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Ele só precisava mudar de ares.

Viveu 21 anos naquela cidadezinha, onde


seus pais, avós e descendentes mais antigos estiveram. Já conhecia todas
as pessoas, todos os animais, todas as lojas.. Todas as tristezas.
O final do ano se aproximava, a neve já dava sinais, 22 de dezembro. A
memória lhe traía naquele local. Sentado na ponte da cachoeira Stan olhava
fixo a água caindo. Achava bonito o movimento que ela fazia, as cores que
a luz formava quando refletia em pontos diferentes da água corrente. Com
os pés pendurados, assim como quando era criança Stan olhou para o lado
e sentiu falta do companheiro qu ia até aquele paraíso com ele.
Seus pais tinham morrido há 6 meses. No calor do verão, Stan decidiu viajar
durante uns tres dias com os antigos amigos do colégio. Tinha deixado a
loja nas mãos dos pais. Raridade já que era ele que cuidava depois que
tinha se fomado.
Faculdade, era distante essa realidade.

Ele avisou tantas vezes que o gerador tinha que ser desligado no registro
geral todas as noites, mesmo que não estivesse ligado. O fogo tomou todo,
não sobrou nada. No primeiro andar a loja, e em cima o duplex simples que
eles viviam com Stan.

Depois disso Stan foi adotado pela cidade. Tinha uma vizinha que o
conhecia desde criança. Deixou que ele ficasse no quarto de hóspedes, sem
precisar sair. Mas era estranho, entrar e sair todos os dias de uma casa que
não era sua, de uma família que não era a sua. Aquele sentimento de estar
em um lugar estranho não passava. Olhava a senhora que o tinha acolhido
e via um sorriso meigo, cheio de carinho. Gostava de sentir aquilo, mas
nada subtituiria o abraco apertado da sua mae toda vez que ele subia
depois de ter fechado a loja.

Ainda sentado na ponte sentiu as lagrimas correrem pelo rosto, eram


frequestes durante a noite. Se levantou vagarosamente, não tinha vontade
de sair dali, mas tinha prometido ajudar um amigo na preparacao da festa
de natal da cidade, era uma tradição. Mas o que seria daquele natal? Não
seria igual, não adiantava manter as tradicoes. Seus pais não estavam ali, e
eles eram tudo que Stan tinha. E agora ele não tinha mais ninguém, mais
nada. Apenas algumas poucas roupas que tinha conseguido salvar, que
estavam com ele na viagem, algumas outras doadas por amigos. E só.

Caminhando de volta pra estrada, a única da cidade, Stan podia perceber os


olhares de pena que recebia enquanto caminhava em direção aos
preparativos da festa. E assim foi durante os 6 meses que ele ficou vagando
pela cidade, sem rumo, sem objetivo, sem porque. Não tinha raiva dos
olhares, mas sentia que eles pesavam sobre suas costas, parecia que ele
era algum tipo de atração que tinha acabado de chegar. Será que ninguém
nunca tinha perdido um parente próximo ali? Qual era o problema com ele?
Queria sumir, queria poder andar sem pesar.
E os dias passaram iguais, ele acordava naquela casa aconchegante e
estranha, sorria sem querer sorrir, andava sem rumo, sem porque, ajudou
na festa de natal da cidade, e no dia 24 a noite estava no mesmo lugar de
sempre, deitado naquela cama estranha, que seria sempre estranha, seria
mais uma noite mal dormida, como todas as outras naqueles ultimos 6
meses.

Eram por volta de 7 da noite ainda, mas estavam todos dormindo na casa.
Seu coracao no peito batia descompassado, não tinha ritmo, não tinha forca
ou tinha forca demais. Andou pelo quarto, deitou novamente, tirou a blusa,
sentiu frio, se cobriu, se descobriu, estava mais agitado que o normal. O
primeiro natal sem seus pais estavam aterrorizando-o. A vontade de chorar
se misturava com a vontade de correr.

E assim ele fez.

Arrumou as poucas roupas que tinha, colocou na mochila, vestiu um casaco,


e ligou o mp3, o seu companheiro mais fiel. Colocou os fones e a letra da
música dizia alguma coisa sobre buscar o seu mundo e fazer seu caminho.
Stan já estava com o caminho desfeito. Tinha que recomeçar, mas ali
naquela cidadezinha, não ia conseguir.

Saiu só de meias para não fazer barulho. Desceu as escadas e antes de


seguir direto pela porta, parou na frente da sala, pelo canto do olho viu
piscar as luzes na árvore de natal montada no canto. Deixou uma lágrima
escorrer dos olhos e sorriu. Sabia que a dor nunca iria passar de verdade,
mas sabia que iria descobrir como torna-la em força.

Abriu a porta, colocou o tenis na varanda da casa amiga. O vento frio que
vinha de fora balancou o bilhete de agradecimento na geladeira.

As ruas vazias, era cedo ainda, não passava das 9 da noite direito. Mas era
véspera de natal, as criancas foram mais cedo pra cama ansiosas, e os pais
aproveitaram para descansar. Stan podia andar tranquilo, não seria “pego”
por ninguém, a cidade silenciava, o único som que ouvia era a musica no
mp3.

Quando passou pela esquina onde ficava a sua loja parou, chegou bem
perto da porta e deixou um embrulho no chão, era o presente que já tinha
comprado para os seus pais.
Mais tarde a vizinha iria ver o álbum de fotos que Stan tinha montado.

O vento frio e cortante da noite parecia mais um estimulo para Stan que se
via cada vez mais perto de estar longe daquela cidade.
Chegou no ponto de onibus. Olhou os horários, um deles iria passar mais ou
menos por volta de meia noite. Como não tinha horario certo, ia pegar o
que passasse primeiro.

Acabou a bateria, a deixa para Stan tirar os fones e tomar um susto com o
barulho que vinha da cadeira na ponta do ponto de onibus. Só entao ele
percebeu a pessoa que estava ali sentada, parecia estar chorando. Chegou
mais perto com calma e viu os cabelos vermelhos caidos pelo ombro por
baixo do capuz do casaco.

- Está tudo bem senhora? – Stan perguntou, não sabia quem era, só ouvia
os soluços.

- Está sim, desculpe, voce quer sentar? – A voz doce e suave de menina
respondeu tirando a mala do banco ao lado.

- Obrigada – Como perguntar para alguém que voce não conhece o porque
dela estar chorando?

Não precisou a ruiva de voz doce interrompeu o silencio.

- Viajando em noite de Natal? Perdeu o onibus da tarde? Ela era engraçada,


Stan sorriu sem graça, não lembrava como era o gosto do riso espontaneo.

- Não tenho nada que me prenda em dia de natal. Decidi de ultima hora a
viagem. E você? Esqueceu o presente?

- Decidi me libertar. Está indo pra onde?

- Não sei. O primeiro onibus que passar, e voce?

- Provavelmente pra onde voce for, eu gosto de falar, preciso de gente por
perto pra conversar. Prazer, sou Ellen.

- Stan. Seu mais novo ouvinte.

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Ficaram ali algumas poucas horas conversando sobre tudo.

Ellen morava na mesma cidadezinha que Stan, e nunca tinham se


encontrado. Detalhe que rendeu muitas risadas. Ela morava com a mae e
com o padrasto. O pai tinha morrido quando era bem pequena. Não sentia
muita falta dele, não teve muito tempo para que a saudade doesse. O seu
pai era o marido da sua mae. Eles casaram 2 anos depois da morte do pai
de Ellen. Entao foi praticamente o padrasto que criou Ellen. E eles se davam
super bem, parecia pai e filha, o que não deixava de ser. O grande
problema era a mãe de Ellen. Desde sempre ela era o que normalmente
chamam de maluca.

Ciumenta, possessiva, desocopuda e esteril (após uma cirurgia no útero). A


combinação perfeita para o inferno de qualquer filha. E Ellen não aguentou
a pressao. Por mais que doesse ter que fazer isso, era o necessário para
viver a propria vida e se desprender das maluquices da mae. O que mais
doeu nela foi deixar o ‘pai’ para trás.

-x-

O onibus demorou muito a passar, o que para eles não era problema, eles
tinha muita coisa para conversar. Stan arrancou boas gargalhadas de Ellen
contando das coisas que fazia no colégio com os amigos quando era mais
novo. Já ela se surpreendeu com a maturidade do menino após ter passado
por tudo que ele passou. Ela já sabia da historia assim como toda a cidade,
entao ele contou rapidamente. Preferiram não se prender nos detalhes que
os estavam levando embora.

Quando faltava 10 minutos para meia noite, como em uma peça teatral
ensaiada, os dois foram aos poucos ficando em silencio. Sentados bem
perto, como se para se esquentarem, ficaram olhando o horizonte, o nada.
Alguns brilhos no céu iluminavam os olhos deles e fizeram Stan perceber
pela primeira vez a delicadeza no rosto de Ellen, os olhos claros, grandes,
chamavam a atenção no conjunto do rosto. Os lábios grossos, mas não
muito o faziam ter vontade de tocá-los. As maçãs do rosto estavam
avermelhadas do frio. Apesar de estarem bem cobertos o frio era cortante e
parecia piorar com o passar das horas.

O tempo passou devagar nos 5 minutos seguintes, foram pensamentos que


passaram pela cabeça dos dois. Stan estava com vontade de chorar, mas
pela primeira vez em meses ssa vontade não era a mandante no seu
coração. Olhando para o céu estrelado estava com os pensamentos
confusos e embacados, mas assim mesmo estava rindo, de uma maneira
que nem lembrava mais. Estava comecando a ter caimbras na covinha. E riu
disso também.

Olhou no relógio, faltavam alguns poucos minutos para a meia noite, e o


silencio permaneceu entre aqueles dois novos amigos. Ele se entristeceu, o
peito apertou e o coracao bateu diferente. Pegou o celular e abriu o flip, só
para ficar olhando a foto dos pais que tinha no fundo de tela.

Ellen viu pelo canto dos olhos a fixacao do amigo no fundo de tela, e sem
querer parecer intrometida quebrou o silencio com uma frase simples. “Feliz
Natal”
Stan saiu do transe provocado toda vez que ele via a foto dos pais. Viu que
Ellen estava olhando para ele. Deu um sorriso sem graça e respondeu o feliz
natal ainda com a voz um pouco embargada pela vontade de chorar.
Guardou o celular na mochila. Desligado.

Estranhamente a conversa continuou depois que a meia noite passou. Era


como se tivesse passado anjos por ali naquela virada do dia. E logo depois,
parecia que tinham tido um tipo de experiencia extra corporea. Estavam de
volta conversando animados assim como estavam antes da meia noite.

Luz no horizonte, eram por volta de meia noite e vinte. Um onibus vinha
pela estrada escura e deserta, ambos se mexeram. Esperaram o onibus
para no ponto e Ellen tomou a frente e perguntou para onde o onibus estava
indo. Como se fosse o destino o motorista bem humorado respondeu. Nova
York jovens, a cidade onde tudo muda o tempo todo!

“Acho que é exatamente o que estamos precisando, né?!”- Ellen sabia o


que Stan estava precisando.

“Seria uma ótima idéia mudar o tempo todo.” – Stan concordou.

Embarcaram juntos. Sentaram juntos mais ou menos no meio do onibus.


Não que tivessem problema de lugares, o onibus estava vazio, não eram
muitas as pessoas que viajavam em noite de natal. Só tinha uma senhora
no primeiro banco, um garoto dormindo na aprte da frente e um casal com
cara de apaixonados nos bancos do final. E agora eles, um casal de amigos,
recém amigos que estavam buscando uma nova vida, e estavam indo para
o centro de tudo, onde tudo acontece e nada se lembra. The Big Apple, era
a esperança deles, era onde tudo ia mudar, e eles tinham certeza disso.

Viagem longa, quase 15 horas.

Não importava, Stan e Ellen, agora amigos de infancia passaram esse


tempo conversando, contando mais historias um para o outro, a essa altura,
ele já sabia da cicatriz do joelho que ela conseguiu andando de bicicleta, e
ela já sabia do tornozelo quebrado que ele teve jogando futebol com os
amigos. Riram durante grande parte da viagem, até o momento em que de
alguma maneira eles entraram no assunto de pais, e Stan contou a ela da
cicatriz mais dolorida que ele tinha, aquela que ainda estava longe de se
fechar. Uma lágrima correu pelo seu rosto, e antes que atingisse seus
lábios, a mao amiga de Ellen fez com que ela sumisse.

Nova York, e agora? Ambos não tinham pra onde ir, estavam perdidos no
centro do mundo, sem rumo e destino, com muita história, pouca
esperanca, e muita fé. Fé na vida, no carinho, no futuro e agora na amizade
que criaram. Tudo ia dar certo, podiam sentir isso, e como se foss
combinado, se olharam, sorriram, entenderam naquele momento que tudo
ia dar certo, que estava tudo bem e que a partir daquele dia a vida deles ia
ser bem diferente.

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