doutrina da Igreja ensina que
o sacramento nao consiste em qualidade acidental acrescentada ao con
trato, mas pertence á própria esséncla do matrimonio, de tal sorte que a
unifio conjugal entre cristáos so é legitima no sacramento, tora do qual
há apenas concubinato". H

Na alocucáo Acerbissimum vobiscum de 27/09/1852


Pió XI se referiu de novo ao assunto:
"Entre fiéis nao pode haver casamento que nao seja, ao mesmo
tempo, sacramento; conseqüentemente, entre crlstSos qualquer outra uniSo
«rrtnrt tim f .da.mulhe.r f°ra da uni§o sacramental, mesmo contraída em
vlrtude da leí civil, nao é outra coisa senSo vergonhbso e pernicioso
concubinato, perentoriamente condenado pela Igreja. Por consiguióte, o
sacramento Jamáis pode ser separado do contrato matrimonial; toca tio
sornente á Igreja o poder de régrar tudo que, de urna maneira ou de
outra, pode refenr-se ao casamento."

Destas palavras de Pío IX depreende-se que:


^ontt5 ?fra,°ucatólico' nSo existe matrimonio no plano mera
mente natural humano ou civil, ao qual o sacramento sobre-
venna como complemento. Mas existe táo somente o matri
monio sacramental, que eleva o contrato natural entre os
cónjuges a nova dignidade;

— 328 —
SENTIDO DQ CASAMENTO CIVIL 41

b) na clássica linguagem da Igreja, deve-se dizer que


vive em concubinato o católico que esteja unido a pessoa de
outro sexo sem o sacramento do matrimonio. O enlace mera-
mente civil nao atenúa esta realidade; apenas serve para dar-
-lhe efeitos civis.

Leáo Xin ainda escreveu aos bispos das provincias ecle


siásticas de Turim, Verceil e Genova, em 1V06/1879:

"Desconhece os principios fundamentáis do Cristianismo e, acres-


centamos, as noyóes elementares do direito natural quem afirma que o
casamento é urna criacáo do Estado e nada mais do que um contrato
comum ou urna associacáo de mero interesse civil."

Tais dizeres expóem com suficiente clareza o pensamento


da Igreja a respeito do matrimonio civil: seja valorizado na
medida em que atenda aos interesses civis de urna sociedade
honestamente organizada; nunca, porém, tomará o lugar do
sacramento do matrimonio para os fiéis católicos.

A título de complemento, pode-se ainda notar:

O canon 1098, art. 1* estipula o seguinte: nos casos em


que duas pessoas católicas devidamente habilitadas nao tenham
sacerdote que lhes possa abengoar o casamento segundo a
forma canónica, podem contrair matrimonio entre si perante
testemunhas, desde que se preveja prudentemente que tais
condigóes háo de perdurar por trinta dias.

Tal caso ocorre por vezes em territorios de missáo ou no


interior do Brasil. O próprio Direito Canónico permite entáo
o casamento sem a presenca de sacerdote delegado, mas mesmo
assim estabelece as condigóes para que o casamento assim cele
brado seja válido como sacramento; requerem-se: 1) ausencia,
por trinta dias, de sacerdote delegado; 2) presenga de ao
menos duas testemunhas; 3) habilitagáo canónica dos dois
nubentes.

Tal tipo de casamento nao pode ser identificado com um


contrato meramente civil.

Para ulteriores estudos:

París "?¿R^5lsO'12!5Si7 em: °icUonnaire de irh6ol°S^ Calholique IX/2,

329 —
De novo em relevo

o segredo de fátima

Em slnlese: As aparicñes de Nossa Senhora em Fátima a Lucía (aínda


viva como Religiosa carmelita), Jacinta e Francisco (ja falecidos) ocorre-
ram de maio a outubro de 1917. Todavía os escritos de Lucia que com a
devída autorizado do céu, transmiten! as revelagoes da Virgem SS datam
dos anos de 1936 a 1941. Ora julga-se que a santa Religiosa, ao escrever
a mensagem deFátima, tenha sido influenciada por aconteclmentos de sua
época de adulta (Lucia escreveu em parte durante a segunda guerra
mundial, que comecou em 1939). Esta observacáo, que se baseia no
exame objetivo dos escritos de Lucia, leva bons autores a nSo dar énfase
as predic5es de paz, guerra, conversáo da Rússia, que sao objeto do
segredo de Fátima. Alias, a terceira parte deste segredo que devia fícar
oculta ató 1960, nunca foi revelada pelos Papas JoSo XXIII, Paulo VI e
sucessores. Em 1967, o Cardeal Ottaviani, por ocasiao do cinqüentenário
das aparlc6es de Fátima, atudlu ao segredo, insinuando que nada tinha
de sinlstro, mas, ao contrario, era de caráter otimista (julga-se que estaría
nSSimo '"s'nuado ° declínio do ateísmo, que se verifica atualmente na
U.R.S.S.). Donde se vé que s§o totalmente Infundadas as InterpretacSes
assustadoras que nSo poucos cronistas de nossos dias atrlbuem ao se
gredo de Fátima. Nenhum jornallsta tem o necessárlo conheclmento do
assunto para poder explaná-lo.

* * *

Comentario: O atentado contra o S. Padre Joáo Paulo H


suscitou imediatamente a recordagáo do famoso «segredo de
Fatma»; certos órgáos da imprensa julgaram estar-se cum-
prindo entao terríveis predigóes contidas em tal segredo comu
nicado por Nossa Senhora á vidente Lucia. Em conseqüéncia
a populacao brasileira tem-se mostrado interessada em saber
afínal de contas, qual seria precisamente o conteúdo de tai
revelagáo guardada em segredo.

Na verdade, há muitos rumores sobre o teor do segredo


Mas poucas pessoas conhecem exatamente os acontecimentos
de Fátima eoseu significado. Eis por que abaixo nos volta-
remos para tal temática.

1. As aporisSes em Fátima
De mato a outubro de 1917 a Virgem María apareceu seis
vezes a tres pastorezinhos, chamados respectivamente Lucia,
Jacinta e Francisco.

— 330 —
O SEGREDO DE FÁTIMA 43

Luda era a filha mais jovem de um casal de cinco her-


deiros. Nasceu aos 22/03/1907 em Aljustrel (Fátima). Fez
a primeira Comunháo com seis anos e meio. Tornou-se pas
tora aos nove anos, aínda analfabeta. Só freqüentou a escola
depois das aparigóes. Aos 19/06/1921 foi para o educandá-
rio das Irmas Dorotéias em Vilar (Porto). Tornou-se Reli
giosa, professando como Irma conversa aos 13/11/1938. Aos
13/05/1948 entrou no Carmelo de Coimbra, onde tomou o
nome de Irma María Lucia do Coracáo Imaculado e onde
ainda vive. Consta que Lucia foi agraciada com novas apa
rigóes de Maria SS. aos vinte e trinta anos de idade.
Jacinta nasceu aos 10/03/1910 em Aljustrel. Ela e Fran
cisco erám primos de Lucia. Fez a primeira Comunháo após
as aparigóes em maio de 1918. Morreu aos 20/02/1920 com
dez anos de idade, vitima da gripe espanhola. Lucia, em seus
cadernos, atribui-lhe os dons da profecía, da ciencia infusa e
diversas visitas de Nossa Senhora durante a sua última enfer-
midade.

Francisco nasceu aos 11/06/1908. Nunca freqüentou a


escola. Nao foi admitido a primeira Comunháo com sua irmá
em maio de 1918. Só comungou das máos de um sacerdote
sog forma de Viático. Faleceu também de gripe espanhola
aos 4/04/1919.

Os despojos de Francisco e Jacinta repousam na basílica


da Cova da íria (local das aparigóes). Em dezembro de 1950
foi aberto o processo canónico para a sua beatificagáo. O que
diz respeito a vida íntima e penitente das duas criangas, nos
é manifestado quase exclusivamente pelos cadernos de Lucia.
A historia das aparigóes comega em 1915, quando Lucia
(com oito anos de idade) e tres outras meninas, na encosta
do Cabego, avistaram urna figura branca que identificaran!
com um anjo.

Em 1916 Lucia, Jacinta e Francisco viram por vezes um


anjo que se identificou como «o Anjo da Paz» e «o Anjo de
Portugal». Tinha a aparéncia Se um jovem que exortou as
enancas a rezar pelos pecadores; por ocasiáo da terceira visita,
trazia na máo um cálice, dentro do qual caiam gotas de san-
gue provenientes de urna hostia. Terá convidado os pastore-
zinhos a repetir a oragáo seguinte:

"Santísslma Trlndade, Pal, Fllho e Espirito Santo, eu vos adoro pro


fundamente e vos ofereco os multo preciosos Corpo, Sangue, Alma e Dl-

— 331 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

vindade de Nosso Senhor Jesús Cristo, presente em todos os taberná


culos do mundo, em reparagáo dos ultrajes pelos quais o mesmo Jesús
é ofendido .

A seguir, o Anjo terá convidado Lucia, Jacinta e Fran


cisco a comungarem, embora os dois últimos ainda nao tives-
sem feito a primeira Comunháo.

Aos 13 de maio de 1917, na Cova da íria, a dois quilóme


tros de distancia de Aljustrel e ao meio-dia, os tres pastorezi-
nhos üveram a primeira aparigáo de Nossa Senhora, que lhes
pedm voltassem aos treze dias de cada um dos meses subse-
quentes. Estes encontros ocorreram como programados, exceto
em agosto, quando as tres criancas estavam presas no día pre
visto, o que deslocou a aparigáo para 19/08 em Valinhos.

Por ocasiáo da terceira aparigáo, em julho, Lucia rece-


beu a comunicagáo de um grande segredo composto de tres
partes. Como se compreende, tal segredo nao foi revelado
senao mais tarde «por pura obediencia e com permissáo do
ceu» (como disse Lucia).

A última aparigáo, aos 13/10/1917, foi acompanhada do


«milagre do sol»: cerca de 70.000 pessoas disseram ter visto
o sol girar sobre si mesmo, projetando em todas as direcóes
faxes de luz cujas cores variavam; a seguir, o disco solar
precipitou-se aparentemente em direcáo da multidáo, irra
diando calor cada vez mais intenso; por fim, voltou a sua
posicao normal. O fenómeno terá durado cerca de dez minutos.
Examinemos agora

2. A atirude da Igreja

Diante dos acontecimentos da Cova da Íria, as autorida


des eclesiásticas foram, a principio, muito cautelosas. A ál
cese de Leiria, a qual pertence a Cova da íria, estava sem
Bispo em 1917. O novo tiular da sede, D. José da Silva, tomou
hS** sobre
mquerito 5Kde agCSt° de 1920; ° prelado
os acontecimentos em 1922,mandot« abrircinco
ou seja, um
anos depois das ocorrencias; urna comissáo de sete peritos
dedjcou-se a examinar os fatos e, finalmente, aos 14/04/1929
apresentou seu relatório ao Bispo diocesano; este, tendo levado
ao
ao Jr^pa
pa a
a noticia
noticia das
das co
conclusóes obtidas, declarou aos 13 de

— 332 —
O SEGREDO DE FÁTIMA

outubro de 1930, perante cem mil fiéis, que eram dignas de


crédito as aparicóes da Cova da Iria.

Aproximando-se o vigésimo quinto aniversario das apa-


ricoes, o Sr. Bispo de Leiria deu ordem á vidente para que
pusesse por escrito tudo quanto ela pudesse revelar. Lucia
entáo, «tendo obtido licenga do céu e agindo por pura obe
diencia», redigiu quatro relatos de Memorias (datados de 1936
1937, agosto e dezembri de 1941), com letra clara e fluente,
demonstrando estar alheia a qualquer pretensáo literaria.
É no terceiro Memorial, datado de 30 de agosto de 1941
que a Religiosa se refere ao segredo, dedicando-lhe cerca dé
qiunze páginas, ñas quais diz brevemente o seguinte:

A mensagem consta de tres partes, duas das quais seriam


inmediatamente reveladas, devendo ficar a terceira ainda oculta
Com efeito, o Cardeal Ildefonso Schuster, arcebispo de Miláo
em sua Carta Pastoral da Quaresma de 1942, deu publiddade as
duas pnmeiras secgóes. A terceira ficou em envelope lacrado,
sobre o qual se lia: «Nao abrir antes de 1960»; interrogada
sobre o motivo desta restricáo, Lucia respondía invariavel-
mente: «A SS. Virgem o quer assim».

A primeira parte compreendia urna visáo do inferno- Lu


cia, Francisco e Jacinta perceberam como que um grande mar
de fogo e nele mergulhados os demonios e as almas Estas
assemelhavam-se a brasas transparentes e negras ou bron-
zeadas com forma humana, as quais eram arremessadas para
todos os lados como fagulhas num enorme incendio Os demo
nios distinguiam-se por ter a forma asquerosa de animáis
espantosos e desconhecidos, assemelhados a oarvóes em brasa.
-— Está claro que nao se deve dar valor estrito a estas expres-
sóes: o demonio nao tem a forma de animal espantoso, pois
nao possui corpo, nem as almas dos reprobos se apresentam,
com forma humana. Trata-se de meras imagens literarias,
único artificio apto para incutir as criangas urna nocáo apro
ximada dos horrores espirituais ou da dilaceragáo interior que
é o inferno.

Na segunda parte do segredo, Nossa Senhora se referia á


Russia:

"A guerra (de 1914-1918) vai acabar; mas, se nío deixarem de


ofender a Oeus, no reinado de Pió XI comecará outra pior.
Quando virdes uma noite iluminada por urna luz desconhecida sabe)
que é o grande sinal que Deus vos dá, de que vaí a punir o mundo de

— 333 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

seus crimes por meio da guerra, de fome e de persegulcóes á Igreia e


so Santo Padre.

Para impedir, vireí a pedir a consagracáo da Rússia a meu Imaculado


Coracao e a Comunhao reparadora dos primeiros sábados.
Se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e teráo paz-
se «fio, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e per-
seguicoes á Igreja. Os bons seráo martirizados; o Santo Padre terá muito
que sofrer; varias nacoes seráo aniquiladas...

Por fim, o meu Imaculado Coracáo triunfará I"

Nesta mensagem chama-nos a atengáo, entre outras coi


sas, a predicáo de nova guerra mundial (1939-1945), predicáo
feita sob o governo do Papa Bento XV (1914-1922), a qual se
refere ao pontificado de Pió XI (1922-1939), e nao de Pió XII
■— Quanto ao grande sinal previo á nova conflagracáo, Lucia
julga ter sido a extraordinaria aurora boreal que iluminou o
céu na noite de 25 para 26 de Janeiro de 1938 (das 20h 45 min
á lh 15 min, com ligeiras intermitencias). Ao verificar o fenó
meno, a vidente recordou-se da terrível predigáo da Virgem.

Ao revelar duas partes do segredo recebido, Lucia tratou


de dar resposta a questáo cruciante: por que esperara vinte e
quatro anos para tornar públicas predicóes de tanta imnor-
táncia? *

estas
estas 'Sí,
coisas m'S?
há rna.s 1tempo,
a'9Uémporque
ParS5aa seu
qUe parecer
eu deviateriam,
ter manifestado
há alguns todas
anos
dobrado valor. Assim seria, se Deus tivesse querido apresentawrie ao
mundo como profeta; mas crelo que tal nao fol o intento de Deus Se
T ^°rnS0 ?"* ,quando em 1917 Se (Deus) me mandou calar
"""3'3 P°f meÍ° d°S q °
Julgo, pois, ... que Deus apenas quis servir-se de mlm para recor
dar ao mundo a necessldade que há de evitar o pecado, e reparar as
ofensas de Deus pela ©racto e pela peniléncia...

NSo encontrando palavras exatas para me exprimir, teria dito ora


urna colsa ora outra; querendo-me explicar, sem o conseguir, formar a
X^Tl' nDeus--
C°nfUS Minna
íe ldéiaS'
u- íe ldéiaS quei víriam
que
repugnancia
víriam ("e «*•"
("uem *" •
a manifestar (a mensa-
cTsr
(o Sr BlÍlqHe"iT-b?ra
b?ramet6nhaJf°b
Blspo de Lelna) manda
d
°S °'h0S
anotar tudo adecarta
que na
me <íual
possaV-lembrar
excia.
ei
SJu . Intimamente que é a hora marcada por Deus para fazé-lo, estou
hesitante, em verdadelra luta, ponderando se vos enviarel este escrito ou
o quelmarel... Acontecerá o que o Bom Deus quiser. O silencio tem sido
para mim urna grande graca...

bem"P°r ISl° d0U flra5as a Deus> e cre'° *u* ludo ° 1ue He tez está
— 334 —
O SEGREDO DE FÁTIMA 47

Aos 31 de outubro de 1942, ou seja, pouco depois de


publicada a mensagem de Fátima, o S. Padre Pió XH, fazendo
eco aos dizeres da mesma, consagrou o mundo ao Coracáo
Imaculado de María. Note-se que nao consagrou apenas a
Russia, mas o mundo inteiro... — o que se deve ao desejo
de nao provocar'duras reacoes da parte do Governo soviético-
os Padres Moresco e Fonseca, como se julga, teráo contri
buido para que Pió XII proferisse um ato de oonsagragáo do
mundo inteiro, com discreta mencáo da Rússia soviética.

Aos 7 de julho de 1952, Pió XII quis consagrar o povo


russo ao Coragáo Imaculado de María. Aos 21 de novembro
de 1964, Paulo VI renovou a consagragáo do mundo ao Cora
gáo Imaculado de María... Aos 13 de outubro de 1956, em
nome do Papa Pió XII, o Cardeal Eugenio Tisserant benzeu
em Fátima o Centro Internacional do «Exército Azul», socie-
dade que se encarregava de levar a devogáo mariana ao
mundo inteiro. Estes e outros fatos mostram que a Igreja,
embora nao se tenha pronunciado solenemente sobre a auten-
ticidade da mensagem de Fátima, nao deixou de levar em con-
sideragáo os fatos ai ocorridos em 1917.

3. A ierceira parte do segretfo

iO*nA terceira P3116 d0 segredo, devendo ficar lacrada até


1960, nao foi revelada naquele ano... Isto deu ocasiáo a que
numerosas conjeturas fossem propostas pela imprensa para
interpretar o «segredo»; as previsóes derivadas deste eram
escabrosas e trágicas, baseadas na fantasía e no gosto do
sensacional.

Á vista disto, no ano cinqüentenário das aparicóes ou


seja, aos 11/02/1967, o Cardeal Ottaviani, Pró-Prefeitó da
S. Congregagáo da Doutrina da Fé, proferiu um discurso eluci-
dativo sobre o assunto, em que propunha quanto segué:
^ Expós o histórico do segredo: Lucia escreveu em portu
gués o que María SS. Ihe confiara para o Papa; tal mensagem
nao devia ser aberta antes de 1960, porque, dizia Lucia, tudo
entao aparecería «mais claro».

Os dizeres de Lucia foram colocados num envelope e entre


gues ao Sr. Bispo de Leiria; este o fez chegar ao Sr. Nuncio
Apostólico em Portugal, D. Fernando Cento, que, por sua vez,

— 335 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Poí^"11 á ,Con^acá^ para a Dout™* da Fé em Roma.


Por fim, o envelope foi levado as máos do S. Padre Joáo XXin
que o abnu, leu a mensagem, e afirmou que a entenderá bem'
embora escrita em portugués. A seguir, o Papa encerrou o"
documento em outra sobrecarta, lacrou-a e depositou-a num
arquivo do Vaticano sem lhe dar publiddade até o fim do seu
pontificado'. Alias, nenhum dos Papas seguintes quis dizer
algo a respeito. — A esta altura, o conferencista fez urna
quase revelagáo do segredo de Fátima, observando:

«Todas as indiscricóes que circulam, sao inteiramente fal


sas». Difundiram a idéia de que a «mensagem secreta» con-
tmna visoes apocalípticas e funestas previsóes para o futuro
do mundo.

aos ?euCsaouev?nt2?aVÍanÍ QUÍS' "^ Ínspirar paZ e COnfianca


"Mui<° fe falou de urna relacao entre o segredo de Fátima e a terrí-
dJ™
mW."16 HÍtUa5á° da '9reia em vasta» «giaa, do Indo* onde
¿esencadeoy a sua cólera contra tudo o que é sagrado e
macla ■B™eSSaS¡1 reg¡6eS ° Perse9uidor> ™smo com as lavas da Tplo^
™e¡ o o dZfni "n9uage1fn .mel0sa da paz- tenta estonder «obre o mundo
oór ^cTiri? ,qUe Sle «.á-exerce sobre territorios imensos assinalados
por cruzes, carafalsos e pnsoes e santificados por tantos mártires =.

Mas a confianga que a mensagem de Fátima inspira nos faz


Ver'nrernabfnd0n0 á Pravidéncia. " primeiros e nebulosos

4 «í ssssra ¿oS4ZS sz
%í f if «P10 ,comunismo- O Cardeal Franz Koenig, presi-
dente do Secretariado da Igreja para os Nao Crentes, decla-
rou, no comeco mesmo de 1967, que muitos países comunistas
escavana passando por urna «crise do ateísmo», urna «crise da
te ateia»; essa crise do ateísmo só fez acentuar-se de 1967 aos
nossos días, pois é notorio, por exemplo, que na Rússia sovié-

n í.nnwtSe^P°.IS| q.ue é fotalmente fa'sa a noticia de que o Papa ao ler


o conteúdo da tercefra parte do segredo. se sentiu mal e calu para tras
«,. mf M PaIavfas alud¡ani & Rússia soviética e ao seu sistema filoso^
aoTo t°omat^ 6 ma'eria"sta: a segunda guerra mundiaf de^ocasfao
a que o comunismo se Implantasse em varios territorios do Leste europeu.

— 336 —
O SEGREDO DE FATIMA 49

tica se registra um surto de mística e de senso religioso que


se opóem ao materialismo ateu do Estado soviético.

As observacóes do Cardeal Ottaviani permitem crer que


o «segredo de Fátima», longe de ser sinistro ou trágico se
refere & crise do ateísmo, perceptível em 1937 através de «indi
cios nebulosos». Esta interpretacáo explica por que Lucia afir-
mou que a mensagem seria «mais clara» em 1960; explica
outrossim a discricio dos Papas a propósito; o assunto era
delicado demais para ser objeto de comentarios públicos.

Julga-se, porém, que o segredo de Fátima continha ainda


algo mais. Com efeito, o Cardeal Ottaviani acrescentou no
fim da sua conferencia:

"Há outros sinais manifestos que nos Incilam á confianga Os esfor-


cos do Papa em prol da paz em certas setores já nao sao totalmente vaos
como eram outros".

Estas palavras parecem aludir as relagóes entre a Igreja


e os povos nao cristáos, prevendo entendimento mutuo.

Tais noticias mostram quanto infundadas sao as interore-


tacoes sinistras do segredo de Fátima. A imprensa tem explo
rado a temática em sentido sensacionalista. Temos em vista
especialmente as revistas ilustradas que, após o atentado con
tra o Papa Joáo Paulo n, se referiram a urna «Relacáo Diplo
mática da Terceira Mensagem de Nossa Senhora de Fátima»
relacao da qual teria sido porta-voz «Dom Alois Ruchs
ex-vigário-geral da arquidiocese de Vitoria (ES)»: as noticias
de tais periódicos a tal propósito carecem de todo fundamento
histórico e se derivam exclusivamente da imaginacáo. É opor
tuno que o público saiba discernir as suas fontes de informa-
cáo e seja notificado por fontes limpas a respeito dos pronun-
ciamentos oficiáis ou oficiosos da S. Igreja concernentes aos
assuntos da própria Igreja e da fé.

Passemos agora a urna reflexáo final

4. O segredo e a crítica objetiva

Historiadores e teólogos de renome tém-se debrucado


sobre as ocorréncias de Fátima e sua mensagem secreta. Entre
outros, citamos o Pe. Eduardo Dhanis S. J., ex-Reitor da Uni-

— 337 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

versidade Gregoriana de Roma, Mons. Charles Joumet Car-


deal da S. Igreja ja falecido, Otto Karrer, teólogo suigo, Ro-
tert Rouquette cronista religioso da revista Etudes de Paris,
H. Marechal O.P., teólogo e psicólogo1. Tais estudiosos levan-
tam as seguintes ponderagóes:

1) Lucia nada escreveu como menina. Só veio a fazé-lo


cerca de vmte anos depois das aparigóes (a partir de 1936)
E licito, pois, perguntar: o que a Religiosa propóe como men
sagem de Fátima é realmente e exclusivamente comunicacáo
da Virgem SS. aos homens ou haverá nessas revelacóes urna
parte proveniente do fervor e da mente piedosa da própria
Lucia? — A pergunta é especialmente justificada pelo fato de
que, quando Lucia escreveu suas revelagóes, a Europa se
acnava em condigóes de pré-guerra ¡mediata ou mesmo de
segunda guerra mundial (esta comegou em 1939 e o 25* ani
versario de Fátima ocorreu em 1942). As circunstancias histó
ricas ñas quais Lucia escreveu, poderáo ter-lhe inspirado algu-
mas expressoes e formulacóes que a piedosa Irma terá mes-
ciado com as comunicagóes recebidas da Virgem María. Eis
como a propósito se manifesta Otto Karrer:

"Nao se pode afastar a ImpressSo de que os acontecimentos contem


poráneos que ressoavam na Europa, ínfluenciaram de certo modo a mente
da piedosa Irma; inconscientemente terá ela mesclado idéias próprias com
a mensagem celeste; assim um cerne de revelacSes particulares sob o
Impacto das terrlveis noticias da época em que Lucia escrevia, 'ter-se-á
desenvolvido numa mensagem profética que traz algo das concepcSes
próprias da Religiosa" (O. Karrer, artigo citado na bibliografía, p. 396).

Também observa o Pe. R. Rouquette a propósito:


"Escritas em varias etapas cerca de vinte e cinco anos após os
acontecimentos, é difícil distinguir ñas Memorias de Luda o que ó ori
ginarlo e o que é construcSo e desenvolvimento posteriores. Os famosos
sagrados de Fátima parecem provir de construyo posterior mais do que
de revelacao particular. As profecías atribuidas a Lucia sao assaz sus-
peltas e passaram por elaborares sucesslvas: assim Lucia teria predito
o fim da primeira guerra mundial para 13 de outubro de 1917- teria
predito a consagracio da Rússia, apenas, ao CoracSo Imaculado de
María — o que foi realizado mediante a consagracáo do mundo Intelro •
ela teria previsto que a Rússia se converterla antes do fim da guerra
Nada disto nos habilita a por em dúvlda a sincertdade e a santidade pes-
soal de Lucia, hoje carmelita, cujo comportamejito perteltamente normal
e sadlo se distancia da neuroso de Melania *. Nada disto significa que
seja necessárlo rejeltar globalmente como fabulagfio Inconsciente toda a
mensagem de Lucia, mas fmp5e-se um discernimento critico, que nfio

*Ver a bibliografía Indicada no fim deste artigo


a Vidente de La Salette.

— 338 —
O SEGREDO DE FATIMA 51

será fácil. Podemos perfeitamente crer jia realidade da simples mensaaem


de penitencia transmitida pela Vlrgem á pureza candida de^rfanc¿ men
sagem que lembra a dos profetas de Israel, mensagem de que a'nossa
socledade de consumo necessita cada vez mais, e, ao mesmo iemDo
fR RnnL »eS
(R. Rouquette,
!?• S,formas sucessivas <?ue tal mensagem tomou"
no artigo citado na bibliografía, p. 83).

Neste texto, o Pe. Rouquette chama a atengáo para im-


precisoes ou desacertos das profecías proferidas por Lúcia-
as que Rouquette menciona, poder-se-ia acrescentar mais urna-
Lucia previu o inicio da segunda guerra mundial para o pon
tificado de Pío XI, quando esta só estourou sob o governo do
Papa Pío XII.

2) As reminiscencias de Lucia a respeito de aparicóes


de anjos datadas de 1915 e 1916 (Lucia tinha entáo 8/9 anos)
tambem merecem reparo, a saber: nao é teológicamente cor-
reta a fórmula que o anjo teria ensinado á vidente:

"SS. Trindade, Pai, Filho e Espirito Santo, eu vos adoro profunda


mente a Vos ofereco os multo preciosos Corpo, Sangue Alma e Divindade
de Nosso Senhor Jesús Cristo..."

A SS. Trindade nao se pode oferecer a Divindade de Cristo,


que é a segunda pessoa mesma da SS. Trindade.

3) As revelagóes particulares nao se impóem á fé dos


cnstáos. A Igreja apenas examina se sao dignas de crédito e
eventualmente as declara tais. Mesmo no caso de Fátima onde
Paulo VI esteve em peregrinagáo no ano de 1967, o Sumo Pon
tífice nao se pronunciou sobre segredos ou revelagóes; men-
cionou táo somente o cinqüentenário das aparigóes e exortou
os fiéis á devogáo para com María SS. e á oragáo em prol
da paz,... paz para a Igreja (que acabava de sair do Con
cilio) e para o mundo.

As revelagóes particulares — que podem ocorrer e, como


se eré, de fato ocorreram em mais de um caso na historia da
Igreja — nada acrescentam á revelagáo divina que se encerrou
com Jesús Cristo e a era apostólica. Geralmente tais revela
góes, se genuínas, tém a finalidade de despertar os homens
para urna renovagáo da piedade e da penitencia; assim as reve
lagóes a S. Hildegardis contribuirán! para erguer o nivel mo
ral de muitos fiéis na sua época (1108-1179); as revelagóes a
S. Juliana de Liége (f 1258) fomentaram o culto á S. Euca
ristía; as aparigóes a S. Margarida María Alacoque (f 1690)

— 339 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

incrementaran* decisivamente a devogáo ao S. Coragáo de Je


sus; as aparigóes a S. Bernadete Soubirous em Lourdes inten-
sificaram a piedade mañana no século passado... é certo
porém, que nenhuma revelagio particular pode acrescentar
alguma «nova verdade» ao depósito da fé.

4) Os autores mais credenciados nao negam, em abso


luto, as aparicóes de Nossa Senhora aos pastorezinhos, nem
negam tenha a Virgem SS. transmitido a sua mensagem aos
videntes. O oaráter transcendental dos acontecimentos de
Fátima é deixado incólume. Apenas o que a crítica sadia
observa, é que nao se podem considerar os escritos de Lucia
como sendo simplesmente o eco das comunicagoes de Nossa
Senhora á menina de dez anos; há indicios ponderáveis de que
a Irma Lucia, ao falar de acontecimentos históricos (guerra,
paz, conversáo da Rússia...), tenha inconscientemente mes-
ciado o seu modo pessoal de ver á mensagem de Maria SS.

Estas ponderagóes de bons autores em nada diminuem o


valor da intervengáo de Nossa Senhora em Fátima. É certo
que a Virgem SS. pediu aos homens oragáo e penitencia Ora
incontestavelmente tal apelo é oportuno e construtivo eni alto
grau; que os cristáos lhe déem a máxima atengáo e fagam
um ato de confianga absoluta na Providencia Divina, sem se
preocupar com acontecimentos dos quais nao há certeza!

Bibliografía :

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L KARRER, O., Privatoffenbaning und Fatlma, em: Schwelzer Rund-
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RENAULT, G., Fálima, esperanza do mundo. París 1957.

— 340 —
Urna serie de livros que póem

fenómenos mediúnicos em foco

rfam S ,MSe : ° CLAP acaba de PublIca>- sete fascículos que abor-


dam, em estilo pastoral e fácil, os fenómenos espiritas, mostrando que
estes nao se devem ao além, mas táo somenle a fatores psíquicos e pa-
rapsicológicos das pessoas em causa. Tal colegio será útil ao grande
publico As páginas subseqüentes explanan, a partir dos mencionados
fascículos, alguns dos fenómenos ai analisados: as "casas mal assom-
bradas , a ectoplasmia ou "materializacáo de espirites desencarnados",
a dupla personalidade, a hiperestesia indireta do pensamento, o horóscopo!

Comentario: O CLAP (Centro Latino-americano de Pa


rapsicología), sediado no Estado de Sao Paulo e dirigido pelo
Pe. Osear Quevedo S.J., acaba de publicar sete fascículos que
constituem a colegao «Espiritismo, Parapsicología e Evange
lizado»; o seu autor é o Pe. Sandro Schiattavella, missionário
do Pontificio Instituto das Missóes Estrangeiras (PIME) Este
sacerdote, que por muitos anos trabalhou como educador
vem-se dedicando a Parapsicología pastoral, porque vé nisto
urna forma de evangelizagáo do nosso povo.

„. °! gaáculos tém a media de 10 pp. e as dimensoes de


ida x ¿07mm, abordando respectivamente os temas- «Meu
horóscopo da certo!» (1), «Um lugar abengoado» (II), «O espi
rito baixmi» (IH), «Assombragáo» (IV), «Um espirito me
tocou» (V), «Reencarnagáo o que é?» (VI), «Os profe-
tas» (VII). Sao nilhliraoñoc r\a IT/ii+nnr. LoyoJo Caixfli Pne

A redagáo de tais opúsculos foi concebida em vista de


urna agao pastoral entre pessoas simples. Cada fascículo apre-
senta geralmente um fato da vida, a explicagáo do fato e a
ilummagao biblico-catequética respectiva; seguem-se mensagem
espiritual, pontos significativos, questionário para reflexáo de
grupos e, por fim, alguns anexos, que abordam de maneira
mais sistemática os fenómenos espirituais (como sao a psico-
grafía, a ectoplasmia, o mesmerismo, etc.). Esses opúsculos
tem valor pastoral e merecem destaque; fica ao CLAP e ao

— 341 —
§á «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Pe. Schiattarella o mérito de os haver estruturado e publicado


Como se compreende, o fato de que se destiñera ao grande"
publico contribuí para que, num ou noutro tópico, a exposi-
cao seja um pouco sumaria (é o que acontece, por exemplo
quando o fascículo I aborda a astrologia e o Rosacrucianismo
quando o opúsculo II trata da cabala e da teosofía ) Ape-
sar deste trago, eremos que a serie será muito útil e benéfica
ao grande público.

Á guisa de ilustragáo, vamos, ñas páginas subseqüentes,


deter-nos sobre alguns dos pontos mais importantes focaliza
dos pela colegáo.

1. Casas mal assombradas

Tema do fascículo IV («Assombragáo»).

Este fenómeno, que consiste em misterioso transporte de


movéis, quebra de lampadas, queda de quadros. é dos qul
míSí7I™C,fm a pefPlexidade dos espectadores; estes sao fácil
mente levados a crer que um espirito mau infesta a casa
transformando-a em recinto de pavor ínsuportável

^ Seren° de teis fenomenos evidencia que a


go» se deve nao ao além, mas ao aquém isto é a
urna pessoa jovem (muitas vezes, do sexo famSS) que traz
em seu inümo um confuto psíquico. Este confuto interior,
em nao poucos casos, se traduz em confuto exterior, ou seja
em choques físicos que atingem movéis, quadros, lampadas •
a desorden exterior, física, visível que assim se origina na
casa «mal assombrada» nao é senáo a imagem da desorddem
que existe no intimo do paciente. Os golpes físicos na casa
sao causados diretamente pela chamada telergía da pessoa
confutada. Sim; venfíca-se que certas pessoas emitem urna
energía dirigida pelo seu inconsciente,... energia que agride
o ambiente no qual elas se acham; tal energia se chama «teler-
gia» (tele = longe; ergon = trabalho, em grego). A telergia
realiza aportes, ou seja, o transporte de certas objetos através
de muros ou outros objetos sólidos. Mediante a telergia urna
pessoa muito dotada, do ponto de vista parapsicológico, pode
efetuar o transporte (aporte) de objetos situados num raio de
50m ao redor. A telergia pode também produzir pancadas
— fenómeno este que se chama tiptologia. Mais aínda: conforme

— 342 —
FENÓMENOS MEDIüNICOS

muitos estudiosos, a telergia pode-se transformar em energía


luminosa (e o caso dos insetos chamados pirilampos ou vafa-
ár&s sais?(como no peixe ^
a

xam de ocorrer as «assombracóes» e o amtonte^X?' pS


Por conseguirte, torna-se desnecessária ou mesmo ilusoria á
explicagao do fenómeno mediante espiritas do além.

Passemos a considerar mais detidamente a telergia e o


aporte. to

1.1. Telergia

A telergia já era conhecida pelos estudiosos de séculos


atrás O medico austríaco Dr. Friedrich Antón Messmer (ÍS
1815) a cnamava «magnetismo animal»; Cazzamali «antro
poflux»; o Prof Blondot, raios N... A funSntagáo^n
tífica da teoría da telergia é a seguinte: J ■

Os estudiosos hoje em dia afirmam que as nossas ativí-


dades musculares e nervosas, assim como as idéias e as emo-
coes sao acompanhadas por atividades elétricas; há mais de
trmta anos^ diz-se que o organismo humano produz correntes
elétricas. Ora pela Física sabe-se que toda torrente elétriS
produz um campo magnético. É lógico julgar que, numa peí
soa normal, esse magnetismo seja normalmente imperceptível
mas que, em estado de transe, certas pessoas dotadaT do ponto
de vista parapsicológico manifestam esse magnetismo e a cor
respondente telergia. Em 1947, o paciente (dotado p¿apsteo-
logicamente) Angelo Achule foi estudado pela Sacietá Italiana
d! Metapsichica sob a direcáo do Dr. Maurogordato- compro-
vou-se entao, por meio de um elétrodo posto em cada máo do
paciente com um medidor, que Angelo Achule, ao realizar
?"oííífn0npaf.apsicológicos' "antfestava um potencial elétrico
de 200 milivolts, ao passo que este ñas pessoa? normáis oscüa
entre vmte e quarente. Ao contrario, experiencias realiza
das com a mao de um cadáver nao deram efeito algum de
ordem telergeüca. Alguns estudiosos admitem que se poderla
fazer a psicanalise do sujeito que emite telergia e produz os
respectivos aportes (locomocáo de corpos): sim, julgam

— 343 —
ÜÜÜ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

tais fenómenos podem significar o desejo de chamar a aten-


cao, o de ymganca, o de comunicar urna noticia desagradável
ou um perigo eminente; podem também exprimir carencia afe-
tiva, mveja, etc.

1.2. O aporte

«KeJ? 5enómeno. d0 aP°rte P°de suscitar serias questóes aos


observadores, pois consiste no transporte de corpos sólidos
atraves de paredes, o que implica na interpenetracáo de corpos.

O problema assim levantado parece resolver-se a luz das


conclusoes da Física moderna. Com efeito, a Física atómica
afirma nao existirem corpos totalmente opacos — o que sie
nifica que a materia nao é toda compacta nem impermeável
übserva-se, alias, que as ondas do radio e da televisáo tanto
em preto e branco como em cores, atravessam as paredes
embora sejam ondas físicas. '

Eis urna tentativa de explicaeáo do fenómeno do aporte:

1) Trata-se de um fenómeno físico, pois supóe um corpo


dimensional posto em movimento no espago e no tempo e
através de obstáculos físicos. e

2) A extensáo dos corpos visíveis é devida á velocidade


do movimento circulatorio das partículas que os constituem
(em funcao de tres variáveis: massa, energia e vetor veloci
dade) .

¡} ..PeIa _maíor °u menor velocidade das suas partículas


os objetivos sao mais ou menos extensos e nos dáo a ilusác
da continuidade. "usac

mmn4) ,Na «» realidade profunda, porém, os corpos sao


como redes de partículas microscópicas (massa-energia).

5) A massa é mínima em relacáo á energia e á veloci


dade.

6) Ora todo corpo é permeável a qualquer forma de ener


gía e velocidade superiores á sua. Por exemplo, no magne-
Sf™v^a«ae«!f^a qUe se desPrende d0 campo eletromagnético
atravessa qualquer campo porque tem a velocidade da luz
— 344 —
__ FENÓMENOS MEDIÚNICOS 57

(300.000 km/s), que é superior á velocidade molecular


(27.000 km/s) dos corpos atravessados.
Ademáis, deve-se notar:

7) A massa dos corpos em movimento varia com a velo


cidade, segundo a teoría da relatividade de Einstein.
8) Também está demonstrado por experiencia de labo
ratorio que a massa se pode transformar em energía.

9) Se a velocidade de um objeto supera a velocidade


molecular, entáo esse objeto se desintegra porque vence a forca
de atracáo das partículas que o constituem.

Na base destes principios, podem-se formular tres hipó-


teses para explicar como urna pessoa parapsicologicameñte
dotada pode exercer o fenómeno do aporte:

a) O sujeito dotado imprime ao objeto do aporte veloci


dade superior á das partículas que constituem determinada
área do obstáculo; em eonseqüéncia, o objeto atravessa tal
área do obstáculo.

b) O sujeito transforma a massa do objeto em energia*


tal energía atravessa entáo qualquer obstáculo.

. ,?} . ° sujeito exerce o influxo em determinada área do


obstáculo dimmuindo ou neutralizando (durante um décimo
de segundo) a velocidade molecular; essa área do objeto fica-
na praticamente sem massa ou permeável.

Qualquer destas hipóteses deixa dúvidas ao estudioso


Pergunta-se além do mais: como é que o homem consegue"
emitir a telergia? Como é que a telergia consegue imprimir
e neutralizar a velocidade?

As perguntas resultara do próprio fato de que um corpo


solido atravessa outro sólido. Elas persistem mesmo para
quem admita a irrisoria e absurda hipótese de que um espi
rito do além mova os corpos confutantes ñas casas «mal
assombradas».

Ve-se, a novo título, quáo profunda é a realidade do ser


humano ... Possam os estudos subseqüentes penetrar um
pouco mais dentro desse misterio a fim de explicar as suas
mamfestacóes mais raras e surpreendentes!

— 345 —
58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

2. Ectoplasmia

O tema é estudado no fascículo V: «Um espirito me tocou».


Acontece que certas pessoas, em sessáo espirita, dizem
ter visto a imagem de um defunto (geralmente párente), que
aparece aos vivos. Dáo-se por consolados porque «tomam
consciéncia» de que o defunto ainda vive e acompanha os
seus entes queridos sobre a térra.

Ora na verdade nao há aparicóes corporais de espirites


«desencarnados». Urna consideragáo serena e científica do
fenómeno leva a dizer que se trata do fenómeno subjetivo da
ectoplasmia.

Ectoplasmia compóe-se dos vocábulos gregos elrtós = fora


e plasma = objeto modelado ou formado. Ora acontece qué
certas pessoas, parapsicologicamente dotadas, emitem urna
massa mais ou menos informe, gelatinosa, esbranquigada
Essa massa pode tomar a forma de um rosto, de um busto, de
urna máo, de acordó com a idéia que o sujeito tenha em sua
mente e queira projetar.
O fenómeno de emitir um ectoplasma chama-se ectoplas-
mia. Quando esse ectoplasma toma a forma correspondente á
imagem mental concebida pelo sujeito, chama-se idconlasma
(o fenómeno correspondente é a ideoplastia); trata-se de urna
ídem configurada ou materializada.
O ectoplasma vem a ser urna modalidade de energía (teler-
gia) condensada. É capaz de se adaptar aos desejos do incons
ciente ou do consciente do sujeito, tomando a configuragáo
que lne queira dar. É como que urna prolongagáo do corpo
ou da sensibilidade da pessoa em questáo. Urna vez projetado
o ectoplasma é reabsorvido pelo corpo do sujeito que o emitiu.
Quando o ectoplasma toma a forma de um membro de
pessoa ou de animal, é dito «ectocoloplama»; kolon, no caso
significa «membro».

♦ j ^ ect°PIasmia P0^ produzir um fantasma (imagem do


tada de cabeoa, tronco, bragos e pernas). Neste caso, toma
o nome de fantasmogénese.
O fundamento científico da ectoplasmia é o fato, com-
provado pela Física moderna de Einstein, Plank, Ostwald e
outros, de que praticamente nao há fronteiras entre a energía
maternal e a materia. Hoje em dia os físicos afirmam que
toda materia libera energía; reconhecem outrossim que a

— 346 —
FENÓMENOS

energía material tem peso, massa e estrutura, isto é, está


ss: S^yrresisténcia ao
tomam corpo, literalmente, no exterior? fazento sé™lv2 e
fotografaveis modelando, de acordó com a imageS, esta mis
teriosa substancia que expele do seu organismo».
Assim se compreende que nao há aparicóes de espirites
materializados, mas táo somente projecóes de enereia ñor
parte de pessoas dotadas ou médiuns. g P

3. Dupla personalidade
Ver fascículo HI: «O espirito baixou».

«f¡.iÍ?á qUem Pare«a ter duas Personalidades: urna consciente


oficial, que todos reconhecem; e outra inconsciente, oculta, que
de vez em quando vem á baila; tem-se entáo a impresSo de
ffi °J2**° f0Í *«**«**>> ^ um espirito do Xm o quS
d? JSS? e geSücula por ^termédio do seu «cávalo» ou
Tal fenómeno também tem sua explicacáo científica di<!
pensando qualquer recurso ao além. Com Seito o cerebro
humano consta de aproximadamente 70 biS de céíulaí
destas apenas 10% sao utilizadas por um indSduo noS'
dao fundamento ao que se chama «o consciente*; os 60 bE
de células restantes corresponden! ao inconsciente; neste sao
guardadas todas as impressóes, imagens e sensagóes adquirí
ínr-^ a mfunC1? d0 sujeito; Principalmente o que nos
reprimimos ou abominamos fíca no nosso inconsciente Ora
baste que a pessoa entre em estado de sugestáo ou de hipnose
para perder o controle que exerce habitualmente sobre o seu
inconsciente; afloram entáo ao consciente impressóes latentes
no inconsciente que, combinadas entre si, podem constituir
como que urna nova personalidade do sujeito. O fato de que
este geralmente nao reconhece a sua realidade inconsciente
como sendo sua, leva-o a crer que está possuído por um ser
estranho proveniente do além. Se o sujeito acredita que «um
espirito baixa nele» e esse sujeito se entrega voluntariamente
a tal sugestao, concorre para «fabricar» e consolidar a perso
nalidade própria do seu inconsciente.

— 347
60
gPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

Essa segunda personalidade pode corresponder a traeos


do temperamento do sujeito (tragos de egoismo, libertinismo
materialismo...), como também pode formar-se de traeos
tomados de empréstimo a outras pessoas: «há quem em sonho
veja um personagem que tem o rosto de Joáo, o modo de ves
tir de André, o comportamento de Luciano, mas conversa
como Luis e gesticula como Pedro» (m, p. 36). Principal
mente as pessoas que sofrem de frustragóes profundas, ten
dem a «sonhar acordadas» ou tendem a projetar e viver ilu
soriamente os tragos do ideal que nao conseguiram realizar
Sao dadas, sem o saber, a fantasías autocompensadoras, mor-
mente se se entregam a experiencias que debilitam o controle
da mente, como sao a hipnose, o transe, o alcoolismo, o uso de
drogas ou, ainda, se caem em esgotamento nervoso. A irrup-
gáo do inconsciente, em tais casos, pode ser táo veemente
que se traduz em desenhos, escritas automáticas, discursos
dificeis ou em língua estrangeira... A segunda personali
dade, que se manifesta de maneira táo estranha, nada apre-
senta que nao prorrompa do íntimo do próprio sujeito; até
mesmo o falar línguas estrangeiras se explica como repro-
dugáo de linguagem (japonesa, árabe...) ouvida pelo paciente
como crianga ou em tempos remotos e guardada no incons
ciente até o momento crítico do transe.

Quem cultiva a sua segunda personalidade, pode tornar-se


vituna deste exercício. Terá um «eu» realmente dissociado: os
amigos, parentes e interesses de urna «personalidade» seráo
totalmente estranhos á outra «personalidade».

V.J1» de re?ra <há' se™ «Júvida, excegóes), a personalidade


habitual ou primeira é tímida, complexada, «boazinha» -a
outra personalidade é diametralmente oposta: extrovertida
desavergonhada, descontrolada sexualmente, perversa ea^es
siva. Isto se explica pelo fato de que urna das causas mais
frequentes da divisao da personalidade sao as repressóes os
escrúpulos e as falsas conceituagóes a que é sujeito o paciente
em sua adolescencia. O inconsciente tende a se vingar de tais
recalques desde que sejam exagerados ou nao fundamentados.
Quando os amigos referan á personalidade primeira as
abtufes e palavras da personalidade segunda, aquela geral-
?S£of ^ humilhSa e> por vezes« rePeIe violentamente
a imagem da segunda. Vice-versa, quando se refere á segunda
o comportamento habitual da primeira, reage com incultos
desprezo, ironía e superioridade megalomaníacas.

— 348 —
FENÓMENOS MEDIÚNICOS 61

Algumas pessoas trocam de personalidade definitiva


mente; outras tém duas ou mais personalidades que se suce-
dem a intervalos ora mais, ora menos longos. Estas outras
personalidades tanto podem ser relativamente bem definidas
e equilibradas, como podem mostrar-se delirantes, totalmente
fora da realidade, postas em frangalhos incompatíveis entre
si — o que redunda em estado de loucura.
Observa a propósito o Pe. Quevedo:
"Como muitas vezes se tem comprovado, os ambientes... de demo-
nologia, de ocultismo... de doentio misticismo, proliferando em multidao
de seitas como fuga da vida real, os ambientes de espiritismo e menta-
lidade mágica, táo arraigados especialmente no Brasil, sao imensas fábri
cas de loucos trabalhando ao ritmo máximo de producao" (p. 38).

Mais: verifica-se que, na proporcáo em que o espiritismo


cresce no Brasil, aumenta o número de casos psicopatológicos
em nossa patria. O espiritismo ou suscita a perturbagáo ner
vosa (pelos motivos indicados) ou a agrava (quando a pre
tende curar). O médium ou o curandeiro só leva em conta
os síntomas ou os efeitos da molestia, sem atinar com as cau
sas, que ele ignora ou que ele interpreta supersticiosamente.
Em conseqüéncia, ele contribui para agravar a divisáo da per
sonalidade, tornando-a cada vez menos suscetível de cura.
Eis a verdade que, em nome da ciencia e da saúde pública,
devc ser dita a respeito das «incorporagóes» espiritas.

4. Hiperestesia indireta do pensamento (HIP)


Veja-se o fascículo HE («O espirito baixou»).
Há pessoas que adivinham o pensamento de outrem.
Tem-se entáo a impressáo de que sao iluminadas por algum
espirito do além.

A verdade é outra.

Está averiguado por experiencias múltiplas que «todo ato


psíquico produz um reflexo fisiológico e esse reflexo se irradia
por todo o corpo do sujeito e cada urna de suas partes»; tal
é a lei de Bain, autor das respectivas experiencias. Isto quer
dizer que, quando alguém pensa ou concebe idéias ou quando
é afetado por algum sentimento, ocorrem na constituigáo física
ou corpórea desse sujeito movimentos e sinais muito tenues,
que urna pessoa sensível é apta a captar; interpretando tais

— 349 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 258/1981

sinais, tal pessoa poderá dizer as idéias ou os sentimentos


que o sujeito concebeu. Essa supersensibilidade é chamada
«hiperestesia indireta do pensamento» (HIP); ela pode ser
acentuada pelo delirio ou pelo transe do «adivinhador»; só se
exerce na presenca física da pessoa cujos pensamentos sao
captados.

Em conseqüéncia deste fenómeno, pode acontecer que


alguém responda a urna pergunta latente no íntimo de outra
pessoa, antes que esta abra a boca para formular o seu que-
sito. A hiperestesia indireta do pensamento é facilitada no
caso de pessoas que tenham diuturna convivencia entre si.
Refere-se mesmo a seguinte ocorréncia de HIP. Imagi
nemos que alguém esconda determinado objeto numa sala.
Essa pessoa depois se coloca dentro de urna caixa de papeláo,
de modo que apenas os pés aparecam. Ora há «sensitivos»
dotados de tal capacidade de percepgáo que conseguem encon
trar o objeto escondido somente pelo fato de observaron aten
tamente os movimentos involuntarios e mínimos dos pés dei-
xados de fora.
Estas observacóes evidenciam que a adivinhagáo do pen
samento alheio nada tem do que a sua etimología sugere: ela
nao se faz a divinis, ou seja, a partir de alguma inspiracáo
divina, mas ocorre táo somente por efeito das faculdades psí
quicas e parapsicologías de urna pessoa mais prendada.

5. Horóscopo
Fascículo I («Meu horóscopo dá certo!»).
Quem estuda, distingue astronomía e astrologia( donde se
deriva o horóscopo). A primeira é ciencia baseada na obser-
vacáo dos astros mediante telescopios e aparelhagem moderna.
A segunda nao é ciencia, mas um conjunto de crendices sub
jetivas baseadas sobre a configuracáo geocéntrica de Ptolo-
meu, segundo a qual a Térra seria o centro do nosso sistema
solar; em torno déla estariam sete «planetas»:
O Sol, a Lúa, Júpiter e Venus (planetas benéficos);
Saturno, Mercurio e Marte (planetas maléficos).
Dos planetas alguns seriam quentes, outros fríos; alguns
secos, outros úmidos; alguns masculinos, outros femininos;
cada qual exerceria sobre os homens urna determinada influen
cia física, fisiológica ou mesmo psicológica. Além disto, a

— 350 —
FENÓMENOS MEDIONICOS 63

astrologia admite o zodíaco, ou seja, urna faixa ou nm anel


que cerque a Térra; essa faixa estende-se 8»,5 ácima e 8o 5
abaixo da eclíptica (círculo que corresponde á órbita aparente
do sol em torno da Térra). Na faixa do zodíaco, movem-se
o sol, a Lúa, os planetas maiores e grande parte dos menores
conforme a astrologia.
Ora, como se vé, todas as premissas da astrologia estáo
ultrapassadas: conta sete planetas apenas dispostos em torno
da Térra. Além disto, sabe-se que os astros existentes no cos
mos sao quase inumeráveis; conhecem-se interferencias dos
mesmos no espaco e nos planetas que outrora se ignoravam.
É notorio também o fato de que os astros modificam inces-
santemente a sua posigáo no espaco. Por que entáo a astro-
logia leva em conta a influencia de urna constelacáo apenas?
É por ser anticientífica (dada á fantasía exuberante e
primitiva) que a astrologia nao encontra aceitagáo por parte
dos astrónomos ou dos homens de ciencia. Estes, ao desco-
brirem mais e mais a existencia, a distancia, a composigáo,
as transformagóes e atividades dos planetas e das estrelas,
verificam que as afirmagóes dos astrólogos sao desproposita
das e arbitrarias.

Eis, porém, que a ciencia moderna nao pode deixar de


reconhecer o seguinte: o Sol, com suas erupgóes pujantes a
Lúa em suas diversas fases e, quigá, outros astros ainda
podem, de certo modo, repercutir nos acontecimentos físicos
do nosso planeta Térra (mares, pressóes, depressóes atmos
féricas...); podem também ter influencia sobre o curso ou
o ritmo da vida na Térra e o psiquismo dos homens. Com
efeito, sabemos que as estacóes do ano (o invernó com a sua
fnagem, o veráo com o seu calor...), o bom ou mau tempo
nao deixam de se fazer sentir favorável ou desfavoravelmente
sobre a psicología humana, alterando o estado nervoso dos
individuos e as suas disposigóes para o trabalho.
Todavía nao se diga que tais influencias extinguem, via
de regra, a liberdade de arbitrio do homem ou tracam de
antemáo o roteiro da existencia de alguém. Sob qualquer
clima, o homem fica sendo geralmente responsável por seus
atosf e por suas opgóes? a educagáo em qualquer país deve
tender a tornar o ser humano cada vez mais consciente da
sua liberdade e da sua responsabilidade.
Eis por que o horóscopo nao merece crédito.
Estévao Bettencourt O.S.B.

— 351 —
livros em estante
O Espirito do Amor, por Jean Galot, S. J. — Tradujo de Luiz Jofio
Galo. Ed. Loyola, Sao Paulo 1981, 137 x 218 mm, 171 pp.

Numa época em que multo (mas nem sempre acertadamente) se fala


da acto do Espirito Santo na Igreja e dos cansinas, vem multo a propó
sito o estudo de um grande mestre da Universidade Gregoriana (Roma)
que aborda a teologia do Espirito Santo. O autor nao considera as ques-
tdes históricas relativas ao Espirito Santo, pertinentes ao plano académico
propiamente dito, mas propóe a fundamentacao bíblica e a elaboracáo
teológica destes dados, como ocorrem ñas melhores escolas católicas:
o Espirito Santo é, para os homens, o Dom Supremo do Pai e do Salva
dor, é o Amor em pessoa, autor da nossa santificacao, mestre da vida
interior e alma do Corpo Místico de Cristo. Percebe-se que o Pe. Galot
tem em vista especialmente a aplicarlo das proposigóes teológicas á vida
espiritual dos leilores. Nao considera explicitamente o chamado "Movi-
mento Carismático" de nossos dias, mas oferece aos fiéis da Renovagáo
Carismática todos os elementos doutrinais necessários a urna genuína
vivencia crista, distintos das eventuais íiccoes da ¡maginacáo desorientada.
O livro se presta nao somente ao estudo académico, mas também á
leitura espiritual e á meditagSo.

Iniciacáo a leilura da Biblia, por Dom Amaury Castanho. Valonea


1980, 145 x 210 mm, 150 pp.

Este livro oferece urna serie de quarenta e sete licóes sobre os di


versos escritos biblicos, redigidas em estilo simples para o grande público;
sao, alias, o eco de um curso de S. Escritura por correspondencia que
o atual Sr. Bispo de Valenca elaborou para os fiéis de Sorocaba (SP)
quando trabalhava naquela diocese. Merecem especial atencáo, pela fir
meza de sua doutrina, o capitulo sobre o prímeiro pecado (pp. 28-30)
bem como os que se referem á origem do mundo e do homem (pp. 16-27).
— A obra é clara, sucinta e últil. No final apresenta um questionário (que
contribuí para que o leltor repasse a materia), além de um Dicionárlo
Bíblico. O livro merece ampia difusáo.

Exercfcio humano e cristáo da palemldade responsável. Planejamenlo


familiar, por María José Torres. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1981, 140x218mm,
122 pp.

Este livro é publicado oportunamente, quando no Brasil se discute o


planejamento familiar e se apregoam métodos contrarios á natureza e á
dignidade do ser humano. Madre Maria José Torres, Religiosa Dóratela, é
formada em medicina e altamente capacitada para discorrer sobre o pro
blema. Totnou-se, no Brasil, a apóstola do planejamento familiar (que cer-
tamente é necessário) executado segundo o Método Bllllngs, que é o
mais recente e preciso dos métodos naturais; este recurso nSo prejudica a
saúde da mulher nem acarreta despesas, como os anticoncepcional pre-
judicam. O livro foi escrito para a dlvulgacSo; acompanha urna serle de
145 elides que elucldam cabalmente o assunto, apresentando a anatomía
humana, os métodos artificiáis de controle da natalidade e os métodos
naturais, entre os quais sobressai o de Billhgs. O livro pode ser usado
independentemente dos slides, pois traz desenhos e gráficos que os suprem.
Também é dé notar, no final da obra, urna relacüo de enderecos útels a
(Continua na pág. 319)
EDigOES LUMEN CHRISTI
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5o. andar - sala 501
Caixa Postal 2666- Tel.: (021) 291-7122
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SALTERIO (formato 21x14), contendo os 150 salmos, 53 Cánticos do Antigo


Testamento e 22 do Novo Testamento.
Ediclo bilingüe (Latim-Portugués) e s6 em portugués, para uso nos mosteiros
beneditinos. O texto latino é da novíssima vulgata (25.04.1979) aprovada por
Joao Paulo II . Os 150 salmos em traducao oficial da CNBB, aprovada pela Co-
m.ssao Episcopal de Exame e Aprovagao dos Textos Litúrgicos (CEEATL) Os
75 Cánticos bíblicos sao traduzidos por Dom Marcos Barbosa. Para uso coral ou
individual, tipos bem legíveis, incluidos (em itálico) os versículos e salmos impre
catorios).

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A obra compreende 3 partes. Na 1? estuda a problemática moderna quanto á
Trindade imánente, sendo examinados numerosos autores católicos e protestan
tes. Na 23 parte instituí um exame da doutrina em sua fonte bíblica na docu-
mentaclo dos Padres e do Magisterio, bem como na teologia ciássica Ña 33 parte
discute a conveniencia do uso, hoje em dia, da expressao "tres Pessoas" Ampia
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COMENTARIO AO CREDO
DO POVO DE DEUS

2'> Edicao Revista e Ampliada

PARA SEMINARIOS,
CURSOS TEOLÓGICOS
E ESTUDIOSOS
DA DOUTRINA CRISTA

"Seu objetivo fo¡ certamente atingido: urna iniciacao teológica acessí-


vel aos leigos, apta para introduzi-los a urna atividade teológica" (Y.
Congar, "Bulletin de Théologie", na Rv. des Sciences Philosophiques
et Théologiques 59,1975, p. 465).

"O presente comentario do Pe. Folch nao é certamente o primeiro que


se faz ao 'Credo do Povo de Deus', mas cabe dizer que é um dos mais
completos e extensos que conhecemos. £, na verdade, mais que um co
mentario no sentido técnico, é um tratado teológico sobre a fé e os di
versos artigos da mesma, feito com notável competencia e calcado so
bre os grandes doutores e teólogos católicos, desde Santo Tomás a
Karl Rahner" (O. Rodríguez, ñas "Ephemerides Carmeliticae" 27,
1976, p. 542).

"Estamos íonge, em toda a obra de teorias que se apresentassem como


certezas mas que nao fossem mais que frágeis hipóteses" (I. B. Gillon,
no "Angelicum", 54,1977, p. 578).

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