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Villani- Côrtes - Eu acho que não tive formação musical, eu tive informação musical. Meu
pai era flautista amador e a minha mãe tocava piano. Quando eu nasci, meu pai
adoeceu gravemente e as finanças da família ficaram arruinadas. Como eu era o
terceiro filho, não usufrui dos tempos de bonança. Nesta época, venderam o piano e
nunca mais foi possível reavê-lo. Então eu comecei a experimentar a música tocando
cavaquinho. Como meu irmão mais velho estudava violão, eu falei ao meu pai que
queria tocar um instrumento e ele me deu um cavaquinho. E era um cavaquinho de
brinquedo, mas eu afinei como se faz com as últimas quatro cordas do violão que
meu irmão tocava. E as aulas com o meu primeiro professor seguiam um sistema
audio-visual, pois nós aprendíamos a tocar imitando as posições que ele fazia no
violão. O professor chegava e anunciava: Vamos tocar Amigo de Rosas, aquela valsa
famosa do Dilermando Reis. E então ele pegava no violão e tocava, e nós
observávamos as posições e tocávamos juntos. Não havia o dó-ré-mi-fá-sol, noção de
modos maiores ou menores, eu sabia quando a música estava em modo menor pela
sensação, pois naturalmente passava pelo acorde de terça menor. A partir deste
momento, tudo o que ouvia no rádio e no cinema, tentava tocar no violão. Minhas
primeiras influências musicais vieram por meio do rádio, que felizmente, naquela
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Doutora em História Cultural pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Portugal), Mestre em
História – História da Arte pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), licenciada em artes
plásticas e música pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» (UNESP-
SP). É professora de Estética e História da Arte e Filosofia da Arte no curso de Música da Escola Superior de
Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Revista Eletrônica Aboré – Publicação da Escola Superior de Artes e
Turismo - Edição 03/2007
ISSN 1980-6930
Villani-Côrtes - Sempre tive uma certa inclinação para pesquisar sons nos instrumentos e
também para analisar as peças que executava. A partir disso iniciei as minhas
primeiras experiências na área da composição. Comecei a compor com o violão, mas
chegou um momento em que as peças se tornaram mais elaboradas e foi nesse
momento que eu comecei a estudar o piano. Eu ouvia uma música e ficava
imaginando como poderia modificá-la, achava que ficaria melhor de determinado
jeito. É a partir disso que comecei a compor. Fiz isso não por querer ser um
compositor, mas por gostar de música. Alguns sons me agradam mais que outros,
então eu os escrevo. Eu também trabalhei muito tempo como arranjador porque é
uma área em que pagam muito bem. E para a composição não pagam. E até hoje é
assim, para ganhar dinheiro, é muito melhor fazer arranjos do que compor. Mas nos
arranjos, eu me sentia frustrado porque no arranjo eu era obrigado a me submeter
àquela música, que nem sempre era agradável. De modo que me sinto mais a vontade
compondo, pois eu imagino a melodia e faço com ela o que eu quero. No arranjo não
existe essa liberdade.
Aboré - O senhor estudou composição com o Camargo Guarnieri? Como foi esta
experiência?
Revista Eletrônica Aboré – Publicação da Escola Superior de Artes e
Turismo - Edição 03/2007
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de um minuto. Imaginei um soldado numa trincheira na guerra, e ele via o massacre, sabia
que ia morrer em um minuto, e nesse minuto ele tinha uma visão de toda a sua vida. A partir
desse motivo, desenvolvi o tema com uma nota só, mas usei as oitavas e fui desenvolvendo o
ritmo. O Koellreuter não se entusiasmou muito, pois ele veio ao Brasil refugiado da Guerra.
Depois ele sugeriu que eu fizesse outras músicas. Fiz então uma música que chamei de
Timbres, e imaginei uma trilha sonora para um filme de terror. Como ele era ligado ao
atonalismo e ao dodecafonismo, gostou muito da peça. Nessa época, ele recomendou que eu
participasse de um concurso de composição em São Paulo, promovido pelo Intituto Goethe. O
concurso chamava-se Noneto de Munique. Compus então uma peça chamada Noneto, que era
um quarteto de sopros, oboé, clarinete, fagote e trompa somado a um quinteto de cordas, dois
violinos, viola, violoncelo e contrabaixo. Eu ganhei a menção honrosa neste concurso, em
1978. E como estava previsto um recital com as peças premiadas na Alemanha, elas deveriam
ser enviadas para a Alemanha para integrar o repertório do grupo alemão chamado Noneto de
Munique, que faria uma tournée internacional. Enviei a partitura e fiquei um bom tempo sem
ter notícias do Instituto Goethe, e de repente, telefonou-me o Koellreutter da Alemanha,
dizendo para que eu enviasse imediatamente a partitura do Noneto, pois tinham enviado uma
partitura de um outro noneto que nem havia sido classificado no concurso. A peça não chegou
a tempo do grupo ensaiar, eles começaram a tournée sem a peça. O concurso aconteceu em
1978, mas esta peça teve sua estréia em 2004, com um grupo cubano dirigido pela maestrina
Elena Herrero. O resultado disso foi que o Instituto Goethe acabou com todos os concursos de
composição que aconteciam a cada dois anos.
Aboré – Depois disso o senhor chegou a participar de outros concursos? Foi premiado
novamente?
a ser premiado pela A.P.C.A, respectivamente com o prêmio para a melhor peça
Sinfônica-Coral intitulada Postais Paulistanos, e com a melhor peça experimental, o
Concerto para Vibrafone e Orquestra.
Aboré - O senhor também se dedicou ao ensino da música. Como foi esta experiência?
Villani-Côrtes - Dirigi por dois anos o conservatório de Juíz de Fora, depois lecionei na
Academia Paulista de Música, no Instituto de Artes da UNESP e atualmente na Universidade
Livre de Música. Foi uma experiência muito gratificante, muito boa. Só aprendi. É uma coisa
muito interessante, é muito bom o que se aprende com os alunos. Eu costumo iniciar minhas
aulas de composição a partir da análise da obra de outros compositores. Começo
exemplificando com algumas peças de Bach e depois faço sugestões. Também sugiro peças
de Debussy, de compositores brasileiros, falo sobre o dodecafonismo, mas não entro muito na
área da música contemporânea, pois ela é imensa, vasta. Passo por estes caminhos com o
aluno e incentivo-o a compor, independente de uma orientação estética. Mas é importante ter
noção da estrutura das peças, principalmente das obras de Bach, pois ele é o grande chefe, ele
é o aboré. Ele nos dá todas as referências necessárias sobre composição.
Villani-Côrtes – Sim. Nesta catalogação, o Instituto de Artes da UNESP ajudou muito. Pois
os professores tinham que fazer um relatório anual de atividades e mostrar o que havia sido
feito e desse modo, fui obrigado a registrar minha produção musical. Teve uma aluna da USP,
a Veronique de Oliveira Lima, que na altura foi orientada pelo Prof. Régis Duprat, que fez
uma monografia em que reunia meus dados biográficos e a relação das minhas obras. Quando
as pessoas precisavam de uma informação mais específica, eu recomendava o trabalho dela.
Depois um amigo inseriu algumas destas informações num site que foi elaborado para mim.
(www.villani-cortes.tom.mus.br). Há dois anos, o Centro Cultural São Paulo teve um projeto
patrocinado pela Petrobrás que consistiu na gravação de cinco CDs de obras inéditas de cinco
compositores brasileiros comtemporâneos. Eles escolheram Almeida Prado, Gilberto Mendes,
Rodolfo Coelho de Souza, Edino Krieger e eu. O meu cd foi gravado na Alemanha e o
resultado ficou muito bom. Este CD veio acompanhado de um livro que continha a biografia
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dos compositores feita de duas maneiras, primeiramente por um biógrafo e depois por uma
pessoa que tivesse uma relação mais próxima com o compositor. No meu caso, os produtores
escolheram o poeta Afonso Romano de Santana, que é meu conterrâneo. Ele fez um
depoimento muito curioso sobre mim e foram surpreendentes os aspectos que ele observou a
meu respeito. Neste livro foi feita uma relação das obras e da discografia.
Aboré - No decorrer desta trajetória, o senhor teve afinidade com alguma ideologia, seja
ela estética ou política?
Villani-Côrtes - Acho que a gente acaba tendo algum envolvimento ideológico sim. Quando
estudei com o Camargo Guarnieri, fiquei mais influenciado pelo estilo dele, nacionalista.
Quando estudei com o Koellreutter, recebi influências do atonalismo, do serialismo integral e
do dodecafonismo. Eu tenho peças dessas duas épocas com características totalmente
diferentes. E algumas destas obras permanecem inéditas.
Villani-Côrtes - Sim. A primeira gravação de uma obra sinfônica minha foi feita no Teatro
Procópio Ferreira, do Conservatório Dramático e Musical Carlos de Campos em Tatuí (SP),
com a Orquestra de Tatuí. Era um concerto para piano e orquestra, eu toquei o piano e estava
com 65 anos de idade. Até essa época, ninguém gravava nem tocava minhas peças, porque
todos tinham seus clubinhos. Tenho uma relação de gratidão com Tatuí por isso. Em 2000, foi
executada uma obra que dediquei a meu pai, Augusto de Castro Côrtes, um Concerto para
Flauta e Orquestra, realizado na Saint Jones Cathedral em Londres, tendo como intérpretes
Marcelo Barbosa (flauta) e a Orquestra do Covent Garden, regida por Richard Marckson.
Aboré - Como foi sua experiência ao compor trilha sonora para cinema?
Villani-Côrtes - Eu fiz uma trilha em 1968, para o filme O Matador, de Amaro César e
Egídio Écio. Mas o problema de compor para cinema no Brasil, é que alguém cria um ou dois
temas musicais, e depois o compositor trabalha toda a trilha e os créditos vão para quem criou
os temas. Isso aconteceu com O Quatrilho, pois o Caetano Veloso fez duas músicas e o
Jacques Morelenbaum escreveu tudo, fez uma trilha genial e depois saiu nos créditos que a
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trilha era do Caetano Veloso. Algo parecido aconteceu comigo. Na época eu precisava de
dinheiro, recebi o convite para fazer a trilha de O Matador. Como estava em início de
carreira, fiz todo o trabalho e não recebi nada. Recentemente fiz uma trilha para um desenho
chamado Juro que vi: Matinta Pereira, de Humberto Avelar, produzido pela Prefeitura do Rio
de Janeiro. Foi uma experiência interessante, esta última, pois trabalhei junto com meu filho,
Ed Côrtes, que é ligado à música eletrônica e também faz trilha de filmes.
Aboré - Para encerrar esta entrevista, o que o senhor teria a dizer a um estudante de
música que manifestasse interesse pela composição?