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A mudança começou após a conclusão do curso de psicologia
no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação, no Rio,
há quatro anos. A partir daí, passou a se interessar em
A psicóloga Cristine Pombo, 28, que é gaga desde os sete e coordena um enfrentar a disfluência e a procurar pessoas com
grupo de apoio características semelhantes. No mesmo ano, assumiu a
coordenação da filial carioca da Abra Gagueira
DENISE MOTA (www.abragagueira.org.br).
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA A associação promove encontros, divulga livros e pesquisas
relacionados ao distúrbio, presta informações sobre
Quando não está correndo na lagoa Rodrigo de Freitas, tratamentos e características da gagueira, dá dicas para os
caminhando pela praia de Ipanema, na zona sul carioca, nem gagos realizarem mais tranquilamente tarefas cotidianas,
emprestando os ouvidos a seus pacientes, Cristine Pombo como telefonar, e orienta pais.
fala. Uma das metas da organização é que os gagos assumam
Fala sem parar. Gaga desde os sete anos, a psicóloga posições ativas em suas vidas. Um exemplo é o jornalista
coordena um dos grupos de apoio da Abra Gagueira - Maurício Júnior, coordenador do grupo de apoio da Abra
Associação Brasileira de Gagueira, ONG dedicada a informar Gagueira em Pernambuco e um dos realizadores do
e a ajudar na melhoria da qualidade de vida de pessoas que documentário "Gagueira Não Tem Graça. Tem Tratamento".
gaguejam. No material, disponível no YouTube, Júnior parte da
"Sou a faladeira lá de casa", diz. Não é difícil acreditar: experiência pessoal para detalhar os aspectos relacionados ao
energia e desenvoltura não faltam à paulistana, que, aos 28 transtorno.
anos, divide-se entre o consultório onde presta atendimento Levar esclarecimento e avançar no autoconhecimento
psicológico e faz sessões de terapia ayurvédica, as saídas com também é o que impulsiona Cristine. "Em 2005, vi uma moça
amigos e a rotina doméstica. gaga em uma fila, falando alto, aparentemente numa boa, e
Filha de uma astróloga e de um professor de inglês, hoje fiquei superfeliz. Quando passei a encontrar outros gagos, foi
separados, a segunda mais velha de uma família de quatro muito legal porque vi que existe esse mundo."
irmãos é a responsável por, ao lado da mãe, solucionar A psicóloga apresenta uma disfluência leve e vivencia
pendências variadas. "É, é a gaga aqui que resolve as coisas, períodos em que fala praticamente sem interrupções. Ao
até marcar o médico de vocês eu marco", costuma dizer, em longo dos anos, por meio da experiência como coordenadora
tom de brincadeira, às caçulas. de um grupo pelo qual já passaram mais de 50 pessoas -parte
Estima-se que 1% da população mundial sofra desse de uma rede existente no Rio e em outros sete Estados-, ela
transtorno. No Brasil, de acordo com dados do Instituto observa, no entanto, que, quanto mais gaga é a pessoa,
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1810200901.htm 19/10/2009 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1810200901.htm 19/10/2009
Folha de S.Paulo - Sem papas na língua - 18/10/2009 Página 3 de 3 Folha de S.Paulo - Saiba mais: Cartilha trará informações a professores - 18/10/2009 Página 1 de 1
melhor lida com o problema. "O cara muito gago tem que
São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009
assumir."
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Paciência para escutar
Na infância e na adolescência, Cristine não sofreu saiba mais
discriminação. "Ser gaga nunca me atrapalhou em nada. Em
casa, na escola, nunca riram disso."
No entanto, apesar de não haver chegado a extremos como
Cartilha trará informações a
pedir a mesma refeição dos amigos só para não ter que professores
explicar sua escolha ao garçom -estratégia relatada por gagos
em páginas de depoimentos-, a psicóloga conta haver FERNANDA BASSETTE
driblado circunstâncias mais complexas em encontros sociais. DA REPORTAGEM LOCAL
"Tive algumas hesitações, tipo estar em festa com muita
gente, mas não foi nada como enfrentar problemas em uma Em comemoração do Dia Internacional de Atenção à
entrevista de emprego", diz. "Claro que o tempo todo tenho Gagueira (22/ 10), o IBF (Instituto Brasileiro de Fluência) e
que administrar a fala. Às vezes, não consigo falar, mas já o CFFo (Conselho Federal de Fonoaudiologia) lançam
não tenho vergonha nem raiva. E praticamente não evito mais amanhã uma cartilha direcionada a professores do ensino
falar em nenhuma situação." fundamental.
E, apesar do bom humor com que encara os múltiplos Composto de 18 páginas, o material traz orientações e dicas
desafios do cotidiano, ainda há comportamentos que a tiram de como os professores devem lidar com alunos que
do sério, como quando o interlocutor a aconselha a respirar e apresentam o transtorno.
a ficar calma. "É como se a gente gaguejasse porque quer. "Em vez de pedir para o aluno ler um texto em voz alta, por
Essas frases não servem para nada e até irritam. Esse é o jeito exemplo, o professor pode sugerir uma leitura em grupo,
que eu falo", afirma. assim a criança gaga deixa de ser o foco das atenções", diz a
O inferno, porém, não são os outros. Um elemento é central fonoaudióloga Leila Nagib, presidente do CFFo.
para enfrentar o distúrbio, diz a psicóloga: "A grande briga é Todo o conteúdo das cartilhas estará disponível
da gente com a gente mesmo. É fácil falar: "Ah, porque o gratuitamente na internet, nos sites do conselho
fulaninho riu", mas é a gente que não está bem resolvida". (www.fonoaudiologia.org.br) e do IBF
Segundo ela, ter preconceito com relação ao próprio (www.gagueira.org.br).
problema e querer agradar aos outros são impeditivos para
conviver bem com a gagueira e melhorar a comunicação. "Há
gagos que dizem: "Eu queria ser como o William Bonner".
Olha o grau de exigência! A gente não tem que evitar nada,
tem é que falar, mesmo que saia tropeçando. Eu adoro falar.
Minha atitude é: "Eu estou aqui. Tenho algo para dizer a
você. Por favor, tenha paciência e me escute"."