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Canto II e Canto III

A paragem em Melinde…

Tal como os deuses tinham decidido em Consílio, a armada portuguesa encontra


um lugar para descansar (Canto II, estrofe73), na costa africana, em Melinde, onde os
navegadores são muito bem acolhidos por toda a gente, em especial pelo rei que já tinha
conhecimento da fama dos portugueses. O rei revela a Vasco da Gama a sua vontade de
conhecer melhor o povo lusíada e pede que este lhe conte tudo sobre a sua pátria (Canto
II, estrofes 109 a 113).
É por isso que o Canto III abre com uma nova invocação, desta vez a Calíope,
musa da Epopeia, da Eloquência e da História, a quem o poeta pede que o ensine a
narrar com exactidão aquilo que Vasco da Gama contou ao rei de Melinde.

Vasco da Gama, narrador da História de Portugal


A partir da terceira estrofe do canto III de Os Lusíadas há uma mudança de
narrador da acção, pois deixa de ser o poeta – narrador não participante
(heterodiegético) – para ser Vasco da Gama, um narrador autodiegético. Vasco da
Gama revela nas suas palavras o prazer que tem em contar ao rei a história do seu povo:
”Mandas-me, ó rei, que conte declarando/De minha gente a grão genealogia; /Não me
mandas contar estranha história, /Mas mandas-me louvar dos meus a glória.” Vasco da
Gama torna-se narrador, aquele que conta, e o rei de Melinde, narratário, aquele a
quem a história é narrada.
E é assim que Vasco da Gama inicia a narração da História de Portugal, através
de uma longa analepse, desde a fundação da nacionalidade até ao momento da viagem,
dando-se lugar na acção a um outro plano diferente do da viagem e da mitologia, o
plano da história.

A morte de Inês de Castro


É neste contexto que surge o episódio da morte de Inês de Castro, dentro da
narração da História de Portugal ao rei de Melinde.
D. Inês de Castro era uma fidalga galega, que fazia parte da comitiva da infanta
D. Constança de Castela, quando esta se deslocou a Portugal para casar com o príncipe
D. Pedro.
A beleza singular de D. Inês despertou desde logo a atenção do príncipe, que
veio a apaixonar-se profundamente por ela e a tornar-se seu amante. Esta ligação
amorosa provocou um escândalo na Corte portuguesa e o rei D. Afonso IV, pai de D.
Pedro, interveio expulsando D. Inês.
D. Constança morreu de parto em 1345 e D. Pedro mandou que D. Inês
regressasse a Portugal e instalou-a na sua própria casa, onde passaram a viver uma vida
de marido e mulher. Deste relacionamento nasceram quatro filhos.
D. Afonso IV e os seus conselheiros aperceberam-se que a ligação do futuro
monarca com D. Inês poderia trazer graves consequências para a coroa portuguesa pela
forte influência castelhana. Por isso, ouvido o Conselho, D. Afonso condenou D. Inês à
morte: era necessário eliminá-la para salvar o
Estado. Quando D. Inês teve conhecimento da
decisão do rei, implorou-lhe misericórdia,
apresentando como argumento os seus quatro
filhos, netos do monarca. O rei apiedou-se de
D. Inês, mas o interesse do Estado foi mais
forte e D. Inês foi assassinada em 1355. Só
depois do assassinato é que D. Pedro soube do
sucedido, jurando vingança aos homens que
mataram D. Inês.
Este episódio é considerado um
episódio lírico pela importância dada ao tema
do amor, pela forma como esse sentimento é
vivido, e tornou-se num dos casos mais
conhecidos no mundo e numa das histórias
mais celebradas.

A VERDADE HISTÓRICA
● 0 casamento do Infante D. Pedro com D. Constança de Castela, em 1340.
 Inês de Castro, o “colo de garça", pertencia a uma das famílias mais nobres e
poderosas de Castela e era uma das damas que integravam o séquito de D. Constança.
 D. Pedro apaixona-se por Inês.
 Inês torna-se madrinha do príncipe D. Fernando, estabelecendo-se, assim laços de
parentesco moral (compadrio) entre ela e D. Pedro, se bem que fossem já primos em 2º
grau.
 D. Inês é expulsa de Portugal mas regressa depois da morte de D. Constança, em
1345.
 Inês e Pedro passam a viver juntos nos Paços de Santa Clara, em Coimbra.
 0 Príncipe é aconselhado por sua mãe e alguns fidalgos a desposar Inês, mas recusa.
 Nascem bastardos e D. Pedro imiscui-se na política castelhana e os fidalgos
portugueses temem a ambição e influência da família Castro que podia levar ao trono
português um dos filhos da ligação ilegítima de Pedro, em detrimento do herdeiro
legítimo, D. Fernando, o filho de D. Pedro e D. Constança.
 0 Rei D Afonso IV e seus conselheiros analisam a situação e concluem da necessidade
de matar Inês.
 Num dia em que D. Pedro anda à caça, D. Afonso IV
chega a Coimbra com alguns fidalgos.
 Sabedora das intenções do Rei, Inês vai ao seu encontro,
rodeada dos filhos, e, banhada em lágrimas, implora
misericórdia e perdão.
 D. Afonso IV comove-se e hesita. Pressionado pelos
conselheiros Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes
Pacheco, autoriza a execução de Inês.
 Inês é decapitada em 7 de Janeiro de 1355.
ALTERAÇÕES RESULTANTES DA POETIZAÇÃO
 A morte de Inês é apresentada como o “assassinato” de uma inocente, um crime
hediondo.
 Não há referências à expulsão do país e à tensão das relações com D. Afonso IV.
 Inês é apresentada, sobretudo, como vítima do amor e não das razões de Estado.
 Os cavaleiros arrancam das suas espadas e trespassam-lhe o peito.
 Dir-se-ia que o coração, como grande culpado, é o primeiro a sentir o castigo.
Pretende Camões, também vítima do amor, dar a Inês uma “morte nobre”, isto é, à
espada e de frente para os algozes.
 Camões segue de perto a tradição oral e popular, que já havia inspirado as “Trovas à
Morte de Inês de Castro”, de Garcia de Resende e cuja grandeza poética, tipicamente
portuguesa, saberá aproveitar.

Inês de Castro
(breve análise)

Apesar de ser um episódio pertencente ao Plano da História de Portugal, não se


trata de um episódio épico, mas sim de um episódio trágico e lírico.

Trágico – porque contempla momentos característicos de uma tragédia clássica:


- a paixão entre Pedro e Inês é um desafio ao poder real, por Inês representar um perigo
para o reino;
- a punição, a decisão de matar Inês;
- a piedade, presente no discurso de Inês quando tenta demover o rei;
- a catástrofe quando se consuma a morte de Inês.

Lírico – porque o narrador interpela o Amor acusando-o de ser responsável pela


tragédia, expressando ao longo de todo o episódio a inconformidade do “eu” poético,
bem como a repulsa pela morte trágica de Inês, que compara à morte da natureza.
Estrutura do episódio

1.ª parte – Exposição (estrofes 118 e 119)


Trata-se de uma breve introdução ao episódio. Vasco da Gama localiza a história
no tempo e no espaço, apresenta brevemente o caso que vai narrar e atribui as
responsabilidades ao amor.

Considerações iniciais do poeta (119)


O episódio começa com considerações do poeta sobre o Amor acusando-o de ser
o causador da morte de Inês.

2.ª parte – Conflito (estrofes 120 a 132)


A felicidade de Inês (120 – 121)
Inês vivia tranquilamente nos campos do Mondego, rodeada por uma natureza
alegre e amena, gozando a felicidade do seu amor por D. Pedro.
O narrador, no entanto, vai introduzindo indícios de que essa felicidade não será
duradoira e terá um fim cruel:
“Naquele engano da alma, ledo e cego,” (120, v.3);
“Que a fortuna não deixa durar muito,” (120, v. 4);
“De noite, em doces sonhos que mentiam,” (121, v. 5).

Condenação de Inês (122 – 125)


D. Afonso IV, vendo que não conseguia casar o filho em conformidade com as
necessidades do Reino, decide mandar matar Inês.
Os algozes trazem-na à presença do rei.
O rei vacila, apiedado, quando a vê surgir com os filhos, mas as razões do Reino
levam-no a prosseguir.

Discurso de Inês (126 – 129)


Inês inicia a sua defesa, apelando à piedade do rei através:
- do exemplo das feras e aves de rapina que se humanizaram ao cuidarem de
crianças indefesas:
“Se já nas brutas feras” (126, v. 1);
“Com pequenas crianças viu a gente” (126, v. 5);
“Terem tão piedoso sentimento” (126, v. 6);
- da afirmação da sua inocência;
- do respeito devido às crianças (seus filhos, netos de D. Afonso IV);
- do apelo ao desterro.

Sentença e execução da morte


(130 – 132)
O rei mostra-se
sensibilizado mas, uma vez mais,
as razões do Reino soam mais
fortes e a sua determinação
mantém-se.
Inês é executada.

Túmulo de D. Inês de Castro


3ª parte – Desenlace (estrofes 133 a 137)
Considerações finais do poeta (133 – 135)
O poeta compara esta atitude a outras atrocidades conhecidas.
Repudia a sua morte, aliando-a à morte da natureza e eternizando-a na Fonte dos
Amores.

Vingança de D. Pedro (136 – 137)


Quando D. Pedro sobe ao trono, concretiza a vingança, mandando matar os
carrascos de Inês.

Túmulo de D. Pedro I

1. A quem se dirige o poeta nesta estrofe?


a) A Vasco da Gama
b) Ao amor
c) A Inês de Castro
d) Ao rei de Melinde

“Tu só, tu, puro Amor, com força crua,


Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.”

2. Identifica, no texto acima, as expressões usadas pelo poeta para se dirigir a


essa entidade.

3. Repara que todas as expressões aparecem entre vírgulas, que nome se dá a


este recurso de estilo?

R.: ______________________________
A apóstrofe é um recurso estilístico no qual o orador invoca uma pessoa, um
objecto, uma entidade, presente ou ausente.

4. Sublinha, na estrofe transcrita no ponto 1., todos os adjectivos que


qualificam o Amor?

As qualidades atribuídas ao amor – puro, fero e tirano – são habitualmente


usadas para caracterizar seres animados. Ao usá-las para qualificar o amor, o poeta
quer criar a ideia de que o amor é animado, vivo, personificado. Este recurso de estilo
designa-se personificação.

Personificação

Figura de estilo que consiste na atribuição de características de pessoas a


seres não humanos – animais, seres inanimados, ideias, entidades abstractas, etc..

5. Como o Conflito constitui uma parte relativamente longa (treze estrofes).


Podemos dividi-la em vários momentos para facilitar a compreensão.
Legenda as imagens, de acordo com a narração feita por Vasco da Gama ao
rei de Melinde.

(Legendas: Considerações finais do narrador, Vasco da Gama. / Felicidade de Inês e


Pedro, amor correspondido. / Súplicas e defesa de Inês. / Causas da oposição do rei D.
Afonso IV e condenação de Inês. / Hesitação do rei, mas confirmação da sentença da
morte de Inês.)

Est.120 - 121
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Est. 122 - 124


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Est. 125 - 129
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Est. 130 - 132


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Est. 133 - 137


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6. Assinala com V (verdadeira) ou F (falsa) as seguintes afirmações:

a) O narrador deste episódio é Vasco da Gama que conta a história de Inês de


Castro ao rei de Melinde.

b) O narrador deste episódio é Paulo da Gama, mas é evidente a presença de Luís


de Camões.

c) A história de Inês é contada após a vitória obtida pelos cristãos na Batalha de


Aljubarrota.

d) Este episódio surge na sequência da descrição de uma batalha – a do Salado,


mas ocorre alguns anos depois.

e) A morte de Inês de Castro teve lugar no reinado de D. Afonso IV.

7. Faz corresponder os recursos estilísticos da coluna da esquerda aos


respectivos versos.

a) hipérbole 1. “Que do sepulcro os homens desenterra,” (est. 118)


b) antítese 2. “Bem puderas, ó Sol, da vista destes,” (est. 133)
c) apóstrofe 3. “Vós, ó côncavos vales, que pudestes” (est.133)
d) dupla adjectivação 4. “Tirar Inês ao mundo determina,” (est.123)
e) eufemismo 5. “É porque queres, áspero e tirano,” (est.119)
f) anástrofe 6. “A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,” (est. 128)

8. Lê com atenção o seguinte verso: “Sendo das mãos lacivas maltratada”


(est.134). Repara na palavra “lacivas”, hoje diz-se lascivas. Identifica o
fenómeno fonético que sofreu.

a) Prótese b) Síncope c) Epêntese d) Dissimilação

9. Classifica este episódio:

a) bélico b) lírico c) mitológico d) simbólico e) trágico

10. Indica o plano narrativo em que se insere o episódio de Inês de Castro:

a) Plano da Viagem b) Plano da História de Portugal c) Plano dos Deuses


11. Sublinha na estrofe 120, que se segue, as expressões que caracterizam
fisicamente Inês de Castro.

“Estavas, linda Inês, posta em sossego,


De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.”

12. Sublinha nas estrofes 124 e 125, que se seguem, as expressões que
caracterizam psicologicamente Inês de Castro, depois da decisão de D.
Afonso IV.

“Traziam-na os horríficos algozes


Ante o Rei, já movido a piedade:
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela com tristes o piedosas vozes,
Saídas só da mágoa, e saudade
Do seu Príncipe, e filhos que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

Para o Céu cristalino alevantando,


Com lágrimas, os olhos piedosos,
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E depois nos meninos atentando,
Que tão queridos tinha, e tão mimosos,
Cuja orfandade como mãe temia,
Para o avô cruel assim dizia:”
13. Procura palavras relacionadas com Os Lusíadas nesta sopa de letras. Procura
em todas as direcções.

Bom trabalho!
Maria Filomena Ruivo Ferreira Santos

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