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Capítulo 4

Ginecologia infanto-puberal:
puberdade e menarca,
distúrbio menstrual e dismenorréia
Solange Garcia Accetta, Alberto Mantovani Abeche,
Liliane Diefenthaeler Herter e Carla D'Agostini

PUBERDADE dução da influência dos centros inibitórios. É a pulsatili-


dade do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH)
A puberdade caracteriza-se por um conjunto de mo- que determina a secreção das gonadotrofinas pela hipófi-
dificações biológicas que ocorrem como conseqüência da se e inicia a puberdade. Paradoxalmente, o GnRH em quan·
maturação do sistema nervoso central (SNC). Essas mo- tidades contínuas dessensibiliza a hipófise e inibe a
dificações resultam no aumento da secreção de esterói- puberdade. Entre os 10 e 16 anos de idade, ocorrem inici-
des sexuais pelas gônadas (gonadarca), as quais produzem almente padrões pulsáteis do LH durante o sono de-
o desenvolvimento das características sexuais secundá- correntes de pulsos de GnRH e, após essa idade, ocorrem
rias e a função reprodutora. pulsos semelhantes, mas de menor amplitude durante as
As concentrações de gonadotrofinas (FSH e LH) atin- 24 horas do dia. Na idade adulta, esses pulsos de LH ocor-
gem níveis adultos em torno da metade da gestação, pois rem com intervalos de 1,5 a 2 horas. Em conseqüência,
a unidade hipotálamo-hipófise está completamente fun- resultam picos episódicos de estradiol e, então, a menar-
cionante a partir desse período. Os ovários, na mesma ca. Pela metade da puberdade, surge a maturação do
época, têm capacidade para a esteroidogênese e seu nú- mecanismo de retrocontrole positivo do LH ao estradiol,
mero de oócitos é máximo. As gonadotrofinas decaem à o que determina o início dos ciclos menstruais ovulató-
medida que os altos níveis de esteróides da unidade feto- rios. As meninas iniciam a puberdade em sua grande maio
placentária exercem um mecanismo de retrocontrole ne- oria entre 8 e 13 anos de idade. Em média, a seqüência
gativo. Entretanto, no período neonatal, os estrogênios puberal de crescimento acelerado, desenvolvimento ma-
maternos são eliminados pelo recém-nascido e, como con- mário (telarca), pêlos pubianos (pubarca) e menarca (pri·
seqüência, o mecanismo de retrocontrole negativo é libe- meira menstruação) requer um período de 4,5 anos 0,5-6
rado. Assim, as gonadotrofinas aumentam, e os ovários anos). Geralmente, o primeiro sinal de puberdade é a ace·
funcionam em níveis puberais por meses. Essa minipu- leração do crescimento estatural acompanhado do surgi-
berdade da recém-nascida é usualmente subclínica, em- mento do broto mamário, que ocorre em média aos
bora possa ser responsável por algum grau de desenvol- 9,8 anos em meninas americanas. A pubarca pode ser o
vimento mamário. Essa elevação transitória pode persis- primeiro sinal de desenvolvimento puberal feminino
tir até os 2 anos de idade. Após, esses hormônios costu- (cerca de 10% das meninas brancas), o que pode signi-
mam diminuir a níveis pr4puberais, e assim persistem ficar uma variação normal ou, em alguns casos, refletir
até pelo menos os 8 anos de idade, o que se denomina de um excesso de androgênios que posteriormente pode
pausa juvenil (Neinstein; Kaufman, 1991). causar hirsutismo e irregularidade menstrual (Ibáiíez,
A puberdade decorre do decréscimo na sensibilida- 2000). Zerwes (1992) avaliou 1.018 escolares da zona
de do mecanismo de retrocontrole negativo da unidade urbana de Pelotas/RS e encontrou a idade mediana da
hipotalâmica-hipofisária aos esteróides sexuais e da re- telarca aos 10,2 anos e da pubarca aos 10,9 anos, sendo
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que a média da menarca foi aos 11,8 anos e a mediana da ocorrência da menarca parece ter diminuído nos últi-
aos 12 anos. mos 100 anos (Rosenberg, 1991; Kaplowitz, 1999). Esses
As meninas ganham cerca de 25 cm em altura du- autores sugerem a associação desse evento com a melho-
rante a puberdade. Elas atingem o pico de crescimento ria das condições de nutrição, saneamento básico, preven-
(6-11 cm/ano) cerca de 2 anos após a telarca e um ano ção de doenças e urbanização. A obesidade é a causa mais
antes da menarca. O principal fator responsável pelo comum de aceleração anormal de crescimento na infân-
crescimento puberal normal é o fator I de crescimento cia. Está também associada com início mais precoce da
insulina-sÍmile (somatomedina-C ou IGF-l), o mediador puberdade e da menarca. Os valores médios aceitos de
da indução do crescimento pelos esteróides sexuais. O crescimento pós-menarca são de 4 a 6 cm. No entanto,
aumento dos esteróides sexuais aumenta a secreção do eles não são absolutos, pois existe urna dispersão muito
hormônio de crescimento, o que estimula a produção do ampla quanto a essa variável. Observa-se que o ganho
fator I de crescimento insulina-sÍmile. A leptina é produ- estatural pós-menárquico associa-se inversamente com a
zida principalmente pelo tecido adiposo branco e regula idade da menarca: quanto menor a idade da menarca,
o armazenamento, o equilíbrio e o uso de energia pelo maior o ganho estatural. A predição do crescimento pós-
organismo. Por isso, ela tem importância na regulação do menárquico é incerta e a menarca indica a fase de desa-
pesocorporal e na informação ao cérebro de que as reser- celeração do crescimento longitudinal, portanto é pouco
vas energéticas são suficientes para sustentar o início da prGvável que uma menina que chegue com baixa estatura
puberdade e a reprodução (Negrão & Licinio, 2000). na menarca possa ter uma alta estatura no final da puber-
Kaplowitz e colaboradores (1999) chamam a aten- dade.
çãopara o aparecimento de caracteres de desenvolvimento
puberal ocorrendo em idades mais precoces nos Estados
Unidos. Sugerem que o critério atual para o diagnóstico DISTÚRBIO MENSTRUAL NA
de puberdade precoce seja a observação de caracteres se- ADOLESCÊNCIA
xuais secundários em meninas brancas com menos de 7
anos e em meninas negras com menos de 6 anos. Esses O marco endócrino final da puberdade é a ovulação,
resultados foram obtidos de um estudo realizado naquele que ocorre com o surgimento de um mecanismo de retro-
país considerando apenas dois grupos raciais. Concorda- controle positivo do estrogênio sobre a hipófise e o hipo-
moscom a discussão encontrada na literatura que consi- tálamo. Isso determina o aparecimento do pico de LH na
dera necessário a realização de estudo randomizado de metade do ciclo menstrual e a ovulação. As menstruações
basepopulacional, incluindo todos os grupos raciais para que se seguem à menarca são geralmente anovulatórias,
postular novos critérios para avaliação de puberdade pre- irregulares e ocasionalmente abundantes. Segundo Spe-
coce.O ponto de corte tradicionalmente aplicado é o de 8 roff e colaboradores (1991), a anovulação prolonga-se até
anose é esse critério que utilizamos até que novos estu- 18 meses após a menarca. O sangramento menstrual na
dosdemonstrem a necessidade de modificação desse cri- adolescência freqüentemente decorre da estimulação es-
tério (Finlay & Jones, 2000; Midyett, 2003). trogênica prolongada sem oposição da progesterona. E
depende da duração e da intensidade do estímulo estro-
Menarca gênico do endométrio. O fluxo pode ser escasso, normal

l
ou intenso e o ciclo menstrual pode ser curto, normal ou
O termo menarca significa a primeira menstruação
longo.
e traduz um importante evento no amadurecimento do
eixohipotálamo-hipófise-ovários (HHO). A menarca su-
cedeo pico de crescimento e ocorre na maioria das meni-
nas no estágio N de Tanner (Marshall & Tanner, 1969).
I passar dos anos DOISterços das meninas
A idade da menarca não é fixa para todas as popula-
ções,pois vários são os fatores que a influenciam: nutri cio-
I":'estabelecem cIcios
Irregularidade menstruais
menstrual regulares
diminUI com oe
ovulatórios dentro de 2 anos após a menarca.
nais,esportivos, geográficos, familiares, etc. Além disso,
adolescentes afetadas por desnutrição crônica e/ou en-
fermidades crônicas graves apresentam uma puberdade Apter (1980) observou 80% de ciclos menstruais
atrasada, fundamentalmente motivada pelo atraso ósseo anovulatórios no primeiro ano após a menarca, 50% no
queapresentam (De La Parra & Arrighi, 1990). A idade terceiro ano e 10% no sexto ano. Aproximadamente to-
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das alcançaram um padrão adulto estável em sete anos sência implica uma investigação diagnóstica. Ao contrá-
após a menarca, e aquelas que permanecem irregulares rio, na adolescência, ela pode ser fisiológica e autolimita-
ou anovulatórias poucas vezes ovulavam espontaneamen- da. Eis a dificuldade: evitar a avaliação em massa e deixar
te. Sabe-se, também, que pacientes com menarca tardia de fazer o diagnóstico de patologias subjacentes. Portan-
apresentam mais irregularidades menstruais. A anovula- to, apesar da anovulação ser a causa mais comum de irre-
ção por imaturidade do eixo HHO deve ser diferenciada gularidade menstrual na adolescência, é necessário afastar
da anovulação crônica patológica. Certamente a distin- outras causas para o distúrbio menstrual (Tabela 4.1).
ção entre ambas não é fácil. O simples diagnóstico de Também convém ressaltar que dietas com baixo teor
anovulação é inespecífico. Tal situação difere da mulher de proteínas, alto teor de carboidratos e com deficiência
adulta porque o padrão normal esperado nesse período é de vitaminas essenciais poderiam colaborar com uma
a presença de ciclos menstruais ovulatórios, e a sua au- maior intensidade do sangramento (Reis, 1998). Pacien-

TABELA 4.1 Causas de distúrbios menstruais na adolescência

Hipotalâmicas Modificações ponderais


Transtornos psicológicos
Atividade física intensa
latrogênica
Patologia orgânica do SNC e do hipotálamo
Hipofisárias Processos destrutivos
Tumores
Lesões vasculares
Infecções
Lesões cirúrgicas
Ovarianas Menopausa precoce
Síndrome dos ovários policísticos
Síndrome dos ovários resistentes
Destruiçâo pós-cirurgia ou irradiação
Tumores
Disgenesia gonadal
Uterinas Síndrome de Asherman
Processos infecciosos
Endometriose
Leiomiomas
Patologia de endométrio
Outras endocrinopatias Tireopatia
Hiperprolactinemia
Diabetes
Pubarca precoce isolada
Hiperplasia adrenal congênita
Doenças crônicas debilitantes Insuficíêncía renal
Insuficiência hepática
(jàrdiopatia severa
Pneumopatia severa
Doenças da coagulação Doença de von Willebrand
Deficíência do fator XI
Trombocitopenia
Leucemia (deficíência de fibrinogênio)
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tes com doença de von Willebrand e fluxo menstrual ex- TABELA 4.2 Dosagens hormonais na
cessivomuitas vezes podem ser equivocadamente diag- irregularidade menstrual na adolescência
nosticadascomo tendo um sangramento disfuncional. Essa
Sem '" Com
doençaestá presente em cerca de 1% da população, sen-
hiperandrogenismo hiperandrogenismo
do, portanto, muito mais comum do que se julga comu-
mente (Choung, 1996). Outras informações sobre LH 170H Progesterona
sangramento patológico estão disponíveis no capítulo so- FSH basal
bre sangramento uterino anormal. Pool de prolactina DHEA
TSH ultra-sensível Testosterona livre
Testosterona
Avaliação
Androstenediona

Na adolescência, dois cuidados são importantes: a


quantificaçãoda informação e o cálculo da idade gineco-
lógica.Na prática, muitas vezes, as respostas como muito
e pouco não traduzem os critérios de normalidade ou
anormalidade. Assim, se esses valores não forem esclare- sugeridas as dosagens entre o segundo e o oitavo dia do
cidos,corremos o risco de supervalorizar a informação. ciclo menstrual dos hormônios citados na Tabela 4.2.
Alémdisso, com freqüência o registro da paciente sobre o A dosagem de testosterona superior a 200 ng/dL ou
seuciclomenstrual é impreciso. Nos casos em que temos SDHEA superior a 700 ~g/dL requer uma avaliação su-
dúvidasde tratar-se de um ciclo menstrual irregular, po- plementar para investigação de tumor ovariano e adre-
demosobservar os ciclos menstruais subseqüentes e en- nal, respectivamente.
tão decidirmos a conduta. Uma dosagem elevada de 170HP basal sugere hi-
Outro dado de valor é a idade ginecológica. As pacien- perplasia adrenal de início tardio. O teste de estímulo com
tes podem apresentar a mesma idade cronológica e dife- ACTH (0,25 mg de ACTH 1M) pode identificar uma res-
rentesestágios de desenvolvimento puberal. Assim, o tempo posta exagerada da 170HP e confirma o diagnóstico da
pós-menarcaé mais adequado para a análise da maturida- deficiência de 21-hidroxilase (21-0H). Os valores basais
de biológica.Além disso, meninas que têm menarca mais de 170HP igualou superior a 5 nglrnL ou valores estimu-
cedocostumam ter menos irregularidade menstrual do que lados após 60 minutos de ACTH 1Migualou superior aIO
as meninas que menstruam mais tarde. A anamnese e o nglmL sugerem o diagnóstico de deficiência de 21-hidro-
examefísico podem orientar a avaliação. Devem ser inves- xilase (Spritzer, 1996). Essa doença pode também apre-
tigados:idade da menarca, da telarca e da pubarca; ema- sentar moderada elevação dos androgênios basais. A
grecimento;psiquismo; atividade física; cefaléia; hipo ou deficiência da 3-~-hidroxisteróide desidrogenase é uma
anosmia;diplopia; dor pélvica dclica; medicamentos em forma menos comum e pode ser distinguida pela extrema
uso;atividade sexual e história familiar de endocrinopa- elevação dos níveis de deidroepiandrosterona (DHEA).
tias;transtornos puberais ou menstruais. O exame físico Uma forma também incomum é a deficiência da 11-~-
devepesquisar a presença de galactorréia, hirsutismo, acne, hidroxilase, que se caracteriza por elevadas concentrações
acantosis nigricans, clitoromegalia, genitália ambígua, bó- de deoxicorticosterona e ll-deoxicortisol. A pubarca pre-
cio,anemia, tremores de extremidade, peso, altura, tensão coce pode ser a manifestação mais precoce da síndrome
arteriale avaliação do estado geral e nutricional. dos ovários polidsticos (SOP). Em um estudo realizado
Temos recomendado a conduta expectante a pacien- em nosso meio com 28 meninas apresentando pubarca
tescomirregularidade menstrual sem outros sinais ou sin- precoce, foi diagnosticado 6 casos (21,42%) de hiperpla-
tomasclínicos associados e com idade ginecológica inferior sia adrenal congênita forma não-clássica por deficiência
a 2 anos. Por outro lado, recomendamos a avaliação em da 21-hidroxilase. Em cinco meninas (83,33%), a dosa-
pacientescom irregularidade menstrual, se idade gineco- gem basal de 170HP foi normal e o diagnóstico somente
lógicasuperior a 2 anos ou, em qualquer idade ginecoló- pôde ser confirmado após o teste funcional com ACTH
gica, se ocorrerem manifestações clínicas de alguma (Accetta, 2002; Accetta, 2004). Para a investigação da sín-
patologiaassociada (ver Tabela 4.1). drome de Cushing, a determinação da cortisolúria de 24
Convém lembrar que o primeiro passo frente a um horas é a forma mais fidedigna e prática. Na suspeita des-
atrasomenstrual é afastar uma gestação. Na investigação sa entidade, deve-se ter pelo menos duas ou três medidas
de uma irregularidade menstrual na adolescência, são consecutivas em urina de 24 horas, acompanhadas da
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dosagem de creatinina urinária para garantir a adequa- ores níveis de LH, relação LH: FSH, testosterona e an-
ção da coleta. Outro instrumento é o teste de supressão drostenediona e pode ser um sinal preditivo de SOP (Her-
noturna com dexametasona, 1 mg VO, às 23 horas, e do- ter, 1995; Herter, 1996).
sagem de cortisol sérico às 8 horas da manhã seguinte. A hiperprolactinemia está freqüentemente associa-
Essa dosagem deve ser inferior a 5 g/dL. As dosagens su- da a baixos níveis de gonadotrofinas e pode ter causa pa-
periores a esse valor indicam necessidade de investigação tológica (adenomas, hipotireoidismo), farmacológica
suplementar. (metroclopramida, estrogênios, anticoncepcionais orais,
Em 1990, foi elaborado um consenso do Instituto sulpirida, fenotiazidas, haloperidol, reserpina, metildopa,
Nacional de Saúde dos Estados Unidos, estabelecendo os inibidores da MAO, anfetaminas, cimetidina) e idiopáti-
critérios diagnósticos para síndrome dos ovários policísti- ca. O diagnóstico é realizado por meio de pelo menos duas
cos (SOP), conforme Tabela 4.3. dosagens matinais de pool de prolactina acima de 25 ng/
A SOP costuma apresentar níveis séricos de LH ba- mL. Essas pacientes comumente apresentam amenorréia
sal elevado, relação LH: FSH igualou maior que 2 ou 2,5: e galactorréia.
1, androgênios elevados, prolactina elevada em 30% dos Embora o sangramento anovulatório seja a causa da
casos e teste explosivo ao estímulo do GnRH. Os níveis maioria dos casos de adolescentes admitidas por sangra-
basais de LH 6 mUllmL tiveram valor preditivo positivo mento intenso (Claessens, 1981), devemos lembrar que
de 92% para um teste explosivo ao estímulo endovenoso os distúrbios de coagulação constituem a segunda causa
com 200 mg de GnRH em pacientes hirsutas e no nosso mais comum de menstruações exageradas na adolescên-
meio foram considerados de bom valor preditivo para o cia. As adolescentes que requerem hospitalização por san-
diagnóstico de SOP (Oppermann, 1993). Os microcistos gramento intenso têm coagulopatia subjacente em até 19%
ovarianos na ultra-sonografia são muito freqüentes prin- das vezes. Quando há anemia importante associada à me-
cipalmente em meninas na perimenarca e vão diminuin- trorragia, esse número chega a 28%, A doença de von
do com o passar dos anos. Esses microcistos representam Willebrand e a púrpura trombocitopênica imune são as
apenas um estado de anovulação provavelmente por ima- patologias mais freqüentes nesses casos (Claessens, 1981).
turidade do eixo hipotálamo-hipófise e não podem ser Nas pacientes com sangramento intenso, podemos
considerados como sinônimo de ovários policísticos, Com solicitar os exames citados na Tabela 4.4.
freqüência, esses ovários contendo microcistos são deno- O hipotireoidismo está associado à menorragia, en-
minados de ovários microcísticos ou multifoliculares. Além quanto o hipertireoidismo está geralmente associado à
disso, a hiperplasia do estroma é um sinal identificado amenorréia (Strickland, 2003).
mais freqüentemente na ultra-sonografia transvaginal e As infecções genitais, incluindo as DSTs (doenças sexu-
dificilmente observado em meninas virgens que realizam almente transmissíveis), podem estar associadas com san-
ultra-sonografias pélvicas. Outro sinal a ser observado é o gramento anormal. Comparadas a mulheres adultas, as
volume ovariano, que costuma estar aumentado nas paci- adolescentes têm maior risco de contrair DSTs.As adolescen-
entes com SOP.Entretanto, os limites do ovário normal e tes usuárias de ACO (anticoncepcional oral) com sangramento
do ovário aumentado não estão claramente definidos. A intermenstrual têm infecções por clamídia mais freqüente-
presença de ambos os ovários com mais de 10 cm3 em mente do que adolescentes com padrão de sangramento nor-
adolescentes com distúrbio menstrual foi associada a mai- mal, É importante manter um alto índice de suspeição para

TABELA 4.3 Critérios diagnósticos de SOP e critérios prováveis de SOP

Critérios diagnósticos de SOP Critérios prováveis de SOP

Hiperandrogenismo Resistência insulínica

Disfunção menstrual Relação LH/FSH elevada


Evidência clínica de hiperandrogenismo Ovários policísticos na ultra-sonografia
Exclusão de hiperplasia adrenal congênita
DSTsem adolescentes com sangramento anormal e as cultu- fluxo menstrual em 30 a 50% dos casos. O danazol tam-
ras do canal endocervical devem ser solicitadas. bém é eficaz na redução do fluxo menstrual, mas apre-
A ultra-sonografia pode auxiliar nos diagnósticos de senta efeitos androgênicos. Os análogos do GnRH são
cistos, pólipos, tumor, abortamento, processos inflamató- muito eficazes, pois provocam uma amenorréia hipotalâ-
rios, e outras patologias da pelve. A curetagem uterina mica. Entretanto, esses fármacos, por serem caros e pro-
não deve ser o método usual para a avaliação e tratamen- duzirem uma pseudomenopausa, devem ser reservados
to em adolescentes, mas reservada a casos especiais. para casos refratários e situações como hepatopatia e ne-
fropatia. O uso de agentes antifibrinolíticos (ácido trane-
Tratamento xâmico, ácido aminocapróico) também pode ser indicado,
mas tem seu uso limitado pelo risco de trombose (Accet-
ta, 2000). São fármacos muito efetivos em diminuir a per-
Nos casos de adolescentes com irregularidade da sanguínea, mas os efeitos colaterais de náuseas,
menstrual devido à imaturidade do eixo vômitos, cefaléia e dor abdominal limitam seu uso na ado-
hipotálamo-hipófise em que o sangramento lescência (Choung, 1996).
não apresenta maiores preocupações, Nos casos em que se identifica uma causa orgânica,
podemos adotar a conduta expectante e a o tratamento deve ser dirigido à patologia de base.
reavaliação periódica. Os glicocorticóides são particularmente eficazes na
hiperplasia adrenal de início tardio.
Nos casos de pacientes muito jovens, portadoras de
Nas pacientes que apresentam fluxo aumentado e SOP e com alterações clínicas leves, pode-se iniciar o tra-
prolongado, pode-se optar pelo uso de acetato de medro- tamento com medroxiprogesterona 10 mg na segunda fase
xiprogesterona ou noretisterona 10 mg VO uma vez ao do ciclo menstrual. Nos casos mais graves, pacientes mais
dia do 142 (ou 162) ao 252 dia do ciclo menstrual por um velhas ou que desejam anticoncepção, pode-se prescrever
período aproximado de 3 meses (Choung, 1996). Não in- o anticoncepcional oral e/ou antiandrogênios.
dicamos o uso precoce de contraceptivos orais ou medi- Estudos em mulheres adultas com SOP vêm mos-
cações que associam estrogênio e progesterona em trando que o tratamento com metformin reduz a hiperin-
pacientes muito jovens com fluxo pouco intenso. Reser- sulinemia e a hiperandrogenemia, independentemente de
vamosessa medida para os casos mais graves ou refratá- mudanças no peso corporal (Moghetti, 2000). A restaura-
rios ao tratamento com medroxiprogesterona. ção dos ciclos ovulatórios também vêm sendo demonstra-
Outras vezes, encontramos pacientes que, após ci- da em adolescentes em uso do metformin (Ibanez, 2001).
closlongos, apresentam sangramento intenso. Nessas me- Esse fármaco parece útil no decréscimo dos efeitos fisio-
ninas, pode-se usar a medroxiprogesterona nas mesmas patológicos da hiperinsulinemia e da resistência insulíni-
dosesjá citadas, quando a paciente apresentar ciclos mens- ca na SOP.Devido ao risco significativo de intolerância à
truais superiores a 45 dias para a profilaxia de sangra- glicose e diabetes tipo 2 em adolescentes com SOP (Pal-
mentos profusos. Os antiinflamatórios não-esteróides mert, 2002), uma triagem com teste de tolerância oral à
(AINEs)são descritos como agentes capazes de reduzir o glicose deve ser preconizado. O tratamento com metfor-

TABELA 4.4 Exames solicitados para pacientes com sangramento intenso

Se tempo de sangramento alterado, incluir:

Hemograma Fator de von Willebrand

Ferritina Atividade do fator de von Willebrand


TSH Ristocetina C

Provas de coagulação: plaquetas, fibrinogênio,


tempo de protrombina, tempo de tromboplastina
parcial ativada e tempo de sangramento
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min deveria ser iniciado em adolescentes com diabetes uso do DIU, mio matos e, estenose cervical, pólipo endo~
tipo 2 e seriamente considerado naquelas com intolerân~ metrial, tumor anexial, tuberculose genital, compressões
cia à glicose ou hiperinsulinemia severa. Os clínicos de~ vasculares por tumores e retroversão uterina, As malfor~
vem atentar para o fato de que a mudança no estilo de mações ginecológicas obstrutivas também podem causar
vida é a intervenção mais efetiva (Knowler, 2002) e que, dismenorréia. Pacientes com massa pélvica cística e mal~
apesar de os estudos com o metformin serem promisso~ formações urológicas devem ter sua pelve avaliada por
res, existe um pequeno número de pacientes estudadas ultra~sonografia, tomografia ou ressonância magnética
para endossar seu uso em todas as pacientes com SOP para afastar hematocolpo e/ou hematossalpinge.
(Stafford, 2002), As prostaglandinas apresentam um importante pa~
A obesidade é uma alteração importante a ser trata~ pel na patogênese da dismenorréia. A via cicloxigenase
da em qualquer mulher hiperandrogênica, já que aumen~ do metabolismo do ácido aracdônico produz prostaglan-
ta a resistência insulínica e reduz a proteína carreadora dinas (PGE, PGD e PGF), tromboxane e prostaciclinas.
dos hormônios sexuais (SHBG), Cerca de metade das Essas substâncias produzem hipercontratilidade uterina,
mulheres adultas com SOP são obesas e muitas apresen~ que causa isquemia e conseqüente dor.
tam distribuição central de gordura corporal. Essa condi~
ção freqüentemente tem origem na adolescência. Manifestações c1inicas
A terapêutica das amenorréias hipotalâmicas é o tra~
A dismenorréia primária costuma apresentar -se nos
tamento do fator causal: redução do exercício físico nas
primeiros 6 a 12 meses após a menarca, quando os ci-
esportistas, aumento do peso nas pacientes com perdas
clos ovulatórios são estabelecidos, A duração da dor é
ponderais exageradas, tratamento de tumor, etc. O risco
geralmente de 48 a 72 horas, Habitualmente, a dor ini-
de osteoporose nos casos de amenorréia com baixo nível
cia junto ou após o sangramento, podendo ocasional-
de estrogênios é uma preocupação pertinente. A reposi~
mente se manifestar algumas horas antes do mesmo, O
ção com estrogênios e progesterona deve ser realizada
exame físico é normal. A dor costuma ceder com anal-
nos casos de amenorréia persistente ou quando a causa
gésicos comuns,
básica não pode ser removida, embora persistam contro~
A dismenorréia secundária tem uma patologia como
vérsias a respeito (Robinson, 2000).
causa básica. O desconforto álgico costuma iniciar com a
Dismenorréia menarca ou anos após. Podem-se identificar queixa de
início súbito, febre, tumor abdominal, corrimento vagi-
A dismenorréia, ou menstruação dolorosa, correspon~ nal, infertilidade, dispareunia, sangramento menstrual
de a uma sÍndrome caracterizada habitualmente por dor excessivo, etc, Ao exame físico, podem-se observar massa
em cólica no abdome inferior associada ao fluxo mens~ anexial, útero retroversofletido, endocervicite, aumento
trual. Ocasionalmente é descrita como dolorimento ou uterino, presença de DIU.
peso no hipogástrio, podendo irradiar~se para a região A endometriose é uma entidade pouco freqüente na
lombar ou até a raiz das coxas. Podem associar~se náuse~ adolescência, mas não deve ser subestimada, Devemos
as, diarréia ou cefaléia, A dismenorréia é uma queixa co~ suspeitar de endometriose quando a dor não cede com o
mum em adolescentes: 59,7 a 79,6%. É uma causa tratamento convencional e/ou quando é do tipo surda,
freqüente de abstenção escolar, pois em alguns casos a contínua, progressiva, pré ou intramenstrual. O útero pode
dor é extremamente forte. ser fixo e retroversofletido com mobilização dolorosa, fun-
do-de-saco vaginal doloroso ou nodular e imagens ultra-
sono gráficas suspeitas,
A dismenorréia pode ser classificada em Em adolescentes com história de dor pélvica crônica,
primária (ausência de patologia subjacente) um estudo reporta uma incidência de até 25% de endome-

j
ou secundária (presença de patologia triose (Kontoravdis, 1999), Em pacientes não-responsivas
subjacente). ao ACO e AINEs, a prevalência pode chegar a 70%, justifi-
cando a laparoscopia nesse grupo (Laufer, 1997).

Causas secundárias são menos comuns e geralmen~


Avaliação
te podem ser descartadas por meio de anamnese e exame
físico cuidadosos, Entre as várias causas destacam~se en~ Na maioria das vezes, uma boa história e exame
dome trios e, doença inflamatória pélvica, varizes pélvicas, físico podem realizar o diagnóstico de dismenorréia pri-
ROTINAS EM GINECOLOGIA

mária. Na presença de achados clínicos sugestivos de os dias de sangramento, sem aumentar o sangramento de
causa orgânica, são solicitadas ultra-sonografia, cultu- escape, sendo uma boa opção para dismenorréias de difí-
ras endocervicais ou laparoscopia de acordo com a sus- cil tratamento, independentemente da etiologia (Miller,
peita clínica. 2001).

Tratamento
Os objetivos do tratamento de adolescentes
Em pacientes com dismenorréia primária, deve-se com endometriose são o controle sintomático,
ter o cuidado de explicar a causa da dor. Muitas pacientes a prevenção da progressão da doença e a
sentem-sealiviadas ao entender o motivo das cólicas mens-
preservação da fertilidade.
truais e optam por medidas gerais quando a dor é leve.
Entre as medidas gerais, recomendam-se repouso, bolsa
de água quente no baixo ventre e estímulo aos esportes. Tratamentos mais complexos para casos de endome-
O tratamento medicamentos o da dismenorréia primária triose resistentes fogem ao objetivo deste capítulo, porém
pode utilizar antiinflamatórios não-esteróides (AINEs) e vale mencionar que as adolescentes estão mais vulnerá-
contraceptivos orais. Boas opções são o naproxen sódico, veis aos efeitos a longo prazo dos agonistas do GnRH,
550 mg, VO, 12/12 horas, ou o ácido mefenâmico, 500 principalmente no que tange à perda de densidade óssea.
mg,VO,8/8 horas. Para que se obtenham melhores resul- Dessa forma, Black e colaboradores (2002) advogam con-
tados, esses fármacos devem ser administrados logo no siderar a terapia com estrogênios conjugados (ou equiva-
iníciodo fluxo e mantidos por dois ou três dias. As maio- lentes) concomitante ao uso de análogo (add -back therapy),
rescontra-indicações dos AlNEs são a presença de úlcera bem como a suplementação com cálcio.
gastrintestinal e hipersensibilidade à droga. O útero é pra-
ticamente insensível ao ácido acetilsalicílico, por isso essa
medicação é pouco utilizada na dismenorréia, além de REFERÊNCIAS
poder aumentar o sangramento uterino.
°contraceptivo oral, entre outras vantagens, pode
ACCETTA,S.G. Pubarca precoce isolada ou associada à hiperplasia
tambémaliviar a dismenorréia. A melhor explicação para
adrenal congênita não clássica em meninas: parâmetros clínicos
essebenefício é a diminuição da síntese de prostaglandi- e endocrinológicos. 2002. 74f. Dissertação (Mestra do em Clíni-
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é um ponto chave (Black, 2002). A primeira linha de tra- Am. 1. Obstet. Gynecol., v. 39, n. 3, p. 277-280, 1981.

tamentosão os ACOs e os AlNEs. O uso contínuo de ACO DE LA PARRA,L; ARRIGHI, B. Evaluacion dei porcentaje de tejido
graso en el ano anterior de Ia menarca: estudio comparativo de
é uma estratégia para diminuir a dor em endometriose, adolescentes en premenarca y com ciclos regulares. Rev. Soe.
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deros dias de uso de ACO (28 dias para 49 dias), man- FINLAY,R; JONES, R. Precocious Puberty (letter to the editor). Pe-
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GINECOLOGIA INFANTO-PUBERAL: PUBERDADE E MENARCA, DISTÚRBIO MENSTRUAL ..

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Capítulo 7

Síndrome pré-menstrual
Maria Celeste Osório Wender, Fernando Freitas,
Beatriz Valiati, Solange Garcia Accetta e Luciana Silveira Campos

A síndrome pré-menstrual (SPM) é um distúrbio crônico QUADRO CLíNICO


que ocorre na fase lútea do ciclo menstrual e desaparece
logoapós o início da menstruação. Ela caracteriza-se por Os sintomas da síndrome pré-menstrual são muitos
umacombinação de sintomas físicos, psicológicos e com- e variados, sendo citados mais de cem sintomas físicos,
portamentais que interferem de forma negativa nas rela- psicológicos e comportamentais associados. Os sintomas
ções interpessoais da mulher. A SPM, quando leve ou psicológicos mais freqüentes são ansiedade, irritabilida-
moderada,caracteriza-se por apresentar os sintomas pou- de, depressão, labilidade de humor, sentimento de desva-
cosdias antes do fluxo e com interferência menor na vida lia, insônia ou aumento de sonolência, diminuição da
cotidiana. Porém, quando os sintomas são intensos, ela memória, confusão, concentração diminuída e distração.
costuma ocorrer com freqüência a partir da ovulação, As queixas físicas comuns incluem cefaléia tensional, en-
durando mais ou menos 14 dias e cessando a partir do xaqueca, mastalgias, aumento do volume abdominal, do-
primeirodia do fluxo. Entre 3 e 5% das mulheres têm res generalizadas, aumento de peso, fogachos, tonturas,
sintomas muito intensos, provocando interferência nas náuseas, palpitação e cansaço. Entre as mudanças de com-
suasatividades diárias, o que se constitui na forma severa portamento, são comuns mudanças nos hábitos alimen-
da SPM:distúrbio disfórico pré-menstrual (DDPM). tares, aumento de apetite, avidez por alimentos específicos
(particularmente doces ou comidas salgadas), não-parti-
cipação em atividades sociais ou profissionais, maior per-
EPIDEMIOLOGIA manência em casa, aumento de consumo de álcool e
aumento ou diminuição da libido.
A ausência de critérios de consenso para definir esta
síndromejustifica, pelo menos em parte, a discrepância
nosdados de prevalência encontrados na literatura. Acre- ETIOLOGIA
dita-seque até 90% das mulheres apresentam sintomas
pré-menstruais.Porém, alguns estudos demonstraram que A etiologia da SPM permanece desconhecida e por
20 a 40% das mulheres sofrem de SPM e que, delas, 3 a isso muitas hipóteses têm sido propostas, porém nenhu-
5% apresentam sintomas intensos - DDPM - (Pearls- ma delas pode ser comprovada. Há consenso de que seja
tein; Stone, 1998). A maioria das publicações associa a secundária à atividade cíclica ovariana. A menstruação
SPMàs mulheres adultas, porém Hargrove encontrou 18% em si não é fundamental, visto que os sintomas se man-
dasjovens entre 13 e 15 anos com sintomas importantes têm após histerectomia. Parece ser conseqüência de uma
deSPM.Sabe-se que o fato de a mãe apresentar SPM au- interação complexa e pouco compreendida entre hormô-
mentao risco de a filha também ser sintomática. Mais do nios esteróides ovarianos, peptídeos opióides endógenos,
queos fatores genéticos, os fatores socioculturais prova- neurotransmissores centrais, prostaglandinas, sistemas
velmenteestejam envolvidos. autonômicos periféricos e endócrinos.
~~ SíNDROME PRÉ-MENSTRUAL

A cidicidade ovariana parece criar uma vulnerabili- litos. Como o complexo receptor GABAé o maior sítio de
dade inicial para a síndrome pré-menstrual ao modular ação dos benzodiazepínicos, especula-se que alterações
vários fatores endócrinos. Segundo Magos (1990), seria o no sistema gabaérgico induzi das por progesterona pos-
resultado final da influência das várias modificações fisi- sam estar envolvidas na pato gênese da síndrome.
ológicas que normalmente acompanham a atividade cí- Novas hipóteses para o mecanismo dessa doença
dica ovariana em mulheres suscetíveis. surgiram com o uso dos inibidores da recaptação da sero-
Estudos comprovaram que não há alteração na do- tonina (ISRS). As pacientes apresentam melhora dos sin-
sagem sérica dos hormônios sexuais das mulheres com tomas a partir do primeiro ciclo e parece que os melhores
SPM, quando comparadas às mulheres normais (grupo- resultados são com o tratamento intermitente, caracterís-
controle). tica de resposta a essas medicações única dessa síndro-
Estudos anteriores sugeriram que a progesterona me. Isso sugere que a via serotoninérgica esteja envolvida
teria uma produção deficiente na síndrome pré-menstrual, na patogênese da SPM. Outra evidência indireta de que a
porém estudos controlados demonstraram ausência de via serotoninérgica esteja envolvida são os estudos de
diferença na dosagem de E2, progesterona, LH, FSH, concordância em gêmeas em relação aos sintomas de SPM
SHBG, DHEA-S, DHT, prolactina e cortisol entre o grupo e uma correlação de sintomas de SPM com episódio de-
de pacientes e o grupo-controle. Não existe diferença tam- pressivo maior nesses grupos.
bém nos níveis de magnésio, zinco, vitamina A, vitamina
E, tiamina e vitamina B6•
Os opióides endógenos também podem estar envol- DIAGNÓSTICO
vidos na SPM. O nível de ~-endorfinas sérico aumenta na
metade da fase lútea, sendo indetectáveis no período pré-
menstrual. As endorfinas podem afetar o humor. Choung Os quadros sintomáticos pré-menstruais
(Chihal, 1990) demonstrou que mulheres com síndrome podem ser compreendidos como um
pré-menstrual têm níveis menores de ~-endorfinas do que espectro, em um extremo estando a maioria
mulheres-controle normais, embora outros estudos apre- das mulheres, que apresenta algum
sentem resultados divergentes. Esses achados levam al- desconforto pré-menstrual, e no outro, o
guns autores a crer que a SPM seja uma síndrome de re- DDPM.
tirada de opióides.
Alguns trabalhos têm demonstrado níveis anormais
de precursores de prostaglandinas no soro de mulheres Observa-se uma grande discrepância entre os dados
com síndrome pré-menstrual, quando comparadas a mu- obtidos retrospectivamente pelas pacientes e aqueles ob-
lheres normais. Jacubowicz demonstrou níveis séricos tidos de maneira prospectiva, por meio dos registros diá-
menores de PGEl, PGE2 e PGF2a em mulheres com sín- rios por todo um ciclo menstrual. Portanto, é fundamental
drome pré-menstrual, comparadas com o grupo-controle. o registro dos sintomas, prospectivamente, por, no míni-
Entretanto, ainda não se identificou o exato desequilíbrio mo, dois ciclos. Este é considerado o padrão-ouro para
de prostaglandinas que estaria envolvido na etiologia da obter-se o diagnóstico; em especial quando se trata de
SPM. Embora se saiba que as prostaglandinas interagem pesquisas. Uma variedade de calendários (registros diá-
com os neurotransmissores do sistema nervoso central rios) é usada para a documentação das alterações, como
(SNC), os dados a respeito do papel das prostaglandinas o de Reid (Prospective Record of the Impact and Severity of
na síndrome ainda são contraditórios e inconsistentes. Menstrual Symptoms Calendar), o de Moos (Moos Mens-
Alguns estudos não-controlados indicam que o me- trual Distress Questionnaire - MDQ) e o PAF (The Pre-
tabolismo de ácidos graxos essenciais pode estar alterado menstrual Assessment Form) , porém nenhum deles é o ideal
na SPM. Nutrientes como a piridoxina, o magnésio, o zin- para uso tanto na clínica como nas pesquisas devido à sua
co, a niacina e o ácido ascórbico aumentam a conversão extensão. Alguns questionários possuem em tomo de 95
dos ácidos graxos em PGEl. Apesar disso, o papel dos itens para serem preenchidos. Em 1991, um grupo da
precursores dos ácidos graxos essenciais também perma- Universidade de Minnesota validou, a partir do PAF,o
nece indefinido. Shortened PremenstrualAssessment Form com 10 itens (Sha-
Outro neurotransmissor, o ácido gamabutírico (GABA), ron; Collen; Phyllis, 1991). Talvez com o tempo ele venha
interage com os hormônios esteróides. Os níveis de GABA a suprir essa lacuna diagnóstica. Independentemente de
são afetados pelos níveis de progesterona e seus metabó- qual registro se utilize, o importante é que haja uma in-
ROTINAS EM GINECOLOGIA

tensificaçãode ao menos 30% nos sintomas no período car tratamento médico e poderiam se beneficiar dos tra-
pré-menstrual. tamentos indicados para DDPM (Tabela 7.1). O critério
Alguns autores postulam que os quadros disfóricos de exigência de cinco sintomas do DSM-IV é arbitrário e
pré-menstruais constituem um espectro de anormalida- tem a limitação de minimizar os sintomas físicos, restrin-
des.Em um extremo estão a maior parte das mulheres no gindo a um número pequeno de pacientes o diagnóstico,
menacme, que apresenta algum desconforto, principal- e possivelmente dificultando a compreensão fisiopatoló-
mentefísico, durante o período pré-menstrual. No outro gica da doença. Entretanto, não existem orientações para
extremoestá o DDPM, que representa a forma mais gra- a quantificação do que é "grave" ou "moderado" em rela-
veda SPMe é classificada segundo os critérios do DSM- ção ao compromentimento na qualidade de vida da pacien-
IV.Os critérios do DSM-IV são bastante rigorosos, te nesse período. Não existe uma quantificação objetiva
incluindoneles apenas 5% da população com sintomas, que determine o que seja uma SMP clinicamente impor-
valorizando principalmente os sintomas emocionais em tante, a ponto de requerer tratamento, mas o principal
detrimento dos físicos. Infelizmente, a maioria das paci- seria a presença de sintomas que desaparecem após a
entesque procura atendimento médico está no meio do menstruação que sejam incômodos a ponto de requerer
caminhoentre esses dois critérios e há necessidade de tratamento e que comprometam o funcionamento habi-
padronização do diagnóstico. tual da mulher. Existe uma tendência na literatura de ca-
O diagnóstico da SPM deveria incluir uma determi- racterizar a DDPM a partir dos sintomas emocionais e
naçãoda periodicidade dos sintomas em relação ao ciclo reservar a SPM para aquelas pacientes com sintomas pre-
menstrual,uma mudança significativa na severidade dos dominantemente físicos.
sintomaspré e pós-menstruais e ausência de sintomas fora O diagnóstico diferencial com transtornos psiquiá-
doperíodo pré-menstrual. Embora muitas mulheres não tricos crônicos é muito importante e deve ser feito prin-
preenchamos critérios do DSM-IV para DDPM, elas apre- cipalmente quando o diagnóstico de distúrbio disfórico
sentamuma gravidade de sintomas suficiente para bus- pré-menstrual for considerado. Sabe-se há muito que al-

TABELA 7.1 Critérios para o diagnóstico de distúrbio disfórico pré-menstrual - Diagnostic and Statisticai
Manual of Mental Disorders, 4ª edição (DDPM)

A. Pelo menos cinco dos seguintes sintomas presentes a maior parte do tempo durante a fase lútea e que
começam a desaparecer após a menstruação; pelo menos um sintoma dos quatro iniciais.
1. Humor marcadamente deprimido, sentimentos de desesperança e pensamentos de baixa auto-estima;
2. Ansiedade, tensão, nervosismo;
3. Labilidade emocional extrema (ficar subitamente triste, chorosa ou suscetível à rejeição);
4. Raiva ou irritabilidade persistentes, ou aumento dos conflitos interpessoais;
5. Diminuição do interesse nas atividades usuais (escola, trabalho, amigos, hobbies, etc.);
6. Sensação subjetiva de dificuldade de concentração;
7. Letargia, cansaço fácil ou falta de energia;
8. Mudança no apetite, comer em excesso ou craving;
9. Hipersonia ou insônia;
10. Sensação subjetiva de estar "fora de controle";
11. Outros sintomas físicos como edema, mastalgia, cefaléia, mialgias, artralgias, ganho de peso.
B. Os sintomas são graves o suficiente para interferir no trabalho, na escola ou nas atividades sociais e no
relacionamento com outras pessoas (evitação das atividades sociais, diminuição da produtividade e
eficiência no trabalho e na escola).
C. O distúrbio não é uma exacerbação de sintomas existentes de outra doença como depressão maior,
transtorno do pânico, distúrbio distímico ou transtorno de personalidade (embora possa estar
superajuntado a qualquer um deles).
D. Os critério A, B, C precisam ser confirmados prospectivamente com registros diários por pelo menos dois
ciclos (o diagnóstico pode ser feito provisoriamente até que seja confirmado.

Adaptada de Miner e colaboradores, 2002.


SíNDROME PRÉ-MENSTRUAL

gumas pacientes com patologias psiquiátricas apresen- seu lugar no tratamento dos sintomas pré-menstruais.
tam exacerbação dos seus sintomas durante o período Ainda que essas medidas careçam de estudos para deter-
lúteo. minar seu real papel no tratamento da SPM, são extrema-
Não existe marcador biológico para a sÍndrome pré- mente válidas como orientação global de saúde e devem
menstrual, de modo que seu diagnóstico é clínico. É im- ser recomendadas aos pacientes.
portante salientar que existem patologias clínicas com A complementação com progestagênio foi avaliada
sintomas semelhantes aos da SPM e que devem ser exclu- por vários estudos duplo-cegos controlados com placebo.
Ídas, tais como doenças da tireóide, adrenal, hiperprolac- Nenhum mostrou melhora significativamente superior à
tinemia, sÍndrome da fadiga crônica, fibromialgias, causada pelo placebo, ou seja, muitas das pacientes que
sÍndrome do cólon irritável e anemias. Exames laborato- utilizam progestagênio e que referem melhora da sinto-
riais poderão ser realizados excepcionalmente quando for matologia da sÍndrome pré-menstrual podem estar se be-
necessário afastar outras patologias. neficiando somente do efeito placebo. Em uma metanálise
de 2001, há uma melhora estatisticamente significativa
dos sintomas pré-menstruais comparados com placebo,
TRATAMENTO mas essa melhora é tão pequena que foi considerada cli-
nicamente irrelevante, e os autores concluíram que não
existem evidências que corroborem o uso dos progestagê-
nios nos quadros de SPM.
Mesmo pacientes que não preencham os
Um estudo recente avaliou a eficácia do danazol
critérios do DSM-IV para DDPM podem se
durante a fase lútea no manejo da SPM e da mastalgia
beneficiar do tratamento.
cíclica. Esse estudo foi o que teve o maior número de
mulheres incluídas e, embora o danazol tenha se mostra-
do eficaz no alívio da mastalgia, não houve melhora esta-
o manejo inicial consiste em educação e orientação. tisticamente significativa nos sintomas da SPM no grupo
As pacientes e seus familiares devem conhecer as caracte- tratado com danazol, em relação ao grupo placebo.
rísticas da sÍndrome pré-menstrual, pois ela é uma pato- Os diuréticos têm sido muito usados para tratar as
logia endócrino-ginecológica de causa incerta e não pacientes com sÍndrome pré-menstrual, particularmente
proveniente da imaginação da mulher. Apoio médico, aquelas com queixas de retenção líquida, ganho de peso e
empatia, discussão e paciência parecem ser bastante úteis. aumento de volume abdominal. Na fase lútea do ciclo, a
O desconhecimento da causa da SPM se reflete no grande progesterona inibe o efeito da aldosterona no túbulo dis-
número de tratamentos (mais de 300 opções) descritos tal, porém esse fenômeno ocorre indistintamente nas pa-
na literatura. Apesar disso, a maioria carece de evidênci- cientes com e sem sÍndrome pré-menstrual. Dos ensaios
as, sendo que poucos estudos foram realizados com a clínicos controlados com placebo, somente dois demons-
metodologia adequada. traram benefício com o uso do diurético. Portanto, eles
As modificações dietéticas são amplamente indica- têm um papel limitado como tratamento, sendo mais in-
das, apesar de não terem sido avaliadas em grandes tra- dicados para mulheres com queixas de aumento do volu-
balhos controlados. Recomenda-se que as pacientes devam me abdominal e edema periférico pré-menstrual. A
alimentar-se de forma equilibrada - proteínas, fibras e espironolactona 50 a 100 mgldia é o diurético mais utili-
carboidratos adequados e baixa ingestão de gorduras sa- zado.
turadas; alimentos muito salgados ou muito doces devem Os anticoncepcionais orais eliminam a ciclicidade
ser evitados por poderem produzir retenção hÍdrica e con- ovariana e poderiam ter eficácia terapêutica, principal-
seqüente desconforto. Bebidas como café, chá e à base de mente para aquelas mulheres com dismenorréia e mas-
cola devem ser evitadas, pois são estimulantes, podendo talgia pré-menstrual, embora os resultados na literatura
agravar a irritabilidade, a tensão e a insônia. Também o sejam controversos e não haja evidência de que possam
álcool e outras drogas podem piorar os sintomas psicoló- aliviar os sintomas pré-menstruais. Uma possibilidade seria
gicos. Muitas mulheres obtêm alguma melhora com mo- a tomada de contraceptivo oral contínuo. Um novo con-
dificações dietéticas, por isso o aconselhamento nutricional traceptivo contendo 30 11 de etinilestradiol e 3 mg de um
é um componente da terapia. O exercício aeróbico pode novo progestagênio, a drospirenona, tem sido preconiza-
elevar os níveis de endorfinas e com isso melhorar o hu- do como eficaz no tratamento dos sintomas pré-menstru-
mor. Várias evidências reforçam que a atividade física tem ais. A drospirenona é um progestagênio derivado da
ROTINAS EM GINECOLOGIA

espironolactona com propriedades progestogênicas, mi- Há um grande número de estudos documentando


neralocorticóides e antiandrogênicas e sem atividade es- esse efeito, e os ISRS mais estudados são a fluoxetina e a
trogênica e androgênica. A atividade antimineralo- sertralina. A sertralina pode ser utilizada em doses entre
corticóidecontrabalançaria o efeito de retenção hídrica 50 e 150 mg. A fluoxetina é geralmente utilizada em do-
presentenos anticoncepcionais combinados de baixa dose ses de 20 mg e parece não haver uma melhora nos sinto-
epoderiacombater os sintomas de edema, ganho de peso mas com o aumento da dose, mas há um considerável
e mastalgia associados ao período pré-menstrual. Em al- aumento nos paraefeitos. Uma possibilidade é o uso da
gunsestudos abertos, sem randomização, houve uma di- fluoxetina ou da sertralina na segunda fase do ciclo, a
minuição dos sintomas pré-menstruais. Importante partir do 152 dia, pois os estudos sugerem melhores re-
salientarque os ensaios clínicos controlados com placebo sultados com o uso intermitente dessa medicação. Uma
documentamuma resposta importante com uso do place- metanálise da biblioteca Cochrane selecionou 15 ensaios
bo.Existemdois estudos duplo-cegos randomizados des- clínicos randomizados avaliando os receptores da recap-
critos na literatura, demonstrando melhora de alguns tação da serotonina (fluoxetina, sertralina, citalopram,
sintomas. paroxetina e fluvoxamina) comparados com placebo, in-
Os inibidores das prostaglandinas também fazem cluindo ao todo 844 pacientes com o diagnóstico de DDPM.
partedo arsenal terapêutico, principalmente nas pacien- Houve uma melhora significativa dos sintomas emocio-
tescom queixa de dismenorréia ou dores generalizadas nais e dos sintomas físicos com as medicações. O único
noperíodopré-menstrual. O ácido mefenâmico (doses de trabalho que isoladamente não detectou diferença entre
250 a 500 mg, 3 vezes ao dia) deve ser usado no período o grupo de tratamento e placebo foi com fluvoxamina.
de manifestações clínicas. Os efeitos colaterais mais co- Alguns desses trabalhos usaram medicação intermitente,
munssão náuseas, diarréia, azia e rash cutâneo. Napro- também com resultados positivos.
xenosódico (250 mg, 8/8 h), rofecoxib ou celecoxib Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina
tambémsão boas opções. apresentam um perfil bastante seguro, não havendo efei-
Uma metanálise avaliou vários estudos randomiza- tos residuais após a interrupção da medicação. Existe um
doscontrolados com placebo em relação à vitamina B6. estudo demonstrando que a fluoxetina está associada a
Nesseestudo, houve uma melhora global dos sintomas uma alteração de mais ou menos quatro dias no compri-
comvitamina B6 de maneira estatisticamente significati- mento dos ciclos menstruais. As alterações na função se-
va,masos autores fizeram a ressalva de que a qualidade xual dificultam a aderência ao tratamento e, para as
dosensaiosclínicos era baixa e que, embora pareça haver pacientes que apresentarem esses sintomas, o citalopram
umamelhora dos sintomas com o tratamento, mais estu- (10 a 30 mgldia) apresenta um perfil de paraefeitos me-
dossão necessários para determinação do efeito da vi- nor e é eficaz no tratamento da SPM. Pode ser usado de
taminaB6. Em doses superiores a 200 mgldia, há o risco forma intermitente e seu maior inconveniente é o custo.
deneuropatia e a atual recomendação para o tratamen- O uso das medicações de forma intermitente pode tornar
toda SPMseria de doses entre 50 e 100 mg. os efeitos colaterais mais toleráveis. No tratamento dos
Existem algumas evidências indiretas de que distúr- quadros depressivos, os ISRS apresentam uma demora na
biosna regulação do metabolismo do cálcio estejam en- apresentação dos seus efeitos, mas nos quadros disfóricos
volvidosna fisiopatologia da SPM. Um estudo avaliou a pré-menstruais a melhora dos sintomas pode ocorrer mes-
suplementaçãode 1.200 mg de cálcio elementar, contro- mo na semana seguinte a do início da medicação. Para
ladacom placebo por três meses, verificando uma redu- pacientes hesitantes em usar medicação durante toda a
(ãosignificativados sintomas no grupo tratado. fase lútea, uma outra possibilidade é a fluoxetina de lon-
ga ação, tomada duas vezes durante a fase lútea. Aparen-
temente parece não haver diferença na efetividade dos
05 inibidores seletivos da recaptação da ISRS para a DDPM em usuárias e não-usuárias de contra-
serotonina (ISRS) são atualmente a primeira ceptivo oral. Uma análise secundária em um estudo com-
escolhapara o tratamento do DDPM e parando a eficácia da sertralina comparada com placebo
acredita-seque possam ser prescritos para as para os sintomas de DDPM não localizou diferença de res-
formasmais graves de SPM, mesmo que não posta entre usuárias e não-usuárias de contraceptivo oral.
preenchamos critérios do DSM-IV. Existem outros estudos controlados mostrando me-
lhora dos sintomas com antidepressivos de outras classes
__ SíNDROME PRÉ-MENSTRUAL

como a venlafaxina. Como os ISRS são bem-estudados, profissional de saúde mental para receber tratamen-
têm seus efeitos positivos bem-documentados e podem to concomitante.
ser usados apenas na fase lútea, constituem-se na primei- 4. Embora as respostas com os ISRS costumem ser rá-
ra escolha, baseado nas melhores evidências disponíveis pidas, a orientação atual, ainda que careçam de evi-
atualmente. dências científicas, é que um ISRS seja tentado por
Sedativos como os benzodiazepínicos (alprazolam pelo menos três ciclos antes que outra alternativa
0,25 mg, 2 vezes ao dia na fase lútea) fazem parte dos seja tentada. Embora nenhuma evidência corrobore
recursos terapêuticos da síndrome pré-menstrual e são essa recomendação, tendo em vista o perfil extre-
comprovadamente eficazes, mas é preciso levar em conta mamente seguro dos ISRS, a segunda opção seria
os riscos de dependência e a rápida tolerância induzida um outro fármaco do mesmo grupo.
por essas medicações. Esses estariam indicados em situa-
ções de extrema ansiedade, sempre com muito critério. Evidências em medicina complementar
Outra opção terapêutica eficaz - ainda que extre-
ma - são os agonistas do GnRH. Por provocar uma cas-
Estudos sugerem que a maioria das pacientes
tração médica, os sintomas da síndrome pré-menstrual
utiliza alguma forma de medicina
melhoram significativamente. Como o medicamento ne-
complementar, mesmo quando satisfeitas com
cessita ser usado por tempo prolongado, pode-se provo- seus tratamentos.
car aumento do risco de osteoporose à paciente. Além
disso, em geral há queixa de fogacho e atrofia urogenital.
É importante salientar que a SPM tem uma melhora
Há uma infinidade de tratamentos descritos para
conhecida com placebo. Um estudo se propôs a avaliar
a SPM, a maioria deles sem um grupo-controle. As abor-
esse fenômeno e detectou uma melhora sustentada (3 a 4
dagens em terapia complementar são extremamente po-
meses) em 20% das pacientes e uma melhora em pelo
pulares e existem estudos indicando que mulheres
menos um ciclo entre 30 e 49%. Esse dado deve ser leva-
portadoras de SPM fazem uso de medicina complemen-
do em conta na avaliação da resposta das pacientes.
tar para alívio dos seus sintomas, mesmo quando estão
recebendo alguma medicação e estão satisfeitas com ela.
Um dos poucos estudos controlados na literatura foi rea-
RECOMENDAÇÕES
lizado com cápsulas de castanha-da-índia (Vitex agnus
castus) comparado com placebo, demonstrando melhora
1. Nos dois ciclos em que a paciente preenche os seus
dos sintomas superior ao placebo. O grande problema
diários para adequada avaliação dos sintomas, ela
desse estudo foi que o diagnóstico de SPM era realizado
pode ser orientada a iniciar as medidas dietéticas e
de forma retrospectiva. Uma metanálise localizou 27 es-
a atividade física e um teste terapêutico pode ser
tudos controlados em medicina complementar. A maioria
realizado com carbonato de cálcio ou vitamina B6,
deles apresentava problemas meto do lógicos, e a conclu-
levando em conta a segurança dessas medicações nas
são dos autores foi de que atualmente não existe evidên-
doses adequadas. Vale salientar que alguns suple-
cia corroborando o uso de medicina complementar/
mentos multivitamínicos apresentam doses de vita-
alternativa para o tratamento da SPM.
mina B6 por volta de 600 mg/dia, doses no mínimo
seis vezes maiores do que a que seria indicada.
2. Caso seja feito o diagnóstico de DDPM ou os sinto- REFERÊNCIAS
mas de SPM sejam, a critério clínico, graves o sufici-
ente para requerer tratamento e não tiver havido APTER, D. et aI. Effect of na oral contraceptive containing drospire·
resposta com vitamina B6 ou cálcio, a escolha seria none and ethinylestradiol on general well-being on general well-

um ISRS na fase lútea. Como a determinação do dia being and fluid-related syndrome. Eur. 1. Contracep. Reprod.
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da ovulação é pouco prática, a paciente pode ser
CH!HAL, H.J. Premenstrual syndrome: an update for the clinician.
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em que a menstruação é esperada. DEUSTER, P.A.; ADERA, I; SOUTH-PAUL, J. Biological, social, and
3. Caso haja a suspeita de qualquer patologia psiquiá- behavioral factors associated with premenstrual syndrome. Arch.

trica associada, a paciente deve ser encaminhada ao Fam. Med., v. 8, n. 2, p. 122-128, 1999.
ROTINAS EM GINECOLOGIA

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Capítulo 8

Sangramento uterino anormal


Fernando Freitas, João Sabino L. da Cunha Filho, Cristina Luce Glitz,
Beatriz Valiati e Maria Celeste Osório Wender

o sangramento uterino anormal (SUA) é um evento de PADRÕES ANORMAIS DE


fisiopatologia variável. É uma das queixas mais comuns SANGRAMENTO
em consultórios de ginecologia, acometendo todas as fai-
xas etárias, desde a adolescência até a perimenopausa. • Polimenorréia: freqüência igualou menor ou igual a
Estima-se que, das pacientes com SUA, 50% estejam ao 21 dias.
redor dos 45 anos de idade e 20% sejam adolescentes. A • Oligomenorréia: freqüência maior ou igual a 35 dias.
história anterior da paciente, suas características mens- • Hipomenorréia: fluxo escasso.
truais, que constituem o seu padrão individual de sangra- • Menorragia/hipermenorréia: volume superior a
mento, é o que leva o médico a definir o sangramento 80 mL ou sangramento superior a 7 dias, intervalos
como normal ou anormal. regulares.
• Metrorragia: sangramento em intervalos irregula-
res, mas freqüentes, com volume e duração variáveis.
o SUA é um sintoma e não um diagnóstico; • Menometrorragia: sangramento prolongado ocorren-
por isso, o estabelecimento de sua causa do em intervalos irregulares.
específica permitirá um tratamento • Sangramento intermenstrual: sangramento entre ci-
apropriado. clos regulares.

Para uma melhor compreensão deste capítulo, suge- SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL
re-se a leitura prévia do capítulo sobre ciclo menstrual
normal. A etiologia do sangramento uterino anormal pode
ser dividida em duas grandes categorias: orgânica ou dis-
funcional (ou endocrinológica). As causas orgânicas de
PADRÕES NORMAIS DE SANGRAMENTO SUA são discutidas em outros capítulos e serão aqui bre-
vemente citadas. No Quadro 8.1, encontram-se os princi-
• Quantidade: perda sangüínea em torno de 40 mL pais diagnósticos diferenciais de SUA.
(25 a 70 rnL). Os exames laboratoriais serão solicitados de acor-
• Duração do fluxo: 2 a 7 dias. do com a história e a suspeita clínica, podendo orien-
• Freqüência dos fluxos: entre 21 e 35 dias. tar o diagnóstico em direção a uma ou outra causa espe-
cífica.
Obs.: O mais importante é a queixa de mudança de padrão, pois,
em geral, uma paciente apresenta os mesmos parâmetros durante As causas ginecológicas vaginais ou cervicais podem
toda a sua menacme. ser identifica das pelo exame especular ou colposcópico.
ROTINAS EM GINECOLOGIA

QUADRO 8.1 Diagnóstico diferencial do sangramento uterino anormal

Gestação e situações relacionadas Doenças sistêmicas Doenças ginecológicas


Descolamento de placenta Hiperplasia adrenal e Cushing Doença inflamatória
Gestação ectópica Discrasias sangüíneas pélvica
Abortamento Coagulopatias Neoplasias
Placenta prévia Hepatopatias Benignas:
Doença trofoblástica Supressão hipotalâmica adenomiose, pólipos,
Estresse, perda de peso, leiomiomas
atividade fisica excessiva Pré-malignas:
Adenoma de hipósife ou neoplasia intra-epitelial
hiperprolactinemia cervical
Síndrome de ovários policísticos hiperplasia endometrial
Medicamentos e causas iatrogênicas Nefropatia Malignas:
Anticoagulantes Doenças da tireóide colo, endométrio,
Antipsicóticos ovariano produtor de
(orticosteróides estrogênios ou
Ervase outros suplementos testosterona,
(ginseng, ginko) leiomiossarcoma
Terapiade reposição hormonal Trauma ou corpo estranho
Anticoncepcional oral combinado Sangramento uterino
Inibidores da recaptação disfuncíonal
de serotonina
Tamoxifeno
Hormônio tireóideo

o sangramento de origem uterina pode necessitar, além


Deve-se sempre ter em mente o diagnóstico
doexamefísico, de métodos complementares de diagnós-
de gestação, pois a causa mais comum de um
tico,como histeroscopia, amostragem endometrial e ou-
trosadiante comentados. sangramento de início abrupto e anormal é
uma gestação não-diagnosticada.

SANGRAMENTO UTERINO
DISFUNCIONAL Também é de vital importância o diagnóstico de
coagulopatias em crianças e adolescentes, responsáveis
Por definição, é a perda sangüínea oriunda da ca- por 20% dos casos de SUA nessa faixa etária, principal-
vidadeuterina e de origem endometrial, na ausência de mente púrpura trombocitopênica idiopática, apesar da
doençasorgânicas, atribuída às alterações nos mecanis- principal causa ainda ser a anovulação.
mosneuroendócrinos que controlam a menstruação. É, As três principais categorias de sangramento endo-
portanto,um diagnóstico de exclusão, podendo ser fei- metrial disfuncional são:
tosomentequando todas as causas orgânicas forem afas-
tadas.Manifesta-se mais freqüentemente como uma 1. Sangramento por deprivação estrogênica: ocorre
hemorragiauterina irregular e fora dos padrões normais após ooforectomia bilateral, irradiação de folículos
dapaciente. maduros ou descontinuação de estrogenioterapia em
Normalmente está associado à função ovariana anor- paciente ooforectomizada. Sangramento no meio do
male anovulação, podendo, porém, ocorrer em ciclos ovu- ciclo pode ser conseqüência da queda pré-ovulató-
latórios. ria de estrogênio.
I~_ SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

2. Sangramento por disruptura (breaktrough) estrogê-


nica: o endométrio está excessivamente proliferado,
no que tange a sua interrupção (ou queda), tanto em al-
tos quanto em baixos níveis.
conseqüente a altos níveis de estrogênio e apresen- Além desses, o sangramento uterino anormal pode
tando vascularização insuficiente. Iniciam-se, então, decorrer da atrofia endometrial. É causado pela desca-
pequenas áreas de necrose focais, diferentes da ma- mação irregular do endométrio, na presença de níveis
neira universal que ocorre na menstruação normal. muito baixos de estrogênio.
O modelo de deprivação estroprogestativo, caracte-
rístico da menstruação, quando estrogênio e proges-
terona são interrompidos ao mesmo tempo, é DIAGNÓSTICO DE SANGRAMENTO
acompanhado de um sangramento regular, tanto na UTERINO ANORMAL
quantidade quanto no intervalo e na duração, apro-
ximadamente em todo o endométrio, simultanea- A abordagem deve ser sempre direcionada para ofe-
mente. No sangramento por disruptura estrogênica, recer à paciente uma avaliação diagnóstica custo-efetiva
há uma relação entre a quantidade de estrogênio es- e minimamente invasiva, proporcionando um tratamento
timulando o endométrio e o tipo de sangramento que direcionado a cada caso.
será produzido. Baixos níveis de estrogênio levam a Deve-se proceder à anarnnese e ao exame físico de-
um sangramento irregular, tipo spotting. Os altos ní- talhados e a exames laboratoriais que possam fazer o
veis de estrogênio sustentam longos períodos de diagnóstico diferencial de SUA.Na anamnese, é muito im-
amenorréia, geralmente seguidos de sangramentos portante detalhar a história menstrual, a duração e o vo-
profusos com perda excessiva de sangue. lume do fluxo, bem como intervalos intermenstruais e
3. Sangramento por disruptura progestogênica: só ocor- mudança de padrão. O sangramento ovulatório caracteri-
re na presença de alta relação progesterona/ estro- za-se por fluxos abundantes em ciclos regulares, podendo
gênio. Na ausência de estrogênio, a terapia acompanhar-se de sintomas de SPM. O sangramento ano-
continuada com progesterona levará a sangramento vulatório geralmente não se associa a sintomas de SPMe
intermitente de duração variável, similar ao do es- ocorre de forma imprevisível.
trogênio. Esse tipo de sangramento está associado Os exames laboratoriais estão indicados quando hou-
ao uso de progestagênios de longa duração (injetá- ver suspeita clínica de doenças relacionadas (TSH, pro-
veis e implantes). A progesterona é o hormônio res- vas de coagulação, plaquetas, provas de função hepática,
ponsável pelas características normais e constantes prolactina). Ver Figura 8.1.
do fluxo endometrial, e só é capaz de produzir san-
gramento por deprivação hormonal quando já hou-
ver um certo grau de proliferação endometrial por Chamamos a atenção para o fato de que o
atividade estrogênica prévia. Isso porque o estro- diagnóstico de SUD pode ser exclusivamente
gênio é responsável também pela formação dos re- clínico, dependendo da sintomatologia
ceptores de progesterona, a qual, em grandes quan- associada e da faixa etária.
tidades, é responsável pelo retrocontrole negativo
sobre seus próprios receptores e os de estrogênio.

Ultra-sonografia
Outro tipo de sangramento é o ocasionado por de-
privação progestogênica, como na remoção do corpo lú- É um dos primeiros passos diagnósticos que permite
teo, que leva à descamação do endométrio. Pode ser avaliar a espessura da lâmina endometrial, assim como o
simulado administrando e após retirando progesterona miométrio, a forma e o volume uterino e dos anexos. Con-
ou análogo sintético. Como já mencionado anteriormen- segue determinar com alguma precisão pólipos, miomas
te, só haverá sangramento por deprivação progestogêni- submucosos e tumorações.
ca se houver ação prévia estrogênica sobre o endométrio. Um estudo que avaliou 1.415 pacientes submetidas
Mesmo mantendo o estrogênio, haverá sangramento se for à dilatação e curetagem (Anastasiadis et aI., 2000), entre
retirada a progesterona. Isso só não ocorrerá se a concen- 23 e 85 anos, que previamente haviam realizado ultra-
tração de estrogênio for 10 a 20 vezes superior à normal. sonografia (US) transvaginal por SUA, demonstrou que o
Haverá, portanto, sangramento sempre que existir procedimento tem valor diagnóstico limitado para pólio
desequilíbrio entre esses dois hormônios, principalmente pos e hiperplasia em pacientes pré-menopáusicas, enquan-
ROTINAS EM GINECOLOGIA _

História e exame físico

Gestação?

Manejo obstétrico Causas iatrogênicas?


[

Ajustar medicamento Causa sistêmica?

Tratamento específico Suspeita de patologia


do trato ginecológico?

Investigação Presumir sangramento


uterino disfuncional

FIGURA 8.1 Sangramento uterino anormal em idade reprodutiva.

to nas pós-menopáusicas tem mais sensibilidade e especi- pondem a tratamento medicamentos o, é um método com-
ficidade. Nesse mesmo estudo, 157 pacientes foram sub- plementar custo-efetivo como teste inicial (Medverd et
metidas à histerossonografia (SIS - saline infusion aI., 2002).
sonohisterography) e comparadas ao ultra-som transvagi-
na!e à curetagem, este demonstrando ser um método mais H isterossonografia
sensívele específico que a US transvaginal para a detecção
dessetipo de lesão. Método introduzido na década de 90. Trata-se de
Considera-se ponto de corte a US endometrial na pós- instilação de solução salina durante US transvaginal, cha-
menopausa de 0,5 cm de espessura para determinar a mada também de SIS (saline infusion sonohisterography).
necessidade de outro método diagnóstico (Grio et aI., Permite clara visão do complexo endometrial, podendo
1999). Na pré-menopausa, o ponto de corte fica em torno diferenciar uma patologia endometrial focal de uma glo-
de 1,2 cm. bal. A SIS foi objeto de uma série de ensaios clínicos, que
Em média, a sensibilidade da ultra-sonografia trans- comprovaram sua maior sensibilidade para a detecção de
vaginal é de 90%, mas sua especificidade pode ser tão anomalias endometriais.
baixa quanto 30% (Valenzano et aI., 1999). Em particu- Foi realizado um estudo prospectivo, cego, que ava-
lar,além de pólipos e hiperplasia, a US transvaginal tam- liou 39 pacientes por SUA, que realizavam US transvagi-
bémnão tem boa acurácia para diagnosticar adenomiose nal, após SIS cega, e depois eram submetidas ou à histe-
comsensibilidade de apenas 30%, chegando a uma espe- roscopia ou à histerectomia. Em nenhum caso a SIS fa-
cificidadede até 100% (Kim et al., 2000). A US tem maior lhou em diagnosticar a condição patológica, sendo que
sensibilidade (96%) na detecção de adenocarcinoma en- uma SIS normal sempre foi compatível com achados trans
dometrial (Tabor et aI., 2002). ou pós-operatórios normais (Williams et al., 1998). Em
Em pacientes com baixo risco para adenocarcinoma outro estudo, foi avaliada a sensibilidade da SIS em rela-
endometrial, com sangramento anormal e que não res- ção à US transvaginal: 93 e 90% respectivamente (Valen-
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

zano et a!., 1999). A maior sensibilidade da histerossono- de 100 e 99% e da biópsia por Pipelle 24 e 10% em 375
grafia se dá principalmente em lesões focais nas quais a pacientes.
cavidade uterina, o volume e as margens da lesão são
melhor visualizadas. As alterações endometriais difusas Citologia endometrial
tornam-se particularizadas, bem como nos casos de en-
Originalmente descrita para detecção precoce do
dométrio atrófico e em pacientes usuárias de tamoxifeno
adenocarcinoma endometrial. É um procedimento sim-
nas quais a US transvaginal tem valor limitado.
ples, seguro e de baixo custo, realizado em consultório,
Em metanálise que considerou 24 estudos publica-
podendo ser indicado na investigação inicial do sangra-
dos entre 1992 e 2002, envolvendo 2.278 procedimentos
mento pós-menopáusico. Só deve ser valorizado nos ca-
(que foram bem-sucedidos em 95% das pré-menopáusi-
sos de positividade para células malignas.
cas e 87% das pós-menopáusicas), a sensibilidade na de-
tecção de patologias uterinas variou de 80 a 100% e a
Curetagem uterina
especificidade, de 50 a 100% (De Kroon et a!., 2003).
Uma proposta é realizar a medida endometrial por É um método diagnóstico e muitas vezes terapêuti-
US transvaginal, e reservar a SIS para pacientes que te- co. Assim como a biópsia de endométrio, não fornece
nham espessura endometrial > 5 mm ou alguma anor- amostra endometrial adequada, subestimando principal-
malidade intracavitária visualizada ao US transvaginal mente os miomas submucosos, pólipos, hiperplasias e car-
(Vries et a!., 2000). cinomas focais. Apesar de fornecer maior quantidade de
material que a BE aspirativa, necessita geralmente de anes-
Biópsia de endométrio tesia geral, o que aumenta muito seus riscos e custos, não
compensados pela sensibilidade e especificidade baixas
A avaliação histológica é o padrão-ouro para o diag-
desse exame. No entanto, muitas vezes é um dos últimos
nóstico de patologias endometriais. A maneira como a
recursos terapêuticos em sangramentos volumosos e agu-
biópsia é realizada, no entanto, modifica completamente
dos, ou na tentativa de conservar o útero.
o valor do exame.
Um estudo comparou dilatação e curetagem com
É enfática a necessidade de amostragem endometri-
achados histeroscópicos em 131 pacientes pré-menopáu-
al, e vale lembrar que não é a idade da paciente que guia-
sicas com SUA, sendo que o procedimento de curetagem
rá a indicação de uma biópsia de endométrio (BE), e sim
não teve valor diagnóstico estatisticamente significativo
o tempo de exposição a um ambiente hiperestrínico ao
tanto para a presença quanto para a ausência (valor pre-
qual a paciente ficou exposta. Então, pacientes de 35 a 40
ditivo positivo e negativo) de anormalidades na cavidade
anos devem realizar BE, assim como pacientes mais jo- uterina.
vens com hiperestrinismo e queixas de SUA (SOP' ovários
androgênicos, etc.) ou ainda pacientes de baixo risco que
H isteroscopia
não respondem ao tratamento medicamentoso.
Geralmente é realizada às cegas, por aspiração com É considerado exame de escolha para avaliação da
cânulas pequenas e flexíveis, cateter de Pipelle ou cureta cavidade uterina, pois, além da visualização direta do
de Novak. A principal desvantagem desse método é que endométrio e da cavidade, permite biópsia dirigida, po-
não fornece uma amostragem de todo o endométrio, po- dendo ser também terapêutica na medida em que permi-
dendo lesões focais passarem despercebidas. Nos casos te a excisão de pólipos, mio mas e sinéquias e a realização
em que há forte suspeita de malignidade, um resultado de ablação endometrial.
histológico negativo não deve interromper o seguimento A histeroscopia diagnóstica pode ser realizada sem
da investigação. A vantagem é que pode ser realizada em anestesia, no consultório, com óticas menores e em nível
consultório, com baixo custo, sem anestesia e com boa ambulatorial, diminuindo assim os custos e minimizando
tolerabilidade da paciente, minimizando assim os riscos. os riscos para a paciente.
O método ideal é a biópsia endometrial dirigida por Nenhuma técnica disponível supera a sensibilidade
histeroscopia. O estudo de Pasqualotto e colaboradores e a especificidade da histeroscopia com biópsia dirigida
(2000) demonstrou a sensibilidade para pólipos e mio- (Cooper et a!., 2000).
mas respectivamente em US transvaginal de 74 e 39%, da Estudos mostram a alta taxa de concordância entre o
SIS de 96 e 96% e da histeroscopia com biópsia dirigida diagnóstico histeroscópico e o resultado anatomopatológi-
ROTINAS EM GINECOLOGIA __

codas biópsias dirigidas. Caserta e colaboradores (1999) TRATAMENTO NÃO-HORMONAL


avaliaram222 pacientes por histeroscopia e biópsia dirigi-
da e obtiveram 85% de concordância. Antiinflamatórios não-esteróides
No Serviço de Climatério do HCPA, 867 pacientes
Os AINEs têm importante ação na vasculatura endo-
climatéricasforam submetidas à histeroscopia diagnósti-
metrial e em sua hemos tas ia pela redução dos níveis de
ca entre 1995 e 2003. Dessas, 411 eram pré-menopáusi-
prostaglandinas no endométrio, inibindo a cicloxigenase,
cassem TH. As principais indicações para a realização do
enzima responsável pela conversão do ácido aracdônico
exameforam sangramento uterino anormal em 81,2% e
em prostaglandinas. São uma opção para pacientes que
espessamento endometrial ao ultra-som em 18,8%. O
têm ciclos ovulatórios com sangramento importante.
diagnósticomais comum foi sangramento uterino disfun-
Qualquer AINE inibidor da cicloxigenase 1 (indome-
cional (SUO) (71% das histeroscopias e 82% das BEs).
tacina, ibuprofeno, ácido mefenâmico, naproxeno, diclo-
Póliposendometriais e miomas submucosos foram os prin-
fenaco, ácido flefenâmico) ou da cicloxigenase 2 (rofe-
cipaisachados histeroscópicos, encontrados em 25,4%
coxib, celecoxib) pode ser utilizado igualmente, pois não
dessegrupo.
há evidência de superioridade de um sobre outro. Os mais
Atualmente, a histeroscopia cirúrgica é capaz de so-
extensamente estudados foram os fenamatos (ácidos me-
lucionarmuitos casos que, até então, tinham indicação
fenâmico, flufenâmico e meclofenâmico), com redução de
de histerectomia, principalmente em mulheres jovens e
22 a 46% do fluxo menstrual (Cameron et aI., 1990; Bon-
comprole incompleta.
nar et aI., 1996).

Antifibrinolíticos
TRATAMENTO DO SANGRAMENTO
UTERINODISFUNCIONAL O endométrio possui um sistema fibrinolítico ativo.
Um aumento nos níveis de ativadores de plasminogênio,
Muitas pacientes que apresentam pequenos sangra- grupo de enzimas que causa fibrinólise, tem sido encon-
mentosdisfuncionais não necessitam de tratamento, sen- trado no endométrio de mulheres com sangramento mens-
dosuficiente o esclarecimento da causa básica. trual aumentado. Os antifibrinolíticos inibem esses
O objetivo principal é restaurar o controle natural ativadores do plasminogênio. O ácido tranexâmico reduz
hormonal sobre o tecido endometrial, reestabelecendo o sangramento menstrual em média 50% e também deve
eventosendometriais sincrônicos, universais, com estabi- ser considerado como primeira opção no tratamento (Lee
lidadeestrutural e ritmicidade vasomotora. Na grande et aI., 2000). A redução do sangramento menstrual após
maioriados casos, o tratamento conservador hormonal é o tratamento com o ácido tranexâmico mostrou-se supe-
suficiente.O tratamento cirúrgico é a segunda opção, em rior à de outros tratamentos (antiinflamatórios não-este-
casode falha do tratamento clínico, quando este não é róides ou progestogênios orais na fase lútea). Os
bem-tolerado ou por opção da paciente. para efeitos gastrintestinais estão presentes em cerca de
um terço das pacientes e são dose-dependentes. O princi-
pal fator limitante ao seu uso é o receio de um aumento
Lembrar que um SUD recorrente, agravado ou da atividade trombótica, apesar da incidência de trombo-
persistente deve sempre levar o médico se ter se mostrado similar ao de não-usuárias (Rybo et aI.,
assistente a exames complementares na 1991) .
procura de patologia que possa estar
causando o sintoma. Pacientes com mais de
35 anos DEVEM ter o diagnóstico de TRATAMENTO HORMONAL
patologia endometrial excluído.
Progesterona e progestagênios

A progesterona tem sido usada comumente para con-


A Figura 8.2 apresenta um fluxograma aplicável às trole da menorragia. O seu uso está baseado no conceito
pacientesde acordo com a presença ou não de fatores de de que mulheres com menorragia apresentam ciclos ano-
riscopara carcinoma de endométrio. vulatórios, e a progesterona ajudaria a coordenar o san-
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

Sangramento uterino disfuncional presumido

1
Fatores de risco para carcinoma de endométrio:
anovulação crônica, obesidade, nuliparidade,
idade> 35 anos, diabetes melito, uso de tamoxifeno
I

Baixo risco para carcinoma Alto risco para carcinoma


de endométrio de endométrio

1 1
Tratamento clínico Investigação endometrial
I
~
Parada Sangramento
do sangramento continua

Observar Investigação
endometrial

FIGURA 8.2 Sangramento uterino disfuncional em idade reprodutiva com risco para carcinoma de
endométrio.

gramento quando utilizada na fase lútea. No entanto, di- significativa na quantidade de sangramento quando com-
versos estudos têm mostrado que mulheres com sangra- parado com os níveis pré-tratamento (Irvine, 1998).
mento menstrual excessivo apresentam ciclos ovulatórios
normais. O uso de progestágenos nessas pacientes persis- Anticoncepcional oral
te controverso (Oehler; Rees, 2003).
Existe uma grande variedade de formas de adminis- O anticoncepcional hormonal combinado reduz a
tração e dosagens, cada uma delas com eficácia diferente quantidade de sangramento nos casos de SUD. Um único
em situações clínicas distintas. O resultado de estudos estudo comparativo existente não mostrou diferença sig-
randomizados controlados mostra que o uso de progestá- nificativa entre o anticoncepcional hormonal, ácido me-
genos sintéticos tem sido largamente empÍrico (Oehler; fenâmico, danazol em baixa dose ou naproxeno. A indução
Rees, 2003). de atrofia endometrial parece ser o modo de ação dos
É difícil determinar o valor do uso de progestágenos ACOs na redução do sangramento.
sistêmicos para tratamento da menorragia, pois não exis- Não está claro se as doses muito baixas de etiniles-
tem estudos randomizados contra placebo, no entanto tradiol podem ser efetivas na redução do sangramento
vários estudos comparam o seu uso com outros tratamen- ou se algum tipo de progestagênio em particular é pre-
tos medicamentos os (Lethaby et aI., 2000). ferível. É uma opção muito boa quando a contracepção
O uso de progesterona dclica oral por curtos perío- é desejada. Deve-se lembrar que a idade superior a 35
dos (5 a 10 dias) tem se mostrado inefetivo em controlar anos, associada ao tabagismo, doença tromboembólica
sangramento uterino quando comparado aos AINEs, áci- prévia ou história familiar, contra-indica o uso de ACO,
do tranexâmico, danazol e mu com levonorgestrel (Oeh- assim como pacientes com enxaqueca (risco aumentado
ler; Rees, 2003). de acidente vascular cerebral- AVC).
O tratamento com noretisterona 5 mg, três vezes ao É possível que o uso do ACO continuadamente (sem
dia, do 5º ao 26º dia do ciclo, tem mostrado uma redução o intervalo de 4 ou 7 dias entre as cartelas) constitua-se
ROTINAS EM GINECOLOGIA __

emuma opção de tratamento (lembrando a falta de evi- É boa opção para pacientes com doenças sistêmicas,
dênciade qualidade até o momento). ou para pacientes com ciclos ovulatórios e sangramento
importante.
Estrogênios
Antiandrogênicos
O sangramento vaginal intermitente (spotting) está
freqüentemente associado a baixas doses de estrogênio, O danazol atua no eixo hipotálamo-hipófise-ovário
levandoa um mínimo estímulo endometrial: disruptura suprimindo a ovulação e levando à atrofia endometrial.
porestrogênio. Nessas circunstâncias, em que há uma fina Reduz em até 80% o fluxo e causa amenorréia com doses
camada de endométrio, a progesterona não tem efeito, diárias acima de 400 mg. Seu uso é muito limitado pela
poisnecessita de uma ação proliferativa estrogênica pré- ocorrência de paraefeitos androgênicos em até 75% dos
viapara atuar. casos, como: ganho de peso, acne e voz grave. Portanto,
Quando o sangramento é moderado, pode-se utili- tem pequeno espaço na terapêutica, exceto em pacientes
zarestrogênios conjugados (EC) 1,25 mg ou estradiol 2 aguardando cirurgia.
mgVO4/4 h por 24 h, e após EC 1,25 mg ao dia ou 2 mg A gestrinona tem efeito antiprogesterônico, anties-
deestradiol ao dia por 7 a 10 dias. trogênico e androgênico. Reduz o sangramento e provoca
Qualquer terapia estrogênica deve ser seguida por amenorréia em 50% das pacientes. Assim como com o
umacobertura progestagênica e um sangramento de de- danazol, o principallimitante ao uso são os efeitos andro-
privação. gênicos inaceitáveis pela maioria das pacientes.
As doses mencionadas, exceto 1 cp ACO ao dia, de-
vemser consideradas altas doses estrogênicas, e sua indi- Agonistas do GnRH
caçãodeve ser cuidadosamente estudada. Não há dados
disponíveisna literatura para quantificar o risco para even- Atuam por meio da inibição das gonadotropinas,
tostromboembólicos de tal terapia. Sugere-se que as pa- ocasionando um hipogonadismo. Podem levar à melho-
cientes com passado ou história familiar de eventos ra do sangramento a curto prazo em pacientes com in-
tromboembólicos não devam utilizá-Ia, e que as pacien- suficiência renal ou discrasia sangüínea, por exemplo.
tes com risco aumentado de eventos vasculares, porém Após transplantes, principalmente hepáticos, a toxici-
semhistória pregressa, possam utilizar baixas doses de dade das drogas faz o uso de hormônios esteróides pou-
estrogenioterapia. co desejável. Entretanto, seu alto custo e os efeitos
colaterais (menopausa medicamentosa) não os tornam
DIU com levonorgestrel praticáveis em terapias prolongadas, sendo reservados
a pacientes com SUD grave, que não respondem a ou-
O DIUcom levonorgestrel fornece quantidade cons-
tras terapias e que desejam ainda gestar no futuro. Se
tante do progestagênio diretamente ao endométrio,
essa for a escolha, após atingir a supressão gonadal (2 a
diariamente, suprimindo o crescimento endometrial.
4 semanas), é sugerido iniciar com TH (add-baek thera-
Aredução do fluxo menstrual em um estudo que o com- py), simultaneamente, para prevenir efeitos colaterais
parou a um inibidor das prostaglandinas e a um agen-
(fogachos, desmineralização óssea e alteração do perfil
te antifibrinolítico foi de 96% em 12 meses com o DIU
lipídico).
comlevonorgestrel. Algumas pacientes (l5 a 20% em
umano) tornaram-se amenorréicas, mas várias mulhe-
resapresentaram sangramento intermenstrual nos pri- TRATAMENTO CIRÚRGICO
meiros meses após a inserção. Este DIU teve eficá-
ciasuperior ao da noretisterona dclica (usada por 21
Ablação endometrial
dias/mês) no tratamento do SUD. Em comparação
à ablação endometrial, os resultados sintomáticos e a Indicada em casos de persistência ou agravamento
satisfação das pacientes foram semelhantes: 20% do sangramento apesar da terapia hormonal. Também
amenorréicas e 50% com fluxo significativamente re- deve ser considerada em pacientes que não desejam his-
duzido. terectomia ou não tenham condições clínicas para uma
Osprincipais paraefeitos são mastalgia e sangramen- cirurgia de tal porte. Tem por objetivo a destruição ou
tointermenstrual. Seu custo não é baixo, porém tem du- remoção da camada basal do endométrio, até 3 mm do
raçãode cinco anos. miométrio e pode ser realizada via histeroscopia ou não.
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

A ablação endometrial histeroscópica para coagula- ser o único procedimento que garante solução definitiva
ção ou vaporização do tecido pode ser realizada com la- para o sangramento anormal.
ser, radiofreqüência, energia elétrica ou térmica (ablação O Quadro 8.2 apresenta as possibilidades de trata-
endometrial de primeira geração). mento do SUD.
A ressecção endometrial eletrocirurgica é a mais re- Na Figura 8.3 apresentamos uma sugestão de abor-
alizada, com a utilização de ressectoscópio ou rollerball. dagem do sangramento uterino anormal de acordo com a
A redução do sangramento chega a 90%, com amenorréia faixa etária da paciente.
em 40 a 50% dos casos. O método requer cirurgião ex-
periente, pois o risco de perfuração uterina é maior com
esta técnica. Outras complicações são relacionadas à REFERÊNCIAS
absorção do meio de distensão (glicina ou sorbito!), com
sobrecarga hídrica, edema cerebral (0,14-4%). A ablação ANASTASIADIS,P.G.et aI. Endometrial polyps: prevalence, detec·
endometrial por laser ou rollerball tem menor taxa de com- tion, and malignant potential in women with abnormal uteri·
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os resultados foram melhores no grupo da ablação. Em outro randomised controlled trial of ethamsylate, mefenamic acid, and
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de ablação endometrial de segunda geração) pode ser
BRENNER,P.F Differential diagnosis of abnormal uterine bleeding.
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in pre- and postmenopausal women with abnormal bleeding or
que buscam fugir das complicações da histeroscopia ci-
suspect sonographic findings. Ultrasound Obstet. Gynecal., v. 9,
rúrgica. Como não são realizadas concomitantes à histe- n. 1, p. 53-58, Jan. 1997.
roscopia, é recomendada avaliação histológica do endo- CAMERON,LT. et aI. The effects of mefenamic acid and norethiste-
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DUNN, T.S. et aI. A key clinical pathway for the evaluation of wo·
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sário lembrar que a curetagem não é curativa e que os FREITAS,Fet alo Hysteroscopies in postmenopausal women at me·
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ROTINAS EM GINECOLOGIA

QUADRO 8.2 Sangramento uterino disfuncional: esquemas terapêuticos

Oligomenorréia • ACO
• Progestagênios de 2ª fase
Polimenorréia • ACO
• Progestagênios de 2ª fase (fase lútea curta)
• Estrogênios conjugados 0,625 mg do 3º ao 10º dia do ciclo (fase folicular
curta)
• TH seqüencial
Hipomenorréia • ACO
• TH seqüencial
Hipermenorréia • ACO
• Progestagênios de 2ª fase
Sangramento ovulatório • Estrogênios conjugados 0,3 ou 0,625 mg nos 5 dias antes do fluxo
previsto
• Estrogênios transdérmicos 50 J..lgpor uma semana
Menorragiaj metrorrag ia
Fase aguda • ACO: 2 a 4 cp ao dia nos primeiros 5 dias, 1 cp ao dia após
• TH seqüencial
• Estrogênios conjugados: 1,25 mg 2 vezes ao dia, por 3 dias; após, 1,25
mg do dia por mais 20 dias, e associar progestagênios nos últimos 10
dias
• Curetagem uterina: se não houver resposta ao tratamento clínico
• Se há sangramento volumoso com repercussão hemodínâmica
geralmente é necessário transfusão sangüínea
Manutenção • AINE
• Antifibrinolítico IV
• Progestagênio de 2ª fase
• DIU com progestagênio
• Danazol (2 mg ao dia)
• Gestrinona (2 cp por semana)
• Agonistas do GnRH
• Ablação endometrial

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SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

Excluir endocrinopatias
Excluir doenças hematológicas e SOP
(PRL e TSH)

Anticoncepcional hormonal combinado Anticoncepcional hormonal combinado


DIU com progesterona DIU com progestagênio
AINE
Estabilizador da fibrina

Excluir patologia endometrial


(anatomopatológ ico)

DIU com progestagênio


TRN
AINE
Estabilizador da fibrina

Não-resposta ao tratamento

Considerar ablação endometrial

FIGURA 8.3 Tratamento do sangramento uterino anormal.

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Capítulo 47

Amenorréias
Fernando Freitas, Eduardo Pandolfi Passos,
Carlos Augusto Bastos de Souza e Cristiano Caetano Salazar

Amenorréia é definida como a ausência de menstruação dores (1986) relataram que 12% dos casos resultaram de
no período da menacme, e é classicamente dividida em alterações ovarianas, 62% de causas hipotalâmicas, 16%
dois tipos: primária e secundária. Denomina-se ameno r- de problemas hipofisários e 7% de patologias uterinas.
réia primária a não-ocorrência de menarca aos 14 anos
de idade em meninas sem desenvolvimento de caracteres
sexuais secundários, ou aos 16 anos em meninas com de- INVESTIGAÇÃO
senvolvimento sexual normal. Amenorréia secundária é a
ausência de menstruação por seis meses ou por um perí- Todas as mulheres que buscam atendimento devido
do equivalente a três ciclos habituais, em mulher que pre- à amenorréia secundária deveriam iniciar investigação,
viamente menstruava (Speroff; Glass; Kase, 1999). ou no mínimo receber orientações adequadas, mesmo
Períodos menores de ausência de mênstruo são referidos antes de decorridos seis meses de ausência de mênstruo.
comumente como atraso menstrual. Fazem parte da avaliação inicial da amenorréia a anam-
A amenorréia pode ser fisiológica (gestação, lacta- nese cuidadosa e o exame Hsico completo. Informações
ção, menopausa) ou patológica (atraso do desenvolvimen- sobre estilo de vida, estresse e exercícios Hsicos, medica-
to puberal, pseudo-hermafroditismo, sinéquias uterinas), ções em uso, descontinuidade recente de contraceptivo
sendo apenas um sintoma de várias entidades clínicas pos- hormonal, história de manipulação uterina, infecção pél-
síveis. vica importante e doenças de sistema nervoso central po-
Para que ocorra o fluxo menstrual, é necessária a dem dirigir a investigação. Relatos de ondas de calor,
integridade do sistema reprodutor feminino, anatômica e secura vaginal e redução no volume das mamas ajudam a
fisiologicamente, dividido didaticamente em quatro "com- estimar a deficiência estrogênica.
partimentos": 1) a vagina, que deve ser patente para ex- Deve-se considerar a possibilidade de gestação, a exis-
teriorização do fluxo, e o útero, que além de patente deve tência de genitália anatomicamente normal, o estágio do
ter endométrio responsivo às variações hormonais cícli- desenvolvimento puberal e os estigmas de síndromes gené-
cas; 2) o ovário, que normalmente secreta estrógenos e ticas. A introdução de pipeta ou similar através do hímen
progestágenos, em resposta às gonadotrofinas; 3) a hipó- em pacientes sem atividade sexual, para verificar o compri-
fise anterior, que, como resposta ao hormônio liberador mento normal da vagina ou sua atresia, pode fazer parte da
de gonadotrofinas hipotalâmico (GnRH), secreta os hor- propedêutica inicial. Respeitada a individualização dos ca-
mônios folículo-estimulante (FSH) e luteinizante (LH), sos, geralmente não é necessário o toque retal sem ativida-
atuantes no ovário; e 4) o hipotálamo e o sistema nervoso de sexual por ser desagradável e de pouca informação
central (SNC), que representam o controle primário do ci- adicional quando comparado à ultra-sonografia pélvica.
clo menstrual, sofrendo influência endógena (esteróides A investigação das amenorréias classicamente segue
sexuais e outros hormônios, por mecanismos de feedbaek) e um "roteiro" didaticamente estabelecido, como veremos
também do ambiente externo. Em uma revisão de 262 pa- a seguir (Figura 47.1). Os "tempos" de investigação de
cientes com amenorréia secundária, Reindollar e colabora- amenorréia são uma orientação que não necessariamente
ROTINAS EM GINECOLOGIA

tem de ser seguida, pois depende do caso em estudo, da circulante: administram-se 5 a 10 mg de


experiência do médico e dos recursos técnicos e laborato- acetato de medroxiprogesterona (ou outro
riais colocados à sua disposição. A avaliação das pacien- gestágeno em dose equivalente) durante 7 a
tes com amenorréia primária está extensamente abordada 10 dias. Decorridos 2 a 7 dias do fim da
no Capítulo 43, '?\traso do desenvolvimento puberal". As administração, se ocorrer hemorragia de
informações a seguir referem-se especialmente aos casos privação, o teste é considerado positivo, e
de amenorréia secundária (ou casos de amenorréia pri- podemos concluir que: a) o trato genital é
mária em paciente com desenvolvimento sexual normal, competente; b) o endométrio se prolifera em
depois de descartada agenesia uterina), salvo quando aler- resposta aos estrógenos circulantes; c) o
tado no texto. ovário secreta estrógenos, que apresentam
níveis séricos normais (acima de 40 pg/mL); d)
Primeiro tempo hipófise e hipotálamo atuam conjunta e
adequadamente, estimulando a secreção
Costuma-se realizar o teste da progesterona, ovariana. Em outras palavras, um teste de
que verifica principalmente a patência do trato progesterona positivo diagnostica como
genital e a presença de suficiente estrogênio anovulação a causa da amenorréia.

Ciclo de estrógeno + progestágeno

I Causa uterina

Investigação adicional:
• teste de gravidez
• TSH, PRL
• neurolmagem
• cariótipo
Testedo GnRH Causa ovariana • doenças auto-imunes

FIGURA 47.1 Roteiro de investigação das amenorréias secundárias.


lI" AMENORRÉIAS

Como descrito adiante, as etiologias prováveis após Se não ocorrer fluxo, uma anormalidade no primeiro com-
uma prova de progesterona positiva são a síndrome dos partimento está diagnosticada. Caso ocorra menstruação,
ovários policísticos, a interferência de medicações, a per- pressupõe-se cavidade endometrial normal (apesar de
da de peso, o estresse ou exercícios físicos moderados, ou poder ocorrer sangramento de privação em alguns casos
a disfunção hipotálamo-hipofisária autolimitada sem causa de sinéquias uterinas) e passa-se ao tempo seguinte.
específica.
Caso não ocorra hemorragia de privação, o teste é Terceiro tempo
considerado negativo. Isso acontece por algum dos seguin-
Uma prova de progesterona negativa sem suspeita
tes motivos: a) gestação; b) obstrução nas vias de drena-
de manipulação/infecção uterina, uma resposta positiva
gem ou ausência de útero; c) inexistência de endométrio
(fluxo menstrual) ao teste com estrógenos e progestáge-
ou ausência de receptores endometriais para estrogênio
nos ou um nível sérico de estradiol abaixo de 40 pg/mL
(amenorréia primária); ou d) ausência de atividade es-
trogênica (hipogonadismo: estradiol abaixo de 30 ou 40 permite afirmar que existe um hipoestrinismo (hipogona-
pgJmL). Uma vez afastada a primeira possibilidade, pro- dismo), mas não identifica o estado das gonadotrofinas.
cede-se ao passo seguinte. Nesse tempo, avalia-se principalmente o resultado de FSH
Como comentado anteriormente, a prova de proges- plasmático (caso a dosagem de gonadotrofinas não tenha
terona é uma maneira indireta e clássica de determinar sido solicitada previamente, deve-se aguardar ao menos
duas semanas para coletá-Ias, devido aos efeitos de feed-
se há suficiente estrógeno para produzir proliferação en-
back negativo do estrógeno e progestágeno exógenos so-
dometrial; hoje em dia, entretanto, com a grande dispo-
bre o eixo hipotálamo-hipofisário).
nibilidade dos ensaios para estradiol sérico, o teste de
Se o FSH estiver elevado (acima de 30 mUlImL),
progesterona pode ter pouco valor, visto que uma coleta
única para verificar os níveis basais de determinados hor- existe um hipogonadismo hipergonadotrófico, que suge-
re um defeito funcional nos ovários (falência ovariana
mônios (estradiol, FSH, prolactina e hormônio estimulante
da tireóide/TSH) pode ser rapidamente elucidativa. O precoce, destruição gonadal). Se o FSH estiver baixo ou
teste é valido, sim, no sentido de reafirmar à mulher que normal, nos limites inferiores, temos um hipogonadismo
ela tem condições de menstruar novamente, que a secre- hipogonadotrófico, e a etiologia é hipotalâmica ou hipo-
fisária.
ção de estrógeno não é marcadamente reduzida (geral-
mente acima de 40 pg/mL), e que a causa da amenorréia
provavelmente não é tão séria. Preferimos atuar dessa Quarto tempo
forma em nosso serviço: conforme o quadro clínico, soli- Realiza-se o teste de estímulo com GnRH: adminis-
citamos já na primeira consulta os hormônios supracita- tra-se esse hormônio ou seu análogo, observando-se a res-
dos e procedemos à prova de progesterona somente após posta das gonadotrofinas hipofisárias (ver Capítulo 54,
a coleta. Assim, na reconsulta da paciente, podemos mais "Testes funcionais em endocrinologia feminina"). Se ocorre
agilmente confrontar os resultados basais desses hormô-
elevação de FSH e LH, o defeito situa-se no sistema córti-
nios com a resposta clínica ao progestágeno.
co-límbico-hipotalâmico (lesão do SNC ou adjacente, tu-
mores, medicações, hipotireoidismo, hiperprolactinemia,
Segundo tempo estresse/exercício/perda de peso severos); caso as gona-
dotrofinas continuem em níveis baixos, o problema é hi-
Serve para determinar se o fluxo menstrual é ausen- pofisário (tumores hipofisários ou nas adjacências,
te por inoperância dos órgãos-alvo ou por ausência de
isquemia).
proliferação endometrial induzida pelo estrogênio. Do
ponto de vista prático, em paciente com amenorréia se-
cundária sem história de infecção ou manipulação uteri- CAUSAS
na (que possa explicar a existência de sinéquias uterinas),
esse passo pode ser omitido.
Anovulação
Administra-se um estrógeno para induzir prolifera-
ção, seguido de um progestágeno para decidualização: A ovulação normal depende da coordenação dinâ-
por exemplo, estrógenos conjugados 1,25 mg/dia ou es- mica de várias ações complexas; diferentes alterações
tradiol 2 mgJdia por 21 dias, com adição de acetato de nesse mecanismo podem causar anovulia. Nesse caso, não
medroxiprogesterona 10 mg/dia nos últimos cinco dias. há formação de corpo lúteo, não há produção de proges-
terona, não ocorre transformação secretora do endomé-
ROTINAS EM GINECOLOGIA -I
norréia secundária, como craniofaringiomas, doença gra-
trio e, portanto, não há decidualização e menstruação. nulo matos a (tuberculose, sarcoidose) e seqüelas de ence-
Ocorre naturalmente nos primeiros anos de maturação falite (ver Capítulo 43, '~traso do desenvolvimento pube-
do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, em mulheres com ral"). Do mesmo modo, níveis elevados de prolactina (hi-
alterações em outros hormônios correlacionados (p. ex., perprolactinemia) podem causar amenorréia primária ou
hipotireoidismo), em climatéricas, esporadicamente em secundária, por uma ação direta no hipotálamo, reduzindo
mulheres na menacme, etc. A maioria dos casos de ano- a liberação do GnRH (Gross; Azevedo; Tavarone, 2001),
vulia tem como mecanismo central alguma disfunção hi- (ver Capítulo 48, "Hiperprolactinemia"). Além dos níveis
potalâmica, por vezes transitória, mas alterações ovarianas de prolactina, faz-se necessária a investigação de lesões cra-
e hipofisárias também são comuns (Stenchever et aI., manas por meio de tomografia ou de ressonância nuclear
2001). magnética (RNM) em casos de amenorréia hipotalâmica.
A maior parte das mulheres com anovulação crônica
enquadra-se na síndrome dos ovários policísticos (SOP),
um problema endocrinológico com disfunções em vários Um inventário das medicações utilizadas é
pontos do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (ver Capítu- essencial ao abordar a paciente com
lo 46, "Síndrome dos ovários policísticos"). Em geral, os amenorréia. Várias medicações de uso comum
níveis de LH estão tonicamente aumentados, bem como podem agir no hipotálamo, depletando a
os androgênios; a maioria das (mas não todas) pacientes circulação da dopamina (inibidor da secreção
apresenta sinais de hiperandrogenismo (hirsutismo, obe- da prolactina) ou ocupando seus receptores,
sidade, acne), além da amenorréia, e muitas têm subfer- resultando em hiperprolactinemia:
tilidade. Uma paciente amenorréica com normoestrinismo fenotiazinas, antidepressivos tricíciicos,
(estradiol acima de 40 pg/mL ou prova de progesterona opióides, benzodiazepínicos, haloperidol,
positiva) que apresenta à ultra-sonografia mais de 10 fo- hormônios femininos, metildopa, verapamil,
lículos em cada ovário provavelmente apresenta SOp,
~etociopramida, sulpirida, cimetidina, etc.
mesmo não se identificando hiperandrogenismo. Sugere-
se avaliar o nível sérico de testosterona e de sulfato de
deidroepiandorosterona para melhor caracterizar o qua- Quando o eixo hipotálamo-hipófise permanece blo-
dro clínico. Essas pacientes merecem atenção especial, pela queado por longo período de tempo, seja por fatores fisio-
associação mais freqüente com hiperplasia e carcinoma lógicos (gestação) ou medicamentos os (anticoncepção
de endométrio. hormonal), pode não haver o retomo imediato da função
O manejo da paciente com anovulação freqüente- hipotalâmica quando é cessado o bloqueio. Após o parto,
mente baseia-se na orientação e no manejo expectante, pode ocorrer amenorréia prolongada, mesmo na ausên-
conforme o período de vida da paciente e o quadro clíni- cia de lactação. Pode haver amenorréia após interrupção
co associado. Muitas vezes realizamos a prova de proges- do uso do anticoncepcional, sendo fisiológico até seis
terona para induzir a menstruação e tranqüilizar a meses após o último comprimido ou doze meses após a
paciente. Nos casos de anovulação crônica, a abordagem última injeção de medroxiprogesterona de depósito (Spe-
é mais específica, considerando o objetivo do tratamento: roff; Glass; Kase, 1999).
resolver a irregularidade menstrual, o hiperandrogenis- A atividade física intensa e constante pode provocar
mo ou a infertilidade. oligomenorréia ou amenorréia secundária. O estresse fí-
sico (bem como o emocional) aumenta os níveis sistêmi-
Causas hipotalâmicas cos de betaendorfinas e de catecolestrógenos, que inter-
ferem em substâncias que inibem o hipotálamo (Stenche-
Nas pacientes com amenorréia hipotalâmica, temos ver et aI., 2001). Dessa forma, é freqüente a ocorrência
uma prova de progesterona negativa, juntamente com de amenorréia em atletas e em mulheres que enfrenta-
níveis baixos das gonadotrofinas (hipogonadismo hipo- ram situações muito estressantes.
gonadotrófico), mas que se elevam após um teste com Mulheres com perda de peso ou restrição dietética
GnRH. importantes, como aquelas com desnutrição ou anorexia
As mesmas lesões anatômicas no tronco cerebral e nervosa, também podem ficar amenorréicas. Em indiví-
no hipotálamo que produzem amenorréia primária por duos com redução importante da gordura corporal, ob-
interferirem com a secreção de GnRH podem causar ame- serva-se uma redução na freqüência dos pulsos de LH,
AMENORRÉIAS

reflexo da diminuição ou ausência de secreção de GnRH sas condições é medicamentos o (reposição hormonal) e
(Stenchever et al., 2001). Em casos mais graves (bloqueio eventualmente cirúrgico ou radioterápico.
prolongado da liberação do hormônio hipotalâmico), pode
haver inclusive disfunção hipofisária concomitante, resul- Causas ovarianas
tando em uma prova do GnRH sem elevação de gonado-
trofinas. Modificações no estilo de vida (às vezes com ajuda Na investigação das amenorréias, as causas ovarianas
de tratamento psiquiátrico) e nutrição adequada são in- caracterizam-se por níveis basais elevados de FSH e LH,
dicadas para reverter a situação. mas níveis baixos de estradiol (verificados pela dosagem
Há mulheres com amenorréia secundária que não sérica do mesmo ou pela prova de progesterona negativa):
têm histórico de uso de medicações, não realizam exercí- assim, temos um hipogonadismo hipergonadotrófico.
cios extenuantes, não estão sob estresse, não perderam Os ovários podem deixar de produzir estrógeno sufi-
peso e que não apresentam nenhuma anormalidade nos ciente para o crescimento endometrial como resultado de
ovários, útero ou hipófise. Essas pacientes são designadas irradiação gonadal, quimioterapia sistêmica, infecção (p.
como portadoras de amenorréia hipotalâmica funcional, ex., abscesso tubo-ovariano), alterações no seu suprimento
ou disfunção hipotálamo-hipofisária de etiologia incerta sangüíneo (p. ex., após cirurgia pélvica, miomectomia)
- uma disfunção caracterizada pela perda das variações ou depleção de folículos (p. ex., após cistectomias bilate-
cíclicas que ocorrem normalmente nos pulsos de GnRH, rais). A amenorréia secundária resultante pode surgir
talvez como conseqüência da produção inadequada de dentro de períodos variáveis de tempo após tais eventos.
neurotransmissores do SNC (Stenchever et al., 2001). Essa Quando os ovários deixam de produzir estrogênios
condição é geralmente autolimitada e sem maiores preju- antes dos 40 anos de idade, temos uma falência ovariana
ízos à saúde, mas talvez demande algum tipo de controle prematura (FOP), ocorrendo em cerca de 1% das mulhe-
ou intervenção (indução da ovulação) quando se almeja res nessa faixa etária (Stenchever et al., 2001). Associa-
a reprodução. dos à amenorréia, sintomas climatéricos comumente
ocorrem (fogachos, secura vaginal, diminuição de libido),
Causas hipofisárias havendo maior risco de osteoporose no futuro. Com fre-
qüência a FOP é transitória, ou passa por um período va-
Quando o centro da disfunção é hipofisário, não ocor- riável de transição, antes de o ovário entrar em falência
re hemorragia de privação após a prova de progesterona, permanente e levar à menopausa precoce.
os níveis basais de LH e FSH são baixos (hipogonadismo Histologicamente, há dois tipos de FOP: no primeiro
hipogonadotrófico), e permancem reduzidos mesmo após deles, que ocorre na maioria dos casos, o ovário apresen-
o teste com GnRH. ta esclerose generalizada, semelhante à gônada na pós-
Apesar de a maioria dos tumores hipofisários secre- menopausa; no segundo tipo, que ocorre em 30% dos
tarem prolactina, alguns podem causar amenorréia sem casos, observam-se numerosos folículos primordiais sem
causar hiperprolactinemia, como adenomas cromófobos progressão de estágio. Essa última condição é chamada
(secretores de hormônio adrenocorticotrófico/ ACTH ou de síndrome dos ovários resistentes ou hipofoliculogêne-
hormônio do crescimento/GH). se ovariana (Stenchever et al., 2001); as mulheres com
As células hipofisárias podem ser lesionadas ou ne- essa patologia podem ter amenorréia primária, mas ge-
crosadas em virtude de anóxia, trombose ou hemorragia. ralmente há produção suficiente de estrogênio para que
Quando isso ocorre após episódio hipotensivo da gravidez menstruem por vários meses ou anos, para então entra-
ou puerpério, chamamos de síndrome de Sheehan; quando rem em amenorréia secundária permanente.
não é relacionado à gravidez, denominamos síndrome de Em 30 a 50% das FOP em pacientes cromossomica-
Simmond. Como pode ocorrer lesão de toda a glândula, o mente normais, sem história de irradiação ou quimiote-
pan-hipopituitarismo é possível, tendo como resultado a rapia, se encontra também uma doença associada à
redução de outros hormônios (ACTHe TSH, além de FSH e auto-imunidade (tireoidite de Hashimoto, hipoparatireoi-
LH) e desenvolvimento de suas respectivas patologias. dismo, doença de Addison, miastenia gravis), indicando
Para o diagnóstico das situaçãoes acima, são impor- uma ooforite auto-imune (Stenchever et al., 2001). A bi-
tantes os exames de imagem (radiografia de sela túrcica, ópsia de ovário mostra folículos aparentemente normais,
tomografia computadorizada, RNM) e dosagens dos de- mas infiltrado leucocitário perifolicular; os auto-anticor-
mais hormônios hipofisários, especialmente a prolactina pos podem ser específicos contra a gônada, mas se encon-
(ver Capítulo 48, "Hiperprolactinemia"). O tratamento des- tram com freqüência anticorpos antinucelares e fatores
ROTINAS EM GINECOLOGIA
DII
reumatóides. Por isso, recomenda-se pesquisar doenças REFERÊNCIAS
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