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GRANDES DOUTRINAS BIBLICAS Volume 3 A Igreja e as Ultimas Coisas D. Martyn Lloyd-Jones Fes PUBLICACGOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 01059-970 — Sao Paulo — SP Titulo original: The Church and the Last Things Editora: Hodder and Stoughton Ltd., Londres Primeira edigao em inglés: 1998 Copyright: Lady E. Catherwood Ann Desmond O direito de Dr. Martyn Lloyd-Jones de ser identificado como o autor desta obra tem sido asseverado de acordo com o ato de Copyright, Designs e Patents 1988 Traducao do inglés: Valter Graciano Martins Revisao: Antonio Poccinelli Capa: Sergio Luiz Menga Primeira edicao em portugués: 1999 Impressao: Imprensa da Fé PYOfACIO wesssessseessssesssvessesesssessssessstesseessnscssessssessssessessnsesanens 7 1 A Igreja. 9 2 As Marcas e o Governo da Igreja.. 24 3 As Ordenangas — Sinais e Selos 39 4 O Batismo 51 5 A Ceia do Senhor 65 6 Mortee Imortalidade . 78 7 Imortalidade Condicional ou Segunda Chance? 89 8 A Segunda Vinda — Introdugao Geral 9 O Tempo de Sua Vinda — os Sinai: 10 O Plano de Deus para os Judeus . LL O Anticristo w....ceseesee A Interpretagdo de Daniel 9: 24. 2) Conclusao do Capitulo 9 de Daniel e o Arrebatamento Secreto O Livro do Apocalipse — Introdugao. Os Pontos de Vista Preterista e Futurista O Ponto de Vista Historicista Espiritual O Sofrimento e a Seguranga dos Redimidos As Trombetas... O Juizo Final O Ponto de Vista Premilenista. Pés-milenismo e 0 Ponto de Vista Espiritual A Ressurreigio do Corpo O Destino Definitivo .... PREFACIO Nas noites de sexta-feira, apds a guerra, o Dr. Lloyd-Jones passou a manter reunides de debates numa das salas da Capela de Westminster, em Londres. Os temas desses debates versavam sobre questées praticas da vida crist4, e as reunides eram freqiientadas por um grande ntimero de pessoas. As questées que surgiram demandavam um sélido conhecimento de todo tipo de ensino biblico. As vezes surgiam também problemas doutri- narios, com os quais “o Doutor” tinha que tratar, geralmente em sua conclusdo, no encerramento do debate. Em parte era resultado disso, e em parte porque o numero foi se tornando grande demais para a sala comportar, e talvez também porque as pessoas que lhe pediam informagoes sobre as doutrinas biblicas eram tantas, que ele comecou a sentir a necessidade de mudar a “reuniao noturna de sexta-feira” para a propria Capela, e ali ministrar uma série de prelecdes sobre esses grandes temas. Ele fez isso de 1952 a 1955, e entao deu inicio a sua magistral série sobre a Epistola aos Romanos, a qual deu seguimento até sua aposentadoria em 1968. As prelegées doutrindrias eram muitis- simo apreciadas pelas grandes congregagées que as ouviam; e, ao longo dos anos, muitos tém dado testemunho da maneira como, por meio delas, sua vida crista se fortaleceu. Mais tarde, 0 préprio Doutor se sentiu mais satisfeito em pregar sobre doutrinas como parte da exposi¢éo regular, como certa vez afirmou: “Se as pessoas desejam conhecer uma doutrina em particular, poderao encontré-la nos manuais de doutrina”. Masa grande forca de seus estudos doutrinarios consiste em que eles nao sio dridos compéndios de preleg6es. Ele era acima de tudo um pregador, ¢ isso se salienta em todas as suas prelecées. Ele era também pastor, e desejava que homens e mulheres compartilhassem de seu senso de admiracao e de sua gratidao a Deus pelos fatos poderosos do evangelho. Dai sua linguagem clara e destituida daquela complexa fraseologia académica. A semelhanga de Tyndale, ele queria que a verdade se revestisse de palavras “compreensiveis ao povo”. Outro desejo seu era que 0 ensino nao ficasse s6 na cabega, por isso ha em cada prelecio uma aplicagao para que se assegurasse que 0 coracao e a vontade também fossem tocados. A gléria de Deus era sua principal Motivagao na ministracdo destas prelecées. ~ Os que conhecem a pregacao ¢ 0s livros do Dr. Lloyd-Jones, ao lerem as prelegées, haverao de se lembrar que seus pontos de vista sobre alguns temas se desenvolveram ao longo dos anos, e que suas énfases provavelmente nem sempre eram as mesmas. Todavia esta constitui parte da riqueza de seu ministério, como o foi do ministério de muitos dos grandes pregadores do passado. N&o obstante, no tocante as verdades essenciais e fundamentais da Palavra de Deus, néo ha qualquer mudanga em sua proclamacao, e nenhum som incerto tem-se emitido. Temos encontrado certa dificuldade na preparagao destas prelegées para a publicagao. Elas foram ha muito tempo pronunciadas e gravadas em fitas, de modo que em certos lugares houve dificuldade em decifrarem-se as palavras, e algumas fitas se perderam. Além disso, s6 uma pequena parte das prelecdes foi taquigrafada, ¢ assim, num ou dois casos, nao temos nem fita nem manuscrito. Afortunadamente, contudo, o Doutor guardou suas anotagées pessoais de todas as prelegdes, e assim as temos usado, embora, naturalmente, significa que esses capftulos ndo se acham téo completos quanto os demais. As fitas do Doutor sao distribuidas pelo Martyn Lloyd-Jones Recording Trust, e de todas as suas fitas o maior nimero de pedidos consiste nestas prelegdes doutrinarias. A caréncia de conhecimento das verdades vitais da fé cristé é maior agora do que antes — com certeza ainda maior agora do que na década de 1950! Portanto nossa oragao é para que Deus use e abengoe estas prelegdes novamente, para o nosso fortalecimento e para a gloria dEle. Os Editores A IGREJA Chegamos agora a sexagésima prelecao em nosso estudo das doutrinas biblicas, portanto € provavel que este seja um bom lugar para lembrar-lhes dos varios passos ¢ est4gios pelos quais ja passamos. Tendo comegado com nossa consideragao do homem neste mundo, e tendo notado a futilidade de confiarmos somente em nosso préprio entendimento, chegamos a perceber, como as pessoas tém sempre percebido, a necessidade de uma revelagdo. Deus nos deu essa revelag&o: é uma revelacao de Si proprio em Sua Palavra. Entéo, havendo considerado 0 que a Palavra nos diz sobre Deus, prosseguimos considerando o que ela nos diz sobre homens e mulheres em suas necessidades, bem como a causa de suas necessidades — a qual introduziu a doutrina do pecado. Isso conduz 4 necessidade de salvagao que consideramos na Pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo, e em seguida na aplicagao de tudo isso a nés mediante a operagéo do Espirito Santo. E assim chegamos a uma nova segao: nova simplesmente no sentido em que reconhecemos certas divisdes 4 guisa de conveniéncia do pensamento; obviamente, porém, nova em nenhum outro sentido. Além disso, devemos observar nova- mente o maravilhoso modo no qual cada uma dessas doutrinas conduz 4 préxima, de uma forma totalmente inevitavel. A verdade é uma s6 € 0 propésito de Deus é um todo, de tal maneira que, ao terminarmos de discutir uma doutrina estamos, necessariamente, nos introduzindo na préxima. Na prelecao anterior, estivemos analisando juntos 0 ensino da Biblia concernente aos dons espirituais. Consideramos como Deus concede a Igreja apéstolos e profetas, pastores e mestres, os quais possuem os dons necessdrios. E vimos que varios outros dons especiais sio concedidos ao povo cristéo, tanto dons temporarios para os primeiros cristaos quanto outros dons que sao de carater permanente e sao concedidos a todos os cristdos em todos os tempos. Em todos esses casos, porém, observamos que os dons eram concedidos a Igreja e aos membros da Igreja. E assim chegamos, por meio de uma légica inevitavel e pela forga da propria verdade, a uma consideracdo da doutrina biblica da natureza da Igreja. Ora, esta doutrina costuma ser totalmente omitida nos livros que tratam das doutrinas biblicas, embora seja dificil de se descobrir 0 porqué. Isso € muitissimo lamentavel, pois se real- mente estamos interessados em discutir as doutrinas que aparecem na prépria Biblia, entéo precisamos analisar a doutrina da Igreja. A maioria das Epistolas neotestamentarias foi escrita a uma igreja, e seu ensino se volta mais para a Igreja. Por isso nao basta considerar as doutrinas da Biblia que tratam mais de nossas necessidades e experiéncias pessoais e individuais. Grande parte do Novo Testamento nao se destinaria a verdades concernentes 4 Igreja a no ser que isso fosse algo de vital importancia. O préprio cardter das Escrituras por si mesmo nos compele a considerar esta doutrina. Outra razao, sem diivida, é a grande proeminéncia que esta doutrina ja teve na hist6ria da propria Igreja. Tomemos, por exemplo, a hist6ria da Bretanha. Distingue-se proeminente- mente toda a questao da natureza da Igreja. Notamos isso na Reforma Protestante — uma daquelas grandes questdes decisivas acerca das quais todo mundo conhece~eem tudo 0 queaconteceu no século dezessete, inclusive certos aspectos da Guerra Civil. Ora, vocés nao podem visualizar essas coisas, mesmo pelo prisma secular, sem perceber que a doutrina é muitissimo importante. Nossos pais a consideraram como algo de importancia tao vital que estavam preparados para enfrentar as maiores dificuldades e sofrer a perda de quase todas as coisas em decorréncia de sua preocupagao pela doutrina da natureza da Igreja. Para eles, ela nao era algo que pudesse ser considerado com indiferenga. Qualquer que fosse a perseguig&o, ainda com 0 risco de suas vidas, muitos deles fundaram conventiculos e insistiam em reunir-se 10 neles. Portanto, se nao tivéssemos nenhuma outra razfo para considerar esta doutrina, seriamos compelidos a estuda-la por respeito aos nomes e a grandeza de nossos antepassados distantes. As pessoas no sofreriam assim pela verdade e por uma causa se ela fosse uma questao indiferente. Eevidente que hé ainda outra razao que nos leva a considerar esta questao, e é justamente a grande proeminéncia que est4 sendo dada na atualidade a Igreja Crista em conexéo com o que é conhecido pelo nome de movimento ecuménico. Os noticidrios teligiosos dedicam grande espago a isso e esta sendo propagado pelos expoentes do ecumenismo que a fungao particular da Igreja no século vinte é chamar a atengdo para a natureza da Igreja. Portanto, se porventura quisermos entrar em discussao com tais pessoas € sermos capazes de nutrir um inteligente interesse por essas discusses, cabe-nos conhecer algo acerca desta doutrina neotestamentéria. Além disso, porém, ha uma razao que, em certo sentido, é muito mais importante do que todas as outras juntas. Suspeito que ela constitui a deficiéncia do povo evangélico, particu- larmente durante os tiltimos sessenta a setenta anos, de levar a sério o ensino biblico concernente a natureza da Igreja, o que explica a maioria dos problemas que estamos enfrentando na atualidade. Por uma raz4o ou outra, nossos pais e avés imediatos sentiam que era suficiente formar movimentos sem pensar em termos da Igreja, com 0 resultado de que o testemunho evangélico se diluiu entre as grandes denominagées e o povo cristéo evangélico s6 se reune em movimentos em vez de reunir-se em igrejas. E assim, olhando por esse prisma, isso se constitui num tema de muita importancia. Se é verdade que nutrimos profundo interesse pela mensagem evangélica e sua vital importancia no mundo atual, entéo somos compelidos a considerar a doutrina da Igreja. Uma vez introduzidos no ensino biblico concernente a natureza da Igreja, permitam-me fazer minha costumeira observa¢ao introdutéria. Este € um tema em extremo contro- vertido — praticamente tem sido assim com todas as doutrinas. ll Acaso nao tem? A histéria, porém, por si s6, assegura-nos que esta é, provavelmente, a mais controvertida de todas. E no entanto é pura covardia deixar de tratar um tema simplesmente por ser controvertido. Qualquer que tenha sido nossa educagao ou histéria; quaisquer que sejam nossos preconceitos, é preciso que tentemos avaliar, com a mente mais aberta possivel, o que as Escrituras tém a nos dizer. Que todos nés nos esforcemos em fazer isso, orando para que Deus nos livre dos preconceitos para os quais todos nos nos inclinamos. Aproximemo-nos, portanto, de algumas palavras prelimi- nares de definicdo. A primeira pergunta que devemos encarar é esta: qual éa relacdo da Igreja com o reino de Deus? Encontramos na Biblia ensino sobre o reino e ensino acerca da Igreja. Ha entre 0s cristdos, com freqiténcia, muita confusdo acerca desses dois assuntos. Isso se deve grandemente ao fato de como a igreja catélica romana identifica os dois. No ensino catélico-romano, a Igreja é o reino de Deus, e os catélicos romanos sao absolutamente coerentes na maneira como resolvem isso, teivindicando o direito de governar e dominar toda a vida das pessoas em todos os seus aspectos. Vocés se lembram como, na Idade Média, a igreja romana costumava governar 0s reis, os senhores, os principes, as provincias e as autoridades com base na alegacdo de que ela era o reino de Deus, de que ela era suprema. E tal idéia tende, em certa medida, a persistir. Por isso temos de ser claros sobre a relacdo entre Igreja e reino. O que € 0 reino de Deus? Ele é melhor definido como o governo de Deus. O reino de Deus esta presente onde quer que Deus esteja reinando. Eis a raz4o por que nosso Senhor podia dizer que, em virtude de Sua atividade e Suas obras, “o reino de Deus esta dentro de vés” (Luc. 17:21). Disse ainda: “Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os deménios, logo é chegado a vés 0 reino de Deus” (Luc. 11:20). Portanto, se considerarmos 0 reino de Deus como 0 governo e o reinado de Deus, entdo 0 reino esteve aqui quando nosso Senhor esteve aqui pessoalmente. Ele est4 presente onde quer que o Senhor Jesus Cristo é reconhecido como Senhor. O reino vird, porém, com maior 12 plenitude quando tudo e todos tiverem reconhecido Seu senhorio. E assim podemos dizer que 0 reino ja veio, o reino est4 entre nos e o reino ainda esta por vir. Qual, pois, é a relagao da Igreja com o reino? Seguramente é esta: a Igreja é uma expresso do reino, mas nao deve ser equiparada a ele. O reino de Deus é mais amplo e mais poderoso que a Igreja. Na Igreja, onde ela é verdadeiramente a Igreja, 0 senhorio de Cristo é reconhecido e confessado e Ele habita ali. Portanto, o reino esté ali nesse sentido. E assim a Igreja é uma parte do reino, mas apenas uma parte. O reino de Deus é muito mais amplo do que a Igreja. Deus governa em regides além da Igreja, em regides onde Ele nao € reconhecido, porquanto todas as coisas estao em Suas maos e a historia esté em Suas mos. Por isso a Igreja nao é co-extensiva com o Reino. Examinemos agora alguns dos termos que sao usados. A palavra grega que se traduz para “igreja” é 0 termo ekklesia, e ekklesia significa “aqueles que sao chamados”, nao necessaria- mente chamados do mundo, mas chamados da sociedade para alguma fung4o ou propésito particular; so “chamados conjuntamente”. Podemos traduzir ekklesia pela palavra “assembléia”. Se vocés lerem o relato em Atos, capitulo 19, sobre a extraordinéria reuniao que se deu na cidade de Efeso, reuniao que quase se transformou em motim, descobrirao que 0 secretario municipal da cidade a denominou de uma assembléia, uma ekklesia, pela qual ele quiz dizer que certo ntimero de pessoas se reuniram conjuntamente. Da mesma forma, em seu discurso em Atos, capitulo 7, Estévao refere-se a Moisés como estando “na igreja no deserto” (v.38). E assim os filhos de Israel eram uma igreja, um ajuntamento, uma assembléia do povo de Deus. Eraa ekklesia, a igreja do Velho Testamento. Esse € 0 significado fundamental da palavra “igreja”. Ora, nossa palavra “igreja”, e todos os termos e nomes cognatos, inclui um significado ligeiramente diferente. Usamos a palavra para significar que pertencemos ao Senhor. Nossa palavra “igreja” vem da palavra grega kurios, que significa “senhor” — tem a mesma derivagéo das palavras Imperador e 13 César. E importante termos isso em mente, visto que devemos manter estes dois significados juntos: a Igreja consiste daqueles que pertencem ao Senhor, que se retinem conjuntamente. Avancemos, porém, mais um passo, Analisemos algumas afirmacédes que as Escrituras fazem sobre a Igreja, e que sio realmente importantes. Na Biblia, a palavra ekklesia, quando aplicada aos cristaos, geralmente se usa em referéncia a um local de reuniao. A distingdo que ora faco é quanto a diferenga entre a Igreja considerada como uma idéia geral e a igreja considerada como idéia de localidade e particularidade. O termo que é quase invariavelmente usado nas Escrituras inclui este sentido de localidade. Por exemplo, em Romanos, capitulo 16, quando Paulo envia suas saudacées a Aquila e Priscila, ele faz uma referéncia a “a igreja que esta na casa deles” (v.5). Um grupo de cristaos se reunia na casa de Aquila e Priscila, e o apdstolo Paulo nao hesita em chamar de igreja aquele local de reuniao. Ele nao esta pensando em termos da idéia moderna ecuménica, segundo a qual a Igreja é o grande elemento. Em seguida, Paulo também enderega sua Epistola, por exemplo, “a igreja de Deus que esté em Corinto”. Ele escreve a Epistola aos Galatas “as igrejas da Galacia” (Gal. 1:12), nao “a Igreja da Galacia”. Paulo nao esté pensando numa s6 unidade dividida em ramos locais, mas nas igrejas, um grupo dessas unidades, na Galacia. Esta € uma questéo muitissimo significativa e importante. Ora, se vocés percorrerem as Escrituras, descobrirao ser esse 0 método apostdélico comum de lidar com 0 tema. Temos, porém, que observar que ha dois ou trés exemplos em que a palavra “igreja” € usada em vez de “igrejas”, e um deles é bastante interessante. Ele se encontra em Atos 9:31. HA certa diferenga aqui entre a Authorised (King James) Version e a Revised Version. A Authorised Version tem a redagao: “Entao as igrejas tinham descanso por toda a Judéia, a Galiléia e a Samaria, e eram edificadas.” A Revised Version, porém, traz o singular, “igreja”, e esta € indubitavelmente a melhor traducdo. Sim, mas mesmo assim devemos lembrar-nos que a referéncia é quase com 14 toda certeza aos membros da igreja em Jerusalém que haviam sido espalhados por toda parte em decorréncia da perseguigao. Portanto é provavel que Lucas nao estivesse se referindo a idéia de “a Igreja” como diferente de “as igrejas”, mas estivesse pensando numa sé igreja dispersa por varias regides e em paz. Entretanto, este nao é um ponto vital. Além disso, lemos em 1 Corintios 12:28: “E a uns pés Deus na igreja, primeiramente ap6stolos, e em segundo lugar profetas”. Paulo nao diz que Deus os pds “nas igrejas”, e, sim, “na igreja”. Ha ainda outra forma na qual se usa o termo “igreja”. Em certas passagens, como aquelas grandes passagens na Epistola aos Efésios, Paulo esté obviamente pensando na Igreja como incluindo nao sé os que estdo na terra, porém também os que est4o no céu. No final do primeiro capitulo, ele diz: “E sujeitou todas as coisas debaixo dos seus pés, e para ser cabeca sobre todas as coisas o deu 4 igreja, que é 0 seu corpo, o complemento daquele que cumpre tudo em todas as coisas” (Ef. 1:22,23). Semelhantemente, em outra parte da Epistola, ele diz: “Para que agora a multiforme sabedoria de Deus seja manifestada, por meio da igreja, aos principados e potestades nas regides celestiais” (3:10). E Paulo escreve a mesma coisa também em Efésios 5:23-32. Até aqui, pois, vimos que, geralmente falando, o termo ekklesia € usado no plural, e os escritores estio obviamente pensando nas igrejas individuais; nuns poucos exemplos, porém, ha uma concepgio mais ampla em que se usa o termo “a Igreja”. E em seguida devemos analisar os varios quadros ou ilustragdes que sao usadas a fim de ensinar a doutrina concer- nente 4 Igreja, e ha um bom numero delas muito interessantes. A primeira é a analogia de um corpo. Em diversas das Epistolas neotestamentarias somos informados que a Igreja é 0 “corpo de Cristo”. O classico exemplo, sem diivida, esté em 1 Corintios, capitulo 12, mas o encontramos também em Romanos, capitulo 12, em Efésios, capitulo 4, e noutros lugares. Outro quadro é 0 da Igreja como um templo ou como um edificio, onde o apéstolo se compara com um sdbio construtor 15 (1 Cor. 3:10). Em Efésios 2:20 ele fala da Igreja sendo edificada sobre o fundamento dos apéstolos e profetas; portanto ele pensa nela ali como um edificio que esté sendo erigido. Em Ef€sios, capitulo 5, Paulo se refere a Igreja como a noiva de Cristo, e essa imagem reaparece no livro do Apocalipse. Ainda outro conceito é aquele de um império. Em Efésios, capitulo 2, Paulo fala de nés como “concidadaos dos santos e da familia de Deus” (v.19). Essa, obviamente, foi uma analogia que de repente surgiu na mente do apéstolo. Provavelmente ja fosse um prisioneiro em Roma no tempo em que escreveu essa Epistola, e estivesse pensando nesse admiravel Império Romano. Ele sentia que havia algo no Império que era andlogo a Igreja, com todas as partes dispersas e ainda com uma unidade central. Fazendo uso de outro termo, podemos falar, como se tem feito ao longo de todos os séculos, da “Igreja militante” e da “Tgreja triunfante” (a Igreja terrena esta lutando por sua vida, pela doutrina e por cada elemento) a Igreja que se encontra além do véu, jubilosa e triunfante. Tomem, por exemplo, a grandiosa forma na qual isso é expresso em Hebreus 12:22-24. E assim, tomando todas essas idéias juntas, que conclusao tiramos? Obviamente, a Igreja é espiritual e invisivel. Todos os exemplos que tenho lhes apresentado da palavra empregada no singular pressupdem algo que nao pode ser visto, mas que possui uma realidade como entidade espiritual. Ao mesmo tempo, porém, a Igreja é também visivel e pode ser vista externamente ¢ pode ser descrita como existindo em Corinto, em Roma ou em algum outro lugar particular. E muito importante que tenhamos em mente essas duas coisas. O invisivel tem suas manifestagées locais. Uma boa analogia aqui € a alma. Nao podemos ver as almas humanas, mas sabemos que cada pessoa possui uma alma e expressa esse fato através do corpo, através do comportamento e da vida, o invisivel manifestando-se através do visivel. E isso € obviamente verdadeiro no que tange a Igreja Crista. Além das igrejas locais ha aquilo que se chama a Igreja. O corpo de Cristo € uma entidade, é algo real e vivo. 16 E muito importante que delineemos essas distingdes para que, a luz do que tenho dito, eu possa prosseguir e acrescentar 0 seguinte: ninguém pode ser cristéo sem ser membro da Igreja espiritual ¢ invisivel. E impossivel. Todos os cristios sio mem- bros do corpo de Cristo. No entanto, é possivel ser membro da Igreja sem ser membro de uma parte visivel da Igreja~ embora devesse ser. Alguém pode estar numa sem estar na outra. E possivel igualmente ser membro da Igreja visivel, de sua manifestagao externa, € néo ser membro da Igreja invisivel, espiritual. E assim vocés podem ver como é muito importante essa disting&o biblica entre Igreja universal, que € Seu corpo, e suas manifestacoes visiveis ¢ locais. Portanto, em resumo: o sentido usual de “igreja” apresentado nas Escrituras é de um local de encontro dos santos onde sao reconhecidos a presenga e o senhorio de Cristo, Além de tudo isso, porém, nas igrejas locais, todas as pessoas que realmente nasceram de novo e s4o espirituais, sao também membros da Igreja espiritual invisivel, o genuino corpo de Cristo. Como j4 disse, isso é algo de grande importancia caso queiramos entender a presente discussao sobre a Igreja. E assim chegamos 4 préxima questao referente 4 unidade da Igreja. E este € o grande tema de hoje. Com toda seguranga, aqui se pode dizer certas coisas sem qualquer receio de contradicao. Se é para sermos guiados pelo ensino biblico, entéo devemos concordar prontamente que a unidade com a qual as Escrituras se preocupam é a unidade espiritual. O décimo-sétimo capitulo do Evangelho de Joao é com freqiiéncia citado equivocadamente! As pessoas simplesmente retiram uma frase de seu contexto. Dizem, citando o versiculo 21: “Para que todos sejam um”, e ficam nisso. Insistem também que diviséo na Igreja é o maior de todos os pecados. Ora, por certo que todos nés concordamos que divisio € algo deploravel; cisma é certamente pecado. Entretanto, quando interpretamos isso no sentido em que todo aquele que se chama cristao, nao importa qual a condi¢aéo ou forma, é alguém com quem devemos manter unido absoluta em todos os aspectos, 17 ent4o isso €é uma contradi¢éo do que Jodo, capitulo 17, ensina. Certamente, Jodo, capitulo 17, faz o carater dessa unidade muito simples e claro. Os termos de nosso Senhor so estes: “Para que todos sejam um; assim como tu, 6 Pai, és em mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nds ... E eu lhes dei a gloria que a mim me deste, para que sejam um, como nés somos um” (vv. 21,22). Isso € totalmente espiritual. Nosso Senhor esta falando da relagao entre o Pai e o Filho e os que estao em Cristo, 08 quais estao no Pai e no Filho, e Ele j4 nos disse certas coisas sobre essas pessoas. Diz Ele: “Porque eu lhes dei as palavras que tu me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que sai de ti, e creram que tu me enviaste” (v.8). Por isso as palavras de nosso Senhor acerca da unidade sao aplicdveis unicamente as pessoas que créem nessa doutrina particular; e se alguém me diz que é cristdo, porém diz que Jesus era unicamente homem, entao eu nao tenho nenhuma unigo com ele. Nao pertengo ao mesmo grupo dele. Pode chamar-se de cristao, mas se n4o creu nem aceitou isso, no existe nenhuma base para a unidade. A unidade é de carater espiritual. Também em Efésios 4:3 Paulo fala acerca de “a unidade do Espirito no vinculo da paz”. Aquele grande capitulo 12 de 1 Corintios apresenta a mesma questao. Para a analogia do corpo ser absolutamente correta, deve haver uma unidade essencial, organica e espiritual. As partes nio podem funcionar em harmonia se nao se pertencerem reciprocamente, se nao tiverem em si a mesma vida, se o mesmo sangue nAo fluir através delas. Ainda em Efésios, Paulo diz: “Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espirito” (2:18). Portanto, o primeiro ponto que deve receber énfase é 0 Espirito. A unidade é espiritual. Nao é uma mera uniao biolégica de uma porgao de organismos nem um mero consentimento formal. Tampouco é uma liga de pessoas que divergem, mas que se uniram em favor de algum propésito comum. Isso nao é o que encontramos nas Escrituras. Esta unidade é algo mistico, algo espiritual; é vital; é uma comunidade cheia de vida. O segundo principio, porém, é igualmente claro nas 18 Escrituras, a saber: que essa unidade deve basear-se na doutrina; deve ser doutrinal. J4 lhes mostrei isso 4 luz de Joao, capitulo 17. Diz nosso Senhor: “Agora sabem que tudo quanto me deste provém de ti; porque eu hes dei as palavras que tu me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saf de ti, €creram que tu me enviaste” (Joao 17:7,8). Ora, as “palavras” as quais nosso Senhor Se referiu significam as palavras sobre ser Ele o unigénito Filho de Deus. Sao palavras acerca da encarnacio, acerca da Palavra que Se fez carne. Sao palavras nas quais Ele alega: “Antes que Abraio existisse, eu sou” (Jodo 8:58). SAo palavras que ensinam Sua miraculosa vinda ao mundo, Seu nascimento virginal. Referem-se aos Seus milagres, porque Ele mesmo faz referéncia a Seus milagres (Jodo 14:11), ao sobre- natural, ao propésito de Sua morte — dando Sua vida em resgate por muitos (Mat. 20:28) - e as palavras que Ele falou acerca da Pessoa do Espirito Santo, e assim por diante. E no entanto exige- -se que entremos em alguma grande uniao com pessoas que negam Sua deidade singular, as quais nao créem que Ele é 0 unigénito Filho de Deus, nao créem no Seu nascimento virginal e néo créem que Ele tenha alguma vez operado milagre — dizem que milagres sao impossiveis e que nao passam de folclore. Tais pessoas nao créem na expiacao substitutiva nem na Pessoa do Espirito Santo. Destacam bem esta afirmagao: “as trés Pessoas sao uma s6”, e ignoram todo este rico ensino doutrinal precedente. Falar de unidade com tais pessoas nada mais é que uma negac4o de Joao, capitulo 17. Joao, capitulo 17, porém, nao é 0 tinico exemplo desta verdade de que a unidade deve ser baseada na doutrina. Em Atos 2:42 somos informados que imediatamente apés o dia de Pentecoste, “perseveravam na doutrina dos apéstolos e na comunhao, no partir do pao e nas oragées”. As Escrituras sao verbalmente inspiradas. As palavras tém valor; o lugar e a posicio das palavras num versiculo sao de tremenda importancia. Nao nos é dito que os primeiros crentes perseveravam firmemente na comunhdo e na doutrina dos apéstolos. Nao! Perseveravam na doutrina e na comunhio dos apéstolos, no partir do pao e nas 19 oragdes. Noutros termos, antes que possa haver comunhao é preciso haver aceitacéo geral da doutrina. A comunhao tem por base a mesma f€, a mesma verdade, o mesmo discernimento. Se vocé pretende uma coisa ao falar de Cristo, e outra pessoa pretende outra coisa, seria possivel vocés terem comunhio real? Como seria possivel vocés irem a Deus através da mesma Pessoa, se uma pessoa cré que Ela é simplesmente homem, ¢ a outra diz: “Nao, nao, essa Pessoa é a substancia eterna que Se fez carne”? E preciso que haja a unidade de crenga, do contrario vocé se sentir4 pesaroso acerca da outra pessoa e cheio de dtivida quanto ao que ela pretende com seus termos. Atos 2:42 tem a doutrina dos apéstolos, em seguida a comunhao; hoje, porém, a comunhao € posta em primeiro lugar. Diz-se: “Cheguemos todos a um acordo. Entao podemos decidir sobre questées de fé”. Nos, porém, nao podemos ter comunhfo 4 parte desta unidade de doutrina. Hé ainda uma declaragao muito forte na Segunda Epistola de Joao: “Se alguém vem ter convosco, e nao traz este ensino, nao o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o satida participa de suas mas obras” (2 Jo4o 10,11). Isso procede de Joao, o apéstolo do amor. A importancia que ele atribui 4 doutrina e& verdade é tao grande que na verdade ele esta dizendo: “Vocés nao devem receber um homem em sua casa, porque, se 0 fizerem, estarao estimulando-o. Se lhe derem comida e 0 despedirem em sua viagem, estarao estimulando sua falsa doutrina. Nao fagam isso”. Ese vocés lerem a Primeira Epistola de Joao, entio descobrirao que toda a sua preocupacio gira em torno da mesma coisa. Havia determinadas pessoas, diz ele, esses anticristos e seus seguidores, que “safiram de nosso meio”. Estavam entre nds, mas se foram. Evidentemente nado eram dos nossos (] Joao 2:19), Lembrem-se que essa € uma questao de doutrina, e que doutrina é essencial e vital 4 genuina comunhio. Portanto, quando estivermos discutindo a questo da unidade da ‘Igreja, € preciso que coloquemos nas primeiras posigées 0 carater espiritual e doutrinal da unidade. Nunca é coisa dificil 20 reunir um grupo de pessoas que nado créem em nada em par- ticular. Isso, porém, nao é unidade. Unidade é algo positivo. Nao €86 0 caso de pessoas se reunirem, visto que ninguém se preocupa muito com o que é dito ou crido. Unidade é uma vida, é um poder, é um entusiasmo. E 0 povo unido que se junta pelo que tem em comum. Isso é supremamente verdadeiro na Igreja de Deus. - Se vocés retrocederem ao Jongo da histéria da Igreja, descobrirao que ela amitide tem sido mais valiosa e mais usada por Deus quando tem havido apenas um punhado de pessoas que concordavam em espirito e em doutrina. Deus as tomou e as usou e fez algo poderoso através delas. Quando, porém, havia apenas uma Igreja em toda a Europa ocidental, que rumo ela tomou? A Era das Trevas. E no entanto, parece-me que essa grande licdo da histéria est4 sendo inteiramente esquecida ¢ ignorada neste tempo presente. Digo essas coisas, nao porque me sinto animado pelo espirito de controvérsia, mas porque sinto zelo pela verdade como a encontro nas Escrituras, e considero algo trégico notar como as Escrituras estéo sendo deturpadas e pervertidas no interesse de uma unidade que nao é unidade nenhuma. Finalmente, qual € a relagéo da Igreja com o Estado? Aqui, uma vez mais, esté um assunto extremamente controvertido, A idéia catélico-romana sempre foi que a Igreja é 0 Estado e controla tudo no Estado e, como lembrei-lhes no inicio, essa igreja sempre fez isso. No extremo oposto est4 o assim chamado ponto de vista “erastiano”, uma idéia inicialmente proposta por um homem chamado Erasto, 0 qual, lamento dizer, foi médico. Sinto o dever, em alguma ocasiao, de apresentar-lhes a histéria das desditosas intervengdes de médicos na histéria doutrinal da Igreja! Erasto, infelizmente, foi o homem que deu origem 4 perniciosa doutrina de que a Igreja é um ramo do Estado. Ora, esse é, naturalmente, o ponto de vista na Inglaterra com respeito A Igreja Anglicana. A Igreja da Inglaterra é erastiana, e a maioria das Igrejas Luteranas defende a mesma posigao. A Igreja Luterana na 21 Alemanha era erastiana, e creio que um bom argumento pode ser estabelecido, dizendo que, provavelmente, jamais teriamos ouvido a respeito de Hitler, ndo fosse o erastianismo da Igreja Luterana na Alemanha. Entretanto, esse é um ponto passivel de debate. O erastianismo, reitero, é a crenca de que a Igreja €é uma espécie de departamento do Estado, e que ela é administrada e governada pelo Estado, de forma que a cabega do Estado designa bispos e outros dignitarios ¢ funciondrios da Igreja. Na Inglaterra, em 1928, houve uma grande controvérsia na Casa dos Comuns sobre a proposta de um novo Livro de Oragao. A Igreja decidiu té-lo, porém o Parlamento tinha poder para indeferi-lo. Talvez vocés digam que foi algo muito bom que o Parlamento possuisse tal autoridade! De um ponto de vista, sim, mas olhando por outro prisma, nao, pois isso constitui uma espada que pode cortar de ambos os lados. Em 1928 deu certo, no entanto, o que dizer se 0 Parlamento de repente decidisse agir erroneamente? Nao nos esquecamos de que ele ainda tem o poder de agir assim. Eis, pois, os pontos de vista catélico-romano e erastiano da Igreja e do Estado. Mas contra estes sem diivida devemos concordat, se percorrermos cuidadosamente as Escrituras, que ha um terceiro ponto de vista que pode ser descrito como “os dois Estados”. As pessoas que defendem este ponto de vista créem que Deus é dono de tudo. Deus é 0 Senhor do universo, tanto quanto o Senhor da Igreja. Deus ordenou o Estado. Diz Paulo: “Porque néo ha autoridade que nao venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus” (Rom. 13:1). Os magistrados e outros tipos de governantes nao foram instituidos pelo homem, mas por Deus. Sim, porém ha este outro Estado, a Igreja, e os dois existem lado a lado. Um nfo controla 0 outro. Ambos sao separados e ambos se acham sujeitos a Deus. Esse, sugiro-lhes, € o quadro apresentado pelo Novo Testamento. Nao existe qualquer indicagao de algo vindo de algum lugar que se assemelhe a uma Igreja-Estado. Os primeiros crentes eram independentes dos governos. Reuniam-se sob 0 senhorio e na presenca de Cristo. De fora estava o grande Estado 22 ao qual pertenciam. Embora permanecessem cidadaos desse Estado, haviam entrado numa esfera que, em certo sentido, nao tinha absolutamente nada a ver com o Estado. E pelos séculos a fora esse tem sido o ponto de vista reformado da relagdo entre 0 Estado e a Igreja. Precisamente da mesma forma, nado podemos encontrar nas Escrituras tal coisa como Igreja “nacional”, sendo precisamente o inverso. Paulo escreve: “Onde nao ha grego nem judeu, circunciséo nem incircuncisdo, barbaro, cita, escravo ou livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col. 3:11). A Igreja é algo diferente, éconstituida daqueles que nasceram de novo e tém vida espiritual, os quais sao, como j4 vimos, membros do corpo mistico de Cristo ese retinem em sua assembléia local — igreja - chame-a do que vocés quiserem, com Cristo como cabeca. Diferengas de nacio- nalidade, juntamente com distingdes sociais e raciais, s40 irrelevantes e jamais devem ser mencionadas em conexéo com a Igreja. Acrescentar tais qualificagées é seguramente fazer-se culpados de algo que nao é biblico. A Igreja é, nesse sentido, una, € seu povo € 0 mesmo em todos os lugares. Sabemos historicamente como as igrejas nacionais tém surgido em varios paises. Se estivermos, porém, preocupados com 0 conceito biblico, entao repito que eu, pessoalmente, nao consigo encontrar nada correspondente a tal condicdo referida em algum lugar nas paginas das Escrituras. Nao é argumento valido dizer que a nacao de Israel era a Igreja do Velho Testa- mento. Esse era 0 caso naquele tempo; agora, porém, disse Cristo aos judeus: “Portanto eu vos digo que vos serd tirado 0 reino de Deus, e serd dado a um povo que dé 0s seus frutos” (Mat. 21:43). Portanto, 0 que fica? Ea Igreja, como Pedro nos comprova no capitulo 2 de sua Primeira Epistola, onde aplica a Igreja as palavras que foram ditas a nagao de Israel. A Igreja é agora supra-nacional; ela tem o seu povo em todas as nagées. Ela € constituida pelo redimidos de Deus que vivem na terra em varias condigdes, mas que séo também cidaddos daquele reino que nao é deste mundo. 23 2 AS MARCAS E GOVERNO DA IGREJA Nosso préximo tema, ao continuarmos com a doutrina da Igreja, 6 o que geralmente se chama as marcas da Igreja, ou as caracteristicas da Igreja. Para qué a Igreja existe aqui? O que ela faz quando demonstra que é a Igreja? Eis ai uma importante pergunta, e varias respostas tém sido proferidas. Oensino protestante comum é que ha trés marcas principais da Igreja. A primeira é a pregacéo da Palavra. Essa é a tarefa principal da Igreja Crista: ela foi criada e chamada a existéncia para esse propésito. A pregacéo da Palavra é efetuada em dois aspectos principais. A Palavra é pregada na Igreja para edificar e estabelecer os santos, os crentes. Eles se reunem, como vimos, paraacomunhio. A Igreja éa comunhao daqueles que sao crentes em Cristo e confessam Sua lideranga e Seu senhorio, e a Palavra € pregada a fim de que sejam fortalecidos na fé. As Epistolas do Novo Testamento foram escritas para os crentes com esse objetivo especifico em vista, e os apéstolos os profetas tinham o mesmo propésito em sua pregacao. Quando homens e mulheres foram convertidos, isso era apenas 0 come¢o. Nasciam como criancinhas em Cristo, e careciam de instrugao; careciam de ser advertidos contra 0 erro e protegidos contra a heresia. Por isso a Igreja é essencial aos crentes. O segundo objetivo da pregagao é sem diivida a evangeli- zacao. E a tarefa especifica da Igreja Cristi pregar aos que nao sao crentes. Nosso Senhor, em Sua oragdo sacerdotal em Joao, capitulo 17, diz bem especificamente que, como o Pai O enviara ao mundo, assim também Ele estava enviando Seus seguidores imediatos e os que creriam nEle através deles. Eram enviados ao mundo como Ele fora. Ele veio trazendo a mensagem do reino, 24 € nds somos enviados portando a mesma mensagem. Faz parte da obra da Igreja pregar o evangelho aos que sao de fora a fim de que sejam convencidos e convictos do seu pecado, e para que sejam guiados a uma fé viva ¢ vital em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Essa, pois, éa primeira marca da Igreja—a pregacao da Palavra. A segunda marca e caracteristica da Igreja é a genuina administragao das ordenancas. Nao me deterei aqui agora porque pretendo tratar da doutrina das ordenangas em seu proprio lugar. Devo, porém, mencionar o assunto agora, visto ser ele uma das marcas da Igreja. A Igreja é um lugar onde as ordenancas sao correta e genuinamente administradas em conex4éo com a pregacdo da Palavra. A terceira marca da Igreja, aquela a que anseio mais enfa- tizar, uma vez que é téo lamentavelmente negligenciada, é 0 exercicio da disciplina. Ora, se tivéssemos perguntado no inicio: “Quais so as trés marcas essenciais da Igreja?”, fico pensando quantos teriam mencionado 0 exercicio da disciplina? Nao haa menor diivida de que esta doutrina é gravemente negligenciada. Alias, se me fosse pedido que explicasse por que as coisas sao como sao na Igreja; se me fosse pedido que explicasse por que a estatistica revela os ntimeros decrescentes, a falta de poder ¢ a falta de influéncia sobre homens e mulheres; se me fosse pedido que explicasse a raz4o de tantas igrejas parecerem incapazes de sustentar a causa sem recorrerem a jogos, dangas e coisas semelhantes; se me fosse pedido que explicasse por que a Igreja se acha em condig&o tao lamentavel, minha resposta teria de ser que a causa principal é a falha de exercer a disciplina. . Quando foi que vocés ouviram pela dltima vez uma referéncia feita de um ptlpito cristéo sobre o tema da disciplina? Quantas vezes vocés tém ouvido sermées ou discursos sobre o assunto? O termo ja foi quase riscado completamente da existéncia, e o que ele significa e representa j4 caiu no desuso. E, infelizmente, nao é sé a disciplina que € negligenciada, mas ha um grande ntiimero de pessoas que até mesmo tentariam justificar a negligéncia, e é por causa disso que quero tratar 25 detalhadamente do assunto. Ora, € com base biblica que sugiro que a disciplina deve ser exercida. Tomemos a passagem de Mateus, capitulo 18, comegando com o versiculo 15: “Ora, se teu irméo pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele s6; se te ouvir, ter4s ganho teu irm4o; mas se nao te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou trés testemunhas toda palavra seja confirmada. Se recusar ouvi-los, dize-o a igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o gentio e publicano” (vv. 15-17). Essas sfo palavras de nosso proprio Senhor. Semelhantemente, em Romanos 16:17 lemos: “Rogo-vos, irmaos, que noteis os que promovem dissensdes e escandalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles”. A disciplina € o tema de todo o capitulo 5 de 1 Corfntios, que termina com estas palavras: “Tirai esse iniquo do meio de vés”. Nada pode ser mais explicito que isso. Vemo-la novamente em 2 Corintios, capitulo 2, especialmente os versiculos 5 a 10, onde Paulo fala sobre receber de volta uma pessoa que havia sido disciplinada; e também em 2 Tessalonicenses, capitulo 3, onde ele dé instrugées quanto ao que se deve fazer com membros de igreja que vivem de maneira desordenada. Entao em Tito 3:10 ha esta ordem explicita: “Ao homem faccioso, depois da primeira e segunda admoestagao, evita-o”. Como vimos na prelecdo anterior, este ensino também se encontra em 2 Joao, versiculo 10. E € natural que nas varias cartas As igrejas individuais no livro do Apocalipse haja exortagdes sobre o exercicio da disciplina. Apesar disso, porém, ha os que amitide tentam justificar a auséncia ou a falta de disciplina na igreja local; e, estranhamente, muitos agem assim com base na parabola do joio em Mateus, capitulo 13. “Vocé nao deve disciplinar os cristéos”, eles dizem. “Se tentar exercer a disciplina, e puser as pessoas para fora da igreja, vocé estard violando as instrugées de nosso préprio Senhor, pois quando os servos disseram: “Queres, pois, que vamos arranca-lo?”, o Mestre disse: “No, para que, ao colher o joio, n4o arranqueis com ele também o trigo. Deixai crescer 26 ambos juntos até a ceifa.” Além do mais, exatamente pelas mesmas razées, alguns contestam qualquer separacio do povo cristéo de uma igreja que possa ser considerada apéstata. Essa, porém, é uma grave e ma interpretacao das Escrituras, uma vez que a parabola do joio obviamente n4o se refere a Igreja, ¢ sim, ao reino. Todas as paraébolas de Mateus, capitulo 13 sao parabolas do reino, eé bom que vocés se lembrem que na prelegao anterior enfatizei que a Igreja e 0 reino n4o sao idénticos. A Igreja é uma express4o do reino; 0 reino, porém, é maior que a Igreja. E, por certo, nosso préprio Senhor diz explicitamente, em Sua interpretacdo particular desta parabola, que o campo no qual o trigo ¢ 0 joio sao semeados nao é a Igreja, e, sim, o mundo (Mat. 13:38). A boa semente sao os filhos do reino, mas 0 joio sdo os filhos do maligno. Portanto, a parabola do joio néo tem relagéo nenhuma com a questao da disciplina no seio da igreja local. Ela constitui um quadro do mundo inteiro que, uma vez que o mesmo pertence a Deus, pode, nesse sentido geral, ser considerado como sendo Seu reino. No bojo do mundo, porém, ha dois grupos — os que sao cristaos, os quais pertencem ao reino eterno, € os que pertencem ao diabo. Aplicar a parabola do joio a Igreja é, com toda certeza, cair no mesmo erro dos catélicos romanos; e € um erro no qual a maioria das igrejas que seguem essa igreja tem também se inclinado a cair. Eis por que, em certo sentido, nao ha disciplina na igreja catélica romana. Razao por que se torna possivel que pessoas sejam consideradas cristés perfeitamente boas, mesmo quando suas vidas sao dissolutas. Nao sao disciplinados; nao sao postos para fora da igreja. E, de fato, a mesma coisa é verdade com respeito a Igreja Anglicana. A Igreja Anglicana, também port causa da viséo que tem de si mesma, nao cré que deva disciplinar 0 membro individual. A imagem da Igreja, porém, que apresentamos na prelegao anterior, exige que haja disciplina. Além do mais, como jé vimos, a pratica da disciplina é algo acerca do qual somos exortados reiterada e veementemente nas préprias Escrituras. Ora, a disciplina deve ser exercida por duas formas princi- 27 pais. Antes de tudo, deve-se exercé-la em relagdo 4 doutrina. Lemos: “O homem faccioso, depois da primeira e segunda admoestagao, evita-o” (Tito 3:10). O apéstolo Joao diz que, se um homem nfo trouxer a verdadeira doutrina, ele nao deve ser de forma alguma recebido, nem mesmo em casa, muito menos na igreja. Deixem-me tornar isso bem claro. Isso nao significa que os cristéos nunca devam admitir um incrédulo em sua casa. Por certo que nao significa nada disso! O que significa é que, se um homem que alega nao sé ser cristéo, mas também mestre, est4 ensinando erro, com certeza vocés nao devem recebé-Jo em suas casas. E claro, porém, que vocés recebem o incrédulo em suas casas para que possam falar-lhe das verdades cristas. Paulo expressa isso perfeitamente em 1 Corintios 5:11, onde, por assim dizer, ele diz: “Em todas estas questées de disciplina, nao estou me referindo Aqueles que estao 14 fora no mundo, pois se vocés vao separar-se de todos desse tipo, significaria que teriam de sair totalmente do mundo! Nao. Nao estou dizendo isso, porém eu digo que se um homem que é um irmdo for culpado dessas coisas, entéo nao devem conviver com ele”. Portanto o Novo Testamento nos diz que realmente devemos estar preocupados pela doutrina na Igreja, e que devemos fazer algo acerca da falsa doutrina. E creio que toda a situagao com que nos defrontamos hoje é prova abundante das terriveis conseqiiéncias de ndo exercer a disciplina com respeito a doutrina. Nao hesito em asseverar que nossos avés e bisavés do século dezenove nao exerceram a disciplina que deveriam ter exercido quando a fatal Alta Critica comecou a chegar aqui, vinda da Alemanha. Foi em decorréncia de nao terem disciplinado as pessoas que creram e ensinaram tais coisas que estamos enfrentando a presente situagéo. Com equivocada tolerancia e, freqiientemente, com uma falsa compreensao do ensino da parabola do joio, permitiram entrar esse ensino erréneo, esperando que as coisas logo melhorassem; e falaram em manter um testemunho positivo e nao negativo! Nesta atual geraco, estamos acumulando as conseqiiéncias dessa tragica falacia por parte dos lideres da Igreja. 28 Devemos, pois, exercer disciplina no tocante a doutrina, e devemos igualmente exercé-la no tocante 4 vida e a maneira de viver porque, se os membros da Igreja Crista forem negadores da doutrina dela em suas vidas e em sua pratica, quem ira crer nela? Sera a negagdo das palavras de nosso Senhor: “Para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que esta nos céus” (Mat. 5:16). Inconsisténcia ou vida pecaminosa por parte de um crente faz incalculavel dano & causa de Cristo. Nao importa quao ortodoxas sejam tais pessoas, se nao estado controlando e disciplinando seu temperamento, seus desejos, suas paixGes, suas Juxtrias, estao, em palavra e acaéo, negando a fé que pregam, e se tornam um obstaculo ec um escdndalo aos que sao de fora. Oensino biblico consiste em que, se um irm4o desobediente nao se corrige nem atenta para a corregdo, entdo precisa realmente ser afastado da igreja. E preciso “entrega-lo a satands”, frase usada por Paulo, “para a destruicao da carne, a fim de que 0 espirito seja salvo no dia do Senhor Jesus” (1 Cor. 5:15). Nao sei exatamente 0 que isso significa, mas provavelmente signi- fique algo mais ou menos assim: vocés nao sé o eliminam do rol de membros, mas param de orar por ele. Vocés 0 cedem a satanas, por assim dizer, e satands o fara sofrer, provavelmente em seu corpo. Ele se tornar4 ignébil e miseravel, o que poderd despertar seus sentidos e salvar sua alma. Este é um assunto importante. Leiam a histéria da Igreja em qualquer época de reavivamento e despertamento — n4o importa quando — e descobrirao que, invariavelmente, uma notavel caracteristica de tal época € 0 exercicio da disciplina. Leiam, por exemplo, sobre Joéo Wesley. Se j4 houve um disciplinador na Igreja, foi esse homem! Em seu Journals, ele registra que em determinada ocasido saiu para visitar uma igreja — certas reuniées em Dublin - e quando chegou 1a, encontrou cerca de seiscentas pessoas. Entaéo comegou a examinar os membros da igreja, um a um; e quando terminou, alguns dias depois, a igreja tinha trezentos membros! Alguém poderia perguntar: se Joo Wesley voltasse hoje, o que ele faria? 29 Isso, porém, nao aconteceu sé com Wesley. Durante os periodos de avivamento ¢ despertamento, os lideres de todos os ramos da Igreja se preocupavam sempre com a pureza — necessariamente. Voltavam-se para o Novo Testamento e simplesmente tentavam viver uma vida de acordo com o ensino neotestamentario; e o Novo Testamento nos diz que o vaso, 0 instrumento, o canal que Deus usa deve seguramente ser puro. Portanto, o ensino nao é apenas de uma igreja “reunida”, mas também de uma igreja “pura”. Como seria possivel uma igreja misturada com o mundo em varios aspectos ser um canal do Espirito Santo? & algo quase inconcebivel! Por isso, a terceira marca da Igreja é a disciplina. Quando chegamos ao governo da Igreja, descobrimos uma vez mais que ele constitui uma questéo muitissimo discutivel e controvertida. E interessante observar que o Novo Testamento nao é muito especifico acerca do governo da Igreja. Ele nao nos ministra uma instrugao detalhada, como faz em relacao a muitas outras doutrinas, e indubitavelmente essa foi a raz4o por que o Novo Testamento foi escrito enquanto a maioria dos apdstolos ainda vivia, e assim eles e os profetas puderam ensinar e governar a Igreja. Ao lermos aquelas partes do Novo Testamento que foram as tiltimas a serem escritas, como as Epistolas Pastorais, notamos um aumento definido no ensino com referéncia 4 ordem e o governo eclesidsticos, o que é, sem dtvida, precisamente o que esperariamos. Ainda no livro de Atos, porém, encontramos os apdstolos ordenando lideres e dando instrugées sobre como a vida das igrejas seria ordenada. Portanto, embora tenhamos bem pouco ensino especifico, temos uma clara indicagéo dessa ordem em conexao com a qual o governo era crescentemente necessdrio. O que nos causa confusao, em nossa época e geragao, é 0 fato de que, subseqtiente ao periodo dos apéstolos e profetas, bem como subseqiiente ao ensino das Escrituras, a Igreja propriamente dita comegou a fazer coisas e acrescentar coisas, as quais nem sempre podem ser encontradas nas Escrituras, com isso criando uma tradigao que as vezes contradizia as Escrituras. 30 Quais, pois, so as idéias principais que, no transcurso dos séculos, tém sido correntes na propria Igreja com respeito a questéo do governo eclesidstico? Bem, antes de tudo sempre houve aqueles que néo créem absolutamente em qualquer governo eclesidstico, e ainda existem representantes desse ponto de vista na Igreja atualmente. Dizem que nao h4 necessidade alguma de um governo desse tipo, porque todos os membros, quando se retinem, sao obedientes ao Espirito. Isso geralmente surgiu como uma reag&o contra 0 que podemos denominar de eclesiasticismo, ou, se vocés o preferirem, é uma reagdo contra aquela terrivel idéia que se acha sumariada na palavra “cristandade”. Ora, admitamos com bastante franqueza que ha muito a ser dito em favor desse ponto de vista. Infelizmente, quando o Império Romano tornou-se cristéo, a Igreja Cristé decidiu chamar-se “cristandade”, e tomou por empréstimo muitas das idéias do Império Romano, inclusive seus sistemas de governo. E quanto a mim particularmente, permitam-me admiti-lo bem simples e claramente, nao consigo ver uma igreja catélica romana moderna nas Escrituras. Certa vez formulei esta questéo a um sacerdote catélico-romano com quem discutia estas coisas. Disse- -lhe: “Vocé pode dizer-me, bem honestamente, se vé sua igreja, como existe hoje, no Novo Testamento?” E ele admitiu que nao podia. Mas, naturalmente, acrescentou ele, como todos fazem: “Ah, sim, mas a revelagéo tem tido continuidade desde entio”. E para os catélicos romanos, a tradigdo é igual as Escrituras. Ora, podemos entender perfeitamente uma reagao contra todo eclesiasticismo, essa mescla de Igreja e Estado, bem como a elevagio de oficios, hierarquias ¢ a busca de poder. E muito facil de entender as pessoas reagindo tao violentamente contra isso, quando dizem: “Nao creio absolutamente em qualquer ordem; qualquer ordem é perigosa. Se vocés elevam um homem, ele logo acrescentar4 ao que lhe deram, e por fim teréo uma tremenda organizacéo que esmagara a vida do espirito”. Dizem que a m4quina sempre mata 0 espirito, que a organizacao apaga o espirito. A Igreja tornou-se tao complexa, mesquinha e 31 inflexivel, que ao Espirito Santo nao é dado qualquer oportu- nidade de operar. O resultado, historicamente, é que toda vez que ha um avivamento, quase que invariavelmente surge a formacao de uma nova denominacio, porque a antiga corporagao eclesiastica nao pode conter a nova. Esta era viva demais; tornou- se um elemento perturbador, e as pessoas, presas as velhas estruturas eclesidsticas, se viram fora. Portanto, hé muito a ser dito em favor dessa recusa em aceitar governo eclesiastico, e no entanto pergunto se este ponto de vista analisou bem tudo que é ensinado nas Escrituras, se os oficios definidos esto indicados ali, e as fungées atribuidas a tais offcios. Provavelmente o argumento final seja que, uma coisa é dizer que nao devemos crer em lideranga alguma, e outra coisa muito diferente é termos uma igreja em que, na pratica, nao haja lideres. Lideranga é inevitavel, e se nao pusermos isso no papel, alguém logo cuidaré que nela existam lideres autodesignados, Portanto, se é para termos na igreja lideranca e ordem, entaéo que as fundamentemos no ensino das Escrituras. A teoria que vem a seguir com respeito ao governo da Igreja € formulada pelos que defendem o ponto de vista erastiano, 0 qual, como j4 vimos, afirma que a Igreja é uma fungio do Estado, € que, portanto, o Estado governa a Igreja. O Estado designa os oficiais da Igreja, principalmente os altos dignitdrios, e estes, por sua vez, designam os demais. Poder algum é atribuido ao pregador local. Os membros comuns tém pouquissima participacéo. A disciplina, em ultima andlise, é exercida pelo Estado, e a Igreja ndo tem nem mesmo poder para exercer excomunhio. A idéia erastiana 6, como j4 vimos, 0 ponto de vista da Igreja Luterana e da Igreja da Inglaterra. O préximo ponto de vista, o qual tem alguma relagéo com 0 anterior, € 0 sistema episcopal: crenga no governo dos bispos. Os proponentes deste conceito ensinam que Cristo pessoal- mente delegou 0 cuidado da Igreja diretamente a determinados homens, uma “ordem” ou “colégio de bispos”, que sao descendentes dos apéstolos numa sucessao espiritual direta. Esse 32 € 0 ensino que Cristo designou os apéstolos, e eles tinham que perpetuar-se a si mesmos e sua ordem pela designagao de bispos, e que o governo da Igreja devia ser confinado exclusivamente aos bispos. Isso é ensinado pelas Igrejas Episcopais. Aqui também os membros na realidade tém pouquissima participao na ordenagao da vida da Igreja. O que dizer sobre isso? Bem, tudo que posso dizer a guisa de comentario é que o homem que langou mais luz sobre o tema é indubitavelmente o grande Bispo Lightfoot, que uma vez foi bispo de Durham. O Bispo Lightfoot provou, para a satisfagao de todos, que no Novo Testamento nao ha qualquer diferenca entre o bispo e 0 ancido — que bispo, ancio e presbitero sao termos intercambiaveis. Por exemplo, 0 apéstolo Paulo, escrevendo a igreja em Filipos, diz: “Paulo e Tim6teo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estao em Filipos, com os bispos e didconos” (Fil. 1:1). A palavra “bispos” €é ai equivalente a presbiteros e ancidos, e vocés podem observar que na igreja em Filipos havia nao apenas um, mas havia diversos bispos. De forma que, longe de haver sé um bispo sobre uma grande diocese, um bispo responsdvel por um grande grupo de igrejas, no Novo Testamento havia varios bispos numa s6 igreja. Portanto nao eram bispos segundo nossa compreensdo da palavra. Eram “ancidos” ou “presbiteros” — homens mais idosos a quem se delegava essa posic&o e funcao. Também parece-me que — e sinto-me feliz em dizer que concordo inteiramente com os cavalheiros a quem se denominam “eruditos” — nao ha no Novo Testamento qualquer autorizac4o para o ponto de vista episcopal do governo da Igreja Crista. Na verdade esta foi uma idéia que surgiu varios séculos depois do primeiro século, iniciada por um homem chamado Cipriano. E com isso, naturalmente, podemos facilmente perceber como ela veio 4 existéncia. Surgiram problemas na Igreja, acumularam-se as dificuldades e sentiu-se a necessidade de algum género de disciplina, algum género de corporacio para decidir as situag6es. E uma vez tendo tomado esse rumo, estamos no caminho do episcopado. E amitide se tem afirmado entre 33 nds que néo cremos num “colégio de bispos”, que cremos em bispos, sim, mas em bispos locais! Provavelmente haja alguma verdade em tal acusagao. No momento em que comegamos a exercer a disciplina, faz-se necessdrio algum padrao, de algum poder e de alguma corporacao que a ponha em priatica. E sé foi em conseqiiéncia dessa necessidade que a idéia de episcopado veio a existéncia, Desde entao, porém, por certo que foi a duras penas que a igreja catélica romana tentou tragar o episcopado a partir do apdstolo Pedro! Esse fato, pois, me conduz ao ponto de vista catélico- -romano, que é 0 episcopado levado 4 sua conclusio légica. Digamos 0 seguinte sobre ele: este ponto de vista € absolutamente légico e coerente. Se realmente cremos na ordenacao episcopal da Igreja, entao a conclusiao légica é a de um bispo acima de todos os demais, sendo ele o detentor de autoridade final. Ele fala ex cathedra; ele é infalivel; e sua prépria palavra provém definitivamente de Deus. Aqui esta a reivindicagao dos catélicos romanos. Sustentam que o papa nao somente é 0 bispo principal, porém que € 0 sucessor direto do apéstolo Pedro, e é, portanto, 0 vigdrio de Cristo na terra. Ora, ndo entraremos nos argumentos contra tudo isso — ha livros que podem oferecer-lhes a resposta completa. A resposta principal, porém, € que, historicamente, os catélicos rormanos nao tém nenhuma base. Ora, nao estou simplesmente fazendo uma afirmacao vazia; € algo que pode ser demonstrado. Se vocés quiserem um grande livro sobre o tema, entdo leiam The Infallibility of the Church (A Infalibilidade da Igreja), escrito por um homem chamado Salmond. Os catélicos romanos tém sido totalmente incapazes de responder o detalhado argumento de Salmond, por isso rejeitam o livro na sua totalidade. Nao podem responder-lhe porque nao ha nenhuma resposta. A proxima teoria do governo da Igreja é o ponto de vista presbiteriano. Os presbiterianos comecaram afirmando que a igreja local em si mesma é uma entidade, mas que, por causa da ordem e formalidade, para evitar-se 0 caos, é conveniente para as igrejas locais que se estabelega uma corporagéo que todos 34 reconhecerao e a qual todos se conformarao. Dai, um nimero de igrejas se englobava para formar um presbitério. Quando digo, “am niimero de igrejas”, nao quero dizer toda a corporagao da Igreja reunida, mas que cada igreja local numa determinada regiao designava delegados — um ministro e um ancido — e todos reunidos formavam um presbitério. Entéo solenemente undnimes concordavam que cada igreja local acatasse a deciséo do presbitério. Avancaram ainda mais e reuniram um nimero de presbiteros numa assembléia geral. Cada presbitério enviava um ntimero de delegados que constituiam a assembléia geral, ¢ os presbiterianos concordavam em acatar as decisdes dessa suprema corte, a assembléia geral. Af, entéo, est4a esséncia do sistema presbiteriano que tem sido, por exemplo, o método de governo da Igreja Presbiteriana; alids, nas igrejas em geral da Escécia desde o tempo de Joao Knox e da Reforma Protestante. E entio, finalmente, existe o ponto de vista de governo eclesidstico a que chamamos congregacional ou independente. E bastante dificil ratar deste tema hoje em dia, porque nenhuma das descricgdes que estarei apresentando é estritamente correspondente com o que realmente esta em voga hoje. Aqui passo a descrever independéncia ou congregacionalismo, mas existe hoje bem pouco de tal qualificagéo. Os congregaciona- listas — aqueles que créem no sistema congregacional — afirmam que cada igreja local é uma entidade em si, que tem poder supremo para decidir tudo sozinha. Eum agrupamento de cristaos que créem que o Senhor esta presente e é O Cabeca da Igreja, e créem que, quando O buscam e O aguardam, Ele, por meio do Espirito, os guiara e lhes dard a sabedoria de que necessitam para decidirem sobre doutrina e disciplina, e assim por diante. A igreja local é aut6noma, governa a si propria e nao reconhece nenhuma corporacao superior, seja um colégio de bispos, um presbitério, uma assembléia geral ou qualquer outra coisa. Pergunto, porém, quantas igrejas como tais existem hoje? Originalmente, a descrigao se aplicava aos assim chamados congregacionalistas e aos batistas, porquanto os batistas créem 35 na ordem eclesiastica congregacional, na independéncia do ponto de vista de governo. Hoje, porém, em linhas gerais, tanto os congregacionalistas como os batistas adotaram a idéia presbiteriana com seus fundos de sustento e seu controle sobre a igreja local através desses fundos. Nao so mais congregaciona- listas, sendo que se tornaram presbiterianos, com poder atribuido a uma corporacdo superior que pode influenciar a igreja local. Entretanto, ideal e originalmente no século dezessete, 0 congrega- cionalismo — ou a independéncia — se conformou ao padrao que acabo de descrever. Bem, historicamente, ai vocés tém os diferentes pontos de vista sobre a organizacao da Igreja. Sem davida muitos estao ansiosos por fazer uma pergunta neste ponto: serd que o senhor defende um sistema de governo em preferéncia a outro? Ora, nao tenho por que temer o desafio! Quando um homem se sente chamado por Deus para ensinar, é seu dever tentar fornecer orientagao. Nao quero ser hiper-dogmatico, mas sugiro que, quando pensamos nessas coisas 4 luz do ensino do Novo Testamento, esquecidos do que sucedeu na hist6ria, com certeza chegamos 4 conclusao de que a concepgio local e independente €a mais biblica. Sim, as igrejas locais, ainda nos tempos do Novo Testamento, se reuniam para a comunhiao, e seguramente devemos agir assim. Todos nés que somos cristéos desejamos ter comunhfo com os crist4os de outras igrejas. Sustentamos as mesmas convicgdes, cultuamos 0 mesmo Senhor, é bom nos reunirmos em conferéncias - sem diivida. Como entendo o ensino das Escrituras dos tempos neotestamentarios, porém, nenhum concilio possuia autoridade suprema. Tomem, por exemplo, 0 concilio que se reuniu em Jerusalém, o qual se acha descrito em Atos, capitulo 15. Ele n4o tinha poder de legislar para as igrejas locais; ele simplesmente enviou uma recomendacéo. Simplesmente disse: “Pareceu bem ao Espirito Santo e a nés” (Atos 15:28). O concilio nao podia compelir as igrejas locais; nao podia coagir. Ele disse: isto € 0 que entendemos. Este é 0 nosso conselho. E as igrejas locais podiam aceita-lo ou rejeité-lo. Por certo que, se uma igreja local 36 discordasse inteiramente, entao, quando tivessem sua préxima reunido de comunhdo, os outros cristéos tinham o poder de sugerir que talvez tal igreja nao tivesse o direito de participar da comunhao. Se nao estivesse de acordo, entéo nao haveria mais comunh4o alguma. Mas nao havia poder legislativo nem coercivo. E essa é a razao por que sugiro o ponto de vista local e independente; parece-me que 0 mesmo se aproxima mais estreitamente do padr4o neotestamentario. Cada igreja local seria auténoma e independente, mas sempre disposta a reunir-se em comunhao com aquelas da mesma doutrina e do mesmo espirito. Se vocés no aceitam o ponto de vista congregacionalista, e se adotarem qualquer um dos outros sistemas, eventualmente se acharao membros de uma corporagéo na qual os poderes controladores nao concordam com vocés em doutrina ou em pratica — e todavia vocés estaréo comprometidos a apoiar financeiramente um ensino que créem ser erréneo e perigoso simplesmente por pertencerem a tal corporagao. Isso é 0 que tem invariavelmente acontecido na historia, e essa é a posigéo de muitos evangélicos na atualidade. Pertencem a igrejas com as quais, em principio, nao s6 discordam, mas também nao tém simpatia, e contudo se acham sujeitos a tais poderes. Um clérigo evangélico, por exemplo, pode querer que um extremo bispo anglicano-catélico venha para confirmar seus proprios membros. Ou um evangélico pode achar-se numa igreja livre dando subvengoes para o sustento de ministros e ministérios que, segundo ele realmente cré, so a propria negacao da fé. Portanto, reitero, 4 luz do ensino neotestamentario, e seguramente também 4 luz da experiéncia ao longo dos séculos, parece-me que o ideal é a igreja local, pessoas que concordam, que estéo em comunhao com todos os demais que semelhante- mente concordam, mas sem qualquer obrigatoriedade, sem qualquer direito de impor coisa alguma sobre as igrejas, sem qualquer direito de obrigar a consciéncia. Esta comunhao de crentes da mesma doutrina, que se reinem para crescer na sua vida espiritual, se ajudam mutuamente o méximo que podem, contudo livre e voluntariamente. Sequer uma Unica igreja é 37 compelida a fazer coisas que sao contrrias a seus pontos de vista e de fato contrarias 4 sua consciéncia. Espero que ninguém sinta que este nao foi um tema espiritual. Estas coisas sao, para mim, de vital importancia, e se porventura alguém disser: “O governo da Igreja nada tem a ver comigo, sou uma pessoa espiritualmente consciente”, entéo a tinica coisa que tenho a dizer-Ihe é que vocé € uma pessoa muito antibiblica. Como membro do corpo de Cristo, é sua ocupagao, € seu dever, atentar para que a Igreja visivel de forma alguma contradiga a doutrina do proprio Senhor, da qual Ele nos fez administradores e guardiaes. 38 3 AS ORDENANCAS SINAIS E SELOS Estivemos analisando o significado e importancia da doutrina da Igreja — a qual é 0 corpo de Cristo — e suas caracteristicas e governo. Agora prosseguiremos analisando como, na Igreja, somos edificados em nossa fé santissima. Noutras palavras, chegamos a considerag&o dos meios da graca. Perguntamos: como seriam os cristéos edificados, fortalecidos, encorajados e estabelecidos? E essencial que abordemos 0 ensino biblico sobre as ordenangas por essa via, porque tém havido diferentes idéias no tocante a esses meios da graca. Em certo sentido, a igreja catélica romana reconhece um s6 meio da graga, € esse meio é os sacramentos. O ensino dessa igreja é que toda a graga vem ao crente através dos sacramentos - o batismo, a comunhao da Ceia do Senhor, bem como outros cinco sacramentos que os catélicos romanos reconhecem e os quais serao tratados depois. Eles, porém, dizem que a graca nos vem de uma forma mais ou menos mecAnica, através dos sacramentos. No extremo oposto do ensino catélico-romano sobre os sacramentos est4 0 ponto de vista que foi originalmente ensinado e aprofundado pelos quacres, e que ainda é defendido por eles, isto é, o ensino de que o Gnico meio da graga é a operacdo interna do Espirito Santo no crente. Os quacres acreditam que, se alguém experimenta a operacao desta “luz interior” ~ 0 Espirito de Deus no intimo — nada mais é necessario. Outro ponto de vista, o qual surgiu em reacdo tanto aos catélicos romanos quanto aos quacres, é aquele que diz nao haver nenhum outro meio da graga senao a Palavra de Deus escrita, as Escrituras. Sustenta-se que a Biblia s6, seja qual for a forma que 39 ela nos venha — falada, ensinada, pregada, lida - € 0 tinico meio da graga. Ora, nao nos é possivel penetrar tudo isso detalhadamente nesta série de prelegdes; contentemo-nos, pois, em expressé-lo assim: 0 ensino protestante tradicional sobre esta questo é que o crente recebe graga através da Palavra de Deus e da aplicagao da Palavra de Deus pelo Espirito Santo e através das ordenangas. Como veremos, as ordenangas jamais devem ser separadas da Palavra. Essa é a razao por que os pais protestantes disseram que a graga veio exclusivamente pela Palavra, porque, como eles mesmos corretamente realcaram, as ordenangas nada podem fazer sem a Palavra. Isso, porém, é um tanto extremado, ¢ portanto dizemos que os meios normais da graca so a Palavra — a pregacao, o ensino ow a leitura da Palavra sob a iluminagao e orientacgao do Espirito — e as ordenangas. Isso, pois, nos conduz a uma analise do ensino biblico concernente as ordenangas. A palavra “sacramento” tem sido usada pela Igreja Crista por muitos séculos, ¢ no entanto sinto- -me muito inclinado a concordar com aqueles que ensinam que é uma pena que esta palavra seja ainda usada. E um termo que no se encontra nas Escrituras, mas que foi introduzido na Igreja € em seu ensino nos séculos subseqiientes. H4 bem pouco para ser examinado na filologia ou na derivagao da palavra sacramento, exceto que nos ajuda a ver como a palavra veio a ser escolhida pela Igreja. Nossa palavra “sacramento” procede do latim sacramentum, termo este de cunho legal. Numa disputa legal ha sempre dois elementos —o acusador e 0 acusado. Ora, no mundo antigo era costume que ambas as partes depositassem certa quantia em dinheiro no tribunal; e entao, quando o caso fosse decidido, 0 dinheiro daquele que perdia a causa era entregue pelo tribunal para determinados propésitos religiosos. Esse depdésito em dinheiro foi chamado de sacramentum. E assim “sacramento”, significando um depésito, uma garantia, foi aplicado ao batismo ¢ & Ceia do Senhor. Infelizmente, a palavra latina, sacramentum, foi também 40 usada para traduzir a palavra grega “mistério”, a qual, nas teligides pagas, era a palavra usada para um rito secreto ou ceriménia de iniciacéo. Creio que ainda hoje determinados movimentos pagaos possuem ainda algum tipo de rito iniciatério de ingresso. Certamente esse era o caso das religides pagas de mistério do mundo antigo, e que essa idéia foi tomada por empréstimo pela Igreja Crist4 a fim de descrever os meios da graga que se apresentam ao povo dessa forma particular. Repito, é uma pena que a palavra “sacramento” seja ainda usada, mas foi assim que aconteceu, e talvez tenhamos que aceitar as coisas como elas sao. Pessoalmente, tento nao usar esse termo. Na igreja, nunca anuncio que “o sacramento da Santa Comunhdo” sera administrado. Em vez disso, digo: “Espero que nos encontremos a mesa da comunhio para participarmos da Ceia do Senhor”. E fago isso bem deliberadamente. O termo, (sacramento) contudo, é usado, e basta que sejamos conscientes do que as pessoas entendem por ele. Quais, pois, sio as definigdes dos sacramentos (das ordenangas) que foram formuladas no passado? No vigésimo quinto dos Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, lemos: “Os sacramentos ordenados por Cristo nao sao apenas sinais ou emblemas da profissao dos cristéos, mas, antes, sio testemunhos definidos, e sinais eficazes da graca e da boa vontade de Deus para conosco, por meio dos quais Ele opera invisivelmente em nés, e nao sé nos vivifica, mas também nos fortalece e nos confirma em nossa fé nEle”. A Confissdéo de Westminster traz esta definigéo: “Um sacramento é uma ordenanca santa instituida por Cristo em Sua Igreja para significar, selar e exibir Aqueles que estao dentro do pacto da graca os beneficios da Sua mediacdo para aumentar- -lhes a fé e todas as outras gragas, para coagi-los 4 obediéncia, a fim de testificarem e nutrirem o seu amor e comunhfo uns com 0s outros, e para distingui-los daqueles que est&o de fora”. Ele prossegue afirmando que as partes de um sacramento s4o duas: uma, “um sinal externo e sensivel usado segundo a propria determinagao de Cristo”; a outra, “uma graga interior e espiritual 4l presente”. As vezes um sacramento tem sido definido como “um sinal externo e visivel de uma graca interna e espiritual”. Ora, € muito importante que prestemos atengdo a estas definicdes, porquanto elas nos lembram que os sacramentos nao sféo uma invencio humana. E nosso proprio Senhor quem ordenou que Seu povo fizesse essas coisas. E nao pode haver a minima dtivida, sendo que seu propésito era recorrer ao auxilio de algo que pudesse ser visto, com 0 fim de ajudar 0 que tem sido ouvido. Ora, a maioria das pessoas é indubitavelmente ajudada ao ver coisas. Dai por que ensinarmos o alfabeto as criangas, geralmente fazendo uso de figuras. Dizemos: “M para maca”, e mostramos a figura de uma mag, e a crianga mentaliza a figura. As criangas séo sempre ajudadas por figuras; é mais facil aprender coisas tendo uma representagao visual do que apenas ouvindo. Neste ponto sinto-me tentado a fazer uma digressao, salientando que um triste aspecto da época em que vivemos é que ha um grande volume de evidéncia de que 0 povo, a despeito de sua educag&o e de sua jactanciosa cultura, acha mais e mais dificil absorver a verdade pela audigdo, e recorre cada vez mais a auxilios visuais. E uma confissio terrivel, mas parece ser a realidade. Indubitavelmente nosso Senhor, em Sua infinita bondade e condescendéncia, inclinou-Se para nossa fragilidade e providenciou auxilios visuais, algo que pudés- semos ver, com o fim de ajudar-nos a absorver 0 que ouvimos. Portanto, temos algo externo e visivel que conduz a uma graca interna. A pergunta, pois, que de imediato surge é: qual é a relacao entre o sinal externo ea graca por ele significada? Vocés percebem a importancia dessa pergunta? Qual seria a relag&o entre 0 pao e o vinho na Ceia do Senhor, e a 4gua no batismo, e a graga que é recebida? Eis uma pergunta que, no transcurso dos séculos, tem conduzido a grandes discussées e controvérsias. Na verdade, um grande volume de literatura tem sido dedicado a este tema tao fascinante e encantador. E, contudo, se alguém no for muito prudente, poderd gastar demasiado tempo examinando-o. 42 Tentemos, pois, sumariar os conceitos. Ora, espero que todos nés percebamos que estamos ponderando sobre algo muito pratico. Se vocé, meu amigo, nio concorda, permita-me fazer-lhe estas simples perguntas: qual é sua compreensao do que realmente sucede no batismo? Qual é sua compreensao do que vocé pessoalmente faz quando toma 0 pao eo vinho na celebragao da Ceia do Senhor? Qual é sua idéia acerca do pao e do vinho? O que significam? Esse é 0 tema que vamos analisar, ou seja: a relacao existente entre os simbolos, ou elementos, e a graca que representam ou simbolizam. Aqui, pois, estéo as idéias principais. Primeiro, temos o ensino cat6lico-romano, e n4o sé 0 catélico-romano, mas também, é evidente, 0 ponto de vista anglicano-catélico; na verdade, o ponto de vista de qualquer pessoa que se deleita no titulo “catélico”, porquanto na maioria das denominacées ha grupos que defendem o que chamam “doutrina sacramentalista”. A idéia catélica é que a graga est contida nos proprios elementos do sacramento: que a graca esta no pao e no vinho, bem como na 4gua. Com isso a graga é recebida no ato de tomar © pao e o vinho ou no ato da 4gua aspergida. E tao mecAnico quanto isso. E como tomar uma injegao. Se vocé come esse pao, seja qual for sua condigéo ou a condic&o da pessoa que Ihe administra 0 pfo, vocé, real ¢ necessariamente, esté recebendo a graca. Visto que a graca est4 na substancia, ela age automa- ticamente. O termo técnico para isso é que a graca age ex opere operato, ou seja, ela age, por assim dizer, em sua virtude e existéncia inerentes. O extremo oposto da doutrina do sacramentalismo é 0 ensino defendido por muitos hoje, mas que, originalmente, foi formulado por Zwinglio, um dos reformadores suigos. Zwinglio reagiu violentamente contra 0 ensino catélico-romano, e disse que os sacramentos nada sao sendo sinais ou simbolos externos. Sua tinica fungado é comemorar e trazer 4 lembranga algo que aconteceu no passado. Eles nada séo em si mesmos e em sentido algum nos conferem graca. Sdo simplesmente a ratificagdo externa de algo; séo puramente simbdélicos, principalmente 43 comemorativos, Portanto, quando tomamos o pio e o vinho, estamos simplesmente rememorando algo que nosso Senhor realizou uma vez. Ora, o ensino tradicional, protestante reformado, ndo é nenhum desses, mas que pode ser expressa assim: os sacra- mentos, assim chamados, nao s6 significam graca, porém, como o.expressa a Confisséo de Westminster, também selam a graca. Quando Paulo escreve sobre a circuncisio em Romanos 4:11, ele diz que Abraao “recebeu 0 sinal da circuncisio, selo da justiga da f€ que recebeu quando ainda nfo era circuncidado”. Ora, ele recebeu essa justica da fé antes de ser circuncidado. Por que, entao, foi ele circuncidado? Bem, a doutrina consiste em que a circuncisao lhe foi dada como sinal e como selo da justiga da fé, aqual ele j4 havia recebido. E essa € a base da definicao tradicional protestante do que significa um sacramento. E evidente que ele é um sinal externo, algo visual, como j4 vimos. Sim, porém € mais que isso, e € aqui onde nos separamos de Zwinglio. Além de ser um sinal, ele 6 também um selo. Ora, um selo é algo que autentica uma promessa. Quando uma pessoa apée seu selo num documento, ele néo acrescenta nada ao documento como tal, nao adiciona nada as declaragées do documento, mas é uma autenticacao adicional, confirma a verdade do que se afirma no documento. E foi nesse sentido que para Abrado a circuncisdo era, néo apenas um sinal, e sim, também um selo. O arco-iris € um selo exatamente no mesmo sentido, Deus deu 0 arco-iris, vocés se lembram, para confirmar a verdade que Ele j4 havia declarado com respeito & Sua relagéo com o mundo. Ele disse que a terra nunca mais seria inundada por um diltivio; todavia Ele nao sé disse isso, como também deu 0 arco-fris como selo, uma confirmagdo adicional (Gén. 9:8-17). Aqui chegamos 4 prépria esséncia do ensino genuinamente protestante com respeito a este assunto. Portanto, apresentarei outra ilustrag40. Pensem no uso de um anel ou alianga. Por que alguém sempre dé ou recebe um anel? Nao € essencial, mas é um costume, e existe algo nessa pratica. A importancia de um anel é 44 que ele é um selo. Sela 0 compromisso ja feito. Ele nao acrescenta nada ao compromisso; simplesmente diz a mesma coisa de uma forma diferente, e no entanto existe valor nele. A pessoa que tem o anel pode olhar para ele e lembrar do que 0 anel representa. O que quero enfatizar, porém, é que 0 ato de dar ou de pér esse anel é uma aco da parte de uma pessoa que esta selando uma promessa a outra pessoa. Portanto, os Trinta e Nove Artigos e a Confisséo de Westminster nos dizem que os sacramentos nao so simples sinais, como também selos da graca. Confirmam a gracga que j4 recebemos. Sim, mas avancaremos ainda mais? Eles aexibem, diz a Confissao de Westminster, significando que, em certo sentido, eles a transmitem. Ora, eis o lugar onde se deve ter cuidado, porque no momento em que dizemos que um sacramento comunica graga, alguém pode perguntar: “De repente vocé se tornou catdlico romano? Agora vocé vem dizendo que a graga € comunicada pelos meios e pelos simbolos?” Nao. Permitam-me mostrar-lhes a diferenga. O ensino catélico-romano é que a graca € apresentada mecanicamente nos simbolos; que o pao se transforma no corpo real de Cristo: ensino este que eles denominam de transubstanciacdo. E semelhan- temente se diz que a graga penetra a gua do batismo, de tal modo que a 4gua deixa de ser 4gua, e passa a conter graca em solugdo, por assim dizer. O que estou ensinando nao diz isso de forma alguma. Voltemos ao caso do jovem que se torna noivo de uma jovem. Ele j4 declarou seu amor franca e claramente; j4 0 repetiu; j4 expressou seu sentimento. Sim, mas nao seria verdade dizer que, quando a jovem recebe 0 anel de noivado, ela sente haver recebido algo adicional, algo extra? Ora, num sentido fundamental, ela nao recebeu mais nada. Ela j4 tem o amor do jovem, e ele nao Ihe tem dado mais amor. Entretanto, 0 recebimento do anel equivale o recebimento do amor de uma forma especial, de uma forma na qual ela ainda nao o havia recebido. Semelhantemente, © ensino protestante diz que os elementos sao realmente um 45 meio de comunicar-nos a graga. Noutras palavras, como j4 vimos, o anel é uma espécie de selo; e cada vez que ela olha para ele, a jovem encontra ali a certeza para confirmar o que jé cré e ja sabe, Esse é igualmente o valor de uma chave que permite o ingresso a um edificio. E 0 valor de uma escritura quando uma propriedade é transferida de uma pessoa a outra, e assim por diante. Como j4 vimos, a circuncis4o, portanto, nao era apenas um sinal; era também um selo da justica da fé. Essa 6 uma distingao biblica, e é muito importante que se preste cuidadosa atengdo a ela. Quando recebemos uma ou outra dessas orde- nancas, € preciso compreender que ela nao é meramente alguma representacdo externa, e, sim, verdadeiramente um meio da graga; e devemos estar conscios de receber algo que s6 nos vem por essa via especial. Vocés vero a relevancia de tudo isso quando estivermos tratando em separado do batismo e da Ceia do Senhor. Deixem-me, porém, realgar tudo o que tenho tentado dizer, expondo-o desta forma: o que uma ordenanga se destina fazer? Bem, primeiramente pretende significar, selar e comunicar, aos que estao dentro do pacto da graga, os beneficios da redengao de Cristo. Eles tém ouvido a proclamagao do evangelho, tém ouvido as declarag6es da graca em Cristo através da palavra pregada. Muito bem, € possivel que vocés indaguem: 0 que mais eles ainda podem ter? Podem ter esta ordenanga (sacramento). Deus, 0 proprio Senhor, a tem designado. Ele mesmo é quem nos ordenou que a guarddssemos. Quando as pessoas sao batizadas, devem estar cénscias de que a graca lhes é comunicada pessoalmente por esta via especial, de modo que, o que tém crido em geral, agora sabem ser seu. A graca vem avocé, pessoalmente, eamim. Da mesma forma, quando tomamos o pao e 0 vinho 4 mesa da comunhao, devemos considerar como se Deus estivesse dizendo: “Ora, este € 0 modo que escolhi para dizer-Ihe que minha graga lhe é dada em particular. Vocé € admitido a isto; vocé é membro do corpo; eeu estou dizendo-lhe através deste pao e através deste vinho que minha graga est4 chegando a vocé.” 46 Essa é Sua maneira de dizé-lo. Ele nao precisava ter decidido agir assim, mas o fez. Isso é 0 que Ele disse ao apéstolo Paulo, como lemos em 1 Corintios 11:23: “Porque eu recebi do Senhor 0 que também vos entreguei ...”. A ordenanga foi decretado pelo Senhor para ajudar-nos. O segundo propésito de uma ordenanga é que ela é também um emblema visivel ou sinal de nossa membresia da Igreja. Os que sao batizados e os que se chegam para tomar a Ceia do Senhor possuem um tipo de emblema ou indicacao do fato de que sao membros da Igreja. Por isso existem essas duas fungdes princi- pais; a primeira, porém, é a mais importante. Nossa préxima pergunta € esta: essas ordenangas (sacra- mentos) seriam absolutamente essenciais? Ora, é claro que depende do ponto de vista que vocés tém sobre elas. Se esposam © ponto de vista catélico, elas sio absolutamente essenciais, porque, se nao as receberem, no estarao recebendo a graca. E j4 que sao 0 tinico meio da graga, vocés néo podem de forma alguma negligencid-las. Podem negligenciar a pregacdo da Palavra € muitas outras coisas, mas ndéo podem receber a graca sem as ordenangas. O extremo oposto disso, como jd vimos, é a posi¢ao quacre, e também o ensino do Exército de Salvacao. Os que defendem este ponto de vista créem que as ordenangas nao sao absoluta- mente necessdrias. Nao interessam. A posigao reformada, protestante, € que cremos nestas ordenangas porque foram instituidas e ordenadas pelo Senhor Jesus Cristo pessoalmente. E um mandamento Seu, e participamos em obediénciaa Ele. Nao sé isso, mas vemos muito claramente no Novo Testamento que os préprios apéstolos obedeceram esse mandamento, e nossa posigdéo € que devemos construir sobre o fundamento dos apéstolos e profetas. Apressamos, porém, em acrescentar que as ordenangas nao sao essenciais, e que comemos 0 p4o e tomamos o vinho, nao porque cremos que sao essenciais, mas porque esta ordenanga foi ordenada e porque ela é um dos meios da graca ordenados pelo préprio Senhor. Dizemos que as ordenangas nao séo 47 esseniciais porque, por nossa propria definicao, nao acrescentam nada a Palavra. E nao existe qualquer graga particular, excepcional, que é comunicada exclusivamente pelas ordenangas. Eis por que sempre foi 0 ensino tradicional que as ordenangas e a Palavra jamais devem ser separadas, e que as ordenangas deve ser sempre observadas em conexao com a pregagao da Palavra. Nunca deve haver um culto exclusivamente como um encontro ao redor da mesa de comunhdo ou um culto exclusivamente para o batismo. Deve haver um culto religioso completo, e a Palavra deve ser proclamada, a fim de que nos salvaguardemos daquele grave perigo do catolicismo, que considera um sacramento (ordenanga) nao s6 como algo em sie por si mesmo, mas também como 0 supremo meio de receber a graca. Nao hesito em assumir minha posigdo ao lado dos grandes pais protestantes, que asseveraram que a pregacao da Palavra vem em primeiro lugar e esta acima de tudo mais. Evidentemente é essencial que quem quiser obter algum beneficio das ordenangas, precisa ser um homem ou uma mulher de fé, Est4 implicito em nossa definigéo que sem fé nao ha qualquer valor no batismo, nem na Ceia do Senhor. E por ja saber que ela é amada que uma mulher valoriza seu anel de noivado. De modo semelhante, a ordenanga é a confirmagio da fé; ela sela a f€. Portanto enfatizamos nao sé a pregacao da Palavra, mas a absoluta necessidade de f€ no recebedor. Os catdlicos romanos nao est&o interessados nisso. A graca est4 no sacramento ¢ deve, portanto, entrar em todos os que o recebem, nao importa qual seja a condig4o espiritual da pessoa. A luz de nosso ponto de vista, porém, a fé é essencial, e ndo h4 qualquer valor em nos achegarmos 4 mesa de comunhao e comermos 0 pao e bebermos 0 vinho, se ndo nos achegarmos com fé — nao ficamos diferentes nem melhores do que éramos antes. Todavia, se nos achegarmos com f€ genuina, compreendendo que Deus instituiu a ordenanga com o expresso propdsito de fortalecer nossa fé, entéo devemos estar cénscios de receber a graga, nao através do pao e do vinho como tais, mas através da compreensdo de que Deus nos esta falando algo mediante 0 pao 48 e 0 vinho, os quais Ele escolheu para nos falar assim. Isso nos conduz ao Gltimo ponto: quantas ordenangas (sacramentos) ha? Os catdélicos reconhecem sete: batismo, confirmagao, eucaristia, peniténcia, extrema uncao, ordem (isto é, a ordenagéo de um homem como didcono ou sacerdote ou bispo ou o que quer que seja) e, por fim, matriménio. Esta percepgdo do matriménio como sacramento fundamenta a atitude da igreja catélica romana e, em geral, a Igreja da Inglaterra, no tocante a toda a questéo do divércio. Determina no s6 a atitude geral dessas igrejas quanto ao divércio, mas, em particular, controla sua posicao com respeito ao novo casamento da assim chamada “parte inocente”. A posicao protestante tradicional reconhece apenas duas ordenangas: 0 batismo e a Ceia do Senhor. E a razao para isso € simplesmente que essas foram as tinicas duas a serem instituidas e ordenadas pelo Senhor pessoalmente. E nao hd, obviamente, quando percorremos a Biblia - e falo muito deliberada ¢ ponderadamente — nenhuma evidéncia a favor dos outros cinco como sacramentos. Esse foi um ensino que penetrou o seio da Igreja nos tiltimos séculos quando o poder dos sacerdotes cresceu ese desenvolveu a idéia sacramentalista. Tal desenvolvimento é muitissimo légico, uma vez que demos o primeiro passo em falso; mas a propria igreja catélica romana n4o afirma que tem por base evidéncia biblica. Entretanto, ela alega que este ensino adicional da igreja é tao inspirado quanto as Escrituras. E assim temos considerado a questéo das ordenangas em geral, e vimos que o grande e importante principio consiste na énfase sobre serem as ordenangas um selo. Agora, ao chegarmos & consideragéo do batismo e da Ceia do Senhor, simplesmente teremos que considerar 0 que é selado, e como exatamente é selado. Espero, porém, que sejamos esclarecidos sobre esta grande idéia central e entendamos que sua base est4 em Romanos 4:11. Seguramente, ndo podemos sendo sentir a sensagao de gratidao e louvor em nossos coragdes por Deus haver ordenado, decretado c instituido esses auxilios para nossa fé. E Deus em Sua infinita condescendéncia que atentou para nossa fraqueza e providenciou 49 algo tanto para os olhos quanto para os ouvidos. Estes sao meios da graga designados por Deus para que nao tivéssemos nenhuma justificativa caso fracassemos. Se dissermos que realmente nao conseguimos ouvir um serm4o que ultrapasse vinte minutos, e acharmos que talvez ainda um quarto de hora seja mais do que podemos agitentar neste século iluminado; se dissermos que é demais tentar absorver a verdade por esse meio, bem, aqui est4 — aqui temos este outro meio. Mas, acaso nao reconhecemos também a extraordindria presciéncia de Deus? Quao amitide tem ocorrido na histéria da Igreja que, quando os homens que tiveram 0 privilégio de estar nos ptilpitos, estavam ali nao pregando a verdade e a fé evangélica, mas estavam pregando uma espécie de humanismo ou moralidade, ou até mesmo pregando a igreja, quao freqiiente, pois, tem ocorrido que, quando no ptlpito tem sido esquecido 0 privilégio e o dever, o evangelho ainda tem sido proclamado aos que tiveram alguma compreens&o desse outro método, o método visual! E, portanto, “as ovelhas famintas” — fazendo uso das palavras de Milton — que tém vindo, mas nao tém sido alimentadas pela Palavra pregada, tém podido encontrar a nutrigao espiritual no pao e no vinho, ou na 4gua do batismo, e ali t€m se lembrado através de sua compreensio das Escrituras que Deus pode falar tanto por esse meio quanto pela pregacao. E assim nos maravilhamos uma vez mais, nao sé na bondade e condescendéncia de Deus que Se inclina para nossa fraqueza, poderoso como Ele é, mas também em Sua extraordinaria provisao, garantindo que a verdade seria sempre proclamada, através da Igreja, e com freqiiéncia por homens cujas palavras negavam o que precisamente testemunhavam enquanto administravam as ordenangas. Os caminhos de Deus estao realmente além de nossa compreensio, porém sdo sempre perfeitos. Louvado seja Deus! 50 4 O BATISMO Estamos considerando os meios da graga que estd4o disponiveis na Igreja, e sio administrados pela Igreja para a edificagéo e fortalecimento do verdadeiro crente, e em nossa prelegdo anterior visualizamos em geral quais sao os apelidados sacramentos. Agora chegamos a uma consideragao detalhada das duas ordenangas que foram ordenadas pelo Senhor e as quais consideramos, portanto, obrigatérias: 0 batismo e a Ceia do Senhor. Em primeiro lugar, abordemos a doutrina biblica do batismo. Provavelmente seja até desnecessério mencionar 0 fato de que este € um tema sobre 0 qual tem havido grande controvérsia. Enquanto muitas pessoas tém sido, talvez, em grande medida, ignorantes sobre algumas das outras causas de dissensao, estou certo de que numa época ou noutra, todo cristéo professo tem se envolvido numa discussao sobre a questao do batismo. Pessoas piedosas, espirituais, cultas, sao igualmente encontradas defendendo as diversas opinides. Portanto, convém-nos uma vez mais dizer que devemos n4o sé abordar este tema com prudéncia, mas, 0 que € ainda mais importante, de uma maneira cristae no Espirito que alegamos ter recebido e a Quem nos submetemos. Em nenhum outro assunto é mais importante evitar meros rétulos, generalizagées voltiveis e pronunciamentos dogmaticos do que quando abordamos um tema como este. Nao seria plenamente ébvio, antes de darmos mais um passo, que este tema nao pode ser decidido em termos finais, que ele nao é um desses temas sobre os quais podemos apresentar uma prova absoluta e inequivoca? Se fosse possivel, jamais teria existido tanta controvérsia e nao existiria tantas distingdes denomi- nacionais. Citarei o exemplo do professor Karl Barth, o grande tedlogo 51 reformado (ainda que minha citagao n&o signifique que eu concorde com sua posig&o essencial). Barth foi educado de uma maneira tipicamente presbiteriana, mas experimentou uma grande mudanga em seu ponto de vista acerca do batismo. Tendo sido instruido a crer no batismo infantil, ele escreveu um livro para dizer que nao mais cria nisso, porém cria no batismo de adulto. Portanto, nao nos convém ser hiperdogmaticos e dar a impressao de haver apenas um possivel ponto de vista. Como vimos na prelegao anterior, o batismo nao é essencial 4 nossa salvacao. Nenhuma ordenanga é essencial a salvaco: se disserem que sim, entao estardo se enfileirando com os catélicos tomanos. Os protestantes sempre afirmaram que, embora 0 batismo e a Ceia do Senhor sejam mandamentos do Senhor, ¢ devemos, pois, praticd-los, eles no sao essenciais. Nao cooperam com a graga, simplesmente apontam para ela e no-la trazem de uma forma especial. Por isso devemos abordar 0 tema com bastante prudéncia e com espirito cristao. HA trés posigGes principais sobre este tema: os pedobatistas, os batistas ¢ o Exército de Salvacdo, juntamente com os quacres. Na Igreja Primitiva nao houve referéncia definida ao batismo infantil até 175 d.C. Esse siléncio nao prova, contudo, que o batismo infantil nao fosse praticado antes dessa data. Um importante exemplo de evidéncia vem de Tertuliano, que foi um grande homem na Igreja primitiva no final do segundo século. Ora, Tertuliano mudou seus conceitos acerca deste tema ¢ tornou- -se oponente do batismo infantil. E assim ha seguramente um exemplo muito forte para dizer que nos dias de Tertuliano nao se podia estabelecer que o batismo infantil fosse ensinado e praticado pelos apéstolos, pois se esse fosse 0 caso, um homem da estirpe de Tertuliano jamais teria falado contra ele da forma que o fez. Outra por¢ao de evidéncia muito importante é que o grande Agostinho, cuja mie era crista, nao foi batizado na infancia. E verdade que nao podemos dar demasiada importancia a esse argumento, mas ele é significativo no sentido em que demonstra que o batismo infantil nao era uma pratica universal. 52 Quando avangamos através dos séculos, descobrimos, em geral, que até chegar a Reforma Protestante sé havia batismo infantil. Os principais reformadores protestantes deram seguimento a essa pratica, porém no final do século dezesseis surgiu um novo grupo de pessoas que receberam 0 nome de anabatistas, pois criam que se devia rebatizar na confissao de fé (o prefixo ana significa “novamente”), quando alguém tinha idade bastante para ser capaz de fazer uma afirmacao pessoal. Essa breve andlise histérica nos leva 4 préxima pergunta: qual € 0 significado do batismo como ensinado nas Escrituras? Aqui a coisa significativa a ser observada é que a frase que geralmente se usa é “batizar em”. Existe, por exemplo, 0 famoso mandamento em Mateus 28:19: “Portanto, ide, fazei discipulos de todas as nagées, batizando-os em (dentro do) nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo”. Exatamente a mesma frase se encontra, de uma forma ainda mais interessante, em 1 Corintios 1:13, onde Paulo diz: “Sera que Cristo esta dividido? Foi Paulo crucificado por amor de vés? Ou fostes vés batizados em (dentro do) nome de Paulo?” Dé-se 0 mesmo em 1 Corfntios 10:2, onde somos informados que os filhos de Israel “foram todos batizados em Moisés” — voltarei a fazer referéncia a isso mais adiante. H4 também a declaracdo de Romanos 6:3-6, onde Paulo argumenta: “Ou, porventura, ignorais que todos nés que fomos batizadosem Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?” E lemos em 1 Corintios 12:13: “Pois em um sé Espirito fomos todos batizados em um s6 corpo, quer judeus, quer gregos”; e 0 mesmo se da em GAlatas 3:27 e em Colossenses 2:12. Jé consideramos uma série dessas declaracées quando tratamos da doutrina do batismo do Espirito Santo (ver volume 2, Deus o Espirito Santo). O que, entéo, aprendemos disso? Bem, com certeza a primeira coisa ¢ a mais importante sobre o batismo é que ele pressupée unido, ser posto dentro de algo: somos batizados no Espirito Santo, batizados em Cristo, batizados no corpo, batizados em Moisés. £ muito importante que tenhamos em mente que 0 significado primario de batizar nao é€ purificar, e sim, esta uniado que nos identifica com determinado contexto, que nos pde dentro 53 de determinada atmosfera. E, por certo, na citacéo de Mateus 28:19, somos informados que somos batizados na bendita Trindade, no Pai e no Filho e no Espirito Santo. Portanto, o significado primdrio do batismo é uniao, entretanto esse nado € 6 tinico significado. Existe também o sentido secundario de limpeza e purificagao. No batismo somos purificados da culpa do pecado, como vemos na resposta de Pedro, no dia de Pentecoste, ao povo que gritava, dizendo: “Que faremos, irm4os?” “Pedro entdo lhes respondeu: arrependei-vos, e cada um de vés seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissdo de vossos pecados” (Atos 2:37,38). Encontramos esse significado também em Atos 22:16, onde é dito a Paulo: “Levanta- -te, batiza-te e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor”; e em 1 Pedro 3:21, onde Pedro, referindo-se as pessoas que estavam na arca de Noé, diz: “que também agora, por uma verdadeira figura —- 0 batismo — vos salva, o qual nao é 0 despojamento da imundicia da carne, mas a indagacéo de uma boa consciéncia para com Deus, pela ressurreigéo de Jesus Cristo.” Noutras palavras, o batismo é uma garantia de que estamos livres da culpa do pecado, e também da contaminagao do pecado. Ha muitas declaragées desse fato. Em 1 Corintios 6:11 somos informados que alguns dos membros da igreja em Corinto se fizeram culpados de alguns pecados terriveis, no entanto Paulo diz: “mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados ...”, E nao ha divida de que “lavar” em parte se refere ao batismo. De igual modo, em Tito 3:5, onde Paulo fala de “o lavar da regeneracéo”, ha indubitavelmente uma referéncia 4 mesma coisa. Portanto, o significado do batismo é que ele nos poe nesta posicao de uniao, todavia para estarmos ai precisamos ser lavados e purificados da culpa e da contaminagao do pecado. Qual, entdo, é 0 propédsito do batismo, se esse € seu signi- ficado? Aqui devemos comegar com uma negativa. A funcao, o propésito, do batismo nao é purificar-nos do pecado original. Esse é 0 ensino da igreja catélica romana, e nao sé o dessa igreja, mas também o da Igreja Luterana, e de fato certas secdes da 54 Igreja da Inglaterra ensinam de maneira bem especifica que o proposito do batismo é purificar-nos do pecado original e regenerar-nos. Por isso falam da regeneracdo batismal. As pessoas as vezes n4o atinam de que esse é 0 ensino da Igreja Luterana e, em certo sentido, é 0 ensino oficial da Igreja da Inglaterra, ainda que haja nessa Igreja muitos que repudiam a sugestao. Nés, porém, dizemos que o propésito do batismo nao é livrar-nos e purificar- -nos do pecado original, e tampouco regenerar-nos. Pergunto, pois: qual é a funcao do batismo? Bem, como ja indiquei na prelecdo anterior, 0 batismo é um sinal e selo. Primeiro, ele é um sinal e selo da remissao de nossos pecados e de nossa justificagéo. Como jé vimos, o batismo é algo que fala a mim. Como 0 anel de noivado no dedo fala, assim o batismo fala aos que s&o batizados, dando-lhes a certeza de que sao justificados e seus pecados s4o perdoados . Nao sao justificados porque foram batizados; sao batizados porque sao justificados. O batismo nao €o0 meio de seu perdao e justificagao, e sim, a certeza deles. O batismo, porém, é mais que isso, e diria, especialmente, que ele é um sinal e selo da regeneragao, de nossa uniéo com Cristo e do recebimento do Espirito Santo. Ora, uma vez mais digo que ele é um sinal e um selo. Nao sou regenerado ao ser batizado; apenas tenho o direito de ser batizado por ter sido regenerado. O batismo me informa que estou regenerado; ele me certifica que j4 nasci de novo, que estou unido a Cristo e que o Espirito Santo habita em mim. E a selagem desse fato para mim. E a maneira de Deus conceder-me um penhor. Como Ele deu 0 arco-iris, e como Ele deu a circuncisio a raca eleita, assim Ele nos da um sinal e selo de nossa regeneracao no ato do batismo, E entao, em terceiro e tiltimo lugar, o batismo € um sinal de ser membro da Igreja, a qual é Seu corpo. E uma separagéo do mundo e uma introducao oficial, de uma maneira externa, no corpo visivel de Cristo. Ja estamos no invisivel, porém aqui entramos no visivel, e o batismo é um sinal ou emblema disso. Deixem-me, entéo, sumariar isso novamente e reenfatizd- -lo. O propésito principal, a fungao, do batismo é como um selo 55 para.o crente. Nao € primariamente algo que fazemos; € algo que é feito em nés. E algo do qual somos os recipientes passivos. Nossa profissao ¢ nosso testemunho seguem isso e sao-lhe conseqiientes. Ora, enfatizo isso porque creio que vocés concor- dardo que muito freqiieritemente é posto de modo contrario, ea énfase € posta em nossa ac4o, em nosso testemunhar, em nosso testemunho. Isso, porém, vem em segundo lugar. O elemento primordial e primario sobre 0 batismo é que ele é algo que Deus decidiu fazer conosco. E a concessao divina do selo de nossa regeneraco; e quando somos batizados, Ele esta nos falando e nos informando que estamos regenerados. E claro, porém, que, quando somos batizados, estamos incidentalmente dando nosso testemunho de que cremos na verdade. Secundariamente, pois, o batismo é uma forma de testificar, de dar testemunho. Mas € preciso uma vez mais realgar, como fizemos ao tratar das ordenangas em geral, que o batismo no nos comunica béncao alguma que a Palavra em si mesma n4o nos possa dar. Ele nao acrescenta a graca; nao nos faz algo que nao pode ser feito de outra maneira. Por isso n4o afirmamos que o batismo é essencial, embora afirmemos que ele é do maior valor possivel. E, seja como for, ele € obrigatério em virtude de nosso Senhor o ter ordenado, e nos furtamos deste selo particular das promessas de Deus feitas a nds, caso néo nos submetamos ao batismo. Primaria- mente, pois, ele se destina a assegurar-nos, a reassegurar-nos e a fortalecer e a aumentar nossa f€. Portanto, reitero: as pessoas se equivocam em extremo quando simplesmente consideram o batismo como uma ocasiao para testificar e como um recurso evangelistico, enquanto deixam de enfatizar que ele é, primeiro eacima de tudo, Deus em Sua infinita gragae bondade pondo- -Se em nosso nivel, fazendo algo objetivo, algo que pode ser visto e por esse meio estd nos selando as promessas de perdao e regeneragao, bem como a habitagdo do Espirito Santo. Ora, isso nos conduz a algo ainda mais controvertido: quem deve ser batizado? E aqui, por certo, hé uma grande divisdo entre os que dizem que as criancas devem ser batizadas e os que dizem que s6 os crentes convictos devem ser batizados. Eis 0 préprio 56 centro e ponto nevralgico da controvérsia. Comecemos avaliando os argumentos que se produzem em favor do batismo infantil. Em primeiro lugar, ha quem aponte para o incidente dos pequeninos que eram levados a nosso Senhor para que os abengoasse. Lucas nos diz que eram realmente criangas. Nosso Senhor as tomava em Seus bragos e as abengoava, dizendo: “Deixai vir a mim as criangas, e nao as impegais, porque de tais €o reino de Deus” (Luc. 18:16). A resposta, por certo, é que néo ha nenhuma mengio do batismo nesse ponto. Uma coisa é dizer que nosso Senhor pode abengoar as criangas; outra coisa muito diferente, porém, é dizer que Ele, portanto, ensinou que as criangas devam ser batizadas. O segundo argumento apresentado esta baseado em Atos 2:39, um versiculo a que ja fiz referéncia. Quando Pedro se poe a pregar no dia de Pentecoste, 0 povo clama e pergunta: “Que faremos, irm4os?” Entao Pedro responde: “arrependei-vos, e cada um de vés seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissao de vossos pecados; e recebereis o dom do Espfrito Santo. Porque a promessa pertence a vés, a vossos filhos ...”. Nessa passagem, 0 argumento prossegue, as pessoas séo informadas que o batismo se aplica tanto a seus filhos como a elas mesmas. Contudo, sempre que leio esse argumento em algum livro, noto que o resto do versiculo é sempre descartado: “e a todos os que estéo longe: a quantos o Senhor nosso Deus chamar.” Claramente, pelo termo “filhos” Pedro nao tem em mente descendentes fisicos, néo tem em mente os filhos dos que ouviam, mas é como se dissesse: “A promessa nao é somente para vocés que estao imediatamente aqui, agora, porém € paraa préxima geragao e para a geracao depois dessa, e depois daquela, econtinuaré a percorrer os séculos. E nao é somente para judeus, como também para os que estao longe” — os gentios, os que se acham fora da comunidade de Israel. Alias, é para “quantos o Senhor nosso Deus chamar”. O terceiro argumento emana de Atos 16:15 e 33. Somos informados que quando Lidia creu no Senhor, “Depois que foi batizada, ela e sua casa”. E Lucas escreve igualmente que 0 57 carcereiro de Filipos foi imediatamente batizado, “ele e todos os seus”. Argumenta-se que isso deve significar que as criangas e talvez mesmo os recém-nascidos de ambas as casas foram também batizados. A isso, naturalmente, a resposta € que nao temos noticia de haver qualquer crianga em uma ou outra das casas. Poderia ter havido, eu nao sei e ninguém mais sabe. Uma casa pode consistir de filhos adultos, e 4s vezes nem mesmo é necessério que os tenha. A casa bem que poderia consistir de servos. No caso do carcereiro, de qualquer forma, ha clara indicagao de que teriam sido adultos, j4 que somos informados que a palavra foi pregada nao s6 ao carcereiro, e sim,também a sua familia. Lemos: “Entao lhe pregaram (Paulo e Silas) a palavra, ea todos os que estavam em sua casa”. Os da familia parece que foram capazes de ouvir e receber a verdade. E assim uma vez mais nao hd um claro exemplo de batismo infantil. A evidéncia que se apresenta em seguida se encontra em | Corintios 1:16, onde Paulo diz: “E verdade, batizei também a familia de Estéfanas; além destes, nao sei se batizei algum outro”. Uma vez mais, 0 argumento é que deve ter havido criangas na familia. No entanto, se consultarmos 1 Corfntios 16:15, lemos 0 seguinte: “Agora vos rogo, irmaos, pois sabeis que a familia de Estéfanas é as primicias da Acaia, e que se tem dedicado ao ministério dos santos”. Essa é seguramente um pressuposto de que a familia de Estéfanas nao incluia criangas, mas adultos que creram na verdade e que agora estavam cooperando e ministrando aos santos. E por fim o itimo argumento da tese est4 em 1 Corintios 7:14, onde somos informados que os filhos de pais crentes sio santificados por seus pais. Aqui nossa resposta € que isso nao significa necessariamente que as criangas eram batizadas. Significa apenas que lhes era permitido entrar nos cultos da igreja e que desfrutavam de certos privilégios pertencentes 4 Igreja. Na verdade, a mim parece haver neste ponto uma resposta conclusiva, porque somos informados que um esposo incrédulo é santificado por sua esposa e que uma esposa incrédula é santificada por seu esposo crente. O mesmo termo é usado acerca 58 do esposo incrédulo ou da esposa incrédula como € usado acerca dos filhos. Evidentemente, pois, este versiculo nao esta de forma alguma tratando do batismo. Portanto podemos sumariar, dizendo que no Novo Testa- mento nao ha clara evidéncia de que as criangas eram sempre batizadas. Nao posso provar que nfo eram, mas estou certo de que nao ha evidéncia de que eram; n&o é possivel tirar uma conclusao definitiva. As afirmagées sao tais que nao nos permitem fazer um pronunciamento dogmiatico. A segunda linha de argumento em favor do batismo infantil é a analogia baseada na circuncisao. Somos informados de que 0 batismo no Novo Testamento corresponde 4 circunciséo no Velho Testamento, e sempre que um filho nascia ao judeu, ele era circuncidado quase imediatamente. E assim 0 apéstolo Paulo diz que foi “circuncidado ao oitavo dia” (Fil. 3:5). O argumento € que todos os filhos nascidos de pais israelitas eram introdu- zidos em Israel em cardter oficial e o sinal que recebiam era a circuncisao. Portanto, diz-se que, quando chegamos 4 era crista, indubitavelmente o paralelo no Novo Testamento deveria ser levado a efeito com as criangas. Nao ha dtivida de que em muitos aspectos este € um argumento muito forte. Contudo, minha dificuldade é esta: parece-me que ele ignora 0 ponto essencial que é 0 modo de se entrar no reino. Ora, o modo de se entrar no reino de Israel era através de descendente fisico, e somente por esse meio. O grande contraste entre o Velho e 0 Novo é a diferenga entre 0 fisico e 0 espiritual, e o Novo Testamento ensina que o modo de se entrar no reino de Deus nao é por meio de descendéncia fisica, e sim, pelo nascimento espiritual. Temos de nascer do Espirito antes de entrar no reino de Deus. Portanto, parece-me que esse argumento fracassa nesse ponto. As pessoas tém também argumentado em prol do batismo infantil com base no fato de que no Velho Testamento Deus entrou num pacto com Seu povo, e os meninos recém-nascidos eram circuncidados como um sinal desse pacto. No Novo Testamento, Deus inaugurou um novo pacto, e diz-se que os 59 filhos dos que estéo em relagdéo com o novo pacto devem, portanto, ser batizados. Esse argumento, porém, tem por base Atos 2:39, ¢ ja lhes sugeri que, dizer que esse versiculo se refere aos filhos fisicos é interpretar mal seu significado. Portanto, esse € outro argumento inconclusivo e na verdade falacioso. Mas, deixem-me dizer algo sobre 0 outro lado. Ha pessoas que parecem crer que podem resolver este problema de uma maneira muito simples. Dizem que o batismo infantil seria erréneo em virtude de o batismo ser o selo e o sinal da regeneracdo, ¢ assim nao sabemos ainda se uma crianga ser4 ou nao regenerada. Esse, porém, é sem ddvida um argumento muito perigoso, pois terfamos certeza de que 0 adulto est4 regenerado? Alguém pode dizer com certeza que ele cré no Senhor Jesus Cristo, entretanto isso provaria que ele é regenerado? Se vocés disserem que tém certeza que sim, porque ele diz que cré, entéo o que dizer quando mais tarde ele nega inteiramente a fé, como muitos tém feito? Nao, nado podemos ter certeza de que alguém esta regenerado. Nao nos compete decidir quem nasceu de novo e quem n4o nasceu de novo. Temos evidéncia presumivel, mas nao podemos ir além disso. Por conseguinte, esse argumento nao deve ser usado como base para o batismo de adulto. Semelhantemente, pessoas com freqiiéncia dizem algo mais ou menos assim: “Vejam as milhares de criangas que foram batizadas quando ainda recém-nascidas. Foram aceitas na Igreja Crista, mas subseqiientemente declinaram, provando que nunca foram realmente cristis”. Uma vez mais, a resposta, por certo, € exatamente a mesma. Esse tem sido o caso, infelizmente, milhares de vezes, com pessoas que foram batizadas sob confissio da fé quando adultas. Devemos ser prudentes quando lidamos com esses argumentos, visto que 0 mesmo ponto negativo pode ser usado em ambos os lados. Nao devemos basear nossos argumentos em observacées, e sim, nas Escrituras, como estivemos tentando fazer. 7 O que, pois, podemos concluir neste ponto? E evidente que a pergunta crucial a fazer € esta: a que o batismo se destina? O que ele significa? Qual é seu propésito? Bem, eu j4 respondi a 60 pergunta. Se o grande ponto sobre o batismo consiste em que ele € uma selagem feita por Deus daquilo que estou certo que ja me aconteceu, ent&o com certeza ele € para um crente adulto. Nao pode ser um selo para uma crianga sem discernimento; isso € impossivel. Se o batismo fosse apenas um sinal, entao eu poderia ver um grande argumento para batizar uma crianga. Mas, como todos concordam, mesmo aqueles que defendem o batismo infantil, muito mais importante do que o sinal é a selagem. Por certo, entao, o batismo é somente para uma pessoa que sabe, que é cénscia do que esta acontecendo. Parece-me que quando examinamos 0 caso do eunuco etiope, ou mesmo o do préprio apéstolo Paulo, tudo indica que ambos foram batizados mais ou menos privativamente, o algo importante sobre 0 batismo é 0 selo. Quanto a mim, esse ultimo argumento é conclusivo. Isso me leva ao meu tiltimo ponto principal: qual deve ser o modo do batismo? Como deve ser ele administrado? Uma vez mais, vocés devem estar familiarizados com a grande discussao. HA duas escolas principais de pensamento: aspersdo e imersdo. O que teria a histéria a dizer sobre isso? Bem, ela tem muito a dizer, ndo obstante, infelizmente, nada decisivo! Entretanto, muito se pode dizer sobre bases histéricas. Durante os primeiros mil anos da Igreja Crista, 0 modo comum do batismo era a imersao. Mesmo 0s catélicos romanos dizem que 0 certo é quea pessoa seja imersa. Nao colocam isso na primeira posigéo, porém dizem que a imersao é legitima e dao instrugdes quanto a como ela deve ser feita. A Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Ortodoxa Russa ainda praticam a imers4o, e dizem que a imersio €0 modo — muitos de nossos amigos batistas ficaréo surpresos quando ouvirem que no sao os tnicos crentes na imersao! No Livro de Oragao da Igreja da Inglaterra de Eduardo VI, a imersao foi posta antes da aspersdo. A aspersdo sé era permitida como uma alternativa 4 imersao no caso de enfermos ou incapacidade de algum género. A presente pratica s6 foi introduzida no livro de oragéo de 1662. A Confissdo de Westminster diz que a forma correta de batizar é por aspersdo,e exclui a imerséo, mas € muito interessante notar que, depois de uma longa discussao na 61 Camara Jerusalém da Abadia de Westminster, os doutores de Westminster tinham um voto final. Vinte e cinco votaram pela exclusdo da imersdo, e vinte e quatro votaram contra sua exclusao, sendo sua deciséo consumada pela maioria de apenas um! Entao, quais s4o os argumentos? H4 quem diga que a palavra grega, baptizo, estabelece 0 argumento em termos absolutos. Mas no faz isso, porque os estudiosos se acham divididos sobre seu significado. A palavra baptizo nao prova tudo. Eis uma interessante porcao de evidéncia. Se lermos Lucas 11:37,38, descobriremos o seguinte: “Acabando Jesus de falar, um fariseu o convidou para almogar com ele; e havendo Jesus entrado, reclinou-se 4 mesa. O fariseu admirou-se, vendo que ele nao se lavara antes de almocar.” A palavra usada ali é baptizo, e eviden- temente nao significa que ficassem surpresos por Jesus nao ter efetuado um banho completo. Ao contr4rio, era 0 costume dos fariseus, antes de sentar-se para comer, meter suas maos em Agua corrente. Acreditavam ser essencial, e ficaram surpresos que nosso Senhor, nao enfiando suas mos em 4gua corrente, imediatamente sentou-Se. E assim hd ai a sugestio de aspersio. Uma vez mais o argumento em prol da imersdo é apresen- tado com base em Romanos, capitulo 6, e as passagens paralelas de que fiz meng&o anteriormente. Mas a resposta é que esses versiculos nao se referem necessariamente ao rito ou a ceriménia do batismo. Em todos esses versiculos, Paulo est4 argumentando em prol de nossa uniao com Cristo — ele nao sé argumenta que somos sepultados com Ele, como também que somos crucificados com Ele, que j4 morremos com Ele. O batismo no indica isso de forma alguma. Nao é verdade? “Mas”, dizem alguns, “ele indica 0 sepultamento e a ressurreigao.” Naturalmente, porém, Paulo também argumenta acerca da morte e crucificagéo. De forma que os que apoiam o batismo por imersdo estado dando ao argumento mais do que 0 apéstolo da. Hé ainda outro argumento com base no batismo de nosso Senhore naquele do eunuco etiope. Somos informados que nosso Senhor “saiu logo da 4gua” (Mat. 3:16), e que Filipe e o eunuco 62 também “sairam da 4gua” (Atos 8:39). Afirma-se que essa é uma prova conclusiva de que o batismo deve ser efetuado por imersao completa. Atos 8:39, porém, nao diz isso. Tudo o que ele nos diz € que Filipe e o eunuco estiveram na Agua e entao sairam dela, posto que se nos diz que ambos sairam da 4gua. E se se pretende provar que o eunuco foi totalmente imerso, entao Filipe também deve ter sido totalmente imerso. Nao; com certeza o versiculo simplesmente indica que ficaram em pé na agua, e nao nos diz exatamente como Filipe efetuou o batismo. E 0 mesmo se aplica no caso de nosso Senhor. Ha, porém, outra porgdo de evidéncia que parece-me ser muito importante. No Velho Testamento, as coisas eram postas A parte, purificadas, consagradas e santificadas por aspersio. Os cantos do altar eram aspergidos com sangue, e sangue era aspergido diante da cortina do Lugar Santo (Lev. capitulo 4). O pecado era remido por aspersao com 4gua, na qual se langava as cinzas de uma novilha (Num. capitulo 19). O autor da Epistola aos Hebreus usa esse simbolismo. Ele fala sobre “tendo nossos coragées purificados da ma consciéncia” (Heb. 10:22) - sao purificados por asperséo com o sangue de Cristo. O Velho Testamento faz uso da aspersao para purificar, o que me parece significativo e importante. E ha, finalmente, este argumento, pelo que vale: milhares de pessoas iam a Jodo Batista, atendiam sua pregagaéo e eram batizadas por ele. Certamente, se 0 batismo por imersio, no sentido em que é geralmente aceito hoje, era a método do batismo de Joao, entéo o problema fisico envolvido entra neste argumento. Sumariando, parece-me que, a luz da evidéncia das Escrituras, a pratica nos dias do Novo Testamento era mais ou menos assim: a pessoa a ser batizada e a que batizava se punham em pé juntas na Agua. Se era no Rio Jordao, se punham de pé no Jordao, e aquela que batizava a outra mergulhava sua mo na Agua e aspergia a 4gua sobre aquela que estava sendo batizada. Obviamente nao estou em condigao de apresentar qualquer evidéncia, mas nos escritos dos diversos Pais ha muito que o 63 sugere, e, como jd vimos, isso parece-me adequar-se perfeitamente com 0 que sucedeu ao eunuco. Entretanto, certamente néo ha como chegar a alguma conclusao final, e portanto o tinico ponto de vista, a meu ver, que vale a pena alguém adotar é 0 que admite ambos os métodos. O modo do batismo nao é o elemento vital. A coisa significada é © que importa; é a selagem que conta, e quanto a mim estaria disposto a imergir ou a aspergir o crente. Se hé um suprimento adequado de 4gua, tal como o de um rio, creio que o melhor método é ficar de pé na 4gua e batizar dessa maneira. Eu nao recusaria até mesmo imergir completamente. O de que estou certo é que dizer que a imerso total é absolutamente essencial nao é sé ir além das Escrituras, mas é tender para a heresia, se nao for ser realmente herege. E atribuir importancia ao modo, ponto de vista que jamais poder4 ser consubstanciado nas Escrituras, e certamente esté fora de sintonia com a pratica que foi consistente em todo o Velho Testamento. Em conclusao, até onde posso ver, os que se dispdem a ser batizados devem ser crentes adultos. Nao consigo ver compro- vacao, como j4 tentei demonstrar-lhes, para o batismo infantil. Quanto ao modo, porém, pode ser a aspersdo ou a imerséo ou uma combinacao de ambos, o que pessoalmente creio ser mais biblico e o método pelo qual grande evidéncia pode ser produzida historicamente. Mas, havendo dito muito sobre quem deve ser batizado e como tal pessoa deve ser batizada, uma vez mais enfatizarei a importancia de se discernir que é por esse meio que Deus decidiu nao s6 assinalar, porém também selar-nos a nossa redencao, nosso perdao, a remissao de nossos pecados, nossa uniao com Cristo, nosso batismo nEle e nosso recebimento do Espirito Santo. E assim Deus Se inclina para a nossa fraqueza, autentica nossa fé, nos da seguranga, nos fortalece e nos fortifica quando somos atacados pelo diabo, o qual tenta levar-nos a incredulidade. O batismo é determinagao de Deus ¢, seja qual for 0 modo, nos lembra a coisa que é significada, a coisa que é selada. 64 5 A CEIA DO SENHOR Passamos agora A consideragéo da Ceia do Senhor. Este, igualmente, tem sido o tema de grande debate e controvérsia na Igreja Crista durante muitos séculos, especialmente desde a Reforma Protestante, e grandes e poderosas obras tém sido escritas sobre ele. Seria facil entrar em tudo isso, mas decidi nao fazé-lo, porque a maior parte das controvérsias que se tém suscitado, realmente suscitou-se nao com base em qualquer ensino biblico, mas, antes, por causa das adicdes ao ensino biblico pelas quais a igreja catélica romana e seus seguidores se 1ém feito responsaveis. Noutras palavras (digo isso por causa daqueles que se sentem. interessados no método como algo diferente da matéria), hd uma diferenca bem real entre teologia biblica e teologia sistemAtica. Teologia biblica significa doutrina que nasce diretamente do ensino da prépria Palavra. Nio podemos, porém, entrar numa consideragdo sistematica da doutrina sem também considerar o que tem sido ensinado na Igreja ao longo dos séculos. Ora, nesta série de prelegdes, estivemos tentando tratar de doutrinas biblicas, mas tenho feito referéncias, de passagem, a outros ensinos, porque julguei que todos nés temos ouvido algo sobre eles, e gostariamos de saber como eles vieram 4 existéncia, por que cremos serem eles err6neos e como dar-lhes resposta. Tenho tentado o melhor que me é possivel (vocés serao os juizes do éxito que porventura eu tiver) ater-me 4 doutrina biblica e evitar entrar demais na histéria das doutrinas. Portanto, se vocés se sentirem desapon- tados por eu nfo tratar de uma forma detalhada do ensino cat6lico-romano sobre a transubstanciacao, esse € meu motivo. Do contrério, creio que nossa série de prelegdes sobre doutrinas biblicas se tornaria quase interminavel. E assim selecionarei agora o que considero como sendo de real importancia. 65 S6 ha dois pontos de vista com respeito 4 Ceia do Senhor. O primeiro € 0 ponto de vista tipicamente catélico - e quando digo “catélico”, nao me refiro simplesmente aos catélicos romanos, mas também aos anglicanos-catélicos, bem como outros que pertencem aos vérios movimentos ritualisticos, até mesmo em algumas das igrejas livres. Certas sociedades sacramentalistas e sacramentais estao vindo a existéncia, e todas elas podem ser incluidas no titulo genérico de catélico. Existem pessoas que de uma forma ou de outra créem nesse ensino que atende pelo nometransubstanciagéo. Créem que em resultado da agao do sacerdote, 0 pao se transforma realmente no corpo fisico do Senhor Jesus Cristo. Ora, essa é aquela doutrina que, durante a Idade Média, comecou a surgir na Igreja Ocidental, a qual era, entaéo, nada mais, nada menos, que a igreja catélica romana, porém a doutrina nao foi definida por ela até 0 século doze. A transubstanciag4o, pois, continuou sendo a doutrina oficial da Igreja Ocidental (mas nao da Oriental) até a Reforma; e, como eu disse, é ainda defendida pelos catélicos romanos e outros. Os catélicos romanos tém engendrado uma grande filosofia em torno da transubstanciacao. Caso alguém pergunte: “Como é possivel acontecer isso, uma vez que ainda continuo vendo algo que se parece com pao, é branco e tem a textura e o sabor de pao?”, eles respondem que isso é perfeitamente correto. Acrescentam, porém, que tudo o que se vé pode ser dividido em duas seg6es ou divisées principais — a substdncia e os acidentes. Ora, como eu ja disse, nao quero entrar nisso detalhadamente, mas creio ser importante que saibamos algo sobre o assunto, visto haver tantas pessoas hoje que dizem ter sido abencoadas por esse ensino. E vocés vao descobrir sempre que, quando 0 verdadeiro protestantismo se torna sem vida e letaérgico surge em algumas pessoas estranha atracao pelo ensino sacramental, no qual n&o se tem nada a fazer senao receber 0 pio, e ele atua quase que automaticamente. Portanto, esse ponto de vista diz que a cor do pao nao tem nada a ver com a substancia do pio, mas é um dos acidentes, como sao a textura e o sabor, e que a 66 subst4ncia pode transformar-se sem afetar os acidentes. Por isso cré-se que a substancia do pao nao é mais 0 que era, sen4o que, por um milagre, transformou-se no corpo real do Senhor. E, por certo, crendo que 0 pao é agora essencialmente o corpo do Senhor, os cat6licos romanos o depositam num célice especial; adoram- -no; dirigem-lhe suas oragdes; chamam-no “héstia” e carregam a héstia em procissao. Pois bem, nao h4 necessidade de prosseguirmos com o assunto, porque até mesmo a igreja catélica romana esta disposta aadmitir que a doutrina nao pode ser provada a luz das Escrituras. Tentam pér forte énfase no fato de nosso Senhor dizer: “Isto é 0 meu corpo” (Luc. 22:19). Esse “€”, dizem eles, € profundamente importante. Afirmam que Ele nao diz: “Isto representa o meu corpo”, mas: “Isto é 0 meu corpo”, e devemos tomar Suas palavras literalmente. Existem muitas respostas claras a isso. Ali estava ainda nosso Senhor em Seu corpo, como, pois, poderia significar que o pao que ora tinha diante de Si era realmente Seu corpo? Ele estava falando no corpo no exato momento em que havia pao em Sua m4o. Essa é uma resposta. Mas ha outra resposta e, em muitos aspectos, ainda mais poderosa, resposta essa que os catdlicos romanos nunca podem contestar. Nosso Senhor iria dizer mais adiante: “Este célice éa nova alianga em meu sangue” (Luc. 22:20), e poderemos dizer- -lhes que, se insistirem sobre o “é”, num caso, ent&o teraéo que insistir sobre o “€”, no outro caso. Portanto, o vinho nao teria a menor importancia, mas o que importa é 0 calice, visto que Ele disse: “este cAlice”, nao o vinho dentro do célice. Com certeza no existe resposta para isso. Noutros termos, a tentativa de basear a doutrina da transubstanciagdo nessa tinica palavra é néo apenas antibiblico, e sim, certamente irracional. O fato € que a doutrina como um todo teve ingresso na igreja catélica romana simplesmente para pér em realce a posigaéo ¢ o status dos sacerdotes. Unicamente 0 sacerdote é que pode operar esse milagre e, visto que unicamente ele é quem pode fazer isso, entéo ele se torna correspondentemente muito importante. Ora, cerca de 1830, John Henry Newman (posteriormente 67 Cardeal Newman), Keble e outros comegaram o movimento anglicano-catélico neste pais. Entéo, muito deliberadamente disseram e nao se envergonhavam de dizer que acreditavam que a tnica forma de salvar a Igreja Anglicana (visto ela estar, entao, em péssimas condigées) era exaltar a posigéo do ministro - 0 sacerdote. E escolheram um dos métodos da época mais honrados de fazer isso, a saber, adotaram a antiga doutrina da transubs- tanciagao. Vocés percebem que estou sendo tentado a fazer 0 que nao quero-— e estou pondo em pratica a muito recomendavel graga restringedora — porém devo manter minha palavra e refrear-me de entrar em detalhes adicionais. Essa, contudo, em sua esséncia, € a posicao. Ora, os luteranos tém um ponto de vista ligeiramente diferente. Nao créem na transubstanciacio, e, sim, naquilo que chamam de consubstanciagdo. Dizem que os catélicos estao errados, € que nao existe nenhuma mudanga na substancia do pao. O pao continua sendo ainda pao, mas 0 corpo do Senhor se junta a ele (con significa “com”, dai con-substancia). Portanto créem que possuem a ambos: 0 pao ¢ o corpo do Senhor, a um sé tempo; 0 corpo de nosso Senhor est4 com e sob o pao. Por certo que isso ndéo muda muito a posigdo, e € muitissimo insatisfatéria. Lutero, tendo visto no inicio esse fato claramente, depois fraquejou e, sendo influenciado por alguns de seus amigos, retrocedeu a um compromisso muito prejudicial e insatisfatério com a antiga posigao catélica. Acho que seria interessante, também, observar 0 ponto de vista diferente defendido pelos reformadores protestantes. Devo lembrar-lhes que ja fiz referéncia ao ponto de vista de Zwinglio relativo 4s ordenangas (capitulo 3). Ora, Zwinglio foi coerente consigo por considerar que a Ceia do Senhor é simplesmente um sinal e uma comemoracaio. Mas quando chegamos ao ponto de vista reformado, descobrimos uma vez mais, como j4 vimos no batismo, que a ordenanga nao é apenas um sinal, e sim, também um selo. JA discorremos satisfatoriamente esse ponto quando focalizamos as ordenancas em termos gerais, e agora temos simplesmente que aplicar esse 68 ensino a Ceia do Senhor. E assim formulemos a pergunta vital: o que significa a Ceia do Senhor? E nAo existe dificuldade alguma em responder a isso. A primeira coisa implfcita é a morte do Senhor. Paulo afirma isso explicitamente em 1 Corintios, capitulo 11. Diz ele: “Porque todas as vezes que comerdes deste pao e beberdes do calice estareis anunciando a morte do Senhor até que ele venha” (v. 26). O partir do pao e o tomar ou o beber do vinho séo uma represen- tagdo do corpo partido de nosso Senhor, Seu sangue derramado. Essa é a coisa primaria que se acha implicita nesse ato, e em 1 Corintios, capitulo 11 Paulo, especificamente, nos manda fazer isso porque é dessa forma que proclamamos a morte de nosso Senhor. E, outra vez, quero sublinhar algo que consideramos anteriormente. Porventura néo vemos aqui uma maravilhosa provisao feita pelo proprio Senhor? Pois tém havido perfodos na historia da Igreja nos quais a morte do Senhor foi raramente proclamada dos ptlpitos. Ela tem sido negada; tem sido mal entendida e mal usada. Sim, mas nosso Senhor dera este mandamento — como diz Paulo: “Porque recebi do Senhor o que também vos entreguei” (1 Cor. 11:23)- como também Ele ordenou aos outros apéstolos nos mesmos termos (Luc. 19,20). Ainda que 0 ptlpito haja fracassado, a Ceia do Senhor continua ainda declarando, proclamando, pregando a morte do Senhor, e com freqiiéncia tem havido grande desar-monia, para nao dizer contradic&o, entre a pregacaéo do homem e a pregacao do pao e do vinho a4 mesa da comunhio. A Ceia do Senhor, porém, é igualmente uma declaragiio e um sinal da participagéo do crente no Cristo crucificado. Estamos em comunh4o com Ele. Ela nos lembra da nossa unido com Ele e, portanto, de nossa participagéo em Sua morte. Vocés se lembram do rico ensino sobre isso em Romanos — que estamos em Cristo e, devido estarmos em Cristo, morremos com Ele, fomos sepultados com Ele e ressuscitamos com Ele. Mas, além disso - e isto é extremamente importante — a Ceia do Senhor nos €é um memorial e uma declaragio de que afinal participamos dos beneficios da nova alianga. Isso, uma 69 vez mais, emana das palavras do apéstolo em 1 Corintios 11:25: “Semelhantemente também, depois de cear, tomou o calice, dizendo: este célice € 0 novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memoria de mim”. Ora, quando discorremos sobre a morte do Senhor e da doutrina a ela concernente (ver volume 1, Deus o Pai, Deus o Filho), demonstramos como o derramar do sangue na morte do Senhor foi também a ratificagéo do novo pacto. Lemos sobre esse novo pacto na Epistola aos Hebreus, no oitavo capitulo, no décimo capitulo, em particular, e indubitavelmente também no nono. Assim, pois, a Ceia do Senhor nos é memorial que em e através de nosso Senhor Jesus Cristo, Deus fez com os crentes um novo pacto. Cristo é o mediador do novo pacto. Ele é 0 cabeca e representante da humanidade nesse novo acordo, nesse novo e maravilhoso pacto que Deus fez com os homens e as mulheres. Em Hebreus, capitulo 8, deparamos com esse notavel contraste entre os dois pactos, ¢ é muito interessante notd-los, “Porque repreendendo-os, diz: eis que virao dias, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Jud4 um novo pacto. Nao segundo o pacto que fiz com seus pais no dia em que os tomei pela mao, para os tirar da terra do Egito; pois néo permaneceram naquele meu pacto, e eu para eles nao atentei, diz o Senhor. Ora, este € 0 pacto que farei coma casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendi- mento, e em seu coracao as escreverei; eu serei o seu Deus, e eles serio o meu povo; e nao ensinar4 cada um ao seu concidadao, nem cada um ao seu irmao, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerdo, desde 0 menor deles até o maior. Porque serei misericordioso para com suas iniqilidades, e de seus pecados nao me lembrarei mais” (Hebreus 8:8-12). E assim, toda vez que nos reunimos para celebrarmos a Ceia do 70 Senhor, estamos declarando este novo pacto e o contetido do novo pacto do qual somos lembrados ali em Hebreus, capitulo 8. Vocés percebem quao tremenda coisa é reunir-se 4 mesa e tomar 0 pao e o vinho? - Sim, mas nao paramos nem ai. Demais disso, somos lembra- dos, através da participacéo do pao e do vinho, que nés, como crentes, recebemos do Senhor Jesus Cristo pessoalmente vida e forca para vivermos a vida crista. Os versiculos que nos dizem isso se encontram em Jodo, capitulo 6. Ora, esta segio do Evangelho de Joao tem sido a causa de considervel controvérsia devido ao seguinte: estaria ou nao aqui nosso Senhor Se referindo a Ceia do Senhor? Defendo 0 ponto de vista de que Ele nao estava fazendo referéncia 4 Ceia, e por esta boa razio: naquela ocasiao, os discipulos eram claramente incapazes de receber tal ensino. Nosso Senhor sé comega realmente a tratar disso no fim do Seu ministério, no cendculo. Os catélicos romanos, contudo, dizem que Joao, capitulo 6, é uma referéncia 4 Ceia do Senhor — ela se ajusta ao argumento deles — e assim procedem os que os seguem. Mas ainda que Joao, capitulo 6, nao seja uma referéncia @ Ceia como tal, expressa-se uma verdade nos versiculos 56 e 57 que certamente pode ser aplicada nesta altura. Nosso Senhor diz: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como 0 Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viver por mim”. Ora, nosso Senhor mesmo continua a explicar que isso € apenas uma figura: “Mas, sabendo Jesus em si mesmo que murmuravam disto os seus discipulos, disse-lhes: isto vos escandaliza? Que seria, pois, se visseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava? O espirito € o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito sao espirito e sdo vida” (vv. 61-63). De fato Ele esté dizendo: “Vocés devem comer-Me. Devem comer Minha carne e beber Meu sangue. Isto é, devem viver em Mim. Como 0 Pai Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, assim também Eu os estou enviando, e vocés devem viver por Mim.” Essa era uma participacdo espiritual. Ele nao diz que 7 Se alimentava literalmente da substancia de Seu Pai celestial, claro que nao! E uma concepcdo espiritual: “(Minhas palavras) sao espirito e sao vida”. Portanto devemos viver do Senhor Jesus Cristo. Ele é nossa vida. E assim 0 pio e 0 vinho nos fazem Jembrar dEle. Represen- tam-nO, séo uma figura, um retrato dEle. Quando realmente tomamos o pao e 0 comemos, quando bebemos o vinho e 0 absorvemos, devemos dizer: “Sim, eu devo alimentar-me do Senhor como Ele me disse. Devo viver dEle. Devo participar dEle. Como Ele participava do Pai, assim eu me alimentarei dEle, nao num sentido fisico, e sim, espiritual. O pio e o vinho me fazem lembrar que devo comer a carne e beber o sangue do Filho do homem num sentido espiritual, caso eu queira ser um cristaéo forte, viril e vitorioso”. Ha algo mais que é representado pelo pao e pelo vinho, e € 0 seguinte: a uniao dos crentes uns com os outros. Estéo todos eles nao sé unidos a Cristo; estdo todos eles unidos uns aos outros. Ora, o apéstolo Paulo ensinou isso em 1 Corintios, capitulo 10, em cujo capitulo devemos sempre prestar detida atengao. Escreve ele: “Porventura 0 célice de béngdo que abengoamos, nao é a comunhao do sangue de Cristo? O pao que partimos, nao € porventura a comunhao do corpo de Cristo?” A seguir, observem isto: “Embora muitos, somos um s6 p&o, um s6 corpo; porque todos participamos de um mesmo pao” (1 Cor. 10:16, 17). Ora, vocés percebem o que Paulo est4 ensinando af? Ele diz que, ao participarmos de Cristo, nos tornamos um; nos tornamos, se vocés preferirem, um s6 pao. H4 quem diga que 0 versiculo 17 deve ser traduzido assim: “Pois, sendo muitos, somos uma sé massa” — nao um sé pao — “e um 86 corpo”. Por isso, quando celebramos a Ceia e 0 pao é partido, somos lembrados a um e a0 mesmo tempo das partes e do todo. O termo comunhdo, portanto, representa nao s6 nossa comunh4o com o Senhor, mas também nossa comunhdo uns com os outros. Somos jungidos com Ele porque estamos todos nEle, e essa é a razdo por que, no capitulo 11, 0 apdstolo prossegue para nos dar o ensino que ele nos da. Na verdade diz ele: “Vocés 72 estéo negando o préprio principio da comunhao. Alguns de vocés estéo comendo demais, enquanto outros nado tém o suficiente para comer. Vocés sao egoistas, sdo divididos, mas todos vocés devem ser um so. Devem esperar uns pelos outros”. “Acaso nao percebem”, pergunta o apéstolo, “que estao negando uma das coisas centrais ensinadas pela Ceia do Senhor — que vocés sio todos um? Devem levar as cargas uns dos outros, devem compartilhar uns com os outros 0 que possuem, porque s4o todos partes da mesma massa, do mesmo pao. E é inttil dizerem que tém comunhfo com Ele se nao estéo em comunhao uns com os outros.” Paulo fala acerca das divis6es e das heresias, e os condena porque contradizem tudo o que é representado pela Ceia do Senhor. Ai, entao, est&o as coisas principais que estéo implicitas ou retratadas pela comunhao da Ceia do Senhor. Mas, gragas a Deus, nado para ai. Esse ato, essa comunhio, essa ordenanga, nao s6 significa, mas também sela, todos os beneficios a que tenho me referido; por isso, quando tomamos a Ceia, nao apenas nos lembramos de algo, estamos nao sé nos dedicando a um ato memorial ou comemorativo, nem estamos meramente colo- cando nossos distintivos de membros de igreja, ainda que estejamos fazendo isso. Mas, muito mais que isso, quando recebemos o pao eo vinho, Deus esté nos dizendo que somos participantes dos beneficios desse novo pacto. Ele (o pacto) sela a todos nés. Sela todas essas promessas de Deus. Asseguram-me que Ele morreu por mim, que estou jungido a Ele, que morri com Ele e que ressuscitei com Ele, E como entregar-me um documento com um selo nele: “Ai esta, € todo seu”. O novo pacto de Deus com o homem me pertence. Ele o fez comigo. Ele o esté entregando a mim. Ele o esté dando a mim. Como um anel de noivado ou de casamento é uma garantia a pessoa que o esta usando, do amor do outro, assim 0 pao eo vinho séo uma especial garantia a nés dada por Deus em Seu amor e condescendéncia, a fim de que, quando os tomarmos, saibamos que Ele nos esta concedendo todos esses beneficios. Qu4o vital e importante é que compreendamos isso ao 73 achegarmo-nos 4 mesa da comunhao! Todo ministro lhe contar4 que é freqiientemente interrogado sobre a importancia da Ceia do Senhor. Pessoas tém vindo a mim e dito: “Sabe, eu nao sei como agir na Ceia do Senhor”. E tenho conhecido pessoas que, por essa razao, tém visto nela uma ceriménia até mesmo penosa. Elas tém observado que na Ceia do Senhor certas pessoas choram silénciosamente, e me dizem “eu nunca chorei e nem mesmo o consigo”. Vocé tem experimentado isso? E claro que me lembro de quando era jovem cristéo, tentava produzir lagrimas pois cria ser esse um procedi- mento correto, e descobri que me era impossivel. As vezes ha muito sentimentalismo a respeito, e as pessoas ficam desesperadas porque nao compreendem o que est4 acontecendo, e porque sentem que é preciso haver alguma sensag4o singular. Ea resposta est4 nesta doutrina que ora consideramos juntos. Ao tomarmos 0 pio e 0 vinho juntamente na Ceia, estamos declarando “a morte do Senhor até que ele venha” (1 Cor. 11:26). Sim, mas é preciso lembrar que no estamos apenas represen- tando essas coisas; Deus esté também declarando-nos coisas. Ele est4 selando-nos coisas. Lembrem-se disso, individualmente. Diga: “Deus aqui esta dizendo-me que estou no novo pacto, que sou filho dEle, que Ele me adotou, que todas as béngéos e os beneficios desse novo pacto em Cristo me pertencem e estéo vindo a mim, e nesse momento eu agradeco a Deus por eles”. Noutras palavras, vocé deve sempre sentir gratidéo nessa ceriménia. H4 quem achame de Eucaristia, eo termo “eucaristia” significa “acdo de gracas”. Nao permitam que os catdlicos lhes roubem esse termo. Assim como 0 jovem d4 um anel ao objeto de seu amor, Deus escolheu esse método de expressdo para nos comunicar: “Dou-lhes os beneficios da morte de Meu Filho e de Sua vida, tomem livremente dEle, vivam dEle e compreendam o que estou fazendo por vocés nEle e através dEle.” Assim como tomamos 0 pao e 0 vinho, lembremo-nos de que eles selam para nos todas essas gloriosas e maravilhosas coisas, Finalmente, quem deve participar da Ceia do Senhor? Aqui uma vez mais a resposta é perfeitamente definida e clara: somente 74 os crentes. Se nao discernimos 0 que estamos fazendo, nao h4 nenhuma razéo nem propésito no ato. Todo o nosso ponto de vista desta ordenanga, bem como também da outra ordenanga, consiste em que ela depende da f€. Nao cremos que esta age mais automaticamente do que o batismo, N&o cremos na teoria da igreja catélica romana que esta opera em sua propria forca e através de seu inevitavel poder, ex opere operato, porque a graca esta nela - absolutamente nao. Nao ha valor em comer 0 pio e beber o vinho, se nao agimos assim pela fé. Como j4 vimos, nio ha nada no péo, no ha nada no vinho como tais. A fé é essencial, por isso a Ceia € somente para os crentes. Sim, mas para crentes fracos, até mesmo para crentes pecaminosos. Nio temos que ser perfeitos para podermos participar. Existe uma histéria maravilhosa acerca do famoso Rabino Duncan, aquele grande escocés, professor de hebraico que ensinava no New College em Edinburgo no século dezenove. Em certa ocasiao ele ministrava a Ceia do Senhor, e passou a observar 0 que sucedeu quando os anciaos safram a distribuir os elementos. Observou uma mulher angustiada na congregagao que chorava copiosamente, mas quando os elementos chegaram a ela, os recusou. Ele a viu recusar 0 pao; viu-a recusar 0 vinho; €, a0 notar isso, ele entendeu exatamente o que sucedia. A mulher tinha tal consciéncia de seus pecados, que sentiu nAo ter o direito de participar daqueles elementos. Entao ele foi, tomou 0 cAlice, foi até ela e lhe disse: “Mulher, tome-o; tome-o porque Ele morreu pelos pecadores”. Isso é perfeitamente correto. A mulher estava arrependida. Um pecador que sente-se arrependido tem pleno direito, como qualquer outro, de tomar o p4o e o vinho — talvez com mais direito. Sim, mas isso é algo bem diferente de viver em pecado. O apéstolo condena os que tomam 0 pio ¢€ o vinho quando estéo vivendo em pecado e nao esto arrependidos. Ele proibe tal procedimento, como tem feito a Igreja ao longo dos séculos quando exerceu a disciplina. Mas quando vocés se arrependem, e em seu arrependimento se lembram das coisas que lhes sao seladas pelo pao e 0 vinho, e se o fazem sinceramente, entdo 75 terminarao agradecendo a Deus ~ ela sera para vocés uma genuina Eucaristia. E prosseguirao seu caminho com alegria. E cada um dir4 a si mesmo: “Sim, viverei em Cristo. Comerei Sua carne e beberei Seu sangue pela f€. Doravante viverei nEle e nao cairei em pecado”. Portanto vocé se vai com sua consciéncia purificada, com alegria em seu coragdo por haver sido perdoado dos pecados € com a certeza de nova forga, vida e poder, dos quais vocé antes nao tinha consciéncia. Portanto dizemos que esta ordenanga deve ser recebida legitimamente pela fé; e se no podemos recebé-la pela fé, entdo € melhor abster-nos, porque Paulo ensina que, se as pessoas nao se examinarem, se nao se examinarem, nAo se julgarem, nao se condenarem e nao deixarem seus pecados, serao julgadas. Diz ele: “Por causa disto — por nao se examinarem — ha entre vés muitos fracos e enfermos, ¢ muitos que dormem” (1 Cor. 11:30). Ele est4 especificamente ensinando que alguns membros da igreja em Corinto eram fracos e outros eram doentes porque nao se julgavam como deveriam, e nao se purificavam; vinham, porém, a mesa do Senhor indignamente, ¢ 0 resultado era que Deus os havia disciplinado. Paulo diz que, se julgarmos a nés mesmos, nao seremos julgados. Mas quando Deus nos julga e nos disciplina, somos “disciplinados pelo Senhor, para que nao sejamos condenados com o mundo” (v. 32). Isso significa que, se nao dermos ouvidos 4 pregagdo e 4 exortac4o, entao podemos tornar-nos fracos; podemos tornar-nos doentes; podemos ser lembrados da morte e encher-nos de temor. Entéo comecaremos a perguntar: “Por que esté acontecendo isso?” E enfrentaremos nosso pecado, arrependidos e reanimados, e assim evitaremos a condenagao futura. Existe ai, alids, uma frase misteriosa: “e muitos que dormem” (1 Cor. 11:30), a qual significa que muitos morreram porque nao julgaram-se a si préprios. Néo entendemos isso, todavia é claramente ensinado aqui que essas pessoas morreram porque Deus as castigou dessa forma. Nao quer dizer que se perderam, mas significa que Deus as disciplinou mesmo através da prépria morte. Por isso sofrerfo algum tipo de perda na 76 eternidade. Lemos em 1 Corintios, capitulo 3, que as obras de alguns se queimarao — as de “madeira, feno, palha” (v. 12). Sofrerao perda, mas sero salvos “como que pelo fogo” (v. 15).O ensino de Paulo em 1 Corintios 11:30 provavelmente signifique algo semelhante a isso. Por conseguinte, quando nos achegamos a essa mesa, 4 Ceia do Senhor, devemos trazer todas essas coisas 4 mente, e ao agirmos assim, ela nos sera um veiculo de imensuravel béngao. Sim, entretanto lembremo-nos de que esta ordenanga nao faz mais do que faz a Palavra. Nada faz além da pregacao. Eu disse isso do batismo; devo ainda dizé-lo. Nao ha na Ceia do Senhor nenhuma graga nova ou adicional. Nao, o que ela faz é selar a eficdcia da Palavra; ela confirma nossa recepgao da graca. Nao ha nenhuma graga especial. Nao ha ai nada que vocé nao possa ter em qualquer outro lugar. Ha quem diga que aceriménia suprema na Igreja é a Ceia do Senhor; eu, porém, nao encontro qualquer evidéncia biblica para isso. Nao, a ordenanca suprema — se preferirem chamé-la assim — 0 supremo meio da graca na Igreja, é a Palavra, a Palavra pregada e ensinada. Este é apenas outro meio de fazer isso. E um meio notavel e especial, mas nao nos confere uma graca extra, especial. O que ela faz é intensificar a graca, fazé-la mais eficaz em nés. Voltem 4 minha ilustrago: 0 homem que poe o anel no dedo de sua amada nao a ama mais nesse momento do que a amava antes, e no entanto ela esté recebendo algo nessa intensa maneira que suas declaragées nao transmitem. E é exatamente o mesmo que sucede com a Ceia do Senhor e com a participacaéo do pao e do vinho. E um dos meios que Deus usa para fazer Sua palavra eficaz em nés. E um retrato, é algo que os olhos podem ver. E assim agradecemos a Deus esta ordenanga, e sempre nos levantamos dela sentindo- -nos fortalecidos, edificados, estabelecidos na fé e triunfantes em nossa grande salvagao. 77 6 MORTE E IMORTALIDADE Nos cinco estudos anteriores estivemos analisando a doutrina das ordenangas da Igreja. Passamos agora a analisar outra grande area do ensino biblico, que éa doutrina das iltimas coisas, ou, fazendo uso do termo técnico, escatologia. O termo “escatologia” vem da mesma raiz que a expressio “escada rolante”: vocé sobe para as iltimas coisas, o climax, o fim. Escato- logia é uma doutrina biblica muito importante, e todos nés nos sentimos curiosos e preocupados com ela. Essa é uma reagao totalmente inevitével. Quer gostemos, quer nao, temos de encarar a morte, e podemos dizer com reveréncia que, se 0 ensino biblico nao tratasse do assunto das ultimas coisas, entao ele seria incompleto. Contudo, essa é a grandeza e a maravilha deste livro. Ele tem recursos para a totalidade da vida, todo aspecto, toda 4rea, toda fase. Nao ha nada que pertenca 4 vida da humanidade que nao encontramos tratado nas Escrituras, e tratado de maneira cabal . Aqui, pois, estao algumas das perguntas que estaremos analisando: o que é a morte? O que sucede depois da morte? Ao que nossa vida conduz? O que é 0 futuro? Que diremos do futuro? Analisaremos essas questdes de duas formas principais. Todos nds queremos conhecer nosso préprio destino e 0 futuro pessoal. Mas, além de tudo isso, estamos naturalmente interessados na questéo mais importante: o que esta para acontecer ao mundo inteiro? Geragéo sucedendo geracao. Isso prosseguiria inter- minavelmente, para todo o sempre, ou haveria um limite para tal processo? Esse € 0 destino ao qual todaa doutrina das tltimas coisas nos leva. Por isso, quando visualizamos essas questées, nao somos estimulados por algum mero interesse teérico ou académico. Cada um desses temas é intensamente prtico, e é 0 dever do cristéo familiarizar-se com o ensino biblico a respeito. 78 Hoje ha um novo e vivo interesse com respeito a essa secao da doutrina biblica. Durante a primeira parte do século vinte e fins do século dezenove, houve pouco interesse sobre escatologia. Ao falar assim, estou me referindo 4 Igreja Crista em geral, porque uma das coisas que tém diferenciado os cristaos evangélicos dos outros, é que os evangélicos sempre deram grande importancia a esta doutrina. Para a grande maioria do povo cristéo, porém, toda a idéia do reino de Deus se aplicava somente 4 vida neste mundo. O povo cristéo gastou seu tempo em falar sobre a “introdugio do reino”, significando com isso a melhoria das condigées sociais neste mundo. Por varias razées, sendo uma das principais, naturalmente, 0 avango do conhecimento cientifico e as falsas deducdes desse conhecimento, as pessoas chegaram & conclusio (falando de modo geral) que nao ha vida apés a morte, que esta é a tinica vida e este o Gnico mundo. Sentiam que as pessoas sao, afinal, meros animais, e quando alguém morre se assemelha 4 morte de um animal. E essa, diziam elas, é€ o fim da historia. E assim nao havia qualquer interesse nessa proeminente questao do futuro do mundo. A vida era mais ou menos serena ¢ confortavel. As condigées eram mais ou menos présperas e todo © mundo estava interessado neste mundo. Quando veio a Primeira Guerra Mundial, porém, ea vida que parecia tao segura, tao estavel e tao bem estruturada evidenciou-se ser algo ilusdrio. Tudo tornou-se incerto e desestruturado novamente, e a Segunda Guerra Mundial, claramente acentuou tudo isso. O advento da bomba atémica deu grande impulso aos estudos sobre as iltimas coisas. Todo o mundo hoje sente que a totalidade da vida é completamente incerta, de modo que as pessoas passaram a perguntar outra vez: que é isso? E como terminar4? Que é morte? Nao parece haver muita esperanca neste mundo — haveria mais esperanca no proximo? Existiria um mundo vindouro? A questio toda vem novamente 4 tona. Cabe-nos, pois, conhecer o ensino biblico acerca dessas questées a fim de podermos responder as perguntas das pessoas, ¢ nesse tempo de inseguranca ajudé-las a conhecerem exatamente o que a Biblia diz. Com efeito, no tempo 79 presente, este tema constitui indubitavelmente um dos meios mais frutiferos de evangelismo. _ Antes de tudo, focalizemos este problema do Angulo pessoal, individual. Creio ser essa a ordem natural. As pessoas comegam consigo mesmas e dizem: “Aqui estou. O que vai acontecer comigo? Minha vida esté cheia de incerteza; ent4o, o que vai sobrar para mim? Antes de comegar a pensar no que esta para acontecer ao mundo todo, qual éa verdade em relagio a mim?” E isso nos pée imediatamente face a face com a questéo da morte e com o ensino biblico acerca da morte. Nao é extraordinério como as pessoas detestam e evitam este tema? E muito natural, sem duvida, no caso dos incrédulos, porquanto nao tém nenhuma esperanga com respeito A morte, mas é espantoso que cristéos também tendam a evitar o assunto da morte. O que a Biblia nos diz sobre a morte? A primeira coisa € esta: a morte no é mera cessag4o de existéncia. O conceito comum defendido pelo mundo é que a morte € apenas o fim da-vida. Morte significa, dizem, cessag&o de existéncia. Uma pessoa existe; ela morre; ela deixa de existir e esse é o fim de tudo. Esse, porém, nao é de forma alguma 0 conceito biblico! Na verdade, 0 ensino biblico € precisamente 0 oposto, como tentarei mostrar-lhes. Os escritores biblicos anelam asseverar e enfatizar que a morte ndo significa cessagao de existéncia. Morte, segundo a Biblia, é simplesmente a separacdo entre a alma e o corpo fisico. Aqui estamos vivendo esta vida, e a alma e 0 corpo estéo intima-mente conectados; séo uma unidade. Minha alma age em e através do meu corpo. Quando eu morrer, minha alma deixaré 0 corpo. Meu corpo ser4 ainda deixado aqui neste mundo; minha alma continuard. E assim a morte €a separacéo entre a alma e 0 corpo, mas de forma alguma significa a cessagao de existéncia. Ora, eu poderia apresentar-lhes muitos textos. Dois muito importantes encerram toda a questao. O primeiro é Lucas 12:4,5. Aqui nosso Senhor diz aos discipulos: “Digo-vos, amigos meus: nao temais os que matam o corpo, e depois disso nada mais 80 podem fazer. Mas eu vos mostrarei a quem é que deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para langar no inferno; sim, vos digo, a esse temei”. Ou, como lemos na passagem paralela, Mateus 10:28: “temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo”. Existem certas pessoas que podem destruir 0 corpo. Nosso Senhor diz que nao devemos temé-las. Devemos temer, sim, Aquele que pode destruir tanto a alma como o corpo, E 0 ensino do nosso Senhor em Lucas, capitulo 16, sobre Lazaro e 0 rico obviamente ensina a mesma coisa. O rico morre; o pobre, Lazaro, o mendigo junto a sua porta, também morre. Ambos deixam seus corpos para tr4s; suas almas, porém, estéo 14, existindo naquela outra esfera: é a separag4o entre a alma e o corpo. Essa é a definicao biblica fundamental da morte. E assim, a proxima pergunta é esta: por que morremos? Por que existe inevitavelmente essa coisa chamada morte? Aqui, o ponto de vista popular, o ponto de vista filoséfico, é que a morte é inerente a vida, que a morte é uma parte do processo da vida. A vida vem a existéncia: ha um comego, uma germinacao. E isso € seguido de um processo: a vida se desenvolve, desabrocha, amadurece, alcanca sua plena maturidade, e entéo comeca a decair. Por qué? E porque a vida se destina a avangar até certo ponto, mas nao além disso, e quando atinge seu topo, ela comega a descer 0 outro lado da colina. Portanto, o conceito consiste em que, quando a vida foi constituida, ela trouxe em seu seio 0 germe, a semente, da morte. Isso, todavia, uma vez mais esté longe de ser 0 ensino biblico. De acordo com a Biblia, a morte n&o faz parte da vida, nado é algo inerente a ela, e sim, é o castigo devido ao pecado. Foi introduzida por causa do pecado. Descobriremos isso em Génesis 2:17: “porque no dia em que dela comeres, certamente morrer4s” — ou, “morrendo, morrerds”. Jé analisamos isso no inicio destas prelegdes (ver volume 1, Deus 0 Pai, Deus o Filho). Achamos exatamente 0 mesmo ensino em Génesis 3:19. E o achamos no Novo Testamento, em Romanos, capitulo 5, onde o apdéstolo Paulo mostra como a morte entrou 81 em virtude do pecado de Addo: “Portanto, assim como por um s6 homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram” (v. 12). Vejam vocés que a morte veio através do pecado. Ha outra declaragéo muito importante do mesmo ensino na Epistola de Tiago: “Cada um, porém, é tentado, quando atraido e engodado pela sua propria concupiscéncia; ent&éo a concupis- céncia, havendo concebido, dé 4 luz o pecado; e 0 pecado, sendo consumado, gera a morte” (Tiago 1:14,15). Portanto, o ensino biblico é que a morte foi introduzida como castigo de Deus por causa do pecado. Nao existia a morte até que o homem pecou, e jamais existiria a morte se o homem nio tivesse pecado. Eis aqui um principio biblico vital, e ele contraria totalmente a popular filosofia moderna que domina o ensino da vasta maioria das pessoas. JA vimos, pois, que morremos como resultado do pecado, e ja vimos o que morte significa. Neste ponto, porém, muitas pessoas se encontram em dificuldade. Elas dizem: “Tudo bem, eu aceito isso, mas o problema que trago comigo ainda é este: “Por que um cristéo, um crente no Senhor Jesus Cristo, tem de morrer?” Diz ainda tal pessoa: “Admito que a morte era 0 castigo pelo pecado, mas, afinal, se j4 cri no Senhor Jesus Cristo, meus pecados estéo perdoados. Estou justificado. Estou reconciliado com Deus. “Agora, pois, j4 nenhuma condenagao hd para os que esto em Cristo Jesus.” (Romanos 8:1). Por que, pois, um cristao tem de morrer?” Ora, essa € uma questéo muitissimo interessante e importante, e ha para ela certa subdivisio. Muitas pessoas argumentam exatamente da mesma forma, dizendo que 0 cristéo nao deveria jamais adoecer, porque a morte de Cristo na cruz tratou de todas as conseqiiéncias do pecado. Esse mesmo argumento tornou-se a base dos movimentos populares e modernos da “cura pela fé” — bem como das seitas. Os que créem nisso afirmam que o cristao jamais deveria adoecer, porque a cura é uma parte da expiagao, e citam Mateus 8:17, que é, por 82 sua vez, uma citagao de Isaias 53:4, a qual declara que Cristo levou sobre Si nossas enfermidades. Dizem que, quando Cristo morreu na cruz, Ele cancelou todas as conseqiiéncias do pecado. Portanto, é importante que retenhamos juntas essas duas idéias, porque é indubitavelmente certo que a morte, nesse aspecto, nao foi atingida na expiagao. Com respeito 4 morte fisica, 0 verdadeiro crente tem de morrer, tanto quanto o incrédulo. Estamos aguardando “a redengdo do corpo”, significando que aguardamos que 0 corpo seja libertado da morte, do pecado e da enfermidade. Todos fazem parte da mesma categoria — séo mortais. Aprouve a Deus permitir que a enfermidade persista, que a morte persista e que o pecado persista, mesmo no cristéo. Ele poderia ter-nos tornado imediatamente perfeitos, caso tivesse decidido pro- ceder assim. Poderia ter abolido a morte e toda enfermidade imediatamente, mas Ele n4o decidiu agir assim. O ensino das Escrituras é perfeitamente claro nesses aspectos, e dizer que a expiacao ja tratou de todas as conseqiiéncias do pecado, sem restrigao alguma, é mal entender a expiagdo tanto com respeito a4 enfermidade quanto a morte. A expiacdo fez isso por alguns de imediato. Por fim, ela faré isso por todos os remidos. Portanto, parece claro que os cristéos permanecem ainda sujeitos ao sofrimento, 4 doenca e a morte, como parte do processo de sua santificagao. Eles fazem parte do castigo divino ~ver Hebreus 12:3-13 - para que 0 cristéo diga hoje, como disse o salmista no Salmo 119: “Foi-me bom ter sido afligido”, e “Antes de ser afligido, eu me extraviava” (vv. 71 e 67). Hé também aquele ensino em | Corintios, capitulo 11, relativo 4 Ceia do Senhor, 4 qual nos referimos na prelegdo anterior, que devido algumas pessoas nao se examinarem elas tornaram fracas e doentes. A doenga faz parte do processo de disciplina divina. Nao significa que toda vez que adoecemos estamos necessariamente sendo castigados pelo pecado. Mas € possivel que esse seja 0 caso. Nao h4 a menor sombra de diivida de que a morte, assim como a doenga, é um dos meios que Deus utiliza para santificar- -nos. Constantemente o medo da morte tem sido uma béng&o 83 para o povo cristéo. Tem havido cristéos que, arrebatados pelo sucesso neste mundo, comegaram a desviar-se, esquecendo-se de Deus e do seu relacionamento com Ele. Mas, subitamente foram assaltados pela enfermidade ou viram alguém morrendo, e isso os fez lembrar da morte e os fez retroceder, e Deus os livrou de seus desvios. Parece-me que Deus decidiu usar a enfermidade e a morte da mesma forma que Ele usou as nacdes que deixou ficar na terra de Canad com 0 intuito de aperfeigoar os filhos de Israel, quando os fez sair do cativeiro egipcio. Mas, apresso-me a acrescentar que, embora 0s cristaos estejam ainda sujeitos 4 morte, sua visdéo da morte deve ser inteiramente diferente da visdo que tém os incrédulos. Por qué? Por causa do que eles sabem. Por exemplo, vocés podem ver isso naquela grande afirmagio de 1 Corintios 15:55. Cada um de nés deve ser capaz de olhar na face da morte e dizer: “Onde esta, 6 morte, a tua vitoria? Onde est4, 6 morte, 0 teu aguilhio?” Em Cristo, sabemos que “o aguilhao da morte é 0 pecado; e a forca do pecado éa lei. Gragas a Deus, porém, que nos dé a vitéria por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 56). Isso néo quer dizer que falamos da morte de forma displicente, vaga e desrespeitosa; significa, sim, que sabemos que seu aguilhdo ja foi arrancado pela morte expiatéria de Cristo e pela satisfagéo que Ele deu & lei. Sabemos também que 0 ensino do apéstolo Paulo sobre a morte € que ela é “lucro”: “Tendo desejo de partir eestar com Cristo”, diz ele, “ que é muito melhor” (Fil. 1:21-23), enquanto Apocalipse 14:13 nos diz: “Bem-aventurados 0s mortos que desde agora morrem no Senhor”. Portanto, até aqui estivemos analisando a questio da morte propriamente dita, e ponderamos sobre por que 0 cristo tem que morrer. A préxima questo que se segue é esta: 0 que sucede ap6s a morte? E aqui nos pomos face a face com a idéia da imortalidade. Isso tem com freqiiéncia provocado calorosa controvérsia. Seria a alma humana imortal? Ela possui ou néo imortalidade inerente, essencial? Grandes volumes tém sido escritos sobre esse tema; mas, geralmente o maior nimero de suas paginas sio dedicadas a uma discussao filoséfica do tema, 84 e nao creio que seja parte da minha tarefa enfadd-los com isso. Comegamos dizendo com muita franqueza que a Biblia nao usa 0 termo “imortalidade”; ela nado faz nenhuma afirmacao explicita de que a alma humana é imortal. Mas, embora nao exista qualquer afirmac&o explicita, sugiro-lhes que ninguém consegue ler-a Biblia de uma maneira imparcial sem receber a impressao de que ela por toda parte pressup6e que a alma humana é imortal. Por exemplo, se ninguém nunca lhe dissesse que a imortalidade da alma é duvidosa, entao jamais se despertaria qualquer divida em sua mente, ao ler a Biblia. Mas, primeiramente permitam-me alinhar os argumentos contra a crenca na imortalidade da alma. Existe em 1 Timéteo 6:16 uma declaragéo de que Deus é “o tinico que possui a imortalidade”. Portanto se diz: “Ora, se existe alguma coisa clara, ei-la af. Ai est4 uma afirmac4o especifica do fato de que unicamente Deus é imortal”. Ora, a resposta € que tal afirmagdo é perfeitamente procedente. Deus é 0 tinico que possui a imortalidade em e por Si mesmo. Mas 0 fato de que tal coisa € verdadeira sé no tocante a Deus nao significa que Ele ndo tenha decidido conceder tal dom a homens e mulheres. Ninguém reivindicaria que, em si e por si mesmo, é inerentemente imortal ou pode, sem duvida, conquistar a imortalidade. A resposta, porém, daqueles que, como nés, aceitam a imortalidade da alma € que Deus em Sua infinita sabedoria, condescendeu em dotar a alma humana com o dom da imortalidade. Ele nao tinha que fazer isso, mas Ele quis fazé-lo. Portanto podemos dizer que Deus € 0 nico que possui a imortalidade em Si e por Si mesmo como direito Seu e possesséo Sua, todavia quis concedé-la As almas de homens e mulheres como uma dadiva. Analisemos, porém, outros argumentos. Diz-se que, quando lemos o Velho Testamento, nao nos deparamos com a sugestio e com o ensino de que a alma humana seja imortal. Tudo parece indefinido; tudo parece envolto em sombras. O autor do livro de Eclesiastes o expressa: “porque é melhor 0 cao vivo do que 0 ledo morto” (9:4), como se dissesse, quando morremos, é 0 fim, 85 chegamos 4 reta final. Diz-se que o Velho Testamento parece indicar que a morte é precisamente o fim. Ora, a resposta que se dé a esse argumento € que existe nas Escrituras uma espécie de revelacao progressiva, e que as idéias sao muito mais claras e mais completas, por exemplo, no Novo Testamento do que no Velho Testamento. A medida que vamos examinando as Escrituras, descobrimos uma espécie de desen- volvimento de doutrina. As coisas vdo se aclarando, vao se tornando cada vez mais nitidas, e entéo mais nitidas, e por fim absolutamente nitidas. Alias, as Escrituras nos dizem que é tao- -somente o Senhor Jesus Cristo, através de Sua ressurreigéo, que “trouxe 4 luz a vida e a imortalidade pelo evangelho” (2 Tim. 1:10). Mas estavam ali antes; essas sugestGes estavam ali; todos esses delineamentos estavam ali. Cristo trouxe a vida ea imortalidade 4 plena luz do dia. Mas quando dizemos isso, no devemos concluir que nao existia nada antes. Existia, sim, mas era incipiente, incompleto. Era mera sugestdo e, portanto, existia um desenvolvimento no ensino do Velho Testamento. Por exemplo, o Velho Testamento declara com muita clareza que existe um lugar chamado Sheol, um estado para onde os mortos vao. O Velho Testamento ensina que a morte nao é 0 fim, senao que os mortos continuam vivos, e que todas as pessoas, quer boas ou mas, descem juntas ao Sheol ou — fazendo uso do termo grego — ao Hades. Nao sé isso, mas certas afirmacées especificas do Velho Testamento ensinam a imortalidade da alma. Os versiculos 10 e 11 do Salmo 16 dizem: “Pois nao deixar4s a minha alma no Seol, nem permitirds que o teu santo veja corrupgdo. Tu me fards conhecer a vereda da vida; na tua presenga ha plenitude de alegria; 4 tua mao direita ha delicias perpetuamente.” E se avangarmos para o préximo Salmo, novamente descobrimos a imortalidade expressa muito claramente no versiculo 15: “Quanto a mim, em retidéo contemplarei a tua face; eu me satisfarei com a tua semelhanga quando acordar”. E impossivel que tenhamos algo ainda mais forte e mais explicito do que isso. Os Salmos 16 e 17 so de muitissima importdncia neste 86 aspecto, e essa é a raz4o por que s&o citados repetidas vezes no proprio Novo Testamento. No livro de J6, este declara: “Pois eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantara sobre a terra. E depois de consumida esta minha pele, entaéo fora da minha carne verei a Deus” (19:25,26). E existe uma afirmag4o muito forte da crenga na imortalidade no Salmo 73, onde o salmista diz que sua esperanga esté em Deus, que nao possui ninguém na terra senaéo Deus, e ainda diz: “Tu me guias com o teu conselho, e depois me receberas em gléria” (v. 24). Ai esté. E ha muitos outros versiculos. Se percorrerem 0 Velho Testamento e destacarem esses versiculos, entéo descobrirao que a evidéncia é muito poderosa. Muitos livros tém sido escritos, os quais coletam toda essa evidéncia, sendo um dos melhores The Immortality of the Soul (A Imortalidade da Alma), escrito por um homem chamado Salmond. Além de toda essa evidéncia, h4 mais um elemento de evidéncia que sempre me pareceu ser muito importante. Ea proibig&o que existe no Velho Testamento contra consultar os espiritos familiares. Essa proibigéo é naturalmente uma referéncia 4 assim chamada pitonisa de Endor que, quando consultada por aquele homem tragico, Saul, o primeiro rei de Israel, foi capaz de produzir a presenga do profeta Samuel. Ora, existe uma grande porg&o de ensino veterotestamentario contra aconsulta aos espiritos familiares e contra recorrer ao espiritismo ou espiritualismo, e tal proibigéo é em si mesma um poderoso argumento a favor da imortalidade da alma. Se os espiritos de homens e mulheres nao persistissem apés a morte do corpo, nao haveria necessidade alguma para tal proibigao. Finalmente, pois, acheguemo-nos ao ensino neotesta- mentério, o qual € muitissimo notavel. Existe aquela afirmagao em Lucas 12:4,5, a qual ja lhes citei, ou seja, que devemos temer Aquele que nao s6 pode destruir 0 corpo mas que pode também langar a alma no inferno, sugerindo que, ainda que o corpo seja destruido neste mundo, o espirito permanece. E ent&o existe a evidéncia produzida pelo evento que se deu no Monte da 87 Transfiguragao, quando Moisés e Elias apareceram e se puseram a conversar com nosso Senhor. Isso demonstra que Moisés e Elias permanecem ainda em existéncia (Mat. 17:1-8). Observemos ainda 0 uso que o nosso Senhor fez da declaracgéo: “Eu sou o Deus de Abraao, e o Deus de Isaque, eo Deus de Jac6” (Mat. 22:32). Ele estava sendo questionado por um homem inteligente que tentava confundi-lO com respeito a questdo da imortalidade da alma, a continuagdo da vida apés a morte. Quando a questéo maliciosa Lhe foi apresentada, essa foi Sua resposta, e Ele prosseguiu: “Ora, ele nao é Deus de mortos, mas de vivos”. Noutros termos, 0 argumento de nosso Senhor consistia em que Abraao, Isaque e Jacé estavam ainda vivos, e que Deus continuava ainda sendo o seu Deus. Em seguida, olhemos novamente o relato do rico e Lazaro, em Lucas, capitulo 16. Lazaro est4 14 no seio de Abraao. O rico também esta 14: ele esté morto, sim, mas permanece ainda ativo; est4 consciente; esté vendo; est4 preocupado. A morte nao é 0 fim. Eis uma evidéncia muito definida e especifica de que a alma continua depois da morte. 88 7 IMORTALIDADE CONDICIONAL ou SEGUNDA CHANCE? Ja descobrimos nas Escrituras que a alma continua depois da morte. Temos também nas Escrituras ensino sobre a ressur- reigdo. Portanto, eis a proxima pergunta: o que ocorre entre a morte e a ressurreigéo? Isto é o que se chama a doutrina do estado intermedidrio. Qual € nossa condigdo entre a morte neste mundo e a ressurreicéo vindoura? Muito se tem escrito e discutido sobre isso, portanto permitam-me tentar tratar da doutrina o mais sucintamente possivel. Nao discutirei 0 ensino catélico-romano com respeito ao purgatério, pela boa razdo de que nao ha evidéncia biblica de sua existéncia. Esta é uma das doutrinas que os catélicos romanos acrescentaram, como tantas outras através dos tempos — como ja vimos. Fora isso, porém, ha certas idéias erréneas com respeito ao estado intermedidrio. Hé quem pense que ele é um tipo de estado vago de existéncia. Na literatura cldssica das antigas Grécia e Roma encontramos a crenga de que a alma continua existindo numa condicdo vaga, indefinida, na qual tudo é nebuloso e indistinto sem qualquer definigdo. Ora, espero mostrar-lhes que tal coisa na verdade esté muito longe de ser o ensino biblico. Outra idéia as vezes ensinada é que, apés a morte, 0 crente eoincrédulo transpdem algum lugar comum chamado Hades ou Sheol, onde ha dois tipos de compartimentos para os mortos. Um é 0 seio de Abraao, e 0 outro, o lugar de sofrimento. Pois bem, poderfamos gastar muito tempo com esse assunto, mas néo julgamos ser isso proveitoso. A confusdo tem surgido com freqiiéncia porque a mesma palavra — Sheol — é usada por uma série de idéias diferentes. As vezes simplesmente significa “sepultura”. Lemos de “descer ao Sheol”, quando o que se acha 89 implicito é “descer 4 sepultura”. Ou as vezes a palavra significa nada mais nada menos que estar no estado de morte. Noutras ocasides 0 contexto indica que “Sheol” se refere ao lugar de castigo. Se vocés olharem detidamente 0 contexto, creio que n4o terao nenhuma dificuldade acerca do significado. Outra idéia, portanto, e talvez a mais importante, é 0 ensino com respeito ao assim chamadosono da alma. Os defensores desse ponto de vista dizem que, quando morremos, entramos num estado de sono, perfodo em que ficamos inconscientes, e que permanecemos nesse estado de inconsciéncia até 4 ressurreicdo. Alega-se que existe evidéncia biblica em apoio dessa afirmagao. Por exemplo, 0 apéstolo Paulo, em 1 Corfntios 15:51, diz: “Nem todos dormiremos”. Seu ensino ali € que alguns estarfio ainda na terra quando nosso Senhor regressar, e seus corpos serao transformados. Esses, diz ele, nao dormirao, inferindo com isso que outros dormirao. O Salmo 115 é também citado em apoio do “sono da alma”. Aqui lemos: “Os mortos nao louvam ao Senhor, nem os que descem ao siléncio” (v. 17). E vocés encontrarao essa afirmagao feita muitas vezes em diferentes formas no Velho Testamento. Mas, propor o “sono da alma” é entender mal as Escrituras, porque a Biblia ensina muito claramente uma existéncia consciente apés a morte e antes da ressurreicao. Eis um principio importante na exposig&o biblica. Jamais devemos elaborar uma doutrina numa afirmagdo isolada, e essa doutrina esta de fato fundamentada nesse versiculo de 1 Corintios, capitulo 15: “Nem todos dormiremos”. Mas é suficientemente claro que o sono ali se refere simplesmente ao fato de que as pessoas nao mais estao vivas. “Sono” € um eufemismo para a morte. Em vez de falar abruptamente, Paulo o expressa em termos de dormir. Como eu disse, ha evidéncia definida de que a alma nao fica inconsciente apés a morte. Primeiro e acima de tudo, voltamos novamente ao incidente que ocorreu no Monte da ‘Transfiguragdo, quando Moisés e Elias conversaram com nosso Senhor. Evidentemente, eles néo se achavam numa espécie de estado inconsciente; nao padeciam esse sono da alma, aguardando 90 a ressurreigéo. Mas existe aquele ensino ainda mais especifico de nosso Senhor na pardbola do rico e Lazaro, em Lucas, capitulo 16. Lazaro e 0 homem rico estéo ambos conscientes, do contrario nao haveria nenhum sentido na parabola, cujo tnico propdsito € mostrar que esse rico nao sé continua existindo, mas esté plenamente consciente do estado de seus irmaos que ainda permanecem vivos na terra. E obviamente Lazaro esta igualmente vivo, de outra forma o rico nao poderia pedir a Abraao que fosse permitido a Lazaro ir até onde ele estava com 0 fim de alivia-lo. Uma afirmagao ainda mais importante de uma existéncia consciente apés a morte se encontra na palavra de nosso Senhor ao penitente na cruz: “Hoje estarés comigo no paraiso” (Luc. 23:43). Isso é vital. E também ha afirmagées que o apéstolo Paulo faz em 2 Corintios, capitulo 5. Atentem para suas palavras: “Temos bom animo, mas desejamos antes estar ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor” (v. 8). Ora, isso indica claramente uma existéncia consciente na presenca do Senhor. Ainda mais notdveis e explicitas, provavelmente, sio aquelas extraordinérias afirmagdes em Filipenses, capitulo 1, onde o apéstolo diz: “Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (v. 21), e “Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” (v. 23). Muito bem, nao se pode argumentar dizendo que é “muito melhor” estar num estado de sono, coma alma em estado de inconsciéncia. Tampouco isso seria “muito melhor” que a comunhao consciente do crente com nosso Senhor neste mundo. Paulo est4 desfrutando de sua presente comunhao: “Porque para mim o viver é Cristo”, diz ele. Viver num estado de inconsciéncia nao pode ser melhor que isso. Ao contrario, Paulo diz que morrer é muito melhor porque significa que ele estaria com Cristo e desfrutaria de Sua presenga face a face. Significaria isso, do contrario 0 argumento de Paulo nao teria valor algum. Igualmente, em Apocalipse 6:9-10 somos informados que as almas dos que haviam sido mortos por perseguigéo se encontram 91 debaixo do altar, pleiteando e orando para que o fim venha e pela vinganga de Deus a ser aplicada sobre seus cruéis opressores. E assim existe abundancia de evidéncias para comprovar que a doutrina do sono da alma apés a morte é totalmente antibiblica. A alma nao esté adormecida. Podemos avangar mais e dizer que tanto 0 crente quanto 0 incrédulo estarao num estado de consciéncia — 0 crente desfrutando de béngao e alegria indiziveis; e o incrédulo, de um estado de miséria. Precisamos agora prosseguir para um ensino que esta crescendo em popularidade e freqiientemente atribula as pessoas. Chama-se imortalidade condicional ou aniguilacionisma, isto é, a crenga de que as almas dos incrédulos seraéo completamente destruidas e elas deixardo de existir, totalmente. O ensino é mais ou menos o seguinte: o homem n4o é naturalmente imortal, porém € mortal, e o dom da vida eterna, que é interpretado em parte como sendo o dom da imortalidade, é dado aos que créem no Senhor Jesus Cristo. Com respeito aos demais, suas almas deixarao de existir. Ora, os proponentes desse ponto de vista estao em desacordo entre si. Ha diferentes escolas de pensamento. Alguns dizem que as almas dos incrédulos serao destruidas no momento em que morrem. Outros dizem que os incrédulos serao mantidos vivos por uma certa extensao de tempo, e que durante esse tempo sofrerao e serao castigados. Entretanto seu periodo de castigo e sofrimento terd um fim, e que entao sero finalmente destruidos, simplesmente deixando de existir definitivamente e para sempre. Que argumento tais pessoas tém para essa idéia? Bem, gostam de citar aquela afirmagdo a que me referi na prelecio anterior: Deus é 0 “tinico que possui a imortalidade” (1 Tim. 6:16). Dizem que isso significa 0 que expressa: que Deus é 0 tinico imortal. Mas, como ja indicamos, embora devamos aceitar e concordar com isso, necessariamente n4o obsta o fato de que Deus concedeuo dom da imortalidade a todos os homens e mulheres, A imortalidade, afirma-se, é referida nas Escrituras como um dom — “Porque 0 salario do pecado é a morte; mas o dom de Deus é a vida eterna por Cristo Jesus nosso 92 Senhor”, diz Paulo em Romanos 6:23. Mas o argumento primario em prol da imortalidade condicional se centraliza em termos como “destruicaio”, “perecimento” e “morte”. Ora, afirma-se, destruigao significa realmente destruigao, e € inconceb{vel que algo continue sendo destruido interminavelmente. Destruicdo significa completa desintegragao, o fim de alguma coisa. “Perecimento” e “morte” igualmente devem significar 0 fim de existéncia. Por isso, se vocés citarem 2 Tessalonicenses 1:9, que fala de “eterna destruigdo”, sao informados que tal coisa é impossivel. O que dizer sobre esse ensino? Bem, sugiro-lhes que 0 sentido e ensino geral das Escrituras séo absolutamente contra ele. Se vocés fossem iniciar com o primeiro versiculo de Génesis e percorressem toda a Biblia, vocés jamais receberiam a impressao (nem mesmo entraria em suas mentes) que nenhuma outra coisa é ensinada nas Escrituras senao que o mundo é dividido entre aqueles que sao crist&éos e aqueles que n4o sao; entre aqueles que pertencem a Deus e aqueles que nao Lhe pertencem, e aqueles que Lhe pertencem desfrutarao de eterna bem-aventuranga, e os que nado Lhe pertencem sofrerao eterno castigo e destruicaéo. E preciso que sejamos muito cuidadosos para nao chegarmos a qualquer conclusao que esteja em oposicao ao teor e sentido gerais do ensino biblico, e diria que 0 ensino das Escrituras como um todo nao 86 nao pressup6e, mas € positivamente contrario 4 teoria do aniquilacionismo. Aqui as Escrituras estaéo em harmonia com 0 que podemos descrever como sendo 0 instinto comum da raga humana, ou seja, de crer que depois da morte a alma continua viva, e viva para sempre. Permitam-me extrair das Escrituras uma ilustragio. Lemos em Hebreus 2:14,15: “Portanto, visto como os filhos sdo participantes comuns de carne e sangue, também ele semelhantemente participou das mesmas coisas, para que pela morte derrotasse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo; ¢ livrasse todos aqueles que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos 4 escravidao”. Toda a raga humana tem medo da morte, ¢ esse medo € devido ao castigo 93 que sobrevird ao pecado depois da morte. Crenca num Deus supremo é um instinto que todas as pessoas tém em comum. Todos quantos nascem neste mundo possuem esse instinto. De igual maneira, existe um instinto na natureza humana de que a morte deve ser temida. Por qué? Nao devido ela significar extingao e aniquilamento — muitas pessoas ficariam realmente muito felizes em crer que essa é a verdade. Diriam: “Nao importa, pois, o que fizermos neste mundo, porque quando morrermos esse seré 0 fim de tudo. Nao, os homens ¢ as mulheres estéo com medo da morte porque possuem uma convicgao inata de que existe juizo depois da morte, como as Escrituras ensinam, e de que existe sofrimento e castigo que durarao para todo o sempre. Vivem cativos por causa do medo da morte. No entanto, ha outros argumentos que séo ainda mais poderosos. Tomem a palavra “eterno”. Destruicao eterna, destrui- cdo interminavel: eis os termos biblicos. Ora, é perfeitamente verdadeiro que As vezes a palavra “eterno” tem referéncia sé a uma €poca, e os que créem na imortalidade condicional ficam muito satisfeitos em dizer que 0 castigo “eterno” apenas significa certa medida de tempo. Deixem-me, porém, lembrar-lhes de que essa mesma palavra “eterno” é usada para a existéncia de Deus 0 Pai, Deus 0 Filho e Deus 0 Espirito Santo: 0 Pai eterno, o Filho eterno, o Espirito eterno. E nesse caso, obviamente, ha 0 sentido de infindavel, interminavel, A mesma palavra “eterno” é também sempre usada nos paralelos e contrastes que sao extraidos das Escrituras entre os crentes e os incrédulos. Eles enfrentam ou a vida eterna ou a destruicéo eterna. Provavelmente, o melhor exemplo desse fato €0 tltimo versiculo de Mateus, capitulo 25: “E irao estes para o castigo eterno, mas os justos, para a vida eterna” (v. 46). O contraste entre os injustos e os justos € 0 contraste entre castigo eterno e vida eterna. E se eterno em relagao ao castigo significa apenas certo tempo e ent&o a exting4o, por que o eterno nao significaria a mesma coisa quando se descreve os justos ea vida que herdaréo? Nao ha excegao nisso. Nas Escrituras, 94 os destinos dos crentes e dos incrédulos sao constantemente contrastados dessa forma, e cada vez a mesma palavra é exatamente usada em ambos os casos — eterno de um lado e eterno do outro. Portanto, se nao existe tal coisa como destruicao eterna, entéo também no existe tal coisa como vida eterna, e tudo o que é prometido ao crente sé durara por certo tempo, e entdo chegar4 a um fim. Os melhores estudiosos do grego concordam em dizer que nenhuma palavra no idioma grego expressa tio fortemente o sentido de duragao intermindvel como esta palavra especffica que é usada em relagdo tanto 4 destruigéo quanto a vida. Com toda certeza, nada poderia ser mais claro do que isso! Mas se vocés quiserem algo mais, entao é sé lerem Judas, versiculo 6 onde nos é dito que determinados anjos foram reservados “em cadeias eternas”. E somos informados em Apocalipse 21:8 que os incrédulos serao Jangados no mesmo lugar que os anjos caidos € participaréo do mesmo destino deles. Finalmente, e talvez 0 mais convincente de tudo, é 0 fato de ser o proprio Senhor Jesus Cristo que fala do “fogo que nunca se apagara” (Mar. 9:43-48). Que poderia ser mais forte que isso? “O fogo que nunca se apagara”: nunca terminaré. Mas se todos os que se opdem a Deus vao ser destrufdos, entéo vocés ndo precisam de um fogo que nunca se apagard, porque viré um tempo em que o fogo nao mais ser4 necessario, ¢ portanto se apagara. E também nosso Senhor que, na mesma passagem, diz: “seu verme nao morre”, sugerindo uma eterna existéncia num estado de punicgio. Posso entender bem os que examinam as Escrituras com grande diligéncia a fim de chegar a esse ensino sobre o aniquilamento, porém nao devemos basear doutrinas em nossos sentimentos. Ha pessoas que dizem: “Nao posso conceber 0 amor de Deus fazendo algo assim”. Talvez nao possam, mas nossa fé nao deve basear-se no que vocés e eu podemos conceber, mas no que lemos nas Escrituras. Somos nao apenas finitos, somos pecaminosos. Vocés e eu somos incapazes de avaliar verdadeiramente o amor de Deus. Nossas mentes nao sao 95 suficientemente grandes; nao sao suficientemente honestas; nao sdo suficientemente lticidas; n&o sao suficientemente puras. E argumentar em termos do que vocés pensam que o amor de Deus deve ser nao é apenas totalmente antibiblico, mas coloca vocés na posi¢ao do incrédulo, porque é precisamente isso que ele faz acerca da expiacao e acerca de quase todas as demais doutrinas de nossa gloriosa salvacao. Ele nao a vé, nao a entende, portanto n4o cré nela. Sejamos muito cuidadosos para que nao nos nivelemos com os incrédulos nem argumentemos como os filésofos, em vez de procedermos como os que submetem suas mentes ao ensino das Escrituras. O préximo tema é a questao de uma segunda oportunidade. Haveria, além da morte, outra oportunidade para a salvagdo? Estaria nosso fim ou destino eterno decidido neste mundo ou haveria outra apresentagao do evangelho além da morte e da sepultura? Aqui, uma vez mais, est4 uma doutrina que foi ensinada especialmente durante os tiltimos cem anos e tem sido popular em determinados circulos. Existem os que créem que se dara outra chance, outra oportunidade, aos que tém morrido na incredulidade. Sobre o qué baseiam essa teoria? Uma vez mais, seu principal argumento, em geral, se baseia em sua idéia do amor de Deus. Nao conseguem conceber um Deus amoravel agindo assim. H4 os que forcam esse argumento, a ponto de dizerem que finalmente todos serao salvos. O Senhor é nossa esperanca. Até mesmo 0 diabo, dizem eles, sera salvo. Nao haver4 tal coisa como alguém permanecendo rebelde contra Deus. Os defensores desse ponto de vista também alegam que sdo apoiados por dois textos biblicos. O primeiro é 1 Pedro 3:18-20: “Porque também Cristo morreu uma sé vez pelos pecados, 0 justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espirito; no qual também foi, ¢ pregou aos esptritos em prisdo; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas, isto é, oito almas se salvaram através da agua”. O segundo é 1 Pedro 4:6: “Pois é por isto que foi pregado o evangelho até aos mortos, para 96 que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espirito”. Ora, essas sao as tinicas duas passagens biblicas que sao evocadas em apoio desse ensino, portanto é preciso enfrentéd-las e explica-las. Tomemos, em primeiro lugar, 1 Pedro 3:18-20. O que ensinam esses versiculos? Ha quem tenha tentado evitar essa dificuldade dizendo que o Senhor Jesus Cristo foi em espirito pregar o evangelho as pessoas dos primeiros anos da Igreja Crist através dos apéstolos. Mas tal coisa é totalmente impossivel, porque a énfase est posta nao nos apéstolos pregando, mas Cristo no Espirito. Cristo foi morto na carne, mas vivificado pelo Espirito, por meio de Quem também foi e pregou. Realmente a parte disso, essa explicagéo nao justifica por que se usa esse termo acerca dos espiritos “em priséo”,e menos ainda ela explica a referéncia aos homens do tempo de Noé e do diltivio. Por isso podemos abandonar isso completamente. Outra explicagaéo é que nosso Senhor Jesus Cristo, depois de Sua morte e sepultamento, e antes de Sua ressurreigaéo dentre os mortos, foi aos espiritos no Hades e proclamou juizo sobre os mortos impenitentes. Diz-se que Ele desceu ao inferno e ali proclamou juizo sobre todos — aqueles dos tempos veterotesta- mentérios e aqueles dos tempos neotestamentarios que haviam rejeitado a Deus e Sua grandiosa salvagao. Mas, se essa passagem significa isso, por que entao a referéncia aos homens dos dias de Noé? Eles nio foram piores que os pecadores das geracées subseqiientes, mas a referéncia é especificamente aos do tempo do dilivio. Portanto, essa explicagéo precisa ser descartada também. Entao, uma terceira explicagdo diz que esses versiculos ensinam que entre Sua morte e ressurreicéo o Senhor Jesus foi ao lugar no qual os mortos permanecem e ali pregou o evangelho aos justos da dispensacdo veterotestamentaria que haviam morrido. Significa que Ele pregou aos que haviam servido a Deus de acordo com a luz que possuiam e vivido segundo a lei: pessoas como 0 pai e a mae de Joao Batista e outras que sao descritas como pessoas justas. Esse ponto de vista diz que Ele foi a eles e 97 disse: “Vocés creram em Deus, e por isso estou agora pregando- -lhes o evangelho. Estou aqui para contar-lhes o que fiz por vocés”. E com isso Ele completa a salvagdo deles. Mas, indubitavelmente, uma vez mais tal coisa é totalmente impossivel. Como € possivel tais pessoas serem descritas como “espiritos em prisdo”? Nao existe nada que insinue que os justos do Velho Testamento que haviam morrido possam ser descritos como que subsistindo numa espécie de casa de detengao. Absolutamente, nao! Como ja Ihes mostrei, Moisés e Elias nitidamente no viviam em tal condigdo. E, além disso, por que a extraordin4ria referéncia ao povo dos dias de Noé, se as palavras seriam explicadas simplesmente como pregagéo do evangelho aos justos que haviam morrido? Nao, essa explicagao, a meu ver, deve ser igualmente excluida. Entio, existem os que dao mais um passo e dizem que, quando nosso Senhor desceu ao Hades entre Sua morte e ressurreicdo, Ele ofereceu o evangelho da graga. Ha uma subdivisao de conceitos aqui. Ha quem diga que Ele ofereceu 0 evangelho a todos no Hades — justos e injustos igualmente. Outros dizem que Ele o ofereceu somente ao povo da geracao de Noé, e isso s6 aos que se arrependeram no Ultimo instante quando veio 0 diltivio. Diz-se que o diltivio veio repentinamente, de modo que nao tiveram tempo de expressar seu arrependimento, mas que em sua tiltima agonia se arrependeram. Nosso Senhor, pois, ofereceu a graca a essas pessoas em virtude de seu arrependimento no tiltimo minuto. Ainda outros dizem que nosso Senhor ofereceu 0 evangelho da graga a todos os que se afogaram nos dias de Noé em virtude da forma repentina de sua morte. A morte deles foi tao repentina que ela realmente no foi totalmente justa para com eles, ¢ portanto lhes foi dado mais esta oportunidade da graga. E ha quem diga que ela é uma oferta que foi feita por Ele, entao, a todos, nao sé as pessoas dos dias de Noé, mas também aquelas de outros tempos. E avangam ainda mais e dizem que o evangelho continuard sendo oferecido a todos igualmente até 0 final do mundo. 98 Portanto, 0 que temos a dizer diante de tudo isso? Novamente, comecamos dizendo que todo o teor do ensino biblico € inteiramente contrario 4 teoria de uma segunda oportunidade. Com certeza, reitero, se lermos a Biblia do principio ao fim, a impressdo que teremos sera que nesta vida e neste mundo o nosso destino eterno sera decidido. Nenhuma pessoa imparcial e destituida de preconceito pode ler a Biblia sem chegar a essa conclusao. Mas a Biblia também a apoia detalhadamente. Retrocedamos novamente ao rico e Lazaro. E nosso Senhor mesmo Quem ensina que hé um abismo fixo, e nao hé como passar de um lugar para 0 outro. Ao rico nao se oferece nenhuma chispa de esperanca. Nada se diz acerca de uma segunda chance. Ao rico é lembrado que ele teve sua oportunidade e a rejeitara. O ensino explicito e especifico de nosso préprio Senhor seguramente deveria ser-nos suficiente. Quao precario é fundamentar uma doutrina e uma teoria sobre uma passagem das Escrituras como essa de Pedro, a luz do ensino perfeitamente claro de nosso proprio Senhor. Nao apenas isso, em Joao 8:21, nosso Senhor fala de pessoas morrendo em seus pecadas, e as trés parabolas em Mateus, capitulo 25, seguramente nos deixam sem a minima sombra de divida. Voltemos, porém, a passagem de Pedro. Que possivel conexao poderia alguma dessas exposiges ter com a intengo ¢ significado dessa passagem? Nada existe na passagem que sugira que entre Sua morte e ressurreigéo nosso Senhor fez coisa alguma, muito menos algo dessa espécie particular. A passagem fala sobre a diferenga entre nosso Senhor na carne e nosso Senhor numa condicéo espiritual. Enquanto Ele esteve aqui no mundo, nosso Senhor viveu numa condigao fisica. Antes de entrar no mundo, e depois de sair do mundo, Ele est numa condicfo espiritual: esse € seguramente o ensino da passagem. Ela diz que Ele morreu segundo a carne, mas que foi “vivificado pelo Espirito”, e somos informados que é depois que foi vivificado que Ele esta no Espirito. Além disso, devemos ter em consideragao as referéncias as pessoas dos dias de Noé e a arca sendo preparada — essa 6 uma 99 parte vital da exposicaéo. Mais importante ainda, porém, € 0 fato de que, na Epistola toda, e particularmente nesta secao, 0 apéstolo Pedro se preocupa claramente em ministrar conforto, forga e encorajamento aos cristaos que estao sofrendo. Esse € 0 contexto, e sinto que todas essas outras exposicdes perderam o rumo por nao terem levado em conta esse contexto. Por isso, a pergunta que formulo é a seguinte: de que maneira esses versiculos fortaleceram os crist4os para suportarem o sofrimento? Que utilidade haveria dizer que 0s que morreram impenitentes nos dias do diltvio iriam ter outra oportunidade de salvagéo? Que auxilio haveria para esses cristéos sofredores dizer que depois da morte haveria uma segunda chance para os incrédulos? E totalmente irrelevante! Portanto, tentemos explicar esses versiculos em seu contexto. Digo que o apéstolo est4 encorajando esses crentes em suas provagées € suas experiéncias de se verem face a face com a morte. Na verdade, ele vai além disso. Ele diz no capitulo 4:7: “Mas j4 est4 proximo o fim de todas as coisas”. Diz ainda no final desse capitulo: “Porque j4 é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus” (v. 17). Chegou o tempo para o julgamento. Deve comegar ali, e: “E se comega por nds, qual ser4 o fim daqueles que desobedecem ao evangelho de Deus?” Pedro percebe claramente que essas pessoas, por assim dizer, estao no fim; estaéo sofrendo perseguicdo, dificuldades e provacées. Vivem numa condicéo de crise. Oencorajamento e a consolagéo que Pedro ministra consiste em ele dizer, com efeito: “Considerai 0 exemplo do préprio Senhor Jesus Cristo. Os homens O mataram ainda segundo a carne, mas esse nao foi o fim: Ele foi vivificado no Espirito. O maximo que os homens podem fazer-lhes é matar a carne. Nao podem atingir o espirito.” Essa é a afirmacao que Pedro faz no versiculo 18. Ora, no versiculo 17, Pedro j4 havia dito: “Porque melhor é sofrerdes fazendo o bem, se a vontade de Deus assim 0 quer, do que fazendo o mal”. E Pedro prossegue: “Porque também Cristo morreu uma s6 vez pelos pecados...”. E prossegue dizendo que Cristo sofreu na carne, mas foi “vivificado pelo Espirito”. 100 Eis, portanto, a primeira coisa. Pedro prossegue argumentando que nosso Senhor est4 ainda fazendo no espirito o que fizera na carne. Ele socorreu os homens quando vivia aqui na carne, encorajando-os e fortalecendo-os. Ressuscitou dos mortos; embora os homens O tivesse matado, Ele continua sendo 0 mesmo, e continua fazendo a mesma coisa. Nao apenas isso, mas sugiro-lhes que Pedro prossegue ensinando que, quando Ele vivia aqui na carne, o Senhor Jesus Cristo advertiu homens e mulheres. Ele os intimou a que se arrepen- dessem, a que fugissem da ira vindoura. Ele os advertiu contra as terriveis conseqiiéncias de nao crerem nEle e de desobede- cerem a Deus. E além de tudo isso, Ele lhes disse que viera com 0 propésito de salvé-los, Essa foi Sua mensagem. “E Ele continua agindo assim”, diz Pedro com efeito. “Sim, Ele nao sé continua agindo assim, Ele o fez outrora. Houve outra ocasido neste mundo em que 0 juizo sobreveio 4 humanidade, quando chegou o fim de todas as coisas. Foi no tempo do diltivio. Essa é a tinica ocasido anterior em que 0 mundo inteiro foi julgado e em que ocorreu uma separacio final.” Ora, vocés percebem por que 0 apéstolo faz referéncia ao tempo de Noé e por que ele nos conta sobre a preparacao da arca? Nao existe nenhum sentido ou significado fora desse contexto de sofrimento. “Retrocedam”, diz Pedro, “e olhem para aquele tempo antigo — 0 que descobrem? Descobrem que Cristo estava entéo pregando ao povo, 0 mesmo que fazia nos dias de Sua carne e continua fazendo agora. Ele usou Noé para construir uma arca como adverténcia ao povo contra o diltivio, e prosseguiu advertindo homens e mulheres por 120 anos (Gén. 6:3). Cristo estava pregando justica, advertindo 0 povo sobre seu destino final, acerca da destruicao que estava chegando, demonstrando- -lhes o que poderiam experimentar se apenas cressem na palavra ¢ entrassem na arca. Mas nao quiseram; rejeitaram-na. Ah, sim, mas os que creram — Noé e sua familia, apenas oito pessoas — entraram na arca; e porque entraram na arca, crendo nEle, suas almas foram salvas e, a despeito do diltvio, viveram.” “E exatamente assim agora”, diz Pedro, “Aquela arca é um 101 quadro do batismo; os que créem em Cristo e s4o batizados nEle entram na arca da salvagéo. Oh, sim, os homens podem destruir-lhes na carne, como destruiram a Cristo na carne. Nao importa. Se vocés estéo em Cristo, seus espfritos estao seguros. Ele ressuscitou e vocés ressuscitarao com Ele. Ele foi morto, mas vive no espirito; e da mesma forma, ainda que matem seus corpos, se vocés estao na arca (a qual o batismo significa), seus espiritos estao absolutamente a salvo, e os homens simplesmente nao podem de forma alguma fazer-lhes mal.” Pedro usa essa mesma expresso: “Ora, quem é que vos fara mal, se fordes zelosos do bem?” (1 Ped. 3:13). Bem, parece-me ser esse 0 ensino aqui. O ponto central é que Cristo triunfou sobre a morte, e por isso, assim como Noé, que Lhe obedeceu antes do diltivio, triunfou sobre o diltivio, também nés podemos triunfar sobre tudo, mesmo a feroz provagdo que poder sobrevir-nos. Estaremos a salvo com Ele porque, embora tenha sido crucificado na carne, Ele est4 vivo em espirito e est4 reinando, e € o Senhor de tudo. Entao, quando chegamos a 1 Pedro 4:6, sugiro que os mesmos argumentos similares sao de igual forga. Essa é uma afirmagio que, na superficie, parece dizer que ha pregacao depois da morte: “Pois é por isto que foi pregado o evangelho até aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espirito”. H4 pessoas que tentam interpretar isso no sentido de que o evangelho foi pregado novamente aos que j4 estavam mortos. Mas, certamente que nao existe absolutamente nada aqui dizendo que o evangelho foi pregado a pessoa alguma depois de sua morte. Nao nos € dito que morreram e que depois o evangelho lhes foi pregado. O que se nos diz é que o evangelho foi pregado a determinadas pessoas, que agora estao mortas, mas que estavam vivas quando ele lhes foi pregado — o que é coisa muito diferente. Deixem-me, porém, expor-lhes o seguinte argumento: Pedro est4 ainda escrevendo 4s mesmas pessoas. Como seria possivel ajudar esses cristéos sofredores, dizendo-lhes que outra oportu- nidade de salvacao sera dada aquelas pessoas que Ihes estéo 102 perseguindo? Isso nao traz conforto algum. E simplesmente irrelevante. Nao contém sentido algum. Nao, 0 apéstolo est4 outra vez dizendo a mesma coisa. “Aquelas pessoas”, diz ele, “aqueles cristéos a quem o evangelho foi pregado e que creram nele, tém certamente sofrido juizo — condenacao — como pessoas segundo a carne. Mas todas elas estéo a salvo. Estéo vivas segundo o espirito. Portanto vocés nao precisam ficar aflitos em referéncia aos seus amados que j4 morreram.” Ai est4 algo que afligiu profundamente essa primeira geragao de cristaos, e o apéstolo Paulo havia tratado da mesma coisa ao escrever aos tessaloni- censes (1 Tess. 4:13-18). Estavam dizendo: “Certamente que estaremos bem quando Cristo voltar, mas o que ser4 daqueles que morreram, o que lhes sucederé?” Havia um sentimento de curiosidade acerca daqueles que haviam morrido, especialmente acerca daqueles que haviam morrido como martires, como se de uma forma ou outra estivessem sendo privados de sua salvacio. Pedro esta tratando da mesma coisa aqui. Diz ele, com efeito: “Vocés nao precisam ficar aflitos sobre aqueles que j4 morreram. Certamente ja sofreram a morte segundo a carne, como se deu com o préprio Cristo; porém, como Ele esta vivo segundo o espirito, assim estéo eles também. Est&éo sob Sua custédia. O evangelho lhes foi pregado, como a vocés agora, pela seguinte razao: se eles cressem em Cristo, nao precisariam de forma alguma temer que fossem mortos fisicamente; saberiam que estavam perfeitamente a salvo, como de fato estéo”. Diz ainda Pedro: “Atentem para o fato de que vocés igualmente estio seguros ¢ certos de sua salvagao”. Portanto, 0 argumento de Pedro prossegue: nao tenham nada a ver com os incrédulos. Nao vivam mais como viviam. E nio apenas isso, nado tenham medo deles. Eles podem destruir seus corpos, mas n4o podem tocar suas almas. Vocés pertencem a esse Cristo a quem eles também mataram, mas cujo espirito nao puderam tocar. Nao tenham nada a ver com eles. “Santifiquem o Senhor Deus em seus coragées e estejam sempre prontos a dar uma resposta a cada pessoa que perguntar-lhes a razao da esperanca que ha em vocés.” E se tiverem que sofrer, que sofram 103 como cristaos, e entaéo tudo estara bem com vocés. Verifiquem sua uniao com Cristo e seu relacionamento com Ele, e entao nenhuma dessas coisas poder atingir-lhes. Portanto, se vocés focalizarem esses dois versiculos na totalidade de seu contexto, se se lembrarem dessa referéncia a Noé, do tempo do diltivio, bem como a preparacao da arca e a énfase que € posta sobre esse fato, entéo com certeza concordarao que a tinica explicagéo adequada e satisfatéria dos dois versiculos € aquela que eu tenho tentado colocar diante de vocés. Noutras palavras, nao existe o minimo vestigio de evidéncia em toda a passagem de que se da a alguém uma segunda oportunidade de salvagéo além da morte e da sepultura. Nao, meus amigos, 0 que faz a pregagao tao vital e urgente é que o destino de todos os homens e mulheres é determinado nesta vida e neste mundo. Lembremo-nos, portanto, que todos nés temos responsabilidade para com homens e mulheres que vivem ao redor de nds. Nao nos confortemos, dizendo: “Teremos uma outra chance depois da morte”. Visto que tratamos com homens e mulheres, devemos crer que sua eterna bem-aventuranga e alegria, ou sua eterna infelicidade e miséria, é decidida neste presente mundo, através de sua aceitagdo ou rejeic¢ao do evangelho da infinita graga de Deus no Senhor Jesus Cristo. “Conhecendo o temor do Senhor, procuramos persuadir os homens” (2 Cor. 5:11). Que Deus nos capacite a agir assim. 104 8 A SEGUNDA VINDA INTRODUCAO GERAL J4 vimos que nas Escrituras se dedica boa parte de tempo e espaco a doutrina das tiltimas coisas, e j4 notamos que o tema se divide naturalmente em dois tépicos principais: primeiro, nosso destino individual; e segundo, o destino do mundo inteiro. Ja consideramos a doutrina concernente ao nosso futuro pessoal, € ainda que nao tenhamos concluido seu exame, ponderamos sobre o ensino biblico concernente 4 morte propriamente dita e ao estado da alma depois da morte. Ora, neste ponto é preciso que voltemos ao aspecto geral da doutrina das Ultimas coisas, porque tudo mais que as Escrituras nos dizem sobre nosso destino pessoal estd intimamente ligado a algo que afeta nao sé a humanidade toda, como também o proprio cosmo. Chegamos, portanto, ao ensino biblico concer- nente 4 segunda vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esse € um tema tremendamente importante. Determinadas pessoas que gostam muito de estatistica se inclinam a analisar a Biblia pelo uso do método estatistico, e alguém chega ao ponto de alegar que um versiculo em trinta, na Biblia, tem uma referéncia a segunda vinda de nosso Senhor. Outra estatistica — estou lhes dando isso simplesmente para mostrar-lhes a importancia do tema — toma as referéncias nas Escrituras as duas vindas de nosso Senhor, e mostra que a proporgao é esta: para cada referéncia 4 primeira vinda de Cristo como 0 recém- -nascido de Belém, h4 oito referéncias 4 Sua segunda vinda, Sua ultima vinda. Em tais estatisticas, creio eu, vemos uma indicagdo da grande importancia deste tema, mas ha também muitas outras coisas que enfatizam sua importancia. Determinados capitulos 105 das Escrituras, por exemplo, Mateus, capitulos 24 25, se ocupam exclusivamente dessa doutrina. Hé quem diga que ambas as Epistolas aos Tessalonicenses foram escritas exclusivamente com 0 intuito de tratar deste tema. Nao concordo totalmente, mas um bom argumento pode ser estabelecido a favor desse ponto de vista. De qualquer modo, a segunda vinda de nosso Senhor é€ 0 tema dominante em ambas essas Epistolas. Ainda mais importante, porém, é o fato de que nosso Senhor pessoalmente a enfatizou e fez referéncia a ela com freqiiéncia. Por exemplo, Mateus, capitulos 24 e 25, aque jd me referi, contém o registro de um discurso proferido por nosso Senhor sobre essa mesma questao e ha afirmagées paralelas em Marcos, capitulo 13 e Lucas, capitulo 21. Nao nos € possivel ler os Evangelhos seth que vejamos isso em adicao a todo o ensinamento que nosso Senhor ministrou ali e noutras partes, e em tudo o que Ele prefigurou sobre Sua morte havia esse ensino sobre Sua segunda vinda. De passagem, deixem-me realgar que, embora tenhamos pontos de vista diferenciados com respeito ao Dr. Albert Schweitzer, sua mais importante contribuigao na esfera teolégica éindubitavelmente aquela concernente a segunda vinda de nosso Senhor. Em fins do século dezenove e inicio do século vinte, a onda teoldgica prevalecente era o modernismo ou liberalismo, e seus expoentes eram pessoas que falavam constantemente sobre “Jesus”, contrastando o “Jesus da hist6ria” com o “Cristo do apéstolo Paulo”. Todo o seu ensino consistia em que o quadro real de Jesus de Nazaré apresentado nos Evangelhos era o de um bom homem, um grande génio religioso. Entéo Albert Schweitzer escreveu um livro que foi traduzido eventualmente para o inglés com 0 titulo: The Quest of the Historical Jesus, e nesse livro ele estabeleceu além de qualquer disputa que, seja o que for que os Evangelhos tenham dito sobre Jesus de Nazaré, eles enfatizam constantemente Seu ensino apocalfptico concernente 4 segunda vinda. E isso nunca foi respondido! Os liberais haviam eliminado o elemento apocaliptico. Diziam que nosso Senhor nada ensinou sendo moralidade e 106 ética, conduta e comportamento. Afirmavam que estavam reconstruindo o Jesus da hist6ria, e O despiram de tudo o que era miraculoso e sobrenatural. Albert Schweitzer, porém, provou que assim sendo ficarfamos com muito pouco. Certamente nio terfamos nada que possa justificar a histéria subseqiiente da Igreja Crista. Ora, nao deduza que estou descrevendo o Dr. Schweitzer como um cristéo evangélico, pois ele esté muito longe de ser isso; mas, de qualquer forma, ele fez aquele excelente trabalho de contra-argumentagao. Como estudante trazendo uma mente cientifica para as Escrituras, ele realmente demoliu o assim chamado “Jesus da historia” liberal, estabelecendo que esse elemento apocaliptico era uma parte essencial do ensino de nosso Senhor. Eu nao teria mencionado isso nao fosse o caso de o Dr. Schweitzer estar agora com oitenta anos e vocés estarem lendo sobre ele nos jornais. Esse é um dos fatos mais importantes sobre ele, e provavelmente nao €é mencionado nos noticiarios. Se formos para Atos dos Apéstolos, encontraremos este tema novamente, comecando exatamente com o primeiro capitulo. Fizeram a nosso Senhor uma pergunta sobre os eventos dos Ultimos dias, a qual Ele respondeu (v. 7). E entao 0 anjo falou aos discipulos quando viram nosso Senhor subindo para os céus, e disse: “Esse Jesus, que dentre vés foi elevado para o céu, ha de vir assim como para 0 céu 0 vistes subir”. Pedro faz referéncia a esse tema em sua pregacio (cf. 3:19-21), como igualmente Paulo faz (cf. Atos 17:31). E quando vamos as Epistolas, descobrimos novamente o regresso de nosso Senhor ensinado por toda parte. No terceiro capitulo de sua Segunda Epistola, Pedro diz de Paulo: “como faz também em todas as suas epistolas, nelas falando acerca destas coisas” — isto é, a vinda do dia do Senhor, a qual Pedro ja havia se referido. Nao hé a menor divida sobre o fato da segunda vinda de nosso Senhor. Esse é 0 testemunho de Pedro; e, certamente, quando lemos as Epistolas de Paulo, descobrimos esta doutrina por toda parte. Ela est4 também em Tiago; est4 nas Epistolas de Joao e no livro do Apocalipse. Nao apenias isso, 0 ensino consiste 107 em que nao se pode oferecer 4 Igreja nenhum conforto mais profundo do que esta doutrina em particular. Ela foi o conforto oferecido aquela primeira gerag4o de cristaéos, vivendo como estavam num mundo dificil e sujeitos a perseguicaéo. Ela tem sustentado os mértires e confessores em todas as épocas da Igreja. E a bendita esperanga; é aquilo para o qué a Igreja esta olhando; e ao mesmo tempo, naturalmente, ela é o maior incentivo ao viver santo. Pedro diz: “Vés, portanto, amados, sabendo isto de antem4o, guardai-vos de que pelo engano dos homens perversos sejais juntamente arrebatados, e descaiais da vossa firmeza” (2 Ped. 3:17). E, 4 luz dessas coisas, ele ja os exortara com as palavras: “Ora, uma vez que todas estas coisas hdo de ser assim dissolvidas, que pessoas nao deveis ser em santidade e piedade, aguardando, e desejando ardentemente a vinda do dia de Deus ...” (vv. 11,12). Notamos, portanto, que as proprias Escrituras enfatizam a importancia da segunda vinda de Cristo. E todavia penso que temos de concordar que esta doutrina, esta verdade, é bastante negligenciada e é certamente nao enfatizada como deveria, e cabe-nos considerar as razées para tal negligéncia. Nao ha divida de que uma das razées é a tendéncia em todos nés para a letargia espiritual. Tendemos a tornar-nos vitimas da vida e das circunstancias. Eis por que essas passagens biblicas esto sempre exortando-nos a rememorar essas coisas, a despertar-nos para que as contemplemos. Somos confrontados por um inimigo que est4 sempre tentando deprimir-nos e manter nossas vidas tao cheias de outras coisas que esquecemos essa bendita esperanga. Por essa razdo esta doutrina tende a se sobressair mais proeminentemente em dias de perseguigdo e sofrimento. Com muita freqiiéncia, € somente quando vemos a vaidade deste mundo que olhamos para aquele glorioso futuro que esta nos aguardando. Outra razdo para a negligéncia desta doutrina é que ha falsos pontos de vista e idéias com respeito ao que ela realmente significa. Quando falamos sobre a segunda vinda de nosso Senhor, o que queremos dizer? Ora, alguns tém ensinado que 108 ela simplesmente significa o fato da morte. Interpretam a maioria das referéncias 4 vinda de nosso Senhor em termos da morte do cristio e de sua partida da vida deste mundo. Citam freqiientemente o capitulo 14 de Joao: “Nao se turbe 0 vosso coragéo; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai ha muitas moradas; se nao fosse assim, eu vo-lo teria dito; vou preparar-vos lugar” (vv. 1,2). Visto ser esta uma referéncia 4 morte, entéo dizem que todas as referéncias 4 vinda de Cristo indicam Sua vinda a buscar-nos na morte. E por isso, sem diivida, que esta grande doutrina é evitada. Outros interpretam a vinda de nosso Senhor em termos do que aconteceu no dia de Pentecoste, quando o Espirito Santo desceu e adentrou a Igreja Crista. Realgam que, antes de Sua morte, nosso Senhor disse a Seus discipulos que Ele desapareceria por algum tempo, mas que viria novamente. Tudo isso é ensinado nos capitulos 14, 15 e 16 do Evangelho de Joao. Em Joo 14:17,18, por exemplo, nosso Senhor diz: “...o Espirito da verdade, o qual o mundo n§o pode receber; porque nao 0 vé nem o conhece; mas vés 0 conheceis, porque ele habita convosco, e estard em vés. Nao vos deixarei 6rfaos; voltarei a vés”. E isso, dizem tais pessoas, obviamente aconteceu no Pentecoste. Esse foi Seu ensino concernente a vinda do Espirito Santo; e Ele veio novamente para a Igreja e para as vidas de Seu povo através do Espirito Santo no dia de Pentecoste. Todas as referéncias ao Espirito Santo, dizem eles, devem ser interpretadas dessa forma ~ €a vinda espiritual de nosso Senhor. E entio, uma terceira idéia, e por sinal muito popular, com respeito a interpretacdo da segunda vinda a descreve e a define exclusivamente em termos da destruigaéo de Jerusalém em 70 d.C. E bem facil entender como essa interpretaciio logrou éxito. Se vocés examinarem Mateus, capitulo 24, e as passagens correspondentes em Marcos, capitulo 13 e Lucas, capitulo 21, entaéo descobrirao referéncias claras tanto 4 destruigaéo de Jerusalém quanto a vinda final de nosso Senhor. E portanto era natural que certas pessoas houvessem dito que a questdo toda, seguramente, é apenas uma referéncia a destruigéo do templo e 109 da cidade de Jerusalém. E dessa forma limitaram a vinda de nosso Senhor exclusivamente ao fim dos judeus como nac4o. Obviamente, os que defendem os dois tiltimos pontos de vista nao prestaraéo muita atengdo a esta grande doutrina, porém a consideraraéo como algo que j4 aconteceu, algo que pertence ao passado, cujo valor vai até onde lhe é possivel, mas que nao é uma doutrina vital para a Igreja. A terceira razao, creio eu, para a negligéncia desta doutrina (pelo menos em parte) se deve a uma espécie de reserva e cautela por parte dos cristaos em virtude do ensino extravagante, do qual tem havido grande quantidade, talvez mais do que com respeito a qualquer outra doutrina. As pessoas tém se tornado interessadas em tempos e €pocas. Tém fixado datas para a vinda de nosso Senhor, ¢ tais datas tém sido precisas (algumas delas) indicando até mesmo a hora. Outras pessoas tém elaborado teorias e multiplicado idéias, e tém se mostrado absolutamente dogmaticas, expressando-se com profunda certeza. Isso tem perdurado durante séculos, e certamente as datas preditas por muitos desses falsos mestres hé muito tempo tém expirado. No entanto nosso Senhor ainda no regressou, ¢ a reagéo natural — quase que inevitavel - na mente de toda pessoa sadia e equilibrada é dizer que devemos ser muito prudentes acerca de tudo isso. Para evitar fantasias e os exageros que tém caracterizado grande parte desse ensino, as pessoas tém afirmado que a coisa mais segura é deix4-la em paz e néo mexer com ela de forma alguma, para que ninguém se envolva e mergulhe em controvérsia. Sem a minima divida, toda a histéria deste tema tem sido muito triste por ter havido dogmatismo onde ele nao é justificado de maneira alguma. Pessoas tém exagerado suas teorias, convertendo-as em fatos, e ainda tém feito de tais pontos de vista o teste de ortodoxia de uma pessoa. Quando isso acontece, ent&o creio que o caso se torna muito sério. H4, por exemplo, trés possiveis pontos de vista com respeito ao milénio. Vocés podem ser pré-milenistas, péds-milenistas ou amilenistas, e descobrirao pessoas igualmente santas — como lhes mostrarei — 110 pertencentes aos trés grupos. Sim, porém ha determinadas sociedades que insistem sobre a necessidade de sermos pré- -milenistas. Ora, esse 0 tipo de coisa a que estou me referindo. Elaborar teorias e fazer delas testes de ortodoxia é indubitavelmente torcer as Escrituras - como Pedro 0 coloca ~ para sua propria destruigdo (2 Ped. 3:16). Onde nao podemos ter certeza, devemos ser prudentes. Devemos pér-nos em guarda em nossa conversagao e em nossa linguagem, e devemos sempre tentar estabelecer o ponto além do qual néo podemos ir com certeza. Por isso creio que, por essas razOes, muitas pessoas tém que admitir que tém lido muito pouco acerca deste tema e conhecido muito pouco sobre ele. Mas, enquanto € certo ser prudente, prudéncia n4o significa evitar totalmente uma coisa. E, provavelmente, seja melhor neste ponto enfatizar que a esséncia da sabedoria é vocés estarem cientes de que sua leitura sobre este tema é€ equilibrada, Comecem com as Escrituras. Entio sigam através desses livros que os ajudarao. E, acima de tudo, leiam ambos ~ ou todos — os lados da questo, porque hd muitos lados, Nao fiquem satisfeitos em ler apenas um lado. Acho trégico as pessoas lerem apenas um lado. As vezes nunca ouviram sobre © outro lado, e se 0 ouviram, no esto dispostas a ponderar sobre ele. Com toda certeza, é erréneo agir assim. Ora, existem varios livros sobre o tema. Muitas pessoas estao lendo aquela edigdo da Biblia conhecida como a “Biblia Schofield”, a qual traz notas de rodapé que tratam muito extensamente da segunda vinda de nosso Senhor. Portanto leiam as notas Schofield, mas nao parem ai. Hé um livrinho que é de facil leitura, o qual, em muitos aspectos deste tema, assume um ponto de vista oposto ao assumido pelas notas Schofield. Seu titulo € The Momentous Event (O Maior de Todos os Acontecimentos), escrito por W. J. Grier. Sugiro que, mesmo que vocés nao queiram continuar, de qualquer forma devem tentar ler esse tanto. Se estdo familiarizados com o ensino de Schofield, entéo equilibrem-no com 0 outro, e aproximem-se das Escrituras tendo lido ambos. Testem o que leram pelas 11 proprias Escrituras. Nada é mais dolo-roso do que uma pessoa dizer: “Isso é 0 que sempre aprendi; € nisso que sempre cri, e nao pretendo comegar pensando em alguma outra coisa”. Isso € realmente erréneo. Quando os santos de Deus de ambos os lados — igualmente santos e igualmente estudiosos — apresentam esses pontos de vista, cabe-nos humildemente, e com mentes abertas, ler suas teorias e test4-las o melhor que pudermos a luz do.nosso discernimento das Escrituras. Mas, permitam-me acrescentar esta palavra de adverténcia: esta prelecao é largamente introdutéria, porém a considero como sendo de muita importancia. Cuidem-se para nao perderem o equilibrio com respeito a esta doutrina. Cuidem-se para nao se tornarem exclusivistas. Existem pessoas que a absorvem como um estudo e se torna para eles quase uma obsessao, de modo que nada mais véem nas Escrituras. Certa vez conheci um homem que, quando o encontrei pela primeira vez, era um estudante de teologia e estava para tornar-se ministro. Sua propria conversao se deu quando o pregador pregava sobre a segunda vinda, e assim ele concluiu que seu dever era pregar sobre esse tema e sobre nada mais. E ele agiu assim até que lhe foi salientado que estava perdendo o equilibrio das Escrituras. Portanto, embora nos seja aconselhavel ler sobre essas coisas, e € nosso dever fazer isso, sejamos prudentes em preservar um equilibrio. Por certo que a necessidade de equilibrio aplica-se nao s6 a doutrina do regresso de nosso Senhor; aplica-se a toda doutrina. Nunca pude entender a mentalidade dos crentes em formar movimentos em conex4o com a santidade ou movimentos em conexaéo com a segunda vinda. Certamente que a verdade das Escrituras é uma sé. Esses sao apenas aspectos e facetas de uma verdade que é um todo. Todas as doutrinas devem ser mantidas juntas. Se comecarem a promover um movimento para pregar sé uma coisa, serao levados, eventualmente, a perder seu equilibrio. A Igreja deve pregar todas as doutrinas sempre e nado se concentrar somente em determinadas coisas. Portanto, tendo focalizado esse ponto, tentemos agora abordar nosso tema. Antes de tudo, devemos focalizar os termos 112 que sao usados com respeito a segunda vinda de nosso Senhor, e existe uma série deles. Um deles € 0 apocalipse. A palavra “apocalipse” significa revelagdo, e essa € a raz4o por que o tiltimo livro da Biblia € chamado por alguns, o Apocalipse; e, por outros, o livro da Revelagéo ou das Revelagées do Senhor Jesus Cristo. “Apocalipse” também significa desvendar, e comunica a idéia de um véu sendo retirado. O que se interpunha entre nos e a plena vista, a visdo, é removido. Outro termo éepifania — falamos da epifania de nosso Senhor ~ e “epifania” significa aparigao ou manifestagéo. Existe aqui uma leve diferenga de significado, vocés observam, entre apocalipse e epifania. No final das contas significam exatamente a mesma coisa, mas enfatizam dois aspectos diferentes. A idéia de apocalipse é que nosso Senhor esté ali, porém um véu também esta ali, e entao o véu é retirado e O avistamos. Epifania, por outro lado, poe a énfase em Sua vinda, em Sua aparigao. O terceiro termo € parousia, o qual significa presenca ~ a presenga do Senhor com Seu povo, que é Sua segunda vinda. E, por certo, Sua presenga inclui tudo o que tem levado a ela. Uma pessoa nao pode estar em sua presenga sem comparecer, e se algo a impede de estar em sua presenca, se ela estiver de um lado do véu e vocés do outro, entdo essa barreira precisa ser removida. Portanto, existem trés termos: revelacéo, comparecimento e presenga. Mas um grande nimero de outros termos é também usado para descrever esse grande evento. Ele é descrito como 0 dia de Deus. Encontramos isso em 2 Pedro 3:12: “Aguardando, e desejando ardentemente a vinda do dia de Deus, em que os céus, em fogo, se dissolverdo, e os elementos, ardendo, se fundirao”. Outro termo, e mais importante, € 0 dia do Senhor (1 Tess. 5:22 Ped. 3:10). Esse evento é também descrito como 0 dia do Senhor Fesus ou o dia de (Fesus) Cristo (2 Tess. 2:2). As vezes a vinda de nosso Senhor é referida simplesmente como o dia. O apéstolo Paulo usa esse termo em 1 Corintios, capitulo 3, onde ele fala acerca de nosso edificio sobre 0 tnico e exclusivo fundamento. Podemos usar madeira, feno e restolho, ou ouro e metais 113 preciosos, e todos serao provados, diz Paulo, pelo fogo. A madeira, ofeno eo restolho serao queimados, mas os outros permanecerao. Paulo escreve: “A obra de cada um se manifestard; pois aquele dia a demonstrar4, porque ser4 revelada no fogo; eo fogo provara qual seja a obra de cada um” (v. 13), Esse “dia” as vezes € também chamado 0 iiltimo dia, o grande dia, 0 dia da ira e 0 dia do juizo. Ora, h4 quem ensine que esses termos nao sé tém diferentes matizes de significado, como ja lhes indiquei, mas descrevem coisas diferentes, e é nesse ponto que a controvérsia tende a surgir. Por exemplo, existe um ensino que afirma que a presenca de nosso Senhor — a parousia ~ é inteiramente diferente de Sua epifania — Seu aparecimento. Diz-se que a parousia significa 0 Senhor Jesus Cristo vindo para Seus santos, enquanto Seu aparecimento significa que Ele est4 vindo com os santos. Uma grande parte do ensino é baseada nessa diferenca. Minha resposta é que nao reconhego tal distingio. Esses termos, como os entendo, sao intercambidveis. Como ha diferentes termos para descrever ammesma coisa em muitas outras conexées nas Escrituras, também ha com respeito 4 segunda vinda de nosso Senhor. Ora, sempre achei que hé um texto que deve ser mais que suficiente para resolver essa questdo, e ele est4é em 2 Tessalonicenses 2:1,2: “Ora, quanto 4 vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” — ea palavra ali éparousia —“e 4 nossa reuniao com ele, rogamo-vos, irmaos, que nao vos movais facilmente de vosso modo de pensar, nem vos perturbeis, quer por espirito, quer por palavra, quer por epistola como enviada por nés, como se 0 dia do Senhor estivesse j4 perto”. Nesses versiculos, o apéstolo claramente considera “a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” e “o dia de Cristo” como sendo o mesmo évento, ainda que use duas expressdes diferentes. H4 quem diga que existe uma grande distincao entre os termos “reino de Deus” e “reino do céu”. Mas o fato é que os termos sao usados intercambiavelmente. Mateus diz “reino do céu”, ao descrever as pardbolas; Marcos e Lucas, ao descreverem as mesmas pardbolas, usam a expresséo “o reino de Deus”. Os termos significam a mesma coisa, porém ha raz6es especiais 114 pelas quais uma palavra deve ser usada num caso e outra noutro caso. Parece-me que se dé exatamente o mesmo com esses grandes termos fundamentais sobre a segunda vinda, e que na verdade é fazer violéncia ao ensino das Escrituras sugerir que haja uma marcante diferenca entre a “presenga de nosso Senhor” ea “vinda de nosso Senhor”. Pois bem, existem os termos principais que sao usados. Se vocés lerem os livros que j4 descrevi e defendi, também ser4o capazes de elaborar isso detalhadamente, e peco- -Ihes que facam isso. O préximo tépico mais importante é este: qual seré 0 modo da segunda vinda? O que ela significa exatamente? Estejamos certos de que ela nao significa as trés coisas que j4 indiquei, isto €, nossa propria morte, a vinda do Senhor no Espirito Santo no dia de Pentecoste, nem a destruigdo de Jerusalém. Rejeitamos essas trés interpretagdes porque certas coisas séo ensinadas muito franca e claramente nas Escrituras com respeito ao modo da segunda vinda de nosso Senhor. Primeiramente, ela sera uma vinda pessoal. H4 quem ensine que, pela segunda vinda de Cristo, as Escrituras querem dizer que Sua vinda ser4 como uma influéncia: Ele criou a Igreja; Ele tem influenciado a vida da Igreja e tem influenciado a vida do mundo através da Igreja, Mas, certamente ninguém que ]é 0 Novo Testamento sem teorias e sem preconceitos pode aceitar isso, pois, invariavelmente, os termos se referem a um aparecimento pessoal, indicando que Ele em pessoa esta para vir pessoalmente. E certo que temos muita informacdo a respeito de Sua influéncia, porém, além e acima disso tudo, Ele mesmo aparecera. Em segundo lugar, somos informados que Sua vinda seré n4o s6 espiritual, mas fisica. Nao hé a menor sombra de davida de que nosso Senhor veio, como prometeu, no dia de Pentecoste através do Espirito Santo. “Voltarei a vés”, diz Ele a Seus discipulos (Jodo 14:18). E Ele fez uma promessa explicita: “Ainda um pouco, e o mundo nao me vera mais; mas v6s me vereis” (v. 19). Sim, e nao sé as aparigées na ressurreigéo, porém na vinda e no envio do Espirito Santo, nosso Senhor veio para a Igreja. Ele é a Cabega da Igreja e veio através do Espirito no dia de us Pentecoste. Nao ha dtivida sobre isso — essa foi uma vinda espiritual. Também nao ha diivida de que Ele veio no julgamento sobre os judeus como nagdo em 70 d.C., quando o templo deles foi destruido, sua cidade saqueada e arrasada até 0 cho, e eles foram espalhados entre as nagées. Essa foi uma “vinda do Senhor” para juizo. O Senhor ainda vem de uma forma espiritual. Ele tem vindo alIgreja de uma maneira especial em tempos de avivamento. Ele vem a nés individualmente. Ao tratar da doutrina do Espirito Santo, mencionamos as manifestagdes espirituais do Filho de Deus (ver volume 2, Deus o Espirito Santo). Ele vem para perto de cada um de nés, somos cénscios de Sua proximidade — essa € uma vinda espiritual de‘Cristo. Mas quando falamos da doutrina da segunda vinda, nao é isso que temos em mente, de forma alguma. A doutrina da segunda vinda ensina uma vinda fisica do Senhor no corpo. Ele préprio disse isso. Quando estava perante 0 tribunal, nosso Senhor disse ao sumo sacerdote: “Vereis em breve o Filho do homem assentado 4 direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu” (Mat. 26:64), Sera uma vista visivel; Ele vird de uma forma fisica. A passagem classica que ensina isso é a grande afirmacao no primeiro capitulo do livro de Atos dos Apéstolos: “Estando eles com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles apareceram dois varées vestidos de branco, os quais Jhes disseram: varées galileus, por que ficais ai olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vés foi elevado para o céu, ha de vir assim como para 0 céu 0 vistes ir” (Atos 1:10,11). Isso, por si mesmo, € o bastante para estabelecer que, segundo as Escrituras, a segunda vinda sera uma vinda fisica. Encontramos exatamente a mesma coisaem Hebreus 9:28, onde o contraste é tracado entre a primeira e a segunda vindas do Senhor: “Assim também Cristo, oferecendo-se uma s6 vez para levar os pecados de muitos, aparecerd segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvacdo”. Primeira vinda, segunda vinda — ambas fisicas. E no Apocalipse 1:7, lemos: “Eis 116 que vem com as nuvens, e todo olho o vera, até mesmo aqueles que 0 traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarao sobre ele. Sim. Amém”. Portanto, devemos ter muito cuidado em tracar uma distingdo e insistir que, quando falamos da segunda vinda de nosso Senhor, nao estamos tratando de Sua influéncia espiritual; nao estamos apontando para a pregacao geral do evangelho, de Seu ensino e da memoria dEle; néo estamos nem mesmo abordando Suas manifestac6es espirituais; estamos nos referindo a algo externo e fisico. Portanto, o préximo ponto é que Seu regresso serd visivel. Ele “ha de vir assim como para 0 céu 0 vistes ir” (Atos 1:11). “Todo olho o vera” (Apoc. 1:7). “E vereis em breve o Filho do homem... vindo sobre as nuvens do céu” (Mat. 26:64). Isso, também, é algo que devo enfatizar. HA quem ensine que a presenga de nosso Senhor, Sua parousia, sera secreta e ninguém O vera exceto os Seus. Contudo sugiro-lhes que, se vocés percorrerem todas as passagens que descrevem Sua segunda vinda, descobriraéo que todas elas enfatizam sua visibilidade. Existe uma doutrina popular que afirma que nosso Senhor apareceu secretamente em 1914. Ele ja veio, afirma-se, mas foi um aparecimento secreto, invisivel, e nosso Senhor esté agora habitando no ar, invisivel. Tal evento secreto, invisivel, é totalmente antibiblico. O préximo ponto é que Sua segunda vinda sera stibita. Nosso préprio Senhor ensinou isso, comparando-o 4 luminosidade do relampago, algo que no sé é visivel, porém stibito (Mat. 24:27). Ele também comparou Seu regresso a um ladrao que vem de noite (Mat. 24:43), e essa é também a forma na qual ela é descrita pelo apéstolo Paulo (1 Tess. 5:2). Razao porque somos advertidos: “Por isso ficai também vés apercebidos” (Mat. 24:44), e por que somos lembrados de que, como cristaos, jamais devemos ser colhidos de surpresa. Devemos estar sempre olhando para Ele e sempre O esperando. Essa subitaneidade é algo enfatizado por toda parte no Novo Testamento. E, finalmente, sera um aparecimento glorioso. Em Sua primeira vinda, Ele veio como uma criancinha; Ele veio em 117 humildade. Seu segundo aparecimento, porém, ser4 em gléria, sobre as nuvens do céu, com Seus santos anjos. Longe de ser em segredo, Ele ser4 precedido pelo clangor de trombeta: “A trombeta soara” (1 Cor. 15:52), e o préprio arcanjo fara a proclamagao com trombeta. Cristo sera assistido por Seus santos e viré como 0 Rei dos reis e o Senhor dos senhores. Portanto, quando falamos da segunda vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, temos em mente esse grande e poderoso evento, essa vinda pessoal, essa vinda fisica, essa vinda visivel, essa vinda stibita, essa aparigao gloriosa. Como o apéstolo Paulo o expde ao escrever sua Epistola a Tito: “Aguardando a bem-aventurada esperanca e o aparecimento da gléria de nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tito 2:13). Espero que, havendo enfati- zado esses aspectos dela, possamos considerd-la e ponderar sobre ela dessa maneira devocional. Nao abordaremos essa doutrina tedrica e academicamente nem como se estivéssemos tentando ajustar as partes de um quebra-cabeca e estabelecer uma teoria. Antes, aproximemo-nos dela como somos exortados pelas Escrituras a proceder. E algo que deve alegrar nossos coragées, deve confortar-nos, deve estimular-nos a um viver santo. Como diz Joao: “E todo o que nele tem esta esperanga, purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro” (1 Joao 3:3). Existe um método certo e um método erréneo de estudar esta grande doutrina, e se vocés quiserem estar certos de que estio usando o método correto, eis um teste infalivel: se seu estudo dela os humilha, seu estudo est4 no caminho certo. Se ele os envaidece ou inflama suas mentes e suas paixdes, entéo seu método de estudo esta errado. Se 0 estudo dela os leva a cair sobre seus joelhos em culto e adoracao e louvor, entéo esse € 0 caminho certo; mas se ele lhes imprime um senso de auto- satisfagéo de que vocés a tém entendido e, por assim dizer, abrangido tudo com suas préprias mentes, entao ele é completa e absolutamente erréneo. Se seu estudo dela os faz compreender que o tempo é curto e que vocés precisam ser ativos, que precisam purificar-se e preparar-se para Sua vinda, entao esto estudando da maneira certa. Mas se seu estudo é algo puramente intelectual, 118 e nao afeta seu espirito e sua maneira de viver, entéo vocés podem ter certeza de que toda a sua abordagem esté errada. Este nao é um tema apenas para a mente; é para a pessoa toda. Eo fim principal da salvagao. E a consolidagio de tudo o que até aqui tivemos o privilégio de considerar juntos. Conceda-nos Deus Sua graca, pois, para estudarmos essa gloriosa verdade dessa maneira. 119 9 O TEMPO DE SUA VINDA OS SINAIS Na preleg&o anterior, nossa considerago da doutrina da segunda vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo foi em grande medida introdutéria. Consideramos os termos principais que sdo usados e também passamos a falar sobre 0 modo do segundo aparecimento de nosso Senhor. Enfatizamos que cle ser4 pessoal, fisico, visivel, sibito e glorioso. E provavel que nada do que precisamos considerar como cristdos exija tanto uma observancia profundamente cuidadosa de nossos espiritos quanto este tema especifico, visto que ele envolve muitas pontos dificeis e obscuros e est4 tao sujeito a controvérsias e debates. E assim passamos agora ao proximo aspecto desta doutrina, que é o tempo de Sua vinda. Ora, se eu ja enfatizei, em termos gerais, a importancia do cuidado e do perigo de sermos domi- nados por preconceitos, quanto mais necessério é com respeito a este aspecto particular do tema, porque muito do interesse na segunda vinda de nosso Senhor se centraliza sobre esta tinica questao do tempo. Quando é que nosso Senhor aparecerd? Seria Sua vinda iminente? Poderia ocorrer a qualquer momento? E, indubitavelmente, € por causa desse tipo de interesse que este tema sempre apela ao povo cristao. Lembro-me de certa ocasiao, quando o Dr. Campbel Morgan ainda estava aqui conosco, ele ministrava uma série de prelecoes, e numa noite no gabinete pastoral antes da reuniao, ele me disse: “Repare no aumento da congregacao hoje a noite.” “Por qué>”, perguntei-lhe. “Bem”, disse ele, “propus falar sobre um tema profético e nunca trato da questo da profecia, sem que haja um marcante aumento no tamanho da congregacio!” 120 Devemos, porém, ser muito cuidadosos para nao sermos levados pelo adversério de nossas almas a algo que é completamente falso. Por conseguinte, repito que o teste da sinceridade de seu interesse nesta questo € 0 efeito de seu estudo dela, ou de sua consideracao dela, em sua vida e viver diario. Creio que estabeleci na prelegéo anterior que toda vez que esta doutrina é introduzida nas Escrituras, é sempre como uma parte do apelo a santidade. Portanto, se 0 interesse de vocés neste tema € para que possam conhecer tempos e datas e para que sejam capazes de falar com autoridade sobre quando certas coisas ocorreréo, entéo vocés séo simplesmente antibiblicos. Vocés mantém um interesse erréneo, um interesse falso e nocivo. Nossa pre-ocupacéo com a segunda vinda do Senhor deve sempre ser em termos de nossa relagéo com Ele, e a menos que ela exerga 0 efeito sobre nés de levar-nos 4 diligéncia pela santidade e prontidao para aquele grande dia, entéo tem havido algo errado na forma de a abordarmos: “E todo o que nele tem esta esperanca, purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro” (1 Joao 3:3). A menos que estejam saturados do desejo de ser purificados, e determinados a purificar-se, entéo eu me sai muito mal no que tenho expresso, ou entdo vocés no terao prestado aten¢gao ao que estou dizendo! Esse é 0 contexto, e nao devemos esquecer- -nos nunca dele. Portanto, examinemos nossos motivos. Devemos também ter em mente a histdria da Igrejae lembrar como homens e mulheres santos de Deus, a quem Deus usou e honrou, foram enganados com respeito a esta doutrina. Alguns deles realmente dedicaram-se a fixar datas, datas que hé muito tempo passaram, mostrando-lhes claramente que estavam errados. Recebamos a grande adverténcia do passado, e abordemos este tema como um todo, nutrindo grande desejo de conhecé-lO melhor, para servi-lO mais fielmente e esforgar-nos honestamente para chegar ao conhecimento da verdade. E_ bastante assustador que pessoas tenham se extraviado neste assunto, pois h4 pelo menos duas afirmagées na Biblia que as deviam ter isentadas do erro. Examinem a afirmacao em 1 Tessalonicenses 5:1: “Mas, irmdos, acerca dos tempos e das 121 épocas nao necessitais de que se vos escreva”. E Paulo prossegue realgando que o dia do Senhor “vem como 0 ladrao de noite”. No Evangelho de Marcos, porém, h4 uma afirmagio ainda mais importante. Ougam estas palavras da boca de nosso bendito Senhor e Salvador: “Quanto, porém, ao dia e 4 hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu nem o Filho, senao o Pai” (Mar. 13:32). Eis af o préprio Filho de Deus afirmando-nos que Ele nao sabe o dia nem a hora. Diz ainda que este é um conhecimento que Lhe foi negado como 0 Filho do homem, e que os anjos no céu no sabem, sendo somente o Pai. E, contudo, vejam os livros que dao eloqiiente testemunho do fato de que os cristaos, nao obstante, tém vivido tentando fixar 0 tempo, com precisao, a despeito desses versiculos, e sem adicionar alguns outros versiculos. Obviamente, pois, nao lhes propiciarei qualquer auxilio ou qualquer indicagéo de uma forma precisa sobre quando esta segunda vinda ocorrera. Na verdade, todo 0 meu empenho quando analisamos este grande tema é simplesmente concentrar- -me nas coisas sobre as quais podemos ter absoluta certeza e das quais j4 fiz mencao. Nao existe dtivida, por exemplo, sobre como Ele vird. Aqui as Escrituras so perfeitamente definidas e explicitas. Por isso, nos apegaremos a essas coisas. Quanto ao resto, tudo o que me proponho fazer é colocar diante de vocés varios pontos de vista, e pedir-Ihes que os examinem 4 luz da evidéncia biblica, rogando a Deus que Ele lhes guie.De fato, ficarei muito grato se, no final desta série de discursos, vocés se sentirem menos seguros do que estavam no inicio! Sentirei que alcancei meu objetivo porque, se hd um tema sobre o qual o dogmatismo deve ser totalmente excluido, é este. Jé me deparei com grande ntimero de pessoas cuja vida espiritual tem se tornado arida e estéril simplesmente porque, ao fixarem 0 tempo da segunda vinda de nosso Senhor, isso se Ihes tornou quase que uma obsessao. Quando abordamos a questao do tempo da vinda de nosso Senhor, ha certos pontos que devemos considerar. Por exemplo: os apéstolos teriam crido que ela estava para acontecer em seus 122 proprios dias e geragdo? Eis uma pergunta que amitide é formulada. Tem havido criticos das Escrituras que tém afirmado que nao podem aceitar as Escrituras como a Palavra de Deus, porque é perfeitamente claro que os apéstolos ~ os préprios escritores — criam que o Senhor estava para retornar em seus proprios dias, e eles estavam patentemente equivocados. E por isso que se faz acirrado ataque 4 autoridade das Escrituras em geral. Mas, o que dizem realmente as Escrituras ? Bem, sugiro- -lhes que os apéstolos, em suas interrogagdes ao nosso Senhor, indubitavelmente davam a impresséo de que criam que Ele regressaria em seus dias e geracdo. Desafio-lhes, porém, a apresentar-me uma tinica afirmagdo onde eles ensinaram isso em seus escritos. Essa é uma afirmagéo dogmatica, mas se vocés examinarem as Escrituras, descobriraéo que ela é correta. Pareciam crer assim, em suas indagacGes ao nosso Senhor, todavia nunca 0 ensinaram. Ha, contudo, certas afirmagées e passagens que, superficialmente, a primeira leitura, podem dar a impressio de que os escritores do Novo Testamento ensinaram o regresso iminente de nosso Senhor. Dai, o que fazermos com elas? Ora, hd certos princfpios que devemos ter em mente quando estudamos os versiculos da Biblia que tratam do tempo da segunda vinda. Primeiro, quando a afirmagao é feita do Angulo de Deus, devemos sempre recordar que para Deus mil anos séo0 como um dia; e um dia, como mil anos (2 Ped. 3:8). O termo “tempo”, quando é visto do Angulo biblico, deve sempre levar consigo essa idéia. Portanto nao devemos tomar nossas idéias de tempo e introduzi-las em tal afirmacdo. Esse é um principio. Segundo, as express6es “os iltimos tempos” ou “os tltimos dias”, como usadas no Novo Testamento, geralmente se referem a toda a era neotestamentéria, comecando com a vinda de nosso Senhor e prosseguindo até o Seu segundo aparecimento. E assim o tempo em que vivemos faz parte dos tiltimos dias ou o dltimo tempo. Portanto, é erréneo limitar os termos a algo que esté ainda por acontecer. Nés j4 estamos nos tiltimos tempos; os cristaos de mil anos atrds estiveram neles; os primeiros cristaos também estiveram neles. Os tiltimos tempos comegaram com 0 primeiro 123 advento e percorrerao até o segundo advento. Esse €é um ponto muito importante para se ter em mente quando lemos o Novo Testamento. Terceiro, encontramos na Biblia o que corretamente se chama “perspectiva profética”. Quando lemos as profecias do Velho Testamento, notamos que o profeta fala da primeira e da segunda vindas do Senhor, de um s6 félego, por assim dizer, e temos de ser muito prudentes para termos certeza sobre aquiloa que ele se refere. As duas parecem fundidas numa sé — isso é compressao profética. Por conseguinte, todo o periodo da Igreja no qual estamos vivendo est4 ali nas profecias do Velho Testa- mento, mas esta ali de maneira nao muito clara. Encontramos exatamente a mesma coisa no Novo Testamento. Ha referéncias a destruigéo de Jerusalém em 70 d.C. e referéncias ao dia do juizo — o fim do mundo — mais ou menos embutidas umas nas outras, e precisamos ter cuidado para manter esse principio em mente quando lemos certos capitulos, como Mateus 24 e 25, ou Marcos 13, ou Lucas 21. Gastemos agora alguns minutos com isso, visto ser o mesmo muito importante. Tomemos esses capitulos aos quais me referi. Apergunta é: do que nosso Senhor esta tratando nesses discursos? Bem, ha trés temas principais. O primeiro é: quando serao destruidos o templo e a cidade de Jerusalém? Os discipulos formularam essa pergunta. Nosso Senhor fez-lhes mengao da destruicgaéo vindoura do templo, e eles perguntaram: “Quando isso suceder4?” Ao responder nosso Senhor a essa pergunta, Ele também incluiu a segunda pergunta, que é: quais serfo os sinais de Sua vinda? Entao, em adicdo a isso, Ele prosseguiu a falar sobre o fim do mundo e¢ 0 juizo final. E assim, quando os comentaristas e os expositores, a0 longo dos séculos, se puseram a ler esses capitulos, surgiram trés escolas principais de pensamento. Surgiram aqueles que dizem que nesses capitulos nosso Senhor nao trata de outra coisa senao da destruigao de Jerusalém em 70 d.C. e da divulgacao do evangelho. Entao surgiu uma segunda escola que ensina que nosso Senhor certamente trata disso, e em certo sentido era Sua preocupagio 124 principal, mas nao parou ai. Ele fez uso desse fato para dizer que os eventos do ano 70 d.C. eram também um retrato do que aconteceria numa escala muito maior no fim dos séculos e no dia do juizo. Noutras palavras, 0 que aconteceria em 70 d.C. era um fato, porém também um quadro, uma parabola, de um evento ainda maior que se daria quando se consumasse 0 tempo e se pronunciasse o juizo final. Mas, entdo surge uma terceira escola, e se eu me visse obrigado a dizer a qual das trés eu pertenco, eu diria que terceira. Esta sustenta que, nesses capitulos, nosso Senhor estava delibera- damente tratando de duas coisas: que algumas de Suas afirmagées sdo um relato literal do que sucederia somente em 70 d.C., enquanto outras afirmacées se referem a eventos literais no fim dos séculos e no dia do juizo. Lemos acerca do ano 70 d.C, em particular e do fim dos séculos em particular. Ora, recomendo- -lhes um estudo desses capitulos 4 luz desse principio. (Obviamente n4o tenho tempo para entrar em detalhes. Talvez eu nao deveria fazer tanto quanto estou fazendo, mas delibera- damente estou suscitando esses pontos a fim de estarmos cénscios das dificuldades ¢ vermos que nada é tao erréneo quanto pular para conclusées.) Portanto, percorramos esses capitulos, observando o método pelo qual nosso Senhor trata s6 de Jerusalém, ea seguir de algo muito mais vultoso — 0 fim do mundo ¢o fim das eras. Freqiientemente suscita-se confusio sé porque as pessoas interpretam em termos do fim, 0 que nosso Senhor estava dizendo simplesmente com respeito ao ano 70 d.C. A segunda pergunta é: poderia nosso Senhor vir novamente a qualquer momento? Ou podemos dizer que certas coisas ocorrerao antes que Ele venha? Aqui, uma vez mais, sinto que as Escrituras sao muito definidas e explicitas. Elas nos dizem que certos sinais precederdo Sua vinda. O primeiro é a vocagéo dos gentios. Encontramos isso em Mateus 24:14, versiculo esse muito famoso e importante: “E este evangelho do reino sera pregado no mundo inteiro, em testemunho a todas as nagGes, e entao vird o fim”. Isso € perfeitamente claro, nao é mesmo? Ha uma afirmacao semelhante em Marcos 13:10, e a encontramos 125 também no versiculo 25 daquele grande capitulo 11 da Epistola aos Romanos, onde Paulo faz referéncia a “a plenitude dos gentios”. Sim, mas havendo dito isso, deixem-me trazer algo que € realmente dificil e contudo ensinado muito claramente. O segundo sinal serd a chegada da plenitude de Israel. Romanos, capitulo 11, ensina claramente que, antes do fim, os judeus certamente serfo trazidos ao reino. Hé uma afirmagéo seme- Ihante em 2 Corintios 3:15,16, que é geralmente citada nessa conex&o: “Sim, até o dia de hoje, sempre que Moisés é lido, um véu est4 posto sobre 0 coracao deles. Contudo, convertendo-se um deles ao Senhor, é-lhe tirado o véu.” Mas, a passagem-chave €aafirmagao de Paulo em Romanos, capitulo 11, especialmente a luz dos versiculos 25 a 29, e este € um dos aspectos mais controvertidos de toda essa doutrina. Portanto, o que ela ensina? Como vocés bem sabem, muitas pessoas atualmente créem que haver4 uma restauragio e conversao nacionais do reino de Israel. A nagao judaica, nos dizem, sera levada de volta 4 Terra Prometida, onde se daré uma grande conversao da na¢io, e essa nagao dos judeus se transformaré entéo na maior agéncia evangelistica que 0 mundo j4 conheceu. Em esséncia, esse € 0 ensino, mas ha subdivisées e diferentes escolas de pensamento. H4 os que afirmam que a conversdo da nado judaica precederé o milénio, enquanto outros créem que ela se concretizaré durante o milénio. Ora, que evidéncia ha de que havera uma conversdo nacional dos judeus? Duas passagens das Escrituras sao geralmente apresentadas. Em Mateus 19:28, lemos: “Em verdade vos digo a vos que me seguistes, que na regeneragao, quando o Filho do homem se assentar no trono de sua gléria, sentar-vos-eis também vés sobre doze tronos, para julgardes as doze tribos de Israel”. E uma vez mais lemos em Lucas 21:24: “E cairo ao fio da espada, e para todas as nagées serao levados cativos; e Jerusalém ser pisada pelos gentios, até que os tempos destes se completem”. Eis as importantes Escrituras que s4o apresentadas em conex4o também com a afirmagaéo em Romanos, capitulo 11. E os amigos 126 que defendem este ponto de vista tém realcado que é um fato hist6rico que os judeus tém persistido como nago ¢ como raga a despeito de terriveis perseguigdes, e isso, naturalmente, é correto. Temos testemunhado neste século os importantes acontecimentos de 1917, quando Jerusalém foi recapturada das maos dos gentios, a Declaracdéo de Balfour de 1917, e o estabelecimento do Estado e da nacio de Israel e do regresso de grande numero de judeus a Terra Prometida. Ai esta, em sua esséncia, 0 argumento para essa crenga de que havera uma restauragdo e conversao nacionais dos judeus. Contudo, deixem-me apresentar certa evidéncia contra isso, para sua avaliagéo. Tomem a afirmagéo em Mateus 8:11,12, onde lemos: “...muitos virdo do oriente e do ocidente, e reclinar-se- -40 4 mesa com Abraio, Isaque e Jacé, no reino dos céus; mas os filhos do reino serao langados nas trevas exteriores...”. E entio ha aquelas afirmagdes muito importantes em Mateus, capitulo 21. HA, por exemplo, a parabola dos dois filhos dos versiculos 28 a 32, e nao resta divida de que essa parabola se refere a esta questao, Ela fala do filho que garantiu que trabalharia na vinha, e nao foi, e o filho que disse: “Nao quero ir”, mas depois arrependeu-se e foi. Isso € seguido pela parabola do administrador fmpio, a qual conclui com uma das afirmagdes mais importantes que mesmo o nosso bendito Senhor ja fez: “Portanto eu vos digo que vos ser tirado o reino de Deus, e sera dado a um povo que dé os seus frutos” (v. 43). Af esté nosso Senhor dirigindo-Se 4 nagao judaica como representada por seus lideres religiosos, € tendo declarado Sua parabola, dé-nos um resumo dela e enfatiza sua Mensagem com essa afirmacao. ~ Em seguida lemos em Mateus 22:1-14 a parabola da festa de nupcias do rei e o homem que entrou sem a veste nupcial — tratando claramente outra vez da questo dos judeus. E indubi- tavelmente a parabola da figueira estéril, registrada em Lucas 13:6-9, trata do mesmo assunto. A figueira deve ser deixada ainda mais um ano. Ela deve passar por uma provacao de trés anos, correspondendo ao ministério de nosso Senhor, e se no final nao produzir fruto, entéo sera cortada. 127 Associem todas essas afirmacées com 1 Pedro 2:9: “Mas vés sois a geracdo eleita, o sacerdécio real, a nag&éo santa, 0 povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz”. A importancia das palavras de Pedro é que sdéo uma repetigao do que Deus dissera aos filhos de Israel antes de entregar-lhes os Dez Mandamentos. Quando estavam ainda no sopé do Monte Sinai, Deus disse aos filhos de Israel: “E vs sereis para mim reino sacerdotal e nagéo santa” (Ex. 19:6). Eram Seu povo, Sua possessio especial, Seu “tesouro peculiar”. E 0 apéstolo Pedro aplica a Igreja, que consiste igualmente de gentios e judeus, as mesmas palavras que Deus havia aplicado 4 nacao de Israel. Portanto, se ligarmos isso com as palavras de nosso Senhor em Mateus, capitulo 21, de que o reino seria tirado dos judeus e dado a outra nagao “que dé os seus frutos”, perceberemos que a Igrejaé a nagéo a quem oreino fora dado quando ele foi tirado da nagao judaica. Ai esta algo da evidéncia sobre os dois lados, ¢ espero que vocés a considerem, focalizando os versiculos e tomando-os em seu contexto. Isso nos conduz a doutrina especial de Romanos, capitulo 11. Ora, antes de prosseguirmos com a andlise dela, permitam- -me dar-lhes uma tarefa para ser feita em casa. A tarefa que lhes dou é a leitura e a meditacgdo cuidadosa dos capitulos 9, 10 e 11 da Epistola aos Romanos, a fim de que cheguemos juntos a uma conclus4o com respeito ao significado da frase crucial do versiculo 26: “E assim todo 0 Israel sera salvo.” O que tem em mente o apéstolo quando diz isso? Alids, o que tinha ele em mente em todo esse capitulo 11? O que estaria ensinando acerca dos judeus? Trés linhas principais de exposigéo tém sido tradicional- mente apresentadas, e acho uma tarefa absorvente ler esses trés capitulos a luz das trés possibilidades. Uma escola de pensamento diz que por “todo o Israel”, Paulo tem em mente 0 nimero inteiro dos eleitos dentre judeus e gentios. “Todo o Israel”, segundo essa interpretacao, é a Igreja de Deus, e a frase em Romanos, capitulo 11, bem como a frase semelhante “Israel de Deus”, em GAlatas 6:16, significa simplesmente todas as pessoas 128 convertidas, redimidas, regeneradas. A segunda explicacao afirma que as palavras “todo o Israel sera salvo” se referem 4 restauragao de Israel como nagéo. Tém havido duas subdivisdes dessa escola. Tém surgido os que dizem que a frase significa 0 povo judeu em geral, e nao significa que todo judeu que estiver vivo quando do regresso de nosso Senhor, ser4 salvo —isso, dizem eles, é ridiculo. O que significa é que haver4 um ntimero t&o grande que se pode realmente falar da nagao judaica como que redimida. Mas, existe outra escola de pensamento que ensina, e ensina com extrema confianga, que quando nosso Senhor regressar, cada judeu individualmente que estiver vivo sera convertido. Diz-se que “todo” significa “todos”, e portanto, quando Paulo escreve “todo o Israel”, ele quer dizer cada judeu individualmente. Na verdade, tém havido aqueles que vao ainda mais longe, e dizem que o apéstolo esté aqui ensinando que cada judeu que ja viveu sera salvo, e os que j4 morreram ressuscitarao a fim de ainda ser salvos. Se um estiver faltando, dizem, entao nao é mais “todo o Israel”. A terceira interpretagéo possivel é que “todo o Israel” se refere ao nimero total de judeus eleitos, o nimero total de judeus que haverao de ser salvos. Significa que Paulo esté pensando num Israel espiritual, e nao esta de forma alguma pensando em termos nacionais. Assim como haveré uma “plenitude dos gentios”, também haver4 uma plenitude dos judeus. Entao a Igreja final consistiré da plenitude de ambos — israelitas e gentios. Se eu fosse comegar a descrever-lhes as varias outras subdivisées que se tém apresentado, entéo jamais terminaria nossa exposig4o, porquanto tem existido toda espécie de idéias. Mas chamaria sua atengdo para um ensino freqiientemente encontrado atualmente que defende a tese de que os judeus como nagao terao um lugar especial, uma posicao especial, na redengéo divina, resultando disso que haverd a Igreja salva e a nagao judaica salva. Peco-lhes que ponderem bem se tais idéias sao ou nao so biblicas, e na préxima prelecdo tentaremos analisar os argumentos. 129 10 O PLANO DE DEUS PARA OS JUDEUS O ponto ao qual chegamos agora com respeito 4 vinda de nosso Senhor é este: j4 vimos que as Escrituras ensinam que certos sinais devem ocorrer antes que Ele venha. Primeiro, 0 ensino do evangelho cristéo a toda nacido precederd esse grande evento; e, segundo, antes do regresso do Senhor, algo sucedera com respeito 4 conversao de Israel (uso o termo em geral). E agora estamos analisando 0 que exatamente isso significa. Comecamos vendo que Mateus 21:43 € uma afirmagao crucial. Ai nosso Senhor disse: “Portanto eu vos digo que vos ser tirado o reino de Deus, e sera dado a um povo que dé os seus frutos”. E Pedro, em 1 Pedro 2:9, confirma isso ao aplicar 4 Igreja Crista composta de judeus e gentios as palavras que Deus usou um pouco antes de dar a lei com respeito A nagio de Israel. Agora, porém, devemos concentrar-nos especificamente sobre a doutrina desse poderoso capitulo 11 da Epistola de Paulo aos Romanos, especialmente sobre a frase no inicio do versiculo 26: “E entao todo o Israel sera salvo”. Visualizemos novamente as trés 'interpretagdes possiveis que lhes delineei no final da prelecao anterior. Estou convicto de que néo serei capaz de satisfazer a todos, mas vou apresentar-lhes algumas das consideragées sobre ambos os lados com respeito aos trés pontos de vista. Ora, a grande pergunta com que nos defrontamos, creio eu, é esta: seria este primeiro ponto de vista, que considera “todo o Israel” como a Igreja, a explicagdo correta? Bem, para mim, nao hesito em dizer que nao creio que possivelmente ele possa significar isso, porque, quando lemos Romanos, capitulos 9, 10 11, descobrimos que o termo “Israel” é usado muito freqiiente- 130 mente, e nunca ele se refere 4 Igreja, mas ao povo judeu. Portanto, se eu fosse crer que “todo o Israel”, aqui, significasse a Igreja, teria que dizer que 0 apéstolo subitamente mudou o significado do termo sem nos dizer. Nao posso crer que o grande apéstolo faria tal coisa, e essa parece-me uma razio suficiente, em si e por si mesma, para dizer que “todo o Israel”, aqui, nao pode significar “a Igreja”. Em segundo lugar, “todo o Israel”, entao, significaria Israel como nacao? Introduzimos agora um tema que poderia ocupar- -nos durante muitas semanas. Ele tem sido estudado pelos séculos a fora; livros tém sido escritos exclusivamente sobre esse tema. Nao podemos fazer isso, portanto farei o melhor que puder para sumariar 0 que é, provavelmente, o ponto de vista mais popular atualmente. Incidentalmente, talvez eu devesse dizer que nao pretendo atribuir a seus defensores 0 elogio de ainda esbocar fantasias tais como a teoria chamada “Israel Britanico”. Estou discutindo, antes, 0 ponto de vista que nos afirma que as palavras de Paulo séo uma referéncia a nacdo judaica, e que o que apren- demos nas Escrituras é algo mais ou menos assim: 0 tempo vem quando os judeus, como nacio, voltardo para a Palestina, onde serao convertidos como na¢&o, e entao se tornarao os maiores evangelistas que o mundo j4 conheceu. Ha toda espécie de subdivisées para esta teoria, e muitos ndo concordam num ou noutro ponto, mas, em sua esséncia, essa é a doutrina, e esse 6 0 grande tema com o qual nos preocupamos. O apéstolo estaria ensinando isso? Estaria ele dizendo aqui que os judeus, como nacao, terdo um tratamento especial e serao postos numa posi¢ao especial, de modo que no fim dos tempos haveré a Igreja Crista eos judeus como uma nacio? Nao significa que todos estarao na Igreja. Nao, dizem eles, haverd dois grupos de pessoas redimidas: a Igreja e a nagdo judaica redimida. Considerando, entao, o pressuposto de que Paulo intentou dizer a nacdo judaica, surge uma série de consideragdes que devemos manter em mente. Alega-se geralmente que este argumento € apoiado, primeiramente, pelas profecias do Velho Testamento. Ha quem diga que, se lermos essas profecias, entao 131 veremos que elas apontam para algum grande dia de béngao que esta ainda por vir. Tal se dara, dizem, quando a nacao de Israel for salva, e acrescentam que a maioria das profecias do Velho Testamento faz referéncia a esse fato. Entao essas pessoas dizem que nos Evangelhos também parece haver uma grande quantidade de ensinamento apontando para 0 fato de que 0 reino é exclusivamente para os judeus. E ha outros que dizem que nosso Senhor realmente veio oferecer 0 reino aos judeus, e visto que no o aceitaram, a Igreja foi introduzida como uma espécie de paréntese, quase um apéndice, mas depois da introdugao da Igreja, o evangelho seré novamente oferecido aos judeus. Hd ainda outros que dizem que os Evangelhos, bem como Romanos, capitulos 9, 10 e 11, ensinam que para os judeus asalvacao nao vira pela graca, e sim, como resultado de sua aceitagio da lei e da mensagem do reino. Noutras palavras, existe um meio de ingresso no reino para os judeus, diferente daquele para os gentios. Bem, tentando evitar desvios e ramificagGes, e conservando © argumento principal, o que diriamos acerca desses ensina- mentos? Ora, essa questéo da profecia do Velho Testamento é sem duvida muito importante ¢ interessantissima. E preciso que tenhamos muita cautela nesse ponto, e creio que 0 curso mais sdbio a adotarmos é descobrir, se pudermos, 0 que o Novo Testamento nos diz. E a luz do Novo Testamento somos habilitados a dizer que ha determinadas profecias que, se lermos somente 0 Velho Testamento, nossa conclusao sera que ele sé se refere 4 nagao dos judeus, mas que o Novo Testamento se aplica a Igreja Crista. Tomem, por exemplo, a profecia usada pelo apéstolo Pedro em seu sermao em Jerusalém no dia de Pentecoste. O povo perguntava acerca da descida do Espirito Santo e os homens falavam em linguas — esses fendmenos eram assusta- dores. E Pedro, vocés se lembram, respondeu, dizendo: “Mas isto € o que foi dito pelo profeta Joel” (Atos 2:16). Se lerem o segundo capitulo de Joel, pensarao que a profecia tinha uma tinica referéncia a nacéo judaica, porém Pedro disse que ela se aplicava 4 Igreja. O povo estava ali, entéo, vendo um 132 cumprimento das palavras de Joel. Sei que a resposta € dizer: “Sim, mas esse foi apenas um cumprimento parcial”; entretanto eu lhes pediria que lessem novamente o que Pedro disse, e creio que descobrirdo que ele nao disse que ela era um cumprimento parcial. Disse Pedro: “Eiso cumprimento”. Disse: “Mas isto € 0 que foi dito pelo profeta Joel”. Nao significa que tudo aconteceu naquele momento. Era o principio do cumprimento, sim, e tem continuado desde entao. As palavras de Pedro sao uma referéncia a toda esta época a que a Igreja pertence e que conduz a segunda vinda. Ainda mais importantes e significativas séo as palavras de Tiago em Atos 15:14-18. Tiago estava presidindo 0 concilio dos lderes da igreja em Jerusalém, e é isto o que ele disse: “Simao relatou como primeiramente Deus visitou os gentios para tomar dentre eles um povo para o seu Nome. E com isto concordam as palavras dos profetas; como est4 escrito: depois disto voltarei, e reedificarei o taberndculo de Davi, que estd caido; reedificarei as suas ruinas, e tornarei a Jevantd-lo; para que o resto dos homens busque ao Senhor, sim, todos os gentios, sobre os quais é invocado o meu nome, diz o Senhor que faz estas coisas, que sao conhecidas desde a antigiiidade”. Tiago estava citando Amés 9:11, e isso € crucial. Se lerem aquela profecia de Amés, chegarao a conclusao (deixado a si sds) que o profeta estava indubitavelmente se referindo a algo que iria ainda acontecer a nagdo judaica: o taberndculo de Davi que havia caido seria reerguido e reconstruido. Tiago, porém, falando sob divina inspiracdo, nao hesitou em dizer que a profecia de Amés ja tinha se cumprido e 0 remanescente do povo estava buscando o Senhor e€ todos os gentios eram o proprio tema que estavam discutindo naquele concilio. “Tudo bem”, disse ele com efeito, “€ preciso admitir esses gentios. Amés profetizara isso. Amés diz que, quando o taberndculo de Davi que estava em ruinas fosse reconstruido, ent&éo o remanescente do povo e os gentios iriam 133 entrar, e de fato tém entrando, como Pedro nos relatou — é um cuinprimento da profecia de Amés.” Atos 15:14-18 é significativo em virtude da expresso “o taberndculo de Davi”. Os amigos que créem que “todo o Israel” significa a nagéo judaica, nos dizem que devemos tomar as promessas veterotestamentarias literalmente. Tiago, porém, diz que o “taberndculo de Davi” referido por Amés significa a Igreja Crista que foi fundada pelo Filho maior de Davi. Portanto Tiago no interpreta a profecia de Amés literalmente, e sim, espiritual- mente. Ora, com essa chave temos como prosseguir analisando as outras profecias, e podemos interpretd-las exatamente da mesma maneira. Volvamo-nos, por exemplo, 4 profecia de Ezequiel, a partir do capitulo 40 até o final. Esses importantes capitulos tém sido estudado com freqiiéncia. Alids, muitas pessoas tém retrocedido também aos capitulos 37 e 38, e 4 luz dos eventos contemporaneos se tem dito que todas essas profecias j4 se cumpriram. Por exemplo, quando Molotov e Ribbentrop assinaram seu pacto em 1939, houve quem estivesse absolutamente convicto de que estava vendo o cumprimento da profecia de Ezequiel acerca de Gogue e Magogue e a grande confederacéo nortista. Todavia, sem dtivida, isso nao parecia téo claro quando a Alemanha atacou a Russia em 1941! Leiam esses capitulos e tentem interpreta-los literalmente. Se reconstituirem todas as medidas relativas ao templo restaurado, entéo descobriréo que ha medidas que n4o podem adequar-se a Palestina literal. Se reconstituirem 0 que Ihes tem sido dito acerca do rio, entéo descobrirao que o rio terd que elevar-se e correr acima das montanhas — impossivel se o tomar literalmente! Mas se vocés entenderem as palavras de Ezequiel hiperbdlica e espiritualmente, ent&éo a dificuldade desaparece. Uma interpretagio literal desses capitulos nos leva a crer que est4 para vir.um dia quando os judeus ocuparéo novamente toda a terra da Palestina com um templo literal reconstruido em Jerusalém. No apenas isso, porém se oferecerio novamente holocaustos esacrificios pelo pecado — e isso depois que o Senhor Jesus Cristo 134 apresentou e consumou um tinico sacrificio pelos pecados uma vez para sempre. Em resposta, esses amigos dizem que o templo e seus sacrificios s6 serao um tipo de memorial do que nosso Senhor ja efetuou. Mas, seria possivel crermos realmente em tal coisa? Quando o tnico sacrificio est ali, uma vez para sempre, e 0 memorial é 0 po e o vinho, seria nos possivel retroceder novamente aos tipos? Sem dtivida que isso é totalmente inconcebivel. Eu poderia dizer muito mais que isso, no entanto devo deixar aqui 0 assunto. Ai, parece-me, esté a forma na qual devemos desenvolver o argumento que se baseia nas profecias do Velho Testamento com respeito a “Israel como nagdo”. Contudo, prossigamos. E um fato simples que nosso Senhor nunca falou acerca da restauragaéo dos judeus na Terra Santa. Jamais. Nao existe qualquer referéncia a ela em todo o seu ensinamento. O que sabemos é que Ele disse-como citei em minha prelegdo anterior ~ que um dia viria “quando muitos virao do oriente e do ocidente, e se assentarao com Abraao, Isaque ¢ Jacé, no reino do céu. Mas os filhos do reino serao langados fora” (Mat. 8:11,12). Ele disse isso, porém nunca disse que voltariam para Jerusalém. - Existem ainda outras consideragées poderosas. O que dizermos de todas as afirmagées nas quais 0 apéstolo Paulo tanto se deleitava? “Onde n4o ha grego nem judeu, circuncisdo nem incircuncisao, barbaro, cita, escravo ou livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col. 3:11). Como Paulo se gloriava nisso! Todavia, hé quem nos diz que os judeus sao separados e que no final havera a Igreja dos gentios, e também os judeus numa posigao especial. Paulo diz que nao mais existe judeu nem gentio; estao abolidas essas divisées, de uma vez para sempre. Nosso Senhor “derrubou a parede de separaco ... porque por ele ambos temos acesso a0 Pai em um mesmo Espirito” (Ef. 2:14, 18). E entéo temos a tremenda afirmacao de Galatas, capitulo 3, onde Paulo diz que somos todos da descendéncia de Abrado — e vocés se lembram que ele escrevia para os gentios. 135 Eu argumentaria que o ensino de Romanos, capitulo 11,em sie por si mesmo, prova que 0 ponto de vista que ora analisamos nao pode ser correto, porque todo o argumento de Paulo ali € que s6 existe uma raiz, que a Igreja é una — Velho e Novo Testa- mentos. Os gentios sao enxertados, diz Paulo. O que é importante nao € tanto os ramos, mas esta raiz tinica. “Se a raiz é santa”, diz Paulo, “também os ramos 0 sao” (v. 16). E com essa unicidade, unidade e continuidade essenciais que 0 apéstolo se preocupa. Parece-me, pois, que nao h4 lugar especial para os judeus como nagao; é impossivel. E-nos também importante ter em mente que as pessoas que amitide léem Romanos 11:25,26, 0 leiam assim: “Porque nao quero, irm4os, que ignoreis este mistério, para que nao presumais de vés mesmos: que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado; e assim todo o Israel seré salvo” — como se a salvagdo de Israel fosse um aconteci- mento posterior. Paulo, porém, nao diz isso. Ele disse: “...que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado; ¢ assim todo o Israel sera salvo”. Paulo nao esta falando de seqiiéncia cronolégica. Suas palavras significariam: dessa forma, dessa maneira. Dessa forma, a forma que vem descrevendo: “todo o Israel sera salvo”. Portanto, toda vez que lidarmos com uma afirmagao dificil das Escrituras, é bom principio ndéo nos concentrar nessa afirmagdo, nao olharmos demais para ela, como que enfocando, por assim dizer, um microsc6pio. O melhor método é recuarmos e dizer: “Nao estou entendendo claramente essa afirmagio de Romanos 11:26. Que farei? Bem, deixem-me voltar ao inicio de Romanos, capitulo 9. Evidentemente, os cap{tulos 9, 10 e 11 formam um todo, séo um argumento completo. Paulo comeca com algo no inicio do capitulo 9 € o leva avante até o final do capitulo 11, entéo elabora outro tema”. Se, pois, tomarmos Romanos, capitulo 11, em seu contexto pleno, o que descobrimos? Devemos formular assim a primeira pergunta: afinal, por que o apéstolo introduz este tema? Por que ele introduz os judeus? A meu ver sé pode haver uma resposta 136 adequada a essa pergunta. Em sua maravilhosa peroracdo no capitulo 8, Paulo esta confortando os crentes romanos e dizendo- -lhes que as promessas de Deus sao firmes: “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou ...e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a este também glorificou” (Rom. 8:29,30). Portanto Paulo recua e com efeito pergunta: “O que vocés tém a dizer sobre isso? Nada pode impedir a acdo de Deus”. E entao ele prossegue até ao seu tremendo climax: “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderd separar do amor de Deus, que esté em Cristo Jesus nosso Senhor” (vv. 38,39). Esta tudo bem. Mas, entéo Paulo ouve alguém dizendo-lhe: “Espere um momento, vocé esté deixando sua elogiiéncia empolgé-lo, Paulo. Isso soa por demais maravilhoso; e quanto aos judeus? Contemple as promessas que lhes foram feitas, A impress4o que se da é que no se concretizaréo. Quantos estao na Igreja Crista? Ela parece constituir-se principalmente de gentios ¢ os judeus vivem perseguindo os cristéos. Se 0 que vocé est4 dizendo é certo, € se as promessas de Deus so absolutamente firmes, 0 que tem a dizer sobre a posicéo dos judeus?” Eis como o presente tema surgiu. Como poderfamos conciliar esta tre- menda asseveracao da inviolabilidade das promessas de Deus com os fatos que estéo patentemente diante de nés? Portanto o apéstolo aceita a pergunta dos judeus e a analisa nos capitulos 9, 10 e 11. Ele nao se preocupa em apenas dar um esbogo de seu ensino profético; ele esta respondendo uma suposta objegdo. Portanto, sumariemos o ensino de Paulo. Ele diz que a rejeigdo de Israel nao é total; nao é absoluta; é apenas em parte. Mas, entao ele nao para ai; prossegue e faz uma afirmagao crucial que é a chave da compreensao dos trés capitulos: “Nao que a palavra de Deus haja falhado” (Rom. 9:6). Por que nao? Eis a resposta: “Porque nem todos os que sao de Israel sao israelitas”. De fato, Paulo esta dizendo ao opositor: “Vocé esté em dificul- 137 dades, meu amigo, por crer que 0 termo ‘Israel’ significa a nagdo literal, fisica, composta de homens e mulheres, todos sendo judeus — mas nao é assim. Segundo o uso das Escrituras, Israel nao significa cada judeu individualmente, porque “...nem todos os que sao de Israel sao israelitas”. H4 uma distingdo vital”. Paulo entao prossegue mostrando que as promessas de Deus nunca se aplicaram 4 nagao literal como um todo, mas sempre teve referéncia ao remanescente, aos judeus espirituais, aqueles cuja circuncisao nao foi externa, e sim, interna, do coragao e do espirito. As promessas de Deus se destinaram a esse povo especifico que Ele escolheu dentre a nagao — o verdadeiro Israel. E Deus sempre manteve Suas promessas a essas pessoas. Considerem, por exemplo, diz Paulo, a época de Elias. Parecia que as promessas de Deus se haviam frustrado inteiramente, e deveras até mesmo Elias chegara 4 concluséo de que haviam falhado, e volveu-se para Deus e disse: “Senhor, mataram os teus profetas, e derribaram os teus altares; ¢ sé eu fiquei” (11:3). E Deus respondeu: nao, ha outros sete mil que vocé nao conhece — “o remanescente segundo a eleigéo da graca” esta sempre ali. Sim, quando. chegamos 4 concluséo de que nao ha mais ninguém, Israel, o verdadeiro Israel, ainda esta ali, mesmo agora. Paulo prossegue e pergunta em Romanos, capitulo 11: “Rejeitou Deus ao seu povo? De modo nenhum; porque eu também sou israelita”. Na verdade Paulo esta dizendo: “Se eu fosse 0 nico crist4o entre os judeus, ainda poderia provar que as promessas de Deus sao verdadeiras: “Porque eu também sou israelita, da descendéncia de Abraao, da tribo de Benjamim. Deus no rejeitou ao Seu povo que antes conheceu” (Rom. 11,1,2). E ent4o Paulo continua com sua doutrina do remanescente, o Israel espiritual. E aqui, sugiro-lhes, esté a chave para a solugao desse problema relativo ao significado da expressao “todo o Israel”. Paulo tem falado de “a plenitude dos gentios”. Sim, existe também uma “plenitude dos judeus”. Todos a quem Deus chamou dentre os gentios; todos a quem Deus chamou dentre os judeus: 138 todos eles serao salvos, o Israel total que Deus tinha em Sua mente desde 0 inicio sera introduzido. Pode ser que sejam pouquissimos, talvez, em determinadas gerac6es, e muitissimos em outras, mas todos eles entrarao. “Todo o Israel” deve levar esse significado ¢ conotagao. Por conseguinte, que sejamos prudentes sobre isto: os judeus rejeitaram o Senhor Jesus Cristo quando Ele veio, em virtude de suas idéias carnais de Israel, em virtude de suas idéias naciona- listas, em virtude de Ele nao vir e tomar assento como um rei, em virtude de haverem se escravizado as suas idéias politicas, nacionais e sociais. Nao reconheceram a verdade espiritual, e O rejeitaram. Isso vai ocorrer novamente? E estariam alguns dentre o povo de Deus caindo na mesma cilada e erro de raciocinar em termos de nagao e nao em termos deste remanescente, esse Israel espiritual sobre 0 qual a Biblia sempre se preocupa e 0 qual — segundo o apéstolo Paulo — é 0 tnico Israel em quem Deus esta interessado pelo prisma da salvagao? Quao perigoso é pensar em termos de nacfo fisica e nao compreender que “nem todos os que sao de Israel s&o de fato israelitas”. Finalmente, focalizemos alguns versiculos de Galatas, capitulo 3, os quais apresentam essa quest4o de uma forma muito clara: “Sabei, pois, que os que sao da fé, esses sao filhos de Abraao. Ora, as Escrituras, prevendo que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciaram previamente a boa nova a Abraao, dizendo: em ti serfo abengoadas todas as nagdes. De modo que os que sao da fé sfo abengoados com o crente Abraao” (vv. 7-9). Entao: “Para que aos gentios viesse a béngéo de Abraao em Jesus Cristo, a fim de que nés recebéssemos pela fé a promessa do Espirito” (v. 14). E entio, por fim: “E, se sois de Cristo”, diz Paulo, escrevendo aos gentios, “entao sois descendéncia de Abraio, e herdeiros conforme a promessa” (v. 29). A descendéncia de Abraao ndo € 0 Israel nacional, fisico, A descendéncia de Abraio sao todos os filhos da fé, todos os que exercem f€ no Senhor Jesus Cristo, e que Lhe pertencem, e que sao redimidos por Ele. Estamos violando as Escrituras quando 139 tentamos reintroduzir e perpetuar a disting&o entre judeus e gentios, dizendo que as promessas visam ao Israel literal, ao Israel fisico. Acaso néo estamos? Portanto, a conclusdo dessa interpretac4o das palavras, “todo o Israel sera salvo”, € que significam a totalidade de todos os judeus crentes em todas as épocas e geragdes, todos aqueles que Deus preordenou para serem infalivelmente salvos. Portanto, no final havera a plenitude dos gentios e a plenitude dos judeus. Ha alguns, e estou entre eles, que créem que Paulo ensina neste capitulo que antes do fim haveré um grande niimero de conversées entre os judeus. Sera estonteante e alegrara os coragdes dos crentes entao vivos. Seré como vida surgindo entre os mortos. Mas nao estaréo numa posicio especial; a nagdo de Israel nao seré diferenciada dos gentios. Nao, os judeus, ainda que creiam aos milhares, entraréo no reino pelo arrependimento ¢ f€ no Senhor Jesus Cristo. Terao de confiar no sangue de Cristo como eu tenho e como todos os outros cristaos tém confiado; nao existe outra porta de entrada no reino. Ninguém jamais sera capaz de guardar a lei. E pela fé em Cristo somente, e Ele crucificado, que alguém pode ser salvo. Esse € 0 evangelho eterno, e jamais haverd outro. Portanto, gracas a Deus por ele. Gragas a Deus que Seus propdsitos sao inabalaveis, e aquilo que Ele propés certamente se cumprir4. Podemos crer em Romanos, capitulo 8, a despeito das aparéncias: 0 propésito de Deus segundo a eleicdo da graca, através do remanescente, est4 ainda se cumprindo. 11 O ANTICRISTO Estamos ainda analisando a questéo do tempo da segunda vinda de nosso Senhor. A Biblia, como temos visto, ensina claramente que determinadas coisas precederao esse tempo, e agora temos chegado & terceira dessas coisas. Temos analisado a plenitude dos gentios e o significado da expressao de Paulo, “todo o Israel serd salvo”, e chegamos agora a outro importante sinal — © anticristo. Esta, como as duas primeiras, € uma questio vital e interessante, e também uma que é objeto de muita discordancia. Deixem-me sublinhar uma vez mais o fato de que devemos aborda-la com humildade, com prudéncia e reveréncia, sabendo que, quando homens piedosos e santos confessam certa dificul- dade com a mesma, ela nao é um tema sobre o qual podemos levianamente emitir um julgamento final. Portanto, ao chegarmos 4 andlise da questao do anticristo, permita-me comegar indicando-lhes determinadas afirmagdes especificas nas Escrituras. Em primeiro lugar, temos a passagem de 1 Jodo, capitulo 2, especialmente 0 versiculo 18: “Filhinhos, esta é a Gltima hora; e, conforme ouvistes que vem 0 anticristo, j4 muitos anticristos se tém levantado; por onde conhecemos que é a ultima hora”. Na verdade, “o anticristo” € um termo usado somente pelo apédstolo Joao, Entdo temos também a grande passagem em 2 Tessalonicenses 2:1-12, a qual, também, é claramente uma descrigéo da mesma pessoa. Além do mais, € igualmente claro que em Daniel 7:8 e 7:15-28, bem como na classica passagem do Apocalipse 13:1-18, com seu relato da besta que emerge do mar e a besta que emerge da terra, ha referéncias ao mesmo poder. E, finalmente, ha também referéncias incidentais em 1 Timéteo, capitulo 4, e em 2 Timéteo, capitulos 2¢3. 141 Agora deixem-me apresentar-lhes meu argumento de que Daniel, capitulo 7, 2 Tessalonicenses, capitulo 2, e Apocalipse, capitulo 13, todos eles, se referem ao anticristo. Antes de tudo, em cada passagem, a fonte, a origem, é a mesma. Em Daniel 7:8, © pequeno chifre procede da quarta besta; no Apocalipse, o governo do anticristo é a Ultima fase da besta que emerge do mar; enquanto que o homem do pecado, em 2 Tessalonicenses, capitulo 2, € visivel depois da remog4o do Império Romano. Em segundo lugar, o tempo da origem é 0 mesmo. O pequeno chifre esta entre os sucessores divididos do Império Romano; a besta recebe do dragdo (que é satands) seu poder e sua grande autoridade, marchando pela Roma paga; e o homem do pecado é revelado depois que o poder restringente for removido. Em terceiro lugar, seu fim é 0 mesmo. Todos os trés sao destruidos na segunda vinda de Cristo no juizo final. Em quarto lugar, em cada relato, a figura exerce poder politico-religioso. O pequeno chifre de Daniel, capitulo 7, é semelhante aos outros, embora “divirja” deles, no sentido em que ele é um poder religioso, distinto dos outros “reis” (Dan. 8:24). No Apocalipse, capitulo 13, a besta usa uma coroa, todavia exige e recebe culto, e o “homem do pecado”, em Tessalonicen- ses, capitulo 2, exibe ambos os aspectos. Em quinto lugar, as figuras nos trés relatos revelam pretensao blasfema. O pequeno chifre possui uma “boca que fala grandes coisas” (7:20),e “Proferiré palavras contra o Altis- simo” (7:25). Somos informados que a besta do Apocalipse tem “uma boca que proferia arrogancias e blasfémias” (Apoc. 13:5), enquanto o homem do pecado se exalta contra Deus (2 Tess. 2:4). Em sexto lugar, tanto em Daniel como no Apocalipse, o tempo de seu dominio é 0 mesmo: trés anos e meio. Em Daniel ele é descrito como “um tempo, tempos e metade de um tempo” (Dan. 7:25), e no que diz respeito 4 besta do Apocalipse, “deu-se- -lhe autoridade para atuar por quarenta e dois meses” (Apoc. 13:5). Paulo, porém, em 2 Tessalonicenses, nio apresenta tempo exato. 142 Em sétimo lugar, todos os trés declaram guerra contra o povo de Deus. Em oitavo lugar, possuem grande poder. Somos informados acerca do pequeno chifre em Daniel: “e parecia ser mais robusto do que os seus companheiros” (Dan. 7:20), enquanto se pergunta acerca da besta: “quem poder batalhar contra ela?” (Apoc. 13:4). E somos informados que o homem do pecado em 2 Tessaloni- cerises opera “segundo a eficdcia de satands com todo o poder sinais e prodigios de mentira” (2 Tess. 2:9). Finalmente, em cada passagem € exigida homenagem como se fosse Deus: 0 pequeno chifre se estabelece sobre os santos ¢ tempos e leis do Altissimo (Dan. 7:21, 25); a besta obriga as multiddes a adord-la (Apoc. 13:12), e o homem do pecado se exalta como Deus (2 Tess. 2:4). Portanto, havendo focalizado a relagdo entre as trés passagens, pergunto: o que todas significariam e 0 que Paulo estaria ensinando em 2 Tessalonicenses, capitulo 2? Bem, ele comega dizendo que 0 “dia de Cristo” nao esta tao préximo como algumas pessoas tém dito, e entéo prossegue explicando que certas coisas devem acontecer antes. Primeiro, haver4 apostasia - “um abandono”. Isso devera acontecer na Igreja, e serd a apostasia. Entao “esse homem do pecado”, “o filho da perdigio”, o impio e iniquo serd revelado. Notem bem que nao nos diz que ele vird, pois ele jd esté presente e operando, sendo que nesse ponto ele se revelara. Paulo entéo prossegue dizendo certas coisas acerca dele. Somos informados que ele é iniquo. Isso nao é pecado passivo, mas resisténcia positiva contra Deus. £ desobediéncia deliberada na qual a obstinacdo se exalta ao nivel mais elevado. Segundo, ele se opée a Deus e a Cristo e ao Seu reino e obra. Ele € 0 anticristo, que se pde no lugar de Cristo e se intitula cristéo, todavia é contra o reino da verdade que o nome de cristao implica. Terceiro, ele se assenta no santudrio de Deus, e sua quarta caracteristica é a autodeificagao — “apresentando-se como Deus” (2 Tess. 2:4). Quinto, Paulo diz que este é um mistério que, como sempre 143 no Novo Testamento, sé € revelado aos que tém discernimento espiritual. Sexto, sua presenga é marcada por mentirosas pretenses e falsos milagres, como Paulo enumera nos versiculos 9 a 11 -“com todo o poder e sinais e prodigios de mentira”, levando 0 povo a crer numa mentira, a qual é a operacao de satands, e arrogando para si todo o dominio da fé. Paulo também diz que a revelagéo do homem do pecado é detido por um poder restringente (v. 7), e que ele esté condenado a destruig4o na vinda de Cristo: “a quem o Senhor Jesus matara com o sopro de sua boca” (v. 8). Mas Paulo também deixa claro que “O mistério da inigiiidade” j4 comegou — “ja opera” (v. 7). Entretanto, como j4 vimos, diferente de Daniel, Paulo nao fixa tempos exatos. Entio, a que essas descrigdes do anticristo se referem? Trés explicagdes principais se tém apresentado. Uma € que isso j4 ocorreu: refere-se 4 apostasia e rejeicao judaicas de Cristo. Outros dizem que se dard inteiramente no futuro, e se refere a uma pessoa judaica ou gentia que se exaltard no templo restaurado em Jerusalém e fard guerra contra os santos. A terceira explicagéo é que as passagens referentes ao anticristo indicam o papado. Esse foi o ponto de vista dos reformadores protestantes. Em defesa de seus argumentos, apontavam para as palavras: “se assenta no santuario de Deus, apresentando-se como Deus” (2 Tess. 2:4), as quais, diziam eles, se referem ao trono do papa na igreja entre o povo de Deus. Realgavam que o poder papal comegou depois da queda do Império Romano, o qual corresponde ao relato biblico da origem do anticristo. O elemento politico-religioso, dizem, esté igualmente presente no papado, como também a exigéncia de culto; e além disso, mantinham que existe certa oposigéo ao evangelho que é vista mais sutilmente na negagao da doutrina da justificagéo unicamente pela fé e na exaltagdo da igreja catélica. Esse ponto de vista também compara os “prodigios de mentira” com o grande nimero de supostos milagres mantidos pela igreja catélica romana, e no que diz respeito a “crer na 144 mentira”, apontavam para a fé em milagres, por exemplo, e para o fato de que o Concilio de Trento anatematizou a fé genuina. Os reformadores sugeriram também que o “restringente” se refere aos imperadores romanos, cujo poder foi entao removido; 0 “espirito (sopro) de sua (do Senhor) boca”, em 2 Tessalonicenses 2:8 era a Reforma Protestante; e assim a “décima parte da cidade” que caiu, conforme Apocalipse 11:13, € uma referéncia 4 Revolugéo Francesa. Eis ai, portanto, as interpretagGes possiveis deste tremendo tema do anticristo. Tanta coisa permanece incerta, e objegdes podem surgir contra todos os trés pontos de vista. De algumas coisas, contudo, podemos estar certos. Como j4 demonstramos, 0 anticristo j4 estava em agao nos dias dos apéstolos Paulo e Joao, mas € muito claro que, ainda que hajam muitas imitagdes dele, ele atingiré seu mais pleno poder imediatamente antes do fim desta época. Além do mais, enquanto Daniel mostra 0 aspecto politico, Paulo enfatiza o aspecto religioso de seu governo, e encontramos ambos no Apocalipse, capitulo 13, com a besta que emerge do mar simbolizando o poder politico, e a besta que emerge da terra, o poder religioso. Possivelmente, a esses dois aspectos pode seguir-se outro, com um terrivel poder religioso vindo apés um poder politico igualmente terrivel. Finalmente, podemos, creio eu, estar certos de que 0 anticristo por fim se concentraré numa pessoa, a qual deter4 um terrivel poder, e sera capaz de operar milagres e realizar prodigios de tal forma que quase enganaré os proprios eleitos. Ora, a meu ver esse é 0 sentido de sua doutrina, e devemos compreender que nds mesmos somos confrontados por tal poder. Na&o devemos ser culpados de demasiada simplificagaéo, mas podemos estar certos de que, desde o inicio da Igreja até o fim, um poder maligno esta em agao dentro da Igreja. Como Paulo escreveu aos Efésios: “Pois nao é contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades... contra as hostes espirituais da iniqilidade nas regides celestiais” (Ef. 6:12). 145 12 A INTERPRETACAO -DE DANIEL 9:24-27 Damos prosseguimento ao tema do tempo da segunda vinda de nosso Senhor, e desejo enfatizar novamente que nao lhes estou propondo um esquema ou uma exposigdo que considero ser perfeita e a inica correta possivel; nao ousaria aventurar-me dizer tal coisa. Estou simplesmente tentando expor diante de vocés algumas das diversas idéias e espécies de interpretacao, embora indicando, como alguém que se preocupa em ensinar as Escrituras como se deve, a interpretagaéo que mais se recomenda 4 minha mente e ao meu entendimento. Continuarei repetindo isso, visto que me parece ser 0 ponto mais im- portante que posso apresentar em conexdo com todo este tema. Se eu puder de alguma forma abalar a loquacidade e 0 dog- matismo que tém caracterizado esta matéria, estarei muitissimo satisfeito, e dou gracas a Deus por haver sinais e indicios de que muitas pessoas estéo dispostas a ponderar sobre esta quest&o mais uma vez. Talvez indique um periodo de béngdo na histéria da Igreja. Na prelecdo anterior estivemos analisando juntos a doutrina biblica concernente ao anticristo, o homem do pecado, o filho da perdicéo que, segundo aquela interpretacdo, de qualquer maneira, aparecerd e se manifestard antes de nosso Senhor vir novamente. Ora, havendo feito isso, ha certas afirmagées nas Escrituras que devemos analisar juntos. Certas passagens em particular, € num caso um livro inteiro, tém grande relevancia para este tema. Uma dessas passagens é 0 capitulo 9 de Daniel, o qual analisaremos agora. Outras passagens séo Mateus, capitulos 24 e 25, partes de 1 Tessalonicenses, capitulos 4 e 5, bem como 146 ainda alguns versiculos em 2 Tessalonicenses. E entao, por certo einevitavelmente, hd 0 livro do Apocalipse. Nao estou, contudo, propondo leva-los através do Apocalipse de forma detalhada. Isso éalgo que deve ser feito, e pode ser feito, porém nao em discursos como estes sobre doutrinas biblicas. Fazer uma exposicao de todo o livro prejudicaria a simetria de uma série de prelegées. Nao podemos, porém, tratar desse grande tema da segunda vinda sem indicar como o livro do Apocalipse deve ser interpretado, e, querendo Deus, espero fazer isso. Entao, esse € 0 nosso programa. Ora, estou plenamente certo de que ninguém que j4 tenha estudado esta questo da profecia nutrira grande simpatia por mim do prisma de que os livros que tém sido escritos, bem como as idéias que tém sido propagadas com respeito aos capitulos aos quais jé me referi sio téo volumosos que se torna uma ingente tarefa saber como organizar 0 nosso material, o que deixar fora e 0 que por em realce. Ora, qualquer um que prega 0 evangelho gosta de ler uma passagem e de explicd-la, expondo o significado das palavras e mostrando seu teor geral, dizendo: “Eis a afirmac&o das Escrituras, e eis aqui as ligdes”. Ao tratar, porém, de um tema como este, realmente nao basta fazer isso, ainda que existam muitos que assim o fazem. Existem muitos que, ao manusear essas questées proféticas, simplesmente se levantam e apresentam sua propria interpretacao, e ficam nisso. Com certeza isso é algo muito simples e agradavel de se fazer! Quanto a mim, porém, isso n4o basta, porque existem outras idéias, e as pessoas que engendraram essas idéias vao querer saber por que lhes esté sendo apresentada uma interpretacéo diferente, e 0 que esté errado com suas préprias idéias. E parte essencial da doutri- nagaéo que devemos ajudar alguém o maximo que pudermos; portanto, por mais que eu o queira, n4o posso simplesmente fazer uma exposicao positiva. Terei que apresentar-lhes outros pontos de vista e solicitar de vocés que tentem fazer uma avaliagéo deles, fornecendo-lhes 0 maximo de orientagdo e ajuda de que sou capaz. Ora, vejam a dificuldade. Se eu tivesse tratado dessas 147 questdes antes de 1830, minha tarefa, meu problema, teria sido muito mais simples. Nao posso, porém, ignorar o que tem ocorrido desde 1830. Uma nova escola de interpretagao veio a existéncia cerca dessa data, a qual exerceu uma profunda influéncia. Seus dois Ifderes foram, acima e antes de tudo, o Rev. Edward Irving, ministro da Igreja da Escécia que veio para uma igreja em Londres depois de ter sido assistente do grande Dr. Thomas Chalmers na Escécia. Edward Irving exerceu um ministério extraordinério em Londres, tornando -se famoso, quase notavel, em virtude do brilhantismo da sua pregagao. Desenvolveu-se nele, porém, profundo interesse pela segunda vinda, e comecou a tomar parte em conferéncias em que também tomava parte o piedoso John Nelson Darby, um dos fundadores dos Irmaos Plymouth. Ora, esses dois homens tornaram-se os lideres de uma série de conferéncias que foram promovidas para serem estudadas e discutidas essas quest6es proféticas, e 0 resultado foi o surgimento de uma nova escola de pensamento doutrinario. Evidentemente, desde entéo tém surgido muitas sub- divisées e ramificagées do ensino proposto por Edward Irving e J.N. Darby. Alias, eles néo concordaram em tudo desde o inicio — menciono isso apenas para mostrar-lhes a complex- idade do problema. Houve um real desacordo entre J. N. Darby e o igualmente piedoso George Miiller que também pertencia aos Irmaos Plymouth, porém nao concordou com a inter- pretacao profética de Darby. E assim vocés encontram dois homens piedosos, capazes, discordantes; e ha outros, tais como B. W. Newton. Mas a doutrina que tem se tornado mais popular e que se tornou mais difundida € aquela que teve origen em de J. N. Darby. D. L. Moody, 0 evangelista, adotou a doutrina de J. N. Darby; e, é claro, visto Moody haver se tornado um homem bem conhecido em virtude de suas campanhas evangelisticas, ela foi logo popularizada. A formagao do Instituto Biblico Moody a popularizou ainda mais, e a publicagéo da Biblia Schofield, possivelmente, foi a mais influente de todas. Em conseqiiéncia, 148 esse ponto de vista é muitissimo estimado em muitos circulos evangélicos. Ele tem sua propria interpretacdo particular da maioria dos capitulos que tenho mencionado; e visto que alguém deve sempre expor as Escrituras numa dada circunstancia, qualquer exposigao de Daniel, capitulo 9, que nao dé atengao a esse ensino seria realmente inadequada. Portanto, agora vou considerar 0 que exatamente encon- tramos aqui em Daniel, capitulo 9, e indicarei os diferentes pontos de vista enquanto prosseguimos juntos. Preocuparemo- -nos particularmente, por certo, com os versiculos 24 a 27, os versiculos do final do capitulo. Eis o cenario. Os filhos de Israel jazem em cativeiro em Babilénia, mas o tempo de terminar 0 cativeiro se aproxima. Daniel comega o capitulo nos informando que, pelo estudo que empreendera, descobriu que o cativeiro duraria setenta anos. “No ano primeiro de Dario, filho de Assuero... eu, Daniel, entendi pelos livros que o nimero de anos, de que falara o Senhor ao profeta Jeremias, que haviam de durar as desolacées de Jerusalém, era de setenta anos.” E Daniel, a luz desse fato, se chega a Deus em oragao e formula a pergunta dbvia: “E agora, o que vai acontecer?” Ele admite 0 pecado, admite que anag4o merecera tudo o que lhe aconteceu, porém ele quer saber: eo futuro? E entdo a resposta Ihe € dada pelo anjo Gabriel. E podemos ler essa resposta nos versiculos 22 a 27. Lembro-lhes novamente que tém havido muitas interpre- tages diferentes deste capitulo, Os que conhecem o comentario IVF (ABU) da Biblia notarao que estarei seguindo, na esséncia, a exposicéo dada ali pelo Professor Edward Young do Westminster Theological Seminary em Filadélfia, U.S.A., 0 qual apresenta uma interpretagéo e exposigdo muito excelentes segundo o entendimento tradicional protestante deste capitulo. Incidentalmente, Edward Young, homem que considero um grande erudito em Velho Testamento, diz que esta é indubita- velmente uma das passagens mais dificeis em todo o Velho Testamento, e nao h4 dtvida sobre isso. Entdo, o que nos é dito? Bem, antes de tudo, focalizemos as proprias frases, as exatas palavras que s4o usadas, antes de 149 chegarmos a interpretd-las. A primeira coisa de que somos informados é que Deus havia decidido algo com respeito ao povo: “Setenta semanas sao determinadas sobre teu povo e sobre tua cidade santa”. A primeira coisa, portanto, é entender que Deus tem um plano para o povo. Ele determinou que certas coisas Jhes seriam feitas. O que acontece a Israel nao é algo casual ou acidental; € tudo determinado por Deus. E assim temos aqui agora uma previsdo, uma predicao. A profecia inclui predigao — nao é apenas predicaéo, mas a inclui. Nao é simplesmente pregacao, porém nos informa o que esta para acontecer. E agora enfrentamos imediatamente 0 termo setenta semanas. O que significam as palavras “setenta semanas”? Bem, estritamente falando, essas palavras nao devem ser traduzidas “setenta semanas”, €, sim, “setenta setes”. Pode-se argumentar que sete dias perfazem uma semana; sim, mas nao se segue necessariamente que aqui se tenciona uma semana. O significado literal é “setenta setes”. HA um periodo de tempo referido como “sete”, e vai haver setenta desses “setes” particulares. Ora, ha quem diga que setenta semanas significam simplesmente isto: 490 dias, e que na profecia um dia sempre significa um ano, de modo que setenta semanas, necessariamente, significam 490 ‘anos. Entretanto, eis uma discussdéo em si aberta: acaso na profecia, um dia significa sempre um ano? E vocés descobrirao que existe toda espécie de discordancia, e ha quem diga que é assim no capitulo 9, mas nao nos outros capitulos. Sou levado & conclusaéo de que nao é sdbio considerar o “setenta” eo “sete” como sendo termos exatos. Sugiro-lhes que, em profecia, os ntimeros sao simbélicos. Nao se destinam a ser exatos, entretanto se destinam a comunicar uma idéia. Ora, desejo usar uma frase que foi usada por um homem que foi provavelmente o maior comentarista evangélico do tiltimo século, com certeza foi o maior na Alemanha, homem esse chamado Hengstenberg. Se porventura vocés encontrarem um livro com o nome de Hengstenberg nele, comprem-no, guardem-no e devorem-no! Hengstenberg disse que esses ntimeros nas Escrituras podem ser descritos como que possuindo limitacgéo 150 velada. Eis uma frase formidavel: eles séo definidos, e no entanto nao definem no sentido em que vocés podem dizer exatamente quando uma coisa comega e quando ela termina. Sim, hd uma espécie de certeza neles, mas também uma certa incerteza, e isso se deve ao fato das pessoas nao compreenderem a parte oculta da limitagio que tantos dos maiores nomes na hist6ria provaram estar absolutamente errados. O grande Bengel se fez culpado disso. Gratton Guinness, um dos grandes expositores deste tema no século passado, também estava errado. Tais homens disseram que os nimeros sao absolutamente definidos, e afirmaram que poderiam dizer-nos quando uma coisa estava para acontecer, no entanto estavam sempre errados e sempre estardo errados. Deus quer que saibamos que o tempo é definido na mente dEle, a Segunda vinda do nosso Senhor acontecerdé no tempo determinado, mas vocés e eu jamais poderemos dizer o dia exato. Hé indicagdes que nos farao pensar e estar de prontidao, mas nunca podemos dizer que acontecera em tal e tal data. Toda a historia da profecia esta entulhada com os destrogos das reputagdes de homens que nunca levam em conta o fato da limitag&éo velada: exato e contudo nao exato, sendo a exatidao oculta de nds. Sugiro-lhes, portanto, que uma boa maneira de entendermos esses ntiimeros “setenta” e “sete” é esta: no simbolismo biblico, sete é sempre um numero perfeito, como é 0 nimero dez. Assim, sete vezes dez, que é setenta, pressupde a era completa, o perfodo completo, dividido novamente em periodos perfeitos sugeridos pelo nimero sete. E sugiro-lhes que, quanto mais vocés captarem a idéia de que nao devem enfatizar demais esses nimeros, mas considera-los simbolicamente, mais bem sucedidos serao em sua leitura das Escrituras e menos sujeitos a cair em erro ea levar toda a profecia a difamacio. O que, pois, acontecerd durante esse periodo de setenta “setes”? Somos informados que seis coisas acontecerdo, trés negativas e trés positivas, e séo todas elas apresentadas no versiculo 24. As trés coisas negativas sao: primeira, “extinguir a transgressio”, que significa ser eliminada, dar-lhe um fim. 151 Segunda, “dar fim aos pecados”, que significa, por certo, que os pecados estéo para ser perdoados; chegarao a um fim, porque serdo tratados; serao lacrados; serdo extintos. Isso nos leva 4 terceira coisa, que é: “para expiar a iniqitidade”. H4 necessi- dade de reconciliagéo. O homem, por causa do pecado, tornou- -se estranho a Deus, seu pecado se interpés entre ele e Deus, e antes do homem poder ser reconciliado com Deus, 0 pecado tem de ser removido. Acontecera algo que poré a iniqitidade de lado, e o homem ser4 reconciliado novamente com Deus. Ai esto as negativas, _ Agora, porém, focalizemos as trés positivas. A primeira é: “trazer a justica eterna”. Que frase grandiosa é essa! A justica precisa ser introduzida. Ela nao esté aqui, mas vird; ela faz parte da profecia. Fico nisso por enquanto; continuarei mais tarde. A segunda coisa positiva é: “selar a viséo e a profecia”. Selar significa encerrar, concluir, completar. A visao e a profecia caminham para um fim. Deixarei a explicacgdo para depois; agora estou simplesmente apresentando as coisas. E a terceira coisa positiva é: “ungir o Santo dos santos”. Algumas pessoas diriam que isso significa o lugar santissimo, mas a melhor sugestao é que uma pessoa santissima sera ungida. Essas, pois, sao as seis coisas que nos dizem ocorrerao durante esses setenta “setes”. E assim, no versiculo 24 nos é apresentado um programa. Agora, porém, chegamos as perguntas vitais: quando e como tudo isso iré acontecer? E a resposta nos € dada nos versiculos 25, 26 e 27. Partimos do versiculo 25: “Sabe e entende: desde a saida da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até o ungido, o principe, havera sete semanas, e sessenta e duas semanas; com pracas e tranqueiras se reedificara, mas em tempos angustiosos”. Ora, a primeira coisa que notamos aqui é a frase: “desdea saida da ordem”. O que se pretende por essa “safda” da palavra? E aqui que surge a discordancia. As pessoas que se sentem desejosas de formar um ntimero exato de 490 anos se véem obrigadas a diferir entre si quanto ao método de interpretar esta frase. H4 quem diga que a saida aconteceu no primeiro ano de Ciro, o que equivale a 538 a.C. Outros dizem que significa o 152 vigésimo ano de Artaxerxes, 0 que equivale a 445 a.C. Mas, nem uma parte nem a outra podem apresentar prova, e outras pessoas tém ainda outras idéias. Tudo 0 que sabemos € que 0 inicio é marcado por dar ou enviar a ordem. Quando foi isso? A interpretagéo mais 6bvia € que esse foi o tempo quando Deus deu Sua primeira ordem a Ciro, mas nao se segue necessaria- mente que isso foi quando comegou a concretizar-se. Antes, foi durante o primeiro debate, durante a primeira indicagao, quando Deus primeiro mostrou que tal coisa ia ser feita. Nao podemos, porém, prova-lo, e portanto quao perigoso é tentar fixar datas! Tudo o que sabemos € que desde a saida da primeira declaragéo sobre isso até a vinda do Messias, o Principe, teria havido um periodo de sete semanas e sessenta e duas semanas. Pois bem, observem este termo: “o Messias, o Principe”. Na Revised Version, ele € traduzido “o ungido, o Principe”, sendo que ungido, tem o mesmo significado que Messias. Contudo é interessante observarmos que a pessoa é descrita como alguém que é a um e ao mesmo tempo ungido profeta e Principe, e isso claramente fixa Aquele a quem se refere. O Principe nao é outro senao nosso préprio Senhor e Salvador Jesus Cristo. E sobre esse ponto, creio eu, a maioria das pessoas concorda. “Mas”, perguntaria alguém, “por que essa diviséo de sete semanas,sessentae duas semanas, eno versiculo 27,uma semana?” As setenta semanas s&o divididas por nos: sete, sessenta e duas e o restante de uma semana. As primeiras sete cobrem 0 periodo da atual reconstrugio da cidade destruida de Jerusalém. Os caldeus a haviam destruido, e o remanescente que voltou reconstruiu os muros, a cidade e 0 templo, Portanto, evidente- mente a primeira divisao de sete cobre isso. Entao, seguindo isso, ha sessenta e duas semanas para a vinda do Messias e Principe, que é evidentemente uma referéncia ao primeiro advento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Nao ha muita dificuldade sobre isso, e a maioria das pessoas est4 disposta a concordar. Mas quando chegamos ao versiculo 26, nao ha mais acordo algum. Lemos que “Depois de sessenta e duas semanas sera 153 cortado o ungido, e nada Ihe subsistira”. Ora, essa frase: “nada lhe subsistira” deve ser lida: “nao tera nada”, e isso € como est4 traduzido na Revised Version. Significa que ele nao tera nada que Lhe pertenga, nada que possa reivindicar para Si. Essa é a primeira parte da declaracdo. O versiculo continua dizendo: “...e 0 povo do principe que hé de vir destruiré a cidade e 0 santuario; e o seu fim seré com uma inundagao; e até o fim havera guerra; estao determinadas desolag6es”. E é aqui que existe grande divisao e discordancia. A exposigéo tradicional protestante e reformada é que essa é obviamente uma referéncia a destruigao da cidade de Jerusalém pelo exército romano em 70 d.C., durante o reinado do imperador Tito. Observem que no versiculo 26 essas palavras vém imediatamente apés a afirmagéo de que o Messias sera morto — precisamente como os eventos de 70 d.C. vieram logo apés a morte de nosso Senhor. No entanto, segundo a nova escola de pensamento que teve inicio em 1830, essa é uma referéncia a algo que esta ainda por acontecer. Entretanto, mantenhamos isso em mente por um instante, e avancemos para 0 versiculo 27: “E ele fara um pacto firme com muitos por uma semana”. Ora, nesse caso também nao existe uma boa tradugdo. Talvez a melhor forma de coloca-la seja esta: “Ele fara o pacto firme”, ou “Ele fara o pacto prevalecer”. O importante é que nao leiamos: “Ele faré um pacto”. O significado é muito mais forte que isso. A Authorized Version traduz por confirmado, 0 que comunica uma sugest4o correta, mas com muita freqiiéncia pessoas o inter- pretam como: “Ele fara um pacto”. E nao é isso que nos € transmitido. A sugestao é que j4 havia um pacto em existéncia o qual Ele fara firme. Ele o estabelecera. Ele esta para torna-lo eficaz. : Somos ainda informados no versiculo 27 que na metade da sernana “Ele fard cessar o sacrificio e a oblacao”. Algo esta para acontecer em conseqiiéncia da aco dessa pessoa que pora fim aos sacrificios e oblagio. E a tiltima de que somos informados é que “sobre a asa das abominagoes vird o assolador; e até a destruic&éo determinada, a qual ser4 derramada sobre 0 assolador”. 154 Ora, neste ponto a Authorised Version é confusa. A Revised Version, que é muitissimo superior, traduz: “e sobre a asa das abominagées vird aquele que faz assolagdo”. Essa é uma tradugdo muito excelente, e na margem da Revised Version ha talvez uma nota ainda muito melhor, ou seja: “Sobre o pindculo das abominagées viraé Um (ou ser4é Um) que fara assolagao e até mesmo consumagao, e que determinada ira ser4 derramada sobre a desolacao e o assolador”. Eis as reais afirmag6es que nos confrontam. Ora, as palavras: “sobre a asa das abominagées”, u “sobre o pindculo das abominagées” séo seguramente uma referéncia 4 destruigéo do templo. Comegando no préprio pindculo, o templo iria ser completamente destruido. A grande pergunta que se suscita é esta: qual é a inter- pretag&o dos versiculos 26 e 27? Hé duas escolas principais de pensamento, e os argumentos giram em torno disto: quando ocorrera a septuagésima semana? O profeta falou de sete e sessenta e duas, mas isso perfaz sé sessenta e nove. Quando ocorrera a semana restante? Eis outra pergunta que formulamos: os eventos que se acham descritos no versiculo 26 ocorrerdo na septuagésima semana? Tudo de que somos informados é que ocorrerao “depois de sessenta e duas semanas”, mas lembrem-se de que depois das sessenta e duas semanas vém as sete, significando que os eventos se concretizarao depois de sessenta e nove semanas. A passagem nao diz realmente que os eventos ocorreraéo na septuagésima semana, nem se diz que nao ocorrerfo entéo. Tudo o que realmente diz é que ocorrerao depois da sexagésima nona semana. Significaria na septuagésima semana? His ai a grande questo. E 0 terceiro problema em pauta é: quem é “ele” no inicio do versiculo 27? “E ele far4 um pacto firme com muitos por uma semana.” Esse “ele” refereria ao Messias no versiculo 26? Ou se refere ao principe de quem lemos na segunda metade do versiculo 26? Ora, 0 ponto de vista daqueles que nao créem na divina inspiracéo das Escrituras, e daqueles que nao créem que a profecia sempre significa predigdo, é que nao podem facilmente 155 explicar tudo isso dizendo que os eventos j4 ha muito aconteceram, e ainda aconteceram antes do nascimento de nosso Senhor e Salvador. Isso, dizem eles, nao é senao um relato do que foi feito por um homem chamado Antioco Epifanes, sendo o ungido um dos sacerdotes de Israel que foi morto por ele. Nao é necess4rio, porém, que gastemos muito tempo em considerar esse ponto, porque ele simplesmente se baseia em pressuposigdes que excluem a possibilidade de predigo e, na verdade, minam a crenga na inspiragao das Escrituras. Por isso temos de considerar dois pontos de vista: primeira- mente, 0 ponto de vista que se tornou popular-—e continua sendo muito popular entre muitas pessoas -oriundo das conferéncias de 1830. Ai nao posso fazer nada melhor do que ler para vocés uma declaragéo desse ponto de vista: “Essas sfo semanas ou, mais acuradamente, “setes de anos”, setenta semanas de sete anos cada uma. Dentro dessas semanas 0 castigo nacional deve ser concluido e a nacao estabelecida em justiga eterna”. Pergunto: vocés percebem a significagdo disso? Diz-se que a nag@o ser restabelecida em justica eterna. Nesse ponto, porém, alguns de nés querem propor uma questéo. Nao nos é dito que a nagéo sera restabelecida em justica eterna; o que se nos diz é que a justica eterna ser4 introduzida, o que nao é a mesma coisa. Mas, vejam, se comecarem com a teoria de que os judeus se destinam a ter um lugar especial no reino de Deus, e que Deus ainda Se preocupa com eles de uma maneira especial, e que entrarao no reino por uma porta especial, e assim por diante; entéo, com certeza vocés terao que enxertar essa idéia em toda parte. Ora, nao nos € possivel tratar desse tema por inteiro nesta preleco, mas deixem-me ler 0 restante dessa exposicdo para que vocés possam considera-la quando tratarmos dela na préxima prelecdo. Ela diz que as setenta semanas sao assim divididas: sete (quarenta e nove anos); sessenta e duas (434 anos); uma (sete anos). Nas sete semanas (os quarenta e nove anos) Jerusalém tinha que ser reconstruida em tempos angustiosos (ai, como eu ja disse, todos n6és concordamos). Isso j4 se cumpriu, como Esdras e Neemias registraram. Sessenta e duas semanas equivalem a 156 434 anos, ¢ depois disso o Messias tinha que vir. Isso se cumpriu no nascimento e manifestagéo de Cristo (concordamos nova- mente). Mas agora, 0 versiculo 26, dizem eles, é obviamente um periodo indeterminado. Pergunto: seria claro para vocés que o versiculo 26 deve ser um periodo indeterminado? Ai surge uma dtivida. A declaragao desse ponto de vista continua: “A data da crucificagaéo nao é fixada; apenas se diz ser depois das sessenta e duas semanas. E 0 primeiro evento no versiculo 26. O segundo evento éa destruigdo da cidade — cumprido em 70 d.C. Entao, mais para o fim vem um perfodo que nao é fixado, mas que j4 tem durado quase dois mil anos. A Daniel sé foi revelado que guerras e assolagdes continuariam. Os profetas neo-testamentarios revelaram que isso foi ocultado aos profetas veterotesta- mentiarios, que durante esse perfodo seriam concretizados os mistérios do reino do céu e o chamamento da Igreja”. Vejam que esse ponto de vista nos diz que o Velho Testamento nada sabe acerca da Igreja, nada a respeito dos gentios entrando esendo abengoados e salvos. Prossegue: “Quando a era da Igreja terminar e comecar a septuagésima semana” — percebem a implicagéo? Diz-se que ha uma grande lacuna de pelo menos dois mil anos entre o fim da sexagésima nona semana e 0 inicio da septuagésima semana — uma lacuna introduzida pela inter- pretagdo. Somos entéo informados que o fim desse tempo, quando a era da Igreja terminar e a septuagésima semana tiver comegado, é em parte alguma revelado. Dizem: “Sua duracao s6 pode ser de sete semanas; tornd-la maior viola 0 principio de interpretagdo j4 confirmado pelo cumprimento”. O versiculo 27 trata da ultima semana, e os defensores do ponto de vista que estamos considerando nos dizem dogmatica- mente que 0 “ele” do versiculo 27 é “o principe que vira” (v. 26), “cujo povo, Roma, destruiu o templo em 70 d.C. Ele 0 mesmo”, nos dizem novamente, “pequeno chifre do capitulo 7” — falamos sobre isso na prelegao anterior. “Ele fard alianga com os judeus 157 para restaurar os sacrificios em seu templo por uma semana” — de fato, nao somos informados disso no versiculo 27. “Mas na metade desse tempo ele quebrar4 a alianga e cumpriré Daniel, capitulo 12, e 2 Tessalonicenses, capitulo 2. Entre a sexagésima nona semana, depois que o Messias for morto, e a septuagésima semana, dentro da qual o pequeno chifre de Daniel, capitulo 7, concluir seu terrivel curso, se interpde toda a era da Igreja. O versiculo 27 trata dos tiltimos trés anos e meio dos sete que sdo idénticos com a grande tribulagao do capitulo 24 de Mateus, o tempo de angiistia do capitulo 12 de Daniel, ea hora da tentagéo do capitulo 3 do Apocalipse.” Ai est4, pois, o ponto de vista tio comumente aceito hoje como a interpretagdo deste capitulo. Ora, antes de passar a expressar as criticas a esse ponto de vista e recordar-Ihes com detalhe a interpretagao tradicional protestante antes de 1830, precismos tentar ponderd-la. As perguntas que vocés devem conservar em mente sao as seguintes: O programa delineado no versiculo 24 ja se concretizou? O que dizer das coisas descritas no versiculo 26? Quem é 0 “ele” no inicio do versiculo 27? Porventura os eventos descritos no versiculo 26 acontece- yam na septuagésima semana ou num suposto intervalo entre o fim da sexagésima nona semana € 0 inicio da septuagésima? Existiria mesmo uma grande lacuna entre a sexagésima nona semana e 0 inicio da septnagésima semana? Ponderem consigo mesmos sobre essas coisas. Uma parte desse esquema de interpretag4o, interpretagdo essa que, como eu j4 disse, da aos judeus um lugar especial no eterno propésito de Deus ¢ na vinda do reino é a crenga de que o templo sera reconstruido em Jerusalém, e sacrificios cruentos sero intro- duzidos novamente. Os proponentes desse ponto de vista nao aceitam minha interpretagao do anticristo apresentada na prelecao anterior, mas consideram 0 anticristo como uma figura 158 inteiramente futura, e associam isso com uma interpretagado semelhante do livro do Apocalipse. O tema é dificil e envolvente, mas uma vez langado estes principios e este fundamento, ser-nos-4 bem mais facil prosseguir. 159 13 _CONCLUSAO DO CAPITULO 9 DE DANIEL E O ARREBATAMENTO SECRETO Na prelegao anterior, examinamos em detalhe a afirmagéo de Daniel 9:24 -27, e simplesmente explicamos os termos a fim de realcar o seu significado. Vimos que existem trés interpretagées principais. Descartamos a primeira, porque ela nao considera esses versiculos como uma profecia, mas cré que sao histéria escrita depois do evento. Nao precisamos desperdigar tempo com ela. Isso nos deixa com os dois ensinos principais e consideramos particularmente a interpretagdo que se tornou extremamente popular durante este presente século, tendo sido ensinada com renovado impeto desde cerca de 1830 para ca. Ora, segundo esse ensino, vocés se lembram, os eventos que sdo referidos no versiculo 24 nao ocorreram ainda, porém ocorreréo no futuro. Essa interpretagéo também ensina que ha uma grande lacuna entre a sexagésima nona semana e a septua- gésima semana, e diz que a septuagésima semana ainda nao comecou. A sexagésima nona semana esté completa, mas toda a era da Igreja deve terminar antes que a septuagésima semana comece. Ela é assim chamada teoria do intervalo. A terceira énfase desse ensino diz respeito 4 pessoa que € descrita no inicio do versiculo 27 - “E ele fara um pacto firme com muitos por uma semana; e na metade da semana far4 cessar o sacrificio e a oblac&o; e sobre a asa das abominacées vird o assolador; e até a destruigéo determinada...” Os amigos que defendem esse ensino dizem que o “ele” é o principe descrito no versiculo 26: “E depois de sessenta e duas semanas sera cortado © ungido, e nada lhe subsistiré (nao lhe ficaré nada) — noutros termos, ele ficard sozinho — e 0 povo do principe que h4 de vir 160 destruira a cidade e o santudrio, e o seu fim sera com uma inundacao; e até o fim havera guerra; estéo determinadas assolagées”. E quando sera que “ele” introduziré os eventos do versiculo 27? Bem, como ja vimos, diz-se que tudo isso pertence ao futuro e ocorreré durante a septuagésima semana. Durante os primeiros trés anos e meio da septuagésima semana, esse principe fara um pacto com 0 povo de Deus. Por esse tempo todos os judeus terao regressado a Palestina, tendo empreendido a reconstrugao do seu templo e tendo reintroduzido seus sacrificios de animais; e esse principe tera consumado um pacto com todo o povo de Deus. Subitamente, porém, na metade da semana ele voltard atrés em sua palavra. Quebrando seu préprio pacto, ele passaré a persegui- -los de uma forma terrivel e continuard a agir assim durante os trés anos e meio seguintes. Nesse interim, porém, o Senhor regressara e destruiré o principe, libertando Seu povo, e ser4 introduzido o milénio. Essa € a esséncia desse ensino com respeito a essa secéo do nono capitulo de Daniel. Ao focalizarmos esse ponto de vista, desejo que conside- remos também outro método possivel de expor e explicar esses grandes versiculos. O problema que de pronto nos confronta, obviamente, € a questéo de “a lacuna”. As Escrituras nao dizem realmente que haver4 uma lacuna; tudo o que elas dizem é: “E depois de sessenta e duas semanas ser4 cortado 0 ungido”. “Mas”, dizem os expoentes da teoria do intervalo, “as Escrituras nao dizem que ndo haverd nenhum intervalo.” Ora, isso de forma alguma satisfaz. “Bem”, dizem eles, “mas as Escrituras também afirmam que hé certa diviséo entre as semanas sexagésima nona e a septua- gésima.” Plenamente correto, porém as Escrituras também afirmam que existe certa divisao entre as sete e as sessenta e duas: “Sabe eentende: desde a safda da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até o ungido, o principe, haverd sete semanas, e sessenta e duas semanas”. Por que Gabriel nao disse: “sessenta e nove semanas”? Entretanto nao disse. As sessenta e nove 161 semanas sao divididas exatamente do mesmo modo que a semana sexagésima nona é dividida da septuagésima semana. Sim, mas mesmo as pessoas cuja teoria estamos considerando nao dizem que existe qualquer lacuna entre as sete e as sessenta e duas semanas. Concordam que as sessenta e duas semanas procedem diretamente das sete semanas, e dizem que as sete provavelmente se referem 4 reconstrugao de Jerusalém e entdo as sessenta e duas, ao periodo do fim da reconstrugao até a vinda do Messias, o Principe. Mas de repente somos informados que existe uma lacuna entre a sexagésima nona semana e a septuagésima que ja se estendeu por quase dois mil anos e poderd estender-se ainda mais. Solicito que vocés ponderem cuidadosa e seriamente a teoria do intervalo. Isso lhes parece ser uma forma justa de expor as Escrituras? Essa forma se lhes sobressai como algo que surge naturalmente da presente declaragéo diante de nés? Confesso que eu mesmo acho extremamente dificil aceitar tal ponto de vista em virtude de parecer-me que a relacao entre as sessenta € duas semanas e as sete semanas é exatamente a mesma que a relagéo entre as sessenta e nove semanas e a septuagésima semana. Portanto, deixem-me sugerir-lhes que existe outra forma de considerar essa grande afirmacao que, parece-me, realmente nos transmite grande conforto e é uma prova da veracidade da profecia, visto que ela j4 se cumpriu. Tomem 0 versiculo 24: “Setenta semanas estio decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade”, Imediatamente vem a lume uma sugestao de que algo extremo e drdstico est4 para acontecer a esse povo e a sua cidade, durante setenta semanas. O que esta para acontecer? Primeiro, “extinguir a transgressdo”, conduzi-la a um termo final. Entao, “dar fim aos pecados”, tratar dos pecados, preparar uma forma de perdao. Em seguida, “para expiar a iniqiiidade, e trazer a justiga eterna, e selar a visdo e a profecia”. Finalmente, “para ungir 0 Santo dos santos”. Acaso vocés nao conseguem ver tudo isso no Novo Testa- mento? Admiro-me que alguém n4o consiga vé-lo. Olhem para 162 as palavras: “extinguir a transgressio”. Nao sobreveio a esse povo, em 70 d.C., um tipo de jufzo final? Nosso Senhor o advertira, ¢ finalmente chegou: “Setenta semanas estéo decre- tadas sobre 0 teu povo e sobre a tua santa cidade”. E entéo o povo ea cidade sofreram juizo, e 0 tém sofrido desde entao. Em seguida temos: “dar fim aos pecados”: nao teriamos aqui nosso bendito e glorioso evangelho cristéo? Durante esse perfodo deu-se um fim ao pecado. Foi estabelicido na colina do Calvario o manancial para os pecados e impureza. Abriu-se a vereda da expiagao. O caminho do perdao finalmente se abriu. E entao visualizem-no por este outro prisma: “para expiar a iniqiiidade”. O que é 0 evangelho que nos foi confiado? Ei-lo, diz Paulo: “Pois que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Cor. 5:19). Daniel nos esté fornecendo uma previsao daquilo que propriamente aconteceu durante esse periodo. O que mais? Lemos: “e trazer a justiga eterna”. Vocés se Jembram que o outro ponto de vista diz que a justiga da nagdo de Israel sera eternamente estabelecida. Mas ndo recebemos tal informacéo. Simplesmente se nos diz que a justica eterna serd introduzida. Acaso a justiga eterna nao foi introduzida por nosso bendito Senhor e Salvador, por Sua vida perfeita, por haver Ele feito uma oblacao pelo pecado? A vereda da justiga de Deus, diz Paulo em Romanos, ja comegou. E o meu evangelho, diz o apéstolo: “Porque no evangelho é revelada, de fé em fé,ajustica de Deus” (Rom. 1:17). Eis a justiga eterna, ¢ jamais havera outra. E a justiga de Deus em Jesus Cristo, e € a tinica justiga que Deus recon- heceré ou que a humanidade conhecera. Ela é, na verdade, uma justiga eterna. E em raz&o da justica introduzida por nosso Senhor, Ele “selard a visdo e a profecia”. Cristo é o cumprimento das profe- cias. “N&o penseis que vim destruir a lei ou os profetas; nado vim destruir, mas cumprir” (Mat. 5:17). Portanto, a profecia e a visio estdo seladas, naturalmente, porque nosso Senhor é Aquele para quem todas elas apontam. Entao, “e ungir o Santo dos santos”. E Ele foi ungido. As Escrituras neotestamentdrias nos dizem 163 especificamente que Deus O ungiu. Ele é 0 Messias. Portanto sugiro-lhes que o versiculo 24 é inteiramente messianico. Euma profecia do que aconteceria quando Cristo viesse realizar Sua obra perfeita. O versiculo 25 nao apresenta dificuldade alguma; é perfeitamente claro. Ao chegarmos ao versiculo 26, eis a informaga4o que recebemos: “E depois de sessenta e duas semanas ser4 cortado o ungido, e nada lhe subsistira”. Ora, sabemos que isso foi o que exatamente aconteceu. E entéo? “E 0 povo do principe que ha de vir destruird a cidade ¢ 0 santuario.” E isso aconteceu literalmente. Tito era o nome do principe; e de uma forma terrivel e quase diabélica ele e seus legionérios romanos destruiram a cidade de Jerusalém e o templo. Josefo descreve o que aconteceu: “Nunca houve sobre a terra um massacre tal como o que houve ento, o sofrimento, a tribulagao, a crueldade daquela guerra ainda se avolumam em toda a histéria”. E eis aqui, admiravelmente, uma profecia desse evento. E ent4o vamos juntos para o versiculo 27: “E ele far4é um pacto firme com muitos por uma semana; e na metade da semana fara cessar 0 sacrificio e a oblagéo”. Ora, eu Ihes apresentei o outro ponto de vista que sugere que essa é uma referéncia ao principe do povo que vira. Mas tentem experimentar isto —leiam esta seco em voz alta para alguém que nao tem levado em conta a passagem ec perguntem a quem o “ele” se refere. Porventura 0 sujeito de quem se faz referéncia em todo o pardgrafo nao seria o Messias? O outro principe surge e realiza sua obra, mas 0 tema, © sujeito, €o Messias. “Ele faré um pacto firme com muitos por uma semana” —e 0 Messias fez isso. Vocés recordarao que fizemos um grande esforgo para enfatizar que a leitura correta é “confirmara” — nao faré - “o pacto”. Ele estabeleceré um pacto que j4 estava em existéncia. E o Senhor Jesus Cristo nao teria feito isso? O pacto da graga e da salvacao retrocede a Abraao; alias, retrocede ao jardim do Eden, como j4 vimos previamente (ver volume 1, Deus 0 Pai, Deus o Filho). O Senhor Jesus Cristo veio para confirmar esse pacto, e Ele 0 confirmou. Ele o estabeleceu. Ele o tornou sélido. Ele é a ratificagao de todo 0 164 pacto. E 0 ratificou derramando Seu sangue, como o autor da Epistola aos Hebreus nos ensina (cap. 9). Oh, sim, e entdo prossegue: “e na metade da semana fard cessar 0 sacrificio e a oblacgéo”. O grande antitipo havendo chegado, os tipos, naturalmente, no s4o mais necessdrios. Quando “o Cordeiro de Deus que tira 0 pecado do mundo” (Jodo 1:29) veio e foi morto para fazer a oblacgdo expiatéria, as sombras e tipos n&o sdo mais necessdrios. Portanto, 0 sacrificio e a oblac&o sao feitos para cessar e, de uma forma admiravel, cessaram. Nao existe templo, ¢ os sacrificios néo séo mais oferecidos. A oferenda final j4 foi feita, uma vez para sempre, como novamente 0 livro de Hebreus continua enfatizando e reiterando. Mas de repente lemos isto: “e sobre a asa das abominagdes viré o assolador, e até a destruicgéo determinada, a qual sera derramada sobre o assolador.” Simplesmente isso. A conse- qiiéncia imediata da rejeigéo dEle pelos judeus foi que a cidade deles foi atacada e totalmente destruida, de modo que, em certo sentido, Ele mesmo lhes fez isso. Noutras palavras, existe um paralelo entre os versiculos 26 e 27. Ha duas secdes para o versiculo 26, e duas segdes para o versiculo 27. Na primeira metade do versiculo somos informados acerca do Messias sendo cortado e nada restando; e, em conexio com isso, hé uma terrivel inundag&o, e a guerra com toda sua desolacao que literalmente ocorreu em 70 d.C. E hd uma repeticao exata das mesmas duas coisas no versiculo 27. Antes de tudo, o préprio Messias confirmando e ratificando o pacto e, por Sua morte, pondo fim aos sacrificios; e em seguida, na segunda metade, a desolagéo ea guerra e a destruigaéo que ocorreram. E tudo aconteceu literal- mente em 70 d.C. Portanto, eis os dois pontos de vista, e lhes pediria que os ponderassem criteriosamente e em oragao. Vejo nesta secao de Daniel uma profecia mais chocante do que o ocorrido literalmente quinhentos anos mais tarde. Que previséo do evangelho! Que maravilhosa profecia do eterno caminho de Deus para a salvacio! Vocés se lembram que Daniel estava aflito. Perguntou ele: 0 que ira acontecer? Qual sera o futuro? E eis a 165 resposta: é informado do que sucederé 4 sua nac&o e a seu povo. Mas, gracas a Deus, no para ai. E também informado do que Deus fara em cumprimento de Seu antigo pacto e promessa. E informado sobre o Messias, a justica eterna, a expiacio, a reconciliagao ¢ de toda a gloria da salvagao crista. Portanto, a impressao que tenho é de ser totalmente desnecessério introduzir uma lacuna entre as semanas sexagésima nona e septuagésima. A septuagésima procede diretamente da sexagésima nona. Essas coisas seguem uma seqiiéncia e aconteceram na mesma seqiiéncia ensinada aqui. Uma outra questéo que a mesma escola de interpretacaéo ensina diz respeito nao s6 ao tempo de Sua vinda, mas também ao modo de Sua vinda. Estou me referindo ao que comumente se chama arrebatamento preliminar dos santos. Ora, essa doutrina, da mesma forma que a interpretacio de Daniel, capitulo 9, nao era conhecida antes de 1830. Foi primeiro ensinada numa das conferéncias proféticas que se tornaram conhecidas como “The Powerscourt Conferences on Prophecy” (Conferéncias de Powerscourt sobre Profecia). O ensino é que hé uma diferenga vital entre a vinda de Cristo ¢ 0 aparecimento de Cristo, também chamada o “dia do Senhor” ou “a manifestagéo do Senhor” ou “o aparecimento do Senhor”. Diz-se que a vinda de nosso Senhor tem referéncia somente a Igreja, ao povo cristao, e nao se aplica diretamente ao mundo. Quando nosso Senhor vier, Ele vira somente para Seus santos. Os santos do Velho Testamento ressuscitarao, os santos cristaos que j4 tiverem morrido também ressuscitardo, e os cristéos que permanecerem na terra serao transformados e serao levados com esses outros santos ressurretos para encontrar o Senhor nos ares. Entéo, dizem, depois que a Igreja ja estiver removida, e depois que o Espirito Santo também ja tiver partido com a Igreja, o remanescente judaico serd deixado aqui na terra. Os judeus ja terao voltado para a Terra Santa, o templo tera sido construido e os sacrificios estarao sendo oferecidos., Entao 0 anticristo aparecerd e fara um pacto, e fara tudo o que eu venho descrevendo. Isso continuaré até o dia do Senhor, quando nosso Senhor regressar, dessa vez com 0s santos 166 — nao para eles, mas com eles. Entao Ele destruiré 0 anticristo e introduzira o grande periodo do milénio. Segundo esse ensino surgido em 1830, a segunda vinda de nosso Senhor sera entéo em dois est4gios, haverd duas vindas, separadas uma da outra. Ele vird a primeira vez s6 para receber os santos para Si mesmo. Ele viré a segunda vez, acompanhado pelos santos, para destruir 0 anticristo ¢ introduzir 0 periodo do milénio. Mas nao para ai. Essa primeira vinda do Senhor sera secreta. Ninguém O verd sendo os santos. Ser4 um arrebatamento secreto. Os incrédulos nao saberéo que Ele veio. Tudo de que estarao cientes é que os crentes a quem conheciam nao mais vivem entre eles. Vocés percebem a importancia desse ensino? O arreba- tamento secreto pode acontecer a qualquer momento; nao ha sinais prévios. Difere do ponto de vista tradicional que ja lhes expus, 0 qual afirma que o anticristo deverd aparecer e sera revelado antes que a segunda vinda de nosso Senhor se concretize. Nao, sustenta-se que essa vinda do Senhor para Seus santos precederé a manifestagao do anticristo e todas as suas obras nefastas. Essa é obviamente uma importantissima quest4o para ser considerada. Eu ja disse que a doutrina do arrebatamento secreto nao apareceu antes de 1830. Temos de fato uma afirmagao autoritativa de como ela comegou. Houve um estudioso do Novo Testamento chamado Tregelles, que pertencia aos assim chamados Irmaos Plymouth. Tregelles foi sem dtivida um dos maiores eruditos em critica textual do Novo Testamento do século dezenove, e além disso ele era um piedoso homem de Deus. Em 1830 e subseqiientemente, ele esteve presente nas Conferéncias de Powerscourt, as quais tiveram a participacéo do grande J. N. Darby e de B. W. Newton e de outras pessoas pertencentes a essa escola. Eis o que Tregelles diz: “Nao estou cénscio de que havia algum ensino definido que haveria um arrebatamento secreto da Igreja numa vinda secreta até que isso fosse apresentado na forma de discurso na igreja de Mr. Irving, o que entao foi recebido como sendo a voz do Espirito. Mas se alguém mais asseverou ou 167 no tal coisa, foi dessa suposta revelagéo que surgiu a moderna doutrina e a moderna fraseologia”. Ora, deixem-me lembrar-Ihes do Rev. Edward Irving. Foi um notavel pregador escocés cuja histéria de toda sua vida € digna de leitura. Foi um grande orador dotado de um intelecto privilegiado, e por certo tempo foi assistente do grande Dr. Thomas Chalmers na Escécia. Entaéo foi para Londres onde exerceu um ministério fenomenal, tornando-se o pregador mais popular da cidade. Toda espécie de pessoas se apinhavam para ouvi-lo, pessoas da alta sociedade e de outras classes, por causa de usar extraordindria oratéria,e as vezes também por causa da novidade de seus pontos de vista. Infelizmente, 0 pobre Edward Irving - para ser bondoso ~ parece ter-se tornado ligeiramente desequilibrado em seus ensinamentos. Comegou a falar em Iinguas, segundo alegava, e a pregar que Deus Ihe dera uma vis4o. Entéo fundou uma nova igreja que se denominou Igreja Apostélica. Alegava que a igreja era ainda apostélica, que os apéstolos e profetas nao teriam cessado no final do periodo da Igreja Primitiva, mas que deveria haver ainda apéstolos e profetas, os quais ainda deveriam receber revelagdes, dedicar-se a pregacao profética, ter visdes e falar em linguas etc. Seus seguidores alegavam fazer tudo isso, e essa era a raz4o por que se chamavam a Igreja Catélica Apostélica. Teve por certo tempo alguns seguidores, mas gradualmente o apoio diminuiu e se desvaneceu. Ora, Tregelles diz que até onde sabia, a doutrina do arrebatamento secreto da Igreja na vinda de nosso Senhor foi primeiro ensinada como resultado de uma pregacdo profética na igreja de Edward Irving. Originou-se do falar em linguas, interpretadas por alguém; alias, Tregelles enfatizou isso ao afirmar que tal ensino foi recebido por “revelagéo”. Espero que estejamos percebendo a importancia disso, porquanto existem hoje formas de ensino que atraem determinadas pessoas que alegam ser muito espirituais, e uma vez mais 0 ensino é baseado numa revelac4o que supostamente foi dada por Deus a uma pessoa em particular. Estou destacando um ponto geral aqui. Segundo meu entendimento do Novo 168 Testamento, devemos sempre suspeitar de um ensino que se baseia em alguma suposta “revelacaéo”. Se vocés lerem sobre a origem dos adventistas do sétimo dia, descobririo que todo o ensino a respeito do sétimo dia, bem como varios outros assuntos, vieram, segundo alegam, como revelagdo a uma certa senhora White. Nao surgiram de um estudo das Escrituras, porém vieram de uma revelacio. Ora, é preciso que considerem se tal coisa pode ser equiparada com o ensino do Novo Testamento com respeito a doutrina. A igreja catélica romana, naturalmente, alega que ela é tao inspirada quanto a Igreja Primitiva, e que Deus Ihe tem dado revelagio subseqiiente ao canon do Novo Testamento. Eis por que os catélicos romanos podem agora ensinar a concepgéo imaculada e a ascensao de Maria, e assim por diante — revelacdes foram dadas a parte das Escrituras. Segundo Tregelles, 0 ensino a respeito do arrebatamento preliminar dos santos, o qual primeiro veio como um enunciado profético, foi aceito por determinadas pessoas presentes na conferéncia de 1830, inclusive J. N. Darby. Mas no foi aceita por B. W. Newton, nem por Robert Chapman nem por George Miiller. Muitas pessoas nao estao cientes de que ele nao foi aceito em geral, mesmo entre esse circulo, e que houve divisdo. Somente J. N. Darby e alguns de seus seguidores 0 aceitaram, ainda que se dissociaram totalmente de Edward Irving quando comegou a falar sobre linguas, visdes, apdstolos, e assim por diante. Nao obstante, o ensino sobre o arrebatamento persistiu e ainda persiste. Eis, portanto, 0 ensino acerca desse arrebatamento preliminar, e os amigos que créem nisso alegam que ha determinados textos biblicos que 0 comprovam. E assim passamos a considerar 2 Tessalonicenses 2:8: “E entao sera revelado esse iniquo, a quem o Senhor Jesus mataré com 0 sopro de sua boca e o destruira com a manifestagdo de sua vinda” — ou, “a epifania de sua parousia” ou “a manifestagao de sua vinda”. Ha, eles reivindicam, uma diferénga entre Sua “vinda” e “a manifestacao da Sua vinda”. Isso, porém, certamente é contestado pelos versiculos 9 e 10 do capitulo 1, onde a 169 condenac&o do pecador ea glorificagéo dos santos ocorrem juntas. Além do mais, 1 Tessalonicenses 2:1 identifica a parousia com a vinda do Senhor. Em 1 Tessalonicenses 4:15-17 também fala da vinda do Senhor — a parousia — e nesse ponto 0 argumento dos que créem no arrebatamento preliminar é que os incrédulos e impios nao sao de forma alguma mencionados aqui, por isso estes versiculos nao se aplicam a eles. No entanto, afirmar tal coisa é ignorar 0 problema imediato com o qual Paulo estava lidando. Os crentes tessalonicenses estavam preocupados com os cristéos que tinham motrido (vv. 13,14), e Paulo lhes assegura que tais pessoas também ressuscitarao naquele dia. Ele nao se preocupa com os incrédulos aqui. O mesmo tema persiste no capitulo 5 (no v. 2, “o dia do Senhor” é claramente o mesmo dia). Os crentes devem preparar- se para aquele dia (5:4), mas como poderiam estar preparados se ja haviam sido arrebatados sete anos antes? Com respeito a Mateus 24:40,41, que diz: “Entao, estando dois homens no campo, seré levado um e deixado o outro; estando duas mulheres a trabalhar no moinho, sera levada uma e deixada a outra”, todo 0 cendrio consiste no juizo, e 0 contexto é compar4vel ao dilfivio. Portanto, esse versiculo significa que, no jufzo final, haverd separacdo. Em seguida chegamos a Atos 1:11: “Esse Jesus, que dentre vos foi elevado para o céu, ha de vir assim como para 0 céu 0 vistes subir”. Aqui o argumento dos que créem no arrebatamento € que a ascensao de Cristo nao foi vista pelo mundo, e portanto a segunda vinda de Cristo também n4o sera vista por ele. Contudo, quando os anjos dizem, “assim como”, estao clara- mente se referindo ao modo de Sua vinda, a qual sera fisica e visivel. Em 1 Corfntios 15:23 se diz: “Cada um, porém, na sua ordem: Cristo as primicias, depois os que sao de Cristo, na sua vinda (parousia)”. E 0 versiculo 24 prossegue: “Ento vira 0 fim ...”. Portanto, eis a ordem: primeiro, Cristo; entdo, os cristéos; finalmente, o fim. Essa é, nos dizem, uma indicagéo de que os sete anos e o milénio permanecem entre a vinda 170 de Cristo “para” e Sua vinda “com” os santos. Mas, indubitavel- mente, a seqiiéncia aqui é normal. Além do mais, a palavra “vir” n&o se acha no original. Entdo lemos no versiculo 52 que “a trombeta soar4”; e no versiculo 26, que “o tiltimo inimigo a ser destruido é a morte”. Em 1 Tessalonicenses 4:16 nos é dito que “o Senhor mesmo descera do céu com grande brado, & voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressuscitario primeiro”. N&o existe nada de secreto aqui. Finalmente, em Joao 5:28,29, nosso Senhor diz: “N&o vos admireis disso, porque vem a hora em que todos os que est&o nos sepulcros ouvirao a sua voz e Sairao: os que tiverem feito o bem, para a ressurreigéo da vida, e os que tiverem pra- ticado o mal, para a ressurreigéo do juizo”. Enquanto que em Jodo 6:39,40, Ele se refere a “o ultimo dia”. Portanto, a clara impressdo das Escrituras € que sé existe uma tinica vinda, nao duas; nem existem dois estagios. Ha também s6 uma ressurreigéo, como veremos mais adiante. Nao existe, pois, arrebatamento “secreto” ou “preliminar”, nenhuma vinda de nosso Senhor a qualquer momento. Certas coisas devem ocorrer primeiro, como jé vimos. Um pouco antes de sua morte, perguntaram a George Miiller se devemos esperar o regresso de nosso Senhor a qualquer momento ou se determinados eventos terao de se cumprir antes. Eis aqui sua resposta: “Eu sei que sobre esse tema ha grande diversidade de critério, e nao desejo impor a outras pessoas a luz que eu tenho em mim. O tema, contudo, nao me é novo; pois tendo sido cuidadoso e diligente estudante da Biblia por quase cinqiienta anos, minha mente ha muito foi firmada neste ponto e nao tenho qualquer sombra de dtivida sobre ele. As Escrituras declaram claramente que o Senhor Jesus ndo vir até que a apostasia haja acontecido, o “homem do pecado, o filho da perdigéo”, tenha sido revelado como se vé em 2 Tessalonicenses 2:1-5. Muitas outras porgdes da 171 Palavra de Deus também ensinam claramente que certos eventos teréo de se cumprir antes do regresso de nosso Senhor Jesus Cristo. Entretanto, nao altera o fato de que a vinda de Cristo, e néo a morte, é a grande esperanca da Igreja e, num reto estado do coragdo, nds (como os crentes tessalonicenses fizeram) “serviremos o Deus vivo e verdadeiro e aguardaremos do céu a seu Filho.” * Terminemos, entao, com esta nota: consideremos tudo isso, n4o dominados por um espirito excitado e carnal, mas sobre nossos joelhos, por assim dizer, orando pela diregéo ¢ ungao, bem como pela iluminag&o do Espirito Santo. Verifiquemos que estamos interessados porque aguardamos o Seu aparecimento, porque essa é nossa bendita esperanga para a qual olhamos anelantes, e por causa disso nos purificamos agora e procuramos viver como filhos da luz, e obviamente de forma diferente dos filhos da noite e das trevas. * Citado por Frank H. White em The Saints Rest and Rapture. 172 14 O LIVRO DO APOCALIPSE INTRODUCAO Em nossa andlise da doutrina biblica das dltimas coisas, especialmente a doutrina da segunda vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, chegamos agora a uma considerac4o geral da mensagem e ensino do livro da Revelagao ou, se preferirem, do Apocalipse. J4 analisamos certas passagens das Escrituras que se relacionam diretamente com a doutrina do tempo da segunda vinda, e agora voltamos a esse grande livro que trata especifica- mente do assunto. Nenhum estudo desta doutrina é completo sem uma consideracdo desse livro e sem alguma andlise de seu contetido. Ora, 0 livro do Apocalipse é, para mim, um problema muito grande; alias, é um problema para todos os cristaos. Entretanto, nao existe nada mais tragico do que a forma como algumas pessoas cristas, em virtude de dificuldades e diferencas, simplesmente evitam totalmente o problema. Isso se aplica a todo o estudo desses assuntos proféticos, mas creio ser particularmente verdadeiro com respeito ao livro do Apocalipse. Por isso muitos nem mesmo o léem, sendo seu argumento o fato de que nao podem se incomodar com isso, devido haver tantos pontos de vista diferentes, inclusive certas explicagées fantasticas. Na verdade, receio que todos nés somos culpados de evitar esse livro em maior ou menor medida. Demasiadamente 0 contetido desse grande livro, que faz parte do canon das Escrituras, como qualquer outro livro da Biblia, tem se tornado tema de hilaridade —as pessoas tém gracejado das varias bestas e do falso profeta, e assim por diante. Ora, sem divida sei muito bem que os amigos que so culpados disso nao est4o realmente debochando do livro, mas das explicag6es fantasticas dele, especialmente da excessiva 173 preocupacio com essas coisas. Portanto, vejam como alguns bons crist4os, muito inconscientemente e nao tendo qualquer desejo de agir assim, tém até mesmo levado as Escrituras ao ridiculo e desprezo por falta de equilibrio em seu interesse e em sua exposigao. Portanto, uma vez mais, devemos certamente preocupar- -nos que nossos espiritos sejam retos ao nos aproximar deste livro. Nao o abordamos como contestadores. Nao devemos achegar-nos a ele num espirito legalista para lutar por uma causa. N&o devemos achegar-nos a ele simplesmente para provar que estivemos sempre certos € outros errados. Nao, espero que nos acheguemos a ele para tentarmos juntos analisar a verdade com mentes, espiritos e coragées abertos, a fim de que aprendamos a mensagem que Deus tem para nés. Muitas pessoas de grande teputacdo tém se achado em apuros ao tratar desse livro, Estou bem ciente desse fato quando falo sobre ele. Todos nés lembramos como um grande homem do porte de Martinho Lutero falou estulta ¢ inadvertidamente quando o descreveu como sem valor. Evidentemente, ele ndo o entendeu, e€ receio que ele tenha sido instado a falar assim por causa de certos excessos nos seus dias. Portanto, se alguém como Lutero pode cair em tal erro, quéo prudentes todos nés devemos ser! Por conseguinte, prossigamos a considerar este livro da mesma maneira que fizemos com as outras Escrituras que tratam deste grande tema do regresso de nosso Senhor. Visto que estamos tratando de doutrinas biblicas, nao proponho que percorramos o livro do Apocalipse detalhada- mente. Mas cabe-nos tentar conseguir um entendimento geral do seu ensino e mensagem. Parece-me que a forma mais proveitosa é pér diante de vocés os trés métodos principais de interpretar este livro. Ent&o tentarei avalid-los e criticd-los (usando a critica no sentido correto do termo, que realmente significa avaliar). E finalmente tentarei apresentar-lhes uma exposig&o positiva, uma linha positiva de abordagem. Creio ser vitalmente importante tomar o livro todo dessa forma, e nao comecar abruptamente no capitulo 13, sobre as varias bestas, e 174 assim por diante. Nao, devemos comegar com 0 livro como um todo antes de partirmos para quaisquer particularidades. As trés principais escolas, pois, sao: em primeiro lugar, 0 ponto de vista preterista ou interpretagao do livro do Apocalipse. Esse € 0 ensino que nos afirma que tudo o que é profetizado no livro do Apocalipse j4 aconteceu; que, de fato, tudo j4 acontecera antes do inicio do quarto século da era cristé. O ponto de vista consiste em que o livro é uma profecia do que a Igreja estava para suportar, primeiro dos judeus, e entao do Império Romano pagao; que ele descreve tudo o que estava para acontecer a Igreja até Constantino, um imperador de Roma que tornou-se cristao eo cristianismo se tornou religiao oficial do Império Romano. Portanto, nfo existe, num sentido, mensagem contemporanea ou futura para nés no livro do Apocalipse. Ele simplesmente nos encoraja contando-nos © que certa vez aconteceu e como tudo conduz a um periodo glorioso quando o Império Romano tornou-se cristao. O ponto de vista preterista foi pela primeira vez proposto por volta de 1614, por um sacerdote jesuita cujo nome era Alcazar. Essa é uma questéo extremamente interessante, porque nao é absolutamente dificil perceber por que ele elaborou essa teoria. Vocés se lembrarao de que vimos numa prelecao anterior que, sem exce¢ao, os pais protestantes ensinaram que o papado era indubitavelmente 0 anticristo, a segunda besta descrita em Apocalipse, capitulo 13, e o pequeno chifre de Daniel, capitulo 7. Ora, aqui estava a tentativa de Roma de negar aquela critica e desviar a ateng4o do papado e de tudo o que é verdade a respeito dela. Era uma solugéo bem conveniente dizer que todo este livro nada tinha a ver com o papado, nem com a igreja catélica romana, nem com qualquer outra igreja corrupta, mas trata-se inteiramente dos primeiros trés séculos da era crista. O segundo ponto de vista chama-se ponto de vista futurista. Esse € 0 exato oposto do ensino preterista, nao apontando para © passado, mas para o futuro, Aqui é novamente interessante observar que esse ensino tinha como ponto de partida outro sacerdote jesuita, um homem chamado Ribera, que 0 propés cerca 175 de 1603. Uma vez mais, nao é de forma alguma dificil perceber 0 que inspirara Ribera apresentar essa teoria, porque isso também desvia do papado e da igreja catélica romana 0 enfoque do livro ¢ 0 direciona, como lhes mostrarei, diretamente para 0 futuro. Segundo esse ponto de vista, os eventos descritos aqui comecarao depois que a Igreja estiver fora deste mundo e, portanto, é claro que 0 livro do Apocalipse nada tem a ver com 0 papado. E assim vemos que os jesuitas, que foram uma espécie de reagdo contra-reformista, oposta 4 Reforma Protestante, descobriram que ela os qualificava admiravelmente para abolir qualquer sugestao de que o livro do Apocalipse era uma profecia concernente a igreja catélica romana e ao papado. Um ponto de vista pde todos os eventos no passado; 0 outro, os pée todos no futuro. “Mas”, perguntaria alguém, “vocé nao estd sendo muito injusto aqui, posto que, seguramente, houve pessoas nos primeiros séculos que adotaram 0 ponto de vista futurista? Alguns dos pais primitivos, os assim chamados pais apostélicos, eram também futuristas.” A resposta estrita a isso é que esses pais da Igreja Primitiva nao eram futuristas no sentido em que usamos o termo hoje. Alguns deles certamente creram que a profecia do livro do Apocalipse apontava para o futuro, porém nenhum deles imaginou que dois mil anos decorreriam antes que essas coisas acontecessem. Alias, todos esses pais primitivos ensinaram que algumas das coisas j4 estavam ocorrendo, e embora outras fossem ainda futuras, esse futuro estava préximo e o fim logo chegaria. Certamente nao tinham a concepcio de transferir este livro para um futuro distante. Deve-se também realcar que, embora Ribera propusera sua teoria em 1603, praticamente nao ouvimos absolutamente nada sobre ela até que fosse elaborada nas famosas conferéncias proféticas as quais tive que me referir com certa freqiiéncia. Se vocés lerem os pontos de vista proféticos dos puritanos do século dezessete, ou os dos lideres evangélicos do século dezoito — seja Whitefield ou Wesley ou qualquer um dos outros — descobrirao 176 que nenhum deles era futurista. Pareciam nada saber sobre a prépria existéncia dessa doutrina. Nao, o ponto de vista futurista nao foi adotado antes de 1830, quando foi ensinado por certos membros das conferéncias proféticas, especialmente J. N. Darby. Da mesma forma que outros ensinos que j4 consideramos foram popularizados, este foi popularizado como resultado daquelas conferéncias, e recentemente tem sido popularizado ainda mais pelas notas da Biblia Schofield. Segundo o ensino futurista, o propdsito do capitulo 1 do livro do Apocalipse é simplesmente apresentar-nos um relato da viséo que fora dada a Joao. Os capitulos 2 e 3 desvendam a historia moral da Igreja em periodos sucessivos desde 0 inicio do primeiro século até o final da era da Igreja. Noutros termos, as sete cartas as sete igrejas sao profecias de sete periodos ou épocas sucessivas na vida da Igreja. Hoje, dizem, estamos no periodo da condi¢io de Laodicéia, e provavelmente o periodo de Sardes era aquele da Reforma. Os capitulos 4 e 5 descrevem certas cenas no céu, € nesse ponto, com certeza, estamos todos concordes. Mas desse ponto em diante a mensagem desse livro se confina inteiramente ao que ainda esta para acontecer. A profecia desde o capitulo 4 em diante, até o final do livro, vira a lume naquela tltima septuagésima semana dos sete anos referidos em Daniel, capitulo 9, os quais jazem em algum futuro desconhecido. A maioria dos que aceitam o ensino futurista cré que estamos muito préximos desse tempo final; mas, se estamos ou nao, essa maioria concorda em dizer que os argumentos proféticos do Apocalipse ainda nao se concretizaram. Ha duas escolas ou subdivisées principais do ensino futurista, e preciso mencion4-las em virtude de haver muitos que fazem parte delas. Primeiramente, h4 uma escola que cré no arrebatamento preliminar dos santos. Dizem que os capitulos 2 e 3 descrevem periodos sucessivos na histéria da Igreja Crista, terminando com a terrivel condicdo da igreja de Laodicéia no final da era da Igreja. Entao, dizem, entre o final do capitulo 3 e © inicio do capitulo 4, a Igreja é arrebatada, isto é, os santos serao levados deste mundo eo Espirito Santo é retirado. A partir 177 desse ponto, pois, tudo o que é descrito nesse livro nao tem teferéncia alguma a Igreja Crista ou ao povo cristao. Ora, eles sao perfeitamente especificos sobre isso. A partir do capitulo 4, 0 livro do Apocalipse se aplica exclusivamente 4 Israel reagrupada, aos assim chamados santos da tribulacao. E importante compreender que é possivel ser futurista sem crer no arrebatamento preliminar dos santos. Como temos visto, desde 0 inicio houve certas pessoas, como B. W. Newton e George Miiller de Bristol, que, embora fossem futuristas, nao criam no arrebatamento preliminar. Embora concordemos em dizer que tudo, desde o capitulo 4 em diante, est4 inteiramente no futuro, eles criam que a Igreja, os crentes, terao que passar pela tribulagio, e por tudo que esta descrito neste livro. Entao vocés poderao perguntar: em que se baseia o ensino futurista? Onde tudo isso é achado? E ha duas respostas principais. O versiculo tao freqiientemente citado é Apocalipse 1:19, onde é dito a Joao: “Escreve, pois, as coisas que tens visto, € as que sao, e as que depois destas hao de suceder”. Dizem que ai se acha a chave para entender todo este livro. Antes de tudo, Joao recebe a ordem de escrever sobre as coisas que ele tem visto, o que é, segundo essa doutrina, uma referéncia 4 visio que ele havia comegado a receber. Vocés podem recordar que Jodo ouviu uma voz e, voltando-se, viu sete castigais de ouro e no meio dos castigais, “Um semelhante ao Filho do homem”. Entao Joao nos dé uma espantosa descrigéo de nosso bendito Senhor e Salvador ressurreto. E nos dito que as palavras: “as que viste” se referem exclusivamente a essa Visao € nao a qualquer outra coisa no livro. Os futuristas continuam dizendo que em segundo lugar Joao recebe a ordem de escrever 0 relato de “as coisas que sao”. Essas, dizem, s&o as coisas que ele descreve nos capitulos 2 e 3-a condicao das sete igrejas da Asia daquele tempo. Joao, porém, nado para nisso; ele passa a descrever “as coisas que haverdo de suceder depois destas”. E isso significa, segundo esse ensino, os eventos durante o tremendo intervalo — a era da Igreja. E assim, “depois destas” significa um intervalo de pelo menos dois mil 178 anos. As coisas que sucederao sao aquelas que acontecerao na septuagésima semana de Daniel, imediatamente antes da manifestagao do Senhor, ou o dia do Senhor. A diviséo em trés estégios esté assim baseado em Apocalipse 1:19. Mas os futuristas também baseiam sua teoria em Apocalipse 4:1, onde lemos: “Depois dessas coisas, olhei, e eis que estava uma porta aberta no céu, e a primeira voz que ouvira, voz como de trombeta, falando comigo, disse: sobe aqui, e€ mostrar-te-ei as coisas que depois dessas devem acontecer”, E novamente afirmam que “depois dessas” significa em algum futuro vago e distante. Um tremendo salto é dado através dos séculos para a septuagésima semana de Daniel que esté ainda para ser cumprida. Ora, é no Apocalipse 1:19 4:1 que o caso futurista se baseia, ainda que, naturalmente, seja corroborado por varios outros pontos, principalmente por aqueles que ja estivemos considerando. Os futuristas dizem que essa teoria se adequa perfeitamente com o ponto de vista que extraem de Daniel, capitulo 9 e 2 Tessalonicenses, capitulo 2. Noutros termos, se vocés comegarem com uma teoria e afirmarem que deve haver um intervalo entre a sexagésima nona semana e a septuagésima semana de Daniel, se sairem em busca disso nas Escrituras, entao salientario que Jodo nfo diz “imediatamente”, mas “depois dessas”, e entéo concluiraéo que “depois dessas” deve significar uma grande lacuna, um tremendo intervalo de tempo. Notem que nao hd nenhuma declaragao no Apocalipse, 1:19 ou 4:1, no sentido de que haveré um intervalo. Se a teoria fosse verdadeira, poderiamos concluir que deveria haver alguma indicacao a respeito dela nas Escrituras— por exemplo, as palavras “depois de um longo perfodo” ou “depois de aproximadamente dois mil anos”. Mas as Escrituras nao dizem isso. De igual modo, como vimos em Daniel, capitulo 9, nao existe mengao explicita de um intervalo entre as semanas sexagésima nona e septuagésima. No entanto, esse € 0 ponto de vista futurista do livro do Apocalipse. O terceiro ponto de vista chama-se ponto de vista historicista 179 ou histérico; mas historicista é um termo preferivel. O ponto de vista preterista situa 0 contetido principal do livro inteiramente no passado; 0 ensino futurista situa os eventos inteiramente no futuro. O ponto de vista historicista difere de ambos, ele ensina que o livro do Apocalipse é uma profecia da hist6ria do reino de Deus, desde o primeiro advento até o segundo. Ora, aqui existem também subdivisdes. Um ponto de vista, que geral- mente é chamado 0 ponto de vista histérico da igreja, foi ensinado por Lutero e os outros reformadores. Disseram que o principal propésito do livro do Apocalipse é apresentar-nos algum relato das fases principais da historia da Igreja. Talvez o melhor modo de expé-lo seja dizendo que o livro de Apocalipse nao é histéria detalhada, mas uma espécie de sumArio das fases da histéria eclesiastica entre a primeira vinda do Senhor e Sua segunda vinda. Uma segunda e mais popular subdiviséo da doutrina historicista € 0 ponto de vista histérico continuo, 0 qual ensina que 0 livro do Apocalipse é um livro de histéria sem interrupgao. E uma profecia da histéria detalhada da Igreja Crista, e nao existe nenhuma sobreposigao entre suas varias visdes. As visdes que sao dadas aqui tratam da histéria da Igreja em ordem cronoldgica, cada uma seguindo a anterior. Deixem-me mostrar-lhes 0 que tenho em mente. No Apocalipse, capitulo 6, nos é dada uma visao da abertura de seis selos; no Apocalipse, capitulo 8, 0 sétimo selo € aberto. Isso é seguido no Apocalipse, capitulos 8a 1], por uma visdo acerca das sete trombetas, e em Apocalipse, capitulo 16, ha sete tagas. Segundo esse ensino, essas passagens sao profecias do que acontecer4 & Igreja em série e em ordem. Antes de tudo, o que é descrito no primeiro selo est4 para acontecer, seguido pelos eventos do segundo selo, entéo no terceiro, no quarto, no quinto e no sexto selos. Entéo chegamos ao sétimo selo que, em vez de nos relatar alguma coisa especifica em si, € uma introdugio as sete trombetas. E assim, 0 que sucede nas sete trombetas procede do sexto selo. Em seguida vem o primeiro evento da primeira trombeta, 0 qual é seguido pelos eventos das préximas cinco trombetas, e 180 ent&o pela sétima trombeta. Como 0 sétimo selo incluiu e introduziu as sete trombetas, assim a sétima trombeta agora inclui e introduz as sete tagas. Quando a primeira taga é derramada, os eventos se concretizam, procedentes dos eventos da sexta trombeta. Isso € seguido pela segunda, terceira, quarta, quintae sexta tagas, e entao chegamos ao proprio fim. Ora, devo reiterar e enfatizar que, segundo esse ensino, tudo sucede em seqiiéncia cronoldégica e histérica, e aqueles que defendem esse ponto de vista ndo hesitam em dizer que estamos indubitavelmente, neste momento, no periodo da sexta taca. Dizem que tudo o que est4 profetizado nos seis selos e nas seis trombetas j4 se concretizou. Alegam ser capazes de identificar todas essas coisas com particulares eventos hist6ricos, e assim nos conduzem diretamente através dos séculos e ao longo da histéria da Igreja Crista. Ora, dizem que estamos no limiar do dia do Senhor, 0 juizo final, e o fim de todas as coisas. A posicaéo historicista continua se tornou popular em diversas épocas e tem granjeado muitos protagonistas impor- tantes. De fato, ela faz um forte apelo a muitas pessoas. Creio que eu estaria certo se dissesse que, com certeza, tudo indica estar ela tornando-se mais popular recentemente. Muitas pessoas, largamente influenciadas pelos eventos das duas guerras mundiais e por varias outras coisas que estao acontecendo no mundo atualmente, tém desistido da posigéo futurista para adotar o ponto de vista historicista continuo. Isso me leva 4 altima subdivisao do ponto de vista histori- cista. Esse é as vezes chamado 0 ensino historicista espiritual, mas ha quem prefira chamé-lo a filosofia da historia como delineada no livro do Apocalipse. Esse ponto de vista sustenta que 0 Apocalipse nao é um livro que se destina a ensinar-nos algum processo histérico continuo detalhado. Tampouco é ele, como os reformadores ensinaram, uma espécie de sumério da histéria eclesidstica. Nao, ele € um relato dos principios que governam a vida e a histéria da Igreja Crista entre os dois eventos. E um desenrolar da histéria do reino de Deus até seu climax final, nao tanto uma descrigaéo de coisas particulares que tém se 181 concretizado e se concretizaraéo como um quadro das forgas e dos poderes que sao hostis aos melhores interesses do reino e vivem a lutar contra ele. Por exemplo, dizem, n4o existe diferenga alguma no principio entre a perseguicao contra a Igreja Crista movida pelos judeus ou pelo Império Romano ou por certos poderes da Idade Média ou pela igreja catélica romana ou por forgas politicas, tais como a Inquisigao, ou por igrejas falsas e apéstatas. A fungao real do livro, dizem, € mostrar-nos o principio, 0 tipo de vida, que a Igreja Crista deve viver e suportar aqui na terra. Ela esta perenemente sujeita a opressdo e perseguigéo — agora temos a primeira besta do Apocalipse. Os defensores desse ponto de vista dizem: nao tentem ligar essa besta a algum governo particular, ou a alguma nacéo ou pais particular. Ela aponta para 0 principio. Ora, eu lhes apresentei a ilustragdo da besta a fim de realcar a diferenga entre as interpretagdes historicista eclesidstica e historicista continua, e essa terceira interpretagéo. Como ja vimos, Lutero e os outros reformadores criam que o Apocalipse era um sumério, apresentando uma sinopse das coisas que tinham realmente acontecido, enquanto os historicistas continuos dizem que o livro descreve com detalhes nagées reais e eventos histéricos. Créem, por exemplo, que 0 capitulo 9 fornece um espantoso relato de todo o ataque da dinastia Muslim (islamica) sobre a Igreja Crista. O terceiro ponto de vista, porém, ensina que o Apocalipse é um livro que apresenta principios. Uma vez que o livro nos prepara em principio para tudo quanto porventura venha a acontecer, somos capazes de entendé-lo e de ser encorajados e confortados. 182 15 OS PONTOS DE VISTA PRETERISTA E FUTURISTA Enquanto continuamos com nossa consideragéo do livro do Apocalipse, devo lembrar-lhes que existem trés escolas principais de interpretagio: a preterista, que afirma que tudo no livro se concretizou nos primeiros trés séculos da era crista; a futurista, que ensina que tudo o que vem depois do capitulo 4 ainda estd por acontecer; ¢ o ponto de vista historicista, que pode ser em si dividido em trés secdes: 0 ponto de vista historicista eclesidstico de que o livro € um sumério histérico; 0 ensino historicista continuo que afirma que o Apocalipse é uma histéria cronoldgica real; e finalmente 0 ponto de vista historicista espiritual, 0 qual sustenta que o Apocalipse fornece os elementos principais para a vida ¢ hist6ria da Igreja. E assim chegamos agora 4 tentativa de avaliar esses diferentes pontos de vista, porque, se porventura desejamos chegar a alguma conclusao final, temos de agir assim. Estou certo de que todos nés sentimos que estamos engajados em algo que é vital, e que néo estamos incluidos na descrigdo: “os que desperdicam boa parcela de seu tempo em investigar e examinar os barris de lixo da profecia biblica”. Eis seguramente uma tarefa completamente antibiblica, para nao dizer anticristé, pelo prisma da profecia biblica e de nosso interesse por ela. Focalizamos essas coisas porque cremos que Deus no-las tem dado, nao meramente para que nutramos interesse por tempos e estagées, ndo meramente para que sejamos animados por alguma mérbida curiosidade carnal, mas, melhor ainda, como povo de Deus, para que saibamos discernir os tempos. Acima de tudo, estudamos este tema para que sejamos fortalecidos em nossa fé a fim de encarar o inimigo que se nos confronta, a batalha que j4 183 enfrentamos e as coisas que nos aguardam, Nao estamos interessados em tempos e estagdes como tais, mas estamos preocupados em desfrutar do pleno beneficio do que Deus graciosamente nos aprouve dar. Em primeiro lugar, pois, focalizemos oponto de vista preterista. Nao precisamos gastar muito tempo com isso. Parece-me que esse ponto de vista é evidentemente impossivel em termos do livro do Apocalipse propriamente dito. Pois 0 livro se encarrega do préprio fim dos tempos e ainda nos afirma “que nao haveria mais demora” (Apoc. 10:6). Ele nos mostra a destruicao do diabo e todos os seus poderes, bem como dos instrumentos que ele usa —o proprio dragio e as bestas. O Apocalipse trata dessa destruigao final; portanto, obviamente nado se pode dizer com razéo que simplesmente se refere aos eventos que confrontaram a Igreja Crista Primitiva e as coisas que conduziriam a um fim quando o Império Romano se tornaria oficialmente cristéo. Como lhes realcei na prelegdo anterior, o ponto de vista preterista foi formulado por um jesuita, e podemos bem entender seus motivos. Seu propésito era desviar a atengdo da igreja catolica romana e da identificagao protestante do papado com certos simbolos do livro. Nao ha necessidade, pois, de se desperdigar mais tempo com a doutrina preterista. Se vocés tomarem 0 livro do Apocalipse e deixarem sua mensagem falar-lhes, entéo concordarao que essa nao pode ser de jeito nenhum a interpretag4o correta. Portanto, passemos a considerar 0 ponto de vista futurista. Lembrei-lhes de que ele foi pela primeira vez formulado por outro jesufta na primeira parte do século dezessete, mas que a pergunta importante é: 0 que entendemos por ele? J4 thes apresentei a interpretagdo futurista do Apocalipse 1:19 e 4:1. No Apocalipse 1:19, as palavras: “as coisas que viste”, eles dizem, se referem a visdo registrada no capitulo 1; “as coisas que sao” estao apresentadas nos capitulos 2 e 3, e somos informados que essa é uma historia progressiva da Igreja Cristé avangando em diregdo do proprio fim da era cristaé. Entao, “as coisas que sucederao depois dessas” sao aqueles eventos que, pelo prisma de Jodo, estavam por acontecer pelo menos apés dois mil anos, depois do 184 tremendo intervalo da era crista. Vocés se lembram de que os futuristas também baseiam seu argumento no Apocalipse 4:1, onde Joao escreve que ouviu uma voz dizendo: “Sobe aqui, e mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer”. Consideremos entao algumas objegées ao ponto de vista futurista, e eu as dividiria em objegdes gerais e particulares. Primeiro, as objecdes gerais. Esse ponto de vista parece usurpar do livro seu principal valor para os santos da prépria época de Joao. Obviamente, Jo&o estava escrevendo aos homens e as mulheres da Igreja daquele tempo, e seu livro se destinava a conforté-los, encorajé-los e fortalecé-los. Segundo 0 ponto de vista futurista, porém, ele nado tem nenhum conforto a oferecer ao povo cristo nos dias de Joao; realmente, nem ao povo dos tempos subseqiientes. Ele nao oferece conforto nem mesmo para nés. Se uma grande parte principal do livro for transferida para o futuro, como exatamente ele me ajudaria em minha luta agora? Ainda mais pertinente, como poderia ele ter ajudado as pessoas da propria época e geracao de Joao? No entanto o livro claramente se destinava aquelas pessoas para quem ele fora escrito. Outra objec4o geral, muito semelhante, é que nao pode haver divida nenhuma de que a principal fung4o da profecia é fortalecer nossa f€ mostrando-nos que as coisas que tém sido preditas realmente vao acontecer. Deixem-me apresentar-lhes uma ilustragéo. Em sua Segunda Epistola, 0 apéstolo Pedro esta confortando os cristéos, e diz: “Porque nao seguimos fabulas engenhosas...” (2 Ped. 1:16). Posso apresentar-lhes prova, diz Pedro. E sua prova € que ele e seus condiscipulos subiram ao monte santo com nosso Senhor e foram “testemunhas oculares de sua majestade. Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e gloria, quando da gloria magnifica lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, de quem me comprazo” (2 Ped. 1:16,17),. Eis minha evidéncia, diz Pedro. Mas entio ele prossegue: “E temos ainda mais firme a palavra profética 4 qual bem fazeis em estar atentos, como a uma candeia que alumia em lugar escuro” (v. 19). “Vocés néo precisam basear sua fé em meu 185 testemunho”, diz Pedro com efeito. “Existe algo ainda melhor, uma palavra de profecia ainda mais firme. Leiam as profecias do Velho Testamento”, diz ele. “Vejam como elas profetizam a vinda do Filho de Deus, e entéo observem os fatos. Eis 0 que fortalece a fé.” A profecia é designada com o propésito de fortalecer a fé das pessoas que véem seu cumprimento. Quando as coisas que foram profetizadas realmente se concretizam, os crentes notam algo em que podem descansar seus pés como se fosse numa rocha inabalavel. O ponto de vista futurista, porém, do livro do Apocalipse parece negar totalmente a tarefa que a profecia detém de fortalecer a fé, porque, se ela realmente disser que todos os cristaéos serfo retirados do mundo antes que os eventos se concretizem, como € possivel um cristao sentir-se auxiliado? As profecias nao lhes serao de nenhum valor, visto que tém sido retirados, j4 terao partido do mundo. Portanto, do angulo cristéo, esse livro nao possui e de forma alguma possuir4é algum valor. Repito, pois, que esse ponto de vista demonstra ser contrério a fungao e ao propésito gerais da profecia. A terceira objegdo geral é que esse ponto de vista contradiz 0 que podemos chamar de analogia das Escrituras. Com isso quero dizer que as Escrituras, ao tratar do mesmo tema, devem ser comparadas e néo devem se contradizer uma a outra. Numa prelegdo anterior, tentei mostrar-lhes que a primeira besta do Apocalipse, capitulo 13, € idéntica 4 quarta besta do capitulo 7 de Daniel, e todos concordam sobre isso, visto as descrigdes serem téo semelhantes. Ora, o livro de Daniel nos relata que a quarta besta é o Império Romano. E assim, as pessoas que aceitam o ponto de vista futurista sao obrigadas a dizer que 0 Império Romano ser4 reconstruido. Mas isso nos obriga a fazer uma pausa. As outras interpretagdes néo geram nenhuma necessidade como essa, e portanto esse ponto de vista é suspeito neste ponto. Tomem também as descrigdes das bestas e dos reinos representados pelas bestas no livro de Daniel. Cada um desses impérios, dessas dinastias, representados pelas bestas leva 186 muito tempo para aparecer, para desenvolver-se, para fun- cionar e entéo desaparecer. Mas, segundo a interpretagdo futurista, as bestas que sao descritas no Apocalipse, capitulo 13; hao de aparecer e fazer tudo isso no espago de cerca de sete anos e talvez nem mesmo isso. Esses poderes, porém, essas forgas que operam contra o povo de Deus nas Escrituras, néo aglomeram suas atividades subitamente em sete anos. Nao sé isso, algumas delas se estendem por séculos. Portanto, se somos governados pelo principio da analogia biblica, é totalmente impossivel aceitarmos que os eventos do Apocalipse, capitulo 13, serio aglomerados nesse curto espaco de tempo. Defender tal ponto de vista é negar 0 método comum de interpretar as Escrituras pelas Escrituras. Outra objegao geral ao ponto de vista futurista é que ele destréi a unidade do livro do Apocalipse, transformando-o virtualmente em trés livros: “as coisas que viste”, “as coisas que so” e “as coisas que sucederfio depois destas”. E ainda existe um intervalo de quase dois mil anos, e talvez mais, entre a segunda e a terceira secées. Essas divisdes nao sao naturais. Inévitavelmente ficaria bem pouca diivida de que esse livro seja uno. Creio poder provar-lhes que ha uma unidade essencial no livro inteiro, desta maneira: a viséo no capitulo 1 esta intima- mente relacionada com as cartas as sete igrejas nos capitulos 2e 3. Se observarem a forma como comegam as cartas as sete igrejas, verao que em cada uma delas h4 uma descrigdo de nosso Senhor, e € muitissimo interessante e importante notar que cada descrigio € tomada do relato que temos sobre Ele na visio do capitulo 1. Tomem, por exemplo, a primeira igreja. Lemos 0 seguinte: “Ao anjo da igreja em Efeso escreve: isto diz aquele que tem na sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete candeeiros de ouro” (2:1). Essa é uma descrigao extraida do capitulo 1. Entéo avancem para a segunda igreja: “Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: isto diz 0 primeiro e o ultimo, que foi morto e reviveu” (2:8). Essa descrigao é também tomada do que lemos sobre Ele no capitulo 1. O mesmo se dé com cada 187 carta. Portanto, sugiro-lhes que néo podem dividir artificialmente 0 livro e dizer que a visdo do capitulo 1 é uma coisa, e que os capitulos 2 ¢ 3 sio completamente diferentes. Ao contrario, existe uma unidade. O mesmo Senhor aparece nos capitulos 1,2 3. Mas existe algo ainda mais notavel: exatamente os mesmos termos s4o usados em trés versiculos do capitulo 19. Em 19:12, lemos isto: “Os seus olhos eram como chama de fogo”. Isso é extraido de 1:14. Em 19:15, lemos: “Da sua boca safa uma espada afiada, para ferir com ela as nagdes”; e em 19:21: “E os demais foram mortos pela espada que safa da boca daquele que estava montado no cavalo” — referéncias a 1:16, Ora, certamente isso deveria bastar para estabelecer a unidade essencial do livro. Nao hé nele trés livros separados, trés mensagens separadas que, por assim dizer, foram simplesmente costurados. Ao contrério, 6a mesma idéia, € a mesma Pessoa e essa Pessoa € descrita da mesma forma. O livro é um todo, e portanto um ponto de vista ou uma interpretagéo que o divide em trés indubitavelmente o violenta. Entéo a tiltima objegao geral € que o ponto de vista futurista transfere o reino parao futuro. Ele diz que 0 reino de Deus ainda n&o veio; esta é a era da Igreja. Ele diz, recordo-lhes, que nosso Senhor, quando esteve aqui pregando, ofereceu o reino aos judeus, e visto que o rejeitaram, ele foi deixado em pendéncia e entrou a era da Igreja. Assevera-se que ali nao se fala mais sobre 0 reino e sobre ele ninguém falaré até o fim dessa era. Mas, seguramente, temos que considerar esse ponto de vista antes de oaceitarmos. Leiam Apocalipse 1:6, cuja redacdéo na Authorized Version é: “E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai”. Entretanto, por certo que a Revised Version é melhor. Eis sua redagao: “E nos fez um reino, sacerdotes para Deus e seu Pai”. Ja fomos feitos um reino; 0 reino ja veio. Alids, Joao diz isso explicitamente no versiculo 9: “Eu, Joao, irmao vosso e companheiro convosco na afligéo, no reino e na perseveranca em Jesus, estava na ilha chamada Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus”. E 0 préprio Joao dizendo 188 que ele se encontra no reino de Jesus Cristo, juntamente com o povo cristaéo a quem ele esta enderegando sua mensagem. A Igreja faz parte do reino; j4 estamos no reino. Nao € correto relegar o reino ou transferi-lo para o futuro. O reino de Deus ja se acha presente, e o reino de Deus est4 vindo. Esté ainda por vir de uma forma visivel, externa, mas j4 esta aqui. O reino de Deus esté onde Cristo reina, e Ele reina nos coragdes de todo o Seu povo. Ele reina na Igreja, a verdadeira Igreja, a Igreja invisivel, a Igreja espiritual. Qualquer ponto de vista que relegue o reino ao futuro, em minha opiniao est4 violentando essas afirmagGes dos versiculos 6 e 9 desse primeiro capitulo. Essas, pois, sao as objecdes gerais ao ensino futurista. Agora € necessdrio que entremos em certas particularidades; elas sio muito importantes e despertam pleno interesse. Existe aqui uma dificuldade, uma grande dificuldade até onde eu a percebo. Temos no primeiro versiculo do livro do Apocalipse: “Revelacao de Jesus Cristo, que Deus Ihe deu para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e, enviando-as pelo seu anjo, as notificou a seu servo Jodo”. Ora, se tomarem a palavra grega traduzida “brevemente” e segui-la por todas as Escrituras, descobrirao que ela é sempre traduzida como, ou “brevemente”, u “imediatamente”, ou “logo”, ou “ligeiramente”. Se esse é 0 caso, por que de repente se Ihe imprime 0 significado de algo que é para acontecer, provavelmente, em dois mil anos ou ainda mais? O livro se abre com “brevemente devem acontecer”. Nao significa que tudo acontecerd brevemente, mas 0 que est4 contido no:livro dever comegar brevemente e continuara. Nao sé isso, observem a declaracao no terceiro versiculo da introdugao do livro: “Bem-aventurado aquele que 1é”—e lembrm que se aplica as pessoas do tempo de Joao; estavam para ser bem- -aventuradas em conseqiiéncia da leitura das palavras de Joao, as quais, portanto, com certeza tém alguma relevancia para elas —“e bem-aventurados os que ouvem as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estao escritas”. E assim vocés notarao que as pessoas da €época de Joao tinham nao s6 que ler 0 livro e 189 ouvi-lo, mas tinham que “guardar as coisas que estavam nele escritas”. Aplicava-se a eles; tinham que fazer algo acerca dele, e entao acrescenta: “porque o tempo est4 préximo”. Mas se 0 ponto de vista futurista estd certo, “esté préximo” significa depois de um intervalo de talvez dois mil anos da era da Igreja. Mas, esté proximo, diz Joao. Esta para acontecer brevemente. Ora, um ponto de vista que pretende dar a essas palavras um significado inteiramente novo e até aqui desconhecido precisa justificar-se vigorosamente por algumas outras maneiras antes que se espere que creiamos nele. Prossigamos, porém, para o versiculo 19, 0 qual, como ja indiquei, é a Ancora do ponto de vista futurista. Estéo lembrados da triplice viséo: “Escreve, pois, as cosias que tens visto, e as que sao, e as que depois destas hao de suceder”. Agora observem que no versiculo 10 Joao diz: “Eu fui arrebatado em espirito no dia do Senhor, e ouvi por detrais de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: o que vés, escreve-o num livro, e envia-o as sete igrejas: a Efeso, a Esmirna...”. A Joao é dito que enviasse a todas essas igrejas o que havia visto antes que recebesse a visdo. Portanto a mensagem de Jodo nao é sé a mensagem As sete igrejas, e nfo sé a viséo que Ihe foi dada posteriormente pelo préprio Senhor. Ao contrério, seguramente essa € uma referéncia ao contetido de todo o livro. Aqui, em geral, ele recebe a ordem de escrever isso num livro e envia-lo as sete igrejas. Ele deve envid-lo todo, nao simplesmente uma parte. O fato de que essa instrucao é dada antes da visao parece- -me indicar bem claramente que ela é uma introducio geral a todo o livro: a visio, as mensagens As igrejas e o restante do livro do Apocalipse. Assim eu responderia a tendéncia de dispersar a afirmag&o desse versiculo em trés livros ou mensagens separadas. Entao chegamos 4 segunda frase: “as coisas que so”. Ora, neste ponto ha uma pequena autocontradigdo no ponto de vista futurista. Ele comega dizendo que essa frase tem referéncia 4 condi¢ao das sete igrejas na Asia, e no entanto, vocés se lembram, ela também diz que as mensagens — as cartas as igrejas — cobrem 190 todo o curso da histéria eclesidtisca, partindo do inicio e prosseguindo, Sardes representando o tempo da Reforma Protestante, e sendo a carta a igreja em Laodicéia uma descricgio da Igreja nos tempos atuais. Se esse € 0 caso, é claro que as cartas as sete igrejas nao descrevem simplesmente as coisas que so, e sim, também “as que hao de suceder depois destas”. E assim 0 ponto de vista se contradiz. Mas também, é claro, 0 ponto de vista futurista é inteiramente erréneo por esta razio: nada nos capitulos 2 e 3 nos diz que as cartas as sete igrejas sao progressivas. Nao existe nada que afirme que com Efeso temos 0 estado da Igreja naquele tempo, e que a carta a igreja em Esmirna descreve a Igreja num periodo posterior. De modo algum! Nao existe nenhuma insinuagao de que cada uma dessas segue cronolo- gicamente apés a anterior e que elas nos impelem em diregdo ao final da era da Igreja. E, como j4 vimos, no momento em que se introduz essa sugest4o, estamos com problemas, pois o caso néo é mais “as coisas que sao”. Contudo, é essencial em relacao a esse ponto de vista dizer que os capitulos 2 e 3 tratam somente das coisas que “s&o” e nada tem a ver com as coisas que hao de suceder “depois destas”. Certamente, esse € mais ou menos um argumento conclusivo. Isso me leva a Ultima afirmagao: “as coisas que hdo de suceder depois destas”. Ora, uma vez mais devemos indicar que & expressio “depois destas”, segundo esse ponto de vista, recebe um signifi- cado inteiramente novo. Nao hé nada aqui que nos afirme que “depois destas”, neste caso, significa depois de um tremendo intervalo de tempo. Essa expressao n4o tem qualificagao, simples- mente diz “depois destas”. E seguramente significa “seguintes”, “as coisas que se seguirao”, Weymouth, em sua tradugio, verte a express4o dessa forma — e corretamente. No obstante, percebem vocés o peso que lhe € atribuido? A expressao, “depois destas”, necessariamente nao significa coisas que estAo para acontecer, e sim, essa tremenda lacuna do perfodo da Igreja— “depois destas” abrange todos os séculos. Indubitavelmente, pedir que uma palavra carregue tal significagdo, sem qualquer indicag&o de que isso est4 sendo feito, € torcer o significado dela. 191 Isso nos leva ao primeiro versiculo do capitulo 4 - “Depois destas coisas, olhei, e eis que estava uma porta aberta no céu, ea primeira voz que ouvira, voz como de trombeta, falando comigo, disse: sobe aqui, e mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer”. Eis a mesma expresséo novamente. E uma vez mais a mesma significagao lhe é atribuida — diz-se significar depois daquela visdo tremendamente longa da histéria, depois de toda a era da Igreja, depois que a Igreja for arrebatada, um pouco antes da manifestacdo final de nosso Senhor. Mas, esperem um momento! De uma maneira muito notavel, as duas palavras gregas traduzidas pela expressio “depois destas” no final do versiculo estéo também no inicio do versiculo — traduzidas ai por “Depois destas coisas”. No grego, as palavras sao meta tauta, que literalmente é “depois destas coisas”. Todos concordam que “depois destas coisas”, no inicio, nao significa depois de dois mil anos, porque Joao nao estaria mais na terra, e isso aconteceu a Jodo enquanto ele estava ainda vivo e no corpo. “Depois destas coisas”, diz Joao, depois das coisas que ele estava justamente descrevendo: “olhei, ¢ eis...” Por que exigir que as mesmas palavras devem ter um significado inteiramente diferente no inicio e no final do versiculo? Sem davida que Jodo ouve: “Eu te mostrarei as coisas que devem suceder depois destas”, as coisas que vao acontecer brevemente, 0 mesmo significado percorrendo ao longo de todo o caminho. A expresso “depois destas” significa, portanto, “depois destas coisas”. Chamaria uma vez mais sua atencao para o fato de que as palavras expressas pela voz nao significam que as coisas iriam todas acontecer logo ou imediatamente, mas significam que as coisas que foram mostradas a Jodo comecariam a acontecer muito prontamente. E quero lembrar-lhes — e chego a uma exposigdo Positiva - de que comecaram a acontecer muito prontamente. Comegaram, continuaram e ainda hao de ser completadas. No entanto, quanto a mim, o argumento mais conclusivo € aquele do capitulo 12. Nao entrarei em detalhes sobre esse capitulo agora, simplesmente quero perguntar: nao seria suficientemente claro que esse capitulo nos fornece uma descrig&o de algo que 192 aconteceu na encarnacdo? Ora, esse é um fato muito importante, porque nos capitulos 10 e 11, a histéria envereda para o fim dos tempos. Nao haveré mais tempo; é 0 fim culminante. E no entanto, no capitulo 12, voltamos ao ponto de partida, a algo que aconteceu quando nosso Senhor pela primeira vez entrou no mundo. Isso é totalmente impossivel pelo prisma futurista. Vocés nao podem dizer que todo este livro, do capitulo 4 até o final, é inteiramente no futuro quando hé uma extraordindria descrigéo do nascimento de nosso Senhor e 0 que Lhe aconteceu por volta desse tempo. O capitulo 12 pertence a histéria e ao passado. Isso por si mesmo é seguramente suficiente para refutar o ponto de vista futurista. Mas, finalmente, h4 expressdes no iltimo capitulo do livro, capitulo 22, que me parecem totalmente conclusivas. Nos versiculos 6 e 10 lemos afirmagées que séo extremamente significativas: “E disse-me: estas palavras sao fiéis e verdadeiras; eo Senhor, 0 Deus dos espiritos dos profetas, enviou seu anjo patra mostrar aos seus servos as coisas que em breve hao de acontecer” (v. 6). Eis af novamente a mesma expressdo de 1:1: “as coisas que brevemente devem acontecer”. Lemos também em 22:10: “Disse-me ainda: nio seles as palavras da profecia deste livro; porque préximo esté o tempo”. Contraste isso com o que foi dito a Daniel no final de seu livro. Ele recebe a ordem “Tu, porém, Daniel, cerra as palavras e sela 0 livro, até o fim do tempo” (Dan. 12:4), Eis um argumento muito vigoroso. A ordem para “selar 0 livro” soou muito claro a Daniel de que as coisas que lhe foram mostradas nfo aconteceriam em seus dias e geragdo, que um intervalo se interporia, e sabemos que quase cinco séculos se interpuseram antes que elas se concretizassem. Aqui, porém, deliberada e especificamente se diz a Joao que ndo selasse o livro, e dé a razao: “porque 0 tempo estd préximo”. E assim, este grande livro termina exatamente da mesma forma como comegou — as coisas que se acham contidas aqui s4o coisas que brevemente se concretizariam, sao coisas que estao proximas, no proprio limiar, estavam para acontecer. Isso é 193 apresentado na introdugao geral do capitulo 1, e é repetido no sumério final, no capitulo 22. Portanto, por essas razées, lembro- -lhes que este livro é uno, é uma unidade, um todo completo. O livro inteiro se destinava e era relevante as pessoas da época de Joao; se destina e é relevante ao povo cristéo em toda época subseqiiente, e sem dtivida a histéria da Igreja prova isso. O povo de Deus em todos os tempos de aflig&éo e adversidade tem reconhecido sua situagdo nessas coisas e tem granjeado forca deste livro. Os pactudrios da Escécia, os puritanos e outros disseram: “Estamos passando por essas coisas como foram profetizadas”. Este era o seu livro. Portanto, se porventura rejeitarem a interpretagéo que divide o Apocalipse em trés e afirma que a maior parte dele nao tem absolutamente nada a ver com os cristéos, entéo notaréo que o livro teraé um novo significado e uma nova fungio e os muniré com glorioso conforto e reerguimento moral. Quando eu chegar a proferir minha exposig&o positiva, espero que se torne ainda mais evidente. 194 16 O PONTO DE VISTA HISTORICISTA ESPIRITUAL Chegamos agora 4 posicao historicista, e h4 trés divisées principais, lembro-lhes, desse ponto de vista. Existe o assim chamado ponto de vista historicista eclesidstico, o qual afirma que © livro do Apocalipse nada mais é senaéo uma espécie de sum4rio da histéria eclesidstica, Vocés poderiam ler um grande livro de hist6ria e entéo, por uma questdo de conveniéncia, fazer um suméario dele a fim de terem a histéria completa numa forma condensada. Ora, hd quem tem imaginado que essa € a natureza deste livro. A maioria dos reformadores protestantes adotaram esse ponto de vista, mas parece-me que ele é um ponto de vista que nao podemos defender, porque ele é por demais preciso e tem alguns dos defeitos que vou elaborar em conexdo com a préxima diviséo, que € 0 ponto de vista historicista continuo, Havendo tratado dessa segunda divisao, talvez seja aconselhavel regressar brevemente 4 teoria historicista eclesiastica. O ponto de vista historicista continuo ensina, como vimos inicialmente, que as coisas registradas aqui, estas visdes dadas a Joao, simbolizam as coisas que realmente aconteceriam. Os selos, as trombetas e as tagas representam eventos histéricos que seguem uns aos outros em ordem cronolégica, e continuam até o fim. Segundo este ponto de vista, avalia-se que estamos agora aproximadamente no tempo da sexta taca ou salva que é descrito no Apocalipse, capitulo 16. Ora, conforme me parece, é totalmente impossivel adotar 0 ponto de vista historicista continuo. Sugiro-lhes que o capitulo 12 sozinho é suficiente para provar que este ponto de vista nao pode estar certo. Os capitulos 10 e 11 descrevem 0 juizo final eo fim de todas as coisas. Nao obstante, vocés devem ter ainda em 195 mente que na prelecao anterior vimos que 0 capitulo 12 retrocede & encarnacdo. Mas, se o ponto de vista historicista continuo é correto, ndo pode haver mais nenhuma regressdéo ao comeco. Entao outro defeito do ponto de vista historicista continuo consiste em que ele obviamente exige um detalhado conheci- mento da histéria dos séculos. Se todas estas coisas tém referéncia a eventos histéricos particulares, entéo, como pessoas cristas, s6 podemos extrair beneficio da leitura deste livro se formos peritos em toda a histéria universal. Isso é, creio eu, suficiente para demonstrar que esta ndo pode ser a genuina interpretagdo do Apocalipse, pois este livro foi escrito para o povo crist4o, a maioria do qual nao era bem instruida, ¢ os cristaos que se tém beneficiado por ele ao longo dos séculos nfo sao de forma alguma grandes historiadores ou peritos em histéria mundial. Nio obstante, este ponto de vista exige um detalhado conheci- mento antes que o livro possa ser edificante: com toda certeza, um sério defeito. Talvez outra forma de expor esse mesmo ponto seja dizendo que, se lerem os escritos daqueles que defendem a interpretagéo historicista continua do Apocalipse, descobrirao que hé uma quase interminavel diversidade de opiniaéo sobre o que os simbolos significam. Uma pessoa se fixa sobre um grande evento na histéria para encaixar um sinal particular, e outra se fixa sobre outro evento, de modo que vocés se véem num estado de confusao. No fim sentem que nao sabem no que créem, e todo esforco para entender é em vao. Certamente nesse ponto 0 livro j4 cessou de ser edificante. Eu argumentaria ainda que esta escola de interpretacdo abre uma porta por demais perigosa. Todos nés sabemos quao facil é persuadir-nos de que podemos combinar certas afirmagdes das Escrituras com determinados fatos. Muitas pessoas tém feito isso ao longo dos séculos, sempre chegando a conclusées diferentes. Por exemplo, no tempo de Napoledo estavam absolutamente certos de que determinadas coisas aqui apontavam inequivoca- mente para Napoledo, e nao era possivel que indicassem outra pessoa. Em nosso tempo, porém, sem dtivida nem mesmo 196 pensamos em Napoledo. Neste século vinte, muitos estavam plenamente certos de que Hitler estava em pauta; era perfeito, pensavam, e um determinado detalhe fora descoberto por alguém que o estabelecia sem a menor sombra de divida. Com toda certeza era Hitler. Nés, porém, nao mais pensamos nisso. Ora, qualquer esquema de interpretacéo que produza tal resultado nao pode ser a interpretagdo correta. Nao sé conduz 4 confusdo, mas tende a levar 0 livro todo ao descrédito. Como tenho enfatizado muitas vezes, estou cada vez mais convencido de que grande nimero de cristdos tem desistido de ler este livro porque sentem que as explicagdes dele tém se tornado quase ridiculas. No momento em que aplicamos o ensino deste livro a pessoas ou eventos particulares, passamos a correr grave risco de converter o que é espiritual em algo material. Alids, creio ser procedente dizer que a maior parte da conversacao ou da oratéria de muitos amigos que pertencem a ambas as escolas, futurista e historicista, aparenta ser mais politica que espiritual. Lembro- -me que ha poucos anos atrds fui pregar num lugar onde um amigo meu que pertencia 4 escola futurista estivera pregando cerca de um més antes. No seu sermao fizera um grande antincio de que certa informagdo sécreta se pusera em seu catninho com o propésito de assegurar que Stalin, a quem ele identificava com um dos simbolos do Apocalipse, estava sofrendo de um tumor em seu est6mago e que logo morreria. Ora, nao creio que Stalin morreu de um tumor em seu est6mago, mas estou dizendo isso para ilustrar a questo de que aqui estava um homem de Deus que parecia ter gasto a maior parte da noite falando de Stalin! Reitero que, uma vez tenham comecado a interpretar este livro pelo prisma futurista ou historicista continuo, quase imperceptivelmente vocés descobrem que estéo fazendo a mesma coisa. Tornam-se interessados em tempos e estagdes, em eventos particulares e em eventos politicos, e inconscientemente sua énfase é posta em tais coisas em vez de no contetido espiritual do livro. Noutra ocasidéo, quando viajava de trem para pregar em 197 determinado lugar, numa estagdo em que 0 trem parou, um jovem entrou. Observei imediatamente que ele segurava em sua mao direita uma cépia de The Times e uma Biblia, e pude prever exatamente o que ele ia fazer. E eu estava certo! Ele ia a uma reuniao ministrar estudos sobre questées proféticas, e ele levava os simbolos em suas m4os: ndo sé a Biblia, mas também The Times, porque, vejam bem, ele discernia The Times (Os Tempos) a luz da Biblia. O que ele estivera lendo em The Times estava nas Escrituras, e estava indo ministrar 4 sua congregagao tanto The Times quanto as Escrituras! Nao obstante, o Apocalipse é um livro espiritual com uma mensagem espiritual. Ora, sinto que consideragdes como essas séo seguramente suficientes para fazer-nos rejeitar o ponto de vista historicista; e novamente diria que, em geral, a mesma coisa tende também a aplicar-se ao ponto de vista historicista eclesidstico. Caminhamos em direcdo 4 mesma dificuldade de tentar identificar os eventos hist6ricos particulares com as coisas que se acham registradas nas paginas do Apocalipse. Portanto, isso nos leva a ponderar sobre 0 ponto de vista histérico espiritual, o ponto de vista que ensina que o Apocalipse é um livro que apresenta os principios espirituais concernentes a vida e ao conflito e triunfo final da Igreja de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Os detalhes histéricos exatos nao s4o apresentados, mas os grandes principios s&o ilustrados. Essas ilustragées se aplicam aos dias da Igreja Primitiva; se aplicam agora; e serao relevantes até o fim, até o juizo final. Deixem-me, pois, tentar apresentar-lhes algum tipo de explicagéo positiva do ponto de vista historicista espiritual do livro do Apocalipse para podermos compara-lo e contrasté-lo com os pontos de vista preterista, futurista e historicista os quais j4 coloquei diante de vocés, E assim, fagamos uma experiéncia. Imaginemos que nao temos nenhuma teoria, que nao pertencemos a nenhuma escola, mas chegamos para ler 0 livro do Apocalipse pela primeira vez. Abramos 0 livro e o leiamos de um s6 folego. Observemos certas impressées gerais que 0 livro nos causa. Essas impressées, sugiro-lhes sdo inescapaveis se vocés 198 permitirem que o préprio livro lhes fale diretamente. A primeira impressdo € que 0 Apocalipse é um livro acerca do Senhor Jesus Cristo e Sua Igreja. Ele parte da revelagaéo que Deus deu a Joao € a qual ele passa adiante: “Revelacao de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e, enviando-as pelo seu anjo, as notificou a seu servo Joao; o qual testificon da palavra de Deus, ¢ do testemunho de Jesus Cristo, de tudo quanto viu” (1:1,2). Esse € 0 grande tema. E ao percorrermos todo 0 livro 0 vemos por toda parte. O Senhor Jesus Cristo esté diante de nés 0 tempo todo. O Apocalipse foi escrito para a Igreja. Ei escrito a respeito da Igreja. E € escrito para ajudar, confortar, estimular e edificar a Igreja, pois Joao prossegue dizendo: “Bem-aventurado aquele que lé e bem-aventurados os que ouvem as palavras desta profecia e guardam as coisas que nela estao escritas” (v. 3). Ora, jamais esquegam isso! Algumas pessoas parecem pensar que o livro do Apocalipse € apenas uma questao de profecia, de comunicar fatos e detalhes que se encaixam num quebra-cabega. Tenham sempre em mente, porém, que esta é a ordem que recebemos: nao s6 “Bem-aventurado aquele que 1é e bem- aventurados os que ouvem as palavras desta profecia”, mas também os que “guardam as coisas que nela esto escritas; porque o tempo est4 préximo”. Existe aqui muita exortagéo moral. Nossa primeira impressao é essa. A segunda coisa que eu enfatizaria € que ele é um livro de revelagao. E um livro que se destina a revelar-nos algo; é 0 apocalipse—o desvendamento. Eum livro no qual 0 véu éretirado € nos é dada a visao e o discernimento de determinadas coisas. Sinto-me pressionado a enfatizar esse fato, visto que as inter- Ppretacées que estivemos considerando parecem, acho, ter 0 efeito quase exatamente oposto. Elas nos deixam num estado de confusao, de tal modo que as pessoas dizem: “Nao sei onde estou. Sinto-me absolutamente confuso por essas teorias e por esses detalhes e a maneira como as coisas s4o acrescentadas, as quais nao percebo no texto, nem por meio de todo esse conhecimento histérico. Sinto-me realmente tao desnorteado que o livro nao 199 diz nada a mim.” E no entanto 0 livro nao se destinava a criar confusdo; muito ao contrario. La estava a Igreja Primitiva sofrendo perseguic¢do, e os cristéos desnorteados. Nao conseguiam compreender. Entao o livro Ihes foi dado especifica e especialmente a fim de abrir seus olhos para o que lhes estava acontecendo e para 0 que ainda estava para acontecer. ~ Sim, todavia devo apressar-me a acrescentar que a forma na qual o Apocalipse nos comunica esse desvendamento e conhecimento é por meio de simbolos e de sinais. Vocés ja notaram uma palavra naquele primeiro versiculo do livro — “Revelagdo de Jesus Cristo, que Deus Ihe deu para mostrar a seus servos as coisas que brevemente deve acontecer” — entéo — “e, enviando-as pelo seu anjo, as notificou a seu servo Joao”. Ora, algumas das traducées mais recentes falam sobre “fazer conhecidas”, mas nao resta diivida, uma vez mais, de que essa antiga Authorised (King James) Version se aproxima muito mais do significado original. Ela pée “significado”, porque a palavra grega usada aqui provém da palavra no original que significa um sinal ou um simbolo. Portanto, aqui bem no infcio declara-se que a revelacdo é transmitida por meio de sinais. O significado nfo € posto absolutamente claro e direto. E uma revelacdo, mas é também uma revelagao que em parte permanece velada. Quando percorremos 0 livro, encontramos este tipo de express4o: “E vi outro sinal no céu” (Apoc.15:1); Joao refere-se constantemente a sinais. Ora, obviamente esse é um principio extremamente importante na interpretagéo do Apocalipse. O Apocalipse comega com os castigais; entao fala de selos, de trombetas, de tacas, de bestas e de coisas afins. A verdade é comunicada, porém comunicada de uma maneira figurativa. E creio que grande parte dos problemas com respeito 4 interpretacdo deste livro tem surgido em virtude da tendéncia que as pessoas tém de esquecer isso. Existe em nds um desejo inato de literalizar tudo. Nao conseguimos ver que olivroem si nos diz desde o inicio que ele é um desvendamento dessa forma simbélica particular. O Apocalipse néo usa somente simbolos, usa também 200 ntmeros simbdlicos. Nao nos é possivel ler esse livro sem sermos surpreendidos pela freqiiéncia dos ntimeros. O nimero sete, por exemplo, é usado cingiienta e quatro vezes no livro: sete cabecas, sete olhos, sete selos, sete trombetas, sete tacas ¢ assim por diante. Pois bem, evidentemente essas e outras figuras como “tempo, tempos e metade de um tempo”; trés anos e meio; quarenta e dois meses; 144, que € doze multiplicado por doze; dez; e dez multiplicado por dez, multiplicado por dez é equivalente a mil, e assim por diante, torna claro que estamos lidando com um livro que comunica sua verdade por meio de simbolos. As figuras, obviamente, nao pretendem ser figuras literais. A dificuldade surge quando esquecemos e afirmamos que uma figura significaria o ntimero exato que ele implica — por exemplo, mil, ou: “e seu ntimero é seiscentos e sessenta e seis” (Apoc. 13:18). Sem dtivida que, se lermos 0 livro como um todo, perceberemos que em certos pontos simplesmente nao podemos, e nao deve ser 0 nosso propésito, tomar esses nimeros literal- mente, Nao significa simplesmente que s6 144.000 pessoas serao salvas. Nao, esse é um ntimero simbédlico — doze ao quadrado — como é mil, que é um cubo de dez. Existem aqui figuras de completude e figuras de carater parcial: trés e meio € a metade de sete. Esse € 0 método profético, como j4 vimos em nossa rapida consideragao da profecia de Daniel, na qual as escrituras proféticas sempre comunicam sua verdade. Elas néo usam uma exatidéo mecAnica, literal, porém nos fornecem conhecimento exato numa forma simbélica. Sdo-nos dados princfpios sem nos passar conhecimento detalhado e particular. Recordo-lhes que o livro do Apocalipse faz exatamente o mesmo que fez o nosso Senhor e Salvador quando usou de pardbolas. As parabolas a um e ao mesmo tempo revelam a verdade e todavia, por assim dizer, a ocultam. Fazem afirmacoes francas da verdade, mas ndo sao claras para os de fora. Nem sempre eram claras também para os discipulos, e quando nosso Senhor ficava sozinho com eles, Lhe perguntavam o que queria dizer. Essa é a caracteristica de uma parabola. Seu propésito é 201 comunicar alguma grande verdade, e ela faz isso, porém numa forma figurada, por meio de um quadro, de uma figura, de um sinal. Portanto, ao lermos uma parabola, nao significa que devamos nos preocupar com todos os detalhes. Creio que provavelmente vocés jé leram ou jd ouviram exemplos desse tipo de posig&o tola e quase néscia a que se pode chegar aquele que comegar a aplicar todos os detalhes de uma parabola. Quando eu era menino, ouvi um homem pregando sobre a parabola do filho prédigo. Ele pegou cada detalhe da histéria e Ihe dava um significado espiritual. Contudo o tempo se esgotava para 0 pobre pregador ¢ ele teve de desistir. Disse-nos que talvez continuaria com a parabola da préxima vez que viesse nos visitar, e trataria do bezerro cevado! Focalizemos, ento, o grande principio de que nosso Senhor esté desvendando a verdade aqui no Apocalipse, mas que esta escolhendo um método particular de fazé-lo. Com certeza, isso de forma nenhuma deveria nos surpreender. Joao estava escrevendo aos cristéos primitivos que estavam vivendo no Império Romano e estavam sofrendo por causa disso. Ele desejava fortalecé-los em seu sofrimento, mas obviamente nao podia escrever francamente em virtude das conseqiiéncias, talvez nao tanto por motivo pessoal, porém por causa de seus leitores. E assim ele tinha que tratar do assunto em principio, e ele o fez por meio de simbolos. Os cristéos primitivos entenderiam seu significado por meio da iluminagao do Espirito Santo, mas os romanos, lendo-o, nada entenderiam; e a mesma coisa tem se aplicado ao longo dos séculos. A verdade esta aqui em principio. Podemos aplicé-la a fatos particulares. Nao afirmamos que o livro esta tratando desses fatos particulares, mas ha um principio comum nessas forgas que operam contra a Igreja e sao antagOnicas ao nosso bendito Senhor. Meu enfoque final sob este tépico geral é que nunca devemos perder de vista 0 fato de que 0 livro do Apocalipse se destina a edificagéo. Nao se destina simplesmente a satisfazer nosso interesse; ndo se destina meramente a excitar-nos ou provocar nossa curiosidade e interesse por eventos politicos. Nao é um 202 livro que se destina a capacitar a vocés e a mim, ou a qualquer outro, a dizer: “Sem divida isso confere com o que leio no livro do Apocalipse, e posso falar-lhes de todos os acontecimentos atuais e encontra-los aqui”. Isso satisfaz a nossa curiosidade intelectual. Tornamo-nos interessados em tempos e.estacées, € ficamos sempre de espreita por coisas excéntricas, contanto que demos a impressio de ser sagazes. Ouvimos ou lemos num livro sobre alguma pessoa de quem a maioria ainda n4o ouviu, vivendo numa ilha em algum lugar do Mediterranco, de quem se diz ser 0 anticristo vindouro. Perguntamos: “Vocé ouviu isso? E extraordindrio!” Pessoas tém vivido agindo assim ao longo dos séculos. Nio, essa no é a funcao deste livro. O Apocalipse foi escrito, como j4 vimos, com 0 objetivo de confortar, consolar, ministrar instrugdo, exortar, estimular os cristéos para o que eles tinham que enfrentar, e nao sé os primeiros cristéos, mas também todos os que subseqiientemente leriam este livro. E como ja lhe recordei, esse livro tem sido a forga, 0 apoio e o poder susten- tador do povo de Deus em tempos de terrivel perseguicéo. Leiam novamente a histéria dos reformadores e seus seguidores, dos puritanos e outros, e vocés descobriréo que foram capacitados a avangar, porque viam aqui, em principio, a propria coisa que Ihes estava acontecendo. Se vocés lerem o livro, penso que serao forcados a chegar 4 concluséo de que o Apocalipse nao deveria suscitar uma espécie de curiosidade malsa e quase morbida, a qual desperta em nés mais interesse por pessoas ¢ eventos do que sentimos pela verdade de Deus, a verdade concernente ao nosso bendito Senhor e Sua Igreja, bem como pelo grande propésito de Deus para o Senhor e a Igreja ao longo dos séculos até o fim. Obviamente, pois, ao nos aproximarmos de uma interpretagdo, devemos ter essas coisas em mente. Devemos recordar seu simbolismo deliberado, e devemos buscar a edificagéo que havemos de extrair dele. Entao, em segundo lugar, observemos 0 esbogo do livro. Ao lermos do principio ao fim, nao podemos deixar de ser impresionados pelo fato dele conter certas divisées naturais — 203 divisées naturais, nfo artificiais. Desejo apresent4-las a vocés para sua consideracao e estudo. Tomem os primeiros trés capitulos. Quando vocés léem este livro, acaso nao sentem que estes trés capitulos obviamente vao juntos e tm uma mensagem especifica? Vemos aqui 0 Senhor Jesus Cristo no meio da Igreja. O Senhor Jesus Cristo, se preferirem, no meio das igrejas, porque a Igreja é dividida em igrejas. Comegamos com a grande visio dEle entre os castigais que nos dizem significar as igrejas. “Eis mistério das sete estrelas, que viste na minha destra, e dos candeeiros de ouro: as sete estrelas so os anjos das sete igrejas, € os sete candeeiros sao as sete igrejas” (Apoc. 1:20).Com efeito, © perigo é concluir que as sete igrejas significam sete igrejas particulares. Mas lembrem-se de que os nimeros no Apocalipse sao simbélicos. Sete € um dos nimeros perfeitos, portanto as sete igrejas, lembro-lhes, subentendem a Igreja como um todo. O Senhor Jesus Cristo é dessa forma mostrado na Igreja. Notem também que essa primeira segao parece abranger toda a hist6ria da era crista. Lemos no versiculo 5 do primeiro capitulo: “E da parte de Jesus Cristo, que € a fiel testemunha, o primogénito dos mortos ¢ o Principe dos reis da terra. Aquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou de nossos pecados”. Isso comega com 0 sangue de Cristo, com Sua morte ¢ ressur- reigaéo. Entretanto avancem para o versiculo: “Eis que vem com as nuvens, ¢ todo olho o vera, até mesmo aqueles que o traspas- saram; e todas as tribos da terra se lamentar4o sobre ele. Sim. Amém”. A morte e a ressurreigao de nosso Senhor € 0 principio da era crist4; e o juizo final € 0 término da era crista. E nao sé isso, existe aqui ensino sobre 0 redimido e sobre o perdido. Ora, essas s40 as caracteristicas essenciais dos primeiros trés capitulos, os quais formam a primeira secdo do livro. No entanto, avancem para a segunda sec4o, a qual se estende do capitulo 4 ao capftulo 7, e observem que encon- tramos novamente as mesmas coisas. Nos capitulos4e5 ha um maravilhoso quadro do Senhor Jesus Cristo: a grande cena celestial no capitulo 4 e em seguida a consternagao no capitulo 5, visto néo haver ninguém suficientemente capaz, no céu e 204 na terra, de abrir os selos do livro, Entaéo surge o anincio pelo anjo: “Nao chores; eis que o Ledo da tribo de Juda ...” (v. 5). O Senhor Jesus Cristo est4 no centro da segunda secdo como estava na primeira secao. E novamente somos levados a contempl4-10, crucificado e ressurreto: “Um Cordeiro em pé, como havendo sido morto” (v. 6). Nao devemos nunca esquecer isso, mas Ele também ressuscitou. Ele triunfou. E assim, aqui na segunda sec4o encontramos nosso Senhor uma vez mais, e novamente Ele tem uma mensagem paraa Igreja. E qual éa mensagem? E que Ele € Aquele que controla a histéria. Ele nao s6 controla a vida da Igreja, como vimos na primeira secao, porém Ele tem esse grande livro da histéria que ninguém mais pode abrir. Unicamente Ele pode desatar os selos. Ele € 0 Senhor, o Autor da histéria. Eis a mensagem que Ele, aqui, comunica a Igreja. E com isso vocés 0 encontram desatando os selos e desvendando a historia. Eo que dizer dessa hist6ria? Somos informados no capitulo 6 que é uma histé6ria que avanga para o proprio fim dos tempos e para 0 juizo final: “E vi quando abriu o sexto selo, e houve um grande terre-moto; e o sol tornou-se negro como saco de cilicio, e a lua toda tornou-se como sangue; ¢ as estrelas do céu cairam sobre a terra, como quando a figueira, sacudida por um vento forte, deixa cair os seus figos verdes. E 0 céu recolheu-se como um livro que se enrola; e todos os montes eilhas foram removidos dos seus lugares. E os reis da terra, eos grandes, e os chefes militares, e os ricos, e os poderosos, e todo escravo, e todo livre, se escon-deram nas cavernas e nas rochas das montanhas; e diziam aos montes e aos rochedos: caf sobre nés, e escondei-nos da face daquele que est4 assentado sobre 0 trono, e da ira do Cordeiro; porque é vindo o grande dia da ira deles; e quem podera subsistir?” (Apocalipse 6:12-17) 205 O fim dos tempos é também tratado em Apocalipse 7:3-17, onde hé.um maravilhoso quadro dos redimidos, quadro esse que j4 vimos no capitulo 5. Essas pessoas vieram da grande tribulagdo e lavaram suas vestes. Porventura nao percebem vocés que, em esséncia, a segunda seg&o é uma exata reiteracéo da primeira segao? O Senhor esté novamente revelando coisas 4 Sua Igreja, e Sua revelacéo vai do principio ao fim dos tempos, ao juizo final, e nos é mostrada a diferenga existente entre os redimidos € os perdidos. Os capftulos 8 all constituem a préxima segdo, e isso nova- mente forma uma secao diferenciada em si mesma. Em 8:1, somos informados que, depois de um intervalo de meia hora no céu, algo novo é novamente comunicado, e nos versiculos 3 e 4 do capitulo 8 nos € mostrado um maravilhoso quadro do Senhor Jesus Cristo, nosso Sumo Sacerdote, levando nossas petigdes e nossas oragdes a Deus. Em conseqiiéncia, determinadas coisas sao feitas, chegamos 4 extraordindria visdéo das trombetas. Uma trombeta é sempre uma adverténcia, e essas sete trombetas sio adverténcias e juizos. Leiam do comego ao fim e uma vez mais vocés descobrirdéo que, havendo comegado com o Senhor no capitulo 8, novamente avancamos até o juizo final, o dia do juizo, em 10:7 e 11:15-19. Por outro lado, nos capitulos 10 e 11 encontramos uma descrigéo da Igreja. Uma vez mais estamos obviamente tratando das mesmas coisas — o Senhor e Sua Igreja e 0 que lhes sucede no mundo, o juizo final, os redimidos e os perdidos. A quarta secao vai do capitulo 12 ao capitulo 14. Aqui novamente voltamos ao inicio com uma extraordindria descrigéo do nascimento de nosso Senhor, descrito como “um filho” (12:5). Comegamos com Seu principio, e nos € mostrada a oposigao que Lhe é feita, Sua morte e ressurreigaéo, como Ele foi assunto ao céu € 0 inicio da era crista. Entao entra a oposigao — 0 diabo, as bestas as quais ele comunica poder, e Babilénia, todos esses inimigos da Igreja. Mas novamente a historia avanga até 0 juizo final. No capitulo 14:8, lemos: “Caiu Babilénia”. Com essa profecia, estamos obviamente tratando outra vez do fim; porém, 206 por outro lado, no capitulo 14 hé uma maravilhosa descricdo dos redimidos. Em esséncia, estamos uma vez mais visualizando a mesma coisa: o Senhor Jesus Cristo no centro, Seu povo, Sua descendéncia, a oposicao, 0 juizo final, os redimidos e os perdidos. Encontramos a quinta segao nos capitulos 15 e 16. Uma vez mais isso comega no céu, e uma vez mais lemos acerca do Cordeiro e Seu povo que estava com Ele, e esta sempre com Ele e Ele com o povo. Aqui chegamos, no capitulo 16, 2 espantosa descrigdo das tacas do juizo, as salvas da ira que é derramadaea grande batalha final do Armagedom. Uma vez mais chegamos ao juizo final, e vemos a mesma disting&o entre os redimidos € 0s que s4o finalmente condenados. Entéo avancamos para os capitulos 17 a 19, os quais formam a sexta segdo. Aqui o tema é outra vez mais a forma na qual os inimigos de nosso Senhor e de Seu povo redimido sao tratados. H4 um relato da destruicao final de Babilénia, das duas bestas e todos os seus seguidores, e, em contrapartida, os redimidos aparecem como a Esposa de Cristo. A grande festa de nipcias ocorre; 0 juizo final chegou outra vez; e hé ainda uma grande distingdo entre os redimidos e os perdidos. No capitulo 19, o Senhor aparece pessoalmente em Sua gléria, cavalgando um corcel branco, com a espada saindo de Sua boca. Por conse- guinte, a sexta segdo tem novamente as mesmas caracteristicas essenciais. E isso nos conduz a ultima seco, a sétima, que vai dos capitulos 20 a 22, e uma vez mais encontramos os mesmos elementos. Os aspectos particulares aqui sAo a condenacio e destruigdo finais do proprio diabo e, em oposigao a isso, o triunfo final da Igreja introduzida no eterno estado glorificado, ea cidade de Deus descendo. Tudo est4 encerrado e completo. O Cordeiro esta no meio da cidade, e nao ha necessidade do sol ou da lua, porque Sua luz, o brilho de Sua face, é suficiente. Portanto, isso € 0 que encontramos se lermos este livro do comego ao fim sem concentrar-nos demasiadamente em alguns detalhes, mas abertos para certas impressdes claras. Sugiro-lhes que hé nas segées diferentes desse livro um principio de repetigéo 207 e recapitulagao, uma espécie de paralelismo, e que os aspectos comuns hao de ser encontrados percorrendo do comeco ao fim. Portanto, solicito de vocés ainda outra vez que leiam o livro na forma que tenho indicado. Tentem esquecer as teorias, tentem ignorar algo em particular, e permitam que essas impress6es claras tenham efeito positivo em vocés. Se fizerem isso, creio que concluiréo comigo que tudo quanto este livro se propés fazer, certamente foi contar-nos sobre o conflito entre o Senhor Jesus Cristo e 0 diabo e seus poderes. Ele retrata o conflito entre o Senhor Jesus Cristo, Sua Igreja e Seu povo, de um lado, ¢ aquelas outras terriveis forgas, do outro. E quando adentrarmos 0 livro em seu 4mago, veremos que esse conflito comegou quando nosso Senhor adentrou este mundo. Comegou com Herodes, e tem continuado desde ent&o, e continuard até Sua vitéria final, a qual é certa e infalivel. 208 17 O SOFRIMENTO E A SEGURANCA DOS REDIMIDOS Consideramos rapidamente na prelecgao anterior 0 que achamos ser as segdes naturais do livro do Apocalipse, e € importante que guardemos as mesmas na mente. Para que vocés as recordem, s4o elas: capitulos 1a 3,447,8a11,12a14,15a16, 17 a 19, 20 a 22. Creio que me foi possivel estabelecer que nessas secgdes ha um claro paralelismo, uma reiteragdo dos acontecementos histéricos da Igreja Crista desde a primeira até a segunda vinda de Cristo. Vemos Cristo pessoalmente com Seu povo, certas experiéncias que tiveram,os que séo contra Ele e, no final de cada segao, o juizo final. Portanto, podemos estabelecer que existe paralelismo numa série de segdes. Outros determinados fatos apoiam esse argumento e devem, portanto, substancid-lo. Ha certas outras repetig6es, por exemplo, os mesmos simbolos representando tempo que sao usados nos capitulos 8 a 11, bem como nos capitulos 12 a 14. Por exemplo, no Apocalipse 11:2 ha uma referéncia a quarenta e dois meses e 0 terceiro versiculo fala de 1.260 dias, que realmente equivalem a quarenta e dois meses. Entao, no Apocalipse 2:6, a referéncia a 1.260 dias aparece novamente, e no versiculo 14 temos “tempo, tempos e metade de um tempo”, isto é, um ano, dois anos e metade de um ano — trés anos e meio novamente, ou quarenta e dois meses, ou 1.260 dias. E no capitulo 13:5 hd também uma mengio de quarenta e dois meses. E assim, as mesmas figuras numerais sdéo usadas, a mesma duragao é indicada, porque, recordo a vocés, sdo os mesmos eventos. Repito, existe um paralelismo. O que j4 foi dito de uma forma est4 sendo dito novamente de forma diferente. Um exemplo adicional do principio de repetigaéo esta nas 209 referéncias a uma grande batalha que est4 para ser travada. No grego essa é chamada a batalha. Achamos referéncias a ela no Apocalipse 16:14, 19:19 e 20:8. A mesma batalha é mencionada nas trés ocasides, mas em cenarios diferentes. Entao outro notdvel elenco de evidéncia e, talvez, 0 mais convincente de todos, é que, se lermos os relatos do soar das trombetas nos capitulos 8 e 9 e o derramar das tagas no capitulo 16, descobriremos que exatamente as mesmas coisas sao referidas: a terra na primeira trombeta e a terra na primeira taga; 0 mar na segunda trombeta e também na segunda taga; os rios e as fontes na terceira trombeta e exatamente os mesmos na terceira taca; e o sol na quarta trombeta e na quarta taga. Entao vem o trono da besta na quinta trombeta e na quinta taca, e por fim o rio Eufrates na sexta trombeta e na sexta taca. Ora, isso é algo que deve chamar imediatamente a nossa atencao. Por que essas mesmas coisas so afetadas? E um argumento muito vigoroso em apoio do primeiro argumento, ou seja, que no Apocalipse hé um principio de repeticao ou recapitulagdo ou paralelismo; e, segundo, que este é um livro no qual as diferentes segdes sdo sobre as mesmas coisas, porém vistas de perspectivas ligeiramente diferentes, a fim de realgar aspectos particulares e diferentes da verdade. Espero que, em conseqiiéncia da evidéncia que pus diante de vocés na prelegdo anterior, juntamente com essa adicional evidéncia de apoio, eu esteja estabelecendo este principio de paralelismo. E muito interessante observar que o paralelismo nao é incomum na literatura profética. Tomem, por exemplo, o livro do profeta Daniel. Em Daniel, capitulo 2, ha um relato de uma grande imagem que é dividida em diferentes secdes: a cabega, 0 térax e os bracos, e assim por diante. Ora, esse quadro tem referéncia precisamente 4 mesma coisa que os quatro animais em Daniel, capitulo 7. Ambos esses capitulos obviamente descrevem os mesmos grandes impérios, e todos concordam sobre isso. Mas ha muitos que aceitam essa repetigdo no livro de Daniel e no entanto nao podem vé-la aqui. Por que Daniel usa duas imagens? Por que diz ele a mesma 210 coisa de duas formas diferentes? E porque ele tem coisas adicionais a dizer no capitulo 7 além do que ele disse no capitulo 2. Ora, isso é tipico dos profetas. Eles fazem ousadas afirmagoes sobre algo, entéo voltam a ele e 0 colocam em pauta, usando termos ligeiramente diferentes ou simbolos diferentes, e acrescentam algo ao que ja haviam dito. Isso, ent&o, € o que chamaria de uma espécie de andlise geral do livro do Apocalipse. Deixem-me lembrar-lhes novamente do que estou tentando fazer no momento. No estou me propondo conduzi-los através do livro do Apocalipse detalhadamente; isso seria inapropriado numa série de prelecdes sobre doutrinas biblicas. Estou simplesmente interessado em que captemos a mensagem geral do livro, especialmente em sua relevancia 4 questao do tempo da segunda vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Portanto, estou tentando apresentar-lhes um esbogo e um método de interpretagéo, deixando os detalhes a serem acrescentados depois. Havendo chegado até aqui, deixem-me também declarar que, embora seja claro que 0 livro se divide em sete secdes que parecem estar tratando do mesmo tema, dos mesmos eventos, € igualmente claro que o livro pode ser dividido em duas segGes. Noutras palavras, as sete segdes podem ser agrupadas também em duas grandes divisdes — sendo 0 ponto divisério 0 inicio do capitulo 12, Portanto sugiro-lhes que podem visualizar o livro desta forma: a primeira diviséo maior consiste das primeiras trés secdes: capitulos 1 a3; 4a7,¢8a11. Em seguida, a segunda divisdo consiste das quatro seg6es: capitulos 12a 14, 15e16,17a 19, e 20 a 22. Isso digo porque tenho a impress4o de que o livro do Apocalipse exige essa diviséo. Tomem o décimo segundo capitulo, N4o seria perfeitamente claro que esse capitulo nos leva de volta ao principio da era crista? Ele nos leva de volta ao nascimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Aquele que € descrito aqui como um filho a quem a mulher deu a luz. Mas somos informados que 0 diabo decidira desde antes da encarnagéo que tentaria matd-lO tao logo nascesse. E, naturalmente, recordamos dos Evangelhos como ele tentou fazer 2u1 isso através do rei Herodes. . Aqui, pois, no capitulo 12, lemos sobre 0 nascimento do Senhor Jesus Cristo e o fracasso do diabo na sua primeira tentativa de mat4-lO. Entéo somos informados que esse “filho” € levado da terra para o céu, arrebatado para Deus e para Seu trono—com certeza um perfeito relato da ressurreigdo e ascensao de nosso Senhor. E em conexao com isso somos informados de haver guerra no céu (v. 7) e que o grande dragao, “a antiga serpente chamada diabo e satands” (v. 9) € expulso. E nosso bendito Senhor mesmo ja havia dito: “Agora € 0 juizo deste mundo; agora serd expulso o principe deste mundo” (Joao 12:31). Percebem a correspondéncia? Isso aconteceu nesse tempo. A morte e ressurreic¢ao de nosso Senhor foram seguidas pela expulsdo de satanés do céu para a terra. Entéo o Apocalipse, capitulo 12, continua dizendo que o diabo volve seu veneno e seu furor contra a mulher e contra “os demais filhos dela” (v. 17), que obviamente é ninguém mais sendo 0 povo cristao, os que pertencem ao proprio Filho, o filho a quem ela deu a luz. Portanto o diabo comega a perseguir a Igreja. Ora, essa € seguramente a esséncia do capftulo 12. Ele evidentemente nos leva de volta novamente ao inicio. Isso pressupde muito vigorosamente que ai temos estas segdes maiores: a primeira, composta de onze capitulos, e a segunda, também composta de onze capitulos . Existiria, entéo, alguma diferenca nessas duas secdes do livro? Sugiro-lhes que existe uma diferencga marcante e notavel, a qual é muito importante observarmos do Angulo de inter- pretagdéo do livro. Na primeira secéo temos um grande relato da luta do préprio Cristo e Sua Igreja contra o mundo dos impios. Essa é a mensagem da primeira seco. Mas quando chegamos a4 segunda segéio, que comeca no capitulo 12, nos deparamos no tanto com a luta de Cristo e Sua Igreja contra o povo incrédulo, e sim, contra os poderes malignos que estaéo ativos por trds do mundo, isto é, vemos a luta contra o diabo € todos os seus sicdrios e agentes. O diabo nao é mencionado até chegar ao capitulo 12. Ele esta ali, sem duvida, por tras 212 de homens e mulheres, mas nfo temos noticias dele até chegarmos ao capitulo 12. Essa segunda segao entéo nos conduz 4 mesma histéria da primeira secaéo, porém nos mostra a luta num nivel mais profundo. E a mesma luta, mas na primeira secdo s6 a vemos em termos de seres humanos, enquanto que na segunda segdo a vemos em termos da luta “contra principados, contra potestades, contra os principes das trevas deste mundo, contra as hostes espirituais nas regides celestes” (Ef. 6:12). E quao importante € que a Igreja Crist4 entenda isso! Todos nés conhecemos algo sobre perseguicéo. Sabemos o que é ser confrontados por pessoas que séo incrédulas e anticristaés, e quao dificil elas podem tornar nossa vida, as vezes. Sim, conhecemos tudo isso, mas isso nao é toda a hist6ria. Precisamos tornar-nos cénscios do fato de que esses homens e mulheres, esses individuos, nao passam de instrumentos das grandes potestades ativas por tras de nosso mundo. A Biblia nos impressiona com a verdade de que é o diabo que est4 fazendo guerra contra Deus. Freqiientemente deixamos de nos lembrar disso e, portanto, nos tornamos confusos e n4o conse-guimos entender as coisas. O que vocés e eu vemos com nossos olhos fisicos é simples- mente a parte visivel de uma grande guerra espiritual que tem seguimento noutra esfera, na qual estamos sendo usados, por assim dizer, como instrumentos. Entdo, de uma forma muito interessante, pois, descobrimos que neste livro do Apocalipse se nos fornece tanto o quadro 4 superficie quanto o quadro mais profundo. E a mesma coisa; a mesma histéria. Eis por que existe a recapitulacdo, a repetigéo e 0 paralelismo. Se vocés olharem dessa forma, creio que verao imediatamente que néo hé livro mais importante para nds em toda a Biblia do que o livro do Apocalipse. Seu tema é 0 desvendamento dessa grande luta. Mas, gracas a Deus, o livro nao se nos apresenta meramente para nos fornecer um quadro. Seu objetivo principal é mostrar-nos o triunfo final do Senhor Jesus Cristo e Seu povo. E essa é a razao por que essa vitoria é mostrada em cada seg&o. Nao se nos pede que esperemos até 0 213 fim para a vitéria. E-nos dito: sim, isso Ihes aconteceré, mas est4 tudo bem. Ele est4 com vocés, e vocés triunfardo e prevalecerio. O propésito do Apocalipse é desvendar-nos a gloria do triunfo que infalivelmente ser4 nosso, e a certeza de que no interim, ainda que o mundo nos trate com extrema crueldade, e ainda que ele até mesmo nos mate, jamais podera separar-nos do amor de Deus que est4 em Cristo Jesus nosso Senhor. Portanto, o Apocalipse é um livro que, em sua propria maneira figurativa, dramatica, nos diz exatamente a mesma coisa que o apéstolo Paulo em Romanos, capitulo 8. Ea mensagem que encontramos em todas as Escrituras. E portanto o Apocalipse nao é mais um livro meramente para algumas pessoas que estarao aqui na terra depois que os santos tiverem sido subitamente arrebatados! E um livro que nos fala em nossa presente condigio. Tem falado aos cristéos de todas as épocas da Igreja, porque todos eles tiveram de enfrentar essas coisas, e assim ele se torna um livro vivo, um livro real e espiritual. Se vocés lerem o Apocalipse novamente a luz de tudo isso, entio descobrirao que podem entendé-lo de uma maneira inteiramente nova, porque ele nao apenas Ihes diz o que esta para acontecer; ele lhes diz o que devem fazer a fim de vencer, e hes chama a atengao para o que sucedera caso néo cumpram seus preceitos. Ele nao é mais uma espécie de quebra-cabeca acerca dos tempos, estagdes e datas que Ihes capacitem a falar fluentemente sobre eventos politicos. Nao, ele é um livro espiritual que fala aos seus coragdes e as suas experiéncias, e que Ihes ajudam a viver quotidianamente. Ele contém adverténcia ¢€ instrugao, tanto quanto consolagao, e por isso ele se torna um. dos livros mais praticos e vitais para a vida didria em todo o canon das santas Escrituras. Essa, pois, é a an4lise geral do livro do Apocalipse, e sinto- -me tentado a deixd-lo nesse ponto, pedindo-lhes que vocés mesmos desenvolvam os detalhes. Nao obstante, permitam-me avancar um pouco mais. Deixem-me tentar apresentar-lhes alguns outros topicos bem evidentes, os quais so de valor numa 214 interpretagao detalhada. Observem a primeira segdo, capitulos 1 a3, a luz de tudo isso. Temos aqui um quadro do Senhor Jesus Cristo entre as igrejas, o Senhor Jesus Cristo com Seu povo. O que, pois, sdo essas sete igrejas? Seriam sete igrejas particulares que estavam ent&éo em existéncia, ou, como alguns gostariam que créssemos, seriam descrigGes do estado geral da Igreja em diferentes eras, periodos e épocas? Minha sugestao é que sio ambas as coisas; visto, porém, que sete é o numero perfeito, aqui nos é dado um relato de todo 0 estado da Igreja Crista desde a primeira até a segunda vinda. Quando nos retrocedemos a histéria da Igreja, encontramos na Igreja universal sobre a terra, igrejas e condigdes entre os cristéos que correspondem ao que é descrito nas cartas as sete igrejas. Laodicéia nao é a condicao da Igreja somente no tempo antes da vinda de nosso Senhor. Antes da Reforma Protestante, existia Laodicéia em sua esséncia; e Laodicéia tem sido a experiéncia da Igreja Protestante muitas vezes desde entao. A Igreja neste pais antes do despertamento evangélico de duzentos anos atrés era uma tipica Laodicéia. E parece-me que seria monstruoso sugerir que o estado laodicense da Igreja s6 agora esta entrando. Hoje também existem igrejas como a igreja em Efeso. Ha igrejas hoje como a igreja em Esmirna e como as restantes delas. Todas as igrejas do Apocalipse, capitulos 1 a 3, estéo sempre presentes. E direi mais. Estou plenamente convicto de que em qualquer congregagao atual ha pessoas que correspondem & descrigdo das sete igrejas. E essa é a raz4o por que as cartas as sete igrejas sio sempre atuais. Portanto, em esséncia, af esté a primeira segao. O que dizer da préxima secao — capitulos 4 a 7? Nos capi- tulos 4 ¢ 5 se nos apresenta a grande e gloriosa cena celestial, ¢ visualizamos algum p4lido quadro da gléria, do poder, da majestade, da grandeza e da santidade de Deus. Entao aparece a maior questo na histéria do mundo — 0 livro com os selos e ninguém bastante forte para desatar os selos. Est4 tudo bem, o anjo diz a Joao quando este comega a chorar em razao de nao ver alguém bastante importante e bastante grande para abrir o livro. O anjo diz: “eis que o Ledo da tribo de Juda, a raiz de 215 Davi, venceu” (5:5). Entao Joao olha para ver esse Leao surgir, € 0 que ele vé? Um “Cordeiro como havendo sido morto” (v. 6). Sim, é 0 Senhor crucificado que ressuscitou, que é o Vencedor, que € o grande e eterno Rei, como Paulo nos diz no segundo capitulo de Filipenses: “e, achado na forma de homem, humilhou- -se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Pelo que também Deus 0 exaltou soberanamente, e Ihe deu onome que é sobre todo nome” (vv. 8,9). Encontramos 0 mesmo ensino no final de Mateus, capitulo 28: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumagao dos séculos” (v. 20). “Foi-me dada toda a autoridade” (v. 18). Ele é o Senhor ressurreto, glorificado. Noutras palavras, no capitulo 5 somos informados que nosso Senhor € 0 Senhor da histéria. Ele a controla; Ele é seu Mestre. Nao conhego nada mais consolador. Isso é 0 que torna este livro do Apocalipse tao maravilhoso. Antes de comecar a falar-nos das coisas que nos aconteceriam como cristéos, comeca nos Jembrando que nosso Senhor esté no trono, que Ele € 0 Mestre e que Ele esté reinando até que todos os Seus inimigos sejam feitos estrado de Seus pés (Sal. 110:1). Isso foi dito As pessoas a quem Joao escreveu, e elas precisavam ouvir isso. Numa época em que estavam sendo perseguidas pelos judeus, e agora comecara a perseguicéo movida pelo Império Romano. Estavam atraves- sando momentos terriveis, e sera que vocés acreditam que Joao simplesmente escreveu para dizer-lhes algo que poderia acontecer depois de passar dois mil anos? Como isso os ajudaria? Isso lhes seria quase uma zombaria. Nao, Joao estava escrevendo para contar-lhes o que j4 estava acontecendo, porém lhes disse: seu Senhor est4 presente e est4 no controle da hist6ria. Joao entao nos conduz, no capitulo 6, a abertura dos selos. No primeiro selo vemos um cavaleiro montando um cavalo branco com um arco (v. 2). Agora sugiro-lhes que esse cavaleiro nao é ninguém mais sendo a pessoa que é descrita de uma forma semelhante no capitulo 19, Nao é nenhum outro sendo o Senhor Jesus Cristo pessoalmente. Nosso Senhor € 0 cavaleiro, e esse é © motivo por que Seu cavalo é branco. Ele est equipado, por 216 assim dizer, com o evangelho, e Ele envia a Sua palavra. Ora, nosso Senhor j4 nos informou sobre o que esperar. Ele disse a Seus discipulos: “Nao penseis que vim trazer paz a terra; nao vim trazer paz, mas espada” (Mat.10:34). Ele poria, conforme disse: “...em dissenséo 0 homem contra seu pai, a filha contra sua mie, € a nora contra sua sogra” (v. 35). Ele profetizou que o efeito de Sua vinda consistia em divisdéo. Por isso aqui no Apocalipse Ele vem com um arco e montado em Seu cavalo branco. ’ O cavaleiro do cavalo branco € seguido por um segundo cavalo. Esse cavalo é vermelho, e a seu cavaleiro é dada uma “grande espada” (v. 4). O que significa isso? Bem, o cavalo vermelho é um quadro da forma pela qual 0 povo cristéo, em virtude de ser cristao, est sendo perseguido, até mesmo morto. A palavra grega aqui para espada contém a idéia de matanga. E uma espada curta, uma espada larga usada para um ataque pessoal e direto, Ela nao significa uma grande guerra geral, mas a perseguicdo desferida contra os santos, até a morte. E nao seria isso que tem sucedido? Nao sucedeu aos cristéos dos primeiros séculos? Acaso nao foram abatidos e massacrados simplesmente por serem cristéos? Aqui no Apocalipse, nosso Senhor adverte que isso acontecera. O cavaleiro do cavalo vermelho segue o cavaleiro do cavalo branco. Essa é a ordem. A palavra é proclamada, em seguida surge a oposicao. “Todos”, diz Paulo a seu jovem seguidor e discipulo, Timsteo, “os que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerao perseguigdes” (2 Tim. 3:12). Certas pessoas sempre acreditarao estar servindo a Deus quando levam vocés 4 morte, diz nosso Senhor em Joao 16:2. Entio o terceiro cavalo, o qual surge com a abertura do terceiro selo, nao é um quadro de fome, como alguns intérpretes gostariam que créssemos, mas um vivido quadro de sofrimento como resultado de pobreza. Ha trigo, ha vinho e ha azeite, sim, mas somente 0 rico pode desfrutar deles. Na Igreja Primitiva, os cristéos eram pessoas muito pobres. A principio, a maioria deles era composta de escravos. Muitos outros perdiam o emprego em conseqiléncia de nao dizerem: “César é senhor”. “Nao sao muitos 217 os sabios segundo a carne, nem muitos 0s poderosos, nem muitos os nobres que séo chamados” (1 Cor. 1:26). Nao, n4o, o cristia- nismo teve inicio entre os escravos e os pobres, e quando surgiam as dificuldades, nao possuiam dinheiro para comprar o vinho e o azeite. Portanto 0 quadro aqui pressupée carestia e pobreza, e se vocés lerem a longa histéria da Igreja Crista descobrirao que os cristéos muitas vezes tinham que enfrentar a pobreza. Eo préximo quadro, depois de abrir 0 quarto selo, é de guerra levando a morte. Essa nao é perseguicdo tanto como guerra literal — as vezes guerra religiosa, os grandes conflitos da fé nos quais os cristaos estéo envolvidos. Todas essas cenas no Apocalipse, capitulo 6, so um relato‘'do que sucede ao povo cristao. Descrevem o sofrimento dos seguidores do Senhor Jesus Cristo, os que tém recebido a palavra que Ele enviou. Entdo, em seguida vem 0 quinto selo, e nos é apresentado um quadro de algumas almas que jazem debaixo do altar clamando: “Até quando, 6 Senhor?” (v. 10). Isso € muito natural. Os cristéos que tém sido martirizados em razio de sua f€, clamam: “Até quando isso vai continuar? Até quando permitirés que os inimigos procedam assim em relacao a teu povo?” Quao inevitavel é esse clamor! Quao naturalmente ele surge! E entdo, gragas a Deus, avangamos para 0 sexto selo através do qual nos é fornecido um grande e dramatico quadro de juizo que sobrevem aos terriveis poderes que se opdem a Cristo ea Seu povo. Lemos do sol se transformando em trevas téo espessas como 0 cilfcio — freqiientemente usado em profecia como um quadro de juizo - e a lua se tornando como sangue, ¢ as estrelas caindo do céu. Essa é uma forma dramatica de descrever um grande juizo cataclismico com o céu se afastando como um rolo que é enrolado, e toda montanha e ilha se movendo de seus lugares. Entao lemos: “E 0s reis da terra, e os grandes, e os chefes militares, e os ricos, e os poderosos, ¢ todo escravo, e todo livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas; e diziam aos montes e aos rochedos” — 0 qué? “Cai sobre nés, e escondei-nos” — de quem? Assustadora resposta — “da facé daquele que est4 assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro; porque 218 é vindo o grande dia da ira deles; e quem poder4 subsistir?” (6:15-17). _ E assim, com a abertura dos seis selos no Apocalipse, capitulo 6, foi-nos apresentado um quadro do que acontece ao povo de Deus ao longo de toda a era crista, partindo em diregéo ao juizo final. Essa é a mensagem dos seis selos. Mas nos é dada também uma gloriosa declaragéo no capitulo 7, a qual € ainda uma parte dessa segunda seco. Aqui est4 a maravilhosa certeza de que, embora todas essas grandes, poderosas e terriveis coisas se encaminham para a concretizagaéo, Deus conhece os Seus. Antes de ser desatado 0 sétimo selo, lemos o seguinte: “Depois disto vi quatro anjos em pé nos quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem contra 4rvore alguma. E vi outro anjo subir do lado do sol nascente, tendo o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado que danificassem a terra e o mar, dizendo: nao danifiqueis a terra, nem 0 mar, nem as arvores, até que selemos em sua fronte os servos de nosso Deus” (Apocalipse 7:1-3). Noutras palavras, antes que esses tiltimos juizos sobre- venham ao mundo, 0 povo de Deus sera guardado em seguranga, um selo é impresso na fronte de cada cristéo. Quantos sao eles? Eis a informacio que recebemos: “E ouvi o niimero dos que foram assinalados com 0 selo, cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel” (v. 4). “Mas”, dirdo vocés, “afinal de contas isso é Israel, no o povo cristéo.” Contudo, preciso apenas lembrar-lhes novamente que esse € um livro de simbolos, e também no caso de alguém imaginar que o versiculo 4 fornece uma descrig&o do Israel literal, leia 0 versiculo 9: “Depois destas coisas olhei, e eis uma grande multidao, que ninguém podia contar, de todas as nacées, tribos, povos e linguas, que estavam em pé diante do trono e na 219 presenca do Cordeiro, trajando comprida vestes brancas, e com palmas nas maos”. Portanto o nimero no versiculo 4 é uma figura simbdlica, e realmente € quase ridiculo concluir que ele signifique 144.000 judeus. E possivel que perguntem: qual é 0 significado desses 144.000? E como chegou a essa cifra? Observemos 0 costumeiro significado aplicado ao ntimero simbélico na Biblia. Comecamos com o niimero trés que significa a Trindade - Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espirito Santo. O nimero quatro, os quatro animais, por exemplo, representa a totalidade da terra, a totalidade da humanidade. Multipliquem trés por quatro e teraéo doze, que representa Deus, 0 Pai, o Filho eo Espirito Santo em relacéo ao mundo inteiro. Mas se preocupavam com 0 antigo € 0 novo mundo. Ha doze tribos no Velho Testamento e doze apéstolos no Novo Testamento. Doze multiplicado por doze é igual a 144, Ora, dez é sempre um ntmero de inteireza nas Escrituras. Ao percorrerem este livro, mantenham diante de seus olhos essa figura, e vocés descobrirao que ela sempre representa a completude absoluta. E assim dez elevado ao cubo, isto é, 1.000, representa inteireza absoluta. Sugiro-lhes, portanto, que 144.000 é a culminagéo de tudo isso. Significa a obra salvifica da bem-aventurada santissima Trindade, os santos da era do Velho Testamento e os santos da era do Novo Testamento — todos eles conduzidos juntos, perfeitos e completos. O capitulo 7, noutros termos, é uma descrig&éo de todos os espiritos glorificados no céu, néo importa se judeus ou gentios. Eles sairam de toda nago, reino, lingua, tribo: eles sao 0 povo de Cristo. Estéo todos salvos e estéo todos com Ele e viverao por toda a eternidade em Sua santa presenga. 220 18 AS TROMBETAS Chegamos agora a terceira subdivisao da primeira metade do livro do Apocalipse. Essa é a diviséo que comega no capitulo 8 e vai até o fim do capitulo 11, e € uma secaéo muito importante. Aqui nao tratamos mais dos selos, mas chegamos ao sonido das trombetas. Como ja vimos, 0 sétimo selo introduz a série de trombetas. Antes de tudo, no capitulo 8 nos é fornecido um quadro das oracdes dos santos subindo para Deus; porém nao em si mesmas e por si mesmas, e nem isoladamente. O incenso, que € provido pelo préprio Senhor Jesus Cristo, é adicionado 4s oragdes, de modo que, ao orarmos, nossas oragdes sao envoltas pelo incenso do proprio Senhor e por isso séo aceitaveis a Deus. Nossas oragdes sobem através dEle, através do incenso de Sua Pessoa e de Sua obra perfeita. E interessante observar a seqiiéncia que se segue. E em resultado, por assim dizer, de nossas oragdes a Deus que se inicia a série das trombetas. Ora, é importante observar determinadas coisas sobre essa série de trombetas. Vocés notaréo sempre que as devastagdes que seguem o soar de cada trombeta s6 afeta a terga parte do ambiente e das embarcagées. Por exemplo, lemos que “O primeiro anjo tocou a sua trombeta, e houve saraiva e fogo misturado com sangue, que foram langados na terra; e foi queimada a terga parte da terra, a terca parte das 4rvores, e toda erva verde” (v. 7). O mesmo se da com as outras, a terga parte do mar, e a terca parte das criaturas que estavam no mar, e a terga parte das embarcacées, e a terga parte dos rios e das fontes. A destruigéo nao é total, € apenas parcial. Devemos ter esse fator em mente visto que no capitulo 16, quando as tagas séo derramadas, tudo € afetado, e nado simplesmente um tergo. O que representaria a série de trombetas? Seguramente nao pode haver diivida alguma sobre isso. Nas Escrituras, trombetas 221 sempre significam uma adverténcia de juizo e uma adverténcia de castigo, portanto toda essa série de trombetas é um relato do que sucede aos que se opdem a Deus e a Sua Igreja. Sob os selos vimos as coisas que 0 mundo dos impios faz ao povo de Deus; agora nos € dado um vislumbre do que sucede a esses perse- guidores. Agora nos é dada uma prova bem definida disso. No final do nono capitulo lemos: “Os outros homens, que nao foram mortos por estas pragas, nao se arrependeram das obras de suas mos, para deixarem de adorar aos deménios, e aos idolos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de madeira, que nem podem ver, nem ouvir, nem andar. Também n4o se arrependeram de seus homicidios, nem de suas feitigarias, nem de sua prostituigao, nem de seus furtos” (vv. 20,21). Naquele sumario no final da série das trombetas somos informados de que toda a série tem uma referéncia a impiedade das pessoas que se opdem a Deus, a Seu Cristo, 4 Igreja e ao povo de Cristo. A questéo importante que devemos observar, portanto, é que todas as coisas que sdo aqui descritas acontecem sob a mio de Deus e sob a mao de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Enfatizo esse fator em virtude de freqiientemente nos incli- narmos a pensar que as coisas que provém dos homens e das mulheres fmpios deste mundo séo mais ou menos acidentais e acontecem no curso da natureza. Nao é verdade. Ocorrem muito definidamente como resultado de uma ag&o exercida pelo Filho de Deus. E Ele quem introduz as trombetas com seu juizo e castigo, de forma que as coisas que sucedem a essas pessoas sio ordenadas por Deus. Quando ressoou a primeira trombeta, somos informados que “houve saraiva e fogo” (8:7). Esses sao sinais do jufzo divino: tanto a saraiva quanto o fogo estiveram presentes em Sodoma e Gomorra. Aqui, ainda mais expressivo, saraiva e fogo se misturam com sangue. “Foram langados na terra: ea terga parte das arvores foi queimada, e foi queimada toda erva verde” (v. 7). Ora, nessa forma simbélica, 0 livro do Apocalipse — bem como todas as Escrituras — nos diz que calamidades tais como terremotos, vulcdées e inundagées esto sob a mao de Deus e sao 222 parte de Seu método de castigar 0 pecado e de anunciar ao mundo que ele nao pode perseguir Seu povo impunemente. Ele é 0 Senhor, e Ele exerce punicao por tais atos. Permitam-me apresentar-lhes uma ilustragdo. Toda essa série de trombetas é uma espécie de paralelo com as pragas com que 0 Egito foi afligido antes que 0 povo de Deus iniciasse o éxodo. “Deixa meu povo ir”, disse Moisés a Faraé. Farad, porém, nao deixou, por isso Deus visitou os egipcios com varias pragas das quais essas calamidades no Apocalipse sao uma reminiscéncia. Entao, visto que os egipcios néo deram ouvidos a essas adverténcias preliminares, sobreveio-lhes a destruigéo. O povo de Israel se retirou, e Faraé e seu exército inteiro foram destrufdos no Mar Vermelho. Ora, desde a primeira vinda de nosso bendito Senhor e Salvador, tem sido um simples fato da histéria que o mundo dos seres humanos tem perseguido a Igreja. Sim, mas vem acontecendo coisas nesse mundo. Tem havido acontecimentos terriveis, calamidades e pestiléncias, algumas acontecendo na terra, mas algumas delas acontecendo no mar: eis a segunda trombeta; e algumas ocorrem em conexéo com rios e fontes: a terceira trombeta. Pragas tém visitado 0 mundo dos homens e das mulheres; doengas tém provindo de rios e fontes poluidos, e inundagdes tém ocorrido. As massas de pessoas tém sido destrufdas nesses castigos divinos sobre 0 mundo quando Deus tém castigado 0 pecado dos homens e das mulheres, especialmente seu pecado de perseguir os Seus santos. Entao partimos rumo 4 préxima trombeta, a qual é muito mais notavel: algo que ocorre nos céus. “O quarto anjo tocou sua trombeta, e foi ferida a terga parte do sol, a terca parte da lua, e a tera parte das estrelas; para que a terga parte deles se escure- cesse, ¢ a terga parte do dia nao brilhasse, e semelhantemente a da noite” (8:12). E essa também é uma forma de descrever .determinadas calamidades que tém sobrevindo 4 humanidade como resultado das coisas que ocorrem nos céus — meteoros caindo sobre a terra, por exemplo, e consumindo as massas humanas. Trovées e relampagos e outras calamidades terriveis 223 vindos dos céus tém visitado a terra. Ora, as vezes esses so utilizados por Deus a fim de punir um mundo impio e perseguidor. Mas quando avancamos para a quinta trombeta, descobrimos algo que, em certo sentido, é ainda mais sinistro. Aqui somos informados que a determinado anjo “foi dada a chave do pogo do abismo. E abriu 0 pogo do abismo, e subiu fumaga do pogo, como a fumaca de uma grande fornalha; e com a fumaga do pogo escureceram-se o sol e o ar. Da fumaga sairam gafanhotos sobre a terra; e foi-lhes dado poder, como 0 que tém os escorpides da terra” (9:1-3). Ora, isso € 0 de que as vezes falamos quando dizemos que em certos perfodos da histéria tem havido “exatamente como se todo o inferno houvesse sido liberado”, como se toda a restrig&o divina fosse retirada e ao diabo e suas forcgas fosse permitido ter livre agéo entre os homens e as mulheres do mundo. O apéstolo Paulo ensina a mesma coisa na segunda metade de Romanos, capitulo 1. Ele focaliza a histéria do mundo e nos diz como, visto que os homens e as mulheres comegaram a cultuar a criatura em lugar do Criador, Deus retirou Sua restrigéo e “os entregou a um sentimento depravado” (v. 28). Noutros termos, é como a abertura do poco do abismo pelo anjo para que o mau cheiro do inferno exalasse sem qualquer obstaculo ou impedimento, e parecesse cobrir 0 mundo inteiro. Lemos o resultado em Romanos, capitulo 1: néo sé 0 pecado ea imoralidade, mas as pervers6es imundas, torpeza de homens com homens e mulheres com mulheres. Deus 0 permitiu; Deus os entregou a uma disposicdo mental reprovavel. Mas, repito que as vezes isso é permitido e quase causado por Deus. Ele nao causa o pecado, porém o permite correr sem restricao a fim de que os homens e as mulheres sejam punidos e caiam em si. E nao hesito em dizer que o terrivel problema moral do século vinte é indubitavelmente o castigo divino pela soberba e arrogancia das pessoas do século dezenove, quando comecaram acriticar a Biblia e a opor-se a Deus com sua erudic&o, sua ciéncia e suas politicas, e entenderam que podiam fazer um paraiso sem Deus. Neste século, Deus retirou as restrigdes. Estamos 224 testemunhando uma das ocasides em que se tem a visdo da quinta wombeta. Ela esta sendo verificada diante de nossos olhos. A sexta trombeta outra coisa nao é sendo um cenario de terrivel guerra. Leiam acerca dos cavalos e dos ferrdes em suas caudas bem como tudo o mais que se segue (9:13-21); é um cendrio muito grafico. Mas lembrem-se de que tudo neste livro é expresso em simbolos, e para as pessoas interpretarem os cavalos ou os gafanhotos em sentido literal é tao patético que chega a ser tragico. Todos esses sao quadros e, tendo em mente que isso foi escrito no primeiro século, nao é possivel alguém imaginar uma descrigéo mais vigorosa de uma terrivel guerra. E quase uma descrigio de guerra moderna com armamentos, com tanques, com armaduras metdlicas ¢ outros instrumentos modernos de guerra. O simbolismo sugere tudo isso. Entretanto essa nao é s6 uma referéncia a guerras modernas. A passagem descreve algo das terriveis guerras dos séculos que tém exterminado as massas de homens e mulheres. Permitam-me novamente enfatizar que aqui somos ensinados que essas grandes guerras que tém trazido tais calamidades 4 humanidade sao as vezes castigo divino. Vejam vocés, a idéia das pessoas do mundo é sempre que, se apenas conseguirem desvencilhar-se de Deus, de Cristo e da Igreja, poderao viver sua propria vida e fazer 0 que quiserem. Mas quando tentam, o que acontece? Comecam a lutar uns contra os outros ea destruir uns aos outros em grande nimero. Tém havido cenas terriveis sobre a terra como resultado das grandes guerras da histéria. Se lerem essa série de trombetas dessa forma, creio que vocés se encher4o de profundo conforto, pois verao que Deus tem tudo sob controle. Nao tenho divida em asseverar, como facgo reiteradamente, que as duas guerras mundiais que tivemos neste século vinte sé podem ser explicadas dessa forma. Nao foram causadas pelo Kaiser ou Hitler. Quo tola é essa sugestio! Nio aconteceram em virtude de condigées politicas ou econémicas. Nao, nao, foi muito mais que isso. Foi Deus falando a humanidade, punindo o mundo de homens e mulheres que nio 225 Lhe dao ouvidos. Nao obstante, observem 0 que nos € dito aqui bem no final do capitulo 9 —a despeito de tudo isso, os homens eas mulheres ainda nao se arrependerao. No entanto, tantos cristéos pensam e esperam que, se houver uma guerra ou um terrivel terremoto ou algum terrivel desastre, as pessoas se sentirao tao afetadas que grandes multidées se voltarao para Cristo e haveré um grande avivamento. Muitos pensavam assim no final da Segunda Guerra Mundial. “Ora”, diziam, “isso faré com que as pessoas caiam em si.” Jamais! Eles se tornaram ainda mais enfurecidos. Os avivamentos nunca aconteceram dessa maneira. Quéo materialistas temos nos tornado, e quao anti- espirituais em nosso pensamento! Nao, 0 livro do Apocalipse nos diz que os homens e as mulheres nao seréo convertidos mediante as calamidades. Precisa-se do Espirito Santo para salvar uma alma. Portanto nao esperem nada das guerras, das calamidades e das pestiléncias. Elas parecem endurecer os homens e as mulheres; parecem enfurecé-los como sucede aqui: “Os outros homens, que nao foram mortos por estas pragas, ndo se arrependeram das obras de suas mAos, para deixarem de adorar aos deménios ...” (Apoc. 9:20). A histéria tem comprovado essa profecia. Isso nao é algo que acontecera no futuro. Essas coisas tém acontecido de diferentes formas, em diferentes épocas e eras na hist6ria do mundo. Isso, pois, nos leva ao final do capitulo 9; mas, o que dizer dos capitulos 10 e 11? Uma vez mais ai nos é fornecido um quadro da Igreja. Nos capitulos 8 e 9 nos é mostrado o que sucede as pessoas impias que perseguem a Igreja; porém, o que dizer da Igreja no interregno? Temos uma declarag4o muito interessante né capitulo 10. A Joao foi dado um livro para que o comesse, € quando o comeu, ele se fez doce em sua boca, mas tornou-se amargo em seu estémago. Esse é um quadro que encontramos no Velho Testamento. Significa que nao existe nada mais doce neste mundo do que o evangelho da graca redentora. Quando pela primeira vez vocés 0 véem e 0 apreciam e o conhecem, ele traz tal dogura que nenhuma outra coisa neste mundo é 226 capaz de dar. Todavia tao logo alguém se torna cristao, surgem os problemas. O evangelho conduz ao sofrimento; conduz a perseguigao. J4 Ihes mostrei isso nos selos, e hes tenho recordado das palavras de Paulo a Timéteo: “Na verdade todos os que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerao perseguicées” (2 Tim. 3:12). Nao déem ouvidos as pessoas que hes dizem: “Venham a Cristo e tudo estaré bem com vocé. Nunca mais terao outros problemas em sua vida”. E mentira. Isso nao é verdade! Nao se equivoquem sobre isso. Cristo nao veio trazer paz — nesse sentido ~esim, espada. Quando vocés desfrutam da dogura desse glorioso evangelho da redeng4o, descobrirao que ele gera amargura entre vocés e aqueles que sempre lhes foram muito queridos, mas que agora se voltaram contra vocés. Sempre acontece, nao € verdade? Todo cristéo sabe que essa é simplesmente a verdade. A dogura se transforma em amargura nesse sentido. Nao que a docura se foi, mas ela € seguida por uma espécie de amargura. Portanto, quao glorioso é que estejamos preparados para isso. Nao devemos ficar transtornados e abalados em nossa f€ quando descobrimos isso pelo fato de nos tornarmos cristaos; outras pessoas se voltam contra nés, as quais costumavam nos apreciar. Ao contrario, precisamos esperar que isso acontega. E uma prova de termos sido chamados. Tornaram-se amargas conosco sé porque fomos transformados e elas nao. No capitulo 11, o sofrimento experimentado pelos cristdos se revela de uma maneira ainda mais especifica. N4o entrarei em todos os detalhes. Estou lhes fornecendo os principios claros, como j4 disse. No capitulo 11 vemos duas testemunhas que, depois que acabaram de falar, séo perseguidas com terrivel severidade. Quem so as duas testemunhas? Muitas respostas tém sido dadas a essa pergunta, e nao posso provar-lhes que minha sugestdo seja a correta. Ndo podemos provar essas coisas. Contudo, sugiro-Ihes que as duas testemunhas sao o Velho e 0 Novo Testamentos, a lei e o evangelho que sempre andam juntos. Lembrem-se de que sempre existem duas testemunhas. Cristo enviou os discfpulos de dois em dois (Mar. 6:7). E aqui esto as 227 duas testemunhas: a lei, e o evangelho; e uma testemunha neces- sita da outra. A lei prepara para 0 evangelho, e o evangelho reflete sua radiancia sobre a lei. Vocés nao podem realmente entender um sem 0 outro. Sim, eas duas testemunhas sao perseguidas de uma maneira terrivel e terrificante; alids, somos informados que realmente s40 mortas, € 0 mundo nesse ponto se enche de jtibilo e exultacao. “E jazerao os seus corpos na praca da grande cidade, que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado. Homens de varios povos, e tribos, e linguas, e nagdes verao os seus corpos por trés dias e meio, e nao permitirao que sejam sepultados. E os que habitam sobre a terra se regozijarao sobre eles, e se alegrarao; e mandarAo presentes uns aos outros, porquanto estes dois profetas atormentaram os que habitam sobre a terra” (Apocalipse 11:8-10). Sempre que 0 ataque do mundo, da carne e do diabo é poderoso contra o evangelho, 0 mundo se regozija. O mundo cré que isso é maravilhoso. Faz galhofa do proprio Senhor Deus, de Cristo e do povo cristéo. Ele tem feito isso no presente século. A infidelidade tem sido arrogante e vangloriosa, entregando-se a toda espécie de fanfarronice e ridiculo. Sim, mas as coisas irao de mal a pior. Nosso Senhor mesmo disse certa vez: “Quando vier o Filho do homem, porventura acharé fé na terra?” (Luc. 18:8). Um dia vir4, profetizado por Ele e profetizado aqui, quando pareceré que a obra crista e o testemunho cristéo tenham sido finalmente destruidos. Entéo o mundo se congratular4 em seu desenvolvimento, e em como ele chegou a superar esse folclore, essa infantilidade. Deus ter4 sido posto de lado. Cristo e Sua cruz terao sido esquecidos, e 0 povo enviaré presentes uns aos outros. “Formidavel!”, dirao. “O mundo é um lugar téo glorioso! Somos t&o extraordinérios!” Portanto, n4o nos sintamos surpresos se ainda vivermos para ver algo dessa perseguicao. A situacdo ainda nao é tao ruim como 228 sera, mas j4 a conhecemos em certa medida. Conhecemos algo da obscena gargalhada do mundo, essa total ridicularizagao de nds sé porque somos cristéos e ainda cremos no Velho e no Novo Testamentos. Mas as coisas irdo de mal a pior antes do fim, de modo que essas pessoas dirao que 0 cristianismo morreu. Entretanto ele nao morrer4, porque ouvimos: “E depois daqueles trés dias e meio 0 espirito de vida, vindo de Deus, entrou neles (as testemunhas), e puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor sobre os que os viram. E ouviram uma grande voz do céu, que lhes dizia: subi para c4. E subiram ao céu em uma nuvem; e os seus inimigos os viram” (Apoc. 11:11,12). Leiam até o final do capitulo e verao os ais que sobrevirao a este mundo que em sua blasfémia acreditou haver derrotado a Deus ¢ posto fim a Seu Cristo e ao glorioso testemunho da salvacao. Os versiculos concludentes do capitulo 11 uma vez mais nos levam diretamente ao jufzo final e ao fim do mundo. Chegamos ali no fim da série dos selos e, exatamente da mesma forma, chegamos a esse mesmo fim aqui no término da série das trombetas: “Traram-se, na verdade, as nagdes; entao veio a tua ira, e © tempo de serem julgados os mortos, e o tempo de dares recompensa aos teus servos, os profetas, e aos santos, € aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e 0 tempo de destruires os que destroem a terra. Abriu-se o santudrio de Deus que est4 no céu, e no seu santuario foi vista a arca do seu pacto; e houve relampagos, vozes e trovées, e terremotos e grande saraivada” (Apocalipse 11:18,19). Ai esta, pois, a série das trombetas. Viemos cobrindo exatamente 0 mesmo perfodo da histéria que cobrimos nos selos, porém desta vez nossos olhos n4o estiveram tanto sobre 0 povo de Deus como sobre aqueles que o persegue. Ha as adverténcias, as ameacas e os juizos, mas ainda nao se arrependerdo, e vao sempre em frente, em diregao ao grande climax no fim. E entao, 229 quando imaginam que s4o triunfantes, “Ihes sobrevira repentina destruigéo” (1 Tess, 5:3). No entanto, ainda estamos apenas no fim de nossa primeira diviséo principal; estamos longe de chegar ao final do livro. A segunda metade do Apocalipse, como ja lhes lembrei mais que uma vez, continua tratando das mesmas coisas, porém nos mostra tudo isso num nivel muito mais profundo. No inicio do capitulo 12, vocés se lembram, retrocedemos até a encarnacao, nasce 0 filho dessa mulher, Israel. Ele nasceu “da descendéncia de Davi segundo a carne” (Rom. 1:3). Ele é 0 filho de Davi; Ele € 0 filho de Abrado. Essa 6 a mulher que Lhe dé 4 luz. E imediatamente empreende-se tentativa para O destruir, e finalmente Ele é crucificado. Ele, porém, é arrebatado ao céu, e entdo surge diante de nés um quadro das tremendas e poderosas forgas que se langam contra Ele, especialmente na forma como Ele é representado por Seu povo, Sua descendéncia, essa outra descendéncia da mulher que est4 no deserto. Um grande jorro de Agua, um diltivio, é langado contra eles para os destruir, mas nao obtém sucesso. Ora, antes de prosseguirmos, deixem-me apresentar-lhes algo para ser considerado. Nos capitulos 12 a 14 ha descrig6es dos grandes antagonistas do Senhor Jesus Cristo e de Sua Igreja. O primeiro é 0 dragéo, que nao é nenhum outro senao o préprio diabo. Leiam o capitulo 12 para uma descrig&o dele. Ele é expulso do céu e langado para a terra onde comeca a atacar. Voltaremos a isso com mais detalhes. Entéo avancemos para o capitulo 13, onde se vé uma besta emergindo do mar. A descrigéo que ja demos corresponde ao quarto animal no sétimo capftulo de Daniel. Todavia é um quadro composto; é semelhante ao quarto animal, mas também tem certas caracterfsticas dos trés animais de Daniel, capitulo 7. O que significa? Indubitavelmente, esse é o grande poder secular do mundo que se opée a Cristo e a Seu povo. Esses sao, equivalentes aos governos mundiais, autoridades € potestades seculares, reis, principes, dinastias, impérios e governos ao longo dos séculos que tém perseguido 0 povo de Deus. A perseguicao comegou com 0 Império Romano e tem 230 continuado em certa medida desde entao, e esté acontecendo atualmente. Entao lemos no Apocalipse 13:11-18 de uma segunda besta que emerge da terra. Ela tem dois chifres como um cordeiro, mas nao se expressa como um cordeiro. Possui um curioso misto das qualidades de cordeiro e outras qualidades que 0 contradizem. Possui dois chifres como um cordeiro e fala como um dragio. O que é isso? Indubitavelmente é a falsa religido. As falsas religides tém sempre perseguido a Igreja de Cristo, e 0 diabo as tem usado. E ele quem comunica poder a besta. A primeira besta comunica poder 4 segunda —~ falsas religides. Ele esta por tras de toda devastagaéo que elas tém causado. Bem no inicio, o judaismo perseguiu terrivelmente a cristandade. Entéo veio 0 culto ao imperador no Império Romano, seguido pelo islamismo e todas as demais religides, inclusive, também, 0 papado. Como todos eles tém odiado a Cristo e a Seu povo, e como os tém perseguido! O diabo tem usado todos os tipos de falsas religides — qualquer falsa religido. Todas elas esto representadas ¢ simbolizadas nessa besta que emerge da terra. Ele é capaz de fazer uma imagem e de aparentar capacidade de operar milagres da mesma forma que essas falsas religides. Elas tem sempre reivindicado e ainda reivindicam o poder de operar milagres e de fazer maravilhas, e dessa forma seduzem o povo. S4o os grandes antagonistas, mas hé ainda outros. No capitulo 14, lemos da queda de Babilénia, que mais adiante € descrita como “Babilénia a grande, a mae das mere- trizes” (18:5). Babilénia representa, seguramente, o poder sedutor do mundo e do pecado; tudo no mundo que tende a atacar-nos, a seduzir-nos, a afastar-nos de Deus e do Senhor Jesus Cristo. Todos nés conhecemos algo sobre a maneira que o mundo utiliza para seduzir-nos e afastar-nos da simplicidade e da pureza que ha em Cristo. Qualquer coisa do mundo que nos afasta e nos seduz € igualmente mau; seja a cultura, seja o idealismo nobre. Se nos afasta de Cristo, é uma manifestagéo do poder sedutor ¢ atraente da grande meretriz. Finalmente, vernos todas as pessoas que tém a marca da 231 besta em sua mao direita ou em sua fronte (13:16,17). Sao os opositores da Igreja, e sao chefiados pelo dragao, 0 diabo. O diabo usa o poder secular, a falsa religiéo, o poder sedutor do pecado do mundo, bem como os homens e as mulheres que pertencem a esse reino, que tém a marca da besta em sua fronte ena mao direita. O diabo controla 0 comércio. Se quiserem comprar, entéo devem ter a marca, do contraério o mundo nao tomar4 conhecimento de vocés. Portanto ai esté uma descricao de tudo, e, querendo Deus, na préxima prelecéo daremos prosseguimento 4 andlise de como esses poderes maus operam e 0 que sucede a eles. Entao, finalmente, avancaremos para a gloriosa vitéria do Senhor Jesus Cristo sobre cada um deles, e veremos como sao todos finalmente langados dentro do lago da perdigéo, e veremos como Cristo e Sua noiva se unem e se deleitam mutuamente na gloria eterna por todo o sempre. 232 19 O JUIZO FINAL Em nossa an4lise do Apocalipse, damos seguimento ao nosso estudo da segunda metade do livro, comegando com o capitulo 12 e avangando até o final do livro. Aqui, como ja indiquei, o tema € o conflito no qual nos encontramos como povo de Deus, como membros da Igreja Crista. Esse néo é s6 um conflito contra homens e mulheres; é algo muito mais profundo. O apéstolo Paulo, escrevendo aos Efésios, diz: “Pois nao € contra carne e sangue que temos que lutar, mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os principes do mundo destas trevas, contra as hostes espirituais da iniqitidade nas tegides celestes” (Ef. 6:12). Eis o tema da segunda metade deste grande livro. Deixem-me lembrar-lhes que ele se divide em quatro secGes subsididrias: capitulos 12 a 14, 15e 16, 17a19,e 20a 22. Agora desejo apresentar-lhes uma exposicéo geral da mensagem dessas quatro seg6es, porque nao conhego nada que seja de maior importancia para o cristao em tempos como estes do que entender esta mensagem particular. Certamente nao existe nada que conforte tanto, nada tao estimulador, porque, quer gostemos ou nao, como cristéos nos achamos sujeitos a perseguicdes e provacdes. Os cristaos se sentem constantemente deprimidos, ao contemplarem o estado da Igreja e ao verem 0 que sucede no mundo. Nao conseguem entender, sentem-se desnorteados e perguntam se Deus Se esqueceu de Suas promessas, e se 0 cristianismo como o temos conhecido nao teria porventura chegado ao fim. Muitas pessoas se enchem de pressentimentos e incertezas. Ora, a resposta a tudo isso é precisamente esta mensagem do Apocalipse, e particularmente asegunda metade, pois aqui, nos capitulos 12 a 14 especialmente, nos € fornecido um relato dos antagonistas que estado ativos 233 por trés da oposigao enfrentada por homens e mulheres. No final da prelecdo anterior, s6 os mencionei e disse-lhes que ponderassem sobre eles. O primeiro grande antagonista nao é outro sendo o préprio diabo, descrito no capitulo 12 como o grande dragao: “Viu-se também outro sinal no céu; eis um grande dragdo vermelho que tinha sete cabegas e dez chifres, e sobre as suas cabecas sete diademas ...” (v. 3). Mais adiante no capitulo 12, ele € descrito como “a antiga serpente, chamada o diabo, e satanas, que seduz 0 mundo inteiro”. Sem dtivida, ai temos 0 poder priméario que se opde a nés, a nosso Senhor ea Deus. Isso nos remete ao Velho Testa-mento e 4 histéria da Queda ¢ a toda a doutrina da Queda como a temos no livro de Génesis. Foi o diabo que rebelou-se contra Deus antes mesmo da criacgao do mundo, e seu tinico objetivo tem sido arruinar toda a obra de Deus e todos os Seus planos. Acima de tudo, 0 diabo tem buscado destruir a obra de Deus atacando a raga humana, e ele produziu a queda do homem. Deus, porém, enviou Seu Filho — “o segundo Adio para lutar”, e aqui, neste capitulo, somos informados dos esforgos do diabo para destruir a obra de Deus. Temos 0 cen4rio da mulher dando a luz a “um filho” (v. 5), e vocés se lembram de que o dragao tenta destrui-1O, mas Ele € levado para o céu. Num espaco muito curto nos é dado um cen4rio da vinda de nosso Senhor, Sua vida terrena, Sua morte e Sua ressurreicdo. Mas, ent&éo o diabo volve sua atencdo para a descendéncia da mulher, isto é, para a Igreja Crista, todos quantos nasceram do Senhor Jesus Cristo e Lhe pertencem. Portanto, no restante do capitulo 12 somos informados, em linguagem simbélica, naturalmente, dos esforgos do diabo para destruir a Igreja. Contudo, mesmo af somos consolados e se nos mostra que o povo de Cristo é capacitado a vencer 0 diabo “pelo sangue do Cordeiro, ¢ pela palavra de seu testemunho” (12:1). Esté tudo bem: nos é dado nao s6 um panorama dos antagonistas, mas também nos é dada a certeza de nossa vitéria e a forma de obté-la. O diabo nao s6 age pessoalmente, porém usa determinadas agéncias, e estéo descritas no capitulo 13. Em primeiro lugar, 234 temos a besta que o vidente viu “a subir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabecas, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabegas nomes de blasfémias” (13:1). Ora, praticamente todos concordam que a descricao dessa besta & quase idéntica com a do quarto animal de Daniel, capitulo 7, mas com esta diferenga: a besta do Apocalipse, capitulo 13, é um quadro composto dos quatros animais descritos por Daniel. Noutros termos, essa besta se destina a representar os poderes seculares do mundo na forma como sao usados pelo diabo como fim de frustrar os planos de Deus e destruir a Igreja. Os quatro animais de Daniel representam os poderes seculares especificos. Agora, eis aqui uma besta que representa todos eles juntos - 0 poder secular propriamente dito. Nos dias de Joao, naturalmente que era o Império Romano, e talvez até antes disso os préprios judeus. Todavia, desde entao ela tem representado muitos outros poderes seculares. E entao Joao vé numa visdéo uma segunda besta, e dessa vez a besta sobe da terra. Como ja indicamos, esse é indubitavel- mente um quadro da falsa religiao em toda e qualquer forma que tenha oportunidade de aparecer. Aqui, lembro-lhes, esta uma besta que antes de tudo sugere um cordeiro, mas que nao é um cordeiro, porque fala como dragio. Eis a caracteristica da falsa religiao. Tem a aparéncia da religiao genuina, porém existe sempre esse elemento contraditério. Quando explicamos 2 Tessalonicenses, capitulo 2, sugerimos que aqui temos uma descrigéo do papado com sua curiosa tentativa de combinar o poder secular e espiritual, algo que também tem sido imitado por outras religides. A segunda besta portanto simboliza o poder secular e espiritual combinado para formar um poder religioso. A Igreja Cristé ndo s6 tem que se defrontar com o diabo diretamente, como também enfrentar os poderes politicos e seculares; ela tem sempre que declarar guerra contra a falsa religido. Nao significa que temos que comparar esses poderes ou dizer qual é 0 mais perigoso. A coisa importante é compreen- der que todos eles tém o mesmo objetivo, séo todos usados pelo 235 diabo, e uma falsa religiao ou uma perversdo da f€ cristé é tao perigosa quanto 0 poder secular. Ora, eis algo que muitas pessoas atualmente parecem ignorar. A igreja catélica romana quer que creiamos que o maior opositor do cristianismo é 0 comunismo, nao compreendendo que, segundo esse simbolo, 0 préprio catolicismo romano seja igualmente perigoso. Em seguida existem pessoas que defendem um ponto de vista liberal da Biblia. Tais pessoas negam os artigos mais importantes de nossa fé crista, no entanto afirmam que o comunismo € 0 grande inimigo da religiéo, aparentemente inconscientes de que, segundo esse ensinamento, elas mesmas sao inimigas da fé genuina, representando tao grande ameaca quanto o comunismo ou qualquer outra forma de perseguigao secular. E assim, ao entendermos esses simbolos, somos capacitados a entender os tempos em que vivemos, e podemos evitar os algap6es que se abrem diante de nds — chamar, por exemplo, a todos os que se denominam cristéos, nado importando 0 que creiam, “unindo-se” contra 0 inimigo comum do secularismo ou do comunismo. Patentemente, se entendermos esses versi- culos, néo podemos manter-nos unidos com todos os assim chamados cristéos, porquanto alinhar-nos com a falsa religiao € simplesmente colocar-nos no campo de nosso maior inimigo, .0 diabo, que tanto usa um antagonista quanto usa 0 outro. Mas, espere um momento, ha ainda outros antagonistas. Notem que nesse capitulo 13 somos também informados sobre certas pessoas que recebem a marca da besta em sua fronte ou em sua mo direita: “E fez que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, lhes fosse posto um sinal na mao direita, ou na fronte” (13:16). Essas pessoas sao apenas seres humanos que, em sua cegueira e ignorancia, nio puderam entender o que est4 acontecendo e se deixam usar como instrumentos de ambos esses inimigos — os poderes seculares e as falsas religides — mas se constituem num mal real que temos de enfrentar. Finalmente, entao, 0 tltimo inimigo com o qual temos que nos preocupar é descrito no capitulo 14, onde lemos sobre 236 Babilénia, “a grande cidade”. Felizmente, nao precisamos preocupar-nos mais em entender o que se pretende aqui, porque nos capitulos 17, 18 e parte do 19 é nos dado um relato e descrigéo detalhados sobre Babilénia, a grande meretriz, e parece-me que pode haver pouca divida sobre o que ela representa. Babilénia equivale, com certeza, o poder sedutor do mundanismo, o poder do mundo a atrair-nos ea afastar-nos de Deus e do Senhor Jesus Cristo. O préprio termo “meretriz” (17:5) pressupde tudo, e se vocés lerem a descrigéo detalhada nos outros capitulos, verao que quadro perfeito ela é. Babilénia representa um encanto superficial que é diabélico, imundo, feio, pestilento e no entanto € tao sedutor que chega a enganar o povo de Deus. Ora, vocés néo podem conhecer as Escrituras plenamente bem sem compreender quao freqitentemente elas nos advertem contra o mundanismo. “Pois Demas me abandonou, tendo amado o mundo presente”, diz Paulo (2 Tim. 4:10). “Nao ameis o mundo, nem o que hd no mundo”, diz o idoso apéstolo Joao (1 Joao 2:15). Ele conhecia 0 perigo, e muitas vezes, quando 0 diabo nao consegue desanimar o povo de Deus por meio de perseguigio ativa e militante, ele tem conseguido afasté-lo por meio das sedugées do mundo. Na histéria da Igreja tem havido homens e mulheres que estavam prontos a encarar a morte numa estaca, e puderam enfrentar oposigao aberta, mas que se tornaram vitimas do amor pela riqueza, ou o amor pela ociosidade, ou pelo prazer, ou pelo conforto, por alguma coisa que pertence a este mundo, e sem discernir que estavam sendo feitos cativos. Por isso, quando 0 diabo falha em destruir-nos por meio de seu poder militar ou secular, ou por suas falsas religides, ele se aproxima de nés nesta forma muitissimo prazerosa e sedutora, e quem sabe sugerindo que estamos trabalhando demais ou que estamos sendo por demais exigentes, ou que estamos realmente indo longe demais € nos precipitando aos extremos. Nessa maneira muito plausivel o diabo nos expée seu caso e, antes mesmo de compreendermos 0 que esta acontecendo, ja lhe demos ouvidos e, de repente, nos tornamos ineficientes. Essa € a grande mensagem dos capitulos 12, 13 e 14, mas, 237 gragas a Deus, uma vez mais estamos recebendo encorajamento. J vimos que em toda ocasido, em cada dessas divis6es, Deus, em Sua infinita graca e benevoléncia, nao sé nos fornece um quadro do inimigo e das dificuldades, mas também nos concede conforto. Nesta segdo, o conforto flui desse grande capitulo 14. Acaso vocés se lembram dos 144.000 que foram selados e receberam 0 nome do Pai “escrito em suas frontes”? Encon- tramos essa figura no capitulo 7, e tendo definido-a ali, nado precisamos voltar a ela novamente. Ela representa a totalidade do corpo dos eleitos, todo o povo de Deus, que “...seguem o Cordeiro para onde quer que ele v4. Estes s4o os que dentre os homens foram comprados como primicias para Deus e para o Cordeiro” (Apoc. 14:4). E a informagao que temos sobre eles é que esto em seguranca. Sabemos que, a despeito de tudo, esses inimigos nao “poderao separar-nos do amor de Deus, que esta em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rom. 8:39), A melhor exposig&o dessa passagem no Apocalipse est4 no oitavo capitulo de Romanos, onde Paulo est4 convicto de que “nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderé separar do amor de Deus, que esté em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rom. 8:38,39). Os antagonistas estao ai em Romanos, capitulo 8, mas o nome de Deus esté em nossa fronte, e néo podem prevalecer; nossa salvacdo é infalivel e segura. O Apocalipse, capitulo 14, pois, conclui com um cenario do juizo final, o qual o descreve em termos da foice que ceifa a terra e do lagar da ira de Deus. Os capitulos 12 a 14 nos apresentam uma série de quadros muito importantes e a menos que os entendamos, nao podemos passar a entender a histéria eclesidstica. Além do mais, nao entenderemos a Igreja de hoje ou do futuro. Mas, além de tudo, havendo assim descrito para nés os antagonistas reais face a face com Cristo e a Igreja, o Apocalipse prossegue nos declarando como esses antagonistas finalmente serao julgados e destruidos. Na verdade, essa é a mensagem do restante do livro, do capitulo 15 em diante. Essa é a parte do livro que é mais plena de conforto 238 € consolagao, e tudo o que desejo fazer € mostrar-lhes a ordem na ‘qual a viséo mostrada ao profeta nos comunica a verdade para que saibamos como aplicd-la a nds mesmos e a nossa situagao. O capitulo 15 comeca com uma maravilhosa visdo celestial: “Vi no céu ainda outro sinal, grande e admiravel: sete anjos, que tinham as sete Ultimas pragas; porque nelas é consumada a ira de Deus”. Eis 0 fim. Jé vimos, ao tratarmos dos capitulos 8 a 11, como de tempo em tempo Deus tem visitado e aplicado castigos naqueles que se opéem a Igreja Cristé. Mas foi apenas uma terga parte; o castigo sé foi parcial. Agora prosseguimos focalizando o castigo final; 0 calice esta cheio. Agora vemos 0 fim de sua destruicao, e somos lembrados disso nestes termos: “E vi como que um mar de vidro misturado com fogo” (15:2). Fogo sempre indica juizo. Entretanto nesse mesmo contexto Joao também viu: “os que tinham vencido a besta e sua imageme o nimero de seu nome estavam em pé junto ao mar de vidro e tinham harpas de Deus. E cantavam o cAntico de Moisés, servo de Deus, e o céntico do Cordeiro, dizendo: grandes e admirdveis sao as tuas obras, 6 Senhor Deus todo-poderoso; justos e verdadeiros sfo os teus caminhos, 6 Rei dos santos” (Apoc. 15:2,3). Ora, é por demais maravilhoso que antes de nos ser apresen- tado algum relato do juizo final e da destruig&o final de todos esses poderosos antagénicos, novamente temos essa bendita certeza de que, nds que pertencemos a Cristo e somos a Ele fiéis, ndo precisamos temer nenhuma dessas coisas. Coisas terriveis estéo para acontecer na terra, mas nao precisamos temer nada. JA estamos a salvo delas. Nao significa que nao vamos enfrentar muitas delas. Nao significa que néo vamos sofrer naufragio, terremoto, pestiléncia e muitas outras coisas, mas eis a verdade: nenhuma delas pode prejudicar-nos realmente; nenhuma delas pode atingir-nos realmente. Nenhuma delas pode, mesmo na minima extensdo, afetar nosso relacionamento com Deus e com nosso bendito Senhor e Salvador. La estamos de pé, por assim dizer, no mar de vidro mesclado com fogo, com harpas em nossas 239 mos, ¢ j4 estamos cantando louvores. Essa é toda a esséncia da visdo, e essa € a propria esséncia de nosso conforto que, seja o que for que nos acontega neste mundo, nao precisamos ter medo dele. Nao precisamos jamais encher-nos de qualquer espanto ou terror, porque j4 passamos do juizo para a vida. Essas coisas podem afetar-nos superficialmente, mas jamais nos afetardo no Amago de nosso ser, pois j4 estamos na posicéo de seguranga ou, segundo a linguagem do apéstolo Paulo, Deus ja “nos ressuscitou juntamente com ele, e com ele nos fez sentar nas regides celestiais em Cristo Jesus” (Ef. 2:6). Segundo o apdéstolo Joao o expressa: “E o maligno n4o lhe toca” (1 Jodo 5:18). Ele pode amitide terrificar-nos e assustar-nos, porém nao pode tocar-nos. Estamos seguros em Cristo. Portanto, aqui na visdo j4 somos vistos em pé ao redor do trono, salvos de tudo que é nocivo, e salvos desses juizos com os quais Deus visitaré Seus antagonistas. Essa, pois, é a grande mensagem do capitulo 15, e ele € umcapftulo que nao tem como ser lido demais. Leiam-no e meditem sobre ele e assimilem essa grande mensagem para si préprios. Entao, tendo nos dado isso, o Apocalipse continua com o relato dos juizos, e 0 que deve ser captado nesse ponto éa ordem na qual eles sao distribufdos. Antes de tudo, os juizos comecam com aqueles que séo menos importantes. Esse é 0 fator interes- sante sobre essa parte do livro. Ao descrever os antagonistas, Joao comega com o diabo, entao desce a escala, por assim dizer, € a menos importante s4o os homens e as mulheres que tém a marca da besta em sua fronte ou em sua m4o direita. Mas ao apresentar um relato do juizo e destruicao finais, Joao reverte a ordem e, num sentido, é natural que ele agisse assim, visto que seu propésito é mostrar-nos que todo antagonista concebivel, seja de que poténcia for, sera julgado e destruido. Por isso ele comeca com o mais fraco, e no capftulo 16 temos um relato na medida que Deus impés em Seu castigo final sobre homens e mulheres que insensatamente deram ouvidos as atividades do diabo e de seus agentes para afasté-los de Deus e de Seu Cristo, e para levd-los 4 destruigao. 240 No capitulo 16:1,2, portanto, temos a instrucdo dada aos anjos: “Ide e derramai sobre a terra as sete tagas, da ira de Deus. Entao foi o primeiro e derramou sua taga sobre a terra; e apareceu uma chaga ruim e maligna nos homens que tinham o sinal da besta e que adoravam sua imagem”. Ora, quando analisamos os capitulos 8 ¢ 9, vimos que nesses dois capitulos se descrevem as mesmas coisas, como neste capitulo: as trombetas s4o tocadas e resultam certas devastagGes, primeiramente na terra, em seguida no mar e finalmente nos rios e nas fontes. Aqui, a primeira taca € derramada sobre a terra, a segunda sobre o mar, a préxima sobre os rios e as 4guas, em seguida sobre o sol, e assim por diante. Mas, como ja vimos, nao é mais uma visitagao parcial; desta vez a destruicéo é completa, e isso, naturalmente, é de grande importancia. um principio constantemente repetido e enfatizado nas Escrituras, que Deus sempre adverte antes de finalmente punir. Vimos isso no caso de Sodoma e Gomorra. Aconteceu no caso do dilivio. E visto de uma forma marcante antes do éxodo do Egito. Deus enviou dez pragas sobre os egipcios antes de tratar com eles no juizo do Mar Vermelho. Esse é 0 principio. Antes de tudo, as pragas; e visto que nao quiseram dar ouvidos, e visto que 0 coracao de Faraé se endureceu e nao quis arrepender-se, Deus por fim os castigou. E vocés tém o mesmo principio aqui no Apocalipse. Deus, antes de tudo, envia juizos especificos sobre o mundo. Ele tem feito isso ao longo dos séculos — como vimos na prelecdo anterior. Ele tem enviado guerras, pestiléncias ¢ tempos de terrivel imoralidade. Mas agora somos informados de que todos esses séo apenas sombras do que Deus esta para fazer. Ele punira com terrivel plenitude, e a destruicgdo que ocorrer4 no mundo deixa todas essas catastrofes do passado como meras insignificancias. O juizo final esta por vir, mas creio que ha claros exemplos na histéria do mundo quando terriveis juizos foram aplicados, como se a paciéncia divina tivesse se esgotado. Um exemplo disso, a meu ver, se encontra no norte da Africa. Houve certa vez uma grande e florescente Igreja no norte da Africa, mas nao 241 est4 mais ali atualmente. Talvez por isso Deus ja tenha voltado Suas costas a certas situagdes, Nao tenho certeza — isso é em parte especulativo — mas as vezes somos quase tentados a chegar a tal conclusao. Digo, porém, que € um principio que percorre toda a Biblia que, quando Deus tem advertido e a ameacado sem obter resposta, Ele manda uma espécie de juizo final, ¢ certamente isso sucedera a todos os incrédulos. Todos quantos j4 morreram em persistente rebeliao contra Deus serao visitados com castigo final, seréo langados terminantemente na perdi¢ao. Eis a mensagem do capitulo 16. Notem, portanto, a importancia de tracar uma distincao entre trombetas e tacas. As trombetas s4o uma adverténcia, enquanto que as tagas representam 0 castigo derramado e o derramamento da ira divina. Entdo no capitulo 17 chegamos ao juizo final de Babilénia -— Babilénia a grande ou Babildénia a grande meretriz, misteriosa Babilénia a grande, a mae das meretrizes e abominacées da terra. Como ja vimos, Joao, como vidente e profeta, dedica bastante atengdo a esse juizo. Ele ocupaa totalidade dos capitulos 17 e 18, €a causa das acées de gracas e do louvor no inicio do capitulo 19. E claro, de certa forma, que isso € muito hatural, visto que Babilénia fala diretamente 4 nossa propria experiéncia. Eu jA descrevi a sutileza e a fascinagéo do mundo, e aqui nos é dada uma descricgao detalhada e terrivel de como tudo isso sera destrufdo e reduzido a nada. E quase inacreditavel, todavia € absolutamente verdadeiro. Pensem no mundo, pensem no mundanismo, vejam-no nas ruas de qualquer cidade grande. Vejam-no e ponderem-no nos noticidrios. Vejam-no nos assim chamados informes da sociedade em particular, e entao, uma vez feito isso, venham e leiam estes capitulos reveladores. Vejam 0 adorno, a riqueza, a luxtiria, a propria devassidéo do mundo; vejam a ostentacaéo de si mesmo e de seus grandes homens e mulheres. Eis toda a sedugdo do mundo, o resultado da acao da grande meretriz que chama e atrai reis, principes, ricos mercadores e igualmente pessoas comuns. E-nos fornecido um quadro perfeito do mundo a parte de Cristo, blasonando de sua riqueza, blasonando de sua alimentacdo, de seus banquetes, de 242 seus carros, de seu equipamento, de seu vestudrio e de todaa sua beleza e sua gléria. Mas logo em seguida leiam o que lhe acontecera. Leiam como sera destrufdo total e absolutamente. Oh, se ao menos compreendéssemos esse ensino, jamais sentiriamos tentados outra vez pelo mundanismo! No Apocalipse 17:16 somos informados que mesmo os préprios devotos do mundo se voltarao contra Babilénia. Quando virem as coisas indo mal, alguns dos assim chamados reis se voltaréo contra ela; sempre agem assim. Durante uma guerra, quando ha invaséo aérea e as bombas estao caindo, vocés prontamente esquecem seus ornamentos. Nos abrigos anti-aéreas ha bem pouca diferenga entre as duquesas e as arrumadeiras. Tudo isso é mostrado aqui no Apocalipse, mas as coisas serdo infinitamente piores no futuro. Babilénia sera despida, sera ridicularizada e exibida em toda a sua imundicia como bruxa que ela realmente é. A maquiagem e 0 adorno seréo tirados,e ela seré exibida em sua terrivel nudez e imundicia. Leiam estes capitulos repetidas vezes e vejam a decepcdo de todos os que viveram para Babilénia e todos os que creram nela e€ todos os que disseram que isso era tudo. Nao lhes foi deixado nada. Estao desolados. Entao atentem para o apelo que nos é feito: “Exulta sobre ela, 6 céu, e vés, santos e apdstolos e profetas; porque Deus vindicou a vossa causa contra ela” (18:20). Vejam o mundo que tem rido de nds; o mundo que tem posto seu dedo em riste contra nés; o mundo que nos tem chamado de idiotas; o mundo que tem repudiado nossas vidas por serem por demais mesquinhas, horrfveis, limitadas e confinadas, e tem blasonado de sua maravilhosa vida. Mas, de repente, ele é destruido. Por isso nos é dito: “Exulta sobre ela... porque Deus vindicou a sua causa contra ela.Um forte anjo levantou uma pedra, qual uma grande mé, e langou-a no mar, dizendo: com igual impeto ser4 langada Babilénia, a grande cidade, e nunca mais ser achada. E em ti nao se ouvira mais 0 som de harpistas, de 243 misicos, de flautistas e de trombeteiros; e nenhum artifice de arte alguma se achard mais em ti; e em ti nao mais se ouvird rufdo de m6” (Apocalipse 18:21,22). As orquestras se interromper4o; 0 jazz findar; a bebida acabara; tudo seré silenciado. “E em ti nao se ouvira mais 0 som de harpistas, de misicos, de flautistas e de trombeteiros; e nenhum artffice de arte alguma se achara mais em ti; e em ti néo mais se ouvira ruido de m6; e luz de candeia nao mais brilhard em ti, e voz de noivo e de noiva nao mais em ti se ouvira; porque os teus mercadores eram os grandes da terra; porque todas as nagées foram enganadas pelas tuas feitigarias. E nela se achou o sangue dos profetas, e dos santos, e de todos os que foram mortos na terra” (Apocalipse 18:22-24). Que poderoso livro é 0 Apocalipse, se realmente enten- demos sua mensagem! Portanto Jodo escreve: “Nao ameis 0 mundo, nem o que hé no mundo” (1 Jodo 2:15). Tudo é passageiro. O mundo e suas coisas, seus reis e seus principes, tudo o que lhe pertence sera de todo destruido dessa maneira inaudita. Entao, para completar esta segao da exposigo geral, no final do-capitulo 19 se nos apresenta um relato da destruicao das duas bestas: a besta que sobe do mar e a besta que sobe da terra. Os poderes seculares e todas as falsas religides serao langados no lago de fogo e destruidos para sempre (19:20). E assim vimos a destruigao das pessoas que tém a marca da besta, a destruigaéo da grande prostituta Babilénia, a destruigéo da primeira besta e a destruicao da segunda besta. Mas resta ainda um antagonista, e ele recebe um tratamento especial. Uma nova segéo comeca no capitulo 20, porque ali nos é dado um relato do juizo e da destruic&o finais do préprio diabo — satands, cabega e origem de todo o mal, o maior antagonista de Deus. Até mesmo ele é pego e langado no lago de destruigéo para 244 todo o sempre. O ultimo antagonista é julgado e destruido. No restante do livro, nos capitulos 21 e 22, nada mais resta fazer sendo apresentar um cenario do novo céu e da nova terra “onde habita justica”. E-nos mostrado 0 povo de Cristo, a Igreja, como Sua noiva. Somos informados das nipcias do Cordeiro com Sua noiva,e nos € apresentada uma descricéo de nosso estado final na gléria. Em virtude da importancia do capitulo 20, proponho-me voltar a ele na préxima prelegdéo, e examinar seu ensino um pouco mais detalhadamente. Entéo continuaremos a considerar a ressurreicdo € nosso estado final na gloria. 245 20 O PONTO DE VISTA PRE-MILENISTA Chegamos agora ao capitulo 20 do Apocalipse. Obviamente, este € um capitulo muito importante e est, portanto, sempre no centro dos interesses. Por isso, precisamos tomar muito cuidado quando o focalizamos, especialmente em razao da histéria dos diferentes pontos de vista em relagéo a ele. Ha trés pontos de vista principais — os pontos de vista pré-milenista, pos-milenista e espiritual, e talvez a melhor forma de abordar 0 tema seja comecar com o mais popular dos trés — pré-milenismo ou quiliasmo. Ora, o que ele ensina? Bem, isso é parte de um corpo doutri- nario, cujos elementos j4 analisamos, mas essencialmente € 0 seguinte: Cristo, dizem, pretendia estabelecer um reino judaico terreno em Seu primeiro advento. Ele diz, por exemplo: “E chegado 0 reino de Deus” (Mar. 1:15). Os judeus, porém, rejeita- ram a ambos, 0 reino e a Cristo como Rei, por isso 0 reino nao péde ser estabelecido e os judeus foram punidos e dispersos entre as nagoes. Portanto, o reinado augusto de Cristo teve que ser adiado até a segunda vinda. Agora, porém, é revelado um mistério sobre 0 qual os santos veterotestamentarios nem sonharam — a Igreja; ¢ a Igreja, eles ensinam, n4o tem nada a ver com o Israel veterotestamentério. Na dispensag4o da graga, a Igreja seré a reunido de judeus e gentios; Cristo, porém, é a cabega da Igreja e nao seu Rei. A Igreja visa a evangelizar as nagdes através da pregagao do evangelho, mas o mundo inteiro nao sera evangelizado, e no fim dessa fase Cristo aparecerd e arrebatard a Igreja e seguir-se- -4a ressurreigéo dos mortos em Cristo. Entio vird o tempo de tribulagao e do anticristo, e durante esse periodo os judeus 246 regressarao 4 Palestina. Serao convertidos e aceitarao a Jesus como seu Rei. No fim da tribulagdo, Jesus e Seus santos regressarfo para exercer juizo sobre Seus inimigos, e essa é Sua segunda vinda. Nesse tempo os vivos serio julgados; as ovelhas e os cabritos, separados; 0 anticristo, destruido; e satands sera preso por mil anos. Os santos que morreram durante a tribulagao ressuscitarao e Cristo estabelecer4 Seu trono em Jerusalém. A cidade eo templo serao reconstruidos, ea lei cerimonial, com seu altar e sacrificios, serd restabelecida. Jesus ent&o serd supremo sobre todas as nagées da terra. Essa é a era messianica que durard por mil anos, e sera um periodo de grande prosperidade e bem-aventuranga, com 0 deserto florescendo como uma roseira ¢ os lugares solitérios se regozijando. Os resultados do pecado seréo removidos e 0 leopardo deitara com o cabrito (Is. 35:1). Além do mais, o ponto de vista pré-milenista ensina que os judeus serdo grandes evangelistas, e haver4 conversées numerosas, introduzindo a plenitude dos gentios. Todo o Israel sera salvo. No final dos mil anos, porém, satands ser4 posto em liberdade por pouco tempo, e Gogue e Magogue farao um assalto ao reino de Deus. Mas serao destruidos pelo fogo que desce do céu, e satands sera lancado na perdigao. Entao o restante dos mortos ressuscitard e serd julgado, ea Igreja ser4 trasladada para o céu. Israel, porém, ficard na terra, e Cristo reinard sobre ele como seu Rei eterno. Ora, existem, naturalmente, diferencas menores de opiniao entre os que pertencem a escola pré-milenista de pensamento, e obviamente nao podemos entrar em todas elas detalhadamente. Ha quem diga que os judeus seréo convertidos antes que regressem & Palestina, enquanto outros dizem que sua conversao ocorrer4 depois. H4 discord4ncia também sobre os mil anos. J. N. Darby diz que serao sete anos, enquanto Bengel cré que o numero € de dois mil. A maioria, porém, defende os mil anos — dai o termo “milenismo”. Além disso, ha discordancia a respeito dos santos ressur- tetos estarem no céu ou sobre a terra — ou em ambos os lugares 247 ~ durante o milénio. Continuaria a propagacao da espécie humana? Haveria pecado ou n4o, e a morte ainda reinaria? Entretanto, ja tentei dar-lhes um quadro abrangente daquilo que é sustentado e crido. Historicamente, esse ponto de vista € origindrio dos judeus — como visto entre os judeus no tempo de nosso Senhor - e durante os primeiros trés séculos da era crista ele era muito comumente defendido, embora nao universalmente. Entaéo Agostinho o silenciou ao interpretar os mil anos como a era da Igreja. O pré-milenismo reapareceu entre os anabatistas no tempo da Reforma, mas foi condenado por todas as grandes confissées de f€ protestantes. Novamente ele emergiu entre os homens da Quinta Monar- quia do século dezessete, e novamente no século dezenove. Desde entao, ele tem se tornado num ponto de vista muito popular, e é encontrado na “base de fé” de muitas corporagées evangélicas, sem que elas permitam uma alternativa sequer. Ora, o pré-milenismo implica e envolve claramente certas coisas. Ele envolve uma interpretagao literal do Apocalipse, capitulo 20. Também ensina pelos menos duas ressurreigdes e pelo menos dois julgamentos. Por isso, gostaria agora de colocar diante de vocés, para sua consideracio, certas objegdes a essa doutrina. Temos adotado esse método do comego ao fim em nossa consideragdo nao s6 desta doutrina, como também de todas as demais doutrinas. Nada, para mim, é mais lamentavel do que as pessoas s6 quererem conhecer um ponto de vista. As vezes nem mesmo s&o cénscias do fato de que ha outro ponto de vista possivel e nem sabem que 0 ponto de vista que defendem sé veio a existéncia cerca de cem anos atras. Temos tentado, pois, expor todos os pontos de vista possiveis, dando as razGes a favor e contra eles, a fim de que estejamos em posigdo de conseguir um juizo equilibrado como resultado de oragéo e cuidadosa consideragao dos ensinos. Assim, pois, havendo colocado o ensino pré-milenista diante de vocés, deixem-me sugerir certas criticas a respeito dele. H4 um grande nimero. Antes de tudo — e isso é muito importante — 248 esté o fato de que é um ensino que nao se encontra em parte alguma dos Evangelhos nem das Epistolas neotestamentérias. Todos sao concordes sobre isso. Nao existem outras referéncias a essa idéia de um reino terrestre com nosso Senhor reinando pessoalmente sobre a terra por mil anos literais.O ensino aparece somente no Apocalipse, capitulo 20. Esse, sem dtivida, € um ponto muito sério. Seguramente, se créem na unidade das Escrituras, entéo devem crer que elas agem como um todo. Por isso, quando a doutrina da segunda vinda de nosso Senhor € tratada noutras partes das Escrituras, entéo, se esse reinado terrestre faz parte essencial dela, vocés teriam concluido que deve haver alguma insinuagao ou vinculo em relacéo a ela, seja no ensino de nosso Senhor pessoalmente ou no ensino de Seus apéstolos. Contudo, o fato é que nao existe. Em segundo lugar, a énfase desse ensino est4 no aspecto terreno do reino com nosso Senhor reinando fisicamente aqui neste mundo. E uma concepgdo terrena, e em suas descrigées (como tenho tentado mostrar-lhes) da gléria desse reinado terrestre, 0s proponentes desse ponto de vista superam uns aos outros em suas tentativas de pintar sua gloria e maravilha. Mas ele é ainda material ¢ materialista, embora, quando lemos os Evangelhos ¢ 0 ensino de nosso préprio Senhor sobre Seu reino, n4o podemos deixar de ficar surpresos ante 0 fato de que Ele constantemente enfatizou que Seu reino é espiritual, e a mesma énfase se constata nas Epistolas. Ora, sejamos bem claros sobre isso: cremos que, no fim dos tempos havera um novo céu e uma nova terra, como 2 Pedro, capitulo 3, nos mostra. Sim, mas isso sera apdés este presente céu e terra terem sido destruidos da maneira como Pedro ali descreve. O ponto de vista pré-milenista, em contrapartida, fala de um reino terrestre antes desse reinado final. Ent&o outra objecdo, parece-me, € que o pré-milenismo adia para.o futuro a idéia do reino. E-nos dito que estamos na era da Igreja e, como ja lhes realcei, Cristo nao é Rei no momento, porém é apenas a Cabega da Igreja. Cristo ofereceu o reino 249 quando estava aqui no mundo, mas ele foi rejeitado. Entéo surgiu esse interregno e nao existe nenhum reino agora, todavia ele viré durante o reino milenar. Por outro lado, com toda certeza as Escrituras nos ensinem que o reino jd é presente e que nds que somos cristaos, j4 estamos no reino de Deus. Jodo, no primeiro capitulo do Apocalipse, diz: “Eu, Joao, irmao vosso e companheiro convosco na aflicéo, no reino e na perseveranca em Jesus...” (Apoc. 1:9). Os cristaos j4 estéo no reino. Em certo sentido, o reino est4 ainda por vir, no entanto, noutro sentido ele j4 veio. Por isso Paulo escreve que Deus “nos libertou do poder das trevas, e nos transportou para o reino de seu querido Filho” (Col. 1:13). Jé somos cidadaos do reino de Deus. Por isso, pois, prorrogar toda a idéia do reino para o futuro é contradizer 0 ensino biblico. Lango mAo de outra objecao que, para mim, de todas é uma das mais sérias: € 0 ponto de vista que nos diz que nosso Senhor no s6 reinara por mil anos na carne, mas que aos judeus se dara uma grande posigdo de proeminéncia. Aqui esté algo que é muito sério, pois reintroduz aquela distingdo entre judeus e gentios que, seguramente, foi abolida. Nao existe nada em que 0 apéstolo Paulo em particular tanto se gloriou quanto o fato de que nao existe “nem gregos nem judeus, circuncisao nem incircuncisao, barbaros, citas, escravo nem livre” (Col. 3:11). “Derrubando a parede de separacdo que estava no meio”, escreveu Paulo (Ef. 2:14). O reino esta agora franqueado a gentios e a judeus. Toda a gloria do evangelho, escreveu Paulo, uma vez mais aos efésios, é que os gentios sao “co-herdeiros” (Ef. 3:6) e “concidadaos com os santos” (Ef, 2:19) nesse glorioso reino de Deus. Aqui, porém, est4 um ensino que reintroduz uma distingao vital entre judeus e€ gentios, a qual, dizem, durara por toda a eternidade. Devo confessar que acho totalmente impossivel crer numa separacdo permanente de judeus e gentios. Eu teria pensado que o capitulo 7 de Romanos por si sé seria suficiente para esmagar qualquer idéia dessa natureza, S6 existe uma oliveira, diz Paulo. Os judeus eram ramos naturais, mas foram cortados e outros foram enxertados nela. “Portanto eu vos digo que vos seré tirado 250 0 reino de Deus”, diz nosso Senhor aos judeus, “e sera dado a um povo que dé os seus frutos” (Mat. 21:43). Os gentios, porém, foram enxertados na tinica oliveira, ¢ os judeus s40 enxertados nela novamente quando se tornam cristaos. Nao existe distingio permanente, por toda a eternidade, entre judeus e gentios; isso acabou uma vez para sempre. O ensino neotestamentario consiste em que todas as nagdes, tribos e linguas estarao no reino de Deus. Mesmo o livro do Apocalipse ensina isso e, de fato, néo ha indicagéo alguma de existir qualquer diferenca entre judeu e gentio, mesmo neste capitulo 20. O ensino sobre judeus e gentios tem sido introduzido no capitulo e nao deve constar ali. Ainda outro ponto é que o pré-milenismo ensina, como ja sugeri, varias vindas de nosso Senhor. De acordo com esse ponto de vista, deveraé haver pelo menos duas vindas — trés, se vocés créem no arrebatamento preliminar. Mas com certeza 0 Novo Testamento ensina que s6 haverd uma tinica segunda vinda de nosso Senhor — aquela que se associard com a ressurrei¢ao geral dos mortos e com o juizo final. Onde est a evidéncia para mais de uma vinda? J4 analisamos 0 argumento contra diversas vindas futuras de nosso Senhor, e focalizamos detidamente 1 Tessalonicenses, capitulo 4 e 2 Tessalonicenses, capitulo 2. Deixem-me, portanto, mencionar algo que ainda nao focalizamos plenamente. O ponto de vista pré-milenista também ensina que ha pelo menos duas ressurreigdes, se nao trés. Se porventura vocés defendem o conceito do arrebatamento preliminar, entaéo ha trés ressur- reigdes. No entanto, se nao adotam esse ponto de vista, e é um pré-milenista, entéo ha duas, com um intervalo de pelo menos mil anos entre a ressurreicao das pessoas justas e a ressurreigaéo das injustas. O ensino, lembro-lhes, é que os crentes, os cristaos, ressuscitaréo no inicio do reinado dos mil anos, enquanto os incrédulos no ressuscitaréo até o fim do perfodo e ainda um pouco além dele. Aqui, uma vez mais, esta algo que é importante avaliar, pois a meu ver esse ensino é uma contradic¢ao direta do ensino de nosso préprio Senhor e Salvador. Em Joao 5:28,29, 251 Ele diz: “Nao vos admireis disso, porque vem a hora em que todos os que estao nos sepulcros ouvir4o sua voze sairao: os que tiverem feito o bem, para a ressurreicao da vida, e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreigéo do juizo”. Onde esté o intervalo de mil anos? Com certeza as palavras de nosso Senhor afirmam claramente que deverd haver uma ressurreigdo geral para todas as pessoas, boas e ruins juntamente. Mas, entdo, se continuarmos avangando para o préximo capitulo do Evangelho de Joao — capitulo 6 — descobriremos que nosso Senhor pessoalmente ensina que os bons e os maus ressuscitardo no Ultimo dia, nao no inicio de algum periodo de mil anos, e sim, no fim propriamente dito. Deparamo-nos com este versiculo 39: “E a vontade do que me enviou € esta: que eu n4o perca nenhum de todos aqueles que me deu, mas que eu 0 ressuscite no ultimo dia”. Nao existe nada apés 0 (iltimo dia: €0 ultimo dia e no Gltimo dia, e nao antes, que nosso Senhor ressuscitard aqueles que o Pai Lhe deu, os bons, os crentes, os cristios. Entao Ele reitera isso no versiculo 40, no versiculo 44 ¢ no versiculo 54. Encontramos exatamente a mesma doutrina em Jodo 11:24. “Disse-lhe Marta: sei que ele (Lazaro) ha de ressurgir na ressurreigéo, no Ultimo dia.” Esse era 0 ensno corrente, ¢ nosso Senhor 0 adotou e 0 usou. Portanto, dizer que existem duas ressurreig6es com um intervalo de mil anos entre elas é uma contradigao do que nosso Senhor ensina nitidamente, bem como da doutrina em todo o Novo Testamento com respeito 4 ressurreic¢do, ao tiltimo dia e ao juizo final. Ha, ent&o, outra objecao o ensino pré-milenista, e ela deveria apresentar uma dificuldade muito real 4s mentes de todos nés. Alias, hé muitos pré-milenistas que admitem com muita franqueza que € uma dificuldade para eles também. Se esse ensino esta certo, entéo nos defrontamos com o seguinte: a um e ao mesmo tempo haverd na terra santos glorificados - pessoas que morreram como cristas e ressuscitaram dentre os mortos e cujos corpos foram transformados “a semelhanga de seu corpo glorioso” (Fil. 3:21) —e ao mesmo tempo outros cristéos que ainda nao morreram e permanecem na carne. Ambos 252 esses grupos estario vivendo juntos. Mas creio ser isso impos- sivel de se conceber. Na verdade, nao sé isso, porém o préprio Senhor em toda Sua gloria estar4 vivendo na terra com homens e mulheres. No entanto, quando Saulo de Tarso apenas O vislumbrou, caiu prostrado em terra. Dai ser essa, com toda certeza, uma serissima dificuldade. Outra incongruéncia consiste em que, durante esse suposto periodo glorioso, acaso nado haveria ainda algumas pessoas na terra que séo pecadoras? Digo isso por esta razao: se nao forem deixados pecadores, entéo como é possivel que ocorram as coisas que s4o descritas no Apocalipse 20:7-9? Somos informados que, “quando se completarem os mil anos, satands serd solto de sua prisdo, e saird a enganar as nacdes que estéo nos quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo nimero é como aareia do mar, a fim de ajunté-las para a batalha.” Acaso somos constrangidos a crer que, de uma forma surpreendente, satands consiga de repente transformar essa tremenda multidao, a qual € tao numerosa como a areia do mar, em inimigos de Cristo? Nao, a idéia que surge, seguramente, seria que eram inimigos 0 tempo todo, e que seu pecado foi simplesmente restringido. Portanto, esse periodo nao é tao glorioso como nossos amigos querem que compreendamos. No entanto, nao apenas isso, aqui — parece-me — temos outro desses obstaculos insuperaveis. Seria concebivel que depois de nosso Senhor e Salvador ter vivido e reinado neste mundo por mil anos (néo mais como 0 carpinteiro de Nazaré, recordem bem, mas como o Rei dos reis e Senhor dos senhores, em toda Sua gléria celestial e com Seus infinitos poderes), seria concebivel que depois de mil anos com Cristo reinando, satands possa de repente produzir essas hostes, essas massas de pessoas do mundo inteiro, tao numerosas como as areias do mar, para combater a Cristo e op6r-se-Lhe amarga e violentamente? Com toda certeza, isso é forgar a imaginacao, para nao dizer o pensamento, pedir-nos que creiamos que tal coisa seja realmente possivel. Nao obstante, essa é uma parte essencial do ensino pré-milenista. 253 Ora, existem mais objegdes, mas volvamo-nos por um instante a 2 Pedro, capitulo 3, onde, a meu ver, as objecdes so mais ou menos reunidas para nés de uma forma muito conveniente e clara. Pedro estava escrevendo com 0 intuito de confortar 0 povo cristdéo que estava sendo pressionado pelos escarnecedores que diziam, com efeito: “Vocés dizem - e vivem dizendo desde h4 muitos anos — que esse Rei, esse seu Cristo, est4 para voltar. Onde esté a prova? Olhem ao redor de vocés”, diziam, “tudo continua na mesma rotina de sempre. Nao hé sinal algum de Sua vinda. E totalmente sem sentido. Nao passa de ficgdo de sua imaginagao. Estao sendo enganados”. Por isso Pedro escreve com o fim de confortar os cristaos sobre esse mesmo ponto. Mas nao existe uma palavra sequer sobre algum reinado de mil anos, Nao existe sequer a minima insinuagao da existéncia de um perfodo durante o qual o pecado ser4 restringido e mantido em restrigé0; absolutamente nada. Tudo o que Pedro sabe é que o dia do Senhor introduzira uma grande conflagracdo que significard a destruigéo do mundo como o conhecemos. O mal e o pecado também serdo queimados a ponto de nao restar mais nada. “Mas os céus e a terra de agora, pela mesma palavra, tém sido guardados para o fogo, sendo reservados para 0 dia do juizo e da perdicao dos homens impios” (2 Ped. 3:7). Tudo acontece ao mesmo tempo — eis tudo o que Pedro sabe. E entio existe a vinda de “novos céus e nova terra, nos quais habita justica” (v. 13). Pedro nao diz absolutamente nada sobre um reinado milenar, e indica que Paulo também nio diz nada. Nos versiculos 15 e 16 Pedro faz referéncia ao escrito desse amado irmao Paulo” que, diz Pedro, fala em todas as suas Epistolas “dessas coisas”, mas nao ha a mais leve insinuagdo de qualquer doutrina pré-milenista. Notem também que Pedro diz: “Vira, pois, como ladrio 0 dia do Senhor” (2 Ped. 3:10). Nosso mundo ser queimado com fogo, diz Pedro. Significara o fim do mundo como agora o conhecemos, e entéo haverd um novo céu e uma nova terra. Todavia como seria possivel que tudo isso ocorra como “um ladrao de noite” se tem que ser precedido por mil anos com a 254

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