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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAgÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanza a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
V*..
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
i_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
. dissipem e a vivencia católica se fortaleca
Uj" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
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ANO XXXIV
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PERGUNTE E RESPONDEREMOS
ABRIL 1993
Publicacáb mensal
N9 371

Diretor-Responsável SUMARIO
Estéváo Bettencourt QSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico
Páscoa: a Vitoria da Vida 145
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Monumento da Fé:
O Catecismo da Igreja Católica 146
Administracao e distribuicao:
Edicoes "Lumen Christi" Mal-entendido famoso:
Rúa Dom Gerardo. 40 - 5? andar - sala 501 Encerrado o caso Galileu 160
Tel.: (021) 291-7122
Fax {021) 263-5679 Fatos Candentes:
A Ordenacao de mulheres na
Para correspondencia: Inglaterra 171
Edicoes "Lumen Christi" p
Caixa Postal 2666 Questao discutida:
20001-970 - Rio de Janeiro - RJ O riso ñas tradicoes antigás e
medievais 18;
Impfcssao e Encadernafao

Questao atual:
Extinto o Celibato, haveria
mais Padres? 19i|
•MARQUESSARAIVA " y,

GRÁFICOS E EDITORES S.A.


Tels.: (021) 2733498 - 273-9447

NO PRÓXIMO NUMERO:

"Se¡, mas nao me conformo". - "Aborto. Guia para Tomar Deci-


sóes Éticas". - Stephen Hawking: "Deus, Euea Ciencia". - Os
Comerciáis da TV. - O Domingo: por qué? - A Arte Mahikari.
COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA

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BIBLIOTECA
PÁSCOA: A VITORIA DA VIDA
O mes de abril é marcado pela solenidade de Páscoa. — Pás-
coa, em poucas palavras, é a Vitoria da Vida sobre a morte, do no
vo Adao sobre o tentador e o pecado. Os cristaos sabem que tal
acontecimento nao é meramente pretérito, mas se perpetua atra-
vés dos séculos mediante os sacramentos do Batismo e da Eucaris
tía. Por isto os fiéis trazem em si um principio: da vida nova de
Cristo, já que foram enxertados no Senhor Jesús pelo Batismo. A
conviccao desta profunda verdade levou um poeta — Jean Harang
- a escrever os versos que aqui se seguem em traducao portugue
sa (de M.M. e M.C.), versos cheios do otimismo que sonriente a
Boa-Nova de Cristo pode suscitar:

POIS EU AMO A VIDA


Senhor,
que nao digam um dia que eu "passei desta para melhor",
que nao digam que eu entrei na vida...
Em Ti, Senhor. eu estou vivo desde á eternidade,
em Ti eu existo, e existirei.

Que nao digam que eu adormecí em Ti


justamente no momento em que abrirei intensamente os olhos,
estes olhos que me fazem ver-Te,
segurando minha máo com ternura*.
Que nao digam que eu estou, enfim, no céu,
como se eu já nao estivesse em Ti,
esperando sonriente ver-Te.
Que nao digam que a vida
é somente urna passagem,
como se Tu nao estivesses já aqui,
ressuscitando-me a todo instante em Ti.
Eu amo a vida como a menina dos meus olhos;
é nela que Te vejo
através do véu do amor que no meu último dia se rasgará.
Amo a vida que sei ser eterna,
como Teu amor por mim, como meu amor por Ti.
Possam os dizeres do poeta levantar os ánimos dos fiéis, pe
regrinos pelas estradas da vida, sobretudo os dos enfermos e atri
bulados! "Nao temáis, diz Jesús, eu venci..." (Jo 16, 33).

E.B.

145
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
ANO XXXIV - N? 371 - Abril de 1993

Monumento da Fé:

O CATECISMO DA
IGREJA CATÓLICA

Em síntese: O "Catecismo da Igreja Católica", promulgado


em 1992 pelo Papa Joao Paulo II, vem a ser o referencia! para se
ensinar a doutrina católica no mundo inteiro; propondo em ter
mos claros e simples a mensagem da fé, dissipa as dúvidas que úl
timamente tém sido levantadas a respeito de pontos do Credo;
desta forma o povo de Deus terá como se orientar frente a teorías
que hofe o sacodem.

O texto foi elaborado por urna Comissao de Cardeais e Bis-


pos no decorrer de seis anos de estudo, passando por redacoes
diversas resultantes de consultas feitas a peritos e a todo o epis
copado católico. Consta de 2863 parágrafos, distribuidos em
quatro Partes: 1) A Fé Professada (Credo); 2) A Fé Celebrada
(Sacramentos e Liturgia); 3) A Fé Vivenciada (Moral); 4) A Fé
feita Oracao (Oracao em geral e Pai-Nosso).

A obra destina-se a todos os fiéis da Igreja, podendo ser li-


da com proveito por clérigos e leigos. Os Catecismos regionais
deverao levé-la em consideracao de modo a garantir a homoge-
neidade do ensino da fé católica no mundo inteiro. Como se vé,
a obra veto preencher urna /acuna muito grave, dada urna certa
desorientacao em materia catequética hofe existente. Alias, já
em outras épocas a Igreja sentiu a necessidade de publicar um
Catecismo oficial: tal foi o caso do Catecismo Trídentino (1566)
eodo Catecismo de Pió X(1912).
* * *

146
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

Foi lancado pelo Papa Jólo Paulo II, aos 7-8/12/1992, o


"Catecismo da Igreja Católica", destinado a servir de padrao a
qualquer Catecismo regional. Os fiéis tém assim um referencial
seguro para dirimir dúvidas relativas a pontos de fé hoje em dia
controvertidos. Nao restará motivo para hesitar diante de teorías
propostas por autores contemporáneos, desejosos de traduzir a
fé numa linguagem moderna, mas nem sempre bem sucedidos.

Examinaremos as características de tal obra em geral. Após


o qué, passa remos á considerapao de ce ríos temas de relevo nela
abordados.1

1.TRACOSGERAIS

Antes do mais, devemos notar que nao se trata de um Cate


cismo no sentido dé livro didático para criancas, mas antes temos
em maos um compendio da fé, como observa o próprio S. Padre
na Constituicao Apostólica Fidei Depositum (de 11/10/92), que
apresenta a obra; esta é "urna exposicao da fé da Igreja e da dou
trina católica, atestada ou esclarecida pela S. Escritura, pela Tra-
dicao Apostólica e o magisterio da'lgreja" (ibidem n° 4).

1.1. Dados históricos

Percorrendo os antecedentes de tal obra, verificamos que a


catequese ou a transmissao sistemática da doutrina da fé sempre
foi praticada pela Igreja desde os seus primordios, consoante o
mandamento do Senhor Jesús em Mt 28,18-20. A transmissao se
fazia, a principio, por via meramente oral. Aos poucos, porém,
foi-se sentindo a necessidade de redigir por escrito algumas sinte
ses da pregacao, que facilitassem a memoria dos ouvintes. Assim

1 Dado que estamos escrevendo antes da pub/icacao do texto


portugués do Catecismo, valer-nos-emos da edicao francesa (que é
a oficial), traduzindo-a para o portugués. — O francés foi escola
do por motivos um tanto aleatorios, dizem os comentaristas:
todos na Comissao de Redacao falavam, mais ou menos bem o
francés, ainda que só houvesse nela um participante francés
(Mons. Jean Honoré, Arcebispo de Tours, Franca).

147
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

surgiram os Evangelhos canónicos, que sao o eco da pregacao oral


dos Apostólos.

Houve também recurso ás ¡magens, que, representando ce


nas da historia sagrada, se tornavam a Biblia pauperum ou a Bi
blia dos mais simples ou dos iletrados.

Na Idade Media, S. Antonio de Pádua (t 1231) e S. Bernar-


dino de Sena (t 1444) se distinguiram pela sua obra catequética.

No sáculo XVI as controversias religiosas suscitadas pelo


protestantismo levaram a Igreja a publicar um catecismo oficial
dito "Catecismo Tridentino" ou do Concilio de Trento (editado
em 1566), que até nossos dias tem sido referencial para Catecis
mos regionais.

No inicio do sáculo XX o racionalismo vigente fez que o


Papa S. Pió X se interessasse pela redacao de novo compendio da
fé em linguagem da época, visando aos problemas do seu tempo:
em 1912 publicou o Catecismo de Pió X.

Finalmente, após a segunda guerra mundial (1939-45) a fé


foi sacudida por teorías diversas, que deixaram confusas as men
tes de muitos fiéis. Por isto, por ocasíao do Sínodo Geral dos Bis-
pos de 1985, vinte anos após o Concilio do Vaticano II, os Padres
Sinodais pediram ao S. Padre Joao Paulo II que mandasse redígír
um Catecismo ou Compendio da Fé Católica que respondesse ás
interrogares do povo de Deus e dirimisse as dúvidas lancadas so
bre os fiéis. Assím se manifestaram os Bispos Sínodaís reunidos
em Roma no ano de 1985:

"Deseja-se... que seja redigido um Catecismo de toda a Dou-


trina Católica tanto em materia de fé como em Moral; servirá de
referencial... A apresentacao deve ser tal que seja bíblica e litúr
gica, ofereca urna doutrina íntegra e... adaptada á vida atua/dos
cristSos".

Em conseqüéncía, o Papa nomeou urna Comissao de Car-


deais, presidida pelo Cardeal Josef Ratzinger, a quem confiou a
tarefa de examinar (fosse para aprovar, fosse para emendar) o
texto que devia ser elaborado por outra Comissao de cinco ou

148
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

oito redatores, escolhidos pelo Cardeal ñatzinger dentre os Bis-


pos devotados á Pastoral.

Os redatores elaboraram dois esquemas; depois, um Ante-


projeto, submetido a quarenta peritos, o Projeto e o Projeto Revi
sado. Este foi enviado a todo o episcopado em outubro de 1989 a
título de consulta; em conseqüéncia, foram apresentadas 24.000
propostas de emenda á Comissao Redatora, propostas que foram
classif¡cadas e analisadas mediante computador; 90% do episcopa
do havia-se manifestado favorável ao texto, sendo que a Parte re
lativa á Moral era a mais sujeita a sugestoes de emenda. Levadas
em conta as propostas do episcopado, elaborou-se um texto pré-
definitivo; a seguir, urna outra versao também pré-definitiva; por
último, estava pronto o texto definitivo, que as Comissoes apro-
varam unánimemente aos 14/02/1992. Finalmente o texto foi en
tregue ap Santo Padre, que desejou aínda alguns retoques e o
aprovou definitivamente aos 26/06/1992.

1.2. O conteúdo

O texto oficial, que é o francés, estende-se por 650 páginas,


com 2863 parágrafos, 3.000 citacoes da Biblia, dos Padres da
Igreja e dos Concilios (1.000 referencias ao Concflio do Vaticano
II) e 68 citacoes de dizeres de Santos e Santas (S. Francisco de
Assis, S. Joao Maria Vianney, S. Teresinha de Lisieux, S. Rosa
de Lima...).

A obra compreende quatro Partes:

DA Profissio de Fé (o Credo): 39% do livro;


2) A Celebracao da Fé (Sacramentos e Liturgia): 23% do livro;
3) A Vivencia da Fé (Moral): 27% do livro;
4) A Fé feita Oracao (Oracao em geral e Pai-Nosso): 11%
do livro.

Estas quatro Partes corresponden! aos passos dados na anti-


güidade para instruir os catecúmenos: havia a Traditio Symboli
(a entrega do Símbolo de Fé ou do Credo), a Catequese do De
cálogo (Moral, a transmissao do Pai-Nosso e a mistagogia (inicia-
cao) nos Sacramentos. Tais eram as etapas da Iniciacao Crista
nos séculos IV/V.

149
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

A ordem dessas quatro Partes tem seu significado ou mensa-


gem: após o Credo vem nao a Moral, mas os Sacramentos, pois a
Etica crista nao é senao urna expressao da fé professada e da gra-
9a recebida nos sacramentos; é urna Moralidade sacramental.

Essas quatro Partes se dispSem em dois pares: Fé e Sacra


mentos ( o que Deus fez por nos) e Moral e Oracao (o que deve-
mos fazer em resposta — viver e orar). Como dito, aproximada
mente 2/3 do Catecismo ou 62% correspondem a Fé e Sacramen
tos, e 1/3 aproximadamente (38%) correspondem á resposta do
homem. Há, pois, urna tónica sobre a obra de Deus; ao Senhor
compete o comecar e o levar a termo a obra da nossa salvacao;
afirma-se assim o primado da graca, em antftese a qualquer po-
sicao pelagiana.

A linguagem dessa obra é muito significativa e de fácil com-


preensao. Argumenta sólidamente sem cair na erudiclo reservada
a poucos. O povo de Deus pode regozijar-se profundamente por
dispor atualmente deste Compendio de Fé, referencial precioso
para dirimir dúvidas. Quem deseja ir diretamente a determinado
assunto, tem dois grandes índices fináis: um de citacoes (da S. Es
critura, dos Símbojos de Fé, dos Concilios Ecuménicos, dos Con
cilios e Sfnodos regionais, dos documentos pontificios, dos docu
mentos da Igreja, do Direito Candnico, da Liturgia, dos escritores
eclesiásticos); o outro índice é o de temas. Os dois perfazem um
total de cem páginas na edicto francesa.

Cada artigo da obra, co/npreendendo urna dezena de páginas


aproximadamente, tem no seu final um resumo dos principáis
pontos explanados.

O Catecismo nada traz de novo (nem o podia trazer) em ma


teria essencial de fé e de Moral, mas expSe as clássicas verdades e
normas, aplicándolas ás realidades de hoje.

Ñas páginas subseqüentes poremos em relevo a posicao assu-


mida pelo Catecismo, fiel ás fontesda fé, frente a questionamen-
tos que perturbam os fiéis. Infelizmente a imprensa deturpou o
conteúdo desse Compendio, fixando-se únicamente sobre aspec
tos de Moral para ridicularizá-los.

150
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

2. A RESPOSTA AS DÚVIDAS

Examinaremos dez assuntos de ¡nteresse candente.

2.1. O Ser Humano

De acordó com toda a Tradíelo, o Catecismo ensina que o


homem consta de corpo (material) e alma (espiritual); sao realida
des distintas uma da outra, que se unem entre si para formar o ser
uno que é o homem.

"A pessoa humana, criada á imagem de Deus, é um ser cor


poral e espiritual" (§ 362).

"Nao raro o termo alma designa na Sagrada Escritura a vida


humana ou toda a pessoa humana. Mas designa também o que há
de mais íntimo no homem e de mais valioso, designa aquilo por
que o homem é mais particularmente imagem de Deus: 'alma' sig
nifica o principio espiritual no homem" (§ 363).

"A Igreja ensina que cada alma espiritual é ¡mediatamente


criada por Deus - nao é 'produzida' pelos pais -; Ela ensina tam
bém que a alma é ¡mortal; nao perece quando se separa do corpo
na morte, e se unirá de novo ao corpo por ocasiao da ressurreicáo
final" {§ 366).

A distincao de corpo e alma aqui professada nada tem que


ver com dualismo. Este implica antagonismo ontológico entre
dois elementos (um sería por si bom, o outro por si mau); isto
nao é cristab. Para escapar do dualismo, nao há necessidade de re
correr ao monismo; entre dualismo e monismo existe a dualidade,
que é a distincSo de dois elementos entre si, sem implicar antago
nismo; tal é o caso de corpo e alma.

2.2. O Pecado Original

O texto afirma a elevacao dos primeiros pais á justica origi


nal ou a um estado de riqueza espiritual, que devia ser confirma
do pela livre aceitacao do homem. Submetido a uma prava (sim
bólicamente expressa pela proibicao de comer de uma fruta), o

1S1
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

homem disse Nao ao dom de Deus. Conseqüentemente perdeu os


dons origináis e os seus descendentes nascem privados de tais
dons, sentindo em si as conseqüéncias do pecado (a desordem das
paixSes, o sofrimento e a morte como arranco doloroso). — Eis
os textos do Catecismo:

"O homem nao sonriente foi criado bom, mas foi constitui
do em amizade com o seu Criador e harmonía consigo mesmo e
com as criaturas que o cercavam..." (§ 374).

"A Igreja, interpretando de modo auténtico o simbolismo


da linguagem bíblica á luz do Novo Testamento e da Tradicao,
ensina que nossos primeiros país Adao e Eva foram constituidos
num estado de santidade e justica original. Esta grapa da santida-
de original era urna 'participacao da vida divina' " (§ 375).

"Pela irradiacao dessa grapa, todas as dimensoes da vida do


homem foram reconfortadas. Enquanto permanecía na intimida-
de com Deus, o homem nao devia morrer (cf. Gn 2,17; 3,19) nem
sofrer (cf. Gn 3,16). A harmonía íntima da pessoa humana, a har
monía entre o homem e a mulher (cf. Gn 2,25), enfim a harmo
nía entre o primeiro casal e todas as criaturas constituiam o esta
do chamado 'justica original'" (§ 376).

"O dominio do mundo que Deus concederá ao homem des


de o inicio, realizava-se, antes do mais, no homem mesmo como
autodominio. O homem era integro e ordenado em todo o seu
ser, porque livre da tríplice concupiscencia (cf. Uo 2,16) que o
sujeita aos prazeres dos sentidos, á cobica dos bens terrestres e á
autoafirmacao contraria aos imperativos da razio" (§ 377).

"O sinal da familiaridade com Deus,, ó que. Deus o colocou


no jardim (cf. Gn 2,8). Lá vivía "o homem para cultivar o solo 0
guardá-lo (cf. Gn 2,15); o trabalho nao é urna pena (cf. Gn 3,17-
19), mas a colaboracao do homem e da mulher com Deus para o
aperfeicoamento das criaturas visíveis" (§ 378).

"Toda essa harmonía da justica original, prevista para o ho


mem segundo o designio de Deus, foi perdida pelo pecado de
nossos primeiros país" (§ 379).

152
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 9

O texto acentúa a realidade do pecado original, que vem a


ser urna verdade essencial da fé:

"A doutrina do pecado original vem a ser, por assim dizer,


o 'reverso' da Boa-Nova de que Jesús é o Salvador de todos os
homens; todos tém necessidade de salvacao, salvacao que é ofere-
cida a todos grapas a Cristo. A Igreja, que tem o senso de Cristo
(cf. ICor 2, 16), bem sabe que nao se pode tocar na revelacao do
pecado original sem afetar o misterio de Cristo" (§ 389).

"O relato da queda (Gn 3) utiliza urna íinguagem figurada,


mas afirma um acontecimento primordial, um fato que ocorreu
no inicio da historia do homem (cf. Constituicao Gaudium et
Spes 13 § 1). A Revelacao nos dá a certeza, de fé, de que toda
a historia humana é marcada pela culpa original livremente come
tida por nossos primeiros pais" (§ 390).

Em suma, o tema "pecado original" nao é da aleada da ra-


zao filosófica nem da arqueología, mas peitence estritamente ao
ámbito da fé. Por conseguinte, só pode ser elucidado a partir das
fontes da fé, que o Catecismo transmite auténticamente ao Povo
de Oeus.

2.3. Os Anjos

A realidade dos anjos é professada com toda a Tradicao cris


ta, assim como a queda de parte dos mesmos, que se tomaram
adversarios do plano salvffico de Deus e sedutores do homem pa
ra o pecado. Eis o texto respectivo:

"A existencia dos seres espirituais, nao corpóreos, que a Sa


grada Escritura habitualmente chama anjos, é urna verdade de fé.
O testemunho da Escritura é tao nítido quanto a unanimidade da
Tradicao" (§ 328).

"Como criaturas puramente espirituais, tém inteligencia e


vontade; sao criaturas pessoais e ¡moríais. Ultrapassam em perfei-
cao todas as criaturas visíveis. O brilho da sua gloria dá testemu
nho disto (cf. Dn 10,9-12)" (§ 330).

"A Escritura fala de um pecado desses anjos. Essa queda


consiste na livre escolha desses espirites criados, que, de maneira

153
K) "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

radical e irrevogável, recusaram Deus e seu reino. Encontramos


um reflexo dessa rebeliao ñas palavras do tentador aos nossos
primeiros país: 'Vos vos tornareis como Deus' (cf. Gn 3,5). O dia-
bo é 'pecador desde a origem' (Uo 3,8), 'pai da mentira' (Jo 8,
44)" {§ 392).

"é o caráter irrevogável da escolha dos anjos, e nao urna de


ficiencia da infinita misericordia de Deus, que faz que o seu peca
do nao possa ser perdoado. 'Eles nao sentem arrependimento
após a queda, como nao há arrependimento para os homens após
a morte' (Sao Joao Damasceno, Fé Ortodoxa 2,4)" (§ 393).

2.4. O Purgatorio Postumo

O purgatorio postumo é entendido como um estado onde,


após a morte, as almas dos fiéis que ainda tragam resquicios do
pecado, repudiam plenamente essas sombras que Ihes impedem a
visao de Deus face-á-face. Percebendo claramente a hediondez do
pecado, ainda que leve, o cristao, na outra vida, se liberta de qual-
quer afeto desregrado com que tenha morrido. Para que isto
ocorra, os fiéis neste mundo podem oferecer a Deus suas preces
em favor das almas do purgatorio:

"Aqueles que morrem na graca e na amizade de Deus, mas


imperfetamente purificados, estao certos da sua salvacao eterna,
todavía sofrem urna purificacáo postuma, a fim de obter a santi-
dade necessária para entrar na alegria do céu" (§ 1030).

"A Igreja chama purgatorio essa purificacáo final dos elei-


tos, purificapao que é totalmente diversa da punicao dos conde
nados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatorio
principalmente nos Concilios de Florenca e de Trento" (§ 1031).

"Este ensinamento baseia-se também sobre a pratica da ora-


cao pelos defuntos de que já fala a Escritura Sagrada: 'Eis por que
judas Macabeu mandou oferecer este sacrificio expiatorio em
prol dos morios, a fim de que fossem purificados de seu pecado"
(2Mc 12,46). Desde os primeiros tempos a Igreja honrou a memo
ria dos defuntos e ofereceu sufragios em favor dos mesmos, parti
cularmente o sacrificio eucarístico, a fim de que, purificados,

154
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

possam chegar á visao beatífica de Deus. A Igreja recomenda tam-


bém as estriólas, as indulgencias e as obras de penitencia em favor
dos defuntos" {§ 1032).

A respeito do Purgatorio e dos sufragios ver ulteriores consi-


deracoes no recém-publicado Curso de Novi'ssimos (Escatologia)
pela Escola "Mater Ecclesiae", Caixa postal 1362, 20001-970
Rio(RJ).

2.5. Ressurreicáo da carne

Eis outro ponto que suscita dúvidas hoje, pois quem nao
distingue entre corpo e alma afirma que a ressurreicao ocorre
logo depois da morte do individuo. Tal nao é a doutrina da Igre
ja, que, professando a distincao de corpo e alma, atribui a ressur
reicao ao fim dos tempos, com base na Escritura e na Tradicao:

"O Credo cristao... culmina na proclamacáo da ressurreicao


dos mortos no fim dos tempos e na vida eterna" (§ 988).

"Que é 'ressuscitar? Em conseqüéncia da morte, separacao


da alma e do corpo, o corpo humano sofre a deterioracáo, ao
passo que a sua alma vai ao encontró de Deus, permanecendo na
expectativa de ser reunida ao seu corpo glorificado. Deus, em sua
on i potencia, restituirá definitivamente a vida ¡mortal aos nossos
corpos, unindo-os ás nossas almas, em virtude da Ressurreicáo de
Jesús" (§ 997).

"Quando? Definitivamente 'no último día' (cf. Jo 6,39s. 44.


54; 11,24), no fim do mundo (Constituicao Lumen Gentium
n? 48). Com efeito, a ressurreicao dos mortos está intimamente
associada á segunda vinda de Cristo" (§ 1001).

2.6. Pecado Mortal e Pecado Venial

O texto distingue pecado mortal e pecado venial apenas, e


nao pecado leve, grave e mortal, como se tem lido em alguns Ma-
nuais de Teología Moral:

"Convém classif¡car os pecados segundo a sua gravidade. Já


perceptível na Escritura (Uo 5,16s), a distincao entre pecado

15S
J2 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

mortal e pecado venial se impós na tradicao da Igreja. A experi


encia dos homens a corrobora" {§ 1854).

"Para que um pecado seja mortal, requeremse tres condi


coes simultáneas: 'é pecado mortal todo pecado que tenha por
objeto urna materia grave, e que seja cometido com plena cons-
ciencia e com propósito deliberado' (Exortacao Apostólica Re-
conciliacao e Penitencia n? 17)" (§ 1857).

"Cométese um pecado venial quando nao se observa em


materia leve a medida prescrita pela tei moral, ou quando se deso
bedece á lei moral em materia grave, mas sem pleno conheci-
mentó de causa ou sem inteiro consentimento" (§ 1862).

Passamos agora a questoes que a imprensa abordou em tom


pouco respeitoso.

2.7. Pena de Morte. Guerra Defensiva

A Igreja nao tem posicao definida diante da questao da pena


de morte. Reconhece que pode ser legítima em casos de defesa da
sociedade para os quais nao se veja outra solucao. Julga, porém,
que se devem preferir alternativas mais brandas, desde que se Ihes
possa prever a eficacia de salvaguardar o bem comum:

"Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor


seja impossibilitado de a prejudicar. A este título, o ensinamento
tradicional da Igreja reconheceu a validado do direito e do dever,
da autoridade pública legítima, de punir com penas proporcio
náis á gravidade do delito, sem excluir, em casos de extrema
gravidade, a pena de morte. Por razoes análogas os detentores da
autoridade tém o direito de rechacar pelas armas os agressores da
nació que Ihes é confiada" (§ 2266).

"Se bastam os recursos nao sangrentes para defender a vida,


humana contra o agressor e proteger a ordem pública e a seguran-
ca das pessoas, as autoridades deverao ater-se a esses meios, por
que correspondem melhor ás condicoes concretas do bem comum
e sao mais conformes á dignidade da pessoa humana" (§ 2267).

156
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 13

Alias, nao se pode esquecer que a pena de morte era vigente


no Antigo Testamento, segundo a Lei de Moisés; cf. Lv 20,8-21.

2.8. A Prostituicao

A prostituicao é condenada como pecado grave. O Catecis


mo, porém, julga que nem todas as pessoas que se prostituem sao
igualmente culpadas; pode haver aqueles e aquetas que sao, de
algum modo, induzidos a isto, com responsabilidade atenuada,
porque nao devidamente livres ou esclarecidos. Só Deus vé as
consciéncias. Ao observarmos o fato bruto e objetivo da prosti
tuí?ao, devemos condená-lo peremptoriamente; todavia mal sa
bemos o que possa haver de constrangimento, confusao, ignoran
cia ou tara no íntimo das pessoas que se entregam ou que sao en
tregues á prostituicao:

"A prostituicao fere a dignidade da pessoa que se prostituí,


reduzida ao prazer venéreo que déla se tira. Aquele que paga,
peca gravemente contra si mesmo; viola a castidade á qual o obri-
ga o seu Ratismo e polui seu corpo, templo do Espirito Santo
(cf. ICor 6,15-20). A prostituicao vem a ser um flagelo social.
Afeta habitualmente mulheres, mas também homens, enancas
ou adolescentes (nestes dois últimos casos, o pecado é agravado
pelo escándalo), é sempre gravemente pecaminoso entregar-se á
prostituicao, mas a miseria, a chantagem e a pressao social podem
atenuar a imputabilidade da falta" (§ 2355).

2.9. Homossexualismo

É outra aberracao moral, porque contraria á lei natural. To


davia é preciso evitar desprezo das pessoas homossexuais; median
te a ajuda sincera e desinteressada de pessoas amigas, podem gra-
dativamente encaminhar-se para a pe rife ¡cao crista, desde que vi-
vam castamente:

"O homossexualismo designa relacoes entre homens ou mu


lheres que experimentara atracao sexual, exclusiva ou predomi
nante, para com pessoas do mesmo sexo. Assume modalidades
muito variegadas atreves dos sáculos e das culturas.

A sua origem psíquica está, em grande parte, inexplicada.


Apoiando-se na Sagrada Escritura, que as apresenta como de-

157
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

pravacoes graves (cf. Gn 19,1-29; Rm 1, 24-27; 1Cor 6,10; 1Tm


1,10), a Tradicao sempre declarou que 'os atos homossexuais sao
intrínsecamente desordenados'. Sao contrarios á leí natural. Fe-
cham o ato sexual ao dom da vida. Nao procedem de urna com-
plementariedade afetiva e sexual verdadeira. Nao podem ser apro-
vados em caso algum" (§ 2357).

"Nao poucos homens e mulheres apresentam tendencias ho


mossexuais básicas... Nao escolhem sua condicao homossexual;
esta vem a ser, para a maioria deles, urna provacao. Devem ser
acolhidos com respeito, compaixao e delicadeza. Evite-se para
com eles todo sínal de discriminacao injusta. Essas pessoas sao
chamadas a realizar a vontade de Deus na sua vida e, se sao cris
tas, chamadas a unir ao sacrificio da Cruz do Senhor as dificul-
dades que podem encontrar pelo fato de serem tais" {§ 2358).

"As pessoas homossexuais sao chamadas'á castidade. Pelas


virtudes do auto-dominio, que educam a liberdade interior, al-
gumas vezes pelo apoio de urna amizade desinteressada, pela ora-
cao e pela grapa sacramental, podem e devem aproximar-se, gra-
dativa e resolutamente, da perfeicao crista" (§ 2359).

Notemos que o texto do § 2358 exclui a discriminacáo in


justa dos homossexuais. Isto quer dizer que pode haver discrimi
nacao justa: com efeito, esta ocorre sempre que o bem comum
corra perigo, ou sempre que a anormal idade possa ser confundi
da com a normalidade ou, ainda, sempre que naja perigo de des
vio para pessoas nao homossexuais.

2.10. Adivinhacao,-Horóscopo, Quiromancia...


A imprensa em 1992 comentou amplamente tais ftens, de-
turpando os dizeres do Catecismo, que sao os seguintes:

"Deus pode revelar o futuro aos seus profetas ou a outros


Santos. Todavía a atitude crista correta consiste em entregar-se
confiantemente ñas maos da Providencia no que diz respeito
ao futuro e em abandonar toda curiosidadé mórbida a tal propó
sito. A imprevidéncia, porém, pode tornarse urna falta de res-
ponsabilidade"(§2115).

'Todas as formas de adivinhacao nao de ser rejeitadas: re


curso a Satanás ou aos demonios, evocacao dos mortos ou outras

158
O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 15

práticas erróneamente tidas como aptas para desvendar o futuro


(cf. Dt 18,10; Jr 29,8). A consulta de horóscopos, a astrologia,
a quiromancia, a interpretacao de presságios e sones, os fenó
menos de videncia, o recurso aos médiuns incluem a vontade de
dominar o tempo, a historia e também os homens, assim como
o desejo de conciliar potencias ocultas. Estao em contradicao
com a honra e o respeito, mesclado de temor amoroso, que de-
vemos a Deus somente" (§ 2116).
* * *

Sao estes alguns espécimens do conteúdo do Catecismo da


Igreja Católica. Vemos que se trata de ensinamentos coerentes
com a S. Escritura e a Tradicao, formulados de modo claro, vi
sando, quando necessário, a atender a problemas e questiona-
mentos do mundo atual.

Tal obra é tida, com base sólida, como a mais notave I e sig
nificativa de todo o benemérito pontificado do Papa Joao Paulo
■ I- * * *
A Esperanca Crista, por varios autores. Curso de Teología
para Leigos, vol. 6. - Ed. Cidade Nova, Sao Paulo 1992, 135 x
205mm,232pp.
O presente volume encerra urna colegio de seis voluntes que
apresenta a doutrina da fé em nivel médio-superior. Nem todos
os volumes, como nem todas as páginas de cada volume, tém o
mesmo valor, como se compreende numa obra de varios autores.
O tomo 6, sobre a Esperanca Crista, trata primeramente da histo
ria do mundo e seu significado, em termos válidos e interessantes.
Depois aborda a escatologia, tema extremamente delicado, pois
hofe diversas teorías querem reexplicá-lo, nem sempre em linha
ortodoxa. — No tocante é ressurreicao da carne, o livro mantém
devidamente a distincao entre corpo e alma como componentes
do^ ser humano (cf. p. 157); todavía com re/acao ao purgatorio,
nao é claro, tendendo a propor o purgatorio como algo de instan
táneo ocorrente na hora da morte (cf. p. 173). Esta hipótese é va
ga e inconsistente. — Com isto nao queremos dizer que o purgato
rio se/a um lugar no qual ha/a dias e noítes - o que é falso; mas
afirmamos que é um estado de alma postumo, dimensionado pelo
evo e concedido pela Misericordia Divina a quem tenha morrido
com o amor voltado para Deus, mas aínda contraditado por res
quicios do pecado. - A propósito pode-se recomendar o Curso
de Escatologia (Novíssimos) publicado pela Escola "Mater Ecc/e-
siae". Caixa postal 1362,20001 - Rio (RJ).

159
Mal-entendido famoso:

ENCERRADO O CASO GALILEU

Em símese: Em 1981 o Papa Joao Paulo II nomeou urna


ComissSo de teólogos, dentistas e historiadores, a fim de apro-
fundarem o exame do caso Gali/eu. Tal ComissSo estudou com
especial interesse a temática e, após onze anos de trabalho, apre-
sentou seus resultados ao S. Padre. Este entao, perante a Pontifi
cia Academia de Ciencias, proferíu memorável discurso, aos
31/10/1992, em que reconhecia o erro dos teólogos contempo
ráneos a Galileu: julgavam dever defender o geocentrismo em no-
me de urna falsa interpretagao da S. Escritura. Daía condenacao
de Galileu por parte do S. Oficio em 1633. -Ao lembrar isto, o
Pontífice também chama a atencao para a dificuldade que os
homens do sécu/o XVII deviam experimentar, para aceitar a tao
revolucionaria teoría de Galileu; era preciso que, de um lado, se
fixassem novos criterios de hermenéutica bíblica e, de outro lado,
a proposigao heliocéntrica se corroborasse com argumentos ainda
mais sólidos do que os que Galileu podia apresentar. Hojenao há
dúvida de que nao existe problema em conciliar a mensagem da
fé com as sentengas seguras da ciencia, pois os estudiosos toma-
ram consciéncia de que a Biblia nSo pretende ensinar ciencias na-
turáis, mas se refere aos fenómenos da natureza usando urna Un-
guagem familiar pré-cientifica, suficiente para exprimir a mensa
gem religiosa que a Escritura Sagrada tenciona transmitir.

A propósito ainda observamos que a condenagSo de Galileu


nao afeta a validade do magisterio da Igre/a, visto que este só é
infalfvel quando define artigos de fé e de Moral. Ora o caso de
Galileu versava sobre sistemas astronómicos e a interpretacSo da
Biblia.
* * *

160
ENCERRADO O CASO GALILEU V7

Na primeira metade doséculo XVII Gal i leo Galilei, dentista


florentino, lanpou ao público a teoría heliocéntrica, segundo a
qual o Sol, e nao a Térra, é o centro do nosso sistema planetario.
Tal teoría, ¡novadora na época e aínda carente de fundamentado
evidente, suscitou controversias. Especialmente os teólogos se
¡nsurgiram contra a proposicao, visto que Ihes parecía contrariar
a doutrina da S. Escritura, geocéntrica á primeira vista (cf. Js 10,
12-14; Ecl 1,5; Hab 3,11). Em conseqüéncia, Galileu foi condena
do por duas sentencas do Santo Oficio, a saber: em 1616 e ém
1633.

A resistencia ao heliocentrismo se protraiu também fora do


Catolicismo até o século XIX, em grande parte por causa de urna
inadequada interpretacao da Biblia, tomada como manual de ci
encias naturais. Na época atual, tem-se consciéncia de que as Es
crituras nao tencionam ensinar Física ou Astronomía; usam lin-
guagem pré-cienti'fica ou familiar ao se referir aos fenómenos fí
sicos, linguagem que há de ser interpretada como tal e nao segun
do o rigor científico. Hoje em dia, portanto, verifica-se que nao
havia motivo para condenar Galileu em nome da S. Escritura;
tem-se consciéncia outrossim de que ná*o há oposicao entre cien
cia e fé, pois cada qual destas fontes do saber tem seu método e
seu ponto de vista próprios; falam em planos diferentes.

Todavía, para que isto ficasse claro e os equívocos associa-


dos ao caso Galileu fossem dissipados, o S. Padre Joao Paulo II,
desde o inicio do seu pontificado, tomou as devidas providencias,
que culminaram na manha de 31 de outubro de 1992, como vere
mos a seguir.

1. INICIATIVAS E PRONUNCIAMENTO DE JOAO PAULO II

Desejoso de sanar os mal-entendidosdecorrentesdo caso Gali


leu, o Papa Joao Paulo II assimencaminhou osacontecimentos:

Aos 10/11/1979, por ocasiao da celebracao do primeiro cen


tenario do nascimento de Albert Einstein, exprimiu na Pontificia
Academia de Ciencias o desejo de que "teólogos, dentistas e his
toriadores, animados por espirito de sincera colaboracSo, apro-
fundassem o exame do caso de Galileu e, no reconhecimentó leal

161
J8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

dos erras, de qualquer lado que tenham vindo, fizessem desapare


cer as desconfianzas que tal assunto opunha, em muitos espíritos,
a urna concordia frutuosa entre ciencia e fé" (Acta Apostolicae
Sedis 71,1979, pp. 1464s).

Conseqüentemente, aos 03/07/1981 foi constituida urna


Comissao de Estudos destinados a rever a temática. Tal Comissao
constava de quatro Grupos de Trabalho, tendo á frente respecti
vamente o Cardeal Cario María Martini, de Milao, para as ques-
toes de exegese bíblica; o Cardeal Paúl Poupard, para as questoes
de cultura ge ral; o Professor Carlos Chagas Filho e o Pe. George
Coyne S.J., Diretor do Observatorio Vaticano, para assuntos cien
tíficos e epistemológicos; Mons. M¡chele Maccarrone, para temas
históricos e jurídicos. Seria Secretario o Pe. Enrico de Rovasenda.

Os peritos trabalharam durante onze anos e, finalmente, aos


31/10/1992 apresentaram um conjunto de publicares como re
sultado de suas investigares. Nesse mesmo dia, 350? aniversario
da morte de Galileu, realizou-se urna solene sessao da Pontificia
Academia de Ciencias. Tomou entao a palavra o Cardeal Paúl
Poupard, encarregado de prestar contas dos trabalhos (de seu dis
curso publicaremos alguns trechos sob o título 3 deste artigo).
Após o qué, o S. Padre proferiu memorável discurso, do qual ex-
traímos os seguintes segmentos:

2. O DISCURSO DE JOÁO PAULO II

"A representacao geocéntrica do mundo era comumente


admitida na cultura do tempo, como plenamente concorde com
o ensinamento da Biblia, da qual, algumas expressSes, tomadas á
letra, pareciam constituir afirmacSes de geocentrismo. O proble
ma que entao os teólogos da época se puseram, era o da compati-
bilidade do heliocentrismo e da Escritura.

Deste modo a ciencia nova, com os seus métodos e a liber-


dade de investigacao que eles supoem, obrigava os teólogos a in-
terrogarem-se sobre os seus próprios criterios de interpretacao da
Escritura. A maioria nSo o soube fazer.

Paradoxalmente, Galileu, fiel sincero, mostrou-se sobre este


ponto mais perspicaz do que os seus adversarios teólogos. Se a Es-

162
ENCERRADO O CASO GALILEU 19

critura nao pode errar, escreve ele a Benedetto Castelli, alguns


dos seus intérpretes e comentaristas o podem e de mu ¡tas manei-
ras (Carta de 21.12.1613, em Edizione nazionale delle Opere di
Galileo Galilei, dir. A. FAVARO, reedicao de 1968, vol.V, p.
282). Também é conhecida a sua carta a Cristina de Lorena
(1615), que é como que um pequeño tratado de hermenéutica bí
blica (Carta a Cristina de Lorena, 1615, em Edizione nazionale
delle Opere di Galileo Galilei, dir. A. FAVARO, reedicao de 1968,
vol. V, pp. 307-348)...

A viragem provocada pelo sistema de Copérnico exigiu assim


um esforco de reflexá"o epistemológica sobre as ciencias bíblicas,
esforco que devia produzir mais tarde frutos abundantes nos tra-
balhos exegéticos modernos, e que encontrou na ConstituicSo
conciliar Dei Verbum urna consagracao e um novo impulso...

é preciso repetir aquí o que eu disse ácima. É um dever para


os teólogos manterem-se regularmente informados sobre aquisi-
coes científicas, para examinar, quando necessário, se é ou nao o
caso de as ter em consideracao ñas suas reflexSes, ou de fazer re-
vísfies no seu ensinamento.

Se a cultura contemporánea está assinalada por urna tenden


cia para o cientismo, o horizonte cultural da época de Galileu era
unitario e trazia a marca duma formacao filosófica particular. Este
caráter unitario da cultura, que em si é positivo e desejável ainda
hoje, foi urna das causas da condenacao de Galileu. A maioria dos
teólogos nao percebia a distincao formal entre a Escritura Sagra
da e a sua interpretado, o que os levou a transpor indevidamente
para o campo da doutrina da fé urna questao, de fato, relevante
da investigacá*o científica.

Na realidade, como recordou o C árdea I Poupard, Roberto


Belarmino, que tinha percebido o que estava realmente em jogo
no debate, considerava, por sua parte, que, diante de eventuais
pravas científicas do movimentó orbital da térra em redor do sol,
devfamos "interpretar, com urna grande circunspeccSo", toda
passagem da Biblia que parece afirmar que a térra é ¡móvel, e di-
zer que nao o compreendemos, antes de afirmar que é falso o que
se demonstra (Carta ao Padre A. Foscarini, 12.4.1615, cf. Edizio-

163
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

ne nazionale delle Opere di Gal i leo Galilej, dir. A. F AVARO, vol.


XII, p. 172). Antes dele, já havia a mesma sabedoria e o mesmo
respeito pela Palavra divina, que inspiravam Santo Agostinho ao
escrever: Se a urna razao evidenti'ssima e segura se procurar con-
trapor a autoridade das Sagradas Escrituras, quem o fizer nao
compreende e opSe á verdade ná"o o sentido genuino das Escritu
ras, o qual nao se conseguiu penetrar, mas o próprio pensamento,
a saber, nao o que encontrou ñas Escrituras, mas o que encontrou
em si próprio, como se existisse nelas (Epistula 143, n.7; PL 33,
col. 588). Há um século, o Papa Leao XIII fazia eco deste conse-
Iho, na sua Encíclica Providentissimus Deus: Dado que o verda-
deiro nao pode de modo algum contradizer a verdade, podemos
estar certos de que um erro se insinuou ou na interpretado das
palavras sagradas, ou noutro lugar da discussao (Leonis XIII Pont.
Max. Acta, vol. XIII, 1894, p.361).

O Cardeal Poupard recordou-nos igualmente que a sentenca


de 1633 nao era irreformável e que o debate, que nSo tinha cessa-
do de evoluir, se concluiría em 1820 com o Imprimatur, concedi
do á obra do Cónego Settele (cf. Pontificia Academia Scientia-
rum, Copernico, Galilei e laChiesa, Fine della controversia [1820].
Gli atti del Sant'Ufficio, obra de W. Brandmüller e E.J. Greipl,
Florenca, Olschki, 1992).

A partir do século das Luzes até aos nossos dias, o caso Ga-
lileu constituiu urna especie de mito, no qual a imagem que se ti
nha formado dos eventos estava bem longe da realidade. Nesta
perspectiva, o caso Galileu era o símbolo da pretendida rejeicao,
por parte da Igreja, do progtesso científico, ou entao do obscu
rantismo dogmático oposto á livre investigacao da verdade. Este
mito desempenhou um papel cultural considerável; contribuiu para.
ancorar numerosos dentistas de boa fé á ¡dé¡a de que havia in-
compatibilidade, por um lado, entre o espirito da ciencia e a sua
ética de pesquisa e, por outro, a fé crista. Urna trágica incom-
preensáo recíproca foi interpretada como o reflexo duma oposi-
cao constitutiva entre ciencia e fé. Os esclarecimentos fomecidos
pelos recentes estudos históricos, permitem-nos afirmar que este
doloroso mal-entendido já pertence ao passado...

No tempo de Galileu, era inconcebível representar-se um


mundo que fosse desprovido dum ponto de referencia física abso-

164
ENCERRADO O CASO GALILEU 21

luto. E como o cosmos entao conhecido estava, por assim dizer,


contido no único sistema solar, ná*o se podia situar este ponto de
referencia senao na térra ou no sol. Hoje, depois de Einstein e na
perspectiva da cosmología contemporánea, nenhum destes dois
pontos de referencia reveste a importancia que tinha entao...

O erro dos teólogos daquela época, quando sustentavam a


centralidade da térra, foi pensar que o nosso conhecimento da
estrutura do mundo físico era, de certa maneira, imposto pelo
sentido literal da Sagrada Escritura. Recordemos a palavra célebre
atribuida a Barónio: Spiritui Sancto mentem fuisse nos docere
quomódo ad coelum eatur, non quomodo coelum gradiatur.1
Na realidade, a Escritura nao se ocupa dos pormenores do mundo
físico, cujo conhecimento está confiado á experiencia e ao racio
cinio humano. Existem dois campos do saber: o que tem a sua
fonte na Revelacao e aquele que a razao só pode descobrir pelas
suas forcas. A este último pertencem sobretudo as ciencias expe
rimentáis e a filosofía. A distincao entre os dois campos do saber
nao deve ser entendida como urna oposicfo. Os dois campos ná*o
sao puramente estranhos um ao outro, mastém pontos de encon
tró. As metodologías próprias de cada um permitem por em evi
dencia aspectos diferentes da realidade".

3. DO DISCURSO DO CARDEAL POUPARD

Eis alguns trechos que complementam os dados históricos


contidos no discurso de Sua Santidade:

"2. O Candeal Roberto Belarmino já expusera, numa carta


de 12 de abril de 1615, dirigida ao Pe. Foscarini, carmelita, as
questoes suscitadas pelo sistema de Copérnico1: a astronomía de
Copérnico é verídica no sentido de apoiada por provas reais e

1 "O propósito do Espirito Santo foiensinar-nos como devemos


ir ao céu, e nao como caminha (vai) o céu". (Traducao da Re-
dacao).

1 Nicolau Copérnico (1473-1543) foi cónego polonés, que. antes


de Galileu, já propusera a teoría heliocéntrica tímidamente em
1507 e mais sólidamente em 1543. (Nota do tradutor).

165
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

comprováveis? Ou fundamenta-se apenas sobre conjeturas e ve-


rossimilhancas? E, mais, as teses de Copémico sao compatfveis
com os enunciados da S. Escritura? Segundo Belarmino, enquan-
to nao houvesse prova da revolucao da Térra em torno do Sol,
seria preciso interpretar com grande circunspeccao as passagens bí
blicas que afirmam a imobilidade da Térra. Se alguma vez a movi-
mentacao da Térra viesse a ser demonstrada, entao os teólogos
deveriam, segundo Belarmino, rever as suas interpretacoes das
passagens bíblicas aparentemente opostas as teorías de Copérnico,
de modo a nao tratar como falsas as opinioes comprovadamente
verdadeiras:

'Digo que, se realmente fosse demonstrado que o Sol está


no centro do mundo e a Térra no terceiro céu e que o Sol nao gi
ra em tomo da Térra, mas a Térra em torno do Sol, seria preciso
proceder com muita circunspeccao na explanacSo das Escrituras
que parecem contrariar a esta tese e, antes, dizer que nao a com;
preendemos em vez de afirmar que asentenpacomprovada é falsa'
(Opere di Galileo Galilei, Florenca 1890-1909, vol. XII, p.' 172).

3. Na verdade, Gal ¡leu nao conseguirá provar de modo ¡rrefu


tave I o duplo movimentó da Térra, ou seja, a revolucao anual em
torno do Sol e o giro cotidiano em torno do eixo dos polos; ele
estava convicto de ter encontrado a prova respectiva ñas mares
dos océanos — fenómeno do qual sonriente Newton devia demons
trar a verdadeira origem. Galileu propós outro esboco de prova na
existencia dos ventos alisios, mas ninguém possuia entao os co-
nhecimentos indispensáveis para deduzir daí conclusoes claras e
necessárias.

Foi preciso que decorressem mais de cento e cinqüenta anos


aínda para se encontrarem as provas óticas e mecánicas da mobili-
dade da Térra. Doutro lado, os adversarios de Galileu, nem antes
nem depois dele, nada descobriram que refutasse, de modo convi-
cente, a astronomia de Copémico. Os fatos se ¡mpuseram e, sem
demora, deram ocasiio a que aparecesse a índole relativa da sen-
tenca proferida em 1633. Esta nao tinha caráter ¡rreformável. Em
1741, diante da prova ótica da revolucao da Térra em tomo do
Sol, Bento XIV se empenhou para que o Santo Oficio desse o
Imprimatur á prímeira edicao das obras completas de Galileu.

166
ENCERRADO O CASO GALILEU 23

4. Esta reforma implícita da sentenca de 1633 se tomou


explícita pelo decreto da Sagrada Congregacá'o do índex que re-
tirou da edicao, de 1757, do Catálogo dos Livros Proibidos as
obras que favoreciam a teoría heliocéntrica. Todavía, apesar deste
decreto, mu ¡tos foram aqueles que permaneceram reticentes dian
te da nova interpretacao. Em 1820, o Cónego Settele, professor
na Universidade La Sapienza de Roma, dispunha-se a publicar os
seus Elementos de Ótica e Astronomía. Sofreu a recusa do Pe.
Anfossi, Mestre do Sagrado Palacio, de Ihe conceder o Imprima-
tur. Este incidente dava a impressao de que a sentenca de 1633 fi-
cara. irreformada porque irreformável. O autor, injustamente cen
surado, ¡nterpos apelo ao Papa Pió Vil, do qual recebeu em 1822
sentenca favorável. Deu-se entao um fato decisivo: o Pe. Oliveri,
antigo Mestre Geral dos Frades Pregadorese Comissário do Santo
Oficio, redigiu um relatório favorável á concessao de Imprimatur
ás obras que expunham a astronomía de Copérnico como uma
tese, e nao mais apenas como hipótese.

A decisao pontificia havia de ter sua api ¡cacao prátíca em


1846, por ocasiao da publ¡cacao de novo índex, atualizado, dos
Livros Proibidos.

5. Em conclusao, a releitura dos documentos dos Arquiyos


mostra mais uma vez: todos os personagens de um processo, sém
excecao, tém direito ao beneficio da boa fé, na falta de documen
tos contrarios. As qual ¡f¡capóes filosóficas e teológicas abusiva
mente atribuidas ás teorías outrora novas a respeito da central ida-
de do Sol e da mobilidade da Térra foram a conseqüéncia de uma
situacao de transicao na área dos conhecimentos astronómicos e
de uma confusSo exegética referente á cosmología. Herdeíros da
concepcao unitaria do mundo que se impds de modo geral até o
principio do sáculo XVII, alguns teólogos contemporáneos de
Galileu nao souberam interpretar o significado profundo, nao li
teral, das Escrituras, quando estas descrevem a estrutura fisica do
universo criado; isto os levou a transpor indevidamente uma ques-
tao de observacao factual para o setor da fé.

É em tal conjuntura histérico-cultural, bem distante do nos-


so tempo, que os juízes de Galileu, incapazes de díssociar de uma
cosmología milenaria os artigos de fé, julgaram erróneamente que

167
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

a aceitacao da teoría de Copémico (alias, nao definitivamente


comprovada) podia abalar a tradicao católica, de modo que era
seu dever proibir fosse ensinada. Este erro subjetivo de julgamen-
to, tao claro para nos hoje, levou-os a urna medida disciplinar que
muito fez sofrer Galileu. É preciso sinceramente reconhecer esses
passos erróneos, como Vos mesmos pedistes, Santo Padre.

Tais sao os frutos da pesquisa interdisciplinar que solicitas-


tes á Comissao por Vos nomeada".

4. CONSIDERARES FINÁIS

Lendo os discursos de Joao Paulo II e do Cardeal Poupard,


cinco ponderacoes podem ocorrer á mente do leitor:

1) O caso Galileu deve-se a mal-entendidos da parte de teó


logos, que ¡nterpretaram a S. Escritura como fora obvio fazer
até entao, isto é, como se fora redigida segundo um único ou
poucos géneros literarios; nao podiam levar em conta certos ex-
pressionismos dos semitas por falta de conhecimento daslínguase
da arqueología do Próximo Oriente. Mais: tendo a S. Escritura
como livro inspirado por Deus, julgavam que era cartilha nao só
de ensinamentos religiosos, mas também de ciencias humanas e
naturais. Sendo assim, tomavam ao pé da letra as passagens em
que os autores sagrados professam o geocentrismo (único sistema
cosmológico aceito na antigüidade).

2) O Santo Oficio condenou Galileu, contando, para tanto,


com a aprovacao dos Papas Paulo V (1603-21) e Urbano VIII
(1623-44). Hoje reconhece-se o erro, que outrora nao foi percebi-
do (a teoría de Galileu era nova demais e ainda sujeita a reformu-
lacSes, de modo que nao podia ser aceita por todos logo ao ser
lancada). 0 erro nao afeta a validade do magisterio da Igreja, pois
este só é infalível quando define alguma sentenca de fé ou de Mo
ral como pertencente ao depósito da RevelacSo. Ora no caso de
Galileu tratava-se de urna proposicSo de ordem científica relacio;
nada com a interpretado da S. Escritura.

3) Hoje tem-se consciéncia nítida da verdade professada por


Barónio: o propósito do Espirito Santo, que inspirou as Escritu-

168
ENCERRADO O CASO GALILEU 25

ras, nao era o de nos ensinar como vai o céu, mas como se vai pa
ra o céu. A finalidade da Biblia é de ordem espiritual ou religiosa,
nao de ordem científica profana. A S. Escritura se refere ao mun
do e á natureza em termos precientíficos, que nao podem ser ti-
dos como erróneos, porque nao era intencao dos autores sagrados
afirmar algo em materia de astronomía. Hoje ainda usamos tal lin-
guagem familiar, que, analisada aos olhos da ciencia, é errónea,
mas que ninguém considera tal porque nao pretendemos definir
nocoes de ciencias ao falar do "nascer" e do "por do Sol",... do
"Oriente (Levante)" e do "Ocidente (Poente)".

4) Em conseqüéncia, verifica-se que nao há oposicao entre


ciencia e fé, como enfáticamente declara o S. Padre. Os dentistas
devem pesquisar livremente, sem que a fé se Ihes oponha, porque
esta nada tem a recear da parte daquela; a fé considera o mundo e
o homem paralelamente ás ciencias naturais, mas num plano su
perior, de modo que nao há choque entre as proposicSes seguras
da ciencia e os artigos de fé. Qualquer aparente colisáo decorre de
um mal-entendido (precipitacao, parcialidade...) ou do dentista
ou do teólogo.

5) Há quem receie que a Igreja, pronunciando-se negativa


mente a respeito da Biogenética ou de questSes éticas relaciona
das com a sexualidade (limitadlo da prole, fecundacao artificial,
mae de aluguel...), esteja preparando para si um novo "caso Gali-
leu". — Na verdade, tal nSo ocorrerá poique a razio da recusa da
Igreja é simplesmente a fidelidade á lei natural (valor da vida hu
mana, dignidade da pessoa...), lei natural que é perene ou válida <
para todos os tempos e lugares. A Igreja nao discute teorías cien
tíficas; apenas considera os seus aspectos éticos á luz da lei natu
ral, que nao é somente a lei de Deus, mas é também a lei da sal
vaguarda da dignidade humana.

Possam as decíaracoes do Papa Joao Paulo II contribuir para


a dissipacSo dos equívocos que até nossos días foram suscitados
pelo caso Galileu!

A bibliografía recém-publicada em torno do caso Galileu é


ampia, pois a questao foi penetrada em todos os seus aspectos
mediante ampia consulta de Arquivos. Eis alguns dos principáis
títulos:

169
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

Edizione Nazionale delle Opere di Galileo Galilei, direzione


di Antonio Favaro, Firenze, Giunti Barbera, reimpressao 1929-
39, 20 vols.

I Documenti del Processo di Galileo, a cura di P. Sergio Pa


gano, Pontificiae Academiae Scientiarum Scripta Varia 53. Cittá
del Vaticano 1984.

M. D'Addio, Considerazioni sui processi a Galileo. Quaderni


della R¡vista di Storia della Chiesa in Italia, n? 8. Roma, Herder
Editricee Librería 1985.

Galileo Galilei, 350 ans d'histoire, 1633-1983, sous ladirec-


tion du Cardinal Paúl. Poupard. Collection "Cultures et Dialo
gues" n? 1. París, Desclée Intemational 1983.

Galileo Galilei. Toward a Resolution of 350 Years of Deba


te, 1633-1983. Pittsburgh, Duquesne University Press 1986.

O. Pedersen, Galileo and the Council of Trent. Studi Gali-


leiani, vol. I, n° 1, Specola Vaticana 1983.

Pontificia Academia Scientiarum, Copernico, Galileo e la


Chiesa. Fine della controversia (1820). Gli Atti del Sant'Uffizio,
di W. Brandmüllere E.J. Greipl, Leo Olschki ed., Firenze 1992.

* * *

Prezado leitor, conheca melhor a sua fé. Para amar a Deus, é


preciso conhecé-lo; em vista disto, vocé tem á sua disposicab dez
cursos por correspondencia, que podem ser solicitados mesmo
sem obrigacao de pravas: Curso de S. Escritura, Iniciacao Teológi
ca, Teología Moral, Historia da Igreja, Liturgia, sobre Ocultismo,
Parábolas e Páginas Di ficéis do Evangelho, Doutrina Social da
Igreja, Novfssimos (Escatologia), Diálogo Ecuménico.
Há também doze opúsculos concernentes a questoes muito
atuais: "Por que nao sou protestante?. Por que nao sou espirita?.
Por que nao sou ateu?. Por que nao sou macom?. Por que nao
sou rosa-cruz?. Porque sou católico? ... "

PEDIDOS DE INFORMACOES E ENCOMIENDAS SEJAM


DIRIGIDOS A ESCOLA "MATER ECCLESIAE" - CABÍA POS
TAL 1362, 20001-970 - RIO (RJ).

170
Fatos Candentes:

A ORDENAQÁO DE MULHERES
NA INGLATERRA

Em síntese: Aos 11/11/92 o Sínodo Geral da Comunhao


Anglicana na Inglaterra resolveu admitir as muiheres é ordenacao
sacerdotal. A decisao aínda aguarda a confirmacao do Parlamento
e da fíainha, confirmacao que é tida como altamente provável.
Tal fato tem provocado agitacao dentro do próprio Anglicanis-
mo; este consta de Provincias Eclesiásticas autónomas, govema-
das por um Sínodo Geral local, que nSo é obligado a aceitar deci-
sdes de outros Sínodos (no caso:... nao é obrigado a aceitar a
reso/ucao do Sínodo da Inglaterra). O fato.porém, é que o movi-
mentó feminista se tem estendido dentro do Anglicanismo, pro
vocando posicdes acirradas, que ameacam a Comunhao Anglicana
mediante dissidénciase cismas. Nao poucos ministros anglicanos
tem procurado a Igreja Católica, desiludidos com o rumo tomado
pela sua denominacao de origem. - A Igreja Católica julga que
nao Ihe é lícito derrogar ao gesto de Cristo e ápraxe de vinte sé-
culos de Tradicao, durante os quais nSo foi conferido o sacerdo
cio ministerial a muiher alguma. Ademáis os ortodoxos orientáis
também se opoem á inovacao — o que mostra como decisoes
unilaterais podem deteriorar as refac&es entre os crístaos.

De resto, a grandeza de alguém, lembra o S. Padre, nao con


siste ñas funcoes que exerce, mas na vivencia da santidade; todos
os ministerios existentes na Igre/a tém em mira exclusiva promo
ver a santif¡cacao dos homens e das muiheres e a gloria de Deus.

* * *

A ordenacao sacerdotal de muiheres tem sido um ponto ca


lorosamente debatido entre cristaos ocidentais, principalmente

171
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

entre protestantes e anglicanos. A Igreja Católica tem-se pronun


ciado negativamente ante tal proposta: em 1976 a Congregacao
para a Doutrina da Fé explicou longamente os porqués dessa po-
sicao; em síntese, o procedí mentó de Cristo é decisivo; Ele nao
ordenou muiheres; nao chamou alguma mulher para participar da
Última Ceia, na qual Ele conferiu aos Apostólos o ministerio sa
cerdotal; cf. Mt 26, 17-26; Me 14, 12-24; Le 22, 7-20. - Oscris-
taos orientáis ortodoxos também sao contrarios á ordenacao de
muiheres, por fidelidade á S. Escritura e á Tradlcao.

Entre os protestantes, o exercício do pastorado por parte


de muiheres é mais compreensfvel, visto que negam o sacerdocio
ministerial ou o sacramento da Ordem; só reconhecem o sacerdo
cio comum ou universal dos crentes, decorrente do Batismo. Ora
todas as muiheres protestantes sao batizadas, de modo que, entre
os protestantes, nao se véem graves motivos para nao permitir ás
muiheres o exerci'cio de faculdades que o Batismo já Ihes con
feriu.

O Anglicanismo pretende guardar o sacramento da Ordem,


de modo que a ordenacao de muiheres em tal ambiente deve en
frentar os mesmos obstáculos que existem no Catolicismo e na
Ortodoxia oriental. Nao obstante, aos 11/11/1992 o Sínodo Ge-
ral da Comunhao Anglicana na Inglaterra resolveu aprovar a orde
nacao de muiheres para o diaconato, o presbiterato e o episcopa
do. A decisao foi muito debatida, mas tomou-se um fato, que
deixa perplexos nao somente os demais cristaos, mas também
mu ¡tos anglicanos contrarios á sentenca.

No presente artigo apresentaremos urna nocao mais ampia


do que seja a Comunhao Anglicana e do problema nela discutido.
A seguir, apontaremos algumas etapas da mesma problemática tal
como se coloca entre os protestantes em geral.

1. A COMUNHAO ANGLICANA: QUE É?

Em 1534, há 459 anos portanto, o reí Henrique VIII na In


glaterra houve por bem separar da Igreja Católica o seu reino pelo
fato de que o Papa Clemente Vil em 1531 nao Ihe concederá o

172
ORDENAQÁO DE MULHERES NA INGLATERRA 29

divorcio almejado1. Tendo-se propagado para fora da Inglaterra,


o Cristianismo inglés formou a chamada "Comúnhao Anglicana"
ou o Anglicanismo, que assimilou varios pontos doutrinários do
protestantismo do continente europeu.

A Comunhao Anglicana é hoje um conjunto de "Igrejas" ou


Provincias que gozam de comunhao entre si e a sede de Cantuá-
ria, considerada primacial porque fundada por S. Agostinho de
Cantuária em 597. Nao há sobre elas alguma autoridade central;
sao, pois, autocéfalas ou, de certo modo, autónomas entre si. Ca
da urna dessas "Igrejas" ou Provincias é governada por um Síno
do Geral2, que se compoe de tres Cámaras: Bispos, clero e leigos.
De dez em dez anos reúnem-seem Lambeth (Inglaterra) todos os
bipos anglicanos que estejam em comunhao com a sede de Can
tuária; esta guarda urna especie de primado de honra, dada a sua
antigüidade. Esta Conferencia pode votar "resolucoes", que, na
verdade, nao sao senao recomendacoes; só obrigam as Provincias
se o Sínodo Geral local as reexaminar e aprovar.

Estes dados ajudarn a compreender o que está ocorrendo na


Comunhao Anglicana.

2. COMUNHAO ANGLICANA:
ABERTURA AO SACERDOCIO FEMININO
O sacramento da Ordem consta de tres graus: o diaconato,
o presbiterato e o episcopado. Consideremos os fatos ocorridos
em relapso a cada um desses graus na Comunhao Anglicana3:

1 O rei estava casado com Catarina de Aragao, que só ihe dera


urna filha como herdeira; daí pleitear o divorcio para casarse
com Ana Boleina, da qual, alias, Henrique VIII também haveria
de se separar mais tarde.

1 Em algumas Provincias tal Sínodo pode ter outro nome, mas


desempenha sempre as mesmas funcdes.

3 É de notar que a Igre/a Católica, tendo examinado o modo co


mo foi reconstituida a hierarquia no Anglicanismo depois que a
rainha Elisabete mandou extinguir a hierarquia católica, nao reco-
nhece a validade da ordenacSo dos bispos, presbíteros e diáconos
anglicanos,

173
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

2.1. Diaconato

As Conferencias de Lambeth em 1968 e 1978 pedíram que


o diaconato fosse amplamente concedido ás mulheres. Varias Pro
vincias atenderam ao proposto, de modo que na Inglaterra as
prime ¡ras diaconisas foram ordenadas em 27/02/1987. Atual men
te existem cerca de 1.300 diaconisas na Inglaterra, aguardando o
sinal verde do Sínodo de sua Provincia para receber a ordenacao
presbiteral.

2.2. Presbiterato

A prime ira ordenacao presbiteral de mulher anglicana foi a


da Sra. Li Tim Oi em Hong Kong, destinada a atenderá urna co-
munidade muito ¡solada por causa da guerra vigente em 1944.0
bispo que a ordenou nao podía, na época, comunicar-se com seus
colegas. Sete anos após a ordenacá*o, a ministra anglicana1 teve
que renunciar por efeito das pressoes que sobre ela pesavam da
parte dos bispos de Cantuária e York.

Em 1968 urna Conferencia de bispos anglicanos rejeitou


como improcedentes os argumentos contrarios á ordenacao de
mulheres.

Em 1971, novamente em Hong Kong outro bispo ordenou


urna presbitera, apoiando-se em um Parecer do Conselho Consul
tivo Anglicano, que carecía de autoridade1.

Em 1975, quinze mulheres foram ordenadas em Filadélfia


(U.S.A.) por bispos aposentados, sem autorizacao do Sfnodo Ge-
ral. Tais ordenacoes foram ilegais, mas válidas segundo a concep-
cao anglicana.

Nesse mesmo ano a Provincia Anglicana do Canadá aprovou


a ordenacao de mulheres.

1 Os presbíteros anglicanos sao chamados "ministros".


1 Esse Conselho é constituido por representantes dos bispos, do
clero e dos let'gos de toda a Comunhao. ñeúne-se de tres em tres
anos únicamente para atender a consultas. Nao tem poder de
cisorio.

174
ORDENACÁO DE MULHERES NA INGLATERRA 31^

Aínda em 1975 foi levada ao Sínodo Geral da Provincia da


Inglaterra urna pergunta, para a qual se deu a seguinte resposta:
"Nao há objecao contra a ordenapao de muiheres, masostempos
ainda nao estao maduros".

Em 1976 o Sínodo Geral dos Estados Unidos aprovou o sa


cerdocio feminino e reconheceu as quinze muiheres ordenadas
ilegalmente em Filadélfia.

Em 1977 a Provincia Anglicana da Nova Zelandia deu o si-


nal verde.

Em 1978, quándo se abriu a Conferencia de Lambeth, esta-


vam presentes algumas presb iteras na qualidade de joma listas. A
Conferencia se viu diante de urna questao espinhosa: algumas
Provincias haviam agido por conta própria, ordenando muiheres
sem o consentimento de todos os bispos (ou, ao menos, sem o
estudo do assunto por todos); outras Provincias haviam resolvido
aguardar e outras nao tinham ainda examinado a questao. O fato,
porém, estava, em parte, consumado. Os calorosos debates dessa
Conferencia de Lambeth (1978) terminaram com a aprovacao,
por grande maioria, dos seguinte^ pontos: 1) aceitar a diversidade
na unidade da fé é parte integrante da heranca anglicana; 2) as
Provincias, sendo autónomas, tinham o direito de tomar suas re
sol upoes próprias, mas sem esquecer o peso dos seus gestos sobre
o conjunto da Comunhao; 3) as Provincias que tinham ordenado
muiheres, haviam-no feito na conviccao de que essas ordenacoes
estavam na linha da historia anglicana, que devia ser respeitada,
ou seja, na linha do que foi chamado "urna tradicao dinámica".

Por ocasiao da seguinte Conferencia de Lambeth, em 1988,


já as Provincias do Quénia, de Uganda e do Brasil haviam confe
rido o sacerdocio ás muiheres. Naquela data sete Provincias re-
presentavam aproximadamente 1270 muiheres ordenadas na Co
munhao Anglicana. Alias, urna dentre elas era teóloga da Confe
rencia.

Após 1988, outras Provincias tomaram ou dispuseram-se a


tomar decislo semelhante: Irlanda, África do Sul, Australia,
País de Gales...

175
32 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

Finalmente, aos 11 de novembro de 1992, o Sínodo Geral


da Provincia da Inglaterra, por su a vez, disse Sim á inovacao. Para
a aprovacáb da proposta, requeriam-se 2/3, ou seja, 66% dos vo
tos em cada Cámara; ora na dos bispos houve 33 Sim contra 13
Nao, ou seja, aproximadamente 75% de votos favoráveis; na do
Clero, houve 70% (176 x 74 votos), e na dos leigos 67% (169 x
82 votos, o que representa a mais exigua maioria).

As outras Provincias anglicanas já se haviam, em grande


maioria, manifestado favoráveis á novidade, pois de 44 dioceses
anglicanas apenas 6 ficavam avessas. Em 21/11/1992 a Provincia
da Australia, fragmentada pelos debates, resolveu seguir a orien-
tacao da maioria.

A decisao tomada pelas Cámaras da Inglaterra teve grande


repercussao nao só dentro da Comunhao Anglicana, mas também
fora da mesma, afetando as relacoes do Anglicanismo com a Igre-
ja Católica e com os ortodoxos orientáis, como ainda se dirá
adiante.

2.3. Episcopado

Urna vez concedido o "presbiterato" ás mulheres, poe-se


naturalmente a questao: E o episcopado...? — A Conferencia de
Lambeth em 1988 mostrou-se prudente a tal propósito. Todavia
em setembro do mesmo ano foi escolhida urna mulher— Barbara
Harris — para ser "bispa auxiliar" da diocese anglicana de Massa-
chusetts (U.S.A.) e em 1990,outra mulher — Penny Janneson —
tomou-se bispa diocesana da Nova Zelandia. Aos 19/11/92 Jane
Dixon foi constituida a terceira "bispa" anglicana, desta vez
nos Estados Unidos.

Nao se pode ainda deixar de dizer que a resolucao tomada


pelas Cámaras da Provincia da Inglaterra em 11/11/92 deve opor
tunamente (junho/julho 1993) passar pelo Parlamento Inglés ou,
melhor, por urna Comissao Parlamentar destinada a assuntos ecler
siásticos (o Anglicanismo está vinculado ao Estado e, de certo
modo, depende dele). Tal Comissá*o constará de membros das
duas Cámaras Legislativas: Cámara dos Comuns (Deputados) e
Cámara dos Lords. Esta Comissao nao tem o poder de emendar

176
ORDENAQÁO DE MULHERES NA INGLATERRA 33

urna le¡ proposta pela Igreja; pode ou declará-la oportuna e sub-


meté-la a assinatura da Rainha ou pode bloquear o texto, nao o
entregando á assinatura regia, é muito pouco provável que esta
segunda alternativa ocorra. Como quer que seja, a exigencia da
Cháncela da Rainha oferece aos hesitantes um certo prazo para
tomar posicáo. Entrementes prosseguirao os debates, de modo a
se evitarem adesSes ou rupturas precipitadas.

3. CONSEQÜÉNCIAS

Graves tensoes se oríginaram na Comunhao Anglicana. Nos


Estados Unidos, alguns bispos (um já aposentado), varios presbí
teros e fiéis criaram pequeñas comunidades, que queriam perma
necer em comunhao com a sede de Cantuária, mas nao reconhe-
ciam mulheres ordenadas nem os bispos que as quisessem orde
nar. O bispo anglicano aposentado de Londres parece ter apoiado
esses núcleos; numa viagem feita aos Estados Unidos, manifestou-
se-lhes favorável; ao regressar á Inglaterra, foi censurado pelo ar-
cebispo de Cantuária.

Já antes da votacao de 11/11/92 um presbítero foi ordena


do bispo numa dessas comunidades dissidentes norte-americanas,
a fim de criar "urna diocesc missionária da Igreja Anglicana
da Inglaterra e do País de Gales". A Associacao anglicana "Cost
os Conscience" pretende fundar urna "Igreja Anglicana Tradicio
nal", paralela á Comunhao Anglicana.

Acontece assim que na Comunhao Anglicana, onde "a corte


sía amável era o 119 mandamento" (Time, 23 nov. 1992, p. 53),
as brechas se abriram. Numerosos bispos e quase 3.000 dos
10.500 ministros anglicanos se declararam irredutivelmente opos-
tos á mudanca. Disse o vigárío Christopher Colven, de Londres:
"Deixamos de caminhar juntos passo a passo, embora ainda com-
partilhemos pontos comuns e estejamos ligados uns aos outros
pelo afeto". O bispo anglicano de Londres, Dr. Hope, declarou,
por sua vez: "Quero permanecer bispo, mas nao consigo sobrevi-
ver numa Igreja em que me sinto marginal izado".

A legislacao inglesa propicia, de certo modo, novos proble


mas. Os tradicionalistas, por exemplo, estao aborrecidos porque

177
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

a leí permite que determinado bispo recuse a ordenacao de mu-


Iheres em sua diocese, mas faculta ao seu sucessor reconhecé-la.
0 bispo anglicano de Londres, David Hope, disse em tom angus
tiado que os opositores "serao inevitavelmente cada vez mais
ignorados e marginalizados". A Sra. leiga Elizabeth Miles, que
chefia um grupo contrario ás ordenacoes de mulheres, contando
com 6.750 membros, nutre a esperanca de que o Parlamento re-
jeite o voto das Cámaras Eclesiásticas — o que é inverossfmil.

De modo especial, na Australia a Comunhao Anglicana está


dividida: a maior diocese, que é a de Sidney, é francamente con
servadora. Os tradicionalistas, julgando que as mulheres nao po-
dem ser ordenadas validamente, nao reconhecem os sacramentos
por elas ministrados.

Também os membros da Church Unión, que congrega mui-


tos ministros de tendencia anglo-católica, levantam serias dúvidas
sobre a sua permanencia na Comunhao Anglicana, ao mesmo
tempo que rejeitam qualquer decisao precipitada. Nao poucos
ministros dizem que nao podem, em consciéncia, continuar o seu
ministerio, a tal ponto que varios já pediram admissao na Igreja
Católica. A título de abono, o Sínodo Geral da Inglaterra tem
concedido quantias monetarias aos ministros dissidentes.

O diálogo da Comunhao Anglicana com a Igreja Católica


nio cessará, mas certamente encontrará um obstáculo novo (em-
bora nao imprevisto). Ao Espirito Santo tocará esclarecer as men
tes e mover os coracoes para que a uniao de anglicanos e católi
cos, tao facilitada em outros pontos de doutrina, nao venha a ser
um sonho dissipado.

O Patriarcado de Moscou também lamentou oficialmente a


decisao da Igreja Anglicana. Os russos ortodoxos, que a propósito
compartilham a posicao dos católicos, receiam que "o fosso exis
tente entre ortodoxos e anglicanos venha a se aprofundar".

O Cardeal Basil Hume, arcebispo católico de Westminster,


decía rou:

"Estou decepcionado, mas nao surpreso, pela votacao do Sf-


nodo Geral ho/e... A decisao do Sínodo nao corresponde ao ensi-

178
ORDENAQAO DE MULHERES NA INGLATERRA 35

namento da Igreja Católica. A questao da ordenacao de mulheres


depende da compreensao que cada Igreja tem da sua ¡dentidade
própria, dos sacramentos e do culto. Nao se trata apenas de urna
questao de igualdade ou de justica; nem pode tal problema ser re-
solvido exclusivamente em funcao da mudanca de atitudes da
sociedade em refacao á mulher, por mais importantes que sejam.
Comporta aspectos ponderáveis: qual o auténtico sentido da
ordenacao sacerdotal? ... Que é a Eucaristía?... Em que consiste
o papel singular do presbítero nesta celebracao? ... A decisao da
Igreja da Inglaterra nao é o sinal de ruptura das relacoes ecumé
nicas. Permanece a comunhao real, mas parcial, entre cristaos uni
dos pelo mesmo Batismo. Continuaremos a rezare trabalharjun
tos, apesar do novo obstáculo criado pela Igreja da Inglaterra. Na
Igreja Católica, a procura deve continuar em comum com outras
Igrejas para se encontrar o modo de desenvolver o ministerio das
mulheres" (La Documentation Catholique, n? 2063, 03/01/93,
p. 47).

Como se vé, o cardeal Hume enfatiza que a temática nio


há de ser avallada apenas á luz da promovió da mulher na socie
dade civil, pois há outros criterios — de fé — que pesam decisiva
mente no caso; tratase de saber se as fontes da Revelacao crista
autorizam a ¡novacao.

Completemos estas noticias, acrescentando-lhes alguns da


dos sobre a designacao de mulheres como pastoras no protestan
tismo nao anglicano.

4. PROTESTANTISMO NAO ANGLICANO

Os protestantes, como dito atrás, nao admitem o sacramen


to da Ordem ou do sacerdocio ministerial, distinto do sacerdocio
comum dos crentes derivado do Batismo. Daí ser-lhes menos difí
cil encarar o problema em foco.

Em 1853 Antoinette Brown, protestante congregacionalista,


que depois se tornou protestante unitaria, foi a prímeira mulher a
assumir funcoes de direcao no protestantismo. O caso, porém,
nao deixou seqüelas durante quase um sáculo.

179
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

Em 1948 os metodistas africanos (negros) nos Estados Uni


dos resolveram aceitar a ordenacao de mulheres para o pastorado.

Em 1950/1 os metodistas e presbiterianos (brancos) decidí-


ram tomar a mesma atitude nos Estados Unidos.

Em 1958 os luteranos da Suécia fizeram o mesmo.

Em 1980, entre os metodistas dos Estados Unidos, Marjorie


Matthews tornou-se a primeira "bispa".

Em 1992 foram nomeadas as primeiras "bispas" luteranas:


María Jepsen, aos 30/08 na Alemanha, e April Larson, aos 11/10
nos Estados Unidos.

Atualmente nos Seminarios protestantes norte-americanos


pode-se dizer que urna terca parte do recrutamento é feito entre
mulheres.

Entre os mórmons, porém, todos os oficiáis do culto sao


masculinos.

Merece referencia aínda o fato de que também entre os ju-


deus o problema foi colocado, de modo queem 1972 a primeira
mulher rabina foi designada nos Estados Unidos.

5. CONCLUSÁO

O moví mentó pró-ordenacao de mulheres tem suas rafzes


doutrinárias (que nao sao decisivas). Todavía nao se pode deíxar
de reconhecer que, em grande parte, é incentivado pelo feminis
mo, que se tem avolumado nos últimos decenios. Os comentado
res do fato associam-no á tentativa de fazer nova traducao da Bi
blia, donde seriam eliminadas todas as expressoes que sugiram
um JDeus masculino (propósito este que também tem suscitado
ardentes debates). Assim, por exemplo, em vez de se dizer "Pai
Nosso, que estáis nos céus...", dir-se-ia: "Deus, nosso Pai e Míe,
que estáis nos céus..."; em lugar de "Pai, Filho e Espirito Santo",
usar-se-ia a expressao "Heavenly Parent", Párente Celeste... Tal
modo de entender a Biblia tem sido amplamente discutido, a

180
ORDENAQÁO DE MULHERES NA INGLATERRA 37

ponto de julgarem alguns teólogos protestantes que se poderia


assim mudar a própria religiao.

A posicao da Igreja Católica, tem sido expressa em documen


tos sucessivos, dos quais o último é a Carta Apostólica "Sobre a
Dignidade e a Vocacao da Mulher", do Papa Joao Paulo II, data
da de 15/08/1988. O Sumo Pontífice ai' poe em relevo o papel
eminente da mulher na historia passada e na sociedade contempo
ránea; exalta seus méritos na vida da Igreja e reafirma quanto foi
dito pela Congregacao para a Doutrina da Fé aos 15/10/1976 na
Declaracao "ínter Insigniores" sobre a admissao das mulheres ao
sacerdocio ministerial: as funcoes do homem e da mulher nao sao
idénticas, mas complementares entre si; á mulher tocam prerroga
tivas que aos hornens nao competem, e vice-versa. Ademáis o
exemplo de Cristo, a praxe da Tradicao de vinte séculos desacon-
selham a ¡novacao em nossos dias. Acrescenta ainda o Santo Pa
dre importante observacao: o que faz a dignidade de urna pessoa,
nao sao os seus encargos, embora estes atraiam, porque conferem
poder de acao; mas a grandeza de alguém está em suas virtudes ou
em sua riqueza interior. Por isto nao se devem transferir para den
tro da Igreja criterios de avaliacao geralmente usuais em outras
sociedades, onde a promocao e .a chefia sao por todos e todas
almejadas:

"Evite-se transferir para a Igreja... criterios de compreensao


e de julgamento que nao dizem respeito á sua natureza. Mesmo
que a igre/a possua urna estrutura hierárquica, esta se ordena inte
gra/mente á santidade dos membros do Corpo Místico de Cristo.
E a santidade é avahada segundo o grande misterio em que a Es
posa responde com o dom do amor ao dom do Esposo" (n? 27).

Nesta perspectiva da santidade, a mulher se destaca grandio


samente na historia da Igreja e da humanidade. é para desejar
que seu olhar de fé e amor nao se deixe perturbar por categorías
sociológicas e políticas estranhas á mensagem do Evangelho, mas
continué a mostrar ao homem como deve responder a Deus, que
se oferece como o Primeiro Amor.

181
Questao discutida:

O RISO ÑAS TRADICOES


ANTIGÁS E MEDIE VAIS

Em sintese: Existe na tradicao ascética crista urna certa aver-


sao ao riso, aversao derivada: 1) da experiencia dos sabios pré-
cristaos, que veríficavam como o riso frivolo ou leviano pode ser
deletério; 2) derivada também da mensagem bíblica, na qual o
Edesiastes deprecia o riso e o Evangelho nunca narra que Jesús
tenha rido. Os autores cristaos que, baseados em tais episodios,
condenam o riso, sao, por vezes, peremptóríos, parecendo nao
admitir excecao; há, porém, aqueles que tém em mira re/eitar
apenas o riso excessivo e fútil. Outros pensadores cristaos dados á
Filosofía recordavam com Aristóteles que o riso é próprio e típi
co do ser humano; por conseguíate, nao pode sercoisa má em si.

Em conc/usao, pode-se dizer que o riso é algo de natural no


homem, e só há de ser condenado quando despropositado e con
trario a outros valores.

* * *

0 romance "0 Nome da Rosa" de Umberto Eco trouxe á


tona um tema delicado e outrora muito candente: o significado
do riso. 0 romance tem por eixo central a biblioteca de um mos-
teiro medieval, na qual se encontra um livro do filósofo grego
Aristóteles (t 322 a.C), que qualifica o riso como distintivo do
ser humano em relaca"o aos irracionais. Acontece, porém, que os
monges, fazendo eco a outra tradicao (pré-crista e crista) baniam
o riso de seus mosteiros como sendo algo de todo inconveniente;
Cristo mesmo nao o teria praticado; daí o confuto que U. Eco su-
poe ter havido no mosteiro. No romance, o Visitador (Inquisidor)
Guilhemne de Baskerville responde a Jorge de Burgos que o riso é

182
Q RISO ÑAS TRADIQÓES 39

propriedade da natureza humana; por ¡sto nada ¡mpede que Cris


to tenha rido. Ver PR 275/1984, pp. 330-340 e 303/1987, pp.
367-372.

U. Eco tanca assim a questao do riso na Filosofía grega e na


Tradicao crista, questao que passamos a examinar atentamente,
percorrendo os argumentos contrarios e favoráveis ao riso.

1. CONTRA O RISO

1.1. Gregos e latinos précristaos

Entre os autores clássicos encontram-se restricoes ao riso.

Platao (+ 347 a.C.) afirma que é sinal de nobreza de ánimo


regido pela razao o fato de alguém nunca ser sobrepujado pelo ri
so. Conseqüentemente adverte que nao devem ser aceites pelo
povo homens de responsabilidade que se deixam arrastar pelo
riso; muito menos serao reconhecidos deuses dados ao riso; cf.
República 111388b.

No sáculo 11 d.C. Claudius Aelianus observava que nem Ana-


xágoras (+ 428 a.C), filósofo pré-socrático, nem Aristomenes, he-
rói de Atenas que no século Vil a.C. venceu Esparta, jamáis ri-
ram. Plfnio, autor romano, acrescentava a essa lista Crassus Dives
(t 53 a.C), cónsul romano bem sucedido na guerra. Sao Jeróni
mo (t 421), porém, observava que Crassus riu ao menos urna vez
(Contra Rufinum I XXX 32).

Em suma, para pensadores gregos e latinos diversos, tanto


os homens dignos quanto os deuses deviam estar ácima do hábi
to de rir.

Passemos agora á Tradicao bíblica.

1.2. No Antigo Testamento

Saltam aos olhos os textos do Eclesiastes, severo e pessimis


ta, autor do século IV a.C:

183
_40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

Ecl 7,3s: "Mais vale o desgosto do que o riso... 0 coracao


dos sabios está na casa em luto; o coracao dos insensatos está na
casa em festa".

Ecl 2,2: "Do riso eu dísse: Tolice!' e da alegría: 'Para que


serve?' ".

Ecl 1,18 sugere a pergunta: Como rir? Visto que "muita sa-
bedoria, muito desgosto; quanto mais conhecimento, tanto mais
sofri mentó".

Acontece, porém, que o autor reconhece haver "um tempo


para rir e um tempo para chorar" (Ecl 3,4).

Em Gn 18,9-15 Sara é censurada pelo Senhor Deus por ter


rido;... riu incrédula, ao imaginar que na sua idade avancada aín
da teria um filho.

Todavia nao falta no Antigo Testamento a referencia ao riso


sadio, decorrente dos beneficios de Deus. Assim, por exemplo,
conforme o SI 126, 2, os exilados que voltaram da Babilonia no
sáculo VI a.C, riam de alegría. 0 filho prometido a Ábralo e Sara
em idade ancia recebeu o nome de Isaque, filho do riso, nome
que Sara assim justificou: "Deus me deu motivo de riso; todos os
que o souberem, riráo comígo" (Gn 21,6).

Por conseguinte, pode-se dizer que o Antigo Testamento


condena o riso vazio, mas reconhece a legitimidade do riso alegre
provocado pelas dádivas de Deus.

1.3. No Novo Testamento

Os escritores do Novo Testamento pouco se referem ao riso.

Lembram, sim, que o riso leviano nesta vida pode ser pe:
nhor de decepcao na outra, como também o pranto agora pode
preparar o riso futuro:

Le 6,25 e 21: "Ai de vos, que agora rides, porque conhece-


reis o luto e as lágrimas.

184
O RISO ÑAS TRADigÓES

Bem-aventurados vos que agora choráis, porque haveis


de rir"

S. Tiago exorta os pecadores "a chorar, transformando o


riso em luto, a fim de poderem regozijar-se no futuro"; cf.
Tg4,9.

Há também alusao ao riso escarnecedor, como ocorreu em


casa de Jaira, onde Jesús ressuscitou urna menina:

Me 5,39s: "Disse Jesús: 'A crianca nao morreu; está dormin-


do'. E cacoavam dele".

Como se vé, o Novo Testamento é sobrio a respeito da temá


tica. Condena o riso malvado e vazio, como fazem os autores do
Antigo Testamento.

Consideremos agora a Tradicao crista.

1.4. Os escritos patrfsticos e medievais

É freqüente encontrar ai' a-censura ao riso de maneira geral.

Assim S. Basilio (t 379), Bispo de Cesaréia, na Capadócia:

"O cristao deve, em tudo, ultrapassar a justica ditada pela


Leí de Moisés, e nunca jurar nem mentir. Nao deve falar mal; nao
deve fazer violencia nem combate... nüo deve ceder a gracejos;
nao deve rir nem tolerar brincadeiras" fEpístola 22).

0 riso é, muitas vezes, tido como sinal de leviandade, ao pas-


so que, segundo S. Ambrosio (t 397), as lágrimas sao sinal de es
pirito de penitencia. Em conseqüéncia, quem muito tiverchorado
seus pecados nesta vida, será salvo na vindoura (De Paenitentia
116).

Sao Joao Crisóstomo (t407), Bispo de Constantinopla, quei-


xava-se da dificuldade de impedir o riso dos fiéis durante a celebra-
cao da Liturgia. Quanto mais, dizia ele, o monge nao déve abster-
se de riso, ele que tem a incumbencia de prantear os pecados

185
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

do mundo e estar crucificado para o mundo! Em parte alguma le-


mos que Cristo ten ha rido; so chorou... sobre Jerusalém e sobre
Lázaro. Cf. In Hebraeos XV 8. Alusao a Le 19,41 e Jo 11, 35.

Todavía o mesmo Sao Joao Crisóstomo admitía que o riso


nos proporciona um certo alivio e reergue os coracoes abatidos;
pode exprimir a nossa alegria de rever um amigo desde muito de
saparecido; cf. In Hebraeos XV 9.

Os escritos dos próprios monges insistem muito mais sobre


a rejeicao do riso. Tinham, alias, seus antecedentes no monaquis-
mo judaico; com efeito, no mosteiro de Qumran (a N. O. do Mar
Morto) o Manual de Disciplina prescrevia que o monge que risse
com espalhafato, devia ser punido por trinta dias.

Ñas biografías dos Padres do Deserto léem-se episodios que


exprimem a mesma mental¡dade. Eis alguns:

"Um anciao viu um irmao que estava a rír, e disse-lhe: have-


mos de dar contas de nossas obras ao Senhor do céu e da térra, e
tu aínda ousas rír?" (De Vitis Patrum III 23).

"Certa vez, um dos irmaqs, á mesa, pds-se a rír. Entao o


abade Joaó prorrompéu em lágrimas e perguntou: 'Que julgais
que esse irmao traz em seu coracao, pois ele rí quando deveria
chorar?'" Obid. VIII6).

A Regra de Sao Rento é" muito explícita, ao dizer:

"Quanto ás brincadeiras e ás palavras ociosas que provocara


riso, condenamo-las em todos os lugares a urna eterna clausura;
para tais palavras nao permitimos ao discípulo abrir a boca"
(me, 8).

"O décimo grau da humildade consiste em que o monge nao


se/a fácil e pronto ao riso, porque está escrito: 'O estulto eleva a
sua voz, quando rí' (Eclo 21,23)" fRB 7,59).

Verdade é que algumas Regras monásticas antigás parecem


condenar apenas o riso ¡moderado. Assim a Regula Pauli et Ste-

186
O RISO ÑAS TRADiqOES 43

phani (sáculo VI) diz que as brincadeiras e o riso ¡moderado mui-


tas vezes suscitam litigios entre os irmaos; por isto o riso descon
trolado é desedificante e pode até abrir entrada ao Maligno.

No sáculo V a Regula SS. Patrum Serapionis, Macharü,


Pafnutii et alterius Macharü prescreve que todo monge vencido
pelo riso deva ser punido por um período de duas semanas.

Pode-se-iam citar ainda outros testemunhos avessos ao riso,


principalmente entre os monges. Deixando-os de lado por nada
acrescentarem aos que transe revemos, voltemo-nos para um dos
argumentos que corroboraram a Tradicao crista contraria ao riso:
o exemplo de Cristo.

1.5. O Retrato de Cristo

Parece que Sao Joao Crisóstomo (t 407) foi o primeiro en


tre os escritores cristaos a observar que Jesús nunca ríu, conforme
os Evangelhos.

No Ocidente esta concepcao.aparece sob a pena de varios au


tores monásticos do sáculo V ao*sáculo XIV. Encontrou sua ex-
pressao mais significativa numa famosa Carta a Léntulo, devida a
um autor anónimo medieval, que quer passar por testemunha
ocular e assim descreve a figura humana de Jesús:

"Apareceu nestes tempos, e ainda existe, um homem (se é


lícito considerá-lo homem) de grande virtude, chamado Jesús
Cristo, é tido pelos povos como profeta da verdade; os seus dis
cípulos chamam-no Filho de Deus; ressuscita morios e cura todas
as doencas. É homem de estatura e/evada, moderado e respeitá-
ve/. Tem semblante venerável, cábelos da cor de ave/a nao plena
mente madura, quase lisos até os ouvidos, crespos dos ouvidos
para baixo, um tanto brilhantes, caindo sobre os ombros. A cabe-
leira se reparte no meto de sua cabeca, como é costume entre os
Nazarenos. A sua testa é lisa e muito serena, as faces sem ruga.
Nenhuma falha traz no nariz e na boca. Tem barba densa, da cor
dos cábelos, nao longa, levemente bifurcada na altura do queixo.
Seu ofhar é simples e maduro; os olhos sao claros e esverdeados.
Quando repreende, é terrfvel; quando admoesta, é manso e ama-

187
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

vel; é alegre, ao mesmo tempo que serio. Chorou algumas vezes,


mas nunca riu. Tem estatura bem erecta, as maos e os bracos bem
configurados. £ ponderado ao falar, sobrio, modesto, de tal mo
do que o Profeta bem pode dizer: '£ o mais belo dos fimos dos
homens'".

Tal documento é apócrifo ou espurio. Procede da pena de


um cristao que desejava parafrasear o salmo 45, 3 citado no fim
do texto.

Na verdade, nao temos testemunhos fidedignos que descre-


vam o semblante humano de Jesús. Como se compreende, a Tra-
dicao crista, desejosa de suprir tal lacuna, esmerou-se em des-
crever a presumida harmonía f i'sica do Senhor. Quanto ao riso, é
certo que o Evangelho jamáis o atribuí a Jesús; é de notar, porém,
que os evangelistas nao tínham em mira escrever urna biografía de
Jesús ou um relato completo de seus dizeres e gestos; por isto nao
é lícito deduzir do texto escrito do Evangelho que Jesús nunca
riu. É bem possfvel que seus contemporáneos nunca o tenham
visto rir, mas a narracao dos evangelistas nao é suficiente funda
mento para tal suposicao.

Examinemos agora o outro aspecto da questao.

2. 0 RISO COMO PRÓPRIO DO SER HUMANO

Ao lado da tradiclo teológica e ascética que acabamos de


mencionar, os cristaos antigos e medievais conheceram a tradicao
filosófica menos avessa ao riso, embora nao tao influente quanto
a primeira.

Aristóteles (t 322 a.C), como dito, ensinava que o homem,


sendo um vivente racional, é naturalmente dotado da faculdade
de rir. Esta nao pertence a esséncia do homem, mas decorre da
mesma, como algo de próprio, diferenciando-o de qualquer outro
ser. Em conseqüéncia, pode-se dizer: "Todo homem é capaz de
rir" e "Todo ser capaz de rir é homem".

Esta noció passou para as geracdes posteriores e foi professa-


da por Quintiliano (1-69 d.C), orador romano, Porfirio (+305 d.C),

188
O RISO NASTRADigÓES 45

lósofo neoplatónico, Luciano de Samosata (t 190 d.C), poeta sa


tírico e sofista greco-sirio... Entre os cristaos, foi assumida por
Anfcio Boecio (t 524), comentador de Porfirio, que a transmitiu
aos medievais nos seguintes termos:

"É próprío do homem aquilo que a todo homem, somente


ao homem e sempre Ihe ocorre, como é a faculdade de rir. Menos
adequadamente dizemos que a raciona/idade é própria do ho
mem '... Menos adequadamente, porque ela é comum aos homens
e aos deuses" (\n Isagogen Porphyrii Commenta V 4).

Sem dúvida, para que o homem seja considerado homem,


nao é necessário que ria, mas sim que ele possa rir.

Esta verdade temperou a severidade de muitos mestres que


proscreviam o riso na Idade Media. Existe urna santa hilaritas (hilari-
dade), que é o contrario do ser tristónho e que deve caracterizar o
cristao. Ser alegre nao coincide necessariamente com o riso fre-
qüente e espalhafatoso. A consciéncia do pecado deve, sim, levar
o cristao á contricao dolorida, mas esta própria dor contrita há de
se Ihe tornar motivo de alegría, pois arrepender-se dos pecados é
fruto da graca de Deus dada *ao homem. Diz S. Agostinho:
"Doleat peccator de peccato suo, et de dolore gaudeat. — Que o
pecador se condoa do seu pecado, e alegre-se por sua dor".

Alias, os medievais souberam ser alegres e, fora dos mostei-


ros, nao recusaram o riso. Riam de alegría, de surpresa e tam-
bém ... de escarnio (tenhamos em vista os autos teatrais da Idade
Media). O espécimen mais típico do homem medieval é o cavalei-
ro ufano e impetuoso, que nao conhecia medo e enfrentava os pe-
rigos com ánimo alegre e sorridente; tal é o testemunho de Ph.
Ménard:

"O riso mais freqüente — e talvez o mais típico da epopéia


— é o riso impetuoso e ufano do guerreiro que nao se deixa es
pantar nem pelos perigos nem pelas ameacas" (Le rire et le souri-
re dans le román courtois en France au Moyen Age 1150-1250,
Genéve 1969, p. 34).

189
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

3. CONCLUSÁO

A leítura da documentado antiga e medieval atinente ao ri


so deixa perceber uma certa tensao entre o conceito filosófico de
riso e a nocao crista de penitencia. Os monges nao negaram o riso
como valor próprio do homem, mas foram impressionados pelos
abusos do riso frivolo e agitador de ambientes; ademáis julgaram
que o riso nao tem sentido numa vida penitente; o penitente
aguarda a vida definitiva para gozar tranquila e alegremente
dos bens celestes.

Há, porém, certa ambigú¡dade ñas proibicoes de riso que nos


sao transmitidas; trata-se de banir o riso como tal e peremptoria-
mente? Ou quer-se coibir apenas o riso vazio e deletério? A pri-
rneira interpretacao parece auténtica em muitos casos, mas póde
se crer que a segunda representa a corrente preponderante entre
os monges e os mestres da Tradicao crista.

Este artigo muito deve ao de Irven M. Resnick: Risus Monas-


ticus. Laughter and medieval Monastic Culture, em: Revue Béné-
dictine 97 (1987} N? 1e2, pp. 91-100.

* * *

fcontinuacao da pág. 192)

zacao, tais provas sao a conseqüéncia do ambiente geral... Fácil


mente temos a impressao de que aquí se exerce uma estrategia
específica, cu/o objetivo, entre outros, é afastar a igre/'a da fide-
lidade ao seu Senhor e Esposo.

Todavía o Senhor é fiel é sua Al¡anca, e opera por meio do


Espirito Santo, que a/uda a superar o espirito deste mundo e con
siderar o celibato pelo Reino de Deus como uma opcao de vida
frente as debilidades e estrategias humanas. E preciso tao somen-
te que nao desanimemos e nao criemos em torno a essa vocagao
e opcao um clima de desalentó. A Igreja Católica estima as outras
tradicoes, particularmente as das fgre/as do Oriente, mas quer
permanecer fiel ao carisma que recebeu do seu Senhor e Mestre".

Estévao Bettencourt O.S.B.

190
Questao atual:

EXTINTO O CELIBATO,
HAVERIA MAIS PADRES?

Em símese: O artigo refere-se aos muitos pedidos de presbí


teros que, tendo abandonado o ministerio sacerdotal, hoje pedem
é Santa Sé a readmissao ao mesmo. Este fato suscita a pergunta
sempre atual: extinto o celibato, haveria padres em maior núme
ro? — A resposta dada por peritos em Roma dé a crerque nao,
pois as comunidades religiosas cujos ministros podem casarse
(protestantes e ortodoxas) nem por isto tém o desejado número
de ministros. Alguns dados estatísticos ilustram a resposta.

* * *

A Santa Sé está estudando algumas dezenas de petipoes de


sacerdotes que deixaram o ministerio presbiteral há alguns anos e
pleiteiam sua readmissao ao servico do altar e do povo de Deus.

Mons. Crescendo Sepe, Secretario da Congregacao para o


Clero, ao revelar tal noticia, anunciou outrossim que a Santa Sé
está pensando em promover um Simposio internacional sobre o
celibato sacerdotal, a fim de focalizar todas as objecoes que se fa-
zem ao mesmo e elucidar seus valores positivos. Tem-se propaga
do a tese segundo a qual a ordenacao de homens casados poderia
resolver o problema da falta de clero. Ora Mons. Sepe observou
que precisamente "onde o casamento dos ministros do culto é
permitido, como ñas comunidades ortodoxas e protestantes acon
tece, a situacao nao é mais alvissareira do que na Igreja Católica".

Eis a linguagem dos números: as comunidades protestantes


da Inglaterra tém 30.000 postos de trabalho vacantes. Na Ale
mán ha, os luteranos da cidade de Oldenburg contam apenas 200

191
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 371/1993

pastores para 583.000 crentes, ao passo que a Igreja Católica da


mesma cidade conta 362 presbíteros para 216.000 fiéis.

Mons. Sepe aínda observou que, se o número total de sacer


dotes em nivel mundial baixou de 418.522 em 1978 para403.173
em 1990, o número de ordenacoes está em ascensao desde 1978.
Neste mesmo período o número de seminaristas aumentou signi
ficativamente, passando de 62.670 a 96.155. O mesmo prelado
enfatizou que nao se deve considerar a lei do celibato como vio-
lacao dos direitos humanos, pois "o candidato ao sacerdocio, que
faz sua opcao em idade adulta, nao é detentor do direito de ser
sacerdote"; é-lhe possibilitado o casamento, se o quer, como tam-
bém Ihe é oferecido o sacerdocio desde que o aceite tal como Ihe
vem da parte do Senhor Deus através da Igreja.

Nao é, pois, ¡ntencao da Igreja abrir mao do celibato sacer


dotal, que é plenamente justificado á luz do Novo Testamento
(cf. 1Cor 7, 25-35; Mt 19, 12) e que propicia ao padre maiorli-
berdade interior, mais radical capacidade de amar a Deus e a to
dos os homens. Sao palavras do S. Padre Joao Paulo II aos Presi
dentes das Conferencias Episcopais da Europa em 19/12/1992:

"As palavras concernentes ao celibato por amor do Reino


dos Céus estao relacionadas com a explicacao que Cristo deu aos
Apostólos: 'Nem todos entendem esta linguagem, mas, sim, aque
les a quem isto foi concedido' (Mt 19, 12). Neste contexto do
Evangelho o celibato é dom para a pessoa e nesta, e gracas a esta,
é dom para a Igreja.

O Sínodo dos Bispos de 1990 convidou mais urna vez a esti


mar este dom e manifestou de novo a vontade de que permaneca
como heranca da Igreja latina para o bem da sua missao. Quem
participou desse Sínodo, nao pode esquecer a serie de testemu-
nhos dos Bispos do mundo inteiro sobre o grande valor do celiba
to sacerdotal. Esses testemunhos deram, de modo substancial, o
tom ao Sínodo...

No tocante ás vocacoes, a Igreja está exposta ao risco de


provacoes especiáis. Num mundo marcado por crescente secular!-
(continua na pág. 190)
UN

192
EDIQOES "LUMEN CHRISTI"

A 3? edigao em latim-
portugués, com ano-
tacoes por D. Joao
Enout. A Regra que
Sao Bento escreveu no
sáculo VI continua vi-
va em todos os mos-
teiros do nosso tem-
po, aos quais nao fal-
tam vocacoes para

BENTO
LATIM-PORTUGUES
monges e mojas.
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