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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA


DOUTORADO EM GEOGRAFIA

A geopolítica do ambientalismo ongueiro na Amazônia


brasileira: um estudo sobre o estado do Acre

Nazira Correia Camely


(Doutoranda)

Ruy Moreira
(Orientador)

Niterói - RJ, Novembro de 2009


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DOUTORADO EM GEOGRAFIA

A geopolítica do ambientalismo ongueiro na Amazônia


brasileira: um estudo sobre o estado do Acre

Nazira Correia Camely


(Doutoranda)

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutora em
Geografia.
Área de Concentração: Ordenamento
Territorial Urbano-Regional

Ruy Moreira
(Orientador)

Niterói - RJ, Novembro de 2009


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C181
Camely, Nazira Correia
A geopolítica do ambientalismo ongueiro na Amazônia
brasileira: um estudo sobre o estado do Acre / Nazira Correia
Camely. – Niterói: [s.n.], 2009.

284 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2009.

1.Geopolítica - Amazônia. 2.Organização Não-


Governamental. 3.Biodiversidade. 4.Imperialismo. I.Título.

CDD 320.1209811

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Dedicatória

Para meus irmãos:


Marmud, que com seu trabalho, proporcionou nosso estudo.

Zaiad, por não render-se perante as dores e dificuldades.

A Hudson (in memoriam) com minha infinita saudade.

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Agradecimentos
Esta tese é resultado de um trabalho coletivo e creio que por isto foi possível
realizá-la. Portanto a lista de agradecimentos é longa. Agradecemos:
À Universidade Federal do Acre pela liberação para cursar o doutorado e aos
colegas professores do Departamento de Economia da UFAC.
À CAPES pela bolsa de pesquisa.
Ao programa de pós-graduação em economia da UFF, onde fui aluna especial do
doutorado no 2º semestre de 2005. À coordenadora daquele período, professora Carmén
Feijó e a professora Hildete Melo, da qual fui aluna. Ao professor Antônio Maria da
Silveira (in memoriam) por ter-me aceito como orientanda.
Ao programa de pós-graduação em Geografia da UFF, por nos permitir um
ambiente acadêmico democrático. A estrutura dos seminários de tese do programa
permite uma orientação coletiva ao trabalho de tese, algo muito enriquecedor. Aos
professores do PPGEO-UFF dos quais fui aluna: Ruy Moreira, Rogério Haesbaert,
Márcio Piñon, Carlos Alberto Franco da Costa, Ivaldo Lima.
Ao professor Ruy Moreira por ter-me aceito como sua orientanda. Agradecer por
sua confiança, respeito e autonomia no trabalho da tese e pela perspectiva de trabalhos
futuros.
Ao professor Victor O. Martín Martín (Universidade de La Laguna), por seu
incentivo, discussões e apoio. As pesquisas e produção do professor Víctor e demais
professores e participantes do GISAS (Grupo de Investigação sobre o
Subdesenvolvimento e Atraso Social), representam para nós um grande incentivo e
exemplo de como aplicar a ciência a serviço dos trabalhadores.
Aos professores, Ivaldo Lima e Virgínia Fontes, por terem participado da
releitura crítica do projeto, da qualificação e da defesa da tese. Tive a alegria de ser
aluna de ambos. Dizer a Virgínia que aprendi com ela um excelente método de estudo e
de ensino. Ao Ivaldo, por sua disponibilidade em ceder livros e materiais e por suas
excelentes aulas.
Ao professor Márcio Piñon, por seu apoio quando esteve na coordenação do
PPGEO/UFF. Agradecer pelas conversas instigantes, esclarecimentos e desafios que
muitas vezes colocou. Sua maneira de ser rompe com a arrogância e o elitismo com o
qual muitos se apresentam na academia.

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À professora Maria de Jesus Morais (UFAC), pela revisão do trabalho,
confecção de quadros e tabelas, formatação do texto e elaboração dos painéis e
principalmente por ter me apresentado o curso do Doutorado em Geografia da UFF.
A Myris Silva por ter contribuído de forma decisiva com o levantamento de
dados e informações e pelas conversas esclarecedoras.
Ao professor Marcelo Mendonça (UFC), pelo seu apoio e por muitas vezes ter
me esclarecido que eu estava no caminho certo para realizar uma tese em geografia,
quando eu estava insegura com minha origem de ser formada em Economia.
Ao professor Antônio Carlos Diegues (USP), pelo incentivo em seguir adiante e
por sua coragem em tratar o tema das ONGs ambientalistas.
Ao professor Aluízio Lins Leal (UFPA), pelo incentivo e colaboração e pela
longa conversa que tivemos na SBPC de Belém (julho de 2007) que permitiu excelentes
dicas na metodologia e levantamentos de dados do trabalho.
Ao professor Frederico Mendes Arruda (UFAM) pelas esclarecedoras conversas
sobre os problemas de apropriação de recursos na Amazônia.
À Claudia Cunha, pela disponibilidade e generosidade em ceder materiais da
pesquisa.
Às professoras Regina e Vera pela leitura e tradução dos textos.
A Claudio Cavalcante pela confecção dos mapas.
À Stephanie Maia pela confecção dos painéis de foto.
Às professoras Alexandrina Luz Conceição (UFS) e a Helena Mesquita (UFC),
pelas discussões e apoio ao trabalho.
A Edson Santos, amigo e companheiro de estudos, pela solidariedade.
Gostaria de agradecer especialmente a Elissandro Costa pelo trabalho como
barqueiro, guia, fotógrafo e informações na pesquisa de campo da área norte do Parque
Nacional da Serra do Divisor – PNSD.
À Dercy Telles de Carvalho Cunha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Xapuri, pelos esclarecimentos, longas conversas e apoio na pesquisa de
campo na Resex Chico Mendes. Sua postura combativa de defesa dos interesses dos
trabalhadores, ao lutar contra todo o aparelho estatal, têm proporcionado aos
camponeses de Xapuri novas esperanças de luta pela terra.
A todos os camponeses que nos receberam em suas casas e a todos os
entrevistados, porque suas informações foram fundamentais para a realização da tese.

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Pela parte referente à logística e apoio gostaria de agradecer:

À família Queiroz, de Cruzeiro do Sul, por terem disponibilizado seu


apartamento no Rio de Janeiro, algo que foi fundamental para a viabilização de nossa
estadia durante o período do doutorado. À minha irmã Débora, por ter cedido móveis e
utensílios.
À Celi pela estadia em Cruzeiro do Sul e pela carona de barco até a parte sul do
Parque Nacional da Serra do Divisor.
Às fisioterapeutas, Tatiane Serra e Cristina Guimarães e aos profissionais da
ABBR pelo tratamento da coluna.
À Antônia e Cida pelo trabalho doméstico.
À Nice pela amizade e apoio.
À Claudia Mussi, amiga recente, por muitas vezes ter cuidado de meu filho.
À minha comadre Dione, por seu carinho e solidariedade de tantos anos.
À minha mãe, Nazaré, por sua enorme solidariedade em ter cuidado de meu filho
em tantas vezes que precisei ficar ausente. Seu apoio viabilizou meu projeto.
A meu pai, Francisco, pelo duradouro apoio e subsídios.
À minha avó, Marieta, a quem eu devo a oportunidade de novos horizontes.
Finalmente dizer a meu filho, Jerônimo, que desculpe a minha impaciência no
momento em que ele passou da infância para adolescência. Tenho tido a alegria de
conviver com sua meiguice e alegria. Ruim mesmo foi passar meses longe dele, pois a
saudade era tremenda.

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Resumo
Esta tese trata do problema das ações das ONGs no campo ambiental. Definimos
sua atuação como agentes táticos da estratégia estabelecida por organizações do
imperialismo, principalmente estadunidense, em termos de uma geopolítica da
biodiversidade para os países detentores de florestas tropicais tendo, como foco
importante, a Amazônia. Para tanto as ONGs passaram a ser as principais formuladoras,
gestoras e implementadoras de uma política ambiental do imperialismo que resultou na
reconfiguração do espaço agrário da Amazônia brasileira.
Tratamos da ação das ONGs como um fenômeno, o onguismo, e analisamos suas
ações a partir da bibliografia pesquisada sobre a ação das grandes ONGs ambientalistas.
A elaboração das políticas executadas pelas ONGs foi definida a partir da agenda
traçada para a conservação ambiental pela principal organização do imperialismo
estadunidense, a USAID. Esta política visa a obtenção de grandes áreas de reserva, sob
a categoria de unidades de preservação, para a obtenção de recursos para o uso da
indústria da biotecnologia e uso futuro de terras em função do interesse do
imperialismo.
No estado do Acre definimos o estudo de projetos de três ONGs locais, o
PESACRE, CTA e SOS Amazônia, por sua importância na implementação de projetos
financiados e ditados por organizações do imperialismo, e por sua vinculação com o
governo estadual do PT, no executivo estadual desde 1999, ancorado no discurso da
sustentabilidade e na apresentação da constituição da RESEX Chico Mendes como
solução do problema da terra e de modelo para a reforma agrária na Amazônia.
Para analisar o problema da terra pesquisamos a situação dos camponeses de
duas unidades de conservação no Acre, o Parque Nacional da Serra do Divisor e a
RESEX Chico Mendes. Em ambas encontramos os camponeses submetidos a relações
de trabalho e produção semifeudais, submetidos à tutela do Estado e perseguidos por
órgãos da polícia ambiental e, além de serem criminalizados por danos ao meio-
ambiente, correm o risco de serem retirados da terra onde vivem e produzem.

Palavras-chave: Imperialismo, ONGs, geopolítica, Amazônia, biodiversidade,


latifúndio, campesinato.

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The geopolitics of the NGOs' enviromentalism in the Brazilian Amazonia: a
research about the state of Acre

Abstract
This work approaches the problem of the NGOS' activities in the environmental
field. We define their performance as tactic agents of a strategy created by organisations
from imperialism, mostly from the USA, as a geopolitics on the biodiversity for the
countries which hold the rain forests having, as an important focus, the Amazonia. The
NGOs became the main formulators, supervisors and instruments of an environmental
policy of imperialism which resulted in reshaping the agrarian space of the Brazilian
Amazonia.
We consider the NGOs activities as a phenomenon, the onguismo, and we
analyse their actions according to the bibliography researched on the performance of the
big environmental NGOs. The elaboration for the policies accomplished by the ONGs
has been defined according to the agenda outlined for the environmental preservation by
the main organisation of the USA imperialism, the USAID. Such a policy aims to obtain
large reserve areas under the category of preservation units in order to obtain the
resources for the use of the biotechnology industry and the future use of the lands in
accordance with the imperialism interest.
In the state of Acre we have defined the study of the projects of three local
ONGs: PESACRE, CTA and SOS Amazonia because of their importance in
implementing projects financed and commanded by USA organisations as well as by
their link to the PT state government in power since 1999 and which is anchored in a
speech of sustentability, besides presenting the RESEX Chico Mendes constitution as a
solution for the land problem and as a model for the agrarian reform in Amazonia.
For better analysing the land question we have researched the peasants problems
in two preservation units in Acre, the Parque Nacional da Serra do Divisor and the
RESEX Chico Mendes. In both cases we have found peasants submitted to semi-feudal
work relations and production, subordinated to the State and persecuted by the
environmental police sections. The peasants besides being criminalised for damages to
the environment are risked to be expelled from the land where they live and produce.
Key words: imperialism, NGOs, geopolitics, Amazonia, biodiversity, landownership,
peasantry.

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SUMÁRIO
Resumo...........................................................................................................................09
Abstract..........................................................................................................................10
Apresentação do trabalho.........................................................................................................24

Capítulo 1 - Categorias de análise............................................................................................28


1.1 - Capitalismo burocrático..........................................................................................28
1.2 – Imperialismo...........................................................................................................32
1.3 - Imperialismo e holocaustos coloniais.....................................................................35
1.4 – Onguismo................................................................................................................42

Capítulo 2 – As políticas ambientais do imperialismo para a Amazônia............................50


2.1 - Histórico do Ambientalismo………………………………………...............……50
2.2 - A política ambiental, a “retórica da sustentabilidade” e a geopolítica do
ambientalismo..................................................................................................................66
2.3 - Os organismos do imperialismo – Banco Mundial, ONU, USAID: os principais
autores, financiadores e gestores da política ambiental...................................................79

Capítulo 3 – ONGs: novos agentes do imperialismo...............................................................92


3.1 – Sistematizando o conceito de ONGs......................................................................92
3.2 – A atuação das ONGs no mundo: o “capitalismo da piedade”..............................101
3.2.1 - O significado da cooperação e da solidariedade internacional no
capitalismo.....................................................................................................................101
3.3 – As ações do ambientalismo ongueiro...................................................................114

Capítulo 4 – O onguismo como nova estratégia geopolítica na Amazônia..........................124


4.1 – A origem do ambientalismo e do onguismo na Amazônia...................................124
4.2 – As ONGs na Amazônia........................................................................................133

Capítulo 5 – As ações do ambientalismo ongueiro no Acre..................................................151


5.1 – As ONGs do estado e o estado das ONGs............................................................151
5.2 – ONGs no Acre: PESACRE, CTA e SOS Amazônia............................................162
5.2.1 – PESACRE – Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais........................165
5.2.2 – CTA - Centro de Trabalhadores da Amazônia..................................................176
5.2.3 – SOS Amazônia..................................................................................................188

Capítulo 6 – As conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo ongueiro no estado


do Acre.......................................................................................................................................199
6.1 – Da relação de aviamento aos “guardiões da floresta”: o histórico problema da terra
no Acre..........................................................................................................................199
6.2 – Da luta de classes ao onguismo............................................................................212
6.3 – A reconfiguração do espaço agrário na Amazônia como conseqüência da atuação
do ambientalismo ongueiro...........................................................................................219
6.4 - As conseqüências do “silêncio” da reserva ambiental. Com a palavra os
camponeses....................................................................................................................241

Conclusão..................................................................................................................................274

Referências bibliográficas........................................................................................................282

Anexo (lista de entrevistados)....................................................................................................292

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Lista das ilustrações

Tabelas

Tabela 01 – Percentagem de território pertencente às potencias coloniais européias e aos


Estados Unidos na ultima década do século XIX ..........................................................34

Tabela 02 – Financiamento relacionado à biodiversidade, por país: 1990 a 1997


........................................................................................................................................ 73

Tabela 03 – Principais organizações financiadoras de projetos para biodiversidade (em


milhões de dólares) ........................................................................................................ 74

Tabela 04 – Valores Estimados para Serviços do Ecossistema ..................................... 89

Tabela 05 – “ONGs promocionais” na América Latina ................................................ 96

Tabela 06 – Publicidade das ONGs de Caráter Econômico .......................................... 99

Tabela 07 – Publicidade das ONGs de Caráter Emotivo ..............................................100

Tabela 08 – Principais organizações ambientalistas no Brasil, anteriores ao fenômeno


das ONGs ..................................................................................................................... 129

Tabela 09 – Doações recebidas pelo IMAZON (R$) – 2003 a 2007 .......................... 142

Tabela 10 – Terras cadastradas no Acre (1970-1980-2000) ........................................ 205

Tabela 11 – Áreas protegidas e terras indígenas na Amazônia (KM2) ........................ 220

Tabela 12 – Áreas protegidas na Amazônia Legal por estado .................................... 221

Tabela 13 – Estado do Acre: áreas de preservação ambiental ..................................... 222

Tabela 14 – Acre: levantamento dos imóveis rurais (2007-2009) ............................... 236

Gráficos

Gráfico 01 – Participação no financiamento para biodiversidade por categoria de


projeto: 1990-1997 ........................................................................................................ 61

Gráfico 02 - Financiamentos por Tipos de Ecossistemas .............................................. 65

Gráfico 03 - Financiamento para Biodiversidade por Região: 1990-1993 .................... 66

Gráfico 04 – Projetos financiados por organismos bilaterais e multilaterais no Brasil


........................................................................................................................................ 82
Gráfico 05 – Principais financiadores de acordos multilaterais no Brasil ..................... 84

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Quadros

Quadro 01 – Objetivos e finalidades de ONGs no Estado do Mato Grosso, no ano de


2001 ............................................................................................................................. 134

Quadro 02 – Atividades e financiamento da WWF, CI e TNC na Amazônia brasileira


em 2002 ....................................................................................................................... 136

Quadro 03 – ONGs com atuação no estado do Para .................................................... 138

Quadro 04 – Organizações parceiras do IPAM ........................................................... 146

Quadro 05 – Organizações parceiras do CTA ............................................................. 188

Quadro 06 – Organizações do imperialismo que financiam o PESACRE, SOS


Amazônia e CTA ......................................................................................................... 194

Quadro 07 – Os maiores latifundiários do Brasil ........................................................ 201

Quadro 08 – Grandes Latifúndios no estado Acre na década de 1970 ........................ 202

Quadro 09 – Índice de Gini para a concentração fundiária no Brasil .......................... 203

Quadro 10 – Composição da forca de trabalho na RESEX Chico Mendes ................. 224

Quadro 11 – O latifúndio no Acre ............................................................................... 236

Figuras e Fotos

Figura 01 – Tipologia das ONGs no estado do Pará em 2002 .................................... 137

Figura 02 - Auto de Infração do IBAMA .................................................................... 240

Foto 01 – Foto 01 – Os “ricos” camponeses da RESEX Chico Mendes, alguns multados


pelo IBAMA, na “Operação Reserva Legal”, em dezembro de 2008 ......................... 231

Foto 02 – Família camponesa de José Alves Pereira, do Seringal Nova Esperança, na


RESEX Chico Mendes ................................................................................................ 240

Foto 03 – Sr. José Cabral da Silva e Sra. Josineide da Silva Lima, casal da Colônia
Isaura, do Seringal Nova Esperança, multados em 70.000 reais durante a “Operação
Reserva Legal” do IBAMA, em dezembro de 2008 ................................................... 240

Foto 04 – Placa de identificação do Parque Nacional da Serra do Divisor-PNSD ..... 241

Foto 05 – Crianças de famílias Nukini que lutam por terra na área do Parque Nacional
da Serra do Divisor ...................................................................................................... 247

Foto 06 – Placas de proibição das atividades de subsistência da população do


Parque ............................................................................................................... 250

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Foto 07 – Ambulância do hospital municipal de Porto Walter ................................... 260

Foto 08 – Hospital municipal de Porto Walter ............................................................ 260

Mapas

Mapa 01 – Amazônia: áreas prioritárias para a conservação ambiental definidas pelo


ARPA ............................................................................................................................. 78

Mapa 02 – Áreas de atuação da ONG – Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais


(PESACRE) ................................................................................................................. 176

Mapa 03 – Áreas de atuação da ONG – Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA)


...................................................................................................................................... 180

Mapa 04 – Áreas de atuação da ONG SOS Amazônia ................................................ 191

Mapa 05 – Amazônia: terras indígenas e unidades de conservação ............................ 221

Mapa 06 – Unidades de preservação ambiental no Acre ............................................. 223

Mapa 07 – Resex Chico Mendes: área da pesquisa de campo .................................... 226

Mapa 08 – PNSD: área da pesquisa de campo ............................................................ 243

Painel de Fotos

Painel 01 – Cruzeiro do Sul: segunda cidade do estado do Acre (população e atividades


econômicas), maior receptora da população explusa do campo no Vale do Juruá. É para
esta cidade que tem migrado a maioria dos camponeses expulsos do Parque Nacional da
Serra do Divisor ............................................................................................................262

Painel 02 – Consequências da cheia do Rio Juruá (dez./2008 a fev./2009) sobre a


produção da população ribeirinha da área sul do Parque Nacional da Serra do Divisor –
PNSD ..........................................................................................................................263

Painel 03 – Trabalho e produção no PNSD...................................................................264

Painel 04 – Cotidiano e condições de vida no PNSD....................................................267

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Lista de siglas
AAEMA – Associação Amazônica de Educação para Preservação do Meio Ambiente
AARITI – Associação dos Amigos do Rio Itiguira
AARPA – Associação dos amigos do Rio Paraguai
ABC – Agência Brasileira de Cooperação
ABEPLOAR – Associação Brasileira de Ecologia e Prevenção da poluição do ar - MT
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência
ABRASSA – Associação brasileira profissionalizante cultural e de preservação do meio
ambiente
AC – Estado do Acre
ACESMAR – Associação Cultural e Eco-Social do Médio Araguaia
ADA – Agência de Desenvolvimento da Amazônia
ADE – Associação diamantinense de ecologia
ADEPAN – Associação de defesa do pantanal
ADERCO – Associação de defesa do Rio Coxipó
AEMA – Associação ecológica e meio ambientalista
AESCPAN – Associação eco-cultural do Pantanal
AEVCV: Associação Ecológica Vamos Colorir o Verde
AGUA – Amigos para gestão e uso da água
AHS – American Hospital Supply Corporation
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AIPE - Associação de Instituições de Promoção e Educação
AITA - Associação Intercomunitária do Tapajós de Itapuama e Marituba
AMAPAN – Associação Amazonense de Proteção Ambiental
AME – Associação Mato-grossense de ecologia
AMEC – Associação ecológica melgassense
AMISCONDE- Amsted Conservation and Development Initiative
AMPARA – Associação Mato-grossense de proteção e recuperação ambiental
AMOPREX – Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes de
Xapuri
APACC: Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes
APAEX – Associação dos Produtores Agroextrativistas dos Seringais São Miguel, São Jose e
Equador
APBA - Associação dos Pesquisadores do Experimento de Grande Escala da Biosfera-
Atmosfera da Amazônia
APD - Ajuda Pública ao Desenvolvimento
APLUB – Agroflorestal Amazônia
APS – Associação Pantanal saudável
ARARA - Associação regional dos amigos do Rio Araguaia
ARCA – Associação para recuperação e conservação do ambiente
ARPA – Programa Áreas Protegidas da Amazônia
ASDEMA – Associação saltocensense de defesa do meio ambiente
ASEPADE – Assessores para o desenvolvimento
ASMIPRUT - Associação de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do
Rio Tapajós
ASPAR – Associação de Pescadores Artesanais de Porto de Moz
ASPRUVE – Associação de Produtores Rurais Vencedoras
ASOSPAN – Associação SOS Pantanal
AV – Associações Voluntárias
AVICA – Associação pela vida ambiental e cultural
AVINA – Fundação Suíça pelo Meio Ambiente

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AWF – Fundação da Vida Selvagem Africana

BASA – Banco da Amazônia


BCSD – Business Council for Sustainable Development
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIOCONEXÃO – Instituto Ecologista de Desenvolvimento
BIOGENESE – Centro para a conservação da natureza e apoio às minorias étnicas
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
BSP – Biodiversity Support Program

CAAP – Centro Andino de Ação popular


CABS - Center for Applied Biodiversity Science
CAC: Centro Alternativo de Cultura
CAC-BA: Centro Artístico Cultural de Belém Amazônia
CADEPJAM – Centro Andino de Educação e Promoção José Maria Arguedas
CAEX – Cooperativa Agroextrativista de Xapuri
CAPISE - Centro para Análise Política e Investigação Social
CARE – ONG internacional de combate à pobreza
CASAVAJ – Cooperativa do Vale do Juruá
CDB – Convenção da Biodiversidade
CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Acre
CEAPAC: Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária
CEAPS – Centro de Estudos para Acadêmicos e Profissionais em Saúde
CECCA – Centro de Educação e Capacitação do Campesinato de Azuay
CEDENPA: Centro de Estudo e de Defesa dos Negros do Pará
CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CEE – Comunidade Econômica Européia
CEFTBAM: Centro de Estudo Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo
Amazonas
CELB – Center for Environmental Leadership in Business
CENTRU - Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural
CEPASP - Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CEPEPO - Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular
CEQ – Conselho de Qualidade Ambiental
CESA - Central Equatoriana de Serviços Agrícolas
CESCI- Cooperazione e Sviluppo
CET - Centro de Educação e Tecnologia de Santiago
CFCs - Clorofluorcarboneto
CI – Conservação Internacional
CIA – Agência Central de Inteligência
CIDA – Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional
CIFOR - Centro Internacional de Pesquisa Florestal
CIKEL - Precious Woods Belém
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CIPES: Centro de Intercâmbio de Pesquisa e Estudos Amazônicos
CITES – Convention on the International Trade in Endangered Species
CNDDA – Campanha Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazônia
CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros

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COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONTAG – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
COOPERACRE – Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre
COOPERFLORESTA – Cooperativa de Produtos Florestais Comunitários
CPATU - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária: Amazônia Oriental
CPDA - Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
CPI – Comissão Pró-Índio
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CTA – Centro de Trabalhadores da Amazônia
CVC - Centro de Valorização da Criança

DFID – Departamento para o desenvolvimento Internacional do Governo do Reino


Unido

ECODAM – Associação de ecologia e desenvolvimento sustentável da Amazônia Mato-


Grossense
ECOPAN – Instituto de ecologia e populações tradicionais do Pantanal
ECOSS – Instituto ecossistemas e populações tradicionais
ECOTRES – Instituto de proteção do meio ambiente e dos ecossistemas da floresta, cerrado e
pantanal
ECOTRÓPICA – Fundação de apoio à vida nos trópicos
EDF – Environment Defense Fund
EMAUS: República de Emaus
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPR – Exército Popular Revolucionário
ERBOL - Educação Radiofônica da Bolívia
EUA – Estados Unidos da América

FAO – Organização das nações Unidas para Agricultura e Alimentação


FAOR - Fórum da Amazônia Oriental
FAP – Fundo de Áreas Protegidas
FAS – Fundação Amazônia Sustentável
FASE - Federação de Organizações de Assistência Social e Educacional
FATA: Fundação Agrária Tocantins Araguaia
FBCN – Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza
FBPN - Fundação Boticário
FCCESPD – Fundação científico cultural e eco-social Parque Dourado
FCTFNT - Federação das Comunidades Tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós
FDD – ONG especializado em Desenvolvimento Rural
FDN – Fundação para o Desenvolvimento Nacional
FECGT – Fundação eco-cultural guardiões da terra
FEEP – Fundo Equatoriano Populorum Preogresso
FETACRE – Federação dos Trabalhadores Rurais do Acre
FETAGRI - Federação dos Trabalhadores na Agricultura
FF – Fundação Ford
FFB – Fundação das Florestas do Brasil
FFT: Fundação Floresta Tropical
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FIDAM – Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia
FINAM – Fundo de Investimento da Amazônia

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FLACSO - Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais,
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNMA – Fundo Nacional de Meio Ambiente
FNO – Fundo Norte
FNUAP - Fundo de População das Nações Unidas,
FORMAD – Fórum Mato-grossense de meio ambiente e desenvolvimento
FSC – Forest Stewardship Council
FSC-Brasil – Conselho Brasileiro de manejo Florestal
FSCAVSOL – Fundação sócio-cultural ambiental Vale do Sol
FUNATURA – Fundação Pró-Natura
FUNBIO – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade Brasileira
FUNDAC: Fundo de Desenvolvimento e de Ação Comunitária
FUNDHAM – Fundação de desenvolvimento humano e ambiental
FUNTAC – Fundação de Tecnologia do Acre
FVPP - Fundação Viver Produzir e Preservar
FVA – Fundação Vitória Amazônia

G – 8 - Grupo dos Sete países e a Rússia


GAENC: Grupo de Ação Ecológica Novos Curupiras
GAPA-Pa: Grupo de Apoio a Prevenção da AIDS - Pará
GATS – Acordo Geral de Comércio e Serviços
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GCP – Programa Global de Conservação
GEF – Fundo para o Meio Ambiente Global
GEX: Grupo Ecológico do Xingu
GM – General Motors
GPNI – Grupo de produtores Novo Ideal
GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
GTZ – Agência de Cooperação Alemã

HABITAT - Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos,

IAF – Fundação Interamericana


IARA: Instituto Amazônico de Manejo Sustentável dos Recursos Ambientais
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBASE - Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômico
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBENS - Instituto Brasileiro de Negócios Sustentáveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia
IC – Instituto creátio
ICC – The International Chamber of Commerce
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
ICV – Instituto Centro e Vida
IDA - Instituto de Divulgação sobre Amazônia
IDAM – Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do estado do
Amazonas
INDECO – Instituto de Desenvolvimento e Colonização
IDEVAG – Instituto de defesa ecológica do vale do Guaporé
IDRC – Canadá
IE – Instituto de Economia

18
IEA – Instituto de Estudos Amazônicos
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
IEF – Instituto Estadual de Florestas
IFPRI – International Food Policy Research Institute
IESCBAP – Instituto ecológico e sócio-cultural da Bacia Platina
IESCCAN – Preservar a Natureza/Melhorar a Qualidade de Vida
IESPOAR – Instituto eco-social do Pontal do Araguaia
IHAO – Instituto holístico de agricultura orgânica
IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura,
IIRSA – Plano de Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul
IMAC – Instituto de Meio Ambiente do Acre
IMADEA – Instituto mato-grossense de direito e educação ambiental
IMAFLORA - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia
INBIO – Instituto Nacional de Biodiversidade da Costa Rica
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INCUPO – Instituto de Cultura Popular
INDEMA – Instituto de defesa do manso
INDES - Instituto de Desenvolvimento Social e Promoção Humana
INESC – Instituto de Estudos Sócio Econômicos
INFOTERRA – Sistema Internacional de Referência
INPA – Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
INSESEC – Instituto sócio-eco-cultural do Araguaia
IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
IPEA – Instituto de Pesquisa Aplicada
IPEM – Instituto de pesquisa mato-grossense
IPRU – ONG de apóio às bases
ISEA – Instituto Superior de Estudos Amazônicos
ITAF – Instituto de pesquisa e tecnologia ambiental
ITTA – International Tropical Timber Agreement
ITTO – Organização Internacional de Madeiras Tropicais
ITV – Instituto terra viva
IUCN – União Internacional para a Conservação da natureza
IUFRO – The Global Network for Forest Science Cooperation

LBA – Large Scale Biosphere Atmosphere

KfW – Banco de Cooperação do Governo Alemão

MAGGI – Grupo André Maggi


MANASA – Madeireira Nacional SA
MAP – Madre de Díos – Acre - Pando
MAREWA – Movimento Indígena de Apoio à Resistência Waimiri-Atroari
MLAM – Movimento Laici América Latina
MMA – Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
MMCC: Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade
MOPROM: Movimento de Promoção da Mulher
MPDL – Movimento pela Paz, o Desarmamento e pela Liberdade
MPEG - Museu Paraense Emílio Goeldi
MSF – Médicos Sem Fronteiras

19
MVV: Movimento Verde Vivo

NAEA – Núcleo de Altos Estudos da Amazônia


NASA – Agência Espacial dos Estados Unidos
NSEP – Programa de Segurança e Educação Nacional do EUA
NSF – Fundação Nacional de Ciências
NYBG – New York Botanic Garden
NUMA – Núcleo de Meio Ambiente

OACI - Organização da Aviação Civil Internacional


OCAEJ – Associação das Comunidades Agroextrativistas Jaminawa
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
ODA – Agencia Britânica de Assistência ao Desenvolvimento
OEA - Organização dos Estados Americanos,
OEI - Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a
Cultura
OIT - Organização Internacional do Trabalho,
OIMT - Organização Internacional de Madeiras Tropicais,
OMC – Organização Mundial do Comércio
OMM - Organização Mundial de Meteorologia,
OMPI - Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONGD – Organização Não Governamental de Desenvolvimento
ONU – União das Nações Unidas
OPAS/OMS - Organização Panamericana de Saúde / Organização Mundial de Saúde,
OPIAJABAM - Organização dos Povos Indígenas Apurinas e Jamamadi de Boca do
Acre-AM
OPIKARJ - Organização dos Povos Indígenas Kaxinawá do Rio Jordão
OPIN – Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de
Rondônia
OPIRE – Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira
OPIRJ - Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá
OPITAR - Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá
OSCIPS - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OTCA - Organização do Tratado de Cooperação Amazônica,
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

PA - Pará
PAD – Projeto de Assentamento Dirigido
PAE – Projeto de Assentamento Extrativista
PAF – Projeto de Assentamento Florestal
PDC – Programa de Desenvolvimento Comunitário
PDS – Projeto de Assentamento de Desenvolvimento Sustentável
PESACRE - Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais
PFCA - Produtores Florestais Certificados na Amazônia
PFNMs – Produtos Florestais Não Madeireiros
PGC – Programa Grande Carajás
PIB – Produto Interno Bruto
PIN - Programa de Integração Nacional
PLANAFLORO – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia

20
PMACI – Programa de Proteção ao Meio Ambienta e às Comunidades Indígenas
PMR – Programa de Mares Regionais
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNSD – Parque Nacional da Serra do Divisor
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
POEMA – Centro de Ação para o Desenvolvimento Sustentável
POEMA(R) – Pobreza e Meio Ambiente
POEMATEC - Comércio de Tecnologia Sustentável para a Amazônia
POLAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
POLONOROESTE - Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil
PPG7 – Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do G-7
PPGEO – Programa de Pós-Graduação em Geografia
PROBIO – Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica
Brasileira
PRODESUS – Pró-desenvolvimento sustentável
PRODETAB – Projeto de Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuária para
o Brasil
PRONABIO – Programa Nacional de Diversidade Biológica
PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras
PSA: Projeto Saúde e Alegria
PT – Partido dos Trabalhadores
PV – Partido Verde
PZ – Parque Zoobotânico

RADAM – Radar da Amazônia


RAEONGs – Rede Araguaia de organizações ecológicas do Cerrado
RAMA – Rede Latino Americano e do Caribe de ONGs Ambientalistas
RECA – Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado
REMOECO – Rede Mato-grossense de organizações ecológicas do Cerrado
RESEX – Reserva Extrativista
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Nacional
RO – Rondônia
ROECOPAN – rede de organizações ecológicas do Pantanal
RUPE – Grupo de Pesquisas de Economia Política da Índia

SC – Sociedade Civil
SADEP – Sociedade ambientalista de defesa do Pantanal
SAFs – Sistemas Agroflorestais
SCA – Secretaria de Coordenação da Amazônia
SDDH: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SEANPS – Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas
SEARA: Sociedade de Estudos e Aproveitamento dos Recursos da Amazônia
SEATER – Secretaria de Assistência Técnica e Extensão Agroflorestal do Acre
SEDUMA – Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
SEF - Secretaria Executiva de Florestas do Acre
SEFE – Secretaria Executiva de Florestas e Extrativismo do Acre
SEMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SEMARO – Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia
SENPAS - Secretariado Nacional de Pastoral Social

21
SEPLANDS – Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável
SIL – Instituto Lingüístico de Verão
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente
SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia
SMEMA – Secretaria de Minas e Energia e meio Ambiente do Maranhão
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SOAGRO – Sociedade Agroindustrial de Camarituba-Beira
SOENORT – Sociedade de preservação ecológica de Nortelândia
SOPREN: Sociedade de Preservação dos Recursos Naturais da Amazônia
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

TAWAYA – Comércio de Produtos do vale do Juruá


TFAP – Tropical Forestry Action Plan
TFCA – Lei de Conservação de Florestas Tropicais
TNC – The Nature Conservancy
TRÓPICOS – Instituto de apoio ao desenvolvimento humano e do meio ambiente
TS – Terceiro Setor

UC – Unidades de Conservação
UE – União Européia
UF – Universidade da Flórida
UFAC – Universidade Federal do Acre
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFRJ – Universidade federal do Rio de Janeiro
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNB – Universidade de Brasília
UNCED – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
UNCTAD – Conferência das Nações Unidades para o Comércio e o Desenvolvimento
UNDRO – Unidos para o Socorro em Caso de Catástrofe
UNEP – Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNI – União das Nações Indígenas
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIECO – Integrar o homem e suas atividades ao meio natural
UNIPOP: Universidade Popular.
UNITAS - Instituições para o Trabalho de Ação Social
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
UNIDO - Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
UNODC – Escritório das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas e
Prevenção ao Crime
UNV - Voluntariado das Nações Unidas
UPU - União Postal Universal
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USAID – Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos da América
USDA – United States Departament of Agriculture
USP – Universidade de São Paulo

22
VITA – Entrepises Works

ZEE – Zoneamento Ecológico e Econômico

WCED – Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento


WCS – World Conservation Strategy
WFC – World Forestry Congress
WHRC – Woods Hole Research Center
WMO – World Meteorological Organization
WRI – World Resource Institute
WWF – Fundo Mundial para a Vida Selvagem

YU - Yale University

23
Apresentação do trabalho

A história do tema desta tese começou em 1999, na cidade de Xapuri, quando


realizamos a pesquisa de campo da dissertação sobre as relações sociais de trabalho das
mulheres quebradoras de castanha do Brasil (Bertholletia excelsa) da Usina de
Beneficiamento de Castanha Chico Mendes (CAMELY, 2001). Naquela pesquisa
deparamos a presença decisiva de ONGs e de organizações de governos nos projetos da
Cooperativa Agroextrativista de Xapuri - CAEX, organização que foi resultado da luta
dos seringueiros contra a exploração do patrão seringalista e do latifúndio pecuarista nos
anos 1970 e 1980. No período de um ano (1988 – 1989) a CAEX recebeu o valor de
US$ 1,680 milhões, sendo grande parte deste montante doado por ONGs e governos de
países imperialistas.
A partir da pesquisa e do trabalho de docência no Departamento de Economia da
Universidade Federal do Acre (UFAC), de 2002 a 2005, construímos com estudantes e
colegas na orientação dos trabalhos de monografia, o material que permitiu a redação do
artigo “Os agentes do imperialismo na Amazônia Ocidental”, publicado no Rebelion1, e
divulgado em páginas progressistas da Internet. Isto permitiu que tivéssemos uma maior
dimensão da importância do debate sobre a interferência das ONGs nos países
dominados e na temática do meio ambiente.
Ao ingressar, em 2006, no Programa de Pós-Graduação da UFF (PPGEO – UFF)
começamos a pesquisar a bibliografia que fizesse a crítica ao papel das ONGs. No
Brasil, a análise crítica das ações destas organizações no campo ambiental ainda é muito
tímida, à exceção do livro organizado pelo professor Antônio Carlos Diegues (USP)
publicado em 2008, “A ecologia política das grandes ONGs transnacionais
conservacionistas”, que reafirmou o caminho que percorremos na coleta de dados e
documentos que nos permitisse tratar o que entendemos como uma geopolítica do
ambientalismo ongueiro2 para os países que possuem floresta tropical.
Na pesquisa definimos o estado do Acre como objeto de estudo dessas ações.
Elegemos o estudo das ações de três das mais importantes ONGs do Acre devido ao seu
âmbito de atuação e relações com organizações do imperialismo: Pesquisa e Extensão
em Sistemas Agroflorestais-PESACRE, Centro de Trabalhadores da Amazônia-CTA e

1
http://www.rebelion.org/hemeroteca/brasil/030706correia.htm, em 06/07/2003
2
Escutei pela primeira vez esta expressão do professor Ruy Moreira (PPGEO / UFF)

24
SOS Amazônia. Procuramos na pesquisa de campo o conhecimento da realidade sobre
as condições de vida da população de duas unidades de conservação no estado do Acre:
o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e a Reserva Extrativista Chico Mendes
(RESEX Chico Mendes). A escolha do Acre se justifica por ser este estado um
importante local de projetos das ONGs na região Amazônica. Sobre as duas unidades de
conservação pesquisadas a primeira escolha, o PNSD, por conta da atuação da SOS
Amazônia com uma das maiores ONGs da conservação, a The Nature Conservance –
TNC. Já a RESEX Chico Mendes, por sua importância no cenário de constituição de
unidades de conservação, comumente apresentada como a solução do problema da terra
na Amazônia.

Esta tese possui duas questões fundamentais:

1) a primeira é o aspecto da existência de projetos e ações das ONGs em todas as


esferas da vida social, daquilo que Piqueras (2000) denomina de onguismo. Aqui a
pergunta que formulamos é se o onguismo constitui uma nova geopolítica para a
Amazônia3 e, em particular, para o estado do Acre. A pesquisa aponta-nos a responder
afirmativamente, ou seja, que as ações das ONGs no campo ambientalista originam-se
de uma estratégia do imperialismo, principalmente estadunidense, objetivando a
obtenção dos recursos naturais e saberes das populações camponesas que residem
nessas áreas. Portanto, pensamos aqui as ONGs como novos agentes do imperialismo
devido à especificidade de suas ações a partir dos anos de 1970 do século XX.

2) a segunda questão se refere à persistência e ao agravamento da questão agrária na


Amazônia com a constituição de áreas de unidades de conservação. Do nosso ponto de
vista as ações dos órgãos públicos ambientais brasileiros na criação das unidades de
conservação tiveram sua agenda definida pelas grandes ONGs ambientalistas que, por
sua vez, são executoras da política ambiental definida pelo imperialismo,
principalmente estadunidense, através da United States Agency for International
Development (USAID). A constituição destas áreas de unidades de conservação, que
abrangem 38,18% da Amazônia e 45,8% do Acre, significa, a nosso ver, a constituição
de áreas de reserva para o imperialismo, seja de recursos para a indústria baseada na
biotecnologia ou de constituição de grandes áreas de reserva de terras para o uso de

3
Esta pergunta foi realizada pelo professor Ivaldo Lima (PPGEO / UFF) no Seminário de Releitura
Crítica do projeto de tese na UFF em novembro de 2008.

25
outras atividades que o imperialismo pretenda desenvolver. Esta reconfiguração do
espaço agrário da Amazônia traz graves conseqüências para as populações camponesas,
ribeirinhas, extrativistas, castanheiros, pequenos agricultores e tantos outros que
habitam as florestas e as margens dos rios amazônicos.
Este trabalho está composto por seis capítulos. No primeiro, Categorias de
Análise, apresentamos as categorias teóricas que elegemos no trabalho da tese.
O segundo, As políticas ambientais do imperialismo para a Amazônia, trata da
formação das políticas ambientais dos países imperialistas, principalmente
estadunidense, onde procuramos expor o histórico destas políticas e de como as ONGs
passaram a ter o papel principal de executoras e gestoras do que denominamos de
política ambiental do imperialismo.
No terceiro capítulo, ONGs: novos agentes do imperialismo, trabalhamos sobre
o papel que as ONGs cumprem em escala mundial e das ações das ONGs
ambientalistas. Neste capítulo também abordamos o conceito de “capitalismo da
piedade” de Hancock (1991) sobre o caráter da ajuda humanitária no capitalismo.
O quarto capítulo, O onguismo como nova estratégia geopolítica na Amazônia,
procuramos mostrar as origens do ambientalismo ongueiro no Brasil e expomos um
quadro das principais ONGs ambientalistas da Amazônia a partir de suas relações com
as organizações doadoras de recursos, dos objetivos e projetos executados pelas ONGs.
No quinto capítulo, As ações do ambientalismo ongueiro no Acre, nos
baseamos na exposição dos projetos e ações das três principais ONGs, do campo
ambiental, no estado do Acre: PESACRE, CTA e SOS Amazônia. Nosso objetivo foi
expor sobre as vinculações com as organizações parceiras e principais financiadoras
destas organizações, procuramos demonstrar as relações destas ONGs com organizações
do imperialismo e suas estratégias de ações no campo do que denominamos do
ambientalismo ongueiro.
O sexto capítulo, As conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo
ongueiro no estado do Acre, buscamos tratar do problema da terra no Acre e suas
conseqüências sobre a vida dos camponeses de dois locais que pesquisamos: o Parque
Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista Chico Mendes. Abrangemos este
problema no contexto das políticas desenvolvidas pelas ONGs ambientalistas como
executoras da política ambiental que resultou em uma reconfiguração do espaço agrário
da Amazônia. No Acre a constituição da Reserva Extrativista Chico Mendes foi
colocada como exemplo e modelo de solução do problema da terra ao ser denominada

26
como a “reforma agrária da Amazônia”. Partimos do entendimento da luta classista
desencadeada pelo movimento dos seringueiros acreanos em sua luta pela terra e a
posterior aliança que este movimento efetuou com as ONGs e as conseqüências disso
em relação à luta pela terra no estado.

27
Capítulo 1 – Categorias de análise

Nesta tese nos baseamos no conceito de capitalismo burocrático como o tipo de


capitalismo engendrado no país por ser o Brasil semi-colonial e manter relações de
produção semi-feudais principalmente no campo. Semi-colonial porque embora o Brasil
seja formalmente independente é oprimido pelo imperialismo, principalmente
estadunidense. Semi-feudal porque não resolveu o problema da terra onde no Brasil, a
despeito de seu imenso território, a contradição principal ocorre entre o latifúndio e os
camponeses sem-terra ou com pouca terra, principalmente no Nordeste e na Amazônia.
Por isto temos dois problemas centrais: o problema da terra e o problema nacional.
Aplicamos o conceito de capitalismo burocrático no estudo sobre as ONGs que
cumprem a política dos países imperialistas para o meio ambiente, principalmente
estadunidense, no estado do Acre. Trabalhamos com a hipótese de que a ação das
ONGs, como agentes do imperialismo, somente é possível em um país dominado, semi-
colonial e semi-feudal, porque são essas duas características que nos permitem
caracterizar a ação das ONGs como novos agentes do imperialismo. A nosso ver a
política de proteção ambiental engendrada por estas organizações agravam o problema
da terra e demonstram também o grau de submissão de nosso país ao domínio da
política imperialista.
Para o entendimento desta questão partimos da síntese efetuada por Martín
Martín (2007a) no estudo sobre o conceito marxista de Capitalismo Burocrático. A
denominação de imperialismo como definido por Lênin (1916) e aqui reproduzimos as
características principais desta etapa do capitalismo conforme realizado pelo autor. O
estudo de Davis (2002) sobre “imperialismo e holocaustos coloniais” demonstra
aspectos importantes da discussão atual sobre as catástrofes ambientais e a capacidade
dos Estados em resolvê-las. Para o campo de atuação das ONGs nos baseamos no
conceito de onguismo desenvolvido por Piqueras (2000, 2001). A seguir apresentamos
estas quatro categorias de nossa análise.

1.1 - Capitalismo Burocrático

A questão agrária, tomada principalmente sob a ótica dos países dominados pelo
imperialismo, pode ser formulada como o problema da distribuição e da propriedade da
terra, ou seja, da contradição entre latifúndio e campesinato sem terra ou com pouca
terra. Por ser o problema agrário o principal impedimento ao desenvolvimento das

28
forças produtivas dos países pobres, Martín Martín (2007 a) desenvolve uma geografia
da atualidade da questão agrária no mundo hoje. Para tanto, parte dos pressupostos
marxistas da questão agrária, do conceito de Capitalismo Burocrático desenvolvido por
Mao TseTung e reafirma o conceito como definido por Guzmán :

Sobre uma base semi-feudal e sob um domínio imperialista, desenvolve-se um


capitalismo, um capitalismo tardio, um capitalismo que nasce atado à semi-feudalidade
e submetido ao domínio imperialista (...) O capitalismo burocrático desenvolve-se
ligado aos grandes capitais monopolistas que controlam a economia do país, capitais
formados, (...) pelos grandes capitais dos grandes latifundiários, dos burgueses
compradores e dos grandes banqueiros; assim se vai gerando o capitalismo burocrático
atado, (...) à feudalidade, submetido ao imperialismo e ao monopólio (...). Este
capitalismo chega a certo momento de sua evolução, combina-se com o poder do Estado
e usa os meios econômicos do Estado, utiliza-o como alavanca econômica e este
processo gera outra fração da grande burguesia, a burguesia burocrática; desta maneira
dar-se-á um desenvolvimento do capitalismo burocrático que já era monopolista e
torna-se estatal (GUZMÁN apud MARTÍN MARTÍN, 2007a, p.14-15).

Os países onde existe o Capitalismo Burocrático são caracterizados por relações


no campo que são pré-capitalistas, ou seja, a manutenção de relações semi-feudais
caracterizadas por Martín Martín (2007a) como:

1) A manutenção de relações de produção (regimes de propriedade) de natureza pré-


capitalista: o sistema de pagamento em trabalho, meeiro e parceiro, parcerias em
colheitas, empreitada e trabalho por produção, trabalho gratuito, entrega de partes da
produção, entrega de parcelas em troca de trabalho na fazenda.

2) Manutenção e reprodução de um campesinato minifundista (com formas coletivas ou


privadas): iniciado na época feudal (praticado inclusive pela nobreza feudal através da
divisão de fazendas no sul da Europa e América Latina), porém desenvolvido durante os
processos de desamortização de terras públicas e do clero (apropriadas de forma legal
ou não) e pela política de reforma agrária e colonização desenvolvidas pelo Estado ao
longo dos séculos XIX e XX.

3) Leis, decretos, ações e outras disposições de natureza jurídica, política e ideológica


que atam o campesinato à terra: alojamentos, obras públicas, necessidade de salvo-
condutos para que o camponês possa deslocar-se fora de seu povoado ou emigrar, a
usura, a repressão por parte do aparato do Estado, o controle político sobre os
trabalhadores diaristas, as denominadas ações clientelistas (patriarcais, de patronato e
apadrinhamento) por parte dos grandes proprietários (MARTÍN MARTÍN, 2007 a,
p.15).

A categoria marxista do capitalismo burocrático permite-nos o entendimento da


atualidade da questão agrária, do problema camponês, da expulsão de milhões de
camponeses de suas terras e a submissão desta população aos bolsões de miséria das
periferias das cidades. Esse problema não resolvido e acentuado pela exploração
capitalista no campo é devido ao fato de os países dominados não haverem resolvido o

29
problema da terra como ocorreu com as revoluções democrático-burguesas, nos países
imperialistas, e com as revoluções proletárias, a partir da Revolução Russa de 1917,
como também na China, a partir de 1949, e nos países do Leste Europeu.
A partir de 1917 encerra-se a fase das revoluções democrático burguesas porque
nos países dominados as burguesias nativas foram submetidas ao domínio imperialista
e, do ponto de vista político, não conseguem protagonizar e dirigir revoluções em seus
países (LÊNIN, 2000 [1916 ]). A tarefa da solução do problema da terra nos países
dominados (semi-coloniais e semi-feudais) ficará a cargo do proletariado em aliança
com os camponeses e a pequena burguesia e burguesia nacional em uma revolução de
novo tipo, denominado no maoísmo de revolução de nova democracia. Nesta
contextualização Martín Martín (2007a) realiza uma categorização dos países de acordo
com a permanência ou não da questão agrária:

a) países que realizaram a revolução burguesa (resolveram o problema da terra), como a


Inglaterra (1669) com uma revolução que resultou em um pacto entre a burguesia e os
latifundiários, porém, sob o mando da burguesia; a França (1789), os países da Europa
Ocidental (Suíça, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Áustria, Dinamarca, Suécia,
Noruega) – países que realizaram revolução burguesa eliminando a nobreza; a “via
norte- americana” de transição ao capitalismo por parte de antigas colônias de
povoamento como nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia; a “via prussiana” de
transição ao capitalismo: Alemanha, Itália, Japão.

b) países europeus que iniciaram e não concluíram a revolução burguesa como a


Espanha, Portugal e Grécia. Nestes países sobrevive a semi-feudalidade e o problema da
terra não foi resolvido.

c) Países que resolveram a questão agrária e a questão nacional através da revolução


democrática e da revolução socialista: A URSS, China e países do Leste Europeu. Com
a restauração capitalista nestes países o problema agrário foi recolocado devido ao
processo de relatifundização das terras nestes países.

d) Nos países do terceiro mundo, que não realizaram a revolução democrático-burguesa,


a semi-feudalidade se mantém com velhas e novas formas (MARTÍN MARTÍN, 2007a,
p. 17-18).

30
Neste último caso o resultado é um capitalismo atrasado (capitalismo
burocrático), baseado na combinação de formas do sistema de pagamento em trabalho e
o tipicamente capitalista. Um capitalismo agrário com um grande peso da
semifeudalidade, ou seja, preso aos grandes proprietários de terra, conforme Martín
Martín (2007 b, p.6):

a) a renda (pré capitalista) continua absorvendo uma grande percentagem do mais


produto ou lucro capitalista;
b) onde o sistema de pagamento em trabalho pressupõe uma produtividade mais baixa
do trabalho (não desenvolvimento das forças produtivas);
c) onde os arrendamentos são mais caros para o pequeno campesinato (arrendamentos
leoninos diante dos arrendamentos capitalistas) e a remuneração no referido sistema de
pagamento em trabalho é mais barato que no “livre” contrato capitalista (a renda do
arrendatário e/ou parceleiro é inferior a do trabalhador rural);
d) onde subsiste a coerção extra econômica como base da dependência pessoal do
pequeno campesinato e campesinato sem terra (dependência da comunidade, falta de
direitos civis, semi servidão).
De acordo com Martín Martín (2007a) as teorias atuais sobre o velho problema
da questão agrária já apareciam no debate entre Lênin e os populistas e liberais na
Rússia. Lênin demonstrou que tanto o caminho da via prussiana (liberais) como dos
populistas (defensores da comunidade camponesa e da sua célula social que era a
família camponesa) não tinham como retirar o campesinato do atraso secular a que
estavam submetidos, da enorme pobreza e da semi-feudalidade. Martín Martín (2007a)
esclarece que o populismo é a defesa dos interesses dos produtores do ponto de vista do
pequeno produtor, do pequeno burguês. Acrescenta ainda que a fonte atual do
populismo é a importância que tem a classe dos pequenos produtores nos países onde
sobrevive a semi-feudalidade. Para o autor aparece atualmente uma nova forma de
populismo, ou o neo-populismo, que possui força ao incorporar a problemática
ecológica. Porém sua essência é a mesma do populismo, ou seja, a defesa do pequeno
produtor, do pequeno burguês (MARTÍN MARTÍN, 2007a, p.47).
Para Martín Martín (2007a) as grandes burguesias do Terceiro Mundo
(burocráticas, fundamentalmente, compradoras e latifundiárias), aliadas às burguesias
dos países imperialistas, desenvolveram, a partir dos anos de 1960, o avanço do
capitalismo burocrático no campo através de diversas leis de Reforma Agrária, cuja

31
característica principal é que se constituíram em leis de compra e venda de terras,
inclusive as de forma associativa. Aqui um aspecto importante é o endividamento e a
hipoteca de terras do pequeno produtor. Estes dois fatores reportam Martín Martín
(2007a) à obra de Marx sobre a Luta de Classes na França, quando da análise deste
sobre os camponeses franceses, em 1850, coloca que o título de proprietário da terra é o
“talismã com que o capital fascina o camponês e que com isto o afasta do proletariado”.
Martín Martín, citando Marx, aponta como solução do problema da terra que o
camponês necessita de uma “república vermelha, necessita da ditadura do proletariado,
necessita unir-se ao proletariado para combater, somente assim poderá encontrar seu
destino histórico” (MARTÍN MARTÍN, 2007a, p.53).

1.2 – Imperialismo

O imperialismo norte-americano, através de suas agências internacionais, dividiu


a Amazônia em áreas de produção intensiva de produtos agrícolas onde a inversão de
capital estrangeiro alcança uma longa faixa que parte do centro-oeste do Brasil até a
Amazônia Ocidental e espaços destinados à proteção ambiental, grandes áreas de
florestas, geralmente controladas por organizações norte-americanas.
Na Amazônia, tem-se verificado a associação entre ONGs e outras organizações
internacionais e nacionais, como universidades, sindicatos e organizações estatais que
estabelecem relações, como no caso do Acre, no sentido de promover o
“desenvolvimento sustentável”: o desenvolvimento econômico da região estando
estreitamente vinculado à preservação do meio-ambiente, ou melhor, da enorme
biodiversidade da floresta amazônica. Na proposta deste trabalho entendemos que essa
estratégia serve aos interesses do imperialismo, tendo-se em conta o atual estágio das
forças produtivas, em especial da engenharia genética; portanto entendemos que os
recursos naturais servem de reserva estratégica de matéria-prima para a indústria
baseada na biotecnologia. Dentro dessa estratégia aparecem novos agentes, entre eles as
ONGs.
Trabalhamos com o conceito de imperialismo conforme desenvolvido por Lênin
em 1916. Sua teoria demonstrou que o capitalismo avançou para uma fase superior de
seu desenvolvimento, a fase do domínio do capital financeiro, o fim da livre
concorrência com o predomínio dos monopólios, cartéis e trusts, a dominação do mundo
pelos países imperialistas (países dominantes) que partilham entre si os países
dominados na forma de colônias ou semi-colônias. Portanto para Lênin a definição de

32
imperialismo abrange as seguintes características fundamentais: 1) concentração da
produção e do capital atingindo um grau de desenvolvimento tão elevado que origina os
monopólios cujo papel é decisivo na vida econômica; 2) surgimento do capital
financeiro resultado da fusão do capital bancário e do capital industrial; 3) a exportação
de mercadorias perde importância para a exportação de capitais; formação de uniões
internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo entre si; 4) partilha
territorial do mundo entre as maiores potências capitalistas (LÊNIN, 2000 [1916 ], p.67-
68).
A história do aparecimento dos monopólios é resumida por Lênin (op.cit.) nas
seguintes fases: 1) as décadas de 1860 e 1870, períodos da livre concorrência, os
monopólios estavam em fase embrionária; 2) depois da crise de 1873, longo período de
desenvolvimento dos cartéis, os quais ainda constituem apenas uma exceção, não são
ainda sólidos; 3) ascenso ao final do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis
passam a ser uma das bases de toda a vida econômica e formaram os monopólios. Os
cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de
pagamento, repartem os mercados de venda, fixam quantidades de produtos a fabricar,
estabelecem os preços, distribuem os lucros entre as diferentes empresas (LÊNIN, 2000
[1916 ], p.17).
Lênin (op.cit) retira do economista alemão Kestner as estratégias que as
empresas cartelizadas desenvolvem: 1) privação de matérias-primas; 2) privação de
mão-de-obra que ocorrem até em acordos dos sindicatos de trabalhadores com os
cartéis; 3) privação de meios de transporte; 4) privação de possibilidades de vendas; 5)
acordo com os compradores para que estes mantenham relações comerciais apenas com
os cartéis; 6) diminuição sistemática dos preços (chegando até os níveis menores que os
preços de custo); 7) privação de créditos; 8) declaração de boicotes (LENIN, op.cit,
p.20).
Na era do capital monopolista ocorre a união de monopolistas em todos os
países de capitalismo avançado, e também situação monopolista de uns poucos países
ricos, nos quais a acumulação de capital alcança grandes proporções, constituindo um
enorme excedente de capitais nestes países. Na era dos monopólios impera a exportação
de capitais, ao contrário do período da concorrência quando o predomínio era da
exportação de mercadorias. Lênin (2000 [1916 ] ) ressalta que o século XX marcou o
ponto de virada do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral
para a dominação do capital financeiro. Na primeira década deste período os quatro

33
países mais ricos de então (Inglaterra, França, EUA e Alemanha) possuíam 80% do
capital financeiro mundial (idem, p.46-47). A supremacia do capital financeiro sobre
todas as outras formas do capital significa a hegemonia dos que vivem dos rendimentos
financeiros; significa uma situação privilegiada de um pequeno número de Estados
financeiramente poderosos.
A partilha do mundo entre as grandes potências imperialistas é relatada por
Lênin a partir de estudos de alguns autores sobre a expansão das possessões dos Estados
europeus no período de 1884 a 1900: a Inglaterra adquiriu durante esse período
3.700.000 milhas quadradas com uma população de 57 milhões de habitantes; a França,
3.600.000 milhas quadradas com 36,5 milhões de habitantes; a Alemanha 1.000.000 de
milhas quadradas com 14,7 milhões de habitantes; a Bélgica, 900.000 milhas quadradas
com 30 milhões de habitantes; Portugal, 800.000 milhas quadradas com 9 milhões de
habitantes (HOBSON apud LÊNIN, op.cit. p. 59-60).
Uma das conseqüências do imperialismo é a partilha do mundo entre os países
ricos conforme demonstraram os autores que estudaram características e conseqüências
do período inicial do colonialismo imperialista, como a tabela 01 reproduzido por Lênin
(2000[1916]) do geógrafo A. Supan:

Tabela 01 - Percentagem de território pertencente às potências coloniais européias


e aos Estados Unidos na última década do século XIX
1876 1900 Diferença
Na África 10,8 % 90,4% + 79,6%
Na Polinésia 56,8% 98,9% + 42,1%
Na Áustria 51,5% 56,6% + 5,1 %
Na Austrália 100,0 % 100,0% ___
Na América 27,5% 27,2% - 0,3%
Fonte: Lênin (2000[1916], p.58)

Para Lênin (op.cit), a política colonial já existia antes do capitalismo, ressalta


porém que a política colonial do capitalismo é essencialmente diferente das fases
anteriores por ser, na fase do imperialismo, uma política colonial do capital financeiro.
Para Lênin são as guerras imperialistas que podem eliminar a desproporção existente
entre o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de capital, vemos
portanto como saída encontrada para grandes crises capitalistas como foi com a I e II
Guerra Mundial quando a partilha e colonização dos países pobres alcançaram níveis
sem precedentes. Lênin nos chama atenção ao fato de que a política colonial

34
imperialista origina também formas transitórias de dependência estatal, que ele
denomina de semi-colonial:

(...) Para esta época (do imperialismo, NCC) são típicos não só os dois grupos
fundamentais de países – os que possuem colônias e as colônias -, mas também as
formas variadas de países dependentes que, de um ponto de vista formal, político,
gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da
dependência financeira e diplomática (LÊNIN, op.cit, p.65).

Para objeto de nosso estudo verificamos os aspectos de dependência e


dominação para as políticas ambientais implementadas conforme constata Diegues
(2008) ao estudar o papel das grandes ONGs ambientalistas e conforme averiguamos no
capítulo II ao estudarmos o papel de grandes organizações imperialistas na formulação,
financiamento e implementação das políticas ambientais para o Brasil.

1.3 - Imperialismo e holocaustos coloniais

As catástrofes ambientais têm conseqüências diferentes sobre os países. Foi


sobre esta perspectiva que Davis (2002) no livro “Holocaustos Coloniais: clima, fome e
imperialismo na formação do Terceiro Mundo” realiza as vinculações entre
imperialismo, história climática e colonialismo. Podemos dizer que o livro é sobre a
história da fome, ou ainda uma economia política da fome no mundo, especialmente nas
regiões mais afetadas que ele aborda, como a Índia, a China e o Brasil. Como bem
lembra o autor, nenhum dos grandes historiadores da era moderna fez um estudo sobre a
fome à altura da gravidade do fenômeno. Faz exceção a Karl Polanyi, no livro “A
Grande Transformação”, que compreendeu que a catástrofe da fome estava relacionada
com a consolidação e expansão do capitalismo. Davis analisa o que denomina de
“ecologia política da fome” analisando as grandes secas de 1876-79 e 1896-1902 na
Índia, China e Brasil que causaram um verdadeiro holocausto levando à morte mais de
cinqüenta milhões de pessoas.
Davis (2002) nos mostra que a grande parte dos agricultores indianos, brasileiros
e marroquinos, por exemplo, que passaram fome em 1877 e 1878, já tinham
empobrecido e ficaram mais vulneráveis a tragédias ambientais com a crise econômica
iniciada em 1873. O acentuado aumento dos déficits comerciais da China, engendrados
artificialmente por narcotraficantes britânicos, acelerou o declínio dos silos chineses,
que eram sua defesa contra a seca e a inundação. As secas no nordeste brasileiro, em
1889 e 1891, tornaram ainda mais vulnerável a população frente à crise econômica e

35
política da República. Davis acertadamente conclui que “cada seca global foi o sinal
verde para uma corrida imperialista pela terra”, e cita vários exemplos. A seca sul-
africana de 1877 foi a oportunidade de Carnarvon para atacar a independência zulu; a
fome etíope de 1889-91 foi o aval de Crispi para construir um novo Império Romano no
Chifre da África. A Alemanha guilhermina explorou as inundações e a seca que
devastaram Shandong (China) no final da década de 1890; os EUA usaram a fome e a
doença causadas pela seca como armas para esmagar a República das Filipinas de
Aguinaldo. Davis problematiza e dá respostas a três perguntas fundamentais: 1) o papel
da natureza na história sangrenta da fome; 2) o que movimenta a grande rota da seca e,
3) a existência de uma periodicidade intrínseca da seca (DAVIS, 2002).
Davis (2002), relativizando a determinação absoluta de fenômenos ambientais
para demarcar e evitar possíveis confusões, esclarece conceitos tais como: o El Niño4,
seca, fome causas e conseqüências, que aqui reproduzimos sinteticamente:

a) El Niño: como o termo possui sentidos controversos na literatura científica o autor


cita alguns conceitos: 1) a fraca contracorrente que eleva ligeiramente a temperatura do
mar ao longo da costa do Equador e do Peru todo ano, próximo ao Natal; 2) os grandes
aquecimentos que acontecem sempre de três a sete anos, com severas conseqüências; 3)
o componente oceânico ativo de uma vasta oscilação na massa de ar e na temperatura
oceânica em toda a extensão da Bacia do Pacífico.

b) Seca: a seca sempre tem uma dimensão artificial e nunca é apenas um desastre
natural. O autor faz uma distinção importante de duas dimensões da seca: a seca
metereológica e a seca hidrológica. A primeira é definida como a queda percentual da
precipitação média anual de determinado local; a segunda ocorre quando tanto os
sistemas de abastecimento de água natural (rios, lagos e lençóis) quanto os artificiais

4
Davis expõe o fenômeno que conhecemos como El Niño (seca) e La Niña (inundação). No século XIX a
seca sincrônica era um dos grandes mistérios científicos do século. Na década de 1960 o cientista Jacob
Bjerknes, da Universidade da Califórnia, “mostrou pela primeira vez que o Oceano Pacífico equatorial,
agindo como um motor de calor planetário acoplado aos ventos alísios, afetava os padrões de precipitação
em todos os trópicos, e mesmo nas regiões temperadas. Os rápidos aquecimentos do leste Pacífico
tropical (chamados de El Niño), por exemplo, associam-se a períodos de chuva fracos e à seca sincrônica
ao longo de vastas partes de Ásia, África e nordeste da América do Sul. Nas raras vezes em que o leste do
Pacífico fica inusitadamente frio, por outro lado, o padrão se inverte (a chamada La Niña), e ocorrem
precipitação e inundação anormais nas mesmas regiões ‘teleconectadas’. Toda a vasta gangorra de massa
aérea e temperatura oceânica, que também se estende pelo Oceano Índico, é em termos formais conhecida
como “Oscilação Sul do El Nino” (ou ENSO, para abreviar – acrônimo em inglês de El Nino-Southern
Oscillation)” (DAVIS, 2002, p. 23-24).

36
(reservatórios, poços e canais) não possuem volume suficiente para salvar a safra. Davis
faz essa distinção cuidadosa e nos lembra que a seca hidrológica tem sempre uma
história social. Os sistemas de irrigação artificial dependem de investimento social e
trabalho de manutenção. Obviamente reconhece que a prática humana que leva ao
desmatamento e à erosão do solo interfere no abastecimento de água. Lembra que a
mais devastadora seca do século XIX foi decorrente da degradação da paisagem,
descuido com os tradicionais sistemas de irrigação, desmobilização da mão-de-obra
comunal e a negligência do Estado em investir no abastecimento de água. Davis retira
de Rolando Garcia em Nature Pleads Not Guilty, a questão fundamental que seu livro
vai responder: “Em que medida a transformação colonial do sistema de produção
mudou a maneira pela qual os fatores climáticos puderam exercer sua influência?”

c) Fome (causas): Davis entende que as conseqüências da fome é também um problema


de classe: “Se a falta ou não de colheitas leva à fome, e quem, na ocorrência de penúria,
passa fome, dependem de inúmeros fatores sociais não lineares”.

d) Fome (mortalidade): o autor chama atenção para o aumento da mortalidade durante


períodos de fome, causados pela grande suscetibilidade física causada pela fome e pelos
sérios problemas de saneamento básico (DAVIS, 2002, p.27-37).

Para Davis a Índia e China não entraram para a história moderna como as
imponentes “terras da fome” do imaginário ocidental. O autor reconhece a gravidade
das catástrofes das secas e outras calamidades do meio ambiente, mas ele acentua que
estes nunca são fenômenos isolados. Nesse ponto cita o trabalho que mais o inspirou no
livro, a pesquisa de Michael Watts (“Silent violence: food, famine and peasantry in
Northern Nigeria”) que nos elucida sobre o verdadeiro impacto da seca:

(...) o risco do clima (...) não é dado pela natureza, mas (...) ‘por acordo negociado’,
pois cada sociedade tem meios institucionais, sociais e técnicos para lidar com o risco
(...) As fomes (portanto) são crises sociais que representam as falhas de determinados
sistemas econômicos e políticos (DAVIS, 2002, p.298).

Na perspectiva da ecologia política, Davis (2002) demonstra que a


vulnerabilidade dos camponeses aos fenômenos climáticos aumentou drasticamente
com a destruição de seus laços comunitários e economias de subsistência, na época do
imperialismo, que produziu estados coloniais e dependentes. Acentua a necessidade de
compreendermos qual foi o processo que fez com que a população tropical perdesse

37
tamanho terreno econômico para os europeus ocidentais após 1850. Cita os dados de
Angus Maddison na sua obra The World Economy: Historical Statistics (OCDE, 2004)
que mostrou que as diferenças de renda e riqueza entre as grandes civilizações do século
XVIII eram relativamente pequenas. Para Davis (op.cit.) esses estudos demonstravam
que o padrão de vida médio na Europa era inferior ao do resto do mundo; e a Índia
produzia um quarto dos produtos manufaturados do mundo. O futuro Terceiro Mundo,
dominado pelas economias comerciais e artesanais bastante desenvolvidas da Índia e da
China, ainda respondia em 1850 por 65 % do PIB global, caindo com extrema rapidez
para 38% em 1900 e 22% em 1960 (DAVIS, op.cit, p.304). O processo de
desindustrialização da Ásia ocorreu pela substituição de mercadoria têxtil de fabricação
local por importações do algodão inglês. Os teares da Índia e China foram derrotados
não tanto pela competição de mercado quanto pelo violento desmantelamento causado
por guerra, invasão, ópio e o sistema de tarifas impostos pela Inglaterra. Davis lembra
também o fato que, de 1780 ou 1800 em diante, toda tentativa séria de uma sociedade
ocidental para implantar um projeto de desenvolvimento ou criar regras de comércio era
acompanhada de uma resposta militar, assim como uma resposta econômica, de Londres
ou de outra capital imperial 5.
Em relação à Índia, Davis condensa a ocupação britânica em um fato: “não
houve nenhum aumento de renda per capita na Índia de 1757 até 1947, (...) na última
metade do século XIX, a renda provavelmente diminuiu em mais de 50%.” E ainda:
“de 1872 até 1921 a expectativa de vida dos indianos pobres caiu 20%”. Para ilustrar a
extrema contradição da pobreza no país, Davis concentra-se na região de Berat, por ser
esta a maior produtora de algodão e trigo, pauta da economia colonial de exportação, e
igualmente ter sido o epicentro da mortalidade em massa nas fomes das décadas de
1870 e 1890. Durante as fomes de 1899-1900, quando 143 mil beraris morreram de
fome, a província exportou 747 mil alqueires de grãos e dezenas de milhares de fardos
de algodão (DAVIS, op.cit. p.325). É por isto que “a maioria das crianças de Berar ficou
nua, a maioria dos homens semivestidos e as mulheres vestiam-se de trapos” (id.
ibidem). A expectativa de vida em Berar chegou a atingir menos de 10 anos em 1900.
Davis nos lembra que a síntese da economia colonial é que “os agricultores (indianos,

5
O professor José Luis Fiori (IE / UFRJ), contabilizou que a Inglaterra realizou 96 guerras no período de
1750 a 1940. Os EUA, ainda recente independente da Inglaterra (1783), já bombardeava em 1802-1804 o
norte da África e em 1814-1815 destruiu Trípoli e depois Argel.

38
NCC) que punham pão nas mesas inglesas não conseguiam garantir a subsistência das
próprias famílias” (ibidem, p. 331).
É oportuno citar os exemplos ocorridos nos campos indianos, que guardam
bastantes semelhanças com o aconteceu e ainda acontece hoje no campo brasileiro. Isso
é bem visível na transcrição que Davis faz do depoimento de um camponês indiano à
Comissão da Fome em 1881:

O agricultor agora é submetido a despesas que em tempos anteriores não conhecia.


(...) Agora paga mais pelo seu gado que no passado, e não pode mais derrubar uma
árvore de qualquer lugar que queira (...). Agora ele tem de praticamente gastar moeda
onde antes só precisava trabalhar, e o capim com que todo ano forra o telhado de sua
choça agora tem de ser comprado, não apenas ceifado e transportado como era
(DAVIS, 2002, p. 337).

Isto ocorria por conta da privatização das terras, antes comuns. Davis lembra
que até 1870 todas as florestas da Índia haviam sido comunalmente administradas; por
volta do final da década, estavam totalmente cercadas por agentes armados do Estado.
Davis define “pobreza ecológica” como o esgotamento ou a perda de direito à
base de recursos naturais da agricultura tradicional, e esta juntamente com a crescente
pobreza familiar e a descapacitação do Estado explicam tanto o surgimento do ‘Terceiro
Mundo’ quanto sua vulnerabilidade a extremos fenômenos climáticos (DAVIS, 2002,
p.320).
A seca, a fome, a espoliação ocasionada pelo colonialismo inglês provocou a
morte de centenas de milhares de indianos e, principalmente, o colonialismo foi o
principal responsável pela situação econômica e social da Índia naquele período.
Sobre a China, Davis inicia com uma citação de Gong Zizhen, sobre as
diferenças entre ricos e pobres:

Quando os ricos competem uns com os outros em esplendor e ostentação enquanto os


pobres apertam uns aos outros até a morte; quando os pobres não desfrutam de um
único momento de descanso, enquanto os ricos vivem no conforto; quando os pobres
perdem cada vez mais, enquanto os ricos continuam a empilhar tesouros (...) tudo isso
acabará se congelando em um vapor nefasto que inundará com suas trevas o espaço
entre o céu e a terra (GONG ZIZHEN apud DAVIS, 2002, p.349).

Davis relata que semelhante a Índia, a China da época das dinastias possuía uma
série de políticas de irrigação, de prevenção das inundações e de combate a fome, que se
esgotou devido à espoliação imperialista na região, especialmente decorrente da sangria
dos recursos, da corrupção e do ópio. Tudo isto ocasionou uma grave crise fiscal que se
traduziu em menor capacidade da burocracia imperial em garantir comida aos

39
camponeses. Davis cita os dados da capacidade de armazenamento de alimentos que no
período anterior funcionaram como fonte importante de abastecimento no período das
secas: os sistemas de silo e de caridade que chegaram a armazenar até 48 milhões de
shih6de arroz, trigo e painço e caíram para 30 milhões de shih na década de 1820; na
década de 1850 eram inferiores a 20 milhões, e, no início da fome de 1876, havia menos
de 10 milhões de shih (ibidem, p.362). A natureza também cobrou a conta do grande
crescimento do desmatamento da Era de Ouro chinesa do século XVIII, com a seca,
inundação e fome do século seguinte.
Sobre o Brasil Davis dedica o último capítulo de seu livro ‘Brasil: raça e capital
no Nordeste’. Inicia com uma citação de Gonçalves Dias sobre o que é a seca: “(...) um
elemento estratégico no processo de acumulação pelas grandes unidades de produção
rural no Nordeste” (ibidem, p. 389). Davis mostra que a economia brasileira,
semelhante à da Índia, foi espoliada pelos ingleses, lembrando que países como o Brasil,
por serem tão dominados por investidores e credores ingleses, embora formalmente
independentes, se tornou um exemplo clássico do que a literatura chama de “colônia
informal”. O melhor exemplo dessa situação foi o fato do vertiginoso aumento do
comércio externo não se traduzir em melhorias das condições de vida interna. Davis cita
o exemplo do PIB per capita que teve uma vertiginosa ascensão de 600 % entre 1800 e
1913 nos EUA e até de 150 % no México, enquanto que o crescimento no Brasil foi
zero (ibidem). Embora a economia cafeeira tivesse um excelente crescimento em São
Paulo, era contrabalançado pelo enorme retrocesso econômico do Nordeste. Na Zona da
Mata ocorreu um drástico declínio na nutrição quando os salários reais despencaram 60
% de 1870 a 1890. Também elucida o aspecto de como a dominação impede o
desenvolvimento nacional, citando de Warren Dean7 um exemplo revelador: uma
fábrica de linha de costura em Alagoas foi comprada por um inglês com o único
propósito de desmantelá-la e jogar a maquinaria no Rio São Francisco (ibidem, p. 391).
A economia nacional impedida de desenvolver-se tinha também no Estado as
conseqüências das mazelas da espoliação. Na década de 1890, enquanto os preços do
café estagnavam e depois despencavam, o serviço da dívida cresceu para metade do
orçamento federal. Davis nos lembra que por ocasião da seca e fome que mais uma vez
devastou o Nordeste (a de 1825 matou 30 mil apenas no Ceará), foi esse mesmo Estado

6
Medida de peso de grãos: cerca de 80 kg.
7
Davis refere-se a obra do historiador Warren Dean , que aborda a atuação do industrial Delmiro
Gouveia.

40
que comprou as balas destinadas a matar mais de 30 mil seguidores de Conselheiro em
Canudos (ibidem, p. 391).
No Brasil sempre se discutiu sobre a solução para os problemas resultantes da
seca do nordeste. Com vários planos de irrigação e as mazelas da corrupção pública,
chegou-se até a verificar que existia uma verdadeira ‘indústria da seca’. Davis
analisando a baixa capacidade do Estado de patrocinar e efetivar projetos de irrigação
atribui a isso o que ele chama de “tripla periferalização”: 1) o subdesenvolvimento do
sistema financeiro brasileiro em relação ao capital britânico; 2) a posição econômica e
política em declínio do Nordeste em relação a São Paulo; 3) a marginalidade do sertão
no seio da política do Estado em relação às elites agrárias do litoral (ibidem, p.400).
Davis lembra que a situação contemporânea dos nordestinos pobres e miseráveis
é pouco diferente da época em que “Conselheiro e Cícero pregaram pela primeira vez o
Apocalipse nas estradas do sertão do Ceará” (ibidem, p.405).
A extrema disparidade entre ricos e pobres segue em nosso país e também no
mundo. Os dados do relatório da ONU (2006) mais de metade da riqueza mundial está
nas mãos de apenas 2% dos adultos do planeta, enquanto os 50% mais pobres têm só
1%. Esta enorme disparidade reflete também a forma como os países enfrentam e irão
enfrentar as conseqüências das mudanças no clima. Estudos apresentados em Nairóbi,
no Quênia, na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, em 2006, os
cientistas fizeram um apelo às nações ricas para que adotem medidas concretas para
reduzir as emissões dos gases do efeito estufa e também para ajudar os países mais
pobres a lidarem com o aquecimento global. Ocorre que são exatamente os países
pobres que mais sofrerão os efeitos climáticos resultado exatamente do crescimento dos
ricos. Segundo o relatório apresentado, a África é o continente mais sujeito às
catástrofes ambientais. Lá, pelo menos 70 milhões de pessoas estariam diretamente
ameaçadas por enchentes, e diversas cidades costeiras devem submergir com a elevação
dos níveis dos mares em 2080, entre elas centros importantes como Cidade do Cabo e
Lagos. Uma destruição de até 30% da infra-estrutura costeira. Plantações dos mais
importantes cultivos do continente como milho e sorgo vão desaparecer.
Os dados referentes ao acesso a recursos essenciais, como a água, também
revelam a disparidade entre pobres e ricos. Mais de um bilhão de pessoas em todo o
mundo sofrem com problemas relacionados à escassez e contaminação da água. Embora
sejam os países pobres os grandes detentores das reservas de água doce, são estes os
mais atingidos por sua falta e por problemas de saneamento básico. Alguns dados do

41
problema no mundo: 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, 1,1
bilhões de pessoas não têm acesso à água limpa; 1,8 milhões de crianças morrem por
ano de diarréia; 50% da população dos países ditos em desenvolvimento (pobres)
sofrem de algum problema relacionado à falta de água e de saneamento. Por outro lado,
um europeu gasta por ano 400 litros de água, um norte-americano, 500 litros, mas esse
volume pode chegar a até mil litros. Já nas favelas dos países pobres o gasto é de menos
de 20 litros por pessoa.
Os dados apresentados acima demonstram a situação extremamente grave que os
países dominados enfrentam, também relacionados aos problemas atuais de mudanças
climáticas. Davis estudou em seu livro que os problemas climáticos já existiam há
milênios, embora reconheça que ocorrem mudanças na proporção e gravidade deles. O
que parece ser central é a capacidade dos países em lidar com eles e também a
capacidade e vontade política de resolvê-los. Por isto é que os holocaustos coloniais que
Davis analisou aparecem hoje como antigos e novos fenômenos: Katrina, Tsunamis,
secas em lugares antes impensáveis (seca de 2005 na Amazônia) e outros. Entretanto
não podemos deixar de perceber que esses problemas estão relacionados ao capitalismo.
Em um sistema onde tudo é mercantilizado, pode-se comprar a água, o frio ou calor
(dependendo do clima), e até prever eventuais catástrofes. As populações afetadas
especialmente pelos eventos do Katrina e do Tsunami conhecem bem essa realidade.

1.4 – Onguismo

Este tópico tem como objetivo mostrar a análise realizada pelo sociólogo
espanhol Andrés Piqueras (2000, 2001) sobre o fenômeno das ONGs e sobre o conceito
de onguismo (PIQUERAS, 2000). O autor desenvolve conceitos e explicações de
categorias importantes para nosso trabalho, como associações voluntárias (AV),
Sociedade Civil (SC), Organizações Não Governamentais (ONGs) e o conceito de
onguismo, que utilizamos como referência ao estudo do fenômeno das ONGs:

Como expressão da sociedade civil (fundamentalmente encarnada pelas classes médias)


e como prolongamento do braço social do Estado mínimo (ou forma que o Estado
adquire na atualidade) vem à luz um onguismo triunfante. Sua forma de intervenção ou
de atuação social, em conjunto, não persegue transformações estruturais senão medidas
paliativas e maquiadoras da ordem social imperante, mas sem levar sequer ao
reformismo, dado que suas intervenções são pontuais e de qualquer projeto integrador
sócio-político, gerando ou assegurando clientelas dependentes ao contribuir com a
descapacitação, submissão ou dissolução dos movimentos populares ou formas de
intervenção autóctones. O onguismo colabora, assim mesmo, na auto-exploração das

42
populações (através do reforço e divulgação de formas de ‘auto-ajuda’, ‘voluntariado’ e
‘economia social’ muito promovidas desde o âmbito de poder econômico político).
Contribuindo, em suma, para a substituição das políticas sociais e direitos duramente
conseguidos por assistencialismos de um ou outro tipo, e coadjuvando em geral, a
aceitação da inevitabilidade da ordem dada (PIQUERAS, 2000, p.17).

Para Piqueras (2001) o associativismo é uma expressão relativamente regulada


da sociabilidade. Sobre isso o autor destaca que a sociologia positivista estabeleceu
diversas distinções binárias, entre as quais se destacam: formal/informal, autóctone/não-
autóctone, aberto/fechado e tradicional/moderno. No texto a distinção que mais nos
interessa é voluntário/obrigação. Porque os critérios de ‘voluntariado’ estão
estreitamente ligados a uma concepção liberal da cidadania que, por sua vez, sustenta-se
em algumas ficções sociais. O autor destaca que a bibliografia, em geral, que trata do
associativismo, não privilegia o entendimento de que as associações e as pessoas a elas
vinculadas pertencem a relações sociais de produção, e disso não estão desvinculados.
Indica que a antropologia tem trabalhado nessa direção, tanto na escala individual,
grupal e macro-social. Nesses o associativismo é maior nos núcleos de forte imigração e
em contextos onde as carências sociais são enormes.

Segundo Piqueras (2001) as associações voluntárias (AVs) vão fazer a ‘ponte’


entre o Estado e as comunidades. Para o autor, tem-se buscado ver nas AVs lugares
privilegiados de integração social, assim como de transmissão ou geração de
identidades. Também servem de treinamento para a organização social ou política, ou
seja, para o desenvolvimento da capacidade de organização e direção dos indivíduos
que as integram e especialmente daqueles que ascendem a cargos de direção, que são
verdadeiros testes para incursões sócio-políticas de mais ampla dimensão. Pode-se
também obter poder, dependendo da importância da associação, resolver problemas de
ordem pessoal, como carências afetivas de ordem privada. Disto o autor conclui que em
ambos os casos as AVs são importante fonte de ‘capital relacional’ para os indivíduos.
Quanto as suas funções macro-sociais, a sociologia tem se destacado em apontar
as mais significativas. Para Piqueras (2000) as AVs são tomadas como mantenedoras do
sistema social (que também as possibilita), e como educadoras das normas internas do
mesmo, procuram a adaptação dos indivíduos ao sistema. Também as AVs são os meios
canalizadores e, em certa medida, solucionadoras das tensões sociais. Existindo esses
mecanismos para repartir as quotas de participação entre a sociedade política e a
sociedade civil. Para o autor esses apontamentos nos servem para vermos os objetivos

43
das AVs, que tiveram espetacular aumento nas últimas décadas do século XX. Nesse rol
houve também uma eclosão de organizações de novo cunho, tais como as Organizações
Não Governamentais - ONGs.
Para Piqueras (2001), estudar as ONGs nos coloca diante de um ambíguo objeto,
porque formalmente nada impede considerarmos uma associação esportiva, recreativa,
de festas ou até empresarial como Organização Não Governamental - ONG. Estas
como expressões atuais das AVs tiveram um auge nas últimas décadas gerando o
fenômeno do onguismo. Para isto ocorrer Piqueras aponta duas razões principais: 1) a
estrutura de possibilidades políticas; e 2) a reestruturação da organização dos próprios
sujeitos sociais.
Para a primeira razão o autor aponta a quebra do Estado do Bem-Estar Social
nos países imperialistas e o colapso do populismo estatal nos países dominados.
Segundo Piqueras (2001) a passagem do Capital Monopolista de Estado (CME) para o
Capital Monopolista Transnacional (CMT), a relação de forças capital x trabalho
desequilibra-se fortemente a favor do capital, tanto na escala interestatal como
intraestatal. O Estado fomentou e decompôs-se em várias agências subsidiárias para
manter parcialmente algumas de suas funções sociais, e, dentre estas, estão as ONGs.
Também nesse processo ocorre o que Piqueras, citando BILBAO8, designa de “afasia
política” decorrente do processo de (des)socialização devido principalmente ao fato de
perda de direitos sociais e políticos (duramente conquistados), e de centrar-se
ideologicamente em protagonismos individuais (dos sujeitos), em contraposição ao
protagonismo de classe. Piqueras aponta que na segunda razão relaciona-se, nas
sociedades centrais, a radical transformação da classe trabalhadora devido a sua
segmentação, dualização e diversificação, e, em paralelo, o colapso do movimento
proletário, incapaz de resolver a ruptura do pacto keynesiano por parte do capital. Nesse
ponto o autor aponta que uma das causas para o enfraquecimento da classe trabalhadora
está nos chamados “novos movimentos sociais” que com sua parcialização e
fragmentação, sua incapacidade para avançar além de certas reivindicações pontuais,
sua carência de continuidade organizacional e programática, assim como falta de
vertebração política, ou seja, de caráter de classe (PIQUERAS, 2001, p.4).
Como conseqüência desses fatores ocorre a despolitização da vida cotidiana.
Nesse processo parte dos ‘grandes sujeitos’ que constituíam os movimentos se

8
BILBAO, Andrés. Obreros y ciudadanos. La desestructuración de la classe obrera. Trotta.: Madrid,
1995.

44
atomizam nos ‘micro sujeitos’ que a nova estrutura de possibilidades organizativas
permite. Para tanto o autor ressalta a necessidade de desfazer confusões entre
conjunturas e processos históricos de estratégias políticas mais ou menos coletivas com
livres opções dos indivíduos. E isto acontece porque a veia explicativa do autor para o
fenômeno do onguismo está baseada nos mitos da sociedade de mercado liberal: 1) do
mito do livre contrato ao da cidadania desenvolvida ou sociedade civil; 2) do mito da
sociedade civil ao do Terceiro Setor (PIQUERAS, 2001, p.5).
No primeiro mito está a sociedade moderna capitalista baseada no
contratualismo, sociedade de mercado livre onde os agentes econômicos têm liberdade
para estabelecerem os contratos que quiserem, já que a sociedade do livre contrato faz a
propaganda de que rompeu com todos os laços de servidão, mesmo sabendo que apenas
o Brasil tem 25.0009 pessoas submetidas a relações de escravidão e a outras formas de
relações semi-feudais. Das contradições do contratualismo surge a tríade Estado-
Mercado-Terceiro Setor. Este último formado por uma infinidade de associações,
cooperativas, ONGs e outros que se adjetivam como o “mundo da solidariedade”, e
satisfazem as demandas sociais que nem o Estado nem o mercado podem atender
(PIQUERAS, 2001, p.6).
Rompendo com os laços da servidão a sociedade contratualista se opôs aos
estamentos civil e militar e constituiu-se em Sociedade Civil. Para Piqueras (2001) a
Sociedade Civil vê-se integrada apenas por cidadãos com capacidade participativa na
vida social e política, possibilidade essa dada exclusivamente através da propriedade.
Dessa concepção de “cidadania” se origina a “liberdade” e o “voluntariado” das
relações contratuais ou associativas estabelecidas pelos indivíduos “livres”.10 É por tudo
isso que o autor ressalta que o conceito de “Sociedade Civil” separa do Estado uma
sociedade irreal, amorfa, sem definição.
O segundo mito decorre da tríade Estado-Mercado-Terceiro-Setor. Para Piqueras
(2001) o “Terceiro Setor” responde na realidade a determinados processos de
reestruturação da regulação da acumulação capitalista. Reestruturação essa que promove
instituições e organismos globais que velam pela acumulação capitalista em escala
planetária (BM, FMI, ONU, OMC, OTAN, UE, G-8). Portanto o “Terceiro Setor” pode

9
Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2008. Fonte: www.cpt.org.br
10
Não é demais citar o que PIQUERAS nos recorda que no capitalismo se perde a visibilidade dos
indivíduos como produtores, em favor de sua condição de “consumidores”, caso tenham rendas, virtude
que passa a ser componente essencial da definição de “cidadãos livres”.

45
ser entendido como estratégia capitalista para assegurar a submissão da sociedade ao
capital.
O autor conclui que diante do “voluntariado”, da “economia social”, da
“sustentabilidade”, que são elementos regulados pelo capital, que aproveita para
legitimar tanto seu deslocamento do social, como a desestruturação da sociedade que ele
mesmo gerou, e em geral um variado associativismo convertido em onguismo.
Alguns poderiam comentar que esse ponto é por demais genérico; afinal uma
gama de organizações surgidas na época da ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985,
como ONGs, e outras, como associações e cooperativas, têm desempenhado papel em
vários movimentos, como no caso da Amazônia. O livro “Les ONG: instruments du
neo-liberalisme ou alternatives populaires?” nos fornece um quadro bem feito da origem
das ONGs. Poderíamos concluir que uma das principais características dessas
organizações foi a de surgirem no momento da Guerra Fria, fazendo parte do aparelho
de Estado Keynesiano, tendo ações paliativas e nunca revolucionárias.
Piqueras (2000, 2001) ressalta a importância da concepção gramsciana de
Sociedade Civil como um projeto em contínua construção, como um componente
essencial da hegemonia, do espaço onde se fabrica o consenso. Para Gramsci a
Sociedade Civil (SC) é também parte do Estado, pois este é o resultado das relações de
força e poder mantidas no interior das sociedades. Nesse ponto Piqueras lembra-nos que
a hegemonia do capital tem conseguido, por hora, impor também uma realidade à SC
alheia ao lugar de possibilidades e transformações sociais, ocupados por sujeitos
autônomos, quando no momento propõe uma homogenização dos indivíduos11 que,
sendo sujeitos sem classes e sem diferenças de poder, são convertidos todos em
cidadãos. Para Piqueras (2001) a maior parte da participação popular limita-se a formas
corporativas, ou a objetivos associativistas, tão inocentes quanto velhas e acima de tudo
despolitizadas. Então, quando os cidadãos intervêm no social, tornam-se voluntários.
Para Piqueras (2001) o Terceiro Setor (TS) não pode ser apolítico, porque na
realidade responde a determinados processos de reestruração do capitalismo. Ao mesmo
tempo facilita tanto economias populares de sobrevivência como sociedades locais que
escaparam da civilidade burguesa. O autor identifica que é aí que o TS se concebe como
refúgio de indivíduos, de coletivos, de setores da população e comunidades inteiras

11
Piqueras recorda Marx para elucidar que contratos firmados entre aqueles que ocupam posição de
classe desigual no mercado, é um contrato entre desiguais. Faz tempo que o desenvolvimento do
capitalismo levou consigo formas originárias de associações e as transformou em formas contratuais, ou
seja, mercantis.

46
diante do atual processo de (des)socialização. É o campo da auto-ajuda e busca da
sobrevivência para amplos setores populares diante da desatenção do Estado e do
mercado. Também é o espaço social para quem intervém nestes setores, desde diversas
instituições ou entidades, até o onguismo.
Para Piqueras (2001) embora o terceiro setor se encontre despolitizado não está
fora do terreno das lutas. O autor admite que essa é uma estratégia do capitalismo para
assegurar a subsunção da sociedade (e do Estado) ao capital e alcançar a disciplina do
trabalho em todas as esferas sociais, pondo-o ao serviço das agências pós-fordistas de
trabalho precário e informal para aumentar a extração de mais-valia devido aos seus
baixos custos e a sua gratuidade12.
Para Piqueras, o Estado é um aspecto das relações sociais do capitalismo, é uma
forma histórica específica da dominação e do antagonismo de classes e portanto possui
em todas as suas instituições procedimentos e ideologia que expressam essa
contradição, não se trata de um epifenômeno da dominação econômica. O econômico e
o político, como as demais ordens sociais, são manifestações que expressam a
dominação do capital e suas contradições, as lutas de classes, e também de outras
formas de dominação. Por isso é que a fetichização do Estado como se fosse uma
entidade autônoma, por cima do resto da sociedade, que por sua vez se concebe como
algo à parte do Estado, como ‘Sociedade Civil’, dificulta as alternativas de luta, pois
separa artificialmente trabalhador de cidadão, luta econômica de luta política. Por isso é
que Piqueras (2001) atribui ao onguismo parte da expressão que adquire hoje a relação
de forças capital x trabalho, muito favoráveis ao capital. É expressão da auto-
atomização do Estado, algo que os sociólogos denominam como burocracias estatais
mais flexíveis e precárias (PIQUERAS, 2001).
Portanto, Piqueras (2001) chama-nos atenção para o erro de opormos as ONGs
ao estatismo. O autor, citando García-Salmones13, coloca as ONGs como um ‘estatismo
avançado’. Mas isso não significa dizer que elas são necessariamente subordinadas ao
governamental. As ONGs se originam e refletem todo o espectro social, desde as que
formam os sujeitos de classe mais organizados, como os empresários, ou as derivadas
de expressões políticas mais orgânicas em luta, até aquelas provenientes de setores
desorganizados, todos aproveitando a estrutura de oportunidades políticas abertas pela

12
Como exemplo do voluntariado o programa “Ação Global”, da Fundação Roberto Marinho com o
Estado, mobiliza 35.000 pessoas.
13
GARCIA-SALMONES, K.A. (1999). “10 respuestas a James Petras”, em Resumen Latinoamericano,
nº 41, Algorta.

47
tendência atual do Estado. Piqueras fazendo uma analogia médica chama as ONGs de
“organismos oportunistas”.
Piqueras (2001) propõe uma classificação das ONGs:

1) as que se declaram ‘apolíticas’ porque não manifestam vinculações a estruturas de


classe. Esse é o caso das ONGs de ajuda, emergência, desenvolvimento e de defesa dos
direitos humanos em geral ou de defesa de segmentos da população como mulheres,
crianças, idosos, imigrantes, etc. Aqui se inclui a maior parte das organizações do tipo
“sem fronteiras”.

2) as que se reconhecem como políticas. Estão vinculadas, organicamente ou não, a


igrejas, partidos políticos, sindicatos, organismos empresariais, etc. Também aqui um
segundo tipo de número bastante reduzido que tem sua origem na fragmentação de
organizações e partidos de esquerda minoritários e sem vinculação parlamentar. Têm a
concepção oposta ao voluntariado da sociedade civil, possuindo o compromisso político
e ideológico da militância como ferramenta do coletivo para intervir na transformação
do mundo. Trabalham nos âmbitos do desenvolvimento, formação e investigação,
estudo e documentação.

3) por último, as que são mais comuns, sobretudo nos países periféricos, e
particularmente no âmbito do desenvolvimento, e que fazem o papel de gestoras. São
altamente profissionalizadas e burocratizadas, realizam a função de intermediárias entre
os Estados centrais e os periféricos, ao fazer a contrapartida das ONG de
desenvolvimento das sociedades centrais (PIQUERAS, 2001, p.10-11).

Piqueras (2001) chama atenção de um aspecto muito importante para aqueles


que pesquisam sobre as ONGs. Como as ONGs possuem muitas formas de atuação,
procedimentos e objetivos muito variados, além de tipos muito diferentes de
intervenções, contrapartidas e relações ou vinculações diferentes com as instituições,
conclui que é uma futilidade do pesquisador procurar tratá-las todas da mesma maneira.
Para o autor o que nesse campo temos de certo é que em algumas [talvez na grande
maioria] das ONGs encontramos expressões do que ele chama de onguismo. Todas
estão sujeitas e são, em alguma medida, filhas do que os sociólogos chamam de “nova
governabilidade”, própria do capitalismo monopolista transnacional e de sua expressão
ideológica, o neoliberalismo. Neste contexto, os poderes buscam criar as condições
subjetivas para a auto-regulação e o auto-controle dos próprios cidadãos. Estes devem
transformar-se em indivíduos responsáveis, membros de comunidades auto-governadas
e que sejam capazes de formar suas associações para tratar de seus próprios interesses.
O Estado, por sua vez, exerce um controle à distância através de orçamentos,
contabilidades e auditorias, e outras medidas numéricas como indicadores.
Piqueras (2001) ressalta três aspectos importantes do fenômeno do onguismo: o
primeiro é que as ONGs mesmas correspondem às pressões dos poderes públicos de

48
serem agências de sub-contratação, o que significa realização de trabalhos com custos
menores ou gratuitos; o segundo de que o onguismo seja uma fonte de subcontratação
para a intervenção paliativa, tanto no âmbito intraestatal como interestatal; e o terceiro,
que com o aumento do controle na maioria das administrações públicas, as ONGs vão
assumindo atividades mais burocratizantes e para tanto necessitam de especialistas nas
áreas que, por sua vez, o mercado não consegue assimilar (PIQUERAS, 2001, p.12).
Entendemos o fenômeno das ONGs em termos do onguismo aqui conceituado.
Desta forma não está entre os objetivos de nosso trabalho a diferenciação e identificação
de ONGs como boas ou más; buscamos realizar um estudo das relações sociais que
permeiam as ONGs e que permitem-nos compreender a ação dessas organizações e os
essenciais objetivos que as ONGs cumprem nos países dominados como “novos agentes
do imperialismo”.

49
Capítulo 2 - As Políticas Ambientais do Imperialismo para a Amazônia

"Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar


suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus
territórios e suas fábricas" (Margareth Thatcher,
primeira ministra britânica), 1983.

"Ao contrário do que os brasileiros pensam, a


Amazônia não é deles, mas de todos nós. Oferecemos o
perdão da dívida externa em troca da floresta" (Al
Gore, Vice-Presidente dos Estados Unidos, 1989).

"O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a


Amazônia" (François Mitterrand, Presidente da França,
1989).

"O Brasil deve delegar parte dos seus direitos sobre a


Amazônia aos organismos internacionais competentes"
(Gorbachev, Presidente da Ex-URSS, 1992).

"Caso o Brasil resolva fazer uso da Amazônia, pondo


em risco o meio ambiente nos Estados Unidos, temos
que estar prontos para interromper este processo
imediatamente" (General Patrick Hugles, Chefe do
Órgão Central de Informações do Exército
Americano).

Estas declarações de chefes de Estados de países imperialistas apenas


demonstram o caráter de intervenção na Amazônia. Serve como uma boa ilustração da
já amplamente denunciada internacionalização da Amazônia. Neste capítulo
pretendemos expor as políticas ambientais desenvolvidas por organizações dos países
imperialistas procurando analisar as relações dessas políticas com as estratégias14 para a
“geopolítica da biodiversidade”.

2.1 – Histórico do ambientalismo

Este capítulo tem como objetivo analisar as políticas ambientais formuladas por
organismos dos países imperialistas, a partir dos anos de 1970 até final da década de
1990, porque estas políticas irão servir aos interesses estratégicos dos países
imperialistas, entre os quais destacaremos os EUA. A escolha deste período deve-se ao

14
Tomamos aqui o conceito de estratégia conforme definido por Raffestin (1993): “(...) a estratégia
descreve a combinação de uma série de elementos a serem convocados para chegar a um objetivo. (...) A
estratégia é o resultado de um plano, de um projeto ou um programa que contém determinados fins
específicos. A estratégia supõe o recurso a uma série de meios. Os meios, ou mediatos, são convocados
para atingir um fim, isto é, para adquirir ou controlar mecanismos “(RAFFESTIN, 1993, p.42).

50
fato de que foram nesses vinte anos que se concentraram as principais políticas
ambientais preservacionistas e conservacionistas para a região da Amazônia brasileira.
Trabalhamos com o entendimento de que a política ambiental para Amazônia
constitui-se em um marco de estratégia geopolítica e, portanto, estamos aqui
considerando o termo denominado por Albagli (1998) de “geopolítica da
biodiversidade”. Entendemos que esta geopolítica ambiental específica para a Amazônia
ocorre em conseqüência de um novo padrão industrial baseado na biotecnologia. Nosso
entendimento é de que esta política é uma das estratégias de acumulação capitalista
conforme desenvolvido por Lênin (2000[1916]). É por isto que denominamos esta
estratégia de política ambiental do imperialismo, nos diferenciando de Kolk (1996), que
as denominou de políticas ambientais internacionais.
O estudo da holandesa Ans Kolk é original no levantamento e sistematização das
políticas ambientais para a Amazônia brasileira e nos permite traçar a intrincada rede de
organizações e de ações determinadas pela política ambiental do imperialismo. Kolk
(1996) aponta as relações e atores sociais desta intricada rede de formulação das
políticas ambientais e conclui que as políticas ambientais internacionais são positivas
para a Amazônia. Partindo do trabalho de Kolk (1996) e de McCormick (1992) faremos
a exposição das políticas ambientais para a Amazônia e de como estas políticas se
constituem na realidade em estratégias de geopolítica nos termos de uma “geopolítica da
biodiversidade”.
Um dos fatores determinantes de nosso trabalho é o entendimento dos interesses
que permearam o momento de adoção de políticas ambientais que foram articuladas
pelos países imperialistas, especialmente os EUA. Segundo Amin (1977) no período de
1948 a 1967, de grande crescimento capitalista, denominado de “tempo das ilusões”,
ocorreu forte crescimento econômico nas economias capitalistas dos países mais ricos.
Com o crescimento notável de economias da Europa e do Japão, os EUA vislumbraram
estratégias que permitissem a maior manutenção de sua hegemonia perante as
economias do mundo. Segundo Amin (op. cit. p. 26) os EUA desenvolveram a
estratégia de contra-ofensiva formulada primeiramente no campo ideológico e político
com a propagação do “crescimento zero”, o “meio ambiente” e o neomalthusianismo. O
Clube de Roma, um dos principais instrumentos constituídos com este fim, anunciava a
escassez generalizada e o esgotamento dos recursos naturais. Entendemos que esta
estratégia não estava apenas voltada para barrar o crescimento das nações ricas, mas
principalmente objetivava atingir os países pobres buscando convencê-los de que eram

51
seus modos de vida e sua população excessiva, sua pobreza e seu subdesenvolvimento
as principais causas do problema ambiental do planeta.
As maiores preocupações com a degradação do meio ambiente se reportam ao
período dos anos de 1960 quando começaram a ocorrer denúncias dos grandes danos
ambientais ao planeta causados pelo padrão industrial capitalista. O que McCormick
(1992) denomina de “revolução ambiental” começou, segundo o autor, a ocorrer depois
de 1945 e os períodos de maiores mudanças ocorreram a partir de 1962, embora a
política ambiental tenha começado a existir como leis e regras desde períodos
anteriores:

- em 1863, a Grã-Bretanha aprovou a primeira lei contra a poluição do ar e criou o


primeiro órgão de controle da poluição. Até 1971 existiam somente 12 órgãos
ambientais no mundo; no início dos anos de 1990 existiam mais de 140;

- o primeiro grupo ambientalista privado do mundo (Commons, Foot-paths, and Open


Spaces Preservation Society) foi fundado na Grã-Bretanha em 1865; em 1990 havia
mais de 15 mil desses grupos, um terço dos quais fundados depois de 1972;

- o primeiro acordo internacional sobre meio ambiente foi assinado em 1886; já em


1990 existiam mais de 250, três quartos dos quais assinados após 1960;

- em 1972 as Nações Unidas criaram um novo programa ambiental; já em 1980, quase


todas as organizações internacionais mais importantes - desde o Banco Mundial até a
Comunidade Européia e a Organização para o Desenvolvimento e Cooperação
Econômica - haviam criado programas e tomado posições relativas às políticas de meio
ambiente;

- outro fato importante foi a criação dos Partidos Verdes. O primeiro foi fundado na
Nova Zelândia. Em 1988 havia Partidos Verdes atuantes em 14 países (McCORMICK,
1992, p. 16).
Em 1968 e 1972 foram realizadas duas conferências ambientais que foram
marcos da política ambientalista: a Conferência da Biosfera, ocorrida em Paris, em
1968; a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, em 1972. Este evento resultou na criação do Programa de Meio Ambiente

52
das Nações Unidas – PNUMA15. Segundo McCormick (1992,) o encontro de
Estocolmo:

(...) marcou igualmente uma transição do Novo Ambientalismo emocional e


ocasionalmente ingênuo dos anos (19)60 para a perspectiva mais racional, política e
global dos anos (19)70. Acima de tudo, trouxe o debate entre os países menos
desenvolvidos e mais desenvolvidos – com suas percepções diferenciadas das
prioridades ambientais – para um fórum aberto, e causou um deslocamento fundamental
na direção do ambientalismo global (McCORMICK, 1992, p. 97).

Para McCormick (1992) a Conferência da Biosfera foi ofuscada pela


Conferência de Estocolmo, ressaltando a importância da primeira já que nela foram
discutidos os aspectos científicos das questões ecológicas. Segundo o autor (op.cit. p.
98), a Conferência da Biosfera chegou a um acordo sobre uma lista de vinte
recomendações: a) as oito primeiras recomendações eram baseadas na necessidade de
pesquisas sobre ecossistemas, ecologia humana, poluição, recursos genéticos e sobre a
necessidade de práticas de inventário e monitoração de recursos; b) recomendações
acerca das necessidades de novos enfoques para a educação ambiental. Estas
recomendações farão parte das políticas ambientais a serem adotadas para a Amazônia
conforme trataremos em outros tópicos deste trabalho.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano ocorreu em
Estocolmo (Suécia) no período de 5 a 16 de junho de 1972. A Conferência teve 1200
participantes de 113 países16, várias agências das Nações Unidas e 250 ONGs.
McCormick (1992, p.107) contabilizou a presença de representantes de mais de 400
ONGs em Estocolmo e a elas atribui um papel de destaque na qualidade da Conferência.
Depois de Estocolmo verificou-se um grande crescimento das ONGs Ambientalistas
que segundo o autor contabilizavam “2230 ONGs nos países menos desenvolvidos (....)
e 13 mil nos países mais desenvolvidos” (idem, p. 108). A Conferência contou
inicialmente com um comitê preparatório para o encontro que tinha a participação de 25
países e seu principal articulador foi Maurice Strong17 que veio a ser secretário-geral da
Conferência de Estocolmo.

15
Também conhecido por sua sigla do inglês UNEP (United Nations Enviromental Program).
16
Dos países socialistas naquele período apenas a China enviou representante e tomou posição crítica em
relação à visão ambientalista da Conferência.
17
Maurice F. Strong tornou-se o primeiro diretor-executivo do PNUMA de 1973-1975. Era um
milionário canadense de vários ramos de negócios, inclusive da Petro-Canadá. De 1966 a 1971 foi diretor
geral do Escritório Canadense de Ajuda Externa, que veio a tornar-se Agência Canadense para o
Desenvolvimento Internacional. Também presidiu a Eco-92.

53
Segundo Kolk (1996, p.130) a Conferência de Estocolmo tratou especialmente
de seis áreas: a) gerenciamento dos recursos naturais; b) relação entre meio ambiente e
desenvolvimento; c) assentamentos; d) poluição; e) educação, informação e os aspectos
sociais e culturais das questões ambientais; f) envolvimento das organizações. Da
Conferência resultou a Declaração sobre o Homem e o Meio Ambiente que continha 26
princípios e um Plano de Ação para o Homem e o Meio Ambiente, abrangendo 109
recomendações, e criava o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA).
A Declaração de Estocolmo propagandeava um mundo harmonioso e de direitos
universais e não encontraremos nela menção de intenções ambientais geopolíticas para a
Amazônia. Seus diagnósticos e recomendações muito longe estão do que de fato esta
política anunciava. Podemos ver nos itens 04 e 07 do documento do PNUMA 18:

Nos países em desenvolvimento, os problemas ambientais são causados, na maioria,


pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas continuam vivendo muito abaixo dos
níveis mínimos necessários a uma existência humana decente, sem alimentação e
vestuário adequados, abrigo e educação, saúde e saneamento. Por conseguinte tais
países devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, cônscios de suas prioridades
e tendo em mente a premência de proteger e melhorar o meio ambiente. Com idêntico
objetivo, os países industrializados, onde os problemas ambientais estão geralmente
ligados à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico, devem esforçar-se para
reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento (PNUMA, item 04,
1972).

A consecução deste objetivo requererá a aceitação de responsabilidade por parte de


cidadãos e comunidades, de empresas e instituições, em eqüitativa partilha de esforços
comuns. Indivíduos e organizações, somando seus valores e seus atos, darão forma ao
ambiente do mundo futuro. Aos governos locais e nacionais caberá o ônus maior pelas
políticas e ações ambientais da mais ampla envergadura dentro de suas respectivas
jurisdições. Também a cooperação internacional se torna necessária para obter os
recursos que ajudarão os países em desenvolvimento no desempenho de suas
atribuições. Um número crescente de problemas, devido a sua amplitude regional ou
global ou ainda por afetarem campos internacionais comuns, exigirá ampla cooperação
de nações e organizações internacionais visando ao interesse comum. A conferência
concita governos e povos a se empenharem num esforço comum para preservar e
melhorar o meio ambiente, em benefício de todos os povos e das gerações futuras
(PNUMA, item 07, 1972).

Os dois itens acima nos mostram algumas questões pertinentes: 1) parece haver
uma completa desconsideração sobre a realidade dos países alvo da política de
preservação ambiental, entre eles os detentores de florestas tropicais e suas respectivas

18
Programa das Nações Unidas para o meio Ambiente (PNUMA), disponível na Internet, Ministério do
Meio Ambiente do Brasil (MMA): www.mma.gov.br , acesso em 14/04/2008.

54
riquezas em biodiversidade, países que possuem os piores indicadores sociais
levantados por organismos da própria ONU; 2) as políticas de preservação ambiental
aliadas ao desenvolvimento, que posteriormente em seu conjunto serão denominadas de
desenvolvimento sustentável, irão na realidade se desdobrar em políticas que terão
como foco a conservação ambiental, em detrimento do desenvolvimento; 3) no item 07
exposto acima mostra-se a eleição de organismos controlados pelo imperialismo como
atores necessários à formulação da política ambiental, conforme veremos em
organismos como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID) e as grandes ONGs ambientalistas, tudo sob o manto da chamada cooperação
internacional.
Sobre os 26 princípios da Declaração de Estocolmo, McCormick (1992, p. 110)
os desmembra nos seguintes grupos, afirmando que:

1) os recursos naturais deveriam ser resguardados e conservados, a capacidade da terra


de produzir recursos renováveis deveria ser mantida e os recursos não renováveis
deveriam ser compartilhados;

2) o desenvolvimento e a preocupação ambiental deveriam andar juntos e deveria ser


dada toda a assistência e incentivo aos países menos desenvolvidos no sentido de
promover uma administração ambiental racional;

3) cada país deveria estabelecer seus próprios padrões de administração ambiental e


explorar recursos como desejasse, mas não deveria colocar em perigo outros países.
Deveria existir cooperação internacional voltada para o melhoramento ambiental;

4) a poluição não deveria exceder a capacidade do meio ambiente de se recuperar e a


poluição dos mares deveria ser evitada;

5) ciência, tecnologia, educação e pesquisa deveriam ser utilizadas para promover


proteção ambiental.

Estes princípios serão posteriormente os norteadores de medidas e políticas


ambientais que serão adotados em relação à proteção do meio ambiente, como as
políticas implementadas para a proteção das florestas tropicais e outros. McCormick
(1992) atribui à conferência de Estocolmo como o evento isolado que mais influenciou

55
a política ambiental internacional e a considerou exitosa sob o ponto de vista de quatro
aspectos principais:

a) a politização do meio ambiente, pois o “Novo Ambientalismo evoluiu para termos


que eram politicamente mais aceitáveis, encorajando mais governos nacionais a fazer do
meio ambiente uma questão política” (McCORMICK, 1992, p.111);

b) um maior equilíbrio entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento na


formulação das políticas ambientais internacionais;

c) a presença das ONGs na Conferência “marcou o começo de um papel novo e mais


persistente para as ONGs no trabalho dos governos e das organizações
intergovernamentais” (McCORMICK, 1992, p.111);

d) a criação do Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (PNUMA).

O impacto da participação das ONGs nos diversos fóruns de discussão dos


problemas ambientais terá maiores desdobramentos e alcançam seu auge na Conferência
do Rio-92, onde ocorreu o Fórum das ONGs.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) foi criado
como um programa da ONU e não como um órgão ambiental deste organismo. A ONU
recebeu pressão para que a sede do PNUMA ficasse em um país considerado em
desenvolvimento, ao contrário dos demais organismos da ONU que se localizavam em
países ricos. Inicialmente a sede do PNUMA era em Nairóbi (Quênia), que contava com
escritórios de ligação situados em Nova York e Genebra, e escritórios regionais situados
em Bangkok, Beirute, Cidade do México e Nairóbi. Maurice Strong foi nomeado
primeiro diretor-executivo do PNUMA (McCORMICK, 1992, p. 113).
O PNUMA possuía quatro setores: um conselho diretor para os programas
ambientais; um pequeno secretariado para as ações e coordenação ambiental com os
órgãos da ONU; um fundo voluntário de meio ambiente para receber doações dos
governos; e uma diretoria de coordenação ambiental constituída por representantes de
todos os órgãos importantes da ONU. Segundo McCormick (1992) a diretriz básica do
PNUMA era o Plano de Ação de Estocolmo que pretendeu ser implementado através de
três componentes funcionais:

56
1) A avaliação ambiental global. Materializou-se sob a forma do Earthwatch, uma rede
patrocinada pela ONU que tinha como objetivos pesquisar, monitorar e avaliar as
tendências e processos ambientais, notificando precocemente situações de riscos
ambientais e determinando a situação de recursos naturais selecionados. O Earthwatch
contava com três instrumentos distintos: o primeiro era o Sistema Internacional de
Referência (INFOTERRA), que servia para troca de informações; o segundo era o
Sistema Global de Monitoração Ambiental, que servia para colocar em andamento as
informações ambientais, coletar informações dos governos e construir um quadro das
tendências ambientais regionais e globais; o terceiro componente era o programa de
Registro Internacional de Substâncias Químicas Potencialmente Tóxicas, com sede em
Genebra. O Earthwatch teve vários obstáculos a sua consecução devida, especialmente a
falta de estrutura organizacional adequada e de recursos financeiros.

2) Administração ambiental. Baseado no Earthwatch o PNUMA pretendia desenvolver


uma série de programas e de medidas que estruturassem as medidas globais de proteção
ambiental. Entre as medidas estavam previstas uma moratória ao comércio de carne de
baleias e outras decisões. O programa não evoluiu devido à avaliação negativa do
UNEP de adesão dos países envolvidos em tais medidas.

3) Medidas de Apoio: A principal delas foi o desenvolvimento de programas de


educação ambiental (McCORMICK, 1992, p.114-115). Esta última medida, como
veremos, será uma das importantes estratégias desenvolvidas para a política de
preservação da biodiversidade desenvolvida no campo da chamada educação ambiental
que, segundo o autor, por ser a educação “uma questão nacional, o trabalho dos órgãos
especializados da ONU seriam menos produtivos nessa área do que o trabalho das
ONGs nacionais” (McCORMICK, 1992, p.115). No âmbito de medidas de apoio foi
instituído, ainda em 1972, o dia 05 de junho como Dia Mundial do Meio Ambiente.
Nos primeiros dez anos de execução do PNUMA, além do Programa de Mares
Regionais19, sua maior realização será a promoção e um acordo na Convenção para a
Proteção da Camada de Ozônio de Viena, em 1985. Para McCormick (1992) o PNUMA
não teve condições concretas de ter maiores sucessos na implementação de seus

19
A principal idéia do Programa de Mares Regionais–PMR, era acabar com toda a poluição marinha
significativa. Para formar este programa o PNUMA reuniu 120 países e 14 órgãos da ONU. A
preocupação com os mares não era uma novidade, já existia desde 1902 o Conselho Internacional para
Exploração dos Mares (McCormick, 1992, p.120).

57
objetivos iniciais devido a problemas de ordem financeira, políticos, administrativos e
constitutivos. O primeiro devia-se à insuficiência de recursos financeiros do fundo
voluntário dos países para o meio ambiente, não alcançando uma soma suficiente para a
execução dos programas pretendidos. Devido ao fato de o PNUMA estar localizado em
Nairóbi, os países ditos em desenvolvimento o tomaram como um programa deles, o
que levou a problemas de ordem política na ONU, mostrando conflitos entre os países
pobres e os ricos. Devido a ser o primeiro diretor executivo do PNUMA, um homem de
negócios, o milionário canadense Maurice Strong não permitia uma direção técnica ao
programa que veio a ser depois dirigido pelo microbiologista egípcio, Mostafa Kamal
Tolba. Do ponto de vista de sua constituição, o fato do PNUMA ser um programa e não
um organismo das Nações Unidas o enfraquecia politicamente frente aos demais
organismos (McCORMICK, 1992, p.117-118).
Para resolver o dilema colocado pelo Clube de Roma20 de que eram o
crescimento econômico e da população os principais causadores da destruição
ambiental, a ONU investiu em mais duas conferências no período que decorreu entre as
Conferências de Estocolmo (1972) e a do Rio 92 (1992), foram as chamadas
conferências de “Canberra II” e “Founex II”.
A conferência de “Canberra II” ocorreu em Genebra em abril de 1974,
colocando em debate a preocupação dos países ricos com os recursos naturais, e chegou
às seguintes conclusões principais segundo McCormick (1992):

a) O desenvolvimento dos países menos desenvolvidos era governado pela


disponibilidade de recursos naturais numa medida muito maior do que nos países mais
desenvolvidos, onde as especializações, os recursos de capital e os recursos
tecnológicos tinham mais influência.

b) A capacidade de lidar com a degradação ambiental era mais limitada nos países
menos desenvolvidos, que tinham menos recursos tecnológicos e de capital do que nos
países mais desenvolvidos. Conseqüentemente a degradação ambiental poderia ter um
impacto mais rápido e mais imediato sobre o desenvolvimento econômico.

c) Era preciso repensar os fundamentos das estratégias de planejamento e


desenvolvimento para dar prioridade mais alta às estruturas sociais, à distribuição de
renda mais equânime e às questões ambientais. No nível local deveria ser dada uma
consideração muito maior às necessidades e condições locais antes de, por exemplo,
usar técnicas, variedades de culturas, métodos agrícolas e outros conhecimentos que
tivessem funcionado em outros lugares (McCORMICK, 1992, p.154).

20
O Clube de Roma, constituído em 1968, era composto por capitalistas industriais, cientistas e políticos
de linha conservadora. De viés malthusiano atribuíam aos países pobres as responsabilidades pela
degradação do meio ambiente. O Clube de Roma ainda se encontra em atividade:
http://www.clubofrome.org/eng/home/.

58
Vemos nos itens acima citados o início de explícitas “preocupações” com os
recursos naturais, lembrando que esta Conferência ocorre no período do primeiro
choque do petróleo, quando os países do Oriente Médio reduziram sua produção de
petróleo acarretando o aumento do barril de US$ 2,90 para US$ 11,65 em 1973.
Com a mesma preocupação em resolver os problemas de se aliar crescimento
econômico com meio ambiente, foi realizada na cidade de Cocoyoc, México, a
Conferência “Founex II”, no período de 8 a 12 de outubro de 1974. Reuniu um grupo de
delegados de 22 países, oito deles países desenvolvidos e 14 países não desenvolvidos.
Contou com a presença daqueles que foram diretores do PNUMA, Maurice Strong e
Mostafa Kamal Tolba, e ainda de Gamani Corea, então presidente do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). No final da conferência foi publicada
uma declaração que tinha entre suas recomendações:

1) deveriam ser instituídas políticas dirigidas à satisfação das necessidades básicas dos
mais pobres, capazes ao mesmo tempo de assegurar a conservação adequada dos
recursos e proteção do meio ambiente;

2) os governos e organizações internacionais deveriam promover a administração de


recursos e do meio ambiente em escala global 21;

3) deveriam ser criados regimes internacionais fortes para a exploração das áreas livres
globais, de modo a taxar essa exploração para que beneficiasse os países pobres;

4) seriam necessárias novas prioridades nas pesquisas científica e tecnológica e no


desenvolvimento;

5) as novas prioridades do desenvolvimento deveriam visar a restringir o consumo


exagerado no Norte e incrementar a produção dos gêneros essenciais para os pobres
(McCORMICK, 1992, p.155).

Para McCormick (1992) a Conferência de Estocolmo teve o mérito de colocar o


problema ambiental na agenda internacional dos países e isto permitia que problemas
ambientais globais como a chuva ácida, a erosão do solo, o desmatamento e outros
fossem tratados como problemas internacionais. O autor enfatiza que alguns organismos
proclamavam que ainda faltava um programa que visasse a conservação do meio
ambiente. Tal incumbência coube à International Union for the Conservation of Nature
and Natural Resources (IUCN), que, financiada pela Fundação Ford, teve condições de

21
Sob o manto já da conservação ambiental a USAID exercerá esta função a partir da elaboração de seu
programa para a conservação da biodiversidade em 1994, quando ela demandará das grandes ONGs
ambientalistas, TNC, WWF e CI, a metodologia e aplicação de sua estratégia da conservação da
biodiversidade para a biotecnologia, conforme exporemos neste trabalho.

59
melhorar sua estrutura de trabalho para executar a demanda do programa de
conservação. Esta discussão, a IUCN começou a realizá-la nas suas Assembléias Gerais
de 1969 e 1972, sendo a conservação e o desenvolvimento o tema principal desta última
(McCormick, 1992, p.163)
Em 1977 a IUCN anunciou que estava preparando uma Estratégia de
Conservação Mundial (World Conservation Strategy - WCS). Este documento foi uma
articulação de política conjunta do PNUMA, IUCN e WWF que segundo a IUCN
“permitiria que a ação internacional da conservação fosse dirigida mais eficientemente,
identificasse as principais ameaças a espécies e ecossistemas e propusesse medidas e
prioridades” (McCORMICK, 1992, p.164). Disto resultaram os objetivos para a
conservação traçados pelo World Conservation Strategy - WCS que consistiam em:

1) A manutenção de processos ecológicos essenciais e sistemas de sustentação da vida,


tais como solo, florestas, sistemas agrícolas, sistemas litorâneos e de água doce. Isso
significava reservar boas terras aráveis para o cultivo, administrar as terras aráveis
segundo padrões altos e ecologicamente corretos, proteger os divisores de águas, a vida
marinha litorânea e controlar os despejos de poluentes.

2) A preservação da diversidade genética para projetos de procriação na agricultura,


manejo de florestas e vida marinha. Isso evitava a extinção de espécies, preservar tantas
variedades de plantas de cultivo e forragem quanto possível, além de árvores produtoras
de madeira, animais para a aquacultura, micróbios e outros organismos domesticados e
seus parentes selvagens, proteger os parentes selvagens de espécies economicamente
valiosas e outras que sejam úteis, como também seus habitat, adequar as necessidades
dos ecossistemas ao tamanho, distribuição e administração das áreas protegidas e
coordenar programas nacionais e internacionais de áreas protegidas.

3) Assegurar a utilização sustentável de espécies e ecossistemas. Isso significava


garantir que a utilização não excedesse a capacidade produtiva das espécies exploradas,
reduzir as produtividades excessivas a níveis sustentáveis, reduzir a coleta incidental,
manter os habitat de espécies exploradas, regulamentar o comércio internacional de
espécies selvagens, distribuir cuidadosamente as concessões madeireiras e limitar o
consumo de lenha, como também regulamentar as quantidades de gado nas terras de
pastagens. (McCORMICK, 1992, p.167).

As recomendações traçadas pela WCS, sendo esta uma das organizações que irá
executar a política da USAID para biodiversidade, fazem parte da política por categoria
que foi implementada para a preservação conforme podemos averiguar no gráfico 01.

60
Gráfico 01 - Participação no Financiamento para Biodiversidade
por Categoria de Projetos: 1990-1997

40,00%

35,00%
M a ne jo de R e c us o s Na tura is
30,00% De lim ita ç ã o de Áre a s P ro te gida s
P o lític a P úblic a
25,00% P e s quis a
F o rta le c im e nto de C o m unida de s
20,00%
Outro s
15,00% Em pre e ndim e nto s S us te ntá ve is
M a ne jo de Ec o s s is te m a e Ec o re giã o
10,00% S upo rte Adm inis tra tivo

5,00% C o ns e rva ç ã o Ex-S itu


Aquis iç ã o de Te rra s
0,00%

Fonte: dados de CASTRO&LOCKER, 2000, p.21.

Os recursos destinados para a biodiversidade no mundo para o período 1990-


1997 foram sistematizados em estudo encomendado pela USAID que resultou na
publicação do Mapping Conservation Investments. No gráfico 01 temos a participação
por categoria de projetos no financiamento para biodiversidade. O manejo de recursos
naturais recebeu 35,87% dos recursos e para a delimitação de áreas protegidas ficaram
35,12%, o que em conjunto correspondem por 70,99% do total dos recursos. As demais
categorias como programas e planos de ação, fortalecimento de comunidades,
empreendimentos sustentáveis e os demais corresponderam aos 30% restantes. A
concentração dos recursos nos dos primeiros itens a nosso ver demonstram o caráter
conservacionistas desta política.
McCormick (1992) sintetiza como o World Conservation Strategy definiu as
áreas prioritárias para a ação internacional: 1) Apesar de haver mais de 40 convenções
multilaterais para lidar com a administração de recursos vivos, poucos tinham a
conservação como seu objetivo básico. Para tanto era necessária assistência
internacional e legislação para esta área. 2) Administração mais eficiente das florestas
tropicais e terras áridas. 3) Um programa global para a proteção de áreas de recursos
genéticos. 4) Administração mais eficiente das áreas comuns globais – o oceano aberto,

61
a atmosfera, a Antártica e o oceano meridional. 5) Estratégias regionais sobre mares e
bacias fluviais internacionais22 (McCORMICK, 1992, p.167-168).
Para Kolk (1996, p.42) toda esta formulação da IUCN é base do conceito de
desenvolvimento sustentável que foi utilizado nos órgãos internacionais de meio
ambiente e que tinha sua sustentação nas discussões da Comissão Brundtland, que
ganhará bastante importância a partir de meados dos anos de 1980.
O governo dos EUA demonstrava sua preocupação com o meio ambiente e todo
o seu viés de malthusianismo23 expressado no documento Global 2000, que foi uma
demanda do presidente Carter em sua mensagem ao congresso norte-americano, em
maio de 1977. O Conselho de Qualidade Ambiental (CEQ) e o Departamento de Estado
dos EUA foram os responsáveis pela elaboração deste documento que tinha como
avaliação para o mundo no ano de 2000: a) a população do mundo aumentaria em 50%,
sendo o crescimento maior nos países menos desenvolvidos; b) aumento da distância
entre países ricos e pobres; c) haveria menos recursos disponíveis, especialmente terra,
água e petróleo; d) redução de importantes ecossistemas sustentadores da vida, tais
como florestas, atmosfera, solo e espécies selvagens; e) aumento dos preços de recursos
considerados vitais; f) o mundo seria mais vulnerável aos desastres naturais e a rupturas
por causas humanas (McCORMICK, 1992, p.172). Aos problemas apontados no
Global 2000 os EUA propuseram o documento Global Future que recomendava um
aumento da assistência financeira e técnica dos EUA a programas internacionais na área
ambiental.
Em 1983 a Assembléia Geral da ONU aprovou uma resolução que determinava
a criação de uma comissão independente para tratar dos problemas relacionados ao meio
ambiente e desenvolvimento. A comissão foi denominada Comissão Mundial Sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, reuniu-se em Genebra sob a presidência da
primeira ministra trabalhista da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Procurando produzir
resultados que não repetissem aqueles encontrados no Global 2000, a comissão
Brundtland realizou diversas reuniões, financiou mais de 75 estudos e em 1987 o

22
A USAID juntamente com as grandes ONGs da conservação, WWF, TNC, CI, WCS e WRI, irão
desenvolver os aspectos acima citados como uma estratégia global de conservação da biodiversidade
conforme veremos no tópico referente à estratégia do imperialismo para a biodiversidade, explicitado no
documento da USAID, BIODIVERSITY SUPPORT PROGRAM.
23
Sachs (2002) contrapõe-se aos aspectos malthusianos da política ambiental ao defender a teoria do
ecodesenvolvimento. Davis (2001) desmistifica a histeria da ameaça das catástrofes naturais anunciadas
pelo ambientalismo e desvenda, em Davis (2002), as características do imperialismo que produz
catástrofes reais e produzidas pelo sistema no que ele denomina de “holocaustos coloniais” (DAVIS,
2002).

62
relatório da comissão foi publicado com o título Nosso Futuro Comum (McCORMICK,
p.189).
Entre as Conferências de Estocolmo e a Rio 92 começaram a ter maior
importância as discussões sobre desmatamento das florestas tropicais nos órgãos
ambientais internacionais. Neste período inicia-se o debate sobre emissões de gás
carbônico (CO2) e posteriormente a importância de manter a floresta em pé para
realizar o seqüestro de carbono24.
Neste contexto, ganha importância mundial a discussão sobre a preservação da
Amazônia o que depois vai alcançar o discurso dos “povos da floresta como salvadores
do planeta” e outras megalomanias da histeria ambiental. Também neste período têm
início às declarações explícitas de internacionalização da Amazônia expressas na fala do
então primeiro ministro francês, François Miterrand, que declarou na conferência de
Ecologia de Hague, em 1989: "O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a
Amazônia"25 .
A despeito da preocupação com o desmatamento, o Japão pressionou pela
criação do International Tropical Timber Agreements (ITTA) na estrutura da UNCTAD
(Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento). Para
administrar o ITTA foi criado em meados da década de 1980 a The International
26
Tropical Timber Organization – ITTO , que era formada por países produtores e
consumidores de madeira. Localizada na cidade de Yokohama, no Japão, também era
este país que possuía o maior número de votos na ITTO, além de ser o maior importador
mundial de madeiras. O comércio de madeiras tropicais também mereceu calorosas
discussões na estrutura da CITES (Convention on the International Trade in Endangered
Species) (KOLK, 1996). A CITES27 também conhecida por Convenção de Washington

24
Mecanismo que foi colocada para os países de floresta tropical como um negócio do “mercado de
carbono”, que consiste na capacidade de cada país absorver determinada quantidade carbono. A venda de
créditos de carbono ainda não está totalmente regularizada. Na Conferência do Clima de 2009, que será
realizada na Dinamarca, poderá ser instituída a modalidade de Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação (REDD). Isto significa que os países que estejam dispostos a reduzir as emissões
provenientes do desmatamento sejam recompensados financeiramente. No Brasil o primeiro contrato
deste mecanismo foi assinado entre os índios Tembés (PA) e a empresa norte-americana C-Trade, que
prevê um pagamento anual de um milhão de reais anuais para os indígenas manterem a floresta da reserva
em pé (O Globo, 07 de junho de 2009, Caderno Economia, p.27-29).
25
A repercussão no Brasil sobre esta declaração pode ser encontrada em matérias publicadas nos jornais
Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil no período de 07/01 a 07/04/1989.
26
No Acre durante o governo de Flaviano Melo (1986-1990) foi criada a Fundação de Tecnologia do
Estado do Acre - FUNTAC. Nesta fundação foi criado o Projeto Antimary, de manejo madeireiro, com
recursos de US$ 1 milhão da ITTO.
27
Em português: Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens
Ameaçadas de Extinção.

63
é um acordo multilateral que foi assinado em Washington, em 1973. Atualmente 172
países são seus signatários que visam assegurar que o comércio de animais e plantas
selvagens, e de produtos deles derivados, não ponha em risco a sobrevivência das
espécies nem constitua um perigo para a manutenção da biodiversidade28.
Outra abordagem para o comércio internacional de madeira foi feita em 1985 no
Congresso Mundial de Florestas (World Forestry Congress). O Congresso, dizendo-se
preocupado com as altas taxas de desmatamento lançou o Tropical Forestry Action Plan
(TFAP). O TFAP foi concebido por quatro organizações: a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que também era responsável por sua
coordenação, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Banco
Mundial (BM) e o World Resource Institute (WRI). O TFAP possuía quatro
componentes: florestas e uso da terra, desenvolvimento industrial baseado nas florestas,
carvão e energia e conservação de ecossistemas de florestas tropicais. Segundo dados da
FAO os recursos destinados do TFAP aos países possuidores de florestas tropicais
aumentou de US$ 400 milhões para US$ 1,3 bilhões em 1990 (WORLD RESOURCE
INSTITUTE - WRI, s/d)29 .
O WRI avaliou que os problemas com o TFAP ocorreram desde o início da
elaboração e lançamento do Plano:

Os problemas com o TFAP podem ser expostos desde o início e lançamento do


programa; implementado como um exercício de planejamento setorial, ele não foi capaz
de levantar de forma adequada as raízes do desmatamento. As perspectivas divergentes
dos governos colocaram outros obstáculos. Em geral o Sul enfatizava a soberania
nacional e o desenvolvimento, enquanto o Norte impulsionava a gestão ambiental
global. Os doadores também investiram muito pouco nos empreendimentos nacionais.
Além disso, o TFAP foi proclamado a ‘fada madrinha’ que impediria o desmatamento
tropical, uma meta que ele claramente nunca poderia atingir (WORLD RESOURCE
INSTITUTE - WRI, s/d)30.

As discussões e demonstrações de preocupação com as taxas de desmatamento


dos países pobres tiveram importância nas conferências e encontros de meio ambiente e
tornaram-se pauta de política específica do Banco Mundial para este campo. Depois do
TFAP outros programas voltados para as florestas são implementados como o The
International Tropical Timber Organization – ITTO e o Programa Piloto de Proteção das

28
http://www.ibama.gov.br/flora/convecao.htm , acesso em 01/07/2008.
29
Disponível:
http://archive.wri.org/item_detail.cfm?id=2468&section=ecosystems&page=pubs_content_text&z=?
(acesso em 05/06/2008)
30
http://archive.wri.org/item_detail.cfm?id=2468&section=ecosystems&page=pubs_content_text&z
=? (acesso em 05/06/2008)

64
Florestas Tropicais - PPG-7. Kolk (1996) destaca a importância que este tópico assume
nas políticas ambientais:

A emergência do desmatamento como uma questão ambiental internacional


corresponde à evolução geral das relações norte-sul, onde os conflitos ambientais
substituíram anteriores clivagens econômicas existentes como pontos de mobilização. A
divisão norte-sul relacionada às florestas tropicais, que apenas podem ser encontradas
nos países do sul e nas quais os países do norte têm certamente interesses, tornou-se
uma das questões mais importantes na política ambiental internacional. Na época da
UNCED todas as reuniões e acordos internacionais sobre as questões florestais se
tornaram altamente politizadas, refletindo as dificuldades das negociações em relação às
florestas (KOLK, 1996, p.140, destacado nosso).

A afirmação de Kolk (1996) sobre o grande interesse dos países imperialistas


nas áreas de florestas tropicais, especialmente América Latina e Caribe, consolidou-se
como demonstram os dados dos investimentos na conservação ambiental por tipo de
ecossistema, no gráfico 02, e financiamentos para biodiversidade por região, no gráfico
03, a seguir:

Gráfico 02 - Financiamentos por Tipos de Ecossistemas

70,00%

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
Florestas Cerrado Caatinga Mangues Florestas
T ropicais T emperadas

F o nte : da do s de C AS TR O & LOC KER , 2000, p. 39.

Como também o montante de financiamento para biodiversidade no período


(1990-1997) concentrado para as regiões da América Latina e Caribe apresentado no
gráfico 03:

65
Gráfico 03 - Financiamento para Biodiversidade por região: 1990-
1997

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%
América do Sul América Central Caribe Outras Regiões
e México

F o nte : da do s de C AS TR O & LOC KER , 2000, p. 17

O montante de recursos para biodiversidade alcançou o valor de US$ 3,26


bilhões para o período de 1990 a 1997. A América do Sul recebeu US$ 1,78 bilhões
(54,7%) dos recursos, em seguida a América Central e México, receberam US$ 1,13
bilhões (34,8%), o Caribe recebeu US$ 180,4 milhões (5,5%) e outras regiões não
especificadas receberam US$ 164,9 milhões (5,1%) dos recursos, conforme Castro e
Locker (2000, p.17). Segundo estes autores as agências doadoras destes recursos foram
principalmente as agências multilaterais (47,5 %) e as bilaterais (41,2 %), as ONGs
(5,8%), Fundações (3,8%) e outras com 3,6%. Esta participação representa 86,5%,
sendo o restante as contrapartidas dos países receptores (CASTRO & LOCKER, 2000,
p.20).

2.2 – A Política Ambiental, a “Retórica da Sustentabilidade” e a Geopolítica do


Ambientalismo

Guimarães (1997) coloca os problemas em torno da panacéia que virou o


discurso do desenvolvimento sustentável e alerta:
(...) se a proposta de desenvolvimento sustentável parece plenamente justificável e
legítima, a sua aceitação generalizada tem se caracterizado por uma postura acrítica e
alienada em relação a dinâmicas sóciopolíticas concretas. Para que tal proposta não
represente apenas um “enverdecimento” do estilo atual, cujo conteúdo se esgotaria no
nível da retórica, impõe-se examinar as contradições ideológicas, sociais e institucionais
do próprio discurso da sustentabilidade, bem como analisar dimensões de
sustentabilidade – ecológica, ambiental, social, cultural e outras – para transformá-la em
critérios objetivos de política pública (GUIMARÃES, 1997, p.17).

66
Castells (1973) mostra as contradições da “mistificação ecológica”
compreendendo o problema da crise ambiental como decorrente dos padrões de uso dos
recursos do sistema capitalista. Pretendemos neste tópico desenvolver como foram
formuladas as políticas ambientais em termos dos interesses que visam a “geopolítica da
biodiversidade”.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
também conhecida como Eco-92, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, no mês de julho
de 1992, com a participação de governantes de mais de 170 países. A Eco-92 objetivou
discutir os problemas de proteção ambiental e desenvolvimento socioeconômico,
quando foram assinados cinco documentos: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre
Biodiversidade, a Carta de Princípios das Florestas e a Agenda 21. Este último é
considerado como o mais importante protocolo da Eco-92 porque caracteriza-se como
um processo de planejamento estratégico que visa atingir o “desenvolvimento
sustentável”. A Agenda 21 não é um plano de governo, mas um termo de compromisso
da sociedade, tendo os governos como principais operadores (Agenda 21, 1992). Os
temas da Agenda 21 estão agrupados em 40 capítulos e quatro seções que tratam de:
aspectos sociais e econômicos, a conservação e administração de recursos, o
fortalecimento dos grupos sociais e os meios de implementação, ou seja, o
financiamento e papel das organizações governamentais e não-governamentais
(LITTLE, 2003).
Sobre este aspecto, Gilney Viana, Secretário de Políticas para o
Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente em 2008 afirma que:

(...) a Agenda 21 vem se constituindo em um instrumento de fundamental


importância na construção dessa nova ecocidadania, num processo social no qual os
atores vão pactuando paulatinamente novos consensos e montando uma agenda possível
rumo ao futuro que se deseja sustentável.31

Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade


Socioambiental Chico Mendes:

A Agenda 21 Brasileira é um processo e instrumento de planejamento participativo para


o desenvolvimento sustentável e que tem como eixo central a sustentabilidade,
compatibilizando a conservação ambiental, a justiça social e o crescimento econômico.
O documento é resultado de uma vasta consulta à população brasileira, sendo construída

31
Disponível em: http://www.institutochicomendes.org.br/diretrizes_agenda.htm , acesso em 30/06/2008.

67
a partir das diretrizes da Agenda 21 global. Trata-se, portanto, de um instrumento
fundamental para a construção da democracia ativa e da cidadania participativa no País
(INSTITUTO INTERNACIONAL DE PESQUISA E RESPONSABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL CHICO MENDES, 2008)32.

Entretanto, os dados do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU


apresentam para a Amazônia os piores resultados do Brasil, apesar da grande
quantidade de projetos ambientais ditos sustentáveis e do volume de recursos destinados
desde a ECO-92. A própria autora do termo “desenvolvimento sustentável”, Gro
Brundtland, a respeito da efetividade dos programas de combate à pobreza no âmbito da
sustentabilidade, afirmou em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura em
11/11/2005:

Tenho trabalhado duro nisso, nos últimos 25, 30 anos. Concordo com você, é uma
questão fundamental. Foi trágico observar que, após o nosso relatório de 1987 e depois
no Rio, em 1992, nos anos seguintes, na Agenda 21 e nas declarações no Rio, foi
exigido aumento na cooperação e ajuda ao desenvolvimento, como parte da criação da
Agenda 21 para cuidar da situação dos países pobres. Não houve aumento na média.
Gradualmente, na década de 1990, houve uma diminuição da ajuda ao desenvolvimento.
Podemos ficar discutindo por que isso aconteceu. De qualquer modo, é uma tragédia
(BRUNDTLAND, 2006) 33.

A Agenda 21 também se dedicou ao tema da conservação da diversidade


biológica, sendo o seu capítulo 15 inteiramente dedicado a isto e estabelecendo que,
segundo Albagli (1998), as atribuições dos governos nacionais para este tema devem
envolver ações para as áreas de política e gestão, dados e informações e ainda
coordenação e cooperação internacional (ALBAGLI, 1998, p.127). A Agenda 21
enfatiza em todo seu texto o papel que a cooperação com organismos internacionais e
com os povos tradicionais tem sobre a conservação da biodiversidade e estabelece
limites à autonomia das decisões do Estado conforme:

(...) as ações dos Governos com respeito à biodiversidade devem dar-se: de modo
consistente com outras políticas e práticas nacionais e respeitando as normas em vigor
da legislação internacional; com a cooperação dos órgãos relevantes das Nações Unidas,
organizações regionais e intergovernamentais; com o apoio das organizações
governamentais, do setor privado e de instituições financeiras, da comunidade científica
e das populações nativas; e levando em consideração aspectos sociais e econômicos
(ALBAGLI, 1998, p.127).

32
Disponível em: http://www.institutochicomendes.org.br/diretrizes_agenda.htm , acesso em
30/06/2008.
33
Disponível em: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/216/entrevistados/gro_brundtland_2005.htm,
acesso em 25/06/2008.

68
Os principais tratados ambientais34 que estão em fase de negociações ou
implementação impõem severas penalidades, multas e embargos econômicos mesmo
contra os países que não os assinaram:
1) Convenção de Mudanças Climáticas (Framework Convention on Climate Change). O
objetivo deste tratado é estabilizar as concentrações dos gases do efeito estufa na
atmosfera. Sua conseqüência pode ser a inibição das atividades industriais dos países
pobres.
2) Convenção para a Proteção da Camada de Ozônio (Protocolo de Montreal). Este
tratado bane a produção de clorofluorcarbonos (CFCs) e outros halogênios químicos.
Terá conseqüências sobre a refrigeração de alimentos que depende diretamente dos
CFCs.
3) Tratado Antártico (Antartic Treaty), que bloqueia uma enorme área do mundo, o
continente Antártico e seus oceanos, para atividades econômicas. 3) World Heritage
Convention, este tratado bloqueia vastas áreas do globo nas quais atividades produtivas
e mesmo a presença do homem são proibidos.
4) Convenção Internacional para Combater a Desertificação (International Convention
to Combat Desertification), este tratado restringiria qualquer tipo de atividade humana
em áreas consideradas ameaçadas pela desertificação. Estes tratados ratificam as ações
recomendadas pelo Clube de Roma, de caráter malthusiano e liberal, que atribui aos
países pobres a responsabilidade pela degradação ambiental do mundo, sem fazer
menção alguma ao caráter destruidor do padrão de consumo e produção capitalista dos
países ricos.
Kolk (1996, p.43-44) atribui a Estocolmo um caráter econômico mais liberal,
enquanto que a comissão Brundtland em seu documento, Nosso Futuro Comum,
apresenta uma visão econômica baseada no Keynesianismo. Neste documento há a
preocupação central de viabilizar crescimento com desenvolvimento para promover
algo como uma “economia mundial sustentável”, conforme Kolk (op.cit) cita o
documento da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED):

Se grandes partes do desenvolvimento mundial tentam evitar catástrofes ambientais,


sociais e econômicas, é essencial que o crescimento econômico global seja revitalizado.

34
De acordo com as regras individuais de cada tratado e da própria ONU, é necessária de 20 a 50 países
para ratificar um tratado e assim transformá-lo em lei internacional. Desta forma, tudo o que é necessário
para transformar um tratado em lei internacional é a ratificação das 50 nações que formam a Comunidade
Britânica.

69
Em termos práticos, isso significa crescimento econômico mais rápido, tanto nos países
industriais quanto nos países em desenvolvimento, acesso ao livre mercado para os
produtos dos países em desenvolvimento, taxas de juros menores, maior transferência
tecnológica e fluxos de capitais significativamente maiores, tanto comerciais quanto
concedidas (WCED apud KOLK, 1996, p.43).

As grandes corporações capitalistas já apresentavam anteriormente à ECO 92,


preocupação com o chamado desenvolvimento sustentável. Os organismos que
representavam estas corporações eram The International Chamber of Commerce (ICC) e
o Business Council for Sustainable Development (BCSD); nestes organismos
‘desenvolvimento sustentável’ torna-se ‘crescimento sustentável’. O BCSD foi criado
em 1990, durante o processo da UNCED (Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento), para expressar as preocupações e interesses das
empresas com o meio ambiente. Possuía 48 membros que por sua vez eram membros
líderes de corporações multinacionais de importantes setores econômicos. Suas
concepções eram de que as soluções para os problemas ambientais devem ser
encontradas na auto-regulação, nos códigos voluntários de conduta e instrumentos
orientados ao mercado (KOLK, 1996, p. 45). Em 1991 o ICC lançou o BCSD, que era
na realidade um código voluntário que consistia de 16 princípios para o gerenciamento
ambiental e teve o apoio e a adesão de mais de 1000 companhias e associações do
capital (idem, p.45). A razão da criação da BCSD foi uma demanda do secretário geral
da UNCED, Maurice Strong, ao industrial suíço Stephan Schmidheiny, que foi um dos
seus principais conselheiros (ibidem, p.46)35.
O discurso que prevaleceu no ambientalismo pós-conferência de Estocolmo e
Eco-92, é o de convencimento de que as populações tradicionais dos países detentores
de florestas tropicais (países pobres) serão os responsáveis por salvarem o planeta terra.
Como conseqüência este discurso sugere promover a igualdade entre todos os povos,
salvaguardando a diversidade de suas culturas e colocando de lado as diferenças que
existem entre os países ricos e pobres e dentro deles. O texto de lei que regulamenta a
Convenção da Biodiversidade (CDB) no Brasil explicita:

Conscientes de que a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica


são de importância absoluta para atender às necessidades de alimentação, de saúde e de
outra natureza da crescente população mundial, para o que são essenciais o acesso e a
repartição de recursos genéticos e de tecnologia. Observando, enfim, que a conservação
e a utilização da diversidade biológica fortalecerão as relações de amizade entre os

35
Schmidheiny (1992) ficou bastante conhecido no campo da divulgação e implementação do preceito da
sustentabilidade nas empresas, ao publicar um livro onde ele divulgava casos famosos de empresas e
corporações que lucravam no campo da sustentabilidade.

70
Estados e contribuirão para a paz da humanidade. Desejosas de fortalecer e
complementar instrumentos internacionais existentes para a conservação da diversidade
biológica e a utilização sustentável de seus componentes, e determinadas a conservar e
utilizar de forma sustentável a diversidade biológica para benefício das gerações
presentes e futuras (MINISTÉRIO MEIO AMBIENTE, 1994, p.6, destacado nosso)36.

A CDB está ratificada por mais de 160 países. Inicialmente os EUA não a
assinaram, apresentaram restrições no início de 1993 como condição prévia para sua
adesão, conforme documento do Governo Clinton em relação à CDB citado por Albagli
(1998):

Os Estados Unidos afirmam seu entendimento de que o acesso à tecnologia e a sua


transferência está sujeito aos direitos de propriedade intelectual respaldados por essa
Convenção, exigindo o reconhecimento de adequada e efetiva proteção dos direitos de
propriedade intelectual e a consistência destes aspectos. Assim, não há uma base para a
utilização de leis de licenciamento compulsório que forcem as empresas privadas a
transferir tecnologias nos termos desse Acordo. Os Estados Unidos afirmam seu
entendimento sobre o artigo 16(2)37 no sentido de que a expressão “termos justos e mais
favoráveis” significa termos determinados por um mercado livre, sem restrições
comerciais ou coerção governamental (INTERPRETATIVE STATEMENT apud
ALBAGLI, 1998, p. 137).

A posição assumida pelo governo dos EUA é um retrato da interferência deste


país em sua política de garantir recursos naturais e o patenteamento de descobertas que
garantam os lucros de suas corporações dos setores de cosméticos, químico,
farmacêutico e outros que dependam dos recursos da biodiversidade. Neste país estão
localizadas as quatro maiores empresas do setor de agroquímica, as três maiores do
setor de sementes e as quatro maiores dos fármacos (ALBAGLI, 1998, p.71). A maioria
dos países pobres, inclusive o Brasil, já adotou o regime de patentes conforme
orientações estabelecidas no Acordo TRIPS do GATT38, especialmente no seu artigo 27
sobre matéria patenteável:

1 – Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de


produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que
seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem
prejuízo do disposto no parágrafo 3 deste artigo, as patentes serão disponíveis e os

36
Disponível em: www.mma.org.br.
37
O documento refere-se ao artigo 16, item 2 da CDB: “O acesso à tecnologia e sua transferência a países
em desenvolvimento, (...) devem ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e as mais favoráveis,
inclusive em condições concessionais e preferenciais quando de comum acordo, e, caso necessário, em
conformidade com o mecanismo financeiro estabelecido nos arts. 20 e 21. No caso de tecnologia sujeita a
patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o acesso à tecnologia e sua transferência devem ser
permitidos em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a adequada e efetiva proteção dos
direitos de propriedade intelectual (....) (MMA, 1994, p. 12-13)
38
TRIPs - Acordo Relativo à propriedade intelectual assinado no âmbito do GATT. (Decreto 1.355, de
30 de dezembro de 1994) Fonte: http://www.aptc.org.br/biblioteca/trip.htm , acesso em 05/07/08.

71
direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção,
quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou
produzidos localmente.

2 – Os membros podem excluir de patenteabilidade invenções cuja exploração em seu


território seja necessária para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para
proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao
meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a exploração é
proibida por sua legislação.

3 – Os membros também podem considerar como não patenteáveis: a) métodos


diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de humanos ou animais; b)
plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente biológicos para
a produção de plantas e animais, excetuando-se os processos não-biológicos e
microbiológicos. Não obstante, os membros concederão proteção a variedades vegetais,
seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma
combinação de ambos. Os dispositivos deste parágrafo serão revistos quatro anos após a
data de entrada em vigor do Acordo OMC (BRASIL, 1994)39.

A pressão que os países imperialistas exercem sobre os países dominados e


detentores de rica biodiversidade deve-se ao fato de que são estes os países que são os
possuidores dos recursos naturais-chave para o atual padrão da indústria baseada na
biotecnologia. Segundo Albagli (2008) os países possuidores de maior biodiversidade
são o Brasil, Colômbia, Indonésia, México, Peru, Madagascar e a Austrália (ALBAGLI,
1998, p. 64). Um dado claro sobre como os países imperialistas exercem seus
monopólios sobre a biodiversidade é referente ao controle sobre as coleções mantidas ex
situ. Albagli (1998) cita algumas estimativas que demonstram que mais de 90% das
amostras de germoplasmas armazenadas no mundo provém de países pobres, mas
apenas 15% deste material está sobre o controle de seus governos, sendo ainda que 55%
do germoplasma coletado no mundo estão armazenado nos países ricos e os EUA detêm
22% desse material. Mais de 95% da produção global das 20 maiores safras alimentícias
são baseadas em material genético dos países ricos em biodiversidade, leia-se, dos
países pobres (ALBAGLI, 1998, p.79). Apresentamos na tabela 02 os dados referentes
ao montante de recursos destinados dos países ricos para a proteção da biodiversidade
dos países pobres:

39
Fonte: http://www.aptc.org.br/biblioteca/trip.htm , acesso em 05/07/08.

72
Tabela 02 – Financiamento Relacionado à Biodiversidade, por país: 1990 a 1997

País Número de Total de Participação


Projetos Financiamento % por país
em US$ mil
Brasil 496 898.413,77 30,97
México 604 420.865,75 14,51
Venezuela 89 225.150,31 7,76
Honduras 77 145.081,07 5,00
Guatemala 141 127.307,76 4,39
Bolívia 136 124.459,68 4,29
Colômbia 177 114.118,25 3,93
Costa Rica 190 110.426,65 3,81
Panamá 55 103.648,68 3,57
Equador 163 96.924,96 3,34
Argentina 93 87.127,15 3,00
Nicarágua 46 85.727,98 2,96
Peru 186 78.898,38 2,72
Haiti 17 50.423,47 1,74
Paraguai 40 45.088,42 1,55
Jamaica 35 34.902,26 1,20
Guiana 22 28.349,65 0,98
Chile 75 22.537,55 0,78
Belize 89 17.931,92 0,62
El Salvador 25 15.482,43 0,53
República Dominicana 70 14.454,33 0,50
Suriname 18 11.743,89 0,40
Uruguai 13 9.328,93 0,32
Santa Lúcia 12 7.469,71 0,26
Dominica 11 7.280,26 0,25
Barbados 4 4.359,00 0,15
Cuba 15 3.743,87 0,13
Trinidad e Tobago 7 3.550,06 0,12
Granada 3 1.566,00 0,05
Porto Rico 4 1.095,43 0,04
Montserrat 2 1.091,36 0,04
Anguilla 4 658,10 0,02
Bahamas 4 550,00 0,02
São Cristóvão e Névis 5 387,62 0,01
São Vicente e Granadinas 4 172,37 0,01
Ilhas Virgens 2 145,00 0,0050
Santa Helena 1 126,16 0,0043
Antigua 2 53,14 0,0018
Guiana Francesa 1 34,77 0,0012
Bermuda 1 10,00 0,0003
Turks e Caicos Islands 1 2,00 0,0001
Total 2.940 2.900.688,09 100,00%
Fonte: dados de CASTRO & LOCKER, 2000, p.28.

73
Para o período de 1990-1997, o Brasil é o maior receptor de recursos para a área
da proteção da biodiversidade, alcançando o percentual de 30,97%, mais do que o dobro
do segundo colocado, o México, com 14,51%. Isto nos indica a grande importância do
Brasil neste cenário, e, especialmente, da Amazônia que possui de 30 a 40% das
florestas tropicais do mundo e abriga uma das últimas extensões contínuas de florestas
tropicais úmidas da terra. A Amazônia é considerada o maior “banco genético” do
mundo, detendo cerca de 33% do estoque genético global. Estima-se que existam na
Amazônia 60.000 espécies de plantas, 2,5 milhões de espécies de artrópodes (insetos,
aranhas, etc.), 2.000 espécies de peixes e 300 de mamíferos (ALBAGLI, 1998, p. 199-
200). Chomsky, (1993, p.170) citando Darrell Possey que avalia que as companhias de
remédios norte-americanas auferem rendimentos de 43 bilhões de dólares com a
comercialização de remédios derivados de plantas medicinais descobertas por
populações nativas dos países pobres.
Na tabela 03 apresentamos as principais agências e organizações financiadoras
de recursos para a biodiversidade. Todas possuem projetos para a Amazônia Brasileira.

Tabela 03 – Principais Organizações Financiadoras de Projetos para a


Biodiversidade
Organizações Total de Participação
financiamento por
(em US$ milhão) organização
Banco Mundial-BM 544.030 16,7
Banco Inter-Americano de Desenvolvimento-BID 360.939 11,0
Agência de Cooperação Alemã-GTZ 286.586 8,8
Agência dos Estados Unidos para o 195.594 6,0
Desenvolvimento Internacional-USAID
Fundo para o Meio Ambiente Global-GEF 186.746 5,7
Agência Canadense de Desenvolvimento 157.193 4,8
Internacional
Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais 155.900 4,8
do Grupo dos 7
Holanda 151.256 4,6
Banco de Cooperação do Governo Alemão-KFW 126.823 3,9
Fundo Mundial para a Vida Selvagem-WWF 98.987 3,0
UK - Departamento Internacional de 91.522 2,8
Desenvolvimento do Reino Unido
Fundo Japonês de Cooperação Estrangeira 82.123 2,5
Comissão Européia 80.925 2,5
Fonte: CASTRO, G. & LOCKER, I. 2000, p.18.

74
O Estado do Acre possui projetos de ONGs financiados pela maioria das
organizações citadas no quadro acima, entre estas: Banco Mundial, BID, GTZ, USAID,
CIDA, PPG-7, KFW e WWF.
As políticas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro, especialmente a
partir da ECO 92, têm vinculação com os objetivos de conservação da biodiversidade
através da Convenção da Biodiversidade (CDB), sendo o Brasil o primeiro país a
assiná-la e ratificando-a no Congresso Nacional em 1994. Em dezembro deste mesmo
ano foi criado o Programa Nacional de Diversidade Biológica (PRONABIO). O Fundo
para o Meio Ambiente Global (GEF40) disponibilizou recursos para o financiamento e
apoio específico na área de biodiversidade sendo criados o Fundo Brasileiro para a
Biodiversidade (FUNBIO) e o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da
Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO) (ALBAGLI, 1998, p.163-164).
Não estamos aqui afirmando que as políticas públicas voltadas para o meio
ambiente começaram neste período e, sim, que Estocolmo 72 e a ECO 92 foram um
marco da estratégia ambiental imperialista na definição das políticas ambientais para os
países detentores de grandes recursos naturais41. Ainda em 1973 foi criada a Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior. No início dos
anos de 1980 foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente e depois o Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Depois da Constituição de 1988 foi criado o
Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), “com especial ênfase no apoio a projetos
desenvolvidos por ONGs, por comunidades e por governos locais” (ALBAGLI, 1998,
p.162). Em 1989 foi criado o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). O Ministério do Meio-Ambiente, que era uma Secretaria vinculada à
Presidência da República, desde 1990, viria a ser, em 1995, o Ministério do Meio-
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA). Em 2007, foi criado o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade sendo o mais novo órgão
ambiental do governo brasileiro. Foi criado pela lei 11.156, de 28 de agosto de 2007. É
uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio-Ambiente e integra o Sistema Nacional
do Meio-Ambiente (SISNAMA) e afirma que sua “principal missão institucional é

40
De sua sigla Global Environment Facility (GEF) é um mecanismo gerido pelo PNUD, PNUMA e
Banco Mundial.
41
A principal política pública desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente a partir dos anos de 2000
é o projeto ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia), que teve sua agenda de conservação definida pelas
grandes ONGs, conforme aponta Diegues (2008).

75
administrar as unidades de conservação (UCs) federais, que são áreas de importante
valor ecológico”. 42
O modelo de áreas protegidas existe no Brasil desde 1930, mas foi a partir dos
anos de 1990 que ocorreu um forte crescimento de criação de áreas protegidas,
especialmente na Amazônia, onde apenas o Estado do Acre já conta com 46% de seu
território enquadrado em alguma categoria de áreas de proteção ambiental. A legislação
brasileira para estas áreas foi estruturada em 1996 no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC). Seus objetivos têm ligação com os princípios para a conservação
da biodiversidade em consonância com documentos que analisamos como mostra o
Guia da USAID para a Biodiversidade, e como podemos ressaltar dos objetivos do
SNUC:

I - manter a diversidade biológica e os recursos genéticos no território nacional e nas


águas jurisdicionais;

II – proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;

III - preservar e restaurar a diversidade de ecossistemas naturais;

IV - promover a sustentabilidade do uso dos recursos naturais;

V – promover a utilização dos princípios e práticas da conservação da natureza no


processo de desenvolvimento regional;

VI – proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;

VII – proteger as características excepcionais de natureza geológica, geomorfógica,


espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;

VIII – proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;

IX – recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;

X – proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e


monitoramento ambiental;

XI – valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;

XII – favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação


em contato com a natureza e o turismo ecológico;

XIII – proteger as fontes de alimentos, os locais de moradia e outras condições


materiais de subsistência de populações tradicionais, respeitando sua cultura e
promovendo-as social e economicamente;

42
http://www.icmbio.gov.br/

76
XIV – proteger e valorizar o conhecimento das populações tradicionais, especialmente
sobre formas de manejo dos ecossistemas e uso sustentável dos recursos naturais;

XV – preservar ecossistemas naturais pouco conhecidos até que estudos futuros


indiquem sua adequada destinação (SNUC, 1996).

O Brasil embora possua organismos públicos destinados à política


ambiental tem sua agenda ambiental definida basicamente por organizações como as
grandes ONGs ambientalistas. Entre os projetos recém desenvolvidos pelo Ministério
do Meio Ambiente – MMA, está o Programa Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA,
com o objetivo de “expandir, consolidar e manter uma parte do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC) no Bioma Amazônia, protegendo pelo menos 50
milhões de hectares e promovendo o desenvolvimento sustentável da região”43. O
ARPA, gerenciado pólo WWF, é implementado por uma parceria44 entre o MMA, o
IBAMA, governos estaduais e municipais da Amazônia, o Fundo para o Meio-
Ambiente Global (GEF), o Banco Mundial, o KfW (banco de cooperação do governo da
Alemanha), a GTZ (agência de cooperação da Alemanha), o WWF-Brasil, o Fundo
Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), e organizações da sociedade civil. O valor
dos investimentos destinados é de US$ 400 milhões. Ocorreram alguns seminários
organizados por ONGs como a WWF, como os encontros de Macapá (1999) e Rio
Branco (2001) que definiram as áreas consideradas como prioritárias para a conservação
ambiental conforme demonstrado no mapa 01:

43
http://www.mma.gov.br/port/sca/arpa/ , acesso em 28/02/2009.
44
Destacamos o termo parceria para chamar atenção de que neste trabalho não compreendemos o termo
parceria como uma cooperação entre partes com o mesmo peso econômico, cultural e técnico. Ainda
trataremos do significado que analisamos destas parcerias ambientalistas no tópico onde abordaremos os
Conselhos Consultivos das Unidades de Conservação que pesquisamos.

77
Mapa 01 – Amazônia: áreas prioritárias para a conservação ambiental definidas
pelo ARPA

Fonte: Capobianco, 2001.

Segundo informações do MMA, para garantir a sustentabilidade financeira de


unidades de conservação contempladas pelo Programa ARPA foi criado o Fundo de
Áreas Protegidas (FAP), um fundo fiduciário de capitalização permanente, gerido pelo
Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO). Esse tipo de fundo recebe recursos
de doação e faz investimentos, cujos rendimentos são utilizados para apoiar as unidades
de conservação. Estima-se que o custo anual para manter uma unidade de conservação
na Amazônia seja de US$ 200 mil. Iniciado com recursos de doações do Global
Environment Facility (GEF) e do WWF-Brasil, os rendimentos do FAP servirão como
fonte extra-orçamentária para atender às despesas do SNUC na Amazônia em longo
prazo. Até 2013, o FAP deverá contar com US$ 240 milhões para viabilizar em
perpetuidade a manutenção das áreas criadas e consolidadas pelo ARPA45.

45
http://www.mma.gov.br/port/sca/arpa/ , acesso em 28/02/2009.

78
2.3 - Os Organismos do Imperialismo - Banco Mundial, ONU, USAID: os
principais autores, financiadores e gestores da política ambiental

No marco do enfrentamento do capitalismo versus socialismo simbolizado


posteriormente pela Guerra Fria, surgem as organizações que assumem de uma forma
ou de outra a expansão do capitalismo, ou seja, da política do imperialismo, que são a
Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco
Mundial (BM), Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e ainda mais tarde a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e
Organização Mundial do Comércio (OMC).
O FMI, BM, BID e OMC são considerados como organismos multilaterais,
porque são formados pelos governos de um determinado número de países que
participam destas organizações através de um número de cotas. O principal definidor
das políticas destes órgãos são os EUA, por possuírem também as maiores cotas de cada
organismo financeiro e de principal definidor das políticas imperialistas para os países
dominados que estes órgãos executam.
O Banco Mundial foi criado durante a conferência de Bretton Woods, em 1944.
Nessa conferência, também foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), posteriormente transformado em
Organização Mundial do Comércio (OMC) (RIBEIRO FILHO, 2006, p. 41). O BM
possui atualmente 183 países como seus acionistas, sendo os EUA o país que mais tem
poder no Banco. É este país que indica seu presidente e também é seu maior acionista,
com 17% dos votos, seguido pelo Japão com 6% e a Alemanha com 4,7% dos votos. Os
países pobres possuem um percentual mínimo de ações (RIBEIRO FILHO, op. cit. p.
43).
A Organização das Nações Unidas foi criada em 1945, com a preocupação
fundamental da segurança no período do pós-guerra. Com o decorrer dos anos passaram
a ter papel de destaque entre as agências multilaterais na formulação, na difusão e na
implementação de políticas ditas de assistência ao desenvolvimento (RIBEIRO FILHO,
2006, p.69).
Segundo Cohen a influência das instituições multilaterais sobre os países pobres
deve-se apenas parcialmente ao montante dos recursos destinados a empréstimos e
doações. De 1956 a 1986 o volume destes recursos não excedeu a quantia de US$ 60
bilhões por ano, sendo este valor correspondente a apenas 20% do orçamento anual do

79
Departamento de Defesa dos EUA, ou no montante anual do que esse país gasta com
comida para cachorro (COHEN apud RIBEIRO FILHO, 2006, p.44).
O BM possui estratégias de atuação na divulgação, formação e implementação
de suas políticas. Um dos recursos utilizados é a formação de quadros para serem
efetivadores de suas políticas. O Instituto Banco Mundial, em 2005, patrocinou mais de
900 eventos para mais de 110 mil pessoas, muitos deles em parceria com cerca de 200
instituições de todo o mundo. Neste mesmo ano, concedeu 250 bolsas para estudantes e
pesquisadores estudarem em instituições ideologicamente afinadas com as idéias do
próprio BM (RIBEIRO FILHO, 2006, p.46)46.
Leher (2008) esclarece que a política do BM é implantada para o completo
desmantelamento do sistema educacional de vários países. Esta política teve início na
gestão de Robert McNamara, ex-chefe do Departamento de Estado dos EUA, e que foi
presidente do banco no período de 1968 a 1980. McNamara transformou o BM no
principal definidor das políticas educacionais dos países pobres. Segundo Leher:

McNamara passou a alocar um montante cada vez maior de verbas na rubrica educação
e logo o Banco se converteu no Ministério da Educação dos países periféricos. De fato,
a primeira grande investida foi na difusão de escolas técnicas, preferencialmente no
campo, locus de insurgências e território para exportar o pacote da “Revolução Verde”.
Assim, para resolver simultaneamente os dois problemas, o Banco passou a apoiar
iniciativas de educação técnica no campo, objetivando formar uma geração adepta do
capitalismo agrário e da “Revolução Verde”, um pacote que beneficiava importantes
setores econômicos estadunidenses, como as corporações das sementes híbridas, dos
insumos químicos (Dow Chemical fora dirigida por McNamara) e das máquinas
(Cartepillar etc.) (LEHER, 2008, p.2) 47.

O BM tem financiado ampla propaganda para desacreditar os sistemas de saúde


e da previdência de diversos países. Sua política consiste em contratar “renomados”
intelectuais que possam divulgar a idéia de que o sistema previdenciário público irá falir
por não suportar o ônus de uma seguridade baseada nos princípios do bem-estar social.
Isto também ocorreu no momento em que antigos países socialistas se tornaram
capitalistas, como foi o caso da Hungria onde o sistema previdenciário começou a ruir
no final dos anos de 1980. Conforme Ribeiro Filho:

46
O Instituto do Banco Mundial também investe nos jornalistas como confirma seu ex-presidente
Wolfensohn: Através do Instituto Banco Mundial, nosso ramo de aprendizagem, nós temos fornecido
programas de treinamento que atingem mais de três mil jornalistas [por ano]. Esses programas incluem
cursos especializados em jornalismo econômico, de saúde e de meio ambiente. A maioria dos programas
é oferecida usando tecnologias de aprendizagem à distância, tais como videoconferência, televisão
interativa e internet para ampliar o alcance a participantes em mais de 50 países (BANCO MUNDIAL,
2005, apud RIBEIRO FILHO, 2006, p.47).
47
Fonte: http://www.mepr.org.br/educacao/leher3.htm , Acesso em: 20/06/2008.

80
Logo, muitos dos mais proeminentes especialistas do sistema húngaro de previdência
passaram a fazer parte das folhas de pagamento do FMI e do BM, sendo remunerados
para produzir estudos de acordo com as recomendações desses organismos. Instituições
de pesquisa húngaras também aderiram ao sistema, como foi o caso do Instituto de
Sociologia da Hungria. Além disso, para potencializar o discurso global da necessidade,
outras agências internacionais também passaram a participar e a subsidiar juntamente
com o BM e FMI, a criação de novos jornais e instituições educacionais, com currículos
adaptados para o novo cenário. Elas patrocinaram a tradução de livros para o idioma
húngaro e financiaram conferências com a participação de especialistas do Ocidente
para mostrar aos húngaros as vantagens do novo sistema previdenciário (RIBEIRO
FILHO, 2006, p. 52).

O Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID foi criado em 1959,


atribuindo a si o objetivo de promover o desenvolvimento e de combater a pobreza no
mundo. É o mais importante Banco das Américas e Caribe e o Brasil é seu maior
mutuário. É constituído por 46 países membros: 26 da América Latina e Caribe, 16 da
Europa, além de Israel e Japão. O Brasil é o 2º país com maior poder de voto (10,7%)
empatado com a Argentina. Os EUA detêm 30,0% dos votos. Seus empréstimos são
voltados tanto para governos como para empresas privadas. Embora o Brasil seja seu
maior mutuário, tendo mais poder de voto no Conselho de Direção do BID, com o
controle da atuação desse Banco no País, o governo brasileiro aceita e defende políticas
e projetos que tendem a limitar cada vez mais, a soberania do País48.
A Organização Mundial do Comércio - OMC, foi fundada em 1995, tendo como
base o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT. Seu objetivo era regulamentar
as atividades das nações envolvidas no comércio mundial, mas a abrangência dos
acordos definidos vai muito além dos temas relacionados ao comércio internacional. É
constituída por 133 países membros, a maioria, países ditos em desenvolvimento.
Diferente das outras instituições financeiras, na OMC cada país representa um voto,
mas, na prática, ela é dirigida pelos Estados Unidos, União Européia, Japão e Canadá. A
partir do surgimento da OMC, institucionalizaram-se os seguintes acordos ou códigos
de regulação: o Acordo Geral de Comércio e Serviços (GATS); as Medidas de
Investimentos Relacionadas ao Comércio (TRIMs); o Acordo sobre Direitos de
Propriedade Intelectual, fundamental na disputa sobre patenteamento de medicamentos,
e do qual o Brasil é participante.

48
No estado do Acre foi implantado o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre (PDS Acre) ,
contrato BID OC / BR 1399, elaborado e colocado em prática a partir de 2003, com valores de US$ 240
milhões. Para uma análise do PDS no Acre, ver Souza (2008).

81
Em 2000 foi apresentado pelo BID em reunião em Brasília sob a liderança do
então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, o Plano de Integração da
Infra-Estrutura Regional da América do Sul – IIRSA. O principal objetivo do IIRSA é
promover um plano de integração da estrutura física que viesse a favorecer a tão
defasada “integração comercial”. O IIRSA seria implementado dentro de uma nova
concepção de integração regional denominada pelo BID de “novo regionalismo”,
baseado no mercado externo, com as seguintes características: abertura para os
mercados mundiais; promoção da iniciativa privada; e a retirada do Estado da
responsabilidade com a atividade econômica direta. Para esse “novo regionalismo” se
concretizar fazia-se fundamental uma região com sua infra-estrutura física integrada49.
O Brasil possui acordos de cooperação e financiamento com organismos
bilaterais e multilaterais. Em dezembro de 2006 os Projetos em Execução por Área
somavam um total de 85 e concentravam-se nas seguintes áreas: social/educação (39),
meio-ambiente (26), agricultura (16), saúde (9), administração pública (4), energia (2) e
transporte (1), conforme o gráfico 04:

Gráfico 04 – Projetos financiados por organismos bilaterais e multilaterais no


Brasil

Fonte: Agência brasileira de cooperação50

A cooperação com organizações multilaterais51 ocorre segundo a Agência


Brasileira de Cooperação (ABC) por meio de treinamentos, seminários, reuniões,

49
Sobre as conseqüências deste programa para os povos da América Latina ver:
http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=300774
50
Fonte: http://www.abc.gov.br/abc/abc_ctrb.asp , Acesso em: 30/06/2008.
51
Os principais organismos que participam de acordos multilaterais com o Brasil são: BID - Banco
Interamericano de Desenvolvimento, CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe,
FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FLACSO - Faculdade Latino-

82
conferências, missões de curta duração, pré-projetos e projetos. Por meio dessas
modalidades são prestadas consultorias, capacitação de recursos humanos e aquisição de
bens e contratação de serviços, mobilizáveis em escala mundial a partir do amplo
espectro de organismos internacionais com atuação em praticamente todas as áreas do
conhecimento. O caráter multilateral dessa vertente da cooperação internacional é
enfatizado por força da aplicação dos princípios da neutralidade e universalidade que
balizam a atuação dos referidos organismos (AGÊNCIA BRASILEIRA DE
COOPERAÇÃO, 2008). 52
Segundo a Agencia Brasileira de Cooperação (ABC) em dezembro de 2006, a
carteira de projetos da Coordenação Geral de Cooperação Técnica Recebida Multilateral
contabiliza 438 projetos em execução, sendo o principal os recursos destinados do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (PNUD). No
gráfico 05 podemos visualizar as entidades financiadoras desses projetos:

Americana de Ciências Sociais, FNUAP - Fundo de População das Nações Unidas, HABITAT - Centro
das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura, OACI - Organização da Aviação Civil Internacional, OEA - Organização dos Estados
Americanos , OEI - Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura ,
OIT - Organização Internacional do Trabalho, OIMT - Organização Internacional de Madeiras Tropicais,
OMM - Organização Mundial de Meteorologia, OMPI - Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
OPAS/OMS - Organização Panamericana de Saúde / Organização Mundial de Saúde, OTCA -
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, PNUD - Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, UIT - União Internacional de Telecomunicações, UNODC – Escritório das Nações
Unidas para o Controle Internacional de Drogas e Prevenção ao Crime, UNESCO - Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura, UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância,
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, UNIDO - Organização das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, UNV - Voluntariado das Nações Unidas, UPU -
União Postal Universal.
52
Fonte: http://www.abc.gov.br/abc/abc_ctrm_orientacao.asp, Consulta: 30/06/2008

83
Gráfico 05 – Principais Financiadores de Acordos Multilaterais no Brasil

Fonte: Agência Brasileira de Cooperação53

Procuramos relacionar neste tópico a importância que as política ambientais vão


assumir no período de 1980-1990 e as relações das organizações e países executores
desta política com uma política estratégica para a biodiversidade. Porém, políticas
intervencionistas para a Amazônia são já encontradas na política da ONU proposta em
1948, ano de criação do Instituto Internacional Hiléia Amazônia, em que os objetivos
voltados para as populações indígenas não escondiam seu caráter de saque a
apropriação:

- organizar explorações botânicas que cubram de maneira progressiva e sistemática a


totalidade da Hiléia Amazônica, com o fim de coligir plantas de interesse econômico,
reunir documentos e informações sobre as práticas etnobotânicas dos povos aborígenes
e coletar amostras vegetais e dados científicos capazes de orientar os estudos florísticos,
fitogeográficos e taxinômicos;

- iniciar, em algumas cidades típicas da Hiléia Amazônica, inquéritos sociais, tão


completos quanto possível, a fim de fixar as suas características antropológicas, a sua
feição cultural e econômica, o seu gênero de atividades, o seu regime alimentar e estado
sanitário;

- estudar a possibilidade de utilizar, para a educação das populações amazônicas,


caravanas compostas de sanitaristas, etnólogos, agrônomos e professores, aparelhados
com recursos modernos de projeções fixas e móveis, de discos, rádios, etc.;

53
Fonte: http://www.abc.gov.br/abc/abc_ctrm_orientacao.asp, Consulta: 30/06/2008

84
- analisar as causas de depopulação de centros indígenas amazônicos e os recursos
aplicáveis para sustar o seu desenvolvimento;

- estudar os elementos folclóricos e lingüísticos dos diversos grupos indígenas;

- investigar os meios de preservar as populações indígenas das contaminações


infecciosas resultantes de contactos com civilizados portadores de germe em relação aos
quais se encontram em estado de menor resistência;

- colaborar no estudo comparativo da fisiologia humana e animal em diferentes latitudes


e altitudes (CARNEIRO apud SILVA, 2000, p.84) 54.

55
A USAID possui um programa específico para a conservação ambiental
intitulado Global Conservation Program (GCP)56 que consiste em uma parceria dela
com seis das mais importantes ONGs da conservação: World Wildlife Fund (WWF),
Conservação Internacional (CI), The Nature Conservance (TNC), Fundação da Vida
Selvagem Africana (AWF), World Conservation Strategy (WCS) e Enterprise
Works/VITA. Segundo o programa, a biodiversidade da Terra está ameaçada devido às
altas taxas de perda nas florestas tropicais, recifes de corais, pradarias e áreas produtivas
do mar aberto. Para barrar esta ameaça o GCP “é um programa para salvar globalmente
a biodiversidade”. Para tanto o GCP atua juntamente com as ONGs desde as savanas da
África, as florestas tropicais da Amazônia, aos mais diversos recifes de corais da Ásia.
Segundo a USAID o GCP opera para alcançar a conservação da biodiversidade
em regiões consideradas estratégicas, porque são ricas em recursos naturais. Para isto o
programa tem entre seus objetivos: 1) testar as abordagens inovadoras que conseguem
um maior impacto de conservação em múltiplas escalas, desde o nível comunitário até
as amplas paisagens terrestres e marinhas que ultrapassam os limites políticos; 2) os
projetos procuram contribuir para a sobrevivência humana enquanto se voltam para
diminuir as pressões sobre a conservação. Os parceiros do programa fortalecem a
capacidade local trabalhando pessoas, organizações e recursos locais; 3) apoiar
iniciativas para gerar novos conhecimentos de conservação e partilhar práticas
realizadas 57.

54
Silva (2000) se baseia no relatório do Dr. Paulo E. Berredo Carneiro, representante do Brasil na
UNESCO e presente à Conferência de Iquitos.
55
Um estudo que aborda o papel da USAID e de políticas genocidas do governo dos EUA no mundo foi
realizado por CHOMSKY, Noam & HERMAN, Edward (1976).
56
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
acesso em 23/04/2008
57
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf.
Acesso em 23/04/2008

85
O Global Conservation Program (GCP) tem atuado em mais de trinta países e
sua ação resultou em atividades que englobavam uma área de 33 milhões de hectares
sob sua gestão, ou seja, sob a ação das ONGs consorciadas da USAID como a WWF,
CI, AWF, WCS. Segundo a avaliação da USAID o programa apresenta como resultados
importantes:

- A WWF está promovendo conservação em ampla escala na eco-região marinha do


leste da África, uma área importante da biodiversidade marinha que abrange as águas
costeiras do Quênia, Tanzânia e Moçambique. O WWF está ajudando os parceiros
regionais a forjar novas alianças e abordagens que ultrapassem as fronteiras nacionais
tal como um secretariado tri-nacional58 que é um departamento legalmente reconhecido
para a coordenação de programas e políticas de conservação costeiros e marinhos, nos
mesmos locais.

- na Bolívia a Wildlife Conservation Society (WCS) trabalhou com a missão da USAID


para dar assistência à comunidade indígena de Tacana para garantir a titulação de
aproximadamente 325 mil hectares de florestas. Esta terra adjacente à área protegida de
Madidi, é essencial para assegurar a sobrevivência sustentável do povo Tacana e
proteger a bacia hidrográfica que beneficia milhares de usuários.

- no Nepal mais de 40% das sete mil espécies de plantas do país não são encontradas
mais em nenhum lugar da Terra. A parceria do GCP com a VITA (Enterprises Works59)
ajudou os grupos comunitários usuários da floresta a implementar planos de gestão
florestal que beneficiam economicamente pequenos produtores enquanto garantem uma
coleção sustentável de produtos florestais não-madeireiros. Em 2005 este programa
60
gerou rendimentos de 1.8 milhões de dólares para 35.000 produtores rurais pobres .

Outra área importante de atuação dos organismos de conservação para a


biodiversidade tem sido a educação ambiental. As iniciativas do GCP nesta área
incluem: projetos visando medidas de conservação ambiental; redes de áreas protegidas
da marinha tropical; planejamento de conservação na escala da paisagem; sócio-
economia integrada na conservação de escala da paisagem e processos hidrológicos61.
A estratégia do imperialismo para a conservação da biodiversidade envolve
também a tática do que eles denominam de “parceria ecológica”62 que consiste no
envolvimento das comunidades das áreas de preservação nos projetos que as ONGs vão
executar em cada região escolhida. Segundo o GCP:
58
Na fronteira tri-nacional do Estado do Acre com os departamentos de Pando (Bolívia) e Madre de Díos
(Peru), a USAID é a principal financiadora do projeto conhecido como MAP (Madre de Díos /Acre
/Pando), que envolve uma ação importante do imperialismo nesta região, levando inclusive o Itamaraty a
barrar um dos programas da USAID para bacia Amazônica nesta área.
59
Atua na área de negócios “sustentáveis” em mais de 100 países, ver: http://www.enterpriseworks.org/
60
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
acesso em 23/04/2008
61
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
acesso em 26/04/2008
62
Uma análise do papel destas “parcerias” pode ser encontrada em Pereira dos Santos (2007).

86
Além de implementar as atividades locais, os parceiros do GCP trabalham juntos para
fazer pesquisas e trocas de experiências aplicados em tópicos de amplo interesse da
conservação. Esta iniciativa de aprendizagem colaborativa e inter-institucional pretende
gerar novas abordagens de conservação e identificar e partilhar práticas de conservação
efetivas.63

A USAID especifica no GCP as áreas em que o programa pretende trabalhar e


apoiar, são elas64: gestão de recursos naturais ligados às comunidades, resolução de
conflitos, educação na conservação e conscientização pública, financiamento da
conservação, aplicação na construção de capacidades, empreendedorismo baseado na
conservação, reforço institucional, planejamento da paisagem, gestão de recursos
costeiros e marinhos, monitoramento e avaliação, treinamento na gestão de áreas
protegidas, posse de recursos e turismo sustentável65.
A seguir apresentamos exemplos segundo o Projeto de Conservação Global da
USAID com as big ONGs em diversas regiões do mundo:

1) Fundação da Vida Selvagem Africana (AWF): O Programa de Conservação de


Recursos em Paisagens Africanas está trabalhando para estabelecer uma gestão
sustentável de recursos naturais integrados no African Heartland, através e para os
benefícios das comunidades e governos locais e nacionais: Kilimanjaro Heartland
(Quênia e Tanzânia), Samburu Heartland (Quênia) e Massai Stepp Heartland
(Tanzânia);

2) Conservação Internacional (CI): O Programa de Planejamento e Implementação do


Corredor de Biodiversidade tem foco na manutenção de processos biológicos
regionalmente através do estabelecimento de corredores entre as áreas protegidas:
Corredor de Biodiversidade do Cerrado Pantanal (Brasil) e Corredor da Biodiversidade
Menabe (Madagascar);

3) Enterprise Works/ VITA: O Projeto de Conservação da Biodiversidade Baseado em


Negócios apóia as empresas localizadas na comunidade e ligadas à conservação
(Filipinas);

63
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf.
acesso em 28/04/2008
64
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf . acesso
em 30/04/2008
65
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf.
acesso em 30/04/2008

87
4) Conservação da Natureza (TNC): A Rede de Programas de Áreas Protegidas da
Marinha Tropical procura enfrentar desafios atuais na conservação marinha em larga
escala: Baía de Kimbe (Papua Nova Guiné), As Ilhas de Raja Ampat (Indonésia), Recife
Meso Americano (Belize, Guatemala, Honduras e México) e o Parque Nacional de
Wakatobi (Indonésia);

5) World Conservation Strategy (WCS): A Conservação da Biodiversidade no Programa


de Escala da Paisagem enfoca as regiões em conservação de importância biológica
global: Recife de Glover (Belize), Madidi (Bolívia), Paisagem da Estepe Oriental
(Mongólia) e Paisagem da Reserva de Biosfera Maya (Guatemala);

6) WWF: O Programa de Conservação Baseado em Eco-regiões enfoca grandes áreas


de terras/água biologicamente distintas conhecidas como eco-regiões: Himalaias
Orientais e a paisagem do Arco Teri (Nepal), Florestas do Baixo Mekong (Vietnan,
Camboja e Laos) e Eco-região Marinha do Leste da África (Quênia, Tanzânia e
Moçambique)66.

As políticas preservacionistas do imperialismo norte-americano estão voltadas


para a utilização futura de recursos naturais e a descoberta de plantas que sirvam à
indústria milionária dos remédios. A USAID trabalha com cifras para o que eles
denominam de “valores dos serviços do ecossistema da biodiversidade” e apresenta os
dados do potencial do mercado para estes serviços que alcançariam o valor de US$ 33,3
trilhões, ou seja, quase o dobro do PNB dos EUA, conforme tabela abaixo:

66
Disponível em: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf
acesso em 30/04/2008

88
TABELA 04 - Valores estimados para serviços do ecossistema
Serviços do Ecossistema US$ trilhões

Formação do Solo (Soil formation) 17,1

Recreação (Recreation) 3,0

Ciclo de nutrientes (Nutrient cycling) 2,3

Oferta e regulação de água (Water regulation and supply) 2,3

Regulação do clima (temperature e precipitacion) 1,8

Habitat 1,4

Proteção contra tempestades e inundações (Flood and storm protection) 1,1

Produção de alimentos e matérias-primas (Food and raw materials production) 0,8

Recursos Genéticos (Genetic resources) 0,8

Equilíbrio do gás atmosférico (Atmospheric gas balance) 0,7

Polinização (Pollination) 0,4

Outros serviços 1,6

Valores totais dos serviços do ecossistema 33,3


Fonte: USAID, Biodiversity conservation a guide for Usaid staff and partners (2005, p.13).

Como exemplos da execução dos interesses no mercado da biodiversidade temos


a situação da Costa Rica. Em 1991, o Instituto Nacional de Biodiversidad (InBIO),
fundação privada sem fins lucrativos da Costa Rica, fechou com a empresa farmacêutica
Merck, a maior dos EUA, um acordo para exploração da biodiversidade das florestas
costa-riquenses, com apoio de universidades, agências governamentais e não-
governamentais dos Estados Unidos e da Europa. A empresa americana co-financia com
US$ 1,3 milhão a realização do Inventário Nacional da Fauna e Flora, um projeto
nacional para execução em 10 anos (estimado em US$ 56 milhões), em troca da cessão
do germoplasma de 10.000 espécies, cabendo à Costa Rica uma percentagem nos
direitos da comercialização dos produtos eventualmente fabricados a partir deles
(ARNT, 1994, p.14).
Por essas razões podemos explicar as preocupações com as populações nativas e
outras que conhecem os recursos da floresta amazônica. A maior parte dos críticos à
chamada biopirataria não enxergam nenhuma saída a não ser a negociação possível tal
como propõem as leis, contratos e outros caminhos mercantis em que essas populações

89
seriam pagas por conhecerem os recursos. Outros mecanismos de mercado são
propostos para diminuir o desmatamento como a certificação florestal (as madeiras que
saíssem da Amazônia teriam um selo – verde – que identificasse sua origem e a forma
de extração – menos predatória -), outros produtos teriam um preço mais elevado e
beneficiariam as populações que extraem os recursos, etc. Todas são medidas que
supõem um mercado de concorrência perfeita, sem monopólios. Para ilustrar bem o que
citamos acima e a problemática da atuação, principalmente do imperialismo
estadunidense na Amazônia, recorremos a Lênin:

Para o capital financeiro não são apenas as fontes de matérias-primas já descobertas que
têm importância, mas também as possíveis, pois a técnica avança, nos nossos dias, com
uma rapidez incrível, e as terras hoje não aproveitáveis podem tornar-se amanhã terras
úteis, se forem descobertos novos métodos (para cujo efeito um banco importante pode
enviar uma expedição especial de engenheiros, agrônomos, etc.), se forem investidos
grandes capitais. O mesmo acontece com a exploração de riquezas minerais, com os
novos métodos de elaboração e utilização de tais ou tais matérias primas, etc.etc. Daí a
tendência inevitável do capital financeiro para ampliar seu território econômico e até o
seu território em geral. (...) manifesta a tendência geral para se apoderar das maiores
extensões possíveis de território, seja ele qual for, encontre-se onde se encontrar, por
qualquer meio, pensando nas fontes possíveis de matérias-primas e temendo ficar para
trás na luta furiosa para alcançar as últimas parcelas do mundo ainda não repartidas ou
por conseguir uma nova partilha das já repartidas (LÊNIN,[1916], 2000, p.64).

A USAID explicita no seu documento Biodiversity Conservation: a guide for


USAID staff and partners que seu apoio à conservação da biodiversidade caminha na
direção da ajuda externa do governo norte americano, nos seguintes contextos:

- Promover o desenvolvimento transformador. A gestão sustentável e conservacionista


da biodiversidade pode reforçar a governança participativa e aumentar o crescimento
econômico e a qualidade de vida, conservando os recursos e os ecossistemas dos quais
as pessoas dependem para seu bem estar, contribuindo, portanto, para o objetivo da
USAID de promover o desenvolvimento transformador.

- Reforçar os Estados frágeis. A conservação transparente e eqüitativa e a gestão da


biodiversidade através da construção de instituições e capacidades podem melhorar o
sistema de governança, reduzir os conflitos sobre os recursos, contribuir para a
estabilidade social e política e voltar-se para as causas originárias de muitas
necessidades humanas básicas, fortalecendo os Estados frágeis.

- Apoiar os interesses geoestratégicos dos Estados Unidos. A gestão eqüitativa e


sustentável, a governança e a conservação da biodiversidade podem contribuir
para aumentar a estabilidade e a prosperidade em áreas do mundo nas quais o
governo dos Estados Unidos identificaram prioridades geoestratégicas.

- Criar alívio humanitário. Conservar os ecossistemas e a biodiversidade intactos pode


ter um papel importante em minimizar e mitigar os impactos dos desastres naturais
(inundações, deslizamentos e secas) e conflitos violentos e aqueles resultantes de

90
emergências humanitárias. Além disso, tomar medidas apropriadas durante a provisão
de alívio humanitário pode diminuir os impactos destas atividades nos ecossistemas
locais e criar bases para um desenvolvimento de longo prazo.

- Diminuir as questões transnacionais e globais. Além de contribuir para outros


objetivos de desenvolvimento, conservar a biodiversidade é um alvo da assistência
externa dos Estados Unidos como direito próprio. A biodiversidade é um recurso global
crítico para as gerações futuras e atuais e a USAID tem um mandato para conservar este
recurso (USAID, 2005, p.4, destacado nosso)67.

Na citação acima deparamos os aspectos da política ambientalista estadunidense


ligados a sua política de promoção do “desenvolvimento e democracia no mundo”,
mesmo que para isto tenham patrocinado e formulado 57 golpes de Estado na América
Latina conforme mostra o documentário de John Pilger68. Em 2003 o EUA invadiu o
Iraque e o Afeganistão, que já ocasionou a morte de mais de um milhão de iraquianos,
promovendo massacres e “banhos de sangue” sob a desculpa de combater o
terrorismo69.
Para a política ambientalista e de conservação da biodiversidade a USAID e o
Banco Mundial têm se destacado como um dos principais formuladores,
implementadores e financiadores de programas e projetos no campo ambiental. Para a
execução destas políticas, foram eleitas as grandes ONGs da conservação, como as
denomina DIEGUES (2008), que atuarão com status de Estado na execução do que
denominam de governança, gestão sustentável e gestão da sustentabilidade em vários
países do mundo. As grandes ONGs não atuam sozinhas na execução desses programas
e contam com as parcerias de governos e ONGs nacionais.
Entendemos aqui que o fenômeno das ONGs em escala mundial é explicado
pelo que Piqueras (2000) denomina de onguismo de que trataremos no próximo capítulo
onde procuramos analisar a ação das ONGs na escala mundial e a atuação e vinculações
das grandes ONGs ambientalistas.

67
Fonte: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/usaid_pubs.html
68
O documentário de John Pilger “The War on Democracy” está disponível em:
http://www.revistapueblos.org/spip.php?article1483
69
O documentário “El poder de las pesadillas”, realizado pelo documentarista Adam Curtis pela BBC,
trata sobre como os conservadores norte americanos fabricaram a ideologia de combate ao terrorismo.
Disponível: http://www.kuomodo.info/2006/11/el-poder-de-las-pesadillas.html

91
Capítulo 3 - ONGs: novos agentes do imperialismo

3.1 – Sistematizando o conceito de ONG

O conceito de Organização Não-Governamental - ONG - abrange uma longa


história, o próprio Yearbook of International Organizations70 chega a reconhecer como
ONGs organizações de caráter religioso, datadas no ano de 312 D.C., e a outras, como a
Ordem de Santa Cruz, de 1649. Ryfman (2004) atribui à organização Anti-Slavery
International (1789), com sede nos EUA, uma das primeiras organizações reconhecidas
como ONG. Ainda no século XIX é fundada nos EUA, em 1892, a Sierra Club que se
tornou uma importante ONG ambientalista.
Da bibliografia pesquisada sobre o histórico e conceituação das ONGs no
mundo em Ryfman (2004), Corsino (1998), Buturo (1998), Baylosis (1998), estes
autores realizam estudos na perspectiva de conceituar as ONGs no campo da ONGD
(Organização Não Governamental de Desenvolvimento). Historicamente, é a partir do
período da Guerra Fria que as ONGs começam a ter mais atuação no mundo devido ao
fato de fazerem parte da estratégia, principalmente dos EUA, de promover o
desenvolvimento nos países ditos atrasados, como tentativa de impedir que estes países
se aproximassem do campo socialista ou de se converterem em países socialistas.
A partir do final dos anos de 1970, com a reestruturação do capitalismo,
conhecido como neoliberalismo, as ONGs terão grande impulso na sua atuação
especialmente nos países pobres, conforme demonstram Gómez Gil (2004, 2005) e
Piqueras (2000, 2001). A maioria dos autores pesquisados questiona se as ONGs seriam
instrumentos do neoliberalismo ou se constituíram, de fato, em instrumentos de
organizações populares para enfrentar as conseqüências sociais e econômicas de tal
reestruturação. Tandon (1998), estudando as ONGs na Índia, afirma que estas são
agentes do imperialismo, colocando sua ação como suspeita porque de fato há um
sentimento comum naquele país de que ninguém sabe na realidade a que as ONGs
servem71.
Gómez Gil (2004, p.82-85) apresenta quatro períodos históricos que diferenciam
o aparecimento e a evolução da atuação das ONGs em escala mundial que
sistematizamos a seguir.

70
http://www.uia.org/organizations/home.php, acesso em 15/08/2008.
71
Ver o texto de James Petras: Imperialism and NGOS in Latin America, Monthly Review, Dezembro de
1997, Disponível em: http://www.monthlyreview.org/1297petr.htm

92
O primeiro período compreende até a primeira metade do século XIX quando as
organizações possuíam um caráter fortemente baseado no assistencialismo religioso,
como exemplo a Cáritas, surgida na Alemanha em 1897, e o Exército de Salvação,
criado em Londres em 1865 (GÓMEZ GIL, 2004, p.83).
O segundo período inicia-se na segunda metade do século XIX quando as
organizações eram influenciadas pelos ideais da Revolução Francesa e pelos avanços e
conseqüências da Revolução Industrial sobre a classe trabalhadora72; neste momento são
constituídas várias organizações internacionais de vocação social.
O terceiro período do final do século XIX até a década de 1970. Goméz Gil
(2004) caracteriza este período como consolidação do processo de onguismo na medida
em que aparecem ONGs muito importantes nos países ricos com ampla atuação
internacional tendo especial importância no trabalho de colonização dos países ricos
europeus, já que estas levavam para as colônias os princípios de “civilizar os
ignorantes” e “introduzir o progresso” (GÓMEZ GIL, 2004, p.85). As ONGs atuam
neste campo aparecendo para as populações dos países pobres como organizações
humanitárias, mas na realidade sua atuação serve como “mestre de cerimônia”, como
abertura de terrenos para a ação do imperialismo.
O quarto período abrange meados dos anos de 1970 até 2000; Gómez Gil atribui
à chamada globalização a principal causa do grande crescimento das ONGs no mundo
inteiro. No período de um ano, de 1984 a 1985, são criadas tantas ONGs quantas foram
em todo o período de 1909 a 1984 (GÓMEZ GIL, 2004, p.86). Nos EUA havia em 1990
mais de dois milhões de ONGs, na Espanha existiam 200.000 (GÓMEZ GIL, p. 86-87).
Neste último período surgem ONGs reconhecidas mundialmente como Mãos Unidas
(1960), Greenpeace e Médicos Sem Fronteira (1971), Médicos do Mundo (1980),
embora algumas destas surjam de outras organizações como o caso dos Médicos Sem
Fronteiras (MSF) que surgem de divergências de médicos e jornalistas franceses com a
Cruz Vermelha, e os Médicos do Mundo que nascem do MSF73. Além de crescimento
quantitativo, as ONGs ganham importância e reconhecimento mundial. Em 1997 o
Prêmio Nobel da Paz é concedido às ONGs Anistia Internacional, Oxfam, Médicos Sem
72
Polanyi (2000) demonstra que, longe de deixar a operação da economia às leis do mercado, a
intervenção do Estado na regulação econômica foi crucial para garantir a sobrevivência do nascente
capitalismo, especialmente na formulação de leis que garantissem a sobrevivência dos trabalhadores
como força de trabalho.
73
O fundador dos Médicos Sem Fronteiras, Bernard Koucher, foi nomeado em 26/05/07 Ministro dos
Negócios Estrangeiros da França, pelo presidente francês Nicolas Sarkozy, responsável pela política
fascista francesa no trato com os imigrantes e na retirada de direitos sociais. Koucher já havia sido
Ministro da Saúde, euro-deputado e Administrador das Nações Unidas em Kosovo.

93
Fronteira e Greenpeace, por terem elas liderado juntamente com 350 ONGs a campanha
internacional contra as minas terrestres que resultou no chamado Tratado de Otawa74.
O Banco Mundial conceitua as ONGs, denominadas por eles, de ONGs de
desenvolvimento, como:

(...) aquelas organizações privadas, sem fins lucrativos, que trabalham em países em
desenvolvimento para aliviar o sofrimento, promover os interesses dos pobres, proteger
o meio ambiente, prestar serviços sociais básicos ou empreender o desenvolvimento da
comunidade (Banco Mundial apud PETRAS, 1995, p.229).

Para Petras (1995) as ONGs têm um peso importante na vida social e política da
América Latina devido aos seus estreitos vínculos com organizações internacionais
imperialistas como o Banco Mundial. Em 1987 as ONGs entraram com 14% da receita
líquida de assistência aos países chamados em desenvolvimento. Esse montante foi de
5,5 bilhões de dólares, dos quais 2,2 bilhões foram fornecidos às ONGs por órgãos
oficiais de assistência (PETRAS, 1995, p.229-230). Para este autor a lógica do
envolvimento do Banco Mundial com as ONGs é de amortecer as conseqüências sociais
da redução dos investimentos sociais dos governos, pois o aumento da pobreza e da
desigualdade social cria sérios conflitos que o Estado busca gerenciar.
Os projetos das ONGs respaldam as políticas da reestruturação neoliberal
implementadas por organismos do imperialismo, especialmente o BM, em alguns
aspectos: 1) constroem o discurso e fazem a propaganda de que são os pobres os
próprios responsáveis por sua pobreza, assim como devem conseguir os meios para sair
dela, via mercado, desenvolvendo competências e pregam o empreendedorismo como
receita para sair da crise econômica; 2) mostram-se mais eficientes que o Estado ao
fazerem o discurso de que o público é burocratizado, corrupto e ineficiente,
proclamando a si mesmas como as organizações capazes de suprir o que o Estado não
consegue fazer; 4) as ONGs ao defenderem a cooperação e o desenvolvimento
promovem a propaganda e o convencimento que facilitam a implementação das
políticas restritivas do Banco Mundial nos países pobres.
A vinculação das ONGs com o Banco Mundial é apontada por Gómez Gil
(2004) pelo aumento da participação destas nos projetos do Banco: no período 1973-
1988, apenas 6% dos projetos do BM tinham alguma participação das ONGs, uma

74
O Tratado de Otawa ou Tratado de Banimento de Minas Terrestres, como também é conhecido, proíbe
o uso, a produção, a estocagem e a transferência de minas terrestres anti-pessoais.

94
década depois sua participação era de 30% e chegava a 50% em 1994-1995 (GÓMEZ
GIL, 2004, p.109).
O Banco Mundial afirma que:

O crescente reconhecimento das limitações do setor público para abordar eficientemente


os problemas dos países em desenvolvimento e a maior dependência do setor privado
para alcançar este objetivo permitem ter uma idéia mais cabal da contribuição que os
diferentes atores da sociedade civil podem fazer ao desenvolvimento nacional,
acrescentando, o Banco Mundial reconhece a importância da função que, neste
contexto, cumprem as organizações não governamentais (ONGs) tanto locais como
internacionais (BANCO MUNDIAL, 1996, p.1).

As relações entre o BM e as ONGs são tão estreitas75 e de tal magnitude que o


Banco criou uma complexa estrutura institucional e financeira com a criação do grupo
“Participação e ONGs do Banco Mundial”, que se constitui numa unidade central de
informações e dados acerca das ONGs, assim como para as relações com essas
organizações; que possui como funções: 1) facilitar a colaboração operacional, em
particular a participação das ONGs nas fases iniciais do ciclo de desenho dos projetos e
consulta com as partes afetadas; 2) procurar que o diálogo sobre as políticas entre o
Banco Mundial e as ONGs seja o mais construtivo possível, entre outras coisas
mediante o fornecimento de assessoria para as consultas com estas organizações,
facilitando apoio ao Comitê de ONG do Banco Mundial; 3) proporcionar informações
sobre as ONGs aos funcionários do Banco e a terceiros, e servir de ponto inicial de
contato das ONGs para a obtenção de informações sobre o Banco; 4) acompanhar o
processo de colaboração entre o Banco e as ONGs e documentar as lições derivadas das
mesmas; 5) ajudar aos funcionários de operações a fomentar a existência de um
ambiente de políticas mais propícias para as ONGs nos países em desenvolvimento. O
grupo do BM também possui informações detalhadas sobre mais de 8.000 ONGs,
muitas das quais colaboradoras do Banco Mundial (BANCO MUNDIAL apud GÓMEZ
GIL, 2004, p.111).
O Banco Mundial através de seu departamento de avaliação de operações analisa
o trabalho das ONGs afirmando que:

75
Segundo Gómez Gil as relações entre o BM e as ONGs são tão “surrealistas que a ONG Rotary
International transferiu 15 milhões de dólares ao Banco Mundial” (GÓMEZ GIL, 2004, p.114).

95
(as ONGs) trabalham o terreno, chegam até as comunidades pobres e zonas longínquas,
identificam as necessidades locais, conseguem a cooperação da população
marginalizada e prestam serviços. Nos dois últimos decênios, as ONGs têm participado
em um número crescente de projetos apoiados pelo Banco Mundial devido à sua
experiência em matéria de socorro de emergência e de desenvolvimento participativo.
Desde 1989, quando o Banco aprovou uma diretriz operacional para instar o pessoal e
aos prestatários a incorporar as ONGs em suas atividades, até a metade dos projetos
aprovados anualmente têm contemplado a participação das ONGs (BANCO
MUNDIAL, 1999, p.1).

O Departamento Econômico e Social da FAO (1994) produziu uma avaliação


sobre a atuação das ONGs no desenvolvimento rural na América Latina e concluiu que
as ONGs são relevantes e complementares para o trabalho da FAO. Ressalta o que
chamam de ‘ONGs promocionais’ porque estas atuam com objetivo de melhorar as
condições de vida das populações rurais pobres, por conta das seguintes ações: a)
colaboração com o governo e agências internacionais e outras ONGs em identificar e
mobilizar organizações camponesas de base, para facilitar sua participação e o
desenvolvimento; b) colaboração com o governo na formulação de políticas públicas,
coleta de dados, desenho e execução de projetos de desenvolvimento rural participativo;
c) fortalecimento da capacidade de liderança das organizações locais e da população
rural e da capacitação de seus membros para atividades de desenvolvimento76. A FAO
destaca as ONGs que eles consideram como “promocionais” em diversos países da
América Latina conforme podemos observar na tabela 05:

Tabela 05: “ONGs promocionais” na América Latina

País ONGs Área de atuação


Argentina INCUPO, INDES, ISAN Trabalho com comunidades
Bolívia UNITAS, AIPE, ERBOL, Para desenvolver estratégias de desenvolvimento
SENPAS77 microrregionais
Brasil CENTRU, IBASE e FASE Trabalho no combate à pobreza
Costa Rica ANAI Meio ambiente
Chile CET Capacitação de grupos de base
Equador CESA, FEEP, CECCA, CAAP Reforma Agrária, financiamento agropecuário,
capacitação de camponeses e apoio à pesquisa e
desenvolvimento agropecuário.
Guatemala ASEPADE, Fundação ‘o Consultoria e apoio a projetos comunitários
centavo’
México ANAGADAS (rede de ONGs) Trabalham com 500 organizações de população rural
Peru FDN, PROTERRA, Projetos e estudos; ecológico; agropecuário
CADEPJAM
República Dominicana FDD Desenvolvimento Rural
Uruguai IPRU Apoio às bases
Honduras CARE Combate à pobreza

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da FAO (1994)

76
http://www.fao.org/docrep/003/t3666s/t3666s00.HTM , acesso em 23/07/2008.
77
São redes institucionais que englobam ONGs.

96
A relação das ONGs com organismos do imperialismo tem papel importante
desde a fundação da ONU que reconhece as ONGs no artigo 71 de sua carta de
fundação, sendo suas funções ampliadas e melhor definidas na Resolução 1996/31 do
Conselho Econômico e Social. O artigo 71 assinala que:

O Conselho Econômico e Social poderá fazer acordos adequados para celebrar


consultas com Organizações Não-Governamentais que se ocupem em assuntos de
competência do Conselho. Poderão fazer tais acordos com organizações internacionais
e, se a isso tiver lugar, com organizações nacionais, prévia consulta com o respectivo
membro das Nações Unidas (citado em GÓMEZ GIL, 2004, p. 119).

Cerca de 3.600 ONGs participam ativamente em distintas atividades vinculadas


às Nações Unidas. Junto à Assembléia Geral da ONU as ONGs possuem status especial
conforme Gómez Gil (2004, p.120):

a) status consultivo geral: para a maioria das ONGs que abordam os temas do qual se ocupa o
Conselho Econômico e Social e seus organismos associados, estando nesta posição umas 2.300
ONGs;

b) status consultivo especial: para ONGs que têm uma competência específica em âmbitos
delimitados e concretos, estando neste campo umas 131 ONGs;

c) a lista, para as ONGs que não estão nas categorias dos itens (a) e (b), mas que podem
contribuir com seu trabalho para as atividades do Conselho Econômico e Social e suas
organizações subsidiárias, consta neste tópico em torno de 1.200 ONGs.

O BM, a OMC, a OCDE e o FMI criaram unidades para atuação específica com
as ONGs, conceituando-as e delimitando seus espaços de trabalho (GÓMEZ GIL, 2004,
p.98). As ONGs também atuam trabalhando em objetivos que atendam a interesses de
países, como foi o caso da ONG CARE78 que, no início dos anos de 1950, desenvolveu
um programa alimentar na então socialista Iugoslávia, com o objetivo de frear uma
maior dependência deste país com a antiga URSS, conforme afirmou funcionário do
governo dos EUA: “este programa da CARE foi um dos melhores investimentos jamais
realizados pelo governo dos Estados Unidos” (ORTEGA CARPIO apud GÓMEZ GIL,
2004, p.97).
Uma das mais antigas e importantes ONGs da Europa, a Cruz Vermelha,
monopoliza o orçamento espanhol destinado às subvenções, chegando a receber em
2001 mais de 17 milhões de euros, o equivalente a 15% de todos os recursos disponíveis

78
Sobre a CARE e outras ONGs ver o artigo de Julien Teil, Las ONGs, ?instrumentos de gobiernos y
trasnacionales?, publicado no Rebelion, 08/08/2009, acesso em:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=89721

97
ou o relativo ao orçamento de 5.000 organizações que trabalham no campo da ação
social em toda Espanha (GÓMEZ GIL, 2005, p. 41).
A relação de participantes de Médicos Sem Fronteira (MSF) com governos de
direita é anterior à participação de ex-membros dos MSF no governo também de direita
de Sarkozy. Em 1985 Claude Malhuret, ex-presidente dos MSF, assumiu no governo de
Chirac numa Secretaria de Direitos Humanos, criada especialmente para ele. Jean-
Cristophe Rufin, vice-presidente dos MSF, seguiu sua carreira no gabinete do então
ministro da defesa francês, François Leótad, que montou a criminosa “Operação
Turquesa”79. Outro ex-dirigente dos MSF, Xavier Emmanuelli, Secretário de Estado de
Ajuda Humanitária, foi acusado de preparar uma segunda “Operação Turquesa”
(DUPPEN apud GÓMEZ GIL, 2005, p.89).
A propaganda desencadeada por ONGs associa determinadas mercadorias à
imagem das próprias ONGs. No caso da Espanha tal propaganda chega a ser
estapafúrdia como mostra Gómez Gil (2005, p.113): um telefone celular com uma
doação (Amena e UNICEF), uma bebida refrescante com serviço médico (PEPSI e
MSF), tabaco e ajuda humanitária (Fortuna e MPDL), rum com ajuda de emergência
(Rum Barceló e Cruz Vermelha), chocolate e vacina contra a AIDS (Nestlé e Cruz
Vermelha). O autor cita dezenas de exemplos de associação de produtos com ajuda
humanitária.
A Cruz Vermelha possui o maior orçamento anual com valor de 540 milhões de
euros, o equivalente ao PIB dos 22 países mais pobres do mundo. Em seguida vem a
CARE com 500 milhões de euros e em terceiro o consórcio internacional OXFAM com
340 milhões de euros. Se levarmos em consideração os valores anuais das dez maiores
ONGs (Cruz Vermelha, CARE International, OXFAM, Save the Children, Greenpeace,
Caritas France-Secours Catholique, Médicos Sem Fronteira, WWF, Médicos do Mundo,
Handicap International) , equivaleria a mais de 2 bilhões de euros, valor superior ao PIB
anual de 65 países pobres (GÓMEZ Gil, 2005, p.146). No capitalismo a mercantilização
engloba todos os campos da vida e nada deixa escapar, inclusive o campo da
solidariedade e da filantropia que se tornaram grandes negócios das ONGs no
capitalismo.

79
A “Operação Turquesa” foi uma ação militar da França em Ruanda, com pretensões ditas humanitárias,
no período de 22/06 a 21/08/1994, que teve o aval da ONU. A Frente Patriótica de Ruanda acusou esta
operação de criminosa, denunciando a prática de violência contra mulheres e de terem permitido a fuga de
hutus para o Zaire, que eram acusados de praticar o massacre contra os tutsis.

98
A arrecadação de fundos pelas ONGs ocorre sob um poderoso esquema de
propaganda de caráter econômico e com forte apelo sentimental, conforme as tabelas 06
e 07 que reproduzimos de Gómez Gil (2005). Mantemos o slogan em espanhol para
preservar o caráter original da propaganda:

Tabela 06: Publicidade das ONGs de caráter econômico


ONGs Lema publicitário de caráter econômico
Acción contra el Hambre “Hay gente que necesita la publicidad como el comer”
Acción contra el Hambre “Leila. Leila 3.000 pts más tarde”
Anesvad “Tú y tu Fairy contra la lepra”
Asociación de amigos de los “Él no será leproso… con tu ayuda”
leprosos
Asociación Española contra “Cuánto piensas tú que cuesta volver a nacer”?
el Cáncer
Cáritas “Empresa de ámbito nacional selecciona universitarios de ambos
sexos para su delegación en Alicante. Se requieres ganas de
ayudar a los demás y aportar un poco de tu tiempo libre”
Codespa “Mi cliente me mima”
Cruz Roja “Gracias por contagiar a todo el mundo la fiebre del oro”
Cruz Roja “Únete a la Fuerza”
Cruz Roja “Argentina. En la crisis, quien tiene menos pierde”
Cruz Roja “Cuánto darías por no estar en su lugar? Di uma cifra”
Fundación Vicente Ferrer “Por tu dinero donde lo veas crecer”
Intermón “Compartimos progresso”
Intervida “Ni comida, ni educación, ni sanidad…ni futuro. Tener o no
tener. Por tan sólo 0.60 euros al día apadrina a un niño del Tercer
Mundo”
Intervida “Sálvame, del sufrimiento, de la miseria, del hambre. Solo tú
puedes hacerlo. Por solo 2.000 pts al mes”
Manos Unidas “Invierte en Justicia. Gana en solidaridad”
Nuestros Pequeños “Qué ricos”!
Hermanos
Save the Children “Tu si que eres grande”
UNICEF “Tu compasión no les salvará la vida. Tu dinero si.”
UNICEF “Invertir en la infancia es multiplicar”
UNICEF “Este niño no tiene ropa, no tiene comida...pero tiene varias
cuentas corrientes”
Fonte: Gómez Gil, (2005, p.117).

As chamadas publicitárias para tocar sentimentalmente prováveis doadores para


as ONGs demonstram como elas atribuem ao indivíduo a responsabilidade de resolver
seus próprios problemas, que longe de serem individuais, são coletivos, e provocados
por uma sociedade de classe que mercantilizou ao extremo os bens e direitos sociais
duramente conquistados pela luta de trabalhadores organizados em todo o mundo.

99
Vejamos os lemas publicitários de caráter emotivo utilizados por algumas ONGs na
Espanha na tabela 07 a seguir:

Tabela 07: Publicidade das ONGs de caráter emotivo


ONGs Lema publicitário de caráter emotivo
AMREF “Tu puedes cambiar su vida”
Ayuda en Acción “El Tercer Mundo está desapareciendo”
Cruz Roja Española “Todos somos responsables de que exista marginación”
Mensajeros de la Paz “Ni un solo niño sin alimentación, depende de ti”
Unicef “Sí, quiero darles la oportunidad de ser felices”
Unicef “Que vea un nuevo día depende de ti”
Manos Unidas “Un solo mundo, un proyecto común”
Prodein “No dejes sin respuesta los ojos suplicantes”
Intervida “Depende de ti. Su vida está en tus manos”
Médicos Sin Fronteras “Podemos estar por encima de la política, del dinero e del
poder. Si estamos juntos”
Ayuda em Acción “Algo indica que las cosas están cambiando”
Fonte: Gómez Gil, (2005, p.119).

Gómez Gil (2005, p.139) apresenta exemplos das contradições nas ações em que
se situam numerosas ONGs devido à natureza dos programas para os quais elas obtêm
financiamentos e as entidades que as proporcionam. Isto se refere à intervenção das
ONGs em países que passam por catástrofes naturais (terremotos, secas, inundações,
furacões, etc) e as catástrofes produzidas como são as guerras injustas contra os países
pobres. Neste campo as ONGs têm sido os atores preferenciais80 de recebimento da
ajuda humanitária das agências multilaterais, o “capitalismo da piedade” conforme
Hancock (2001). O trabalho de ajuda de emergência tem servido também para legitimar
ações do imperialismo nas guerras localizadas, conforme aponta Gómez Gil (2005):

(...) na medida em que se converteu no álibi sócio político, para legitimar, facilitar e
permitir abertamente um intervencionismo militar de novo tipo, da mão das Forças
Armadas e de outras alianças e coalizões militares. Muitas das ONGs que participam
nestes programas humanitários não estão a serviço da população que dizem servir,
senão que formam parte das estratégias e dos planos militares das forças ocupantes
(com mandato ou não das Nações Unidas), quando não levam a cabo operações
propagandistas desmedidas (GÓMEZ GIL, 2005, p. 140).

80
Existe um número reduzido de grandes ONGs que se concentram nos trabalhos de ajuda humanitário e
que recebem grande parte dos recursos de ajuda das agências multilaterais. Em 1999 apenas seis
organizações concentraram 81% da ajuda de emergência executada pelas ONGs, são elas: Cáritas, Cruz
Vermelha, Médicos sem Fronteira, Ação Contra a Fome, Movimento pela Paz, o Desarmamento e pela
Liberdade (MPDL) e ANVESAD (SANAHUJA apud GÓMEZ GIL, 2005, p. 140).

100
As ações das ONGs conforme analisado por Gómez Gil (2004,2005),
demonstram o caráter de suas intervenções no campo do assistencialismo, que tem
vinculação com o que Hancock (1991) denomina de “capitalismo da piedade”,
conforme expomos no próximo item.

3.2 - A atuação das ONGs no mundo: “o capitalismo da piedade”


3.2.1 - O significado da cooperação e da solidariedade internacional no capitalismo

A maioria das grandes ONGs que recebem fundos são financiadas e


patrocinadas pelas chamadas agências de ajuda e desenvolvimento que por sua vez
recebem recursos dos governos dos países imperialistas, do Banco Mundial, da ONU e
de algumas corporações internacionais. Neste campo existem as chamadas organizações
bilaterais como a britânica Official Development Assistance (ODA), a norte-americana
USAID e as multilaterais como o Banco Mundial, os organismos da ONU e outros.
O campo que Hancock (1991) denomina de "capitalismo da piedade” aponta
para uma estreita vinculação entre o aumento da arrecadação das receitas dos
organismos de caridade e a ocorrência das catástrofes da fome, seca e inundações nos
países pobres. A World Vision britânica doou US$ 25 mil ao documentarista que
realizou um curta em 1984 chamado “Calvário Africano” sobre a fome na Etiópia. No
final do documentário há um apelo aos telespectadores para doarem recursos a World
Vision para amenizarem a fome africana. Como decorrência destas poderosas
campanhas de arrecadação de fundos e doações a World Vision alcançou um patrimônio
que lhes permitia ter uma frota de cinco aviões. Outras organizações como Cristian
AID, Oxfam, Save The Children organizaram um comitê de urgência das catástrofes,
para evitar que a World Vision recebesse todas as doações sozinha por ocasião da
campanha contra a fome na Etiópia (HANCOCK, 1991, p. 45-46).
Exemplos de como algumas organizações têm suas receitas aumentadas em
épocas de calamidade são citados em Hancock (1991) para o período da fome etíope
que ocorreu em 1985: a) após anos de expansão lenta de suas receitas a Oxfam dobra
suas arrecadações no período de 1978-1980. Isto foi resultado da forte pressão exercida
para levantamento de fundos em favor das vítimas da fome e da guerra do Camboja.
Depois as doações permaneceram estacionadas até 1985, quando os apelos em favor dos
famintos etíopes multiplicaram de novo as receitas da Oxfam alcançando a cifra de 51,1
milhões de libras, embora elas fossem inferiores a 20 milhões de libras em 1983-84; b)

101
também em 1985 a Band Aid81 coleta 76 milhões de libras para os famintos junto ao
público britânico; c) os norte-americanos enviaram 1 bilhão de dólares às organizações
benevolentes privadas engajadas no Terceiro Mundo; d) as organizações War on Want,
Oxfam, International Cristian Aid, Care Incorporated, Project Hope, Médicos Sem
Fronteiras e Médicos do Mundo, receberam US$ 2,4 bilhões para financiarem seus
projetos e programas nos países pobres. Em 1985 esta cifra chega a US$ 4 bilhões com
a campanha de combate à fome etíope (HANCOCK, 1991, p. 24).
Em 1994 quando ocorreu a tragédia dos Grandes Lagos, em Ruanda, que levou
à matança de mais de 500.000 tutsis e o êxodo de mais de um milhão de pessoas,
desembarcaram neste país mais de 200 ONGs com projetos tão extravagantes quanto o
de estudar o sistema político de Ruanda (GÓMEZ GIL, 2005, p.36).
Historicamente, a perversa espoliação dos povos das Américas, África e Ásia foi
acompanhada por missões religiosas que produziram os nefastos efeitos que a história já
conhece. As ONGs e organizações humanitárias têm também trabalhado neste campo e
são freqüentes as denúncias contra elas, também na ação de contra-insurgência e
espionagem. Hancock (1991) cita a acusação contra a atuação da World Vision em
Honduras no período de 1980-1981, onde seus funcionários se recusavam a dar
alimentação aos refugiados que não participassem dos auxílios religiosos da missão dos
protestantes. Os funcionários da World Vision também foram acusados de serem da
polícia e de trabalharem para o serviço secreto por terem entregue a localização e o
nome de ativistas políticos que estavam nos campos de refugiados por eles assistidos. A
denúncia mais grave foi sobre o episódio ocorrido na noite de 22 de maio de 1981,
quando dois refugiados salvadorenhos que estavam abrigados na cidade hondurenha de
Colomoncagua foram recolhidos pela World Vision e colocados em um veículo onde
lhes disseram que estavam sendo levados ao campo de refugiados de Limones. Em lugar
disto eles foram entregues às Forças Armadas. Alguns dias mais tarde eles foram
encontrados mortos na fronteira. A World Vision negou veementemente todas as
acusações de envolvimento com o caso (HANCOCK, 1991, p.33-34).
No aspecto da caridade estar associada ao missionarismo religioso é
esclarecedora a fala do ex-presidente da World Vision, Ted Engstrom citado por
Hancock (1991):

81
A Band Aid é uma organização inglesa fundada pelo músico Bob Geldof. Esta é uma das pouquíssimas
instituições que Hancock aponta como tendo um trabalho mais sério.

102
Nós analisamos cada projeto, cada programa que estamos envolvidos, para nos
assegurar que a evangelização é um componente significante. Nós não vamos
alimentar os indivíduos para em seguida os enviar ao inferno (HANCOCK, 1991, p.
33).

Os casos de espionagem são também denunciados nas ações das ONGs


ambientalistas. O Centro para Análise Política e Investigação Social (CAPISE), com
sede no México, acusou a Conservation International (CI) de espionagem. Escondida
sob a bandeira da proteção do meio ambiente a CI executava voos sobre áreas ocupadas,
por exemplo, em Chiapas. No México existem várias organizações populares armadas,
como o Exército Popular Revolucionário - EPR. As ações de espionagem sobre os
movimentos populares armados existentes são realizadas com instrumentos de alta
precisão como o geoprocessamento e imagens de satélites de alta resolução, tudo com
tecnologia da NASA (Agência Espacial Norte Americana). CAPISE acusou a CI de
entregar as imagens para a USAID, que podem ser utilizadas tanto para localização de
áreas ricas em biodiversidade, para interesse comercial, como para incriminar as
populações indígenas que apóiam os movimentos populares (CHOUDRY, 2007, p.4). O
argumento comum das ONGs ambientalistas e dos órgãos de fiscalização ambiental é de
acusar as comunidades de crime ambiental.

Fundação Ford e CIA

A relação da Fundação Ford – FF82 com um dos principais instrumentos de


repressão, contra-insurgência e espionagem do imperialismo, a CIA, é relatada no livro
de Saunders (2008), Petras (2001), e na ocasião do Fórum Social de Mumbai, o Grupo
de Pesquisas de Economia Política da Índia (RUPE)83, documenta denúncias de
intervenções da Fundação Ford naquele país.
A Central de Inteligência dos EUA tem operado dentro de um sem número de
fundações filantrópicas, sendo que a mais importante é a Fundação Ford. Para Petras a
conexão Ford-CIA "foi um esforço conjunto, deliberado e consciente para reforçar a
hegemonia cultural imperial dos EUA e solapar a influência política e cultural da
esquerda" (PETRAS, 2001, p.1). A FF já era uma organização poderosa e rica no final
dos anos de 1950, quando seu patrimônio estava avaliado em três bilhões de dólares. No

82
A Fundação Ford (FF) foi fundada em 1936 para usufruir de uma isenção de impostos sobre os lucros
do império Ford, e suas atividades se limitavam ao estado de Michigan/EUA. Em 1950, já que o governo
dos EUA concentrou suas atenções na batalha contra a ameaça comunista, a FF se converteu em uma
fundação nacional e internacional.
83
Fonte: http://www.rupe-india.org/35/contents.html ,acesso em 15/01/2008.

103
período da Guerra Fria, a FF se consolidou como uma das principais organizações
implementadoras da política cultural daquele período, conforme Saunders: "A Fundação
registrou um grande envolvimento em ações secretas na Europa, trabalhando
estreitamente ligada a funcionários do Plano Marshall e da CIA em projetos
específicos" (SAUNDERS apud PETRAS, 2001, p.1).
A FF e a CIA também possuíam relações estreitas na troca de pessoal e até de
diretores. Richard Bissell, chefe da FF durante os anos de 1952-54, reunia-se
freqüentemente com Allen Dulles, chefe da CIA; quando saiu da FF tornou-se assistente
especial de Dulles na CIA. Bissell foi substituído por John McCloy como chefe da FF.
Sua carreira anterior incluía cargos como Secretário do Departamento da Guerra,
presidente do Banco Mundial, Alto Comissário da Alemanha ocupada, presidente do
Banco Chase Manhattan de Rockefeller e advogado das sete grandes empresas de
petróleo na Wall Street. McCoy intensificou a colaboração CIA-Ford criando um
departamento administrativo dentro da FF para ligar especificamente a fundação com a
CIA; e pessoalmente comandou um comitê consultivo com a CIA para facilitar o uso da
FF para cobrir e canalizar fundos. Em 1966, McGeorge Bundy, até então assistente
especial do presidente encarregado da segurança nacional, tornou-se chefe da FF. Isto se
constituiu em uma colaboração estreita entre a CIA e a Fundação (PETRAS, 2001).
O objetivo da FF, de acordo com Bissell, era "não apenas derrotar os
intelectuais no combate dialético [sic], mas afastá-los de suas posições" (SAUNDERS
apud PETRAS, 2001, p.2). Assim a FF canalizou os fundos para o Congresso da
Liberdade Cultural, nos anos de 1950; uma das mais importantes atividades do
Congresso foi a criação do jornal intelectual Encounter. Um grande número de
intelectuais estavam prontos para serem atraídos. A CIA/FF chegou ao ponto de
encorajar tendências artísticas específicas tais como o Expressionismo Abstrato para
conter a arte que refletia preocupações sociais.
A infiltração da CIA em fundações dos EUA era comprovada. Um Comitê
Seletivo do Senado dos EUA, em 1976, descobriu que, durante os anos de 1963/66,
cerca de 700 doações de mais de 10 mil dólares foram repassadas a 164 fundações; pelo
menos 108 estavam parcial ou totalmente ligadas à CIA (SAUNDERS apud PETRAS,
2001, p.1). De acordo com Petras “os laços entre os altos funcionários da FF e do
governo dos EUA são explícitos e continuados. Uma avaliação dos projetos
recentemente financiados revela que a FF nunca deu dinheiro a nenhum projeto que
fosse contrário à política dos EUA" (PETRAS, 2001, p.6). Esta política permitiu à FF

104
financiar organismos diversos como universidades, sindicatos, grupos de minorias e,
atualmente, principalmente, as ONGs.
O documento do Grupo de Pesquisa de Economia Política da Índia - RUPE84
denuncia a ação da FF na Índia. A FF estabeleceu escritório na Índia em 1952, processo
iniciado em 1951 por Chester Bowles, embaixador dos EUA na Índia85. Os EUA tinham
perdido a China com a Revolução Chinesa de 1949; ligado a isto havia grande
preocupação com o que eles consideravam ser a falta de habilidade do exército indiano
de reprimir a luta armada camponesa em Telangana (1946 a 1951).
O novo escritório da FF em Nova Delhi foi então criado e constituiu-se no
primeiro programa da FF fora dos EUA. Esta sede da Fundação Ford na Índia
transformou-se em um dos maiores escritórios em operações de campo e também tinha
a incumbência de cobrir o Nepal e o Sri Lanka. Esta região era, e ainda é, politicamente
estratégica para os EUA no período da Guerra Fria por conta da proximidade destes
países com a China então comunista e atualmente devido a situações revolucionárias
que vivem países como o Nepal e a Índia86.
Segundo a RUPE (op.cit.) a "FF adquiriu um poder extraordinário sobre os
organismos de planejamentos indianos”. Cita documentos que relatam o poder da FF na
Índia que afirmavam que a partir de 1950 até o inicio dos anos 1960 os estrangeiros
passaram a ter mais autoridade do que os indianos e a FF e o Centro de Estudos
Internacionais (fundado pela CIA/FF) operavam como "conselheiros para a Comissão
de Planejamento da Índia". Em seu relatório, o então embaixador do EUA na Índia,
Chester Bowles escreveu que:

Sob a liderança de Douglas Ensminger, o pessoal da Ford na Índia tornou-se


intimamente associado à Comissão de Planejamento que administra o Plano de Cinco
Anos. Onde quer que ocorressem problemas eles o resolviam, fosse em relação à
agricultura, educação, saúde ou administração. Eles assumiram, financiaram e
administraram as escolas de treinamento para os trabalhadores nos vilarejos (RUPE,
2003, p.35).

84
http://www.rupe-india.org/35/contents.html , acesso em 15/01/2008
85
Posteriormente o próprio Chester Bowles, afirma que: "Algum dia alguém deverá fazer ao povo
americano um relatório completo sobre a Fundação Ford na Índia. Os milhões de dólares nos gastos totais
da Ford no país não contam nem um terço da história". Fonte: http://www.rupe-india.org/35/contents.html
, acesso em 15/01/2008.
86
A Guerra Popular no Nepal ocorreu no período de 1996-2006 dirigida pelo Partido Comunista do Nepal
(maoísta), ver http://www.cpnm.org/. Sobre o processo da Guerra Popular na Índia ver Cruz (2008), La
revolución naxalita, publicado no Rebelion em 15/10/2008:
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=74346

105
Por causa das características da Revolução Chinesa e da luta de Telangana, a
prioridade dos EUA na Índia foi a de encontrar maneiras de impedir a agitação no
campo. Portanto a primeira fase do trabalho da FF constituiu-se no 'desenvolvimento
rural'. A FF envolveu-se bastante com o Programa de Desenvolvimento Comunitário
(PDC) do governo indiano, que o então primeiro ministro indiano, Jawaharlal Nehru,
definiu "como um modelo para enfrentar a ameaça revolucionária dos movimentos de
esquerda e dos camponeses comunistas que exigiam reformas sociais básicas na
agricultura" (RUPE, 2003, p.37). Estas vinculações objetivavam realizar o
desenvolvimento agrícola a partir de fundos do Programa e do trabalho voluntário nos
vilarejos, produzindo o que Nehru chamou de uma "revolução pacífica".
A convite do governo indiano a FF ajudou a treinar 35.000 trabalhadores do
campo para o Programa de Desenvolvimento Comunitário - PDC. Em 1960, as
Fundações Ford e Rockefeller haviam aplicado cerca de 50 milhões de dólares somente
no PDC. E em 1971 a Índia, com recursos que totalizavam 104 milhões de dólares, era
de longe o maior recebedor de fundos do Programa de Desenvolvimento Comunitário
da Fundação Ford no estrangeiro. Estas políticas, no entanto, não produziram nenhum
desenvolvimento nem resolveram o problema agrário e tampouco os graves problemas
sociais da economia indiana daí decorrentes87 (RUPE, 2003, p.37).
Em 1959, um grupo liderado por um departamento econômico de agricultura dos
EUA produziu o Relatório sobre a Crise dos Alimentos na Índia e as Medidas para
Resolvê-la, da Fundação Ford. No lugar de mudanças na estrutura agrária do país o
relatório recomendava a adoção de medidas tecnológicas como solução aos problemas
do campo indiano. Foi esta a estratégia da 'Revolução Verde'. A FF chegou até a dar
recursos para o Programa de Desenvolvimento Agrícola para testar a estratégia,
provendo os ricos fazendeiros nas áreas irrigadas de produtos subsidiados, de crédito
generoso, incentivos fiscais, etc. O Banco Mundial também participou dessa estratégia.
A Revolução Verde, longe de beneficiar os camponeses indianos, gerou grandes ganhos
econômicos a grupos estrangeiros do setor agrícola (RUPE, 2003, p. 37 – 38).
A partir de 1972 houve uma mudança nas atividades da FF na Índia. No início a
FF tinha um grande quadro de funcionários ligados ao desenvolvimento agrícola e rural,

87
Sobre a realidade da atual economia Indiana ver os documentos números 36 & 37 da RUPE: The Real
State of India’s Economy Growth Suppressed, Parasitism to the Fore, em http://www.rupe-
india.org/36/contents.html

106
dando assistência técnica nessas áreas e implementando diretamente seus projetos. A
partir daquele período as atividades desenvolvidas pela FF continuam relativas à
implementação de "organização dos bens e do desenvolvimento comunitário", "paz e
justiça social" e "educação, mídia, artes e cultura". Entre os objetivos de "paz e justiça
social" da Fundação Ford estão a promoção dos direitos humanos, principalmente das
mulheres, a proteção das instituições do governo; o fortalecimento da "sociedade civil
através de ampla participação de organizações individuais e cívicas" e o apoio à
cooperação regional e internacional (RUPE, 2003, p. 38).
Durante o período de 1952 a 2002, o escritório da Fundação Ford de Nova Delhi
havia distribuído cerca de 450 milhões de dólares em recursos financeiros. Em uma
conferência de imprensa para comemorar o 50º aniversário da FF na Índia, o
representante da fundação na Índia disse que esta estava lançando um novo programa de
45 milhões de dólares, duas vezes maior que o total anual de recursos, e se
comprometendo a doar fundos substanciais a grupos marginalizados como os adivasis,
dalits e mulheres. Ao ser questionado se a mudança em foco estava sendo feita por
causa das desigualdades causadas pelas políticas econômicas do governo indiano de
globalização e liberalização, ele afirmou que não havia razão para se afastar da
globalização, mas que ela havia produzido também alguma preocupação. Os projetos,
portanto, agiriam como uma medida corretiva para aliviar o impacto adverso da forças
descontroladas do mercado (RUPE, 2003, p.38).
Esta política da FF escolheu focar em três setores particularmente oprimidos da
sociedade indiana, os adivasis, os dalits e as mulheres. Todos os três são componentes
importantes de um movimento para uma mudança básica na sociedade indiana.
Algumas das lutas mais militantes dos anos recentes foram deflagradas por estes
setores. A FF trata os problemas de cada um desses setores como uma questão separada
a ser resolvida por uma "promoção especial de direitos e oportunidades" e não como um
problema de classes. Já que os recursos da FF são insignificantes em relação ao
tamanho dos problemas sociais, os benefícios de seus projetos fluem para uma pequena
parte desses setores, ou seja, para pessoas que poderiam ter liderado seus amigos
adivasis, dalits e mulheres para o caminho do "confronto com o governo" com o
objetivo de produzir mudanças básicas, mudanças para todos. Ao invés disto vão para
disciplinas especiais nos estudos dos dalits, a serem criadas em várias instituições, vão
para as mulheres se concentrarem somente em questões tais como a violência doméstica
em vez da violência da classe dominante e violência do Estado, ou, ainda, vão para os

107
adivasis serem encorajados a explorar sua identidade em seminários e assim as coisas
permanecerem sempre como estão (RUPE, 2003, p. 39).
Os países capitalistas ricos, principalmente após a II Guerra Mundial,
desenvolveram uma verdadeira “indústria da piedade” e da “cooperação”. Nos países da
OCDE quase todas as administrações possuem Ministérios, Secretarias ou escritórios de
“Solidariedade e Cooperação Internacional”.
Bosch (2007)88 aponta seis grandes motivações que movem os países capitalistas
ricos para as atividades de cooperação internacional. Para Bosch (op.cit) apenas uma
possui fins honrosos, os demais atendem aos interesses de Estado que seriam muito
difíceis de conseguir de outro modo:
1) Cooperações para formar alianças geoestratégicas, sejam de caráter geopolítico,
geoeconômico e militar. Exemplo recente foi a invasão do Iraque pelos EUA em 2003,
que contou com todo o processo de pressão prévia feita pelos EUA junto a seus aliados
no Conselho de Segurança das Nações Unidas;

2) Cooperação por mercados e recursos estrangeiros, como petróleo, gás, pesca,


recursos naturais. Nestes casos as empresas transnacionais são as mais beneficiadas, por
serem subvencionadas e favorecidas por seus Estados para penetrar em outros países,
seja para ganhar novos mercados como até para testar produtos89;

3) Cooperação para manter uma boa imagem internacional, amplamente demonstrada


nos ensaios fotográficos, documentários, campanhas de educação e saúde, todos com a
logomarca dos organismos participantes dos acordos de cooperação, sejam bilaterais ou
multilaterais;

4) Cooperação por governabilidade, ou seja, conter e aliviar as contradições e tensões


mais graves geradas pelo capitalismo. Seu objetivo é conter qualquer movimento, seja
de caráter revolucionário, populistas ou outros que ponham em perigo os interesses dos
dominantes. O carro-chefe é exercido pelo Banco Mundial e seus distintos programas de
bancos regionais de desenvolvimento como o BID na América Latina, o Banco Asiático

88
David Llistar i Bosch, é coordenador do Observatório da Dívida na Globalização (Observatório de la
Deuda em la Globalización).
89
A USAID, uma das responsáveis por enviar à África, em épocas de catástrofes, grandes quantidades de
grãos transgênicos, com sérios riscos e graves conseqüências de contaminação para a população. Essas
grandes doações muitas vezes também garantem o preço de produtos agrícolas em baixa nos mercados.

108
de Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento, os programas para os
países endividados, dirigidos pelo FMI, inclusive a função de muitas ONGs de caráter
assistencialista, humanitário, conservacionista e outras;

5) Cooperação pelo capitalismo. A partir do Plano Marshall, o maior programa de


cooperação, até a formulação de órgãos de fomento como os bancos de
desenvolvimento (BID e outros), até o Consenso de Washington, são políticas
articuladas para promover o desenvolvimento e assegurar a saúde financeira do
capitalismo. Atualmente as concessões estão atreladas à receita de ajuste fiscal do
Consenso de Washington.
Por último Bosch (2007) cita a única cooperação que ele considera honrosa, qual
seja, aquela exercida por países com sociedade civil e governos fortes capazes de
exercer fortes pressões internacionais para resolver problemas graves de saúde,
alimentação, meio ambiente e outros. Considerando as características desiguais do
desenvolvimento dos países, entendemos que a última característica apontada é
alcançada apenas pelos países ricos, visto os graves dados de desigualdade econômica e
social entre os povos.
Da bibliografia pesquisada sobre o significado da ajuda e cooperação dos países
ricos aos países pobres elegemos como referência o trabalho de Hancock (1991). Nos
primeiros capítulos de seu livro ele demonstra que onde tem seca, inundação, terremotos
e toda sorte de catástrofes, estão sempre organizações de ajuda humanitária. Em
diversos exemplos, o desperdício, a corrupção, a ineficácia e burocracia, a espionagem e
contra-insurgência estão presentes no que ele chama da “indústria da piedade” do
capitalismo. Reproduzimos a seguir os fatos apontados na pesquisa de Hancock (1991).
Em relação aos empregados nos países pobres, onde se localizam as
organizações de ajuda, o autor constatou que além de seus altos salários eles são
“mestres em catástrofes”, e demonstram, na maioria dos casos, falta de experiência e
habilidades para tratar com as diversas realidades. Os empregados da USAID na
Somália ganham 25% a mais por estarem em um país muito mais pobre que os outros.
Os funcionários da ONU receberam generosas quantidades de bebidas alcoólicas
importadas (e sem taxas) e recebem salários em média de US$ 55.000 por ano. O mais
bem pago ministro da Somália teria que trabalhar cinqüenta anos para receber a mesma
soma. Os funcionários da OXFAM habitavam as melhores casas de Mogadiscio (capital
da Somália), tendo pelo menos duas empregadas domésticas, situação que somente os

109
muito ricos de seu país poderiam desfrutar (HANCOCK, 1991, p. 57). O autor
entrevistou vários funcionários dessas organizações para compreender o que de fato os
movia para irem trabalhar em países de condições tão adversas. A maioria dos
entrevistados admitiu que candidatavam-se a esses cargos especialmente por causa dos
altos soldos recebidos e em algumas profissões por conta da falta de empregos em seus
países de origem. Alguns estavam com idade mais avançada e admitiam que os últimos
três anos de trabalho na ativa elevariam a aposentadoria deles (idem, p. 136-137). O
autor os denomina como os “yuppies da beneficência” e o auge de suas carreiras é
quando trabalham para as Nações Unidas, por serem melhores remunerados e terem
regalias semelhantes às do mundo diplomático (idem, p. 139).
Os exemplos de inoperância, desperdícios e descaso dos órgãos de ajuda
humanitária colocam em risco a vida de milhares de pessoas muito pobres. Para a
Somália foram enviadas grandes quantidades de remédios que as autoridades sanitárias
desse país consideraram ‘lixo’. O Sudão, um dos países mais quentes do mundo,
recebeu doações inúteis como cremes para rachaduras nos pés e cobertores elétricos.
Países que tem na fome seu principal problema recebem sopas e chocolates dietéticos
em grandes quantidades (idem, p. 37-38). A Comunidade Econômica Européia (CEE)
enviou toneladas de trigo radioativo, (idem p.39). A Food for Hungry (norte-americana)
enviou ao Camboja dezenove toneladas de alimentos que, por estarem tão velhos,
tinham sido recusados pelo jardim zoológico de São Francisco, e os remédios enviados
estavam vencidos há mais de quinze anos (idem, p.39). Os laxantes e remédios para
indigestão estão entre os produtos favoritos das listas de doações.
Os exemplos de desperdício beiram a insanidade. Foram comprados dois centros
sanitários polivalentes pré-frabricados na Finlândia, ao custo de um milhão de dólares
cada. Quando estes chegaram na Somália para serem transportados à Mogadiscio,
constatou-se que os equipamentos não cabiam em nenhum dos dois únicos caminhões
disponíveis para transporte (idem, p 37).
Em algumas situações a caridade coloca em risco a vida dos pobres. A Map
International Inc. (Illinois) recebeu de doação estimuladores cardíacos no valor de US$
17 milhões do American Hospital Supply Corporation (AHS). Com essa doação o AHS
teria um substancial abatimento fiscal para um setor que de qualquer forma ele havia
decidido suprimir. Esses equipamentos chegaram aos países pobres e constatou-se que
seus marca-passos e estimuladores possuíam graves problemas que colocariam em risco
a vida dos pacientes (idem, p. 43).

110
O exemplo dos desperdícios do “capitalismo da piedade” envolvem também
fortes emoções. No fim de 1984 um canal de TV francesa organizou a “caravana da
esperança” que faria uma espécie de rali para levar aos países pobres do oeste africano
medicamentos, alimentação e equipamentos. Foi gasto na aquisição destas doações
quase o mesmo montante do que custou a comunicação por satélite com a França
durante a viagem. Devido às altas velocidades da caravana a maioria da doação foi
perdida no caminho (idem, p. 43-44).
Em 1971 a ONU fundou o Escritório de Coordenação dos Unidos para o Socorro
em Caso de Catástrofe (UNDRO), ao custo de US$ 50 milhões, pagos com
contribuições dos países ricos. Segundo relatório confidencial os próprios auditores
chegaram à conclusão que a UNDRO não alcançou os objetivos de sua missão. O autor
cita mais exemplos do desperdício: a compra de duas estações de rádio para melhorar a
freqüência, ao custo de US$ 90.000, na qual os auditores constataram que os postes não
foram utilizados; a grande parte das viagens efetuadas90 pela equipe da UNDRO era
para efetuar contatos e representações nos países doadores (idem, p.50). Os auditores
das operações humanitárias da Comunidade Econômica Européia (CEE) concluíram que
estas não passam de um “catálogo de desastres”, com seus erros, incompetência e
burocracia, seus desperdícios, impropriedades e atrasos imperdoáveis (idem, p.41). A
ONU realizou pesquisa em 84 organizações que fazem parte de seu Programa Alimentar
Mundial. As organizações responderam que levavam em média 196 dias para responder
aos pedidos de assistência e entrega de alimentação aos países pobres (idem, p. 52).
Hancock esteve presente como observador na reunião anual do BM e FMI no
ano de 1986; ele ficou bastante impressionado com o montante de recursos que a
pobreza pode render para alguns. O custo total dos setecentos eventos sociais
organizados para os delegados do encontro ficaram em torno de US$ 10 milhões (idem,
p.73). Para compararmos o nível das disparidades, esta quantia seria suficiente para
fornecer durante um ano comprimidos de vitamina A para 47 milhões de crianças
pobres asiáticas e africanas, para livrá-las dos problemas de visão e até cegueira causada
pela xérophtalmie (carência de vitamina A) (idem, p. 75). O autor constatou pompa e
cerimônia: jantares de US$ 200 por pessoa, hotéis de cinco estrelas fazem parte

90
Em uma das entrevistas realizadas por Hancock com um consultor da “indústria da assistência”, este
contou que ele possuía tantas milhas acumuladas, por ter percorrido 160.000 km nas suas viagens de
consultoria, que daria para ele fazer a volta ao mundo em uma de suas próximas viagens de férias
(HANCOCK, p. 136).

111
integrante da vida daqueles que trabalham nas Organizações Internacionais de
Assistência.
A “indústria da assistência” remunera muito bem seus funcionários, todos
patrícios dos financiadores das agências internacionais. O então presidente do Banco
Mundial em 1986, Barber Conable, resolveu enxugar o quadro de pessoal da instituição
demitindo 600 pessoas. O custo das indenizações milionárias alcançaram a cifra de US$
175 milhões, montante suficiente para pagar a escolaridade elementar completa para
sessenta e três mil crianças pobres da América Latina ou da África (idem, p.79).
Hancock utiliza o termo “Indústria do Desenvolvimento S.A.” para nomear uma
indústria internacional gigante, complexa, diversificada e funcionando por delegação.
Financiada pelas doações públicas dos países ricos, ela emprega milhares de pessoas no
mundo para atender um grande leque de objetivos econômicos e humanitários.
Destinada a promover o desenvolvimento nos países pobres conforme as próprias
palavras do presidente do BM em 1987, Barber Conable:

Pensando no futuro, eu estou de fato confiante: nós vamos melhorar fortemente nossa
aptidão institucional de aportar apoio sensível, eficaz e apropriado a cada um de nossos
devedores e lhes oferecer uma liderança intelectual na compreensão do
desenvolvimento (BARBER CONABLE apud HANCOCK, 1991, p. 79, destacado
nosso).

Poderíamos destacar várias características boas e que almejamos de


desenvolvimento, como educação, saúde e moradia satisfatórios, crescimento
econômico e pleno emprego. Será que alguns países preferem serem pobres em vez de
ricos ou atrasados e subdesenvolvidos no lugar de avançados e desenvolvidos? Davis
(2002) mostrou o quão avançados e ricos eram a China, a Índia, a indústria têxtil do
nordeste brasileiro, antes da chegada dos colonizadores.
Hancock faz distinções importantes a respeito do caráter das doações. O conceito
de Ajuda Pública ao Desenvolvimento-APD é dinheiro público coletado sob a forma de
impostos e repassado para os organismos oficiais e entre os estados e governos; portanto
este conceito exclui todo financiamento da parte dos organismos voluntários privados,
tais como a Oxfam. Para uma transferência de recursos ser classificada como APD tem
que satisfazer duas condições: 1) ter como objetivo principal a promoção do
desenvolvimento; 2) ter o caráter de uma concessão e conter uma subvenção de 25%.
Os empréstimos com juros de mercados não são APDs. Ao contrário, a assistência
humanitária dispensada pelas organizações oficiais, o socorro de urgência e ajuda

112
alimentar, embora nenhum refira-se a desenvolvimento, são considerados como Ajuda
Pública ao Desenvolvimento - APD.
Os fluxos de ajuda pública realizados por dezoito países industrializados
alcançou o montante de 45 a 60 bilhões de dólares por ano na década de 1980
(HANCOCK, 1991, p.81). O autor relativiza esta cifra ao compará-la com outros dados:
a) os EUA e a então URSS gastavam US$ 1,5 bilhões por dia com gastos militares para
suas defesas, ou seja, o total da ajuda mundial equivalia a um mês dos gastos dos países
com despesas militares; b) cinqüenta mísseis “Peacekeeper MX” custavam US$ 4,5
bilhões, mais que a Ajuda Pública ao Desenvolvimento - APD da Alemanha; c) o custo
de um ano da “Guerra nas Estrelas” foi de US$ 3,9 bilhões, mais do que a APD do
Reino Unido e do Canadá; d) em 1962 os Estados Unidos gastaram quase US$ 300
milhões para treinamento de golfinhos com fins militares, mais do que os orçamentos de
ajuda anual da Áustria e Nova Zelândia juntas; e) em 1988 a Grã Bretanha gastou
quatorze vezes mais com sua defesa do que com doações (US$ 1,8 bilhões). As
mulheres britânica gastaram US$ 480 milhões em perfumes e cosméticos, mais do que
toda a ajuda da Suíça de US$ 429 milhões; f) os free shops faturaram mais de US$ 5,5
bilhões, mais do que a França despendeu em ajuda; g) os norte americanos gastavam
US$ 22 bilhões por ano com cigarros, mais do que as doações dos três maiores doadores
juntos (EUA, Japão e França); h) Michael David Weill, da sociedade americana Lazaid
Frères, ganhava anualmente como salário o equivalente aos orçamentos de ajuda da
Nova Zelânia e Irlanda (US$ 128 milhões), i) os dez bilhões de dólares que os EUA
destinavam à ajuda estrangeira, representavam menos da metade da fortuna de Yoshiaki
Tsutsumi, dono do Grupo SEIBU e um dos homens mais ricos do mundo (HANCOCK,
1991, p.82-84).
Um dos mais bem sucedidos exemplos da atual filantropia é o ex-presidente dos
Estados Unidos, Bill Clinton, que reuniu em Nova York, por ocasião da reunião anual
da ONU, celebridades e milionários, para arrecadar fundos para combater os males da
miséria, da AIDS e do aquecimento global nos países pobres. Em apenas três dias a
Clinton Global Initiative arrecadou US$ 7,5 bilhões para 215 projetos ao redor do
mundo, acumulando em apenas dois anos de existência, US$ 10 bilhões (Jornal O
Globo, 24/09/2006).
A filantropia e sua ‘indústria da piedade’ pouco contribuiem para com a redução
dos males que atingem povos do mundo inteiro. A extrema disparidade entre ricos e
pobres segue em nosso país e também no mundo. Segundo dados do relatório da ONU

113
(2006) mostram que mais de metade da riqueza mundial está nas mãos de apenas 2%
dos adultos do planeta, enquanto os 50% mais pobres têm 1%. A riqueza está distribuída
de forma extremamente desigual e também sua distribuição geográfica: 90% do total da
riqueza está concentrada na América do Norte, na Europa e nos países de alta renda da
Ásia e do Pacífico. O aumento da concentração da riqueza nas mãos de tão poucos
cresceu enormemente nos últimos cinqüenta anos. Para termos uma idéia o patrimônio
per capita no Japão é de US$ 181.000, nos EUA de US$ 144.000, enquanto no Congo e
na Etiópia é de menos de US$ 200.

3.3 - As ações do ambientalismo ongueiro

As políticas ambientais que descrevemos no segundo capítulo foram formuladas


por organismos do imperialismo, como as organizações e programas da ONU e da
USAID. A implementação destas políticas na Amazônia brasileira foram viabilizadas
pelas políticas públicas de organismos do governo que tiveram e têm como principais
atores, tanto na elaboração como principalmente na execução delas, as ONGs. Este
quadro nos parece ter sido estrategicamente elaborado como parte da geopolítica
ambiental visando à proteção da biodiversidade que organismos como a USAID
elaboraram para o setor, elegendo as grandes ONGs como seus principais executores.
Nesse campo se formará um ambientalismo ongueiro que terá sua principal expressão
em três grandes ONGs, WWF, CI e TNC, que Diegues (2008) denominará como “as
multinacionais da conservação”. Neste item exporemos sucintamente como ocorrem as
principais ações destas ONGs no mundo e suas relações no capitalismo.
Em setembro de 1994 ocorreu um seminário em Miami organizada pelo
consórcio das ONGs WWF, TNC e CI, que eram as responsáveis pelo programa da
USAID Biodiversity Support Program e do qual também faziam parte as ONGs WCS e
WRI. Diegues (2008) relata no prefácio do livro por ele organizado sobre a ecologia
política das grandes ONGs o que ocorreu nesta reunião. O professor Antonio Carlos
Diegues e mais 72 pesquisadores, a grande maioria da área de ciências naturais, foram
convidados para participar deste seminário com o objetivo de discutir o documento da
USAID para a conservação da biodiversidade. Segundo Diegues (2008, p. 9) o
documento estabelecia áreas prioritárias para a conservação baseadas em quatro
critérios: 1) avaliação do valor biológico da área; 2) de suas condições de conservação;

114
3) de políticas institucionais e; 4) da utilidade da biodiversidade.91 O resultado deste
seminário foi baseado nos documentos preparados pelo consórcio das ONGs citadas que
possuem caráter conservacionista. A nosso ver esta política demonstra a estratégia
conservacionista elaborada pela USAID exposta nos documentos: 1) Biodiversity
Support Program92, 2) Biodiversity Conservation: A guide for USAID staff and
partners93 e, 3) USAID’s Global Conservation Program Working Together to Protect the
World’s Biological Wealth for Future Generations94.
Para Diegues (2008) as ações das grandes ONGs ambientalistas indicam que:

- As grandes ONGs transnacionais têm grande influência sobre políticas ambientais de


instituições governamentais, mesmo em países como o Brasil que tem estruturas
conservacionistas sólidas. Essa influência se verifica por meio de sua grande capacidade
de arrecadação internacional de recursos financeiros para a conservação, dos quais os
governos são desprovidos (provenientes de instituições multilaterais – Banco Mundial –
e de corporações multinacionais); de grandes e dispendiosas campanhas de mídia; de
suas conexões internas com órgão de governo, fornecendo treinamento para
funcionários públicos em temas como manejo de áreas protegidas, nos quais são
veiculados conceitos e métodos desenvolvidos pelas grandes ONGs conservacionistas;
influenciando a determinação de áreas críticas de conservação por meio da organização
de seminários para os quais são convidados representantes do governo;

- Os modelos de conservação propostos pelas grandes ONGs tendem a excluir a


participação dos povos indígenas e demais populações tradicionais na definição e no
manejo das áreas protegidas, aportando não somente recursos financeiros, mas também
“modelos de ciências e práticas conservacionistas” pouco adaptados às situações
ecológicas e culturais nacionais e locais;

- As grandes ONGs transnacionais de conservação influenciam não somente as


instituições governamentais, mas também as ONGs locais, às quais transferem alguns
recursos financeiros desde que estas trabalhem de acordo com os modelos apresentados
pelas primeiras (DIEGUES, 2008. p. 13-14).

A abordagem colocada por Diegues (2008) nos permite compreender o campo


de atuação destas grandes ONGs que irão agir localmente, em diversas regiões do
mundo, realizando programas de trabalho com ONGs que servirão aos grandes objetivos
da política traçada pelos organismos que elegeram as ONGs como executoras de suas
estratégias para a biodiversidade.
Uma estratégia perversa desenvolvida pelo governo dos Estados Unidos, via
USAID e por grandes ONGs da conservação ambiental, tem sido a troca de títulos de

91
Estes critérios estão baseados no Programa de Conservação Global da USAID, que apresentamos no
capítulo 2.
92
Fonte: http://www.worldwildlife.org/bsp/programs/latin/
93
Fonte: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/usaid_pubs.html
94
Fonte: http://www.usaid.gov/our_work/environment/biodiversity/pubs/gcp_brochure.pdf

115
uma dívida externa ilegítima por áreas de proteção ambiental nos países endividados e
ricos em biodiversidade. O mecanismo de troca de dívida está contemplado na Lei de
Conservação de Florestas Tropicais-The Tropical Forest Conservacion Act (TFCA).
Criada pelo governo norte-americano em 1998 é segundo seu programa oficial:

(...) uma oportunidade para os países em desenvolvimento de reduzir sua dívida externa
com os EUA, ao mesmo tempo em que geram recursos para financiamento de
atividades que proporcionem a conservação de importantes áreas de florestas tropicais
95
.

Elosegui (2007) elucida que estes mecanismos foram criados no final da década
de 1980 e que os EUA firmaram este tipo de convênio com Bangladesh, Belize, El
Salvador, Filipinas, Peru, Colômbia e Paraguai. O autor cita o caso colombiano96 que,
baseado na Lei de Conservação de Florestas Tropicais, e assumido pelo governo de
Álvaro Uribe, assinaram esse tipo de acordo em abril de 2004. Nesse contrato, os EUA
e Colômbia trocaram títulos de dívida externa colombiana por natureza no valor de US$
10 milhões, tendo o governo colombiano que se comprometer a proteger áreas de
floresta tropical. Para tanto os EUA cederam à Colômbia US$ 7 milhões de acordo com
as normas da TFCA. As ONGs TNC, CI e WWF contribuíram com US$ 1,4 milhões de
dólares.
Choudry (2007, p.7) cita a ação da CI na Bolívia, também no mecanismo de
troca de dívida por natureza. Em 1987 esta ONG comprou uma pequena parte da dívida
boliviana em troca da concessão do governo boliviano para CI apoiar a expansão da
Reserva Biológica Beni, que contém uma das maiores reservas mundiais de mogno e
cedro tropicais.
As grandes ONGs da conservação: The Nature Conservancy (TNC),
Conservation International (CI) e Word Wildilife Fund (WWF) são denominadas por
Diegues (2008) como multinacionais da conservação.
A WWF foi fundada em 1961 em um pequeno escritório na Suíça. Inicialmente
era a coordenadora de levantamentos de fundos da IUCN (International Union for the
Conservation of Nature). No fim dos anos de 1970 a WWF dos EUA ocupava um
modesto escritório em Washington e empregava 25 pessoas. No final dos anos de 1980

95
Disponível em http://www.usaid.gov/our_work/environment/forestry/tfca.html (acesso em 05/01/2007).
96
O documento está na página da embaixada do EUA na Colômbia, disponível em
http://bogota.usembassy.gov/wwwspc59.shtml, (acesso em 05/01/ 2007).

116
ela cresceu rapidamente e chegou a empregar cerca de 4.000 pessoas em todas as suas
unidades espalhadas em mais de 90 países pelo mundo.
A TNC foi fundada na metade dos anos de 1940 por um grupo de cientistas que
objetivavam salvar áreas naturais nos EUA. Em 1965 a Fundação Ford pagou pela
primeira vez o salário de seu primeiro presidente em tempo integral. Em 1970 a TNC
estava em todos os estados dos EUA e se expandia pela América Latina. Teve um
vertiginoso crescimento nos anos de 1990, atuando no momento na África, na Ásia, no
Caribe e nas Américas do Norte, Central e do Sul. A TNC é considerada a maior
organização de conservação ambiental do mundo, com patrimônio avaliado em mais de
US$ 3 bilhões.
A CI foi fundada em 1986, sendo resultado de conflitos do staff internacional da
TNC e de grupos que saíram da WWF em 1989. Tornou-se a mais agressiva instituição
de arrecadação de fundos. Possui uma estreita vinculação com grandes corporações
como Cemex, Citigroup, Chiquita, Exxon Mobil Foundation, Ford Gap, J.P. Morgan
97
Chase and CO, McDonalds, Sony, Starbuks, United Airlines e Walt Disney .
Atualmente tem como principais financiadores quatro organizações: Gordon & Betty
Moore Foundation, MacArthur Foundation, o Banco Mundial e o GEF (Global
Environment Facility)98. As grandes ONGs da conservação estão envolvidas e são
financiadas por corporações da área de petróleo, gás, farmacêutica e minas. Isto é no
mínimo uma contradição, ou seja, que as maiores empresas poluidoras ou financiadoras
de projetos e atividades responsáveis pela depredação do meio ambiente apareçam
como parceiras e financiadores da proteção ao meio ambiente.
A literatura pesquisada (CHAPIN, 2004; CHOUNDRY, 2007; VÉLEZ, 2004)
aponta para o que se convencionou chamar nas três grandes ONGs da conservação,
WWF, CI e TNC, ou ainda, “as multinacionais da conservação”. Os documentos
mostram também os problemas de concentração de verbas de doações para estas ONGs,
e da contraditória atuação delas em terras indígenas. Chapin (2004) relata estes
problemas. No Encontro sobre Biodiversidade, realizado na cidade de Dakota, em junho

97
As informações sobre os parceiros e financiadores da CI estão disponíveis em sua página:
www.conservation.org.
98
The Global Environment Facility (GEF), instituído em 1991, diz ajudar os países em desenvolvimento
a financiar projetos e programas que protejam o ambiente global. GEF concede apoio a projetos
relacionados à biodiversidade, às alterações climáticas, águas internacionais, à degradação do solo, à
camada de ozônio, e aos poluentes orgânicos persistentes. Fonte: http://www.gefweb.org/, acesso em
02/01/2007.

117
de 2003, importantes fundações doadoras de recursos99 realizaram uma reunião para
discutir os problemas envolvendo as três ONGs100. Duas questões principais foram
apresentadas: 1) o fato das três ONGs terem se tornado extremamente poderosas e ricas
em um período de tempo tão curto; e 2) de como suas ações nas questões ambientais
têm gerado reclamações e protestos por partes das comunidades locais, ONGs nacionais
e ativistas de direitos humanos. Desta reunião ficou decidido que a Fundação Ford (FF)
ficaria responsável por realizar um estudo que averiguasse as denúncias contra as três
ONGs. A investigação foi realizada, mas o relatório da FF jamais foi divulgado, ficou
restrito a um relatório interno. Chapin (op.cit., p. 28) relata que a FF recebeu enormes
pressões das big ONGs para não publicar o relatório, Study on critical New
Conservations Issues in the Global South.
Chapin (2004) esclarece que o relatório da Fundação Ford continha várias
reclamações e denúncias contras as ONGs em diversos lugares onde estas atuam:
México, Venezuela, Guiana, Suriname, Papua Nova Guiné e Congo. Em Vilcabamba,
região do Peru, a CI foi acusada de tratar com desrespeito e de ser grosseira e arrogante
com ONGs locais e organizações indígenas. Em Laguna de Tigre, na Guatemala, a CI
teve seu escritório incendiado depois de uma grande briga com ONGs locais por causa
de recursos101. A forma do tratamento das big ONGs, colonialista no conteúdo, com os
representantes das comunidades locais, configura-se mais grave se levarmos em conta
todo o discurso participativo, de envolvimento e do “empoderamento”102 das
comunidades locais propostos pelos projetos das grandes ONGs ambientalistas.
Para amenizar a não publicação do relatório é realizado em 20 de abril de 2004
um encontro para discutir os principais pontos do relatório da Fundação Ford com os
representantes das grandes ONGs como WWF, TNC, CI e ainda IUCN e WCS103.

99
As fundações são: Ford, MacArthur, Moriah, Wallace Global, C.S. Mott e OAk que são também as
maiores fundações do controvertido tratado de biodiversidade.
100
Terminologia utilizada na literatura consultada para designar a WWF, TNC e CI.
101
Na região de fronteira amazônica trinacional do Brasil (Acre), Peru (Madre de Díos) e Bolívia(Pando),
onde ocorre um grande projeto, o MAP, com forte participação das big ONGs, aconteceram também
problemas com as ONGs locais, que denunciaram as grandes ONGs de monopolizar recursos financeiros,
conforme mostra o texto de Dourojeanni (2005).
102
Palavra originada do inglês empower, o empoderamento é um termo muito utilizado pelas ONGs
ambientais na Amazônia; consiste em uma estratégia delas de tornar as pessoas das comunidades
envolvidas, através de seus diversos projetos, mais “empoderadas”, mais cidadãs.
103
- IUCN (The World Conservation Union), segundo sua página na Internet ela é a maior e mais
importante rede de conservação do mundo. Abrange 83 países, 110 agências governamentais, e mais de
800 ONGs, além de 10.000 cientistas e especialistas de 181 países, em uma única parceria pela
preservação do mundo selvagem. Fonte: http://www.iucn.org/en/about/, acesso em 10/01/2007.
- WCS (The Wildlife Conservation Society), organização que funciona desde 1895. Atua em 53 países na
África, Ásia, América Latina e América do Norte, onde é responsável pelo famoso Bronx Zoo. Seu

118
Compareceram os então presidentes da WWF (Kathryn Fuller), da CI (Peter Seligman)
e da TNC (Steven McCormick), entretanto não foram convidados nenhum dos
representantes dos povos indígenas (CHAPIN, op. cit., p. 28). Duas questões levantadas
sobre a atuação das ONG merecem serem destacadas, dado o teor das respostas de seus
representantes: 1) sobre a crítica de que elas não trabalhavam de fato em conjunto com
as comunidades. Neste caso responderam que seus objetivos é a conservação e não a
redução de pobreza, e que seus programas também objetivam “construir capacidades”;
2) sobre os fatos de seus parceiros e financiadores serem empresas poluidoras, eles
alegaram que são organizações apolíticas e que é ao governo que cabe a fiscalização da
ação dessas empresas (idem, p, 28).
Na metade dos anos de 1980, a USAID começou a exigir a participação das
comunidades nos programas das ONGs que ela financiava. Essa estratégia aparece nos
programas implementados no Brasil, sob diversos nomes: parceria ecológica,
gerenciamento comunitário dos recursos, conservação integrada, manejo comunitário,
etc.
De acordo com Chapin (2004) os recursos de financiamento para ONGs da
conservação de forma geral declinaram 50% na metade dos anos de 1990, ao mesmo
tempo em que os recursos das três big ONGs (WWF, TNC e CI) têm aumentado
consideravelmente. Suas receitas conjuntas para 1998 foram de US$ 635 milhões, para
1999, de US$ 899 milhões, em 2000, de US$ 965 milhões e, em 2002, alcançaram o
montante de US$ 1,28 bilhões, sendo que o valor de US$ 804 milhões foi gasto com
conservação neste ano. Segundo o autor a USAID concedeu, no período de 1990-2001,
US$ 270 milhões para ONGs, Universidades e instituições privadas para atividades de
conservação. A WWF recebeu 50% deste montante e o restante foi dividido entre CI,
TNC, WCS e AWF (CHAPIN, 2004, p.22). Desta repartição podemos perceber os
problemas e contradições que vão aparecer entre as grandes ONGs da conservação.
A base de arrecadação de fundos das três big ONGs envolve fundações privadas,
agências bilaterais e multilaterais, corporações, governo dos EUA e indivíduos. A WWF
tem um programa chamado “Pennies for the Planet” (Tostões para o planeta), que
recebe doações até dos cofrinhos ‘piggs’ (porquinhos) das crianças norte-americanas. A
Gordon & Betty Moore Foudation realizou uma das maiores doações para ONGs, das
que se tem conhecimento: doou US$ 261,2 milhões para CI. Este montante tinha como

objetivo é proteger a vida selvagem, de borboletas até tigres. Fonte: http://www.wcs.org/, acesso em
10/01/2007.

119
destino atividades de conservação com objetivos de pesquisa científica, aplicação em
áreas de rica biodiversidade (hotspots) e áreas tropicais selvagens (CHAPIN, 2004, p.
23-24).
O trabalho desenvolvido pelas big ONGs na área da conservação alcança uma
escala bastante ampla a partir da segunda metade dos anos de 1990. Elas tornam-se
especialistas em abordagens conservacionistas e dividem entre si estas especialidades,
que elas mesmas nomearam e desenvolveram, de acordo com as atividades onde estas
mais se concentram. A CI atua mais em áreas de “hotspots” (chamadas áreas quentes
em biodiversidades), a WWF atua com “eco-regiões” e “Global 200”, a TNC em
“ecossistemas”, e a WCS em “living landscape”. Devido a estas especializações as
ONGs acabam por possuírem territórios de atuação ao que Chapin (op.cit, p, 25)
denomina como território das ONGs: CI no Suriname e Guiana, TNC em Bosawas
(Nicarágua), WCS no Chaco Boliviano, WWF na Tanzânia e toda a América Latina. O
autor não deixa claro no texto o que ele entende pela denominação de “território das
ONGs”. A nós nos parece que sua denominação se refere à apropriação de recursos e
culturas dos povos dos diversos lugares onde atuam estas organizações.
O relatório não divulgado da Fundação Ford sobre as big ONGs assinalava que a
relação dos povos indígenas com as ONGs tinha se deteriorado rapidamente104. Chapin
(2004) relata que ouviu de um biólogo da CI que trabalhava com os Kaiapós no Xingu:
“eu não me importo com que os indígenas querem. Nós temos que trabalhar para
conservar a biodiversidade” (idem p. 21). Também apresenta dois motivos para que as
big ONGs tenham se afastado dos povos indígenas e tradicionais: 1) não é nada
apropriado para a política de arrecadação de fundos das ONGs que seus poderosos
doadores as vejam apoiando a luta, a revolta e até as rebeliões dos povos; 2) a visão de
muitos de que a ciência biológica pode dar conta por si só da conservação da
biodiversidade em áreas naturais protegidas. As três big ONGs têm como visão
dominante o segundo ponto, que de fato coloca a natureza acima da sociedade, o que
fica claro na declaração de representantes da TNC citada por Chapin (2004):

A tendência de se promover o uso sustentável de recursos como um meio de se proteger


esses recursos enquanto um expediente político e intelectualmente atraente, não está
bem fundada no conhecimento ecológico e biológico. Nem todas as coisas podem ser
preservadas através do uso. Nem todos os locais deveriam ser abertos ao uso. Sem o
entendimento de uma maior dinâmica do ecossistema em locais específicos, as

104
No nosso entendimento o que está em jogo nessas relações de discurso participativo é a concepção de
poder. Quem de fato tem o poder na sociedade capitalista é, para nós, a questão que define estas relações.

120
estratégias que promovem o uso sustentável conduzirão a perdas substanciais de
biodiversidade. (CHAPIN, 2004, p.20).

Choudry (2007) cita em seu trabalho um exemplo de quão complexas podem ser
as relações entre as ONGs e as corporações que as financiam. Gordon Moore, fundador
da corporação Intel e presidente do comitê executivo da CI, doou a esta US$ 261
milhões em dezembro de 2001. Como agradecimento a CI entregou a seus cuidados
uma coruja brasileira em vias de extinção (idem, p.1). Enquanto isto, em Rondônia,
camponeses são presos pela Polícia Ambiental por caçarem animais para sua
alimentação105.
No México o grupo PULSAR, corporação do ramo da agroindústria e da
biotecnologia, trabalha secretamente com a CI, que recebeu deste grupo US$ 10 milhões
entre 1996 e 2000. Para Choudry (2007) estas doações são na realidade pagamentos, só
que livres de impostos, já que a ação da CI na selva de Lacadona pode levar ao
descobrimento do uso de muitas plantas medicinais (CHOUDRY, 2007, p. 4). A ação
das ONGs em áreas de proteção ambiental englobam um sofisticado sistema de
envolvimento das populações locais, a chamada “parceria ecológica”, que na realidade
vai permitir o acesso ao conhecimento das comunidades dos grupos que estão por detrás
destas ONGs.
O professor Freddy Pacheco, catedrático da Universidade Nacional da Costa
Rica, escreveu um artigo106 felicitando os deputados daquele país que por unanimidade
recusaram um projeto de lei promovido pela “The Leatherback Trust”107. O projeto
pretendia ampliar a área terrestre do Parque Nacional Mariño, que serve para desovar
algumas dezenas de tartarugas, e também propunha a transferência da administração do
Parque a um organismo privado.
Na Costa Rica a CI operou com vários sócios no projeto Amistad Conservation
and Development Initiative - AMISCONDE. Seus interesses se concentram nos 1,1
milhões de hectares da reserva “Biosfera La Amistad” que abrange áreas do Panamá e
da Costa Rica. Seu principal sócio no projeto é a Mcdonalds108, e inclui também a

105
Fonte: http://lutacamponesabrasil.blogspot.com ,(acesso em 14/09/2007) . A história de como a
política ambiental ambientalista criou um aparato de polícia ambiental que criminaliza os camponeses
será tratado em outro tópico do trabalho da tese.
106
Fonte: http://www.ecoportal.net/content/view/full/62403 , acesso 10/01/2007.
107
ONG dos EUA financiada pela CI. A Leatherback Trust informa em sua página na Internet que tem
como objetivo “salvar as tartarugas e outros animais marinhos em extinção. Nossas atividades incluem
apoio a conservação, pesquisa e gerenciamento. Nossos cientistas foram fundamentais para a criação do
Parque Mariño Las Baulas, Parque Nacional fundado na Costa Rica”. Fonte: http://www.leatherback.org/.
108
Para outros projetos da parceria CI e McDonalds e outras corporações ver:

121
Monsanto, a Keystone Foods, Nestlé e Coca-Cola. A declaração do gerente de
propaganda da Monsanto na Costa Rica é exemplar para demonstrar a arrogância e
mentiras de como trabalham estas empresas:

Ajudar as pessoas a entenderem como relacionar-se de um modo diferente com o meio


ambiente é a resposta para a proteção do Parque. Parte desta resposta é o uso mais
efetivo dos cultivos da conservação no qual Roundup109 joga um papel” (apud
CHOUDRY, 2007, p.5).

A CI atua em toda América Latina, participa também do Corredor Biológico


Centroamericano e do Corredor de Coral Mesoamericano, propostos e financiados pelo
Banco Mundial. O corredor compreende uma área desde o México até grande parte da
América Central, o que corresponde a uma área de 102 milhões de hectares de
abundante biodiversidade e riqueza cultural (DELGADO RAMOS, 2004).
As grandes ONGs trabalham com determinadas especialidades na área da
conservação. A atuação da CI ocorre nas áreas de “hotspots” que estão sobre ou são
adjacentes a lugares de exploração e extração de petróleo, gás, minerais, como são os
casos de Chiapas (México), Colômbia, Papua Ocidental, Aceh (Indonésia) e Papua-
Nova-Guiné, como exemplos (CHOUDRY, 2004, p. 5).
A CI possui um centro de pesquisa em biodiversidade Center for Applied
Biodiversity Science - CABS, em sua página na Internet eles declaram quanto a seus
objetivos:

Nossos renomados cientistas mundiais desenvolvem as ferramentas necessárias para


proteger a biodiversidade e garantir que a ação da conservação esteja baseada em uma
ciência sólida, confiável e verificável. A CI foca seus recursos e experiências em 34
áreas prioritárias (Biodiversity Hotspots), áreas altamente ameaçadas que os cientistas
da CABS tem identificado alta concentração de biodiversidade única nestas regiões. Em
torno de 50% das espécies de plantas e de 42% dos vertebrados terrestres do mundo
ocorrem nestas áreas. Infelizmente estas regiões têm menos do que 70% de sua
vegetação original. Elas necessitam imediatamente de atenção da conservação 110.

Juntamente com a Cia. de Motores FORD a CI possui um centro de negócios em


meio ambiente chamado Center for Environmental Leadership in Bussiness - CELB,
que diz ter por missão “engajar o setor privado no mundo a criar soluções para

http://www.celb.org/xp/CELB/partners/
109
O herbicida Roundup, da Monsanto, completou 30 anos. Com registro em 120 países, ele é o mais
vendido no mundo para o controle de plantas daninhas em pré-plantio das lavouras. São também vastos os
estudos sobre os efeitos nefastos deste herbicida sobre o meio ambiente.
110
Fonte: http://science.conservation.org

122
111
problemas ambientais globais no qual cada indústria tem um papel definitivo” .A
CELB trabalha com 57 corporações, entre estas, as maiores do ramo do petróleo, ainda
diversas organizações ambientalistas e outras112.

No próximo capítulo exporemos como ocorreu a entrada das ONGs


ambientalistas na Amazônia a partir da abordagem de seus históricos e linhas de atuação
na região como são os casos de grandes ONGs “nacionais” como IPAM, IMAZON e
POEMA no estado do Pará.

111
Fonte: http://www.celb.org.
112
Corporações que trabalham com a CELB : 3M , Abercrombie & Kent , Alcoa, Anglo American,
Anheuser-Busch, Aveda, BG Group, British Petroleo, Bank of America, BHP Billiton, Boise Cascade,
Bunge, Cargill, CEMEX, ChevronTexaco, Citigroup, Coach, Inc., The Coca-Cola Company,
ConocoPhillips, Ford Motor Company, Gap, Inc., GFA Terra Systems, Franklin Mint, Green Square,
Hyatt, Intel, International Paper, Kraft Foods Inc., Limited Brands, Matter Group, Marich Confectionery,
Maquipucuna, McDonald's, MeadWestvaco, Mitsubishi, Native Energy, NAVTEQ, Newmont, Office
Depot, Oracle, Punta Cana Resort and Club, Rocky Mountain Institute, Ricoh, Rio Tinto, Royal
Caribbean, Save Your World, SC Johnson, Seeds of Change, Shell, Starbucks, Statoil, Stonyfield,
Sustainable Forest Management, United Airlines, United Technologies, Wal-Mart, The Walt Disney
Company, Weyerhaeuser.

Organizações ambientais que trabalham com a CELB: Botanical Society of South Africa, CORAL
CORALINA, Climate Trust, Colombian Coffee Federation, Consumer's Choice Council, Cruise Lines
International Association, Dixie Chicks, Fauna & Flora International, Forest Trends, Hamburg Institute of
International Economics, IESB, Instituto BioAtlântica, International Hotels Environment Initiative,
IUCN—The World Conservation Union, Jatun Sacha, NatureServe, Pearl Jam, Pelangi, Rainforest
Alliance, Sustainable Forestry Board, Smithsonian Migratory Bird Center, Smithsonian Institution, The
Nature Conservancy, Tour Operators' Initiative, Wildlife Conservation Society, Yale School of Forestry
& Environmental Studies. Fonte: http://www.celb.org.

123
Capítulo 4 - O onguismo como nova estratégia geopolítica na Amazônia

4.1 – A origem do ambientalismo e do onguismo na Amazônia

A Amazônia sempre foi habitada, desde tempos remotos, ao contrário da tese do


vazio demográfico propagandeada pelo governo dos militares, por povos tradicionais,
conforme demonstrado por vários trabalhos, entre estes Silva (2004). A ocupação
capitalista da Amazônia foi também estudada por Silva (2000); estudo no qual a autora
demonstra as diversas “metamorfoses da Amazônia”, delimitando as principais
características econômicas, principalmente do Estado do Amazonas, onde se destacam
as atividades econômicas da Zona Franca, as do ecossistema e a agroindústria.
No contexto dos objetivos de nosso trabalho, a atuação e a intervenção das
ONGs na Amazônia ocorreram no período quando se iniciaram as denúncias de
devastação dos recursos naturais da região, causados, principalmente, pelo padrão de
intervenção de diversos instrumentos do governo da ditadura militar, a partir de 1964113.
Sintetizamos a seguir os principais instrumentos utilizados pelos militares, com o
discurso da integração da Amazônia ao restante do País, a partir de Rêgo (2002):

1) Operação Amazônia, criada em 1966, durante o governo de Castelo Branco, dizia ter
como objetivo a modernização da economia regional através da substituição de
importações de bens industriais e concentrando-se nas atividades de agropecuária e
agroindústria. A partir deste período foram criados diversos organismos e instrumentos
públicos como órgãos de fomento, sendo o principal a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), atual Agência de Desenvolvimento da
Amazônia - (ADA), e outros da área de financiamento e de isenções fiscais como o
Banco da Amazônia S.A. (BASA), Fundo para Investimentos Privados no
Desenvolvimento da Amazônia (FIDAM) e Fundo de Investimento da Amazônia
(FINAM). As isenções e incentivos fiscais para os empreendimentos deste período
alcançavam o valor de 50% a 75% de isenção e se constituíram num poderoso
instrumento de transferência de rendas do setor público para o capital privado.

2) O Programa de Integração Nacional (PIN), constituído em 1970, previa a construção


da Transamazônica (até hoje inacabada). Esta abrangia o eixo transversal do Brasil
ligando o Nordeste à Amazônia até a Zona pré-andina no Estado do Acre e o trecho

113
Sobre as consequências ao meio-ambiente decorrentes de projetos desenvolvidos na Amazônia ver
Picoli (2006).

124
Cuiabá Santarém. O eixo longitudinal do sentido norte-sul para a conexão da região
com o planalto central e o centro sul do país. O PIN previa projetos de colonização para
todo o eixo da Transamazônica. Em 1970, foi criado o INCRA e o Projeto RADAM que
objetivavam realizar o levantamento dos recursos naturais da região.

3) PROTERRA, criado em 1971; segundo o governo seu objetivo era o de criar


condições de acesso à terra, melhorar as condições de emprego e de trabalhos rurais e
promover a agroindústria no Nordeste e na Amazônia. Este programa acabou
financiando a grande propriedade agropecuária.

4) POLAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia,


foi criado no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND, 1974 – 1979). Propunha
um complexo mínero-metalúrgico da Amazônia Oriental que se transformou no
Programa Grande Carajás.

5) Programa Grande Carajás (PGC), criado em 1980, abrangia uma área de 10,6% do
território nacional e estendia-se aos estados do Pará, Tocantins e Maranhão, região
muito rica em ferro, bauxita, manganês, níquel, estanho, ouro, cobre, silício, nióbio, etc,
possuindo o Brasil as maiores reservas mundiais de vários destes minerais. Projeto
desenvolvido para atender ao mercado externo, o Programa Grande Carajás constitui-se
numa das maiorias sangrias da riqueza nacional.

6) POLONOROESTE: Projeto oficial de colonização que visava a integração sócio-


econômica da região, abrangendo os estados de Rondônia e o norte de Mato Grosso. Foi
iniciado em 1980 com o orçamento de US$ 1,5 bilhão, tendo sido em parte financiado
pelo Banco Mundial. Propunha asfaltar a rodovia Cuiabá-Porto Velho, a construção de
estradas, oferta de infra-estrutura econômica e social, expandir os projetos de
colonização ao eixo da estrada e realizar a regularização fundiária, além da defesa das
comunidades indígenas e do meio ambiente.
O POLONOROESTE provocou profundas mudanças na realidade econômica e
social e graves danos ao meio ambiente. O asfaltamento da rodovia Cuiabá-Porto Velho,
em 1984, fez o fluxo migratório para Rondônia alcançar cerca de 200 mil migrantes por
ano, o que representou um crescimento da população do estado de 15 a 20% por ano.
Segundo Arnt & Schwartzman (1992) a pecuarização em Rondônia foi um dos
indicadores do fracasso da política agrícola do POLONOROESTE, pois, entre 1980 e

125
1985, ocorreu um aumento de 200% no número de terras cadastradas para pecuária (de
5.000 km² para 15.000 km²). Em 1986 as culturas perenes (café, seringa e cacau)
ocupavam cerca de 18% das terras cadastradas e as pastagens, 46% (ARNT &
SCHWARTZMAN, op.cit., p.139). Estes autores citam que a área desmatada em
Rondônia, que era de 3% em 1980, chegou a 17,0 % em 1988 (idem, p.138).
No Estado do Acre o processo de pecuarização foi menos intenso do que em
Rondônia, porém não menos devastador e causador de grandes problemas sociais. A
partir de meados da década de 1970 a chegada de grandes pecuaristas do sul, chamados
pela população local de “paulistas”, ocasionou a perseguição, expulsão e morte de
seringueiros que há muito habitavam os seringais do Acre e aí se reproduziam.
Os seringueiros lutaram duramente contra a ocupação de suas terras
organizando seus Sindicatos de Trabalhadores Rurais – STRs e formando em 1985 o
Conselho Nacional dos Seringueiros. Dentre as principais lideranças dos seringueiros
acreanos destacaram-se Wilson Pinheiro e Chico Mendes, ambos assassinados a mando
do latifúndio, conforme ainda trataremos em outro tópico deste trabalho.
O POLONOROESTE foi o principal alvo das críticas dos ambientalistas e das
ONGs por ser considerado como a principal causa da devastação ambiental de
Rondônia, o que ocasionou denúncias e campanhas que pressionaram o Banco Mundial
a suspender o financiamento para o projeto, em 1985. Diversos autores estudaram este
processo, como Kolk (1996), Alegretti (2002). Segundo Arnt & Schwartzman (1992,
p.111), em 1983, movimentos ecologistas estadunidenses desencadearam campanhas
sobre os impactos socioambientais dos programas financiados pelos Bancos
multilaterais. Estas campanhas provocaram várias audiências no Congresso dos EUA
para que fossem avaliadas as denúncias. As primeiras organizações que deram eco
internacional a estas denúncias foram os movimentos de defesa dos direitos indígenas114
apoiados pela Igreja Católica principalmente e que passavam ao exterior a mensagem de
organizações empenhadas na promoção dos direitos humanos na Amazônia.
Arnt & Schwartzman (1992) descrevem e citam as organizações empenhadas
neste processo que envolvia ONGs e outras organizações de vários países: a Survival
International, nos EUA, a OXFAM, na Inglaterra, o WWF e Friends of Earth realizaram
grande pressão sobre autoridades estadunidenses e inglesas no Banco Mundial. Na

114
Em 1972 foi criado o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), fundado por padres, bispos e agentes
pastorais da Igreja Católica. Em 1978, surge a Comissão Pró-Índio,(CPI) e, em 1980, a União das Nações
Indígenas.

126
Holanda, o Work Group for Indigenous Affairs, e, na Áustria, a Gesellschaft fur
Bedrohte Volker (Sociedade Pelos Povos Ameaçados) denunciaram sobre a situação de
devastação na Amazônia. Na Alemanha solidarizaram-se grupos católicos e protestantes
e entidades locais como a Sociedade de Pesquisas Sociais e Ecológicas, a Campanha
pela Vida na Amazônia. O Partido Verde alemão, a Federação Alemã de Defesa do
Meio-Ambiente e a Liga Alemã de Defesa do Meio-Ambiente fizeram críticas à
Comunidade Econômica Européia por financiarem atividades prejudiciais ao meio
ambiente como o Programa Grande Carajás. Na Itália, ambientalistas, pacifistas,
sindicalistas e parlamentares fundaram, em 1987, a Campagna Nord-Sud, para
coordenar ações contra o endividamento externo e a destruição ambiental nos países
pobres (ARNT & SCHWARTZMAN (op.cit. p. 114).
A pressão de organizações de trabalhadores no Brasil, principalmente dos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais e do Conselho Nacional dos Seringueiros, e de sua
mais importante liderança, Chico Mendes, apoiados por grandes ONGs, foi decisivo
para pressionar o Banco Mundial e levar a suspensão do financiamento do trecho da
BR-364 que liga Porto Velho (RO) a Rio Branco (AC). O líder seringueiro e sindicalista
Chico Mendes foi à reunião do BID de 1987, em Miami, convidado pela ONG
estadunidense Environmental Defense Fund. Em viagem a Washington Chico Mendes
visitou autoridades e congressistas norte-americanos denunciando a situação dos
seringueiros e a devastação ambiental na Amazônia. Para Arnt & Schwartzman (1992,
p.113) a intervenção de Chico Mendes foi decisiva para que, em agosto de 2007, o BID
congelasse o financiamento da pavimentação da BR-364, no trecho Porto Velho a Rio
Branco, e exigisse a implantação do Programa de Proteção ao Meio-Ambiente e às
Comunidades Indígenas (PMACI).
De 1980 a 1985 o BID e o BIRD, devido às fortes pressões das ONGs e
movimentos ambientalistas internacionais, passaram a fazer recomendações e
exigências ambientais aos países nos projetos por eles financiados. Arnt &
Schwartzman (op.cit, p.115-117) sintetizam as principais medidas destes Bancos para a
área ambiental dos países por eles financiados. Apresentamos a seguir as que
consideramos como principais:

1) Em 1980, o BIRD exigiu compromissos contratuais ao governo brasileiro para o


financiamento de US$ 456 milhões para o programa POLONOROESTE, determinando

127
a demarcação de terras indígenas em Rondônia, a criação de unidades de conservação e
programas de pesquisa ambiental.

2) Em 1982, um empréstimo de US$ 304,5 milhões do BIRD, coordenando doze


financiamentos de governo, agências, bancos e empresas internacionais, determinou a
implantação de programas ambientais da Companhia Vale do Rio Doce no Projeto Ferro
Carajás.

3) Em 1985, pela primeira vez em sua história, o BID suspendeu o desembolso de US$
250 milhões para o POLONOROESTE.

4) Em 1985, o BID exigiu da Eletrobrás a elaboração de um Plano Diretor para a


Proteção do Meio-Ambiente, como condição para financiar a recuperação do setor
elétrico.

5) Em 1985, o BIRD condicionou o financiamento da pavimentação da BR-364, entre


Porto Velho e Rio Branco, à elaboração do Programa de Proteção ao Meio-Ambiente e
às Comunidades Indígenas (PMACI). A pavimentação custava US$ 146 milhões (58,5
milhões financiados pelo Banco, e o restante, 87,5 milhões pelo governo brasileiro). O
PMACI custou US$ 10 milhões. Em 1987 o BID congelou o financiamento dos
recursos para a pavimentação até que fosse realizada a implementação do PMACI.

6) Em março de 1988, uma missão do BID ao Acre convenceu agências do governo,


inclusive o Conselho de Segurança Nacional, a negociarem a implementação do PMACI
diretamente com organizações de seringueiros e índios.

7) Em março de 1989, o BIRD suspendeu as negociações de um empréstimo de US$


500 milhões para a recuperação do setor elétrico que seriam destinados para a
construção de usinas hidrelétricas na Amazônia. Ao invés disto negociou um
empréstimo de US$ 400 milhões para investimentos em conservação de energia e
fortalecimento da área ambiental do setor energético.

8) Em junho de 1989 o BID liberou os fundos para a pavimentação da BR-364 até Rio
Branco, de acordo com o que foi negociado no PMACI115.

115
A liberação dos recursos ocorreu por conta de mudanças na política ambiental do Brasil. Em abril de
1988 o governo brasileiro enviou uma mensagem ao BID contendo: proposta de criação de quatro

128
9) Em janeiro de 1990 o Banco Mundial aprovou um empréstimo de US$ 117 milhões
para programas ambientais na Mata Atlântica e no Pantanal e para a consolidação do
novo Instituto Brasileiro de Meio-Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) (ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p.115-117).

Já existiam no Brasil alguns organismos ambientais na área federal e estadual,


porém é a partir do quadro que expusemos acima que tem ímpeto internamente a
consolidação de organismos estatais na área ambiental. A seguir apresentamos a tabela
08, um quadro a partir de Arnt & Schwartzman (1992), que mostra as principais
organizações públicas e de caráter civil (as chamadas sociedades civis sem fins
lucrativos) que surgiram no Brasil e são anteriores ao fenômeno de proliferação das
ONGs ambientalistas na Amazônia.

Tabela 08: Principais organizações ambientalistas no Brasil anteriores ao


fenômeno das ONGs
Organismo Estado Ano de fundação Natureza
PMACI AC 1985 Pública
SEDUMA Acre 1985 Pública
FUNTAC Acre 1985 Pública
IMAC Acre 1986 Pública
CNS Acre 1985 Sociedade Civil
INPA AM 1952 Pública
AMAPAN AM 1978 Sociedade Civil
AAEMA AM 1978 Sociedade Civil
ISEA AM 1987 Associação
MAREWA AM 1983 Sociedade Civil
Divisão de ecologia PA 1977 Pública
CPATU / EMBRAPA PA 1976 Estatal
Museu Emílio Goeldi PA 1866 Pública
NAEA / UFPA PA 1973 Pública
SMEMA MA 1987 Pública
SEMA DF 1973 Pública
IBDF DF 1966 Autarquia
IBAMA DF 1989 Autarquia
IEA DF 1986 Sociedade Civil
FUNATURA DF 1986 Fundação
PLANAFLORO RO 1986 Pública
SEMARO RO 1987 Pública
CIMI RO 1980 Sociedade Civil
IEF RO 1987 Autarquia
CNDDA RJ 1967 Sociedade Civil
PV RJ 1985 Partido político
FASE RJ 1962 Sociedade Civil
FBCN RJ 1958 Fundação
FFB RJ 1988 Fundação
UNI SP 1978 Sociedade Civil
CEDI SP 1974 Sociedade Civil
CPI SP 1978 Sociedade Civil
Fonte: Elaboração a partir dos dados de Arnt & Schwartzman (1992)

reservas extrativistas no Acre e no Amazonas e a demarcação e regularização, no prazo de vinte meses, de


26 áreas indígenas para 32 comunidades, além de cinco áreas de proteção ambiental (ARNT &
SCHWARTZMAN 1992, p.170).

129
A tabela acima é baseada na pesquisa realizada por Arnt & Schwartzman (1992)
entre 1988 e 1989. Os autores fizeram extenso levantamento das organizações que
tiveram papel importante na interferência de medidas de proteção ao meio-ambiente
naquele período de grandes denúncias da devastação ambiental da Amazônia. Os
autores selecionaram órgãos públicos e as então chamadas Sociedades Civis sem Fins
Lucrativos, atualmente denominados de Organizações Não-Governamentais – ONGs,
Sindicatos e Associações, Organismos de Pesquisa, Organizações de Direitos Humanos
e várias organizações ligadas à causa indígena, contabilizando no total 53 organizações.
Para a tabela apresentada acima selecionamos as que consideramos mais
representativas, totalizando 34 organizações.
Muitas das organizações públicas de meio-ambiente como o PMACI e o
PLANAFLORO foram criadas por exigência do Banco Mundial, que condicionava a
liberação de recursos ao trabalho de fiscalização de órgãos ambientais. Neste contexto
de grande repercussão internacional dos problemas ambientais que o Brasil vivia,
podemos entender como uma organização aparentemente sem importância como o
antigo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) deu lugar a um
organismo ambiental do porte do IBAMA e do atual Instituto Chico Mendes. Um dos
principais cargos públicos da administração nacional com destaque no exterior é o de
Ministro do Meio-Ambiente, lembrando que a ex-ministra Marina Silva, teve seu nome
anunciado pelo presidente Lula em Washington na mesma ocasião do anúncio do nome
de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central.
Algumas organizações de pesquisa selecionadas por Arnt & Schwartzman
(1992) têm, segundo estes autores, papel de destaque na Amazônia, como o Instituto
Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), o Núcleo de Altos Estudos da Amazônia
(NAEA / UFPA), a EMBRAPA do Pará, o Museu Paraense Emílio Goeldi. O papel das
fundações FUNATURA e da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza
(FBCN) são destacadas no campo da competência técnica porque segundo os autores:

As fundações empenham-se em preencher o vazio de competência técnica dos


órgãos federais, implantando planos de manejo de parques, normas para o setor
energético, propondo programas e políticas específicas. Dialogam com
desenvoltura com a iniciativa privada e, menos, com os movimentos sociais
(ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p.132).

As organizações ligadas aos povos originários como o Conselho Indigenista


Missionário (CIMI), a União das Nações Indígenas (UNI) e a Comissão Pró Índio (CPI)

130
tiveram papel importante e bastante destaque no exterior e foram as principais
responsáveis pela demarcação das terras indígenas. O CIMI teve papel fundamental na
Constituinte de 1988 sobre o capítulo dos direitos dos povos indígenas (ARNT &
SCHWARTZMAN, 1992).
As Secretarias Estaduais de Meio Ambiente foram criadas de formas diversas.
No Acre surgiu em 1985 com a denominação de Secretaria de Desenvolvimento Urbano
e Meio-Ambiente (SEDUMA) e, em 1987, foi fundado o Instituto de Meio-Ambiente do
Acre (IMAC). Em Rondônia foi criada, em 1987, como Secretaria de Meio-Ambiente
de Rondônia (SEMARO). No Pará o embrião do órgão público de meio-ambiente surgiu
em 1977 como uma Divisão de Ecologia da Secretaria Estadual de Saúde (ARNT &
SCHWARTZMAN, 1992). Para o Estado do Amazonas Arnt & Schwartzman (1992,
p.203) destacam o trabalho das associações ambientalistas ligadas à proteção do meio-
ambiente e educação ambiental como a Associação Amazonense de Proteção Ambiental
(AMAPAN), a Associação Amazônica de Educação para Preservação do Meio-
Ambiente (AAEMA) e a organização de defesa indígena Movimento de Apoio à
Resistência Waimiri-Atroari (MAREWA), que foi criada em 1983 em uma assembléia
regional do Conselho Indigenista Missionário - CIMI (ARNT & SCHWARTZMAN,
1992, p.210).
No campo da defesa nacionalista da Amazônia merece destaque a Campanha
Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA), fundada no Rio
de Janeiro, em 1967, no Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia
Nacional, tinha como um dos seus objetivos “promover o desenvolvimento econômico e
social da Amazônia com o mínimo impacto ambiental, preservando as culturas locais”
(Arnt & Schwartzman, 1992, p.319). Em 1987, o geógrafo Orlando Valverde assume a
presidência da CNDDA.
Ainda cabe destacar que a origem da Fundação de Tecnologia do Acre
(FUNTAC) é o Laboratório de Madeira do Acre fundado em 1985116. A FUNTAC
estava ligada ao projeto de madeira do ITTO e terá como primeiro presidente Gilberto
do Carmo Lopes Siqueira e a participação do engenheiro florestal Jorge Vianna. Jorge
Vianna foi governador do Estado do Acre pelo PT (1999-2006) e Gilberto Siqueira foi
Secretário de Planejamento nas duas gestões do Governo da Floresta (1999-2006),
coordenador do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre e Secretário da

116
Sobre a origem da FUNTAC e as primeiras medidas de política ambiental no Acre ver Silva (1998).

131
Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável - SEPLANDS no atual
governo de Arnóbio Marques (2007-).
A FUNTAC é o órgão mais importante da política ambiental do Acre, cujo
centro é a exploração madeireira. Uma de suas atividades é o Projeto Antimary, em
Sena Madureira, com 4 mil hectares de área, foi a primeira experiência da ITTO no
Estado do Acre. Orçada em US$ 1 milhão de dólares, em 1987, a primeira fase do
projeto foi concluída em 1993 quando recebeu mais uma injeção de US$ 1,875 milhões.
"O Acre tem sido um exemplo para o mundo na questão de conciliar o desenvolvimento
sustentável com a valorização do elemento humano", é o que afirmou Emanuel Ze
Meka, Secretário de Indústria Florestal da ITTO117.
O Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), fundado em 1985, passou a ter
importância no exterior através de sua vinculação com organizações ambientalistas
internacionais e da projeção no exterior de sua principal liderança, Chico Mendes. Esta
relação ocorreu da proximidade da antropóloga Mary Alegretti, do Instituto de Estudos
Sócio Econômicos (INESC) e posteriormente do IEA, com intelectuais estadunidenses
como o antropólogo e presidente do Environmental Defense Fund, Stephan
Schwartzman.
Em 1986 Mary Alegretti fundou o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), uma
ONG que estabelecia como sua finalidade garantir a proteção do meio-ambiente e dos
habitantes da floresta conciliando homem e meio-ambiente. Para tanto atuava com o
CNS, por este agregar os seringueiros, e o IEA, por ter os pesquisadores e ecologistas.
O IEA realizou a identificação de áreas para a criação de Reservas Extrativistas nos
Estados do Acre, Rondônia e Amapá. Em fevereiro de 1988 foi criado no Acre o Projeto
de Assentamento Extrativista São Luís do Remanso em uma área de 39 mil hectares e,
em março de 1990, a Reserva Extrativista Chico Mendes, com um milhão de hectares
(ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p. 297). Sobre estas vinculações abordaremos no
capítulo 6 da tese.

117
http://pib.socioambiental.org/en/noticias?id=2053 , acesso em 02/03/2009.

132
4.2 - As ONGs na Amazônia

Pesquisa realizada pelo IBGE em conjunto com o Instituto de Pesquisa Aplicada


(IPEA) sobre entidades sem fins lucrativos entre 2002 e 2005 revelou que o número de
ONGs ambientais no Brasil aumentou 61%, um percentual quase três vezes superior à
média nacional (22,6%).
Pignatti (2005) realiza extenso levantamento sobre a atuação das ONGs
ambientais no estado do Mato Grosso. A partir de seu estudo reproduzimos no quadro
01 sobre as ONGs e seus objetivos e finalidades naquele estado:

133
Quadro 01: Objetivos e finalidades de ONGs no estado de Mato Grosso, no ano de 2001
Organização Objetivos/finalidades Organização Objetivos/finalidades
ABEPLOAR Prevenir a poluição antrópica IC Estabelecer novos paradigmas de atuação sociocultural
e econômica/ações conjuntas com o poder público e a
iniciativa privada/afirmar comunidades sustentáveis
AME Proteger o ambiente FUNDHAM Promover desenvolvimento humano e ambiental
ICV Proteger o ambiente/melhorar a qualidade ECOTRES Proteger o ambiente/buscar o respeito pela vida, pela
de vida e cidadania liberdade e pelos direitos humanos
ECOTRÓPICA Conservar e preservar os recursos naturais / AVICA Defender a vida humana e do ambiente
melhorar a relação humana
ADERCO Preservar ambiente/assegurar a qualidade ASOSPAN Proteger a biosfera e os ecossistemas pantaneiro e
de vida/defender o rio Coxipó amazônico
BIOCONEXÃO Buscar ecodesenvolvimento/melhorar a PRODESUS Proteger o ambiente/buscar a economia ecológica e o
qualidade de vida desenvolvimento/valorar os recursos naturais
FORMAD Buscar o desenvolvimento sustentável de IPEM Defender, preservar e conservar o ambiente/promover
Mato Grosso/melhorar as condições de vida o desenvolvimento sustentável
da população
AMPARA Defender o ambiente AGUA Defender e proteger os recursos hídricos do Planeta
SADEP Conservar e defender os ecossistemas da ITAF Desenvolver e aprimorar a ciência, a tecnologia e a
região conservação dos recursos naturais
ITV Conservar ambiente INDEMA Proteger o ambiente/melhorar a qualidade de vida/
proteger e recuperar o Lago de Manso
BIOGENESE Defender ambiente/melhorar a qualidade de UNIECO Integrar o homem e suas atividades ao meio natural
vida/buscar uso sustentável dos recursos
naturais
UNIEMA Preservar a natureza/melhorar a qualidade FECGT Integrar o homem e suas atividades ao
de vida ambiente/melhorar a qualidade de vida
ECOPAN Apoiar e beneficiar a população do Pantanal ARARA Preservar e defender o rio Araguaia
e da Bacia Alto Paraguai/resolver
problemas ambientais
ACESMAR Atuar nos setores ecológicos/melhorar a REMOECO Preservar a natureza/congregar entidades do Meio
qualidade de vida Ambiente do bioma cerrado/melhorar a qualidade de
vida
TRÓPICOS Estimular o desenvolvimento RAEONGs Preservar a natureza/congregar as entidades de Meio
socioeconômico/gestão democrática e usos Ambiente da Bacia Hidrográfica do Araguaia/melhorar
ecologicamente sustentáveis dos recursos a qualidade de vida.
naturais
ECOSS Conservar e preservar os recursos INSESEC Defender a natureza/fortalecer ações locais e regionais
naturais/manter as culturas das populações dos setores sociais e ecológicos/melhorar a qualidade
tradicionais
ABRASSA Preservar o ambiente/promover a ARCA Recuperar e conservar o ambiente/assegurar a
profissionalização e requalificação dos qualidade de vida.
trabalhadores
IMADEA Difundir conhecimentos em direito FSCAVSOL Integrar o Homem e suas atividades ao ambiente
ambiental, educação ambiental informática
IHAO Difundir projetos orgânicos/melhorar a AARPA Preservar e defender o Rio Paraguai e Pantanal
renda e condições de trabalho
ASATEC Respeitar a natureza IESCBAP Preservar a natureza/melhorar a qualidade de vida
ROECOPAN Preservar a natureza/melhorar a qualidade AESCPAN Preservar a natureza/melhorar a qualidade de vida
de vida
ADEPAN Preservar o ambiente/promover o APS Difundir experiências na área de saúde, agricultura,
desenvolvimento sustentado do Pantanal educação e meio ambiente nos municípios do Pantanal
Mato-Grossense Mato-Grossesnse
ARPA Conservar e melhorar o ambiente/vigiar o AARITI Conservar e melhorar o meio ambiente no município
cumprimento da legislação federal, estadual de Itiquira-MT
e municipal
ADE Defender o ambiente/promover o AEMA Defender o ambiente/melhorar a qualidade de vida
desenvolvimento sustentado
AMEC Preservar o ambiente natural / buscar o SCPS Preservar a natureza/melhorar a qualidade de vida
equilíbrio ecológico
FCCESPD Defender o ambiente IESPOAR Preservar o ambiente
IESCCAN Preservar a natureza/melhorar a qualidade ECODAM Desenvolver e proteger o ambiente de âmbito regional
de vida
ASDEMA Proteger o ambiente SOENORT Proteger o ambiente
IDEVAG Defender a vida do ser humano e do
ambiente
Fonte: Pignatti (2005, p. 151-153).

134
O estudo de Pignatti (2005) cita sobre a atuação da Fundação de Apoio à Vida
nos Trópicos (Ecotrópica), criada em mato Grosso em 1989, com a finalidade:

(...) de contribuir para a conservação e preservação dos recursos naturais e a


manutenção dos ecossistemas tropicais e contribuir para a melhoria do relacionamento
entre as diversas etnias humanas e no relacionamento da espécie humana com o
meio ambiente, defendendo a natureza como base de sustentação de toda a forma de
vida (ECOTRÓPICA apud PIGNATTI, 2005, p.158).

Das organizações que a autora pesquisou a ECOTRÓPICA foi a única que


apontava nos seus objetivos arrecadar recursos nacionais e internacionais para a
implantação de unidades privadas de conservação e demais atividades ambientais.
Desenvolveu atividades com organizações como a WWF (EUA e Canadá), Fundação
Oro Verde (Alemanha), Conservação Internacional (EUA), Artist United for Nature
(Alemanha e EUA), Center for International Enviromental Law (EUA), UNESCO,
Smithsonian Institution (EUA), Projekt Tropischer Regenwald (Alemanha), The Ashoka
Society (EUA), The Nature Conservancy (EUA) e Fundação O Boticário (Brasil)
(PIGNATTI, 2005, p.158).
A ECOTRÓPICA conseguiu o financiamento com a TNC para adquirir áreas de
terras no entorno do Parque Nacional do Pantanal, com o objetivo de criar “zonas
tampão” em torno do Parque. Foram compradas as fazendas Acurizal (13.665 ha),
Penha (13.409 ha) e a Estância Dorochê (26.716 ha), em 1997 foram transformadas em
Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) por decreto do IBAMA
(PIGNATTI, 2005, p.159).
Na Amazônia as atividades das três maiores ONGs de meio ambiente, WWF,
TNC e CI, alcança o valor anual, em 2002, de aproximadamente oito milhões de
dólares, conforme a quadro 02 a seguir:

135
Quadro 02 - Atividades e financiamento da WWF, CI e TNC na Amazônia
brasileira em 2002

ONG Investimento Principais Principais objetivos por programa


(US$ mil) financiadores
CI 1.200,00 Fundação Moore, 1) Expansão de áreas de conservação
Conselho Britânico, integral
USAID 2) Expansão e fortalecimento de reservas
de desenvolvimento sustentável
3) Monitoramento e desenvolvimento de
terras indígenas
TNC 1.200,00 Doadores privados, 1) Fortalecimento do Parque Nacional da
USAID, Earth Serra do Divisor
Foundation 2) Zoneamento do uso da terra para
conservação de terras indígenas
WWF 5.400,00 WWF Internacional 1) Expansão e fortalecimento de áreas de
(EUA, Suíça, Suécia e conservação integral e expansão de
Holanda), Fundação reservas extrativistas (Projeto ARPA)
Moore e USAID. 2) Fortalecimento de unidades de
conservação de uso direto
3) Suporte para gestão florestal, inclusive
certificação
Fonte: Anderson, A. & Bray, D. (2005, p.60).

As três grandes ONGs da conservação, CI, WWF e TNC apresentam valores


elevados para o financiamento de suas atividades na Amazônia brasileira, totalizando
US$ 7,8 milhões para o ano de 2002 conforme os dados de Anderson, A. & Bray, D.
(2005, p.60). Seus principais financiadores são a USAID, WWF Internacional e
Fundação Moore, que tem suas estratégias de atuação definidas pelo principal órgão do
imperialismo, e também principal articulador das políticas ambientais, a USAID. As
atividades destas grandes ONGs na Amazônia estão em consonância com os objetivos
de conservação da biodiversidade dos projetos vindos de fora, das quais são executoras.
Ao focarem na política de delimitação de áreas de proteção ambiental (integral e de uso
restrito) tem como principal conseqüência a expulsão de populações camponesas da
Amazônia. Esta política também tem resultado em graves problemas em outras regiões
do mundo. Segundo Dowie (2006) as políticas ambientais definidas para os países ricos
em biodiversidade acarretaram na desapropriação de terras de mais de 14 milhões de
pessoas no mundo.
Sobre as ONGs no estado do Pará nos baseamos na pesquisa de Buclet (2002). O
autor agrupa as 33 ONGs pesquisadas em quatro categorias: cristãs, militantes, sócio-
ambientais e de pesquisa. A figura 01 reproduz a tipologia proposta pelo autor para as

136
ONGs que atuam no estado do Pará e o quadro 3 detalha essas ONGs (BUCLET, 2002,
p.267-268).

Figura 01: Tipologia das ONGs no estado do Pará em 2002

Cristãs
Sócios - ambientais
EMAUS
CAC
Militante F. ESPERANÇA
SEARA , CVC
CEPEPO
MOPROM
MVV
MMCC
UNIPOP GEX
APACC CIPES
CEAPAC CEFTBAM GAENC
CEPASP FATA AEVCV
GDA SOPREN
SDDH IEA FFT
CEDENPA IDA PSA
CAC-BA ARGONAUTAS
GAPA-PA FASE
FUNDAC IMAZON
POEMA
IPAM
IARA

Pesquisa

Fonte: (BUCLET, 2002, p.267-268).

137
Quadro 03 - ONGs com atuação no estado do Pará
AEVCV: Associação Ecológica Vamos Colorir o Verde
APACC: Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes
CAC: Centro Alternativo de Cultura
CAC-BA: Centro Artístico Cultural de Belém Amazônia
CEAPAC: Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária
CEFTBAM: Centro de Estudo Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas
CEPASP: Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular
CEPEPO: Centro de Estudos e Práticas de Educação Popular
CEDENPA: Centro de Estudo e de Defesa dos Negros do Pará
CIPES: Centro de Intercâmbio de Pesquisa e Estudos Amazônicos
CVC: Centro de Valorização da Criança
EMAUS: República de Emaus
FASE: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FATA: Fundação Agrária Tocantins Araguaia
FFT: Fundação Floresta Tropical
FUNDAC: Fundo de Desenvolvimento e de Ação Comunitária
GAENC: Grupo de Ação Ecológica Novos Curupiras
GAPA-Pa: Grupo de Apoio a Prevenção Aids- Pará
GEX: Grupo Ecológico do Xingu
IARA: Instituto Amazônico de Manejo Sustentável dos Recursos Ambientais
IMAZON: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
IDA: Instituto de Divulgação sobre Amazônia
IEA: Instituto de Estudos Amazônicos
IPAM: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
MMCC: Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade
MOPROM: Movimento de Promoção da Mulher
MVV: Movimento Verde Vivo
POEMA(R): Pobreza e Meio Ambiente
PSA: Projeto Saúde e Alegria
SDDH: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
SEARA: Sociedade de Estudos e Aproveitamento dos Recursos da Amazônia
SOPREN: Sociedade de Preservação dos Recursos Naturais da Amazônia
UNIPOP: Universidade Popular.
Fonte: (BUCLET, 2002, p.267-268).

138
A tipologia das ONGs definidas por Buclet (2002) é:
1) ONGs Cristãs: fundadas por padres ou ex-padres. São financiadas por instituições
ecumênicas européias e suas atividades estão voltadas para a “educação, formação e
conscientização dos mais despossuídos”.

2) ONGs sócio-ambientais: criadas nos anos de 1990. Estas ONGs também têm
atividades na área de pesquisas. Atribuem a si valores ideológicos no campo do
humanismo, do bem-estar social e da vida em harmonia com a natureza. Centram suas
atividades na questão ecológica e na sensibilização da população com a qual trabalham
sobre o tema da preservação do meio ambiente. O desenvolvimento sustentável é o foco
principal de seus objetivos e atividades.

3) ONGs militantes: segundo Buclet estas são definidas como militantes por serem as
mais engajadas politicamente. As organizações selecionadas se dizem herdeiras da
Teologia da Libertação. Sua militância está voltada para a causa das mulheres, dos
negros, direitos humanos, cultura, dos mais despossuídos e das organizações populares.

4) ONGs de pesquisa: nasceram dentro da Universidade e de instituições públicas de


pesquisa. Por exemplo, a ONG POEMA (Centro de Ação para o Desenvolvimento
Sustentável) foi criado em um departamento da Universidade Federal do Pará (UFPA),
e sua sede funciona no campus da UFPA (BUCLET, 2002, p.268).

Buclet (2002) denomina de grandes ONGs aquelas cujo orçamento anual é


superior a US$ 250 mil, das quais o autor pesquisou o IMAZON, IPAM, POEMA (R).
A partir da pesquisa realizada pelo autor e por levantamento nosso faremos uma
exposição sucinta do histórico e das atividades desenvolvidas por estas organizações
com o objetivo principal de analisar suas relações com seus denominados parceiros e
financiadores que, a nosso ver, estão no campo que denominamos de organizações
imperialistas. Elegemos o trabalho de Buclet (op.cit.) por apresentar dados de valores de
financiamento das ONGs e outras informações, o que é difícil captar devido à
magnitude do campo em que trabalhamos.
Em viagem à cidade de Belém (PA), em julho de 2007, realizamos visita à sede
do POEMA durante dois dias, porém não foi possível entrevistar ninguém da equipe
porque se encontravam em uma oficina. Conversamos como uma pesquisadora do
NAEA (UFPA) que participou do IPAM e nos cedeu o relatório publicado de 10 anos

139
do IPAM. Neste mesmo período realizamos uma visita à sede da ONG, Fundação
Vitória Amazônia, na cidade de Manaus, porém seus responsáveis não estavam
presentes naquele momento. As demais informações apresentadas foram levantadas nas
respectivas páginas das ONGs na Internet.

IMAZON: O Instituto do Homem e Meio-Ambiente na Amazônia (IMAZON) foi


fundado em 1990 por três pesquisadores norte-americanos: um deles ligado ao
NAEA/UFPA (Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da Universidade Federal do
Pará), outro ligado à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e
outro do Woods Hole Research Center (WHRC)118. Segundo Buclet (2002, p.270) o
IMAZON foi criado para realizar pesquisas sobre os impactos das políticas
intervencionistas sobre as florestas. Seus principais financiadores são: Fundação
McArthur, Fundação Ford, WWF, PPG-7, GTZ (Agência de Cooperação Alemã) e
USAID. O IMAZON realizou pesquisas para governos, como o do Amapá, e para o
Banco Mundial.
Segundo as informações de sua página na Internet119 o IMAZON desenvolve
programas nas seguintes áreas:
1) Política e economia florestal: a maior parte da exploração madeireira na floresta
amazônica é predatória. Este programa visa apoiar o manejo florestal e controlar a
exploração, para conciliar a geração de riqueza com a conservação dos recursos
florestais.
2) Floresta e comunidade: este programa investe na formação da população da floresta
tropical que encontra nesta seu principal meio de subsistência e inclusão nos mercados
locais.
3) Monitoramento da paisagem: neste programa são desenvolvidas técnicas para
detectar, quantificar e monitorar, por meio de imagens de satélites, o desmatamento, a
exploração madeireira e outras formas de pressão humana.
4) Transparência florestal: monitora de maneira independente o desmatamento com
ampla divulgação dos resultados para atores-chave.

118
ONG ambientalista estadunidense com forte presença na Amazônia, atua principalmente via seus
pesquisadores residentes no Brasil que trabalham em conjunto com organizações de pesquisa nacionais
como universidades e outras. http://www.whrc.org/
119
http://www.imazon.org.br/programas/index.asp, acesso em 22/10/2008.

140
O IMAZON possui um banco de dados de mapas, o Imazon Geo120, com mapas
gráficos e relatórios que podem ser gerados neste programa. Para esta atividade seus
apoiadores são a Fundação Moore, USAID, David e Lucile Packard Foundation121 e a
122
ONG suíça AVINA . Na tabela 09 apresentamos as doações recebidas pelo IMAZON
para o período de 2003 a 2007.

120
http://imazongeo.org.br/galeria_de_mapas.php , acesso em 22/10/2008
121
Segundo a página da Fundação Packard na internet seu objetivo é: “Trabalhar para melhorar a vida das
crianças, capacitar abordagens criativas para a ciência, melhorar a saúde reprodutiva, e conservar e
restabelecer os sistemas naturais da terra”. http://www.packard.org/home.aspx
122
Fundada pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny, é financiada pelo VIVA Trust, corporação de
Schmidheiny voltada para os negócios da sustentabilidade.
Fonte: http://www.avina.com/web/siteavina.nsf/page?open, acesso em 22/10/2008.

141
Tabela 09 - Doações recebidas pelo IMAZON (em R$)
Organizações doadoras 2003 2004 2005 2006 2007
Albert Ludwig Universitat ------ ------ 141.862,00 138.508,00 133.736,00
Freiburg – INCO
Amigos da Terra – ADT ------ ---------- 204.147,00 237.421,00 212.100,00
CIFOR 201.600,00 50.252,67 55.206,00 ------ ------
Conservação Internacional 64.000,00 ------ ------ ------ ------
Embaixada da Holanda ------ 76.800,00 ------ ------ ------
Embaixada do Reino dos ------ ----------- 18.998,00 ------ ------
Países Baixos
Embrapa (Dengrogene) 11.910,00 47.274,05 3.533,00 ------ ------
Fundação AVINA ------ 155.227,99 233.692,00 231.425,00 114.529,00
Fundação Ford 522.462,85 383.306,78 185.707,00 176.000,00 ------
Fundação Hewllet 287.280,36 768.381,71 ------ ------ ------
123
Fundação Moore ------ 2.222.663,00 1.698.987,00 1.623.128,00 ------
124
Fundação Packard ------ ------ 635.933,00 613.056,00 ------
Governo do Acre 23.245,00 60.710,00 ------ ------ ------
Governo do Pará ------ ------ 22.658,00 ------ ------
GTZ 211.595,00 80.332,07 6.614,00 ------ ------
IEB ------ 8.154,00 ----------- 896.970,00 549.900,00
Imaflora ------ 6.297,78 ------ ------ ------
ITTO ------ ------ 44.704,00 164.746,00 173.880,00
LBA-NASA 17.605,61 14.887,27 ------ ------ ------
PFCA 6.400,00 ------ ------ ------ ------
PNUD ------ ------ 32.750,00 ------ ------
Promanejo-Ibama 65.213,62 ------ ------ ------ ------
TNC ------ ------ 12.408,00 ------ ------
125
União Européia ------ ------ 1.052.334,10 652.429,00 810.000,00
126
USAID 261.650,40 1.197.378,10 1.375.582,00 ------ ------
WRI 95.623,54 ------ ------ ------ ------
WWF 541.621,46 251.014,23 73.252,00 ------ ------
Outros 55.573,58 2.514,54 ------ ------ ------
Total 2.365.781,40 5.325.194,19 5.798.367,10 4.733.683,00 1.994.145,00
Fonte: elaboração própria a partir dos dados dos relatórios de Atividades do IMAZON

123
Contrato de preservação e conservação das Florestas Nacionais utilizando sistema de mapeamento e
identificação de áreas de conservação.
124
Conservação da biodiversidade e função ecológica da Floresta Amazônica e de seu ecossistema,
melhorando a qualidade de vida da população.
125
Recurso destinada a reduzir o desmatamento ilegal no Estado do Mato Grosso com programas de
monitoramento.
126
O objetivo deste acordo é a implantação de um programa para conservação do meio ambiente nas
regiões da Amazônia e Mata Atlântica brasileiras.

142
A lista de doadores e o alto valor dos recursos recebidos pelo IMAZON mostra
que os interesses envolvidos nas atividades desta ONG vão muito além da simples
preocupação com a preservação do meio-ambiente. Vemos que organizações poderosas
e representantes dos interesses de grandes corporações, como ONGs e outros, são seus
principais financiadores. Em 2008 o IMAZON é citado na lista de ONGs investigadas
pela Agência Brasileira de Informação (ABIN). Ao citar esse aspecto e toda a análise
que efetuamos das ONGs, marcamos nossa diferença de análise teórica e política com
127
os autores do livro “Máfia Verde” , (EIR, 2001), ao fazerem uma abordagem
nacionalista de direita do papel das ONGs.

IPAM
Fundado em 1995 por dois pesquisadores que saíram do IMAZON. Localizado
em Belém realiza pesquisas no Acre, Macapá, Pará entre outros estados. Também ficou
inicialmente localizado no campus da UFPA, ocupava um espaço no departamento de
psicologia. Originou-se do trabalho realizado pelo pesquisador norte-americano Daniel
Nepstad que coordenava no Pará um convênio da EMBRAPA com o Woods Hole
Research Center (WHRC), que era financiado pela USAID e pela Fundação Nacional de
Ciência dos Estados Unidos (LEITE, 2005). Em 2004 seu orçamento anual foi de US$ 3
milhões, e deste valor consegue transferir US$ 1,677 milhões para instituições que
trabalham em conjunto como a EMBRAPA, UFPA, INPE, UFMG e outras (LEITE,
op.cit, p. 23). Tem também realizado trabalhos com a UFAC (Universidade Federal do
Acre) através do pesquisador do WHRC, professor Foster Brown, que vem
desenvolvendo pesquisas no Acre desde os anos de 1990. Os resultados das pesquisas
do IPAM têm sido publicadas em revistas científicas internacionais como a Nature.
Segundo a publicação em comemoração aos dez anos do IPAM, esta ONG tem
como missão:
(...) manter a Amazônia habitável, preservando para isso as funções do ecossistema e a
biodiversidade; chegar a uma distribuição de renda mais positiva para a população
local, (...); conservar a maior área possível de floresta em pé e de recursos hídricos
saudáveis, buscando, para isso, reconhecimento e remuneração econômica pelos
serviços ambientais prestados pela floresta (LEITE, 2005, p.7)

127
A Executive Intelligence Review (EIR) é uma revista criada pelo direitista norte-americano Lyndon
La Rouche.

143
O IPAM, desde sua fundação, desenvolve programas e ações de pesquisas nas
seguintes áreas: Ecologia Florestal, Manejo de Várzea, Floresta e Comunidades,
Políticas Públicas que a partir de 2003 se transformaram no projeto Cenários. Buclet
(2002) sintetiza estes programas:

- Economia Florestal: programa realizado em parceria com o WHRC, UFPA, UFAC,


Fundação Floresta Tropical (ONG ambiental filiada à ONG estadunidense Tropical
Forest Foundation) e IMAZON, reagrupa as atividades científicas que visam
compreender a floresta e as conseqüências sobre ela das atividades humanas (estudo dos
incêndios acidentais, recuperação dos solos, raízes e biodiversidade). Todo ano
universitários são recebidos, formados pelos pesquisadores e têm a possibilidade de
realizar seus trabalhos acadêmicos (memórias, teses) dentro do IPAM.

- Floresta e Comunidade: os estudos reunidos neste setor visam desenvolver e


implantar, em colaboração com os produtores rurais, técnicas de utilização dos recursos
naturais que sejam viáveis a médio ou longo prazo. Todo esforço de pesquisa se
concretiza nas formações ofertadas aos agricultores locais.

- Várzea: o projeto baseado em Santarém está dividido em quatro setores de trabalho:


educação ambiental, utilização das zonas inundadas, organização da pesca e pesca
comercial. O objetivo geral é a promoção de uma utilização durável dos recursos
naturais disponíveis na várzea (pesca, agricultura, criação de animais), baseando-se em
uma complementaridade dos saberes locais e científicos.

- Políticas ambientais: o objetivo é a definição de proposições resultantes dos diferentes


programas de apoio aos movimentos sociais para formular alternativas que possam
influenciar as políticas públicas (BUCLET, 2002, p.271).

Os principais financiadores do IPAM são: USAID (via WHRC), WWF,


Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Governo do Reino Unido -
DFID, o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7), a Fundação
Ford, o projeto de Experimentação de Grande Escala sobre a Biosfera – Atmosfera da
Amazônia - LBA, a Conservação Internacional - CI, a Fundação AVINA e The Nature
Conservance - TNC. Acrescenta-se a estes os financiamentos locais (BUCLET, 2002,
p.271).
Desde 1992 o IPAM realizou pesquisas sobre o fogo na Amazônia, produziu o
Mapa de Risco do Fogo. Este trabalho foi desenvolvido com o WHRC, IMAZON,
National Aeronautic Space Administration (NASA), Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE) e World Meteorological Organization (WMO) (LEITE, 2005, p.14). A
fase inicial do Programa Manejo de Várzea, em 1990, foi financiada pelo Departamento
para o Desenvolvimento Internacional do Governo do Reino Unido – DFID. Em 1994
consegue um financiamento de US$ 1,5 milhão com recursos do WWF, do Reino Unido

144
e do banco HSBC (LEITE, op. cit., p.26).
O IPAM juntamente com outras organizações propôs e foi aceito como
programa de financiamento pelo governo federal, o Proambiente, que passou a ser
incluído no programa da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do
Meio-Ambiente (MMA). Este projeto tem como diferencial o Programa de Serviços
Ambientais: o produtor que aderir ao Proambiente terá apoio para o estabelecimento de
sistema de produção rural sob a condição de que seu projeto possua viabilidade
econômica, processos participativos de planejamento e tomadas de decisão,
fortalecimento da organização social, assessoria técnica e extensão rural, manejo
integrado dos recursos naturais e mecanismos de verificação de serviços ambientais,
mediante certificação participativa e monitoramento ambiental. Se dentro destas
condições for comprovada a prestação de serviços ambientais “o produtor familiar terá
direito a receber uma parcela mensal de um terço do salário mínimo, como remuneração
desses serviços ambientais prestados à sociedade nacional e internacional” (LEITE,
2005, p. 14). Enquanto estes camponeses brasileiros recebem uma ínfima quantia por
prestarem serviços, que no discurso da sustentabilidade poderiam salvar o planeta,
grandes ONGs ambientalistas como a TNC acumulam riqueza e seu presidente pode
morar em mansão de mais de um milhão de dólares, conforme matéria publicada no
Washington Post (04/05/2003, p. AO 1).
As ONGs ambientalistas pesquisadas denominam de parceiras as organizações
que, do ponto de vista de uma sociedade de classes, têm interesses diversos e até
antagônicos dos camponeses, pequenos agricultores, ribeirinhos, indígenas e demais
populações alvo dos projetos ambientalistas. Podemos verificar no quadro 04 abaixo as
organizações que desenvolvem projetos com o IPAM:

145
Quadro 04: Organizações parceiras do IPAM

APBA Associação dos Pesquisadores do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera


Amazônia
ASMIPRUT Associação de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do Rio Tapajós
AITA Associação Intercomunitária do Tapajós de Itapuama e Marituba
CIKEL Precious Woods Belém
CEFT-BAM Centro de Estudos, Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAOR Fórum da Amazônia Oriental
FBPN Fundação Boticário
FETAGRI (de Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Pará, Acre, Amapá,
vários estados) Rondônia
FCTFNT Federação das Comunidades Tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós
FVPP Fundação Viver Produzir e Preservar
GTA Grupo de Trabalho Amazônico
GTZ Cooperação Técnica Alemã
MAGGI Grupo A. Maggi
IBENS Instituto Brasileiro de Negócios Sustentáveis
MPEG Museu Paraense Emílio Goeldi
STRs Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paragominas, Itaituba, Trairão, Belterra e Lucas
do Rio Verde
WHRC The Woods Hole Research Center
TNC The Nature Conservancy
UF Universidade da Flórida
Universidades Universidades Federais do Amazonas, Pará, Minas Gerais e de Brasília
Federais
USAID US Agency for International Development
YU Yale University
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPAM

No tabela das organizações listadas acima128, que o IPAM denomina de


“parceiras”, podemos verificar que esta lista se compõe da poderosa agência
imperialista estadunidense (USAID), de ONGs internacionais, do grupo Maggi, maior
produtor individual de soja do mundo e inimigo número um dos ambientalistas e dos
movimentos sociais, e até de organizações representantes de trabalhadores rurais como
os Sindicatos e Federações. Para as ONGs não importa a vinculação de classe de
organizações a elas associadas e sim a vinculação com seus financiadores. No contexto
do onguismo o ecletismo dessas parcerias e o envolvimento de organizações
representantes de categorias dos trabalhadores, é reflexo da proclamação dos conselhos
de representação da sociedade civil, onde pouco importa os interesses antagônicos das
organizações envolvidas, já que, em última instância, no consenso, as organizações
“parceiras” possuem os mesmos interesses.

128
Fonte:
http://www.ipam.org.br/web/sobre/nossos_parceiros.php?PHPSESSID=39b96c5dc109c0fa4d96cb3a59fa
399d , acesso em 23/10/2008.

146
POEMA
O Centro de Ação para o Desenvolvimento Sustentável (POEMA) foi criado em
1992 vinculado ao Núcleo de Meio-Ambiente (NUMA) da Universidade Federal do
Pará (UFPA). A si atribui a proposta de experimentar, sistematicamente, formas
inovadoras de cooperação entre a Universidade, o poder municipal e as “populações
vulneráveis da Amazônia e declara que seu objetivo é o de contribuir para a geração e a
implementação de vias de desenvolvimento sustentável para a Região Amazônica”129.
Sua sede é uma casa no campus da UFPA. Segundo Buclet (2002) o grupo POEMA se
define como uma engenharia institucional por ter além do projeto da UFPA, a ONG
POEMAR, a empresa POEMATEC e o programa Bolsa Amazônia (BUCLET, op.cit.,
p.272). POEMAR foi criado em 1996 para financiar as pesquisas do grupo de
pesquisadores do POEMA. POEMATEC foi fundado como empresa industrial com o
objetivo de fabricar os produtos de fibra natural, principalmente de coco. Também
existe a proposta de ser criado o POEMAInvest como instituição de micro crédito. Para
captar recursos e divulgar as informações produzidas pelo POEMA foi criado a
POEMA-Stuttgart130 (idem, p.272).

Segundo informações da página do POEMA na Internet131 seus objetivos são os


seguintes:

a) Incentivar a mobilização e auto-organização das comunidades pobres do interior


amazônico, através de estratégias inovadoras de atendimento às suas necessidades
básicas.
b) Contribuir para identificação e valorização das vocações produtivas, econômicas,
ecológicas e culturais, gerando e transferindo às comunidades tecnologias e
metodologias que respondam às suas próprias demandas.
c) Fornecer subsídios básicos para definição de prioridades de Planos, Programas ou
Projetos municipais e estaduais contribuindo para otimizar a integração das instâncias
administrativas estaduais e municipais.

d) Incentivar e desenvolver a cooperação e intercâmbio entre programas que tenham


como principal objetivo a superação da pobreza e a proteção do meio-ambiente na
Amazônia.

e) Elaborar e implementar estratégias que partam das especificidades do meio natural e


sócio-cultural na definição das modalidades de integração da Amazônia no contexto
global, incentivando a descentralização do planejamento.

f) Criar vínculos entre a produção e o beneficiamento de produtos naturais para


viabilizar a conquista de novos mercados.

129
http://www.ufpa.br/poema/cooperacao_g.htm, acesso em 22/10/2008
130
http://www.poema-deutschland.de/, acesso em 24/10/2008
131
http://www.ufpa.br/poema/cooperacao_g.htm, acesso em 25/10/2088.

147
Os principais financiadores do POEMA são as empresas Daimler Chysler,
Mercedes Benz e Body Shop (empresa de cosmética Suíça) e de organizações
internacionais como a UNICEF, Banco Mundial, UNESCO, Foundation Tierra,
Foundation Henrich Boll e outras instituições do Brasil. O orçamento anual da
POEMAR alcançou o valor de US$ 900 mil no ano de 2000 (BUCLET, 2002, p.273).
Em 1998, a POEMAR, em parceria com a Iniciativa de Biocomércio da
UNCTAD e um consórcio de atores privados, estabeleceu o Programa Bolsa Amazônia.
Segundo a assessoria da Fundação Interamaericana (IAF)132 no Brasil, um dos
financiadores da Bolsa Amazônia, este programa apóia agroindústrias sustentáveis de
comunidades na Amazônia. Para isto todos os membros da Bolsa Amazônia
comprometem-se com a responsabilidade ambiental e social quanto ao uso sustentável
do meio ambiente133. O primeiro programa foi financiado pela empresa Daimler-
Chrysler e a Mercedes-Benz do Brasil que financiaram o grupo POEMA para a pesquisa
inicial com fibra de coco, a fim de substituir materiais sintéticos usados nos assentos de
caminhões. O valor inicial da pesquisa foi de US$ 1,4 milhão. Depois da pesquisa e com
a produção de peças para o interior dos automóveis feitos com fibra de coco já em
funcionamento, a Daimler-Chrysler financiou US$ 4 milhões de maquinaria importada e
proporcionou o treinamento para o uso destes equipamentos134. Segundo o mesmo
documento da assessoria da IAF a produção de fibras de coco é de 80.000 toneladas,
atendendo à demanda da Daimler-Chrysler e expandindo para atender também a GM e a
Honda. Para esta produção oito distritos do Pará fornecem a fibra de coco à
POEMATEC. Incluindo os trabalhadores que produzem a fibra de coco e aqueles da
produção, os empregos gerados nesta atividade chegam a 4.000135. Com este projeto a
Daimler-Chrysler pôde assegurar que a produção de seus veículos atendessem aos
padrões de reciclagem e exigências ambientais na Alemanha. Não podemos avaliar sob

132
Segundo sua página na Internet: “A Fundação Interamericana é um órgão independente do governo
dos Estados Unidos que oferece doações a organizações não-governamentais e de base comunitária da
América Latina e do Caribe, a programas de auto-ajuda inovadores, sustentáveis e participativos. A
Fundação financia primordialmente parcerias entre organizações de base e sem fins lucrativos, empresas
e governos locais, destinadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas de baixa renda e a fortalecer a
participação, responsabilidade e práticas democráticas. No intuito de contribuir para um melhor
entendimento do processo de desenvolvimento, a Fundação Interamericana também compartilha a sua
experiência e as lições aprendidas”. Fonte: http://www.iaf.gov/index/index_po.asp, acesso em
25/10/2008.
133
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf,acesso em 25/10/2008.
134
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf,acesso em 25/10/2008.
135
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf, acesso em 25/10/2008.

148
que condições de produção e de trabalho os trabalhadores das comunidades do Pará, que
foram envolvidas neste programa, estavam submetidos.
A IAF, interessada nos resultados ambientais destes projetos, financiou o
POEMAR nas seguintes atividades: 1) fez uma doação, de valor não especificado, à
POEMAR para esta consolidar em três comunidades paraenses a produção de peixe,
frutas secas e processamento de bananas. 2) A IAF financiou para a Associação de
Pescadores Artesanais (ASPAR) de Porto de Moz a instalação de uma fábrica de gelo
para diminuir a perda do pescado, além da construção de sete barcos de pesca. 3) No
projeto do POEMAR com a Sociedade Agroindustrial de Camarituba-Beira
(SOAGRO), o IAF disponibilizou recursos para aquisição de novos equipamentos na
fábrica de secagem de frutas. No mesmo ramo de atividade a doação da IAF para
POEMAR serviu para consolidar as atividades da planta de processamento de polpa,
com a assistência prestada à Associação de Moradores e Pequenos Proprietários de
136
Grotão dos Caboclos de Novo Paraíso . A conclusão da consultora de programas do
IAF, Juliana Menucci, é que “as relações comerciais inovadoras podem ser mutuamente
benéficas tanto para uma empresa como para as comunidades locais, aderindo ao
mesmo tempo a princípios ambientalmente sólidos de desenvolvimento sustentável”137.
Os adeptos da sustentabilidade capitalista negam de todas as maneiras as contradições
que existem nas relações mercantis, porque para estes o mundo do desenvolvimento
sustentável, que de fato até agora só existe no discurso, é o paraíso verde dos
ambientalistas, porém não é a solução das graves contradições a que estão submetidos
os camponeses da Amazônia.
Neste capítulo colocamos sobre as origens do ambientalismo ongueiro na
Amazônia a partir do histórico do surgimento das organizações ligadas a temática
ambiental e o papel desempenhado pelas ONGs. Nosso objetivo foi procurar demonstrar
as relações das grandes ONGs ambientalistas que atuam na Amazônia e suas relações
com seus parceiros e financiadores. Os primeiros apresentam uma miscelânea de
organizações que envolvem desde organizações dos trabalhadores, ONGs, organismos
do governo, empresas e organizações internacionais diversas; enquanto que os
principais financiadores, ONGs e Fundações estrangeiras, são organizações que
representam interesses de grandes corporações, conforme demonstramos no capítulo III
sobre as vinculações das grandes ONGs ambientalistas. No próximo capítulo tratamos

136
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf, acesso em 25/10/2008.
137
http://www.iaf.gov/grants/downloads/poemar_port.pdf.pdf, acesso em 25/10/2008.

149
da atuação das ONGs no estado do Acre a partir da exposição dos projetos de três
importantes ONGs locais, PESACRE, CTA e SOS Amazônia, e suas vinculações com
as organizações do imperialismo.

150
Capítulo 5 - As ações do ambientalismo ongueiro no Acre

5.1 – As ONGs do estado e o estado das ONGs

A história do aparecimento das ONGs no estado do Acre está estreitamente


vinculada ao processo das vigorosas lutas por terra do movimento dos seringueiros e
trabalhadores rurais, de meados dos anos de 1970 até o final dos anos de 1980. Este
movimento ocorreu com mais vigor nos municípios de Xapuri e Brasiléia e teve mais de
170 trabalhadores assassinados138. Duas de suas mais importantes lideranças foram
assassinadas: Wilson Pinheiro, assassinado em 21/07/1980, na sede do Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Brasiléia, e Chico Mendes, assassinado em sua casa em
Xapuri, em 22 de dezembro 1988139.
A luta dos seringueiros era pela propriedade da terra; eram posseiros e estavam
atados aos donos dos seringais pelo pagamento de renda da terra. A principal luta estava
no não pagamento da renda que consistia em uma determinada quantidade de borracha.
A sua bandeira de luta foi sendo alterada a partir do momento em que lideranças do
movimento fizeram uma aliança com as grandes ONGs e organizações ambientalistas
do imperialismo, que trataremos no capítulo 6, que, a nosso ver, tinha dois propósitos
principais: 1) estratégia de garantir recursos naturais para a indústria da biotecnologia
encoberta pelo véu do ambientalismo ongueiro; 2) formas de cooptação e de dar fim ao
movimento de luta pela terra no Acre, pelo perigo que representava ao imperialismo
uma luta combativa nesta região140.
A projeção do líder seringueiro Chico Mendes contou com a colaboração
decisiva de grandes ONGS norte-americanas como a Environment Defense Fund-EDF
que ao final dos anos de 1980 tinha 500.000 associados preocupados com a preservação
das florestas tropicais. Fundada em 1967, a EDF possui o caráter apelativo das ONGs,
organizando campanhas, desde temas da contaminação do leite até mudança climática,
para arrecadação de fundos141. Opera em projetos com diversas empresas, entre estas a
Wal Mart denunciada mundialmente pela prática de medidas de precarização e formas
ilegais no uso da força de trabalho.

138
Segundo Osmarino Amâncio em entrevista realizada por nós em Brasiléia, em 02/01/2009.
139
Sobre a história do movimento dos seringueiros ver os trabalhos de Paula (1991, 2005), Esteves (1999)
e Porto-Gonçalves (2003).
140
A região de fronteira do Acre com o Peru e a Bolívia é local de intensos movimentos populares e
revolucionários, como o processo da Guerra Popular dirigido pelo Partido Comunista do Peru (PCP) e
iniciado no Peru em 1980.
141
Fonte: www.edf.org

151
Em meados dos anos de 1980, com apoio de várias ONGs norte-americanas e
inglesas, um grupo de intelectuais organiza um projeto no Acre que buscava atuar nas
áreas de cooperativismo, saúde e educação com seringueiros, o Projeto Seringueiro. As
cooperativas visavam enfrentar os atravessadores (marreteiros) que atuavam na
comercialização da borracha, em um momento em que a maioria dos seringalistas
estavam falidos e já tinham transferido suas propriedades para fazendeiros pecuaristas
142
. Neste contexto é importante compreendermos quem eram os seringueiros e a visão
da cultura dominante sobre eles.
Ao final dos anos setenta do século XX na Amazônia os seringueiros são
considerados, dentre aqueles que vivem no campo, os mais miseráveis, e símbolos da
decadência do período do extrativismo do látex. Toda a riqueza produzida pelos
seringueiros era realizada e apresentada como tal, distante dos seus centros de produção,
os seringais, Manaus e Belém eram a expressão mais concentrada de parte do esforço
brutal dos seringueiros; a cadeia de aviamento e as dívidas contraídas pelos seringueiros
eram o outro polo.
O extenuante esforço esgotava sua capacidade de trabalho antes dos trinta anos,
como relatam muitos seringueiros que começavam sua vida quando crianças
acompanhando seus pais na extração da seringa. As duras condições de vida na floresta
tropical, uma alimentação precária, a inexistência de serviços de saúde e educação
deixavam poucas esperanças para o seringueiro e sua família. Entre as possibilidades de
melhoria estava a migração, marca profunda contada por seus ancestrais que vieram do
nordeste do Brasil.
No período de decadência e abandono nos seringais, a agricultura praticada
sempre foi marcada pelo caráter rudimentar de sua técnica, pela inexistência de
instrumentos de trabalho que aumentassem a produtividade de seu trabalho e criassem
condição para ampliar sua produção e excedente. As cadeias do aviamento, no período
da decadência, foram substituídas pelo papel do marreteiro, que seguiu a política de
extração e exploração do seu trabalho, comprando barato e vendendo caro.
As condições de isolamento, distância de outros trabalhadores, de organizações
que fortalecessem seus vínculos na luta contra a exploração levaram esses seringueiros a

142
Os seringueiros, em sua maioria nordestinos, que vieram para a Amazônia a partir de 1870, ficaram
abandonados à própria sorte após os períodos de auge da borracha (após a década de 1910 e após o fim
dos Acordos de Washington). A caça, o uso de plantas e de madeira, etc., resultou em um conhecimento
sobre a Floresta Amazônica que permitiu, a partir dos anos de 1980, alardear uma harmonia homem-
natureza que é sintetizada no termo “povos da floresta”.

152
fazer manifestações contra as odiosas condições apenas como levantes que sempre
foram sufocadas com promessas e cooptações. As formas organizativas estiveram quase
sempre vinculadas à manutenção de uma cultura de dominação, de postergação, de
esperanças que não se realizavam. A decadência da produção material que mina as
esperanças de melhores dias leva ao alcoolismo e às soluções trágicas que decorrem do
desespero.
O campo identificado como o polo de menor dinamismo econômico e, dentro
dele, as atividades extrativas como as mais atrasadas, contrapõe-se às cidades, expressão
do federalismo, dos serviços e da presença ostensiva da autoridade governamental. As
atividades dinâmicas do campo, tidas como modernas, são aquelas que excluem de
forma clara a presença de grandes contingentes de trabalhadores, a pecuária extensiva
um exemplo claro. Fadados a serem eliminados enquanto tal, os seringueiros, com a
esperança no passado e não no futuro, eram socialmente considerados como sujos,
bêbados, com todos os tipos de taras, sem expressão na sociedade local.
O Projeto Seringueiro, além dos materiais didáticos, preparava os professores, os
seringueiros, que, num primeiro momento, recebiam algum recurso financeiro (do
próprio projeto) e a partir daí passavam a reivindicar a contratação pelo Estado. As
escolas eram construídas pelos próprios seringueiros com materiais da região, madeira e
palha. Os postos de saúde passavam pelo mesmo processo. Na perspectiva de um
atendimento mínimo aos graves problemas de saúde, o projeto passou a oferecer cursos
de capacitação para agentes de saúde e a construção de postos de atendimento em
algumas localidades.
O Projeto Seringueiro passa a ser, em 1983, o Centro de Trabalhadores da
Amazônia – CTA. O CTA vai assumindo, especialmente a partir do primeiro governo
do engenheiro florestal Jorge Viana, em 1999, a responsabilidade de introduzir o
manejo de madeira143 nas áreas de reservas extrativistas144. Neste processo o CTA
constituiu-se em uma máquina poderosa de captação de recursos.
O CTA atua desde o ano de 2000 no Projeto de Assentamento Extrativista Porto
Dias, no município de Acrelândia (na região do Vale do Acre), desenvolvendo projetos
na área de manejo madeireiro. O governo estadual tem atuado em formulações de

143
O manejo madeireiro no Acre está estreitamente vinculado à criação da FUNTAC (Fundação de
Tecnologia do Acre) fundada durante o governo de Flaviano Melo (1986-1990) com recursos do ITTO
(The International Tropical Timber Organisation). Este governo iniciou medidas de políticas ambientais,
conforme estudo realizado por Silva (1998).
144
Para uma discussão mais aprofundada sobre manejo madeireiro na área de Porto Dias ver Balzon
(2005).

153
políticas públicas e estratégias de manejo madeireiro, atuando com técnicas que ainda
não foram comprovadas como sendo de baixo impacto ambiental.
Desde 1987, um consórcio dirigido por uma organização de compradores de
madeira, sediado no Japão – ITTO (The International Tropical Timber Organisation) –
desenvolve experimentos de manejo florestal no Acre. Este organismo foi criado em
meados dos anos de 1980 com o objetivo de administrar a organização ITTA
(International Tropical Timber Agreement), criada em 1983. Vale dizer que o Japão é o
maior importador mundial de madeiras e possui o maior número de votos no ITTA.
Todo este processo foi desencadeado pelas discussões de organizações que tinham na
sua pauta a preocupação com a preservação das florestais tropicais.
A partir da repercussão internacional do assassinato de Chico Mendes e do eco
que teve o movimento dos trabalhadores acreanos no movimento ambientalista
internacional, são criadas várias ONGs no Acre, atuando principalmente na área de
preservação ambiental, com estreitos vínculos com países imperialistas, principalmente
o EUA. Dentre estas ONGs tem destaque o Centro de Trabalhadores da Amazônia -
CTA, o PESACRE e a SOS Amazônia que se tem revelado, desde 1999, uma parte
importante na elaboração de políticas e execução destas com o governo estadual145.
Lima (2005), em pesquisa realizada sobre o impacto sócio-econômico de ONGs
na cidade de Rio Branco, classifica-as pelo seu âmbito de atuação nas áreas de meio-
ambiente, direitos humanos e pesquisa. Apresentamos abaixo o levantamento efetuado
por Lima (op.cit):
a) Meio Ambiente (onde se concentra a atuação das mais importantes ONGs do
Estado):
- Objetivos gerais: conscientização ambiental; elevação do nível de qualidade de vida e
redução da pressão sobre a floresta; consolidação das Reservas Extrativistas
promovendo saúde, educação e desenvolvimento econômico dos recursos naturais;
proteção da floresta e defesa dos povos indígenas.

- Objetivos específicos: atuação nas áreas protegidas da Amazônia; fortalecimento da


auto-gestão das comunidades; geração e implementação de políticas de conservação e
desenvolvimento regional; geração e utilização de metodologias e tecnologias
apropriadas; qualificação, considerando a capacidade técnica local no manejo e uso

145
O PT ganha às eleições ao governo do Acre em 1999, em aliança com outros partidos, sendo eleito o
engenheiro florestal Jorge Viana, que foi reeleito em 2002. Em 2007 foi eleito Arnóbio Marques (PT)
cujo vice, César Messias (PP), é ligado ao latifúndio da região do Vale do Juruá.

154
dos recursos naturais; formação de agentes florestais de uso múltiplo em comunidades
extrativistas; representação da população indígena junto aos governos.

b) Direitos Humanos

- Objetivos Gerais: defesa dos direitos humanos, individuais, sociais, culturais e


políticos.

-Objetivos específicos: promoção e difusão dos direitos humanos, promoção e garantia


através de processos educativos, da inclusão da população em situação de
vulnerabilidade e risco.

c) Pesquisa

- Objetivos Gerais: apoio ao ensino, pesquisa e extensão universitária no Acre.


- Objetivos específicos: auxílio à universidade nas áreas de pesquisa e extensão.

Esses objetivos estão vinculados às ações dessas organizações que demonstram


o caráter de corporativização das ONGs, que vão assumindo cada vez mais funções e
responsabilidades do Estado, como claramente especificado em seus objetivos. O
Estado como um sistema de organizações formalmente independentes, organizações que
representam interesses os mais diversos, porém cumprindo em última instância os
objetivos estratégicos do Estado. Em um país dominado pelo imperialismo, a
dominação imperialista dá-se indiretamente; essa característica está presente no
capitalismo engendrado pelo imperialismo e no papel que cumprem as diversas
organizações já citadas. A declaração do caráter democrático das ONGs, autônomo e
independente, é negado pelo papel que cumpre efetivamente, em última instância.
Um exemplo da atuação das ONGs no Acre foi o Projeto Aquiri, em 1994, que
era uma articulação de nove ONGs, um sindicato e uma cooperativa, com o apoio do
UNICEF. Esta rede compreendia as seguintes ONGs: PESACRE, Comissão Pró-Índio
(CPI-AC), Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), Centro de Direitos Humanos
e Educação Popular do Acre (CDHEP), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Rede
Acreana de Mulheres e Homens, SOS Amazônia, Grupo de Teatro “De Olho na Coisa”,
Projeto RECA146, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri e a CAEX

146
O Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Projeto RECA) foi formado por
um grupo de agricultores em 1989 que contaram, para sua fundação, com o apoio da CEBEMO, uma
agência de financiamento holandesa ligada à Igreja Católica. Situava-se inicialmente numa área do Estado
do Acre, na localidade Nova Califórnia, que hoje pertence ao Estado de Rondônia.

155
(Cooperativa Agroextrativista de Xapuri). Esse projeto possuía como principal objetivo
a articulação dos trabalhos das ONGs no estado do Acre, em especial:

(...) ações que gerem experiências piloto eficientes no trato das problemáticas sociais e
que possam subsidiar políticas públicas comprometidas com o desenvolvimento
humano e ambientalmente sustentável da Amazônia (AQUIRI, 1997, p.4).

Os projetos desenvolvidos englobavam ações nas áreas de geração de renda,


educação dos povos da floresta, saúde comunitária, arte-educação com crianças e
adolescentes e “empoderamento” de mulheres (AQUIRI, op.cit., p.4). O grau de atuação
destas organizações e o elenco de ações executadas assim como um balanço que as
ONGs fazem de sua atuação neste projeto podemos averiguar na citação a seguir:

(...) com as conquistas acumuladas nos vinte anos de apoio ao movimento social do
Estado, as ONGs do Acre têm muito que contar. Das reservas indígenas e extrativistas
que mudaram o perfil de distribuição de terras no Acre à influência em políticas
públicas e projetos de desenvolvimento; da luta contra a violência e impunidade ao
desenvolvimento de experiências inovadoras nas áreas de saúde, educação, geração de
renda, entre outras tantas. Mas há muito chão pela frente para se chegar perto do sonho
de uma sociedade mais justa. E o Aquiri representa um passo a mais nessa busca ao
articular as ONGs do Estado em torno de um Projeto que objetiva fortalecer a
capacidade político e técnico das entidades, integrar ações e ampliar o impacto dos
trabalhos junto às populações beneficiadas. Com recursos extremamente limitados, estas
experiências só podem ganhar maior amplitude se assumidas como políticas públicas
municipais, estaduais e federais. Essa é a grande meta. E isso depende do arco de
alianças que, independente de origens partidárias-ideológicas, acredite no poder da
sociedade civil em gerar alternativas positivas para os problemas sócio-ambientais do
estado. As ONGs e sua história fazem parte do patrimônio de luta do Acre, simbolizam
a esperança e a criatividade de um povo que sabe buscar novos varadouros e que ainda
vai quebrar o encanto da cobra grande (AQUIRI, 1997, p.3).

As ONGs no Acre não chegavam a ter interferência decisiva na formulação das


políticas dos governos locais até a chegada da coalizão de partidos liderados pelo PT ao
governo do Acre, em 1999, onde parte expressiva do staff do governo vinha
especialmente das ONGs. Na formulação das políticas públicas locais, as ONGs e seus
financiadores têm tido um papel ativo na formulação de políticas, agindo com status de
Estado.
Dentro do quadro acima exposto apresentamos abaixo algumas instituições,
organizações não-governamentais e projetos financiados por organizações que, no nosso
entendimento, desenvolvem atividades estreitamente vinculadas aos interesses
imperialistas na região amazônica, e no Acre em particular, conforme artigo publicado
por Camely (2003):

156
1) WHRC- Woods Hole Research Center: ONG norte-americana que tem presença na
região amazônica através de pesquisadores em várias áreas; parte de sua atuação dá-se
através de universidades e de outras ONGs, algumas das quais essa mesma entidade é
fundadora ou participante. Seus pesquisadores (tanto brasileiros quanto estrangeiros)
têm papel importante no projeto LBA - Large Scale Biosphere-Atmosphere Experiment
in Amazonia .

2) LBA - Large Scale Biosphere-Atmosphere Experiment in Amazonia: o mais


importante e ousado projeto dos EUA na Amazônia. Iniciado nos anos de 1990, ele
reúne experiências de várias áreas do conhecimento aparentemente dispersas,
principalmente clima, hidrologia e geologia. As informações são coletadas em várias
escalas e por diversos meios (imagens de satélite, aviões, torres que coletam
informações sobre ventos, clima, umidade, gases etc.).

3) WWF – World Wildlife: Fundo Mundial da Vida Silvestre: Trata-se de uma das
maiores ONGs atuando na região e tem presença em quase todos os Estados amazônicos
financiando projetos na área ambiental.

4) Fundação Ford - FF: Vem atuando há bastante tempo na Amazônia, financiando


universidades, ONGs e pessoas. Ela tem cumprido um importante papel na formação de
recursos humanos que atuam na região ou fora dela. Muitos de seus quadros fizeram ou
fazem parte de universidade e institutos de pesquisa na Amazônia, além de trabalharem
também no Banco Mundial e em outras organizações semelhantes.

5) Novib: Fundada na Holanda, em 1956, atua financiando centros de defesa dos


direitos humanos, ONGs ambientais e outras. No Acre financiou projetos de
cooperativas e de outras organizações. Em 2006 passou a denominar-se Oxfam-Novib
quando foi lançada a campanha “Oxfam Novib. Just world. Whithout poverty” (Oxfam
Novib. Um só mundo. Sem pobreza)147.

6) Oxfam: ONG inglesa que agrega uma confederação de treze organizações que
trabalham em conjunto com 3000 organizações locais em mais de 100 países. Atribui a
si o objetivo de “encontrar soluções definitivas para a pobreza, o sofrimento e a

147
www.oxfam.org, acesso em 18/07/2009.

157
injustiça”. Tem atuado no Acre financiando entidades de direitos humanos, cooperativas
e outros.

7) The Nature Conservancy – TNC: Entidade envolvida na compra de terras na


Amazônia e tentativa de comprar terras do Pantanal no Brasil e na Bolívia. Vem
atuando no Acre através da SOS Amazônia e financiou o Plano de Manejo do Parque
Nacional da Serra do Divisor, com 843.000 hectares, na fronteira do Acre com o Peru,
onde foram realizados vários estudos de fauna e flora e de onde se pretende retirar a
população de 722 famílias do Parque.

8) Conservation International – CI: é, juntamente com a WWF e TNC, uma das três big
ONGs da conservação. Atua em todos os continentes onde tem floresta tropical. Tem
atuação destacada na fronteira trinacional do Acre com o Peru e a Bolívia, no Projeto
MAP (Madre de Díos- Peru, Acre-Brasil, Pando - Bolívia).

9) IFPRI – International Food Policy Research Institute: Propõe soluções sustentáveis


para o fim da fome e da pobreza. O IFPRI faz parte de um dos 15 centros de apoio ao
Consultative Group on International Agricultural Research (CGIAR), uma aliança de 64
governos, fundações privadas e organizações internacionais e regionais148. Os projetos
desta organização fazem parte de uma estratégia maior de estudo sobre uso da terra em
toda a faixa tropical, e eles têm vários estudos sobre países da Ásia. Atuaram na
Amazônia a partir de uma cooperação com a Embrapa, universidades e outras
organizações.

10) SIL- Instituto Lingüístico de Verão: As missões religiosas protestantes tiveram uma
atuação mais presente com as populações indígenas. O caso mais conhecido é do
Instituto Lingüístico de Verão (SIL – Summer Institut Linguistic), atualmente
denominado International Partners in Language Development149, atua em vários países
da América Latina, evangelizando populações nativas. Um dos instrumentos principais
do SIL é o uso da “ciência” apropriando-se da língua dos povos nativos para publicar a
Bíblia.

11) NYBG – New York Botanic Garden – Jardim Botânico de Nova Iorque: A
colaboração entre os jardins botânicos e organizações congêneres em todo o mundo é
148
Fonte: www.ifpri.org, acesso em 18/07/09.
149
Fonte: www.sil.org, acesso em 18/07/09.

158
feita em nome da ciência150; a existência de novas descobertas interessa a todos, sem
exceção, a capacidade de utilização dos recursos e sua industrialização somente a
alguns. Isto permitiu no caso da Amazônia instalar centros de coleta em toda região
através das universidades. No Acre, a relação com o NYBG permitiu constituir um
centro de pesquisa, o Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre, PZ-UFAC.
Das pesquisas aí realizadas estima-se que o NYBG tenha catalogado 25.000 espécies da
flora amazônica. Eles recebem principalmente recursos da Fundação Ford, Programa
Piloto de Proteção de Florestas Tropicais - PPG-7 e da USAID.

12) Universidade da Flórida - UF: Atua há bastante tempo na região amazônica,


inicialmente no Pará, Acre e atualmente no Estado do Mato Grosso. Possui um centro
de Estudos Latino Americano e formou um número de pesquisadores que passaram a ter
papel importante em políticas regionais. No Acre participou da criação do PESACRE,
transferindo muitos estudantes de pós-graduação em áreas técnicas, biólogos,
agrônomos, geógrafos, antropólogos e outros. Um de seus programas, Amazon
Conservation Leadership Initiative – ACLI (A iniciativa para liderança na conservação
amazônica), tem o objetivo de criar capacitação em ciência e conservação na região
Amazônia-Andes. O programa tem objetivos complementares de treinar indivíduos na
UF, e construir capacidades regionais. O apoio ao programa veio de uma doação
generosa da Fundação Gordon & Betty Moore. O escopo geográfico do programa inclui
os nove países da Bacia Amazônica: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela,
Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Brasil. O Programa tem quatro áreas temáticas que
se referem às necessidades regionais de conservação: manejo de áreas protegidas,
planejamento e política regionais, manejo florestal sustentável e manejo comunitário de
recursos naturais.151

13) PESACRE: Criada a partir de um projeto de cooperação da Universidade da Flórida


com a Universidade Federal do Acre, atua com índios, seringueiros e colonos
(agricultores), buscando formas mais racionais de aumentar a produção e a

150
Atualmente existe o projeto Flora Brasiliensis Revisitada, com representação do Jardim Botânico de
Nova York, Jardim Botânico do Missouri, Herbário do Museu Nacional de História Natural de Paris,
Jardim Botânico de Berlim, Jardim Botâncio Real de Kew (Inglaterra), Instituto de Botânica da
Universidade de Viena. Este projeto conta com o financiamento da Natura e Fundação Vitae e como
executores o Jardim Botânico do Missouri. Fonte:
http://www.revistameioambiente.com.br/2006/07/18/flora-brasileira-on-line/ , acesso em 19/07/09.

151
Fonte: http://www.sfrc.ufl.edu/acli/ , acesso em 22/07/09.

159
produtividade, de ampliar a comercialização de produtos florestais não-madeireiros
(açaí - Euterpe oleracea, cupuaçu - Theobroma grandiiflorum, e outros). Possui
vinculação estreita com a Universidade da Flórida recebendo muitos dos seus
pesquisadores visitantes, oriundos dos EUA, que atuam também em outros países
dominados pelo imperialismo. Um dos seus principais financiadores é a USAID.

14) Centro de Trabalhadores da Amazônia – CTA: Nasceu do Projeto Seringueiro


programa de apoio às cooperativas, saúde e educação sendo hoje a principal ONG do
Estado do Acre na atividade do manejo madeireiro. Dessa instituição saíram vários
quadros dos que hoje estão no poder executivo e legislativo local, e também no
legislativo nacional, como o ex-governador do Acre, o engenheiro florestal Jorge Viana,
a ex-Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e o atual governador do Acre, Arnóbio
Marques, eleito em 2007.

15) SOS Amazônia - A SOS Amazônia, fundada em 1988, tem como principal
financiador a USAID; foi responsável pela elaboração do plano de manejo do Parque
Nacional da Serra do Divisor. Atua juntamente com a TNC – The Nature Conservancy,
uma das mais importantes ONGs ambientalistas do mundo.

Todas essas organizações têm atuação na Amazônia e algumas especificamente


no Estado do Acre, seja através de atuação direta desenvolvendo projetos, ou via
financiamento de instituições para desenvolverem projetos de seu interesse,
especialmente de conservação dos recursos naturais da região e de formação dos
camponeses (seringueiros e agricultores) na preservação destes recursos.
Autores nacionalistas como Reis (1968) e Morel (1984) denunciaram em suas
obras as ações de saque e da internacionalização da Amazônia. Em 2002 é formada a
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a biopirataria152 que teve como base
importante de dados o trabalho desenvolvido pelo professor Frederico Mendes Arruda,
da Universidade Federal do Amazonas, que tem se dedicado a estudos sobre as
potencialidades dos recursos naturais da região e a luta para o desenvolvimento de
pesquisas sobre estes recursos nas universidades da Amazônia153.

152
Formada em 10/09/2002 a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico ilegal de
animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileira (CPI TRAFI).
153
Conforme conversa com o professor Frederico Mendes Arruda, na Universidade Federal do Amazonas
(UFAM) em 25 de julho de 2007.

160
O Brasil disputa de forma subordinada uma participação minoritária nos
projetos pretensamente científicos dos países imperialistas na Amazônia. O Sistema de
Vigilância da Amazônia – SIVAM154, iniciativa de instalação de radares e uso de aviões
que vigiam o território amazônico, está sob o “guarda-chuva” de projeto dirigido pela
NASA, onde o principal problema para a realização de seus planos é a existência de
populações camponesas, de seringueiros, garimpeiros e outros habitantes que, segundo a
visão do ecologismo, são predadores da natureza dando uma sobrevida ideológica à já
derrotada teoria malthusiana155. Castells (1976) cita a obra de Ehrlich (The Population
Bomb), que foi presidente da Zero Population Growth, que considera o excesso da
população como responsável por todos os males e defendia o controle da natalidade
com medidas como o lançamento de produtos esterilizantes na água das grandes
cidades, a taxação dos filhos e a criação de um imposto de luxo sobre os produtos para
bebês (CASTELLS, 1976, p. 3-4).
A presença de organizações não governamentais dos países imperialistas abarca
uma imensidade de ações que vão desde a prestação de serviços nas periferias das
cidades da Amazônia, preservação do meio-ambiente, pesquisas vinculadas às
universidades da região, estudo de populações indígenas, dentre outras. Tais atividades
são financiadas principalmente pelo governo dos EUA através da USAID, da Fundação
Ford, da Fundação Interamericana – IAF, da Fundação Moore, e outros. Essas agências
desenvolveram durante mais de duas décadas um sistema de informação privilegiado
que vem servindo para a gestão de políticas e interferência de ações com o discurso de
preservação da Amazônia.
A intervenção direta de ONGs onde há populações de índios, seringueiros,
ribeirinhos etc., como um “ato heróico” de salvação das florestas tropicais deu-se a
partir de atividades vinculadas diretamente às necessidades básicas da população como
educação, saúde, organização da produção, etc. Estas reais necessidades decorrentes da
pobreza e miséria das massas de camponeses, aliadas à crise ambiental, criaram

Para maiores informações ver artigo do professor Arruda: “Convênios escondem biopirataria”:
www.farolbrasil.com.br/arquivos/re_biopiratria.htm>
154
O SIVAM, criado em 1990, e administrado pelos militares brasileiros, foi objeto de várias negociatas
quando da aquisição de radares e outros equipamentos. A vencedora da licitação foi uma empresa norte-
americana da área militar (Raytheon) apesar dos protestos moderados de empresas européias que também
concorreram para vender os equipamentos.
155
Segundo Speth (2005) o mais importante caminho para alcançar a sustentabilidade é atacar mais
diretamente as causas da degradação ambiental: 1) a população mundial que poderia permanecer nos
mesmos patamares do século XX, e 2) a pobreza e o subdesenvolvimento que contribuem de modo
significativo com a deterioração do meio ambiente: “os pobres, em geral, têm pouca escolha e dependem
substancialmente de recursos ambientais (...)” ( SPETH, 2005, p. 34-35).

161
condições excepcionais para esta intervenção (legitimidade) ao mesmo tempo em que as
ONGs na região não têm como princípio, e nem preocupação, a legitimidade. Estas
ONGs reuniam-se em um dia com seringueiros que lutavam contra fazendeiros, no
outro, com o governador do Estado, profundamente interessado nos benefícios da causa
ambiental (recursos) e, no outro dia, com as entidades nacionais do governo federal que
converteram a pauta das ONGs ambientalistas em política governamental.
A maior parte dos críticos à chamada biopirataria não enxerga nenhuma saída a
não ser a negociação possível tal como propõem as leis, contratos e outros caminhos
mercantis em que essas populações, que vivem e produzem nas florestas tropicais,
seriam pagas por conhecerem os recursos. Outros mecanismos de mercado são
propostos para diminuir o desmatamento como a certificação florestal (as madeiras que
saíssem da Amazônia teriam um selo – verde – que identificassem sua origem e a forma
de extração – menos predatória), outros produtos teriam um preço mais elevado e
beneficiariam as populações que extraem os recursos, etc. Todas são medidas que
supõem um mercado de concorrência perfeita, sem monopólios.
Esta foi a situação que se configurou no Estado do Acre onde, da luta dos
trabalhadores por sua terra e o que ela contém, a floresta, as ONGs buscaram
transformar esses trabalhadores camponeses em defensores do meio-ambiente através
de uma infinidade de organizações e projetos voltados para o “desenvolvimento
sustentável”. Todo este processo está permeado por muitas contradições, como o ainda
não solucionado problema da terra, do acesso à saúde, educação e outros. Tudo envolto
em um pano de fundo de clamor mundial de defesa ambientalista de salvação do planeta
engendrado pelas ONGs e governo local.

5.2 – ONGs no Acre: PESACRE, CTA e SOS Amazônia

Apresentamos no capítulo II e III a formação da política ambiental e a atuação


das ONGs como principais executoras desta política. Entendemos a realidade da crise
ambiental como nos termos colocados por Castells (1976) em que ela é resultado do
padrão de utilização de recursos no capitalismo. O que nos esclarece o autor é o caráter
mistificador do movimento de ação ecológica, principalmente dos EUA, ao ignorar as
contradições presentes nas relações sociais de produção, e apontar como contradição a
relação homem x natureza como o elemento central da explicação da crise ambiental.

162
Castells (op.cit) coloca que o presidente Nixon, o mesmo que jogou toneladas de
bombas sobre a população vietnamita, declarava a sociedade norte americana em 1969:

A principal preocupação do terceiro terço de nosso século, creio que será a continuação
da felicidade... Em futuros esforços para a felicidade de todos, não haverá
provavelmente objetivo mais importante do que a melhoria do nosso meio-ambiente (...)
(...) Se devemos melhorar materialmente o nosso meio-ambiente nos próximos meses e
anos, todo o nosso povo deve se unir neste esforço. Será necessária uma ação firme por
parte do governo – em nível federal, dos Estados e em nível local. Os cidadãos
individualmente e grupos de voluntários devem unir-se nesta cruzada. Não só o mundo
dos negócios da indústria, mas as organizações operárias e agrícolas, o ensino e a
ciência e todas as categorias da sociedade... As conseqüências imprevisíveis da nossa
tecnologia degradaram muitas vezes o nosso meio ambiente; devemos de hoje em diante
fazer apelo para que essa mesma tecnologia seja restaurada e preservada. Se eu
conseguir lá chegar, os próximos dez anos não serão o começo do nosso terceiro século
enquanto nação, mas também a época de renovação, de infinitas possibilidades para a
nação americana (CASTELLS, 1976, p.1).

Os grupos industriais como Dow Chemical, Monsanto Chemical, W.R. Grace,


Du Pont, Merck, Nalco, Union Carbide, General Eletric, Westinghouse, Combustion
Engineering, Honeywell, Beckman Instruments, Alcoa, Universal Oil Products, North
American Rockweel (CASTELLS, 1976, p.6), aparecem como parceiras das grandes
ONGs ambientalistas (WWF, TNC e CI), apesar de serem classificados como principais
fontes de poluição. Contraditórias também são as relações de organizações
ambientalistas como a Sierra Club (fundada em 1892) que, até 1959, recusava em seu
círculo de Los Angeles a participação de negros. A The Audubon Society foi criada na
Flórida no começo do século XX a fim de preservar espécies de animais selvagens,
enquanto o profeta da ecologia, Henry David Thoreau, pregava o retorno ao estado
selvagem (CASTELLS, op.cit, p.2).

Neste contexto de crise ambiental e de soluções apontadas por um


ambientalismo que não tinha na sua pauta as contradições provocadas pelo modo de
produção capitalista é que as organizações estatais, privadas e grandes ONGs
ambientalistas, principalmente estadunidenses, foram formuladoras da estratégia do
imperialismo para a preservação de recursos naturais.
Conforme Raffestin (1993), a estratégia supõe o recurso a uma série de meios.
Para o autor os meios, ou mediatos156, são convocados para atingir a um fim, ou seja,
para adquirir ou controlar mecanismos. Nacionalmente foi necessário que as ONGs

156
Para Raffestin os meios ou mediatos podem ser: meios financeiros, forças militares, discursos,
trabalho, produtos, etc. (RAFFESTIN, 1993, p.42)

163
ambientalistas locais fossem as agentes táticas das políticas ambientalistas, as
executoras. E isto se configurou não apenas na Amazônia brasileira, mas na ampla faixa
dos países detentores de florestas tropicais. Neste capítulo apresentamos como, no
estado do Acre, a política ambiental do imperialismo foi implementada pelas ONGs
ambientalistas locais.
Segundo Lima (2005), existem no Acre em torno de 850 organizações na
categoria de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). A
economista Maria da Conceição Tavares afirmou que o “Acre é uma ONG”, assertiva
com a qual parece concordar a ex-Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
enfatizando o papel das ONGs na Amazônia e no Estado do Acre, quando declara:

Na Amazônia, especialmente no Acre, o papel das ONGs foi e continua sendo vital para
a consolidação de um modelo alternativo, realmente adaptado às condições da região,
fundado no aproveitamento sustentável dos recursos naturais e na cultura da população.
(Maria da) Conceição Tavares certa vez disse que “o Acre é uma ONG”. No meu
entendimento é uma expressão feliz que pode ser interpretada como se referindo a um
estado que começou a forjar a sua identidade moderna firmemente assentada sobre a
organização da sociedade civil, aproximando o poder público dos métodos de ação da
sociedade. Podemos dizer que não só aqui, mas em vários lugares da Amazônia, a ação
das ONGs educa o poder público para mudanças que o aperfeiçoam e o colocam cada
vez mais a serviço do interesse público. Creio que como nenhuma outra região
brasileira, a Amazônia tem hoje uma dinâmica inseparável do papel das ONGs.
Aqui se constrói, de fato, algo novo, embora as inúmeras experiências que atestam isso
ainda não estejam sistematizadas e amalgamadas em escala institucional. Fica, tanto
para os governantes quanto para as ONGs que atuam na Amazônia em parceria, um
desafio permanente: manterem o caráter inovador dessas alianças, investir sem cessar no
seu aperfeiçoamento democrático, no seu caráter público, na sua interação com a
população. Talvez a Amazônia possa realmente dar lições sobre a construção de uma
sociedade sustentável, justa e ambientalmente sadia (...) (CTA, 2002, p.3, destacado
nosso).

A afirmação acima demonstra a importância que as políticas e ações das ONGs


tomaram na Amazônia e no estado do Acre. A fala da ex-ministra revela um elogio à
ação das ONGs como promotoras do modelo de desenvolvimento sustentável, presentes
nas suas ações e práticas voltadas ao ambientalismo. Deslocando a luta de classe para a
sociedade civil, amorfa e sem classe nos termos de Piqueras (2000), e como promotoras
e articuladoras das demandas da sociedade para com o Estado. No Acre esta situação do
fenômeno do onguismo é verificado na história do processo de luta dos seringueiros
pela terra que a partir de sua aliança com as ONGs ambientalistas teve sua pauta
modificada, processo este que abordaremos no capítulo 6.

164
No estado do Acre os projetos desenvolvidos pelas ONGs estavam em
consonância com as políticas do imperialismo em criar “estados democráticos”, ao
associarem ao papel das ONGs à idéia de democracia, e aliados à concepção da social
democracia petista que chega ao poder executivo do Acre em 1999, e aí permanece pelo
terceiro mandato consecutivo (1999-2002; 2003-2006; 2007- 2010).
Elegemos no Estado do Acre a atuação de três ONGs locais, Pesquisa e
Extensão em Sistemas Agroflorestais (PESACRE), Centro de trabalhadores da
Amazônia (CTA) e SOS Amazônia e, a partir de informações das respectivas páginas
destas ONGs na Internet e de seus relatórios disponíveis, traçamos um quadro de suas
principais ações no Acre com o objetivo de mostrar o caráter dos projetos
desenvolvidos, suas áreas de atuação, as principais instituições que com elas operam,
seus parceiros e financiadores. A exposição a seguir das três ONGs possui um caráter
descritivo e analisaremos o significado destas ações no próximo capítulo, sobre as
conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo ongueiro no Acre.

5.2.1 - PESACRE – Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais

O PESACRE foi fundado em 6 de julho de 1990. Formado a partir de um grupo


de pessoas que participavam de um programa de pesquisa, extensão e treinamento
baseado na metodologia PESA (Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais157) que
foi resultado de um convênio firmado, em 1986, entre a Universidade Federal do Acre
(UFAC) e a Universidade da Flórida (UF). Segundo informações da página do
PESACRE na Internet, esse programa garantiu a realização de dois cursos, em 1988 e
1989, e acabou criando a necessidade de organização de uma equipe multidisciplinar e
interinstitucional que colocasse em prática os conceitos da "Pesquisa Participativa"
defendidos pelo método PESA158.
De acordo com as informações do PESACRE sua missão é a “elevação do nível
de qualidade de vida das famílias de pequenos produtores locais, com diminuição da
pressão sobre a floresta”. Para isto suas atividades incluem:
- pesquisa e extensão participativa de prática e tecnologias agroflorestais e florestais;

157
Segundo a EMBRAPA, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) “são formas de uso da terra em que há um
consórcio de espécies arbóreas, cultivos agrícolas e/ou criação de animais numa mesma área de maneira
simultânea ou ao longo do tempo. Alguns sistemas são práticas antigas de produção e representam um
grande desafio para o campo científico. Na Amazônia, os SAFS vêm sendo utilizados há anos pelos
índios, na forma de capoeira enriquecidas e por agricultores através da agricultura itinerante.”
Fonte: http://www.cpafac.embrapa.br/chefias/cna/artigos/sistagroflo.htm , acesso em 24/07/09.
158
http://www.pesacre.org.br/qs.htm#apres ,acesso em 09/05/2009

165
- organização comunitária para a autogestão de comunidades rurais, com ênfase em
gênero;
- difusão de alternativas de uso sustentável de recursos;
- capacitação de profissionais e de produtores rurais para o fortalecimento da
competência local instalada.

Seus objetivos são especificados como:


- fortalecer a capacidade de autogestão das comunidades;
- gerar e implementar políticas de Conservação & Desenvolvimento (C&D) em nível
regional;
- gerar e promover a utilização de metodologias e tecnologias apropriadas para a gestão
dos recursos naturais e manutenção dos estoques de carbono;
- qualificar a capacidade técnica local no manejo e uso dos recursos naturais159.

Para alcançar estes objetivos e atingir sua missão o PESACRE afirma ter como
filosofia:

(...) necessidade de preservação do meio ambiente cada vez mais se junta à preocupação
em gerar renda e garantir melhor qualidade de vida para as populações que moram e
vivem da floresta. Por isso, nos últimos dez anos, o Pesacre vem realizando pesquisas e
desenvolvendo projetos de uso sustentável dos recursos naturais em comunidades
organizadas de agricultores, índios e seringueiros. Nossa filosofia inclui a certeza de que
nesse processo é fundamental a participação e a troca de informações, aliando ao
conhecimento técnico e acadêmico a sabedoria tradicional dos povos da floresta. Todos
os nossos projetos, bem como as mais distintas atividades, têm como princípio a
participação das comunidades locais garantindo, aos produtores, o papel de sujeitos na
discussão e adoção de práticas sustentáveis160.

A partir da página do PESACRE161 na Internet reproduzimos as informações


seguintes de projetos desenvolvidos por esta ONG no Estado do Acre, com os dados
apresentados para cada projeto como os objetivos, áreas de atuação, financiadores,
parceiros e resultados esperados.

Projeto 1: Avaliação Socioeconômica e Ambiental do Grupo de Produtores Novo


Ideal (GPNI)

O Grupo de Produtores do Novo Ideal é uma associação de pequenos


produtores, formadas por 28 famílias, distribuídas em lotes com média de 80 ha.

159
http://www.pesacre.org.br/qs.htm#apres ,acesso em 09/05/2009
160
http://www.pesacre.org.br/qs.htm#apres ,acesso em 09/05/2009
161
Fonte: http://www.pesacre.org.br/portugues/projetos.htm , acesso em 07/01/2009

166
Localiza-se no km-7 do Ramal Granada, no município de Acrelândia, estado do Acre. O
uso da terra é feito de forma diversificada como os Sistemas Agroflorestais - SAFs162
(café, pupunha, cupuaçu, banana), monocultivos agrícolas (café, banana, pupunha) e
pecuária extensiva. Este projeto foi financiado pela USAID163 e, segundo o PESACRE,
a meta é estruturar uma metodologia de avaliação econômica, social e ambiental, “que
permita corrigir as distorções existentes em comunidades rurais da Amazônia, visando
melhorar o padrão de vida das famílias e o acesso à informação, saúde e educação”.

Projeto 2: Participação e Impactos Socioeconômicos e Culturais do Manejo


Comunitário de Madeira: estudo de caso do Projeto de Assentamento Extrativista
(PAE) Porto Dias

O Projeto de Assentamento Extrativista – PAE / Porto Dias, está localizado a 70


km do município de Acrelândia no estado do Acre. Possui uma área de 22.345 ha e
limita-se, pela margem direita, pelo Rio Abunã, na fronteira com a Bolívia. Foi criado
em 1987 e possui aproximadamente 80 famílias, sendo que parte delas trabalha com o
extrativismo e outra com agricultura. Segundo o PESACRE o projeto teve como
objetivos:
- Documentar experiências concretas de manejo madeireiro comunitário para ampliar
conhecimento sobre a heterogeneidade de participação e percepções locais dos
benefícios e prejuízos do projeto;
- Ajudar os moradores do Porto Dias e as organizações na avaliação do projeto;
- Estabelecer e fortalecer colaborações de pesquisa entre Universidade da Flórida - UF e
instituições do Acre.
Neste projeto o PESACRE cita como organizações parceiras a Universidade da
Flórida - UF, a Universidade Federal do Acre – UFAC e o Centro de Trabalhadores da
Amazônia - CTA. O financiamento foi realizado pelo Programa de Segurança e
Educação Nacional (NSEP) dos EUA, Comissão Fulbright (EUA e Brasil) e a Fundação
Nacional de Ciências (NSF) dos EUA.

162
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são formas de uso da terra em que há um consórcio de espécies
arbóreas, cultivos agrícolas e/ou criação de animais em uma mesma área de maneira simultânea ou ao
longo do tempo. Está vinculado a propostas de agroecologia (ver Altieri). A proposta de SAFs para o
Acre está ligada à concepção do ambientalismo de “educar” os seringueiros e agricultores no padrão da
sustentabilidade ambiental.
163
Nenhum dos projetos do PESACRE disponibilizados na página na Internet tinha seus valores de
financiamentos divulgados. Pela quantidade de projetos e área de atuação podemos inferir que esta ONG
deve ter recebido da principal financiadora, a USAID, um montante de recursos significativo.

167
Projeto 3: REACRE - Recuperação de Áreas Alteradas com Base no
Desenvolvimento Sustentável no estado do Acre

Segundo o PESACRE, o projeto foi implementado em uma área de


aproximadamente 46.000 Km² e 70.000 habitantes, nas áreas dos Polos
164
Agroflorestais , nos municípios de Xapuri, Capixaba, Manuel Urbano, Tarauacá e
Feijó, atendendo a um total de 119 famílias, através de uma ação conjunta entre
PESACRE e Federação dos Trabalhadores Rurais do Acre (FETACRE). O Governo do
Estado do Acre foi o principal parceiro e o projeto foi financiado pelo Ministério do
Meio-Ambiente (MMA). Os objetivos apresentados pelo PESACRE foram:
- Contribuir na implementação de técnicas agroflorestais para gestão ambiental nas
áreas propostas;
- Capacitar pequenos produtores rurais em produção de mudas;
- Produzir 178.000 mudas para implantação de Sistemas Agroflorestais nos polos.

Projeto 4: Modelos de Agricultura Familiar para Minimizar a Pressão Sobre a


Floresta

Este projeto foi dirigido a 28 famílias da associação do Grupo de Produtores


Novo Ideal, e 26 famílias da comunidade Paz e Progresso, localizadas no Projeto de
Assentamento Dirigido (PAD) Pedro Peixoto165. Financiado pelo Ministério do Meio
Ambiente-MMA, Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil -
PPG/7 e Projetos Demonstrativos - PDA. O projeto apresentou como objetivos:
- Implantar módulos demonstrativos de agricultura familiar, minimizando a pressão
sobre a floresta e melhorando a qualidade de vida de duas comunidades no PAD Pedro
Peixoto.
- Fortalecer a capacidade de autogestão das famílias.
- Implantar Sistemas Agroflorestais (SAFs).
- Melhorar a prática de agricultura itinerante.
- Capacitar as famílias no uso de produtos florestais não-madeireiros.
- Disseminar a experiência para as demais famílias do PAD Pedro Peixoto.

164
Segundo o Governo do Acre os Pólos Agroflorestais são uma opção para o reassentamento dos antigos
seringueiros que foram expulsos de suas terras. Fonte:
http://www.ac.gov.br/contratobid/coexecutores/seater.htm , acesso em 29/05/09.
165
Os Projetos de Assentamento Dirigidos (PADs) foram criados no período da ditadura militar no Brasil.
O PAD Pedro Peixoto, o primeiro a ser criado, no Acre, com uma área de 317.588 ha, foi estabelecido
pelo INCRA em 1977. Sobre a política de assentamentos rurais no Brasil ver LEITE & MEDEIROS
(2004).

168
Projeto 5: Apoio a criação de pequenos animais

Segundo o PESACRE, este projeto é necessário para possibilitar às famílias


assistidas melhores técnicas de manejo na criação de animais, principalmente de galinha
caipira, que possa propiciar um excedente para comercialização. O projeto abrange a
APAEX (Associação dos Produtores Agroextrativistas dos Seringais São Miguel, São
José e Equador), Comunidade Indígena Apurinã e Associação Paz e Progresso,
localizados no município de Xapuri (AC) e Boca do Acre (AM). O PESACRE contou
com o financiamento da USAID e operou em conjunto com a Secretaria de Assistência
Técnica e Extensão Agroflorestal do Acre (SEATER-AC) e com o Instituto de
Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM
de Boca do Acre – AM).

Projeto 6: Fortalecimento da Gestão Ambiental, Social, Econômica e Cultural no


Seringal São Miguel e na Comunidade Indígena Apurinã

Para o PESACRE as alternativas de desenvolvimento sustentável são


importantes na comprovação, reconhecimento e definição de novas políticas e
metodologias de uso dos recursos naturais pelas comunidades da Amazônia. Para isto o
PESACRE afirma que:
(...) vem investindo esforços, de forma participativa, na construção de métodos que
visam à melhoria da qualidade de vida dos povos da floresta, considerando o equilíbrio
entre os fatores ambientais, econômicos, sociais e culturais como alternativas à
exploração predatória que ocasionam a degradação do meio-ambiente166.

Este projeto atua na Comunidade do Seringal São Miguel, localizado no


Município de Epitaciolândia (Acre), e na Comunidade Indígena Apurinã, localizada no
município de Boca do Acre (AM). Neste projeto o PESACRE atuou em conjunto com a
Secretaria Executiva de Florestas e Extrativismo do Acre (SEFE) e contou com o
financiamento da USAID e Ministério do Meio-Ambiente.
O PESACRE atribui ao projeto o objetivo de:
(...) construção e implementação de metodologias participativas que possam ser
replicáveis, visando minimizar a pressão sobre os recursos naturais durante a
exploração, bem como contribuir com o processo de autogestão e melhoria da
qualidade de vida das comunidades167.

166
Fonte: http://www.pesacre.org.br/portugues/projetos.htm , acesso em 07/01/2009
167
Fonte: http://www.pesacre.org.br/portugues/projetos.htm ,acesso em 07/01/2009.

169
Em relação ao projeto na comunidade Apurinã, dos resultados alcançados
elencados pelo PESACRE destacamos:
- Apresentação e publicação da metodologia para Manejo Comunitário da espécie
Tucumã (Astrocaryum aculeatum) no Simpósio Internacional da IUFRO168 que ocorreu
no ano de 2000 em Belém (Pará);
- Realização de 02 (dois) cursos de padronização de peças para artesanato;
- Fundação de uma Associação na comunidade indígena Apurinã;
- Comunidade indígena Apurinã comercializou o artesanato com sementes florestais
manejadas nos mercados locais, nacionais e internacionais (contrato com o
GREENPEACE da Áustria).

Projeto 7 : Programa Manejo Colaborativo e Adaptativo

Este projeto contou com o financiamento da USAID e do CIFOR169. Segundo o


PESACRE, o projeto visa a atender a três projetos de manejo florestal comunitário do
estado do Acre, em colaboração com a EMBRAPA, SEFE e CTA, abarcando o Projeto
de Assentamento Agroextrativista Porto Dias (Acrelândia), o Projeto de Assentamento
Agroextrativista Chico Mendes (Xapuri) e o Projeto de Assentamento Dirigido Peixoto.
O PESACRE afirma como objetivos:
- Através de um conjunto de metodologias participativas gerar um sistema de avaliação
e planejamento, ajustando e adaptando os processos de manejo;
- Empoderamento170 das comunidades a partir de um controle social do projeto;
- Sistema de monitoramento participativo que atenda às necessidades da comunidade e
da entidade de apoio;
- Criar um conjunto de critérios e indicadores sociais para acompanhamento do projeto
de manejo florestal comunitário.

168
IUFRO – The Global Network for Forest Science Cooperation, uma ONG que representa uma rede
internacional de cientistas florestais que diz ter por objetivo a promoção da cooperação global de
pesquisas relacionadas a florestas e aumentar o entendimento dos aspectos ecológicos, econômicos e
sociais do meio ambiente florestal. Fonte: http://www.iufro.org/ , acesso em 29/05/09.
169
CIFOR – Center for International Forestry Research, importante organização internacional com
atuação em vários países da África e América Latina. Afirma como objetivo: “Os propósitos e avanços do
CIFOR no bem-estar humano, na conservação ambiental e na equidade ao realizar pesquisas para relatar
as políticas e práticas que afetam as florestas nos países em desenvolvimento”.
Fonte: http://www.cifor.cgiar.org/ , acesso em 27/05/09.
170
Termo traduzido do inglês empowerment , e presente no discurso das ONGs, é proposto por
Vasconcelos (2003) no sentido de “aumento do poder e autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e
grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações
de opressão, discriminação e dominação social”. A nosso ver condição impossível de ser alcançada no
capitalismo pelo conjunto da classe dos oprimidos.

170
Projeto 8: Implantação do Sistema de Informação Mercadológica da Bolsa
Amazônia – SIMBA

A Bolsa Amazônia é um programa regional que propõe promover a


comercialização de produtos regionais, fomentar parcerias, fortalecer a gestão das
associações comunitárias e do desenvolvimento sustentável. Atua nos estados do Acre e
Rondônia, no Peru e na Bolívia. Neste projeto o PESACRE atribui o objetivo de prover
o Sistema de Informação Mercadológica da Bolsa Amazônia com dados referentes à
produção familiar agroextrativista do estado do Acre. Participaram: o Governo do
estado do Acre, Banco da Amazônia S.A. (BASA), Universidade Federal do Pará e
Mercedes-Benz e foi financiado pela UNCTAD (United Nations Conference on Trade
and Development) e União Européia.

Projeto 9 - Monitoramento Participativo de Fauna na Área do Projeto de


Desenvolvimento Sustentável - PDS São Salvador171 (Mâncio Lima)

Segundo o PESACRE o objetivo deste projeto é realizar o monitoramento da


fauna silvestre (caça) de forma participativa para que gere informações para subsidiar o
Plano de Desenvolvimento do Assentamento no que concerne ao Manejo de Caça, e
contribua com a implantação do Parque Nacional da Serra do Divisor através do uso
sustentável do seu entorno. O financiamento foi realizado pela PRODETAB (Projeto de
Apoio ao Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuária para o Brasil), Fundação W.
Alton Jones, Fundação Hewlett172 e USAID.

Projeto 10 - Modelo de Assentamento Rural Sustentável para a Amazônia


Ocidental – PDS São Salvador.

Este projeto foi desenvolvido desde 1999 no antigo Seringal São Salvador, às
margens do rio Môa, município de Mâncio Lima, Acre. Em junho de 2001 foi criado o
PDS São Salvador, que tem como áreas limítrofes as terras indígenas Nukini e
Poyanawa, além do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). Segundo o

171
Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), modalidade de assentamento criado pelo INCRA em
1999, é voltado para o modelo de sustentabilidade. O PDS São Salvador foi o primeiro a ser criado na
Amazônia em junho de 2001.
172
Ambas são fundações norte-americanas que financiam importantes ONGs ambientalistas na
Amazônia, conforme colocamos no capítulo 4. Um excelente trabalho sobre as fundações do EUA nos
diversos campos de atuação como saúde, educação, energia, democracia, meio ambiente e outros, ver
Dowie (2001). Ver também Roelofs (2003), estudo sobre as fundações que financiam ONGs e seus
serviços ao imperialismo estadunidense. Uma resenha deste livro está disponível pela The Research Unit
for Political Economy (RUPE): http://www.rupe-india.org/38/foundations.html

171
PESACRE, o objetivo foi o de “definir mecanismos e instrumentos, baseados num
planejamento integrado e participativo, para implantação de assentamentos rurais
sustentáveis e do PNSD”. Os financiadores foram: PRODETAB (Projeto de Apoio ao
Desenvolvimento de Tecnologia Agropecuária para o Brasil), Fundação W. Alton
Jones, Fundação Hewlett e USAID. O PESACRE ressalta como resultados alcançados
os estudos de socioeconomia, ecologia, atividade pesqueira e comercialização; a
elaboração de mapas de solos, aptidão agrícola e agroflorestal e tipologias florestais
(madeireira e não-madeireira).

Projeto 11 - Uma Proposta de Desenvolvimento Sustentável no Vale do Acre

Segundo o PESACRE o objetivo deste projeto é dinamizar e modernizar a


produção agroflorestal sustentável recuperando áreas alteradas em pequenas
comunidades do Vale do Acre. O projeto teve como alvo as seguintes áreas:
Comunidade Santa Terezinha; Central de Associações do Projeto de Colonização
Humaitá; Polos Agroflorestal de Rio Branco, Porto Acre, Brasiléia, Epitaciolândia,
Bujari, Acrelândia e Xapuri. Participaram o Parque Zoobotânico da UFAC e a
Secretaria de Estado de Produção do Acre. Os financiadores foram o Fundo de Parceria
Ford / FUNBIO (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade).

Projeto 12: Suporte às Ações de Pesquisa Participativa e Difusão de Tecnologias


para a Pimenta Longa em Áreas de Produtores da ASPRUVE, Vila Extrema –
Rondônia

A produção de pimenta longa (Piper hispidinervium) para produção de safrol173


foi bastante incentivada no Acre no final dos anos de 1990. Segundo o PESACRE este
projeto teve como propósito acompanhar as ações de pesquisa participativa, na
Associação de Produtores Rurais Vencedora (ASPRUVE), efetuando e difundindo as
tecnologias geradas, contribuindo com a capacitação e o fortalecimento de sua
organização, como instrumentos para facilitar a adoção de tecnologias; capacitando os

173
Segundo a EMBRAPA a pimenta longa (Piper hispidinervum) só foi encontrada no Vale do Acre. Esta
espécie tem alta concentração de teor de safrol (acima de 90%) que é obtido através do óleo essencial
extraído das folhas e talos finos da planta por meio de um processo de destilação. No estado do Acre
foram identificadas outras duas espécies, a Piper aduncum e a Piper hispidum. O safrol é um componente
químico aromático utilizado pela indústria como matéria prima na manufatura de heliotropina (fixador de
fragâncias) e butóxido de piperolina (agente sinergístico nos inseticidas e pesticidas naturais à base de
Piretrum). Fonte: http://www22.sede.embrapa.br/pimentalonga/faqs.htm

172
dirigentes da associação, quanto aos aspectos técnicos, organizativos e gerenciais,
apoiando a associação e a equipe do projeto no desenvolvimento de estratégias para
administrar a área piloto com o término do projeto. O projeto foi financiado pelo
Department For International Development – DFID/ Conselho Britânico.

Projeto 13 - Assessoria ao Projeto RECA: contribuindo para o desenvolvimento


sustentável da comunidade

O PESACRE realizou desde 1992 trabalhos de assessoria junto ao grupo de


produtores rurais do Projeto RECA, localizado em Nova Califórnia (RO). Segundo o
PESACRE os objetivos foram: assessorar a comunidade na área de comercialização,
realizar oficinas sobre resolução de conflitos e desenvolver estudos de pesquisa básica
nos plantios de SAFs e estudo de mercado para a comercialização do cupuaçu
(Theobroma grandiflorum), Açaí (Euterpe oleracea) e Cajá (Spondias lutea). O
financiamento foi realizado pela USAID.

Projeto 14 - Promoção dos Sistemas Agroflorestais para um Desenvolvimento


Sustentável da Região Amazônica – Estados do Acre e Rondônia

Este projeto contou com o financiamento do Movimento Laici América Latina


(MLAM)174 e segundo o PESACRE teve por objetivos:
- Proporcionar melhoria da qualidade de vida das populações alvo do projeto, numa
ótica de sustentabilidade, visando sempre a preservação dos recursos naturais para
gerações futuras;
-Criar condições para um desenvolvimento sustentável que permita êxito nas
experiências agroflorestais e no sistema econômico agrícola regional;
- Incentivar as associações a participarem de cursos profissionalizantes;
- Avaliar de forma participativa as atividades das associações;
- Atingir indiretamente todas as comunidades rurais dos dois estados, Acre e Rondônia,
principalmente aquelas que residem em áreas degradadas.

174 ONG italiana fundada em 1966, tem sede na cidade de Verona. Está presente em 17 países com 830
voluntários e realizou 230 projetos. Tem como objetivo: estudar e ativar os projetos seguintes:
- a promoção do voluntariado e da solidariedade na África e na América Latina;
- o desenvolvimento social e cultural com respeito aos direitos humanos;
- a conscientização das instituições religiosas ou não, e da população em relação à ativação das políticas
de cooperação internacional;
- o desenvolvimento de programas de formação e atualização e de desenvolvimento da educação. Fonte:
http://it.wikipedia.org/wiki/Movimento_Laici_America_Latina , acesso em 02/06/2009.

173
Projeto 15 - Manejo de Produtos Florestais Não-Madeireiros no Seringal São
Salvador

Projeto financiado pela Fundação W. Alton Jones, objetiva, segundo o


PESACRE, subsidiar a comunidade com dados sobre o manejo, beneficiamento e
comercialização de espécies não-madeireiras que possam vir a ser uma alternativa de
renda, como o buriti (Mauritia flexuosa) (abundante na área), espécies que dão sementes
e cipós para artesanato, copaíba (Copaifera langsdorfii), etc., e elaborar planos de
manejo dessas espécies com base nos dados levantados, na experiência da própria
comunidade e de forma conjunta e participativa.

Projeto 16 - Manejo Florestal de Produtos Não-Madeireiros no Vale do Juruá,


Estado do Acre

Projeto com áreas de atuação nos municípios de Cruzeiro do Sul, Rodrigues


Alves, Porto Walter, Marechal Thaumaturgo e Mâncio Lima , tem, segundo o
PESACRE, os seguintes objetivos e metas:
- Implantar um projeto piloto de uso sustentável dos Produtos Florestais Não-
Madereiros (PFNMs) em comunidades tradicionais na bacia do Juruá, estado do Acre.
- Desenvolver e adotar práticas de manejo florestal para os PFNMs para as 13 espécies
priorizadas, e capacitar os extrativistas e suas associações na execução dos planos de
manejo, transporte, armazenamento e processamento desses recursos;
- Criar e consolidar o sistema de comercialização e marketing de PFNMs. Realizar
atividades de extensão e capacitação florestal para os extrativistas nas etapas de manejo,
transporte, armazenamento e processamento dos PFNMs;
- Documentar e avaliar a relação custo benefício do sistema de manejo adotado bem
como o transporte, armazenamento e processamento industrial.
- Avaliar também os resultados da comercialização e o grau de efetividade da
organização cooperativista; disseminar os resultados do projeto através de dias de
campo, manuais e materiais educativos;
- Instalar unidades de processamento de produtos e/ou formatar parcerias com indústrias
da iniciativa privada para o processamento dos produtos e matérias primas com gestão
por associações ou cooperativas da comercialização dos produtos beneficiados;
- Articular diferentes atores para formular documentos que subsidiem políticas públicas
relacionadas à produção que incluam novas orientações ao crédito (FNO, Prodex), infra-
estrutura, legislação florestal, instrumentos econômicos entre outros;

174
- Requisitar avaliação de certificação florestal independente (FSC - Forest Stewardship
Council) para o sistema de manejo florestal implantado no Projeto.
Para este projeto o PESACRE contou com as seguintes organizações: Secretaria
Executiva de Florestas e Extrativismo/Governo do Estado do Acre (SEFE), Parque
Zoobotânico da UFAC (PZ/UFAC), CASAVAJ - Cooperativa do Vale do Juruá,
EMBRAPA e TAWAYA – Comércio de Produtos do Vale do Juruá. O financiamento
foi proporcionado pelo Fundo de Parceria Ford/Funbio.
Não temos como objetivo analisar os projetos executados ou que estão sendo
implementados pelo PESACRE. Pretendemos aqui compreender o caráter da atuação
desta organização ao ter como aliada e principal financiadora a USAID, organização
responsável por banhos de sangue no mundo em nome da “democracia”, conforme
relatado por Chomsky & Herman (1976) e sua vinculação com as demais organizações
do imperialismo.
Os projetos que elencamos fazem parte da agenda imposta pela política
ambiental, principalmente estadunidense, e das grandes ONGs, que organizações locais,
como o PESACRE, resolveram assumir. Para isto não levam em conta os objetivos
estratégicos de quem os mantêm e financia, porque a estes objetivos estas organizações
já aderiram. Executam os projetos definidos de fora para abrir o terreno e implementar
as políticas necessárias para o alcance das estratégias que descrevemos em capítulos
anteriores, qual seja, da preservação dos recursos naturais para o uso da indústria da
biotecnologia dominada pelos países imperialistas e a criação de grandes áreas de terras
para uso futuro.
Cabe aqui a pergunta, o que organizações tão importantes como o Programa de
Segurança e Educação Nacional do EUA, a Fundação Nacional de Saúde do EUA e
tantas outras estão fazendo ao financiar projetos do PESACRE nos municípios
longínquos do Acre, conforme visualizado no mapa 02.
Ao se aliar a estas organizações cumprindo a agenda ambientalista de
implementação de projetos como os Sistemas Agroflorestais, educação ambiental,
“empoderamento” das minorias e outros, o PESACRE coloca-se a serviço das
organizações do imperialismo que não têm como meta a democracia e tampouco o
desenvolvimento da nação, e sim de organizações que têm um plano claro de obtenção
de recursos naturais, utilização e apropriação dos conhecimentos e saberes dos
camponeses da Amazônia e, principalmente, servem à construção da retirada das

175
populações de camponeses de grandes áreas de reserva de terra para o uso dos países
dominantes.

Mapa 02 – Áreas de atuação da ONG – Pesquisa e Extensão em Sistemas


Agroflorestais (PESACRE)

Fonte; dados organizados pelo geógrafo Cláudio Cavalcante.

5.2.2 - CTA - Centro de Trabalhadores da Amazônia

O Centro dos Trabalhadores da Amazônia – CTA foi criado em 28 de maio de


1983. O CTA, segundo sua página na Internet175, foi fundado para atender às demandas
sociais “vindas de comunidades tradicionais sob forte ameaça, em processo de
organização com o movimento seringueiro”. Este movimento tinha no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Xapuri e Brasiléia sua principal organização. Conforme
mostraremos no próximo capítulo, ocorreu no Acre uma aliança entre as organizações
dos trabalhadores e as ONGs.
O CTA nasceu do Projeto Seringueiro que visava atender às necessidades de
educação, saúde e cooperativismo das comunidades extrativistas, sendo a principal área

175
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.

176
de atuação o Vale do Acre. Constituiu-se em uma importante ação da atividade de
educação para os seringueiros, pois, segundo o CTA, o Projeto Seringueiro tinha como
principal objetivo:

(...) alfabetizar adultos visando preparar quadros para a diretoria da Cooperativa, em


fase embrionária, militância de base para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e
monitores da Igreja Católica para atuarem como professores leigos (...).176

A partir dos anos da década de 1990, o CTA afirma que trabalhou em busca de
soluções econômicas para o desenvolvimento das áreas de reserva extrativista. Para isto
destaca a atuação em cadeias produtivas da piscicultura, sistemas agroflorestais e, desde
1986, com o manejo florestal comunitário de uso múltiplo. Destaca o trabalho com
manejo madeireiro em comunidades assessoradas pelo CTA, em Porto Dias e São Luís
do Remanso que, ao serem certificadas pelo sistema FSC177, representam “um modelo
inovador de manejo comunitário adotado hoje como prioritário de replicação do
Governo do Estado”178. O CTA assim sintetiza o caráter de suas ações com a população
das comunidades extrativistas:

(...) a atuação institucional do CTA vem se dando através de ações de assessoria técnica,
política e de formação, objetivando a estruturação de alternativas econômicas e sociais
que garantam o desenvolvimento social, econômico e cultural destas populações dentro
de um conceito de uso sustentável dos recursos naturais e reforço da identidade sócio-
cultural dessas populações179.

O Relatório de Atividades de 2001 do CTA (CTA, 2001, p.6) apresenta um


quadro de suas ações no período de 1981 a 2001, que reproduzimos a seguir para termos
uma dimensão da atuação desta ONG no estado do Acre. O histórico institucional do
CTA180 (CTA, 2007) complementa o quadro de atividades realizadas até o ano de 2007.
O período de 1981-1982 corresponde a atividades quando o CTA ainda não estava
formalmente constituído:
- 1981: é fundada a primeira escola do Projeto Seringueiro, posto de saúde e central de
produção e consumo (cooperativa), adaptados à realidade da floresta;

176
http://www.cta-acre.org/pg_acoes1.htm# , acesso em 05/05/2009.
177
FSC (Forest Stewardship Council) tem como representante no Brasil a FSC-Brasil (Conselho
Brasileiro de Manejo Florestal), cujo objetivo principal é o de promover o manejo e a certificação
florestal no Brasil. Fonte: www.fsc.org.br , acesso em 14/05/2009.
178
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
179
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
180
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009

177
- 1982: edição do primeiro material didático adaptado-Cartilhas Poronga181 de português
e matemática. Em 22 de maio de 1982 é realizada a primeira aula em uma escola na
Floresta no Seringal Nazaré182;
- 1983: fundação do Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA). É realizado o
primeiro curso para delegados sindicais do Acre e o primeiro curso para professores
seringueiros;
- 1985: o CTA fornece suporte para a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros
(CNS);
- 1986: fornece suporte à luta para a criação das Reservas Extrativistas;
- 1989: inicia o programa de saúde – Programa de Formação de Agentes Comunitários
de Saúde;
- 1990: inicia o Programa de Desenvolvimento Econômico (Sistemas Agroflorestais e
produção de mel de abelhas nativas) – Programa de formação de agentes para-florestais;
- 1991: Consolidação do Programa de Educação (52 escolas, 1000 alunos / por ano);
- 1992: Início da proposta de consórcio dos Sistemas Agroflorestais; Consolidação do
Programa de Saúde (32 postos, 54 agentes de saúde comunitários formados);
- 1995: Fornece suporte à criação da Rede de ONGs da Amazônia – GTA (Grupo de
Trabalho Amazônico).
- Recebe menção honrosa no prêmio Itaú / UNICEF de Educação, na categoria de
formação continuada de professores;
- 1996: Inicia o primeiro Projeto de Manejo Florestal Comunitário da Amazônia
Brasileira - Projeto Porto Dias. Neste mesmo ano recebe o Prêmio Semana da Amazônia
em Nova York, concedido pela ONG Amanakaa 183;
- 1997 - Prêmio Itaú / UNICEF de educação – primeiro lugar na Categoria Formação
Continuada de Professores;
- 1998 - Elabora o primeiro Plano de Manejo Florestal Comunitário de Produtos não
Madeireiros – Projeto São Luis do Remanso.
- 1999 - inicia a implementação do Projeto de Manejo Florestal Comunitário do
Assentamento Extrativista Chico Mendes. Elaboração do primeiro Plano de Manejo
Florestal da Floresta Nacional do Macauã184.

181
Poronga é o nome da lamparina que os seringueiros utilizavam no auge da produção extrativista de
borracha, o que era também o período de maior exploração do seringueiro.
182
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
183
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
184
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.

178
Primeiro premiado no IV Concurso do Programa de Incentivo à Leitura
MEC/PROLER/FNLIJ – Projeto “Mala de Leitura”;
- 2000 - inicia a implementação do primeiro projeto de Manejo Florestal Comunitário
de Uso Múltiplo no Projeto de Assentamento Agroextrativista São Luís do Remanso.
Início do Projeto “Mulheres Vivas, a Mãe Natureza Agradece”, com apoio do
Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde e Saneamento”185.
- 2001- Primeira Certificação Florestal – FSC para manejo florestal comunitário no PAE
Cachoeira186.
- 2002 – Consolidações da Rede de Produtos Florestais Comunitários – FSC.
- Recebe o prêmio internacional Board on Books for Young People (Suíça), pelo
trabalho da ‘Mala de leitura’.
- 2003 – PAE Porto Dias é a segunda comunidade a receber a certificação FSC no
manejo florestal comunitário na Amazônia.
- Implantação do Projeto de Saneamento em parceria com o governo do estado do Acre.
- 2004 – Condecoração da Ordem da Estrela do Acre no grau comendador ao CTA
pelos trabalhos desenvolvidos no apoio ao manejo comunitário.
Início do programa de formação de lideranças sócio-ambientais: 50 lideranças ligadas a
sindicatos, associações e cooperativas.
- 2005 – Apoio à criação da Cooperativa de Produtos Florestais Comunitários –
COOPERFLORESTA.
- 2007 – Estruturação do programa de produção de conhecimento e políticas públicas do
CTA.
- 2007 – Publicação do livro – “Lições aprendidas no manejo florestal comunitário, oito
anos de assessoria a comunidades”.
- 2008 – Assessoria à criação de grupos de mulheres para produção de artesanato em
áreas de reserva e assentamentos agroflorestais.

185
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm# , acesso em 15/05/2009.
186
O PAE Cachoeira está localizado no município de Xapuri, oficialmente denominado de PAE Chico
Mendes, foi criado pela portaria do INCRA nº 158 de 08/03/89 como Projeto de Assentamento
Extrativista Chico Mendes. Porém, a portaria do INCRA nº 286 de 23 de outubro de 1996 resolve criar,
em substituição à modalidade de Projeto de Assentamento Extrativista, à modalidade de Projeto de
Assentamento Agroextrativista. Esta localidade era o antigo seringal Cachoeira, palco de importantes
lutas dos empates efetuados pelo movimento dos seringueiros neste local. No Cachoeira vivem muitos
membros da família de Chico Mendes e é hoje um local de ‘vitrine’ dos projetos do Governo da Floresta,
tanto pelo manejo comunitário de madeira, como pela pousada ecológica que o governo estadual
construiu neste local. Como expressão da propaganda em torno dos projetos desenvolvidos neste local, foi
capa do caderno ‘Razão Social’ do jornal O Globo de 04 de agosto de 2009.

179
Segundo o Relatório do CTA de 2007 em relação à atuação desta ONG na área
de educação e saúde, no início da década de 1990 o CTA era responsável pelo
acompanhamento de 51 escolas que tinham mais de mil crianças matriculadas por ano.
Para este mesmo período o CTA acompanhava 32 postos de saúde (CTA, 2007, p.3).
Segundo este relatório, as ações do CTA na educação, de 1981 até o final dos anos de
1990, foram responsáveis pelo acompanhamento (e em alguns casos a criação) de mais
de 63 escolas, com uma população estudantil de mais de mil alunos, entre adultos,
jovens e crianças. A partir de 1988, foram iniciadas parcerias para a formação de
agentes locais de saúde, envolvendo a Secretaria Estadual de Saúde e o Centro de
Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular.
O Relatório do CTA de 2007 apresenta as áreas onde esta ONG atua nas
comunidades extrativistas localizadas nas seguintes áreas (ver mapa 03).

Mapa 03 – Áreas de atuação da ONG – Centro de Trabalhadores da Amazônia


(CTA)

Fonte: dados organizados pelo geógrafo Cláudio Cavalcante.

180
Segundo o CTA, um dos seus eixos temáticos de trabalho, o Programa
Comunidades e Floresta, tem como objetivos:
- gerar referências para a ocupação territorial sustentável de áreas extrativistas na
Amazônia;
- contribuir com a disseminação de experiências de Manejo Florestal Comunitário de
Uso Múltiplo (MFCUM), com enfoque no Desenvolvimento Local Sustentável (DLS);
- prestar assessoria técnica a comunidades interessadas, através de processos de
formação, capacitação/treinamento, assessoria e supervisão;
- gerar estudos estratégicos que subsidiem a tomada de decisão pelas associações locais
nas diversas etapas da cadeia produtiva do MFCUM;
- fortalecer o espaço de interação, debate e reflexão sobre políticas públicas voltadas ao
desenvolvimento comunitário, através do Grupo do Programa Comunidade e Floresta
(Relatório do CTA, 2007, p.6). O primeiro dos objetivos acima é resultado do projeto
estratégico de ocupação de terras na Amazônia dos financiadores das ONGs.
Para o alcance desses objetivos o CTA afirma ter como fontes principais de
atuação: o fortalecimento da organização social, o fortalecimento de cadeias produtivas
da floresta (produção e mercado) e a formação em serviço desenvolvido em parceria
com o eixo educação (transversal a todas as ações) (CTA, 2007, p.6). O CTA elege
como princípio orientador de trabalho a “formação para autonomia” e complementa que
para isto:

(...) a organização é trabalhada como um tema transversal a todas as atividades


desenvolvidas junto às organizações comunitárias. Mas também desenvolve
ações específicas para trabalhar a organização social junto aos grupos
atendidos. Estas ações buscam sensibilizar as comunidades apoiadas à reflexão
sobre a organização social e sua importância na vida comunitária. As atividades
são realizadas a partir de ações de assessoria e processos educativos (CTA,
2007, p.6).

Este processo de formação educacional e de fortalecimento de organização


comunitária é a nosso ver um dos princípios norteadores das ações das ONGs no campo
do onguismo (PIQUERAS, 2000) e no atendimento das orientações e recomendações da
USAID e Banco Mundial nas suas estratégias de implementação de políticas
denominadas de desenvolvimento sustentável.
A principal propaganda do CTA para os projetos que desenvolveu na área
educacional está em consonância com a pauta dos organismos ambientalistas para a
educação voltada para a sustentabilidade, conforme colocamos a respeito dos projetos

181
ambientais desenvolvidos pelo programa da USAID, podemos observar tal preocupação
na declaração do coordenador de educação do CTA:

O longo caminho rumo ao desenvolvimento sustentável nas Reservas Extrativistas e


demais unidades de conservação passa pelos domínios do direito agrário, da família, da
educação, etc, pelo exercício da cidadania; pelo trabalho partilhado em organizações
cooperativas; pela execução e administração; ações, tomadas de decisão; enfim, exige
sujeitos capazes de operar em domínios mais abstratos (....) A educação ambiental se
desenvolve a partir desses domínios. Não vem polarizada numa dada linha, mais por
dentro da tecitura, (tessitura, [sic]), da trama urdida, com vistas à formação da cidadania
(CTA, 2001,p.11).

A cartilha de alfabetização do Projeto Seringueiro, utilizando-se do método


Paulo Freire, serviu para aprofundar o conhecimento das relações que os seringueiros
desenvolveram no domínio sobre a natureza; as palavras geradoras inspiraram extensos
relatos que também serviram para reforçar o caráter "ecológico" não predatório da
atividade extrativista.
Pouco se saberá sobre as relações entre homens para produzir coisas, as antigas
relações do aviamento, as recentes relações com os marreteiros e as dificuldades
presentes para se reproduzir. As difíceis relações atuais nos diversos regulamentos que
limitam as atividades produtivas dos camponeses que vivem na reserva extrativista
escondem também a relação com o Estado que cumpre as determinações do
imperialismo para o uso da terra na Amazônia, o ponto extremado de tal conflito é a
atuação repressiva do Estado, através de polícias e do IBAMA.
A geografia do seringueiro, cartilha que expõe as contradições vividas pelos
seringueiros, apresenta uma exposição histórica no mínimo controvertida que fala da
luta dos seringueiros como algo passado. Refere-se a uma revolução tratando da tomada
do território do país vizinho à Bolívia, uma falsificação recorrente que serve para
enaltecer a idéia da construção da nação brasileira e do papel heróico dos seringueiros
na sua trajetória no estado do Acre187. Sobre isto a cartilha coloca:

Em 1902, houve a grande revolução, onde aconteceram muitas lutas e o Acre foi
anexado ao Brasil. O Acre é um estado que custou muito sangue aos brasileiros que nele
lutaram para conseguir este pedaço de terra. Se hoje temos este estado no mapa do
Brasil, foi às custas de sangue dos índios, nordestinos e acreanos (CTA, 1995, p.60).

187
A tese de doutorado de Morais (2008) mostra a forma como foi construída essa imagem e a
apropriação que dela fizeram no governo estadual.

182
Por fim constata a presença dos latifúndios no país, da alta concentração de terra,
porém da otimista perspectiva para os seringueiros como posseiros de terras que são de
propriedade do Estado brasileiro:

As Reservas Extrativistas são uma libertação para nós seringueiros. Com ela nos
livramos, em parte, dos grandes latifundiários e madeireiros, para que possamos criar
nossos filhos e netos em nossas colocações.
Reserva Extrativista (...) é a reforma agrária conquistada por todos nós seringueiros,
representados pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais. Conquistamos resistindo à
expulsão dos latifundiários que estavam ocupando grandes áreas de terras dos seringais.
Com muito suor e muito sangue esses novos direitos deram a nós seringueiros e aos
índios, mais possibilidades de sobrevivência em nossas colocações, sem mais sermos
mandados pelos patrões.
Nas reservas extrativistas vivem muitas pessoas nascidas e criadas lá mesmo,
produzindo, tirando dela o seu sustento. São ricas em vegetação, têm muitas espécies de
animais, tem óleo de copaíba, mel de abelha, palheiras, madeiras para construção das
casas na floresta, além dos nossos principais produtos que são a borracha e a castanha.
O Governo Federal, representado pelo IBAMA, regulamentou a proposta
desapropriando algumas áreas de terras, constituindo a Reserva Extrativista Chico
Mendes.
Hoje nas Reservas nós temos escolas, postos de saúde, núcleos da Cooperativa,
armazéns para estocagem dos produtos, rádios-amadores, peladeiras de arroz, micro-
usina para beneficiamento de castanha (CTA, 1995, p. 83).

Todo este discurso faz parte do projeto de tomar a constituição das áreas de
Reserva Extrativista no Acre como solução do problema da terra e das demais
dificuldades dos camponeses e seringueiros. Conforme mostraremos no capítulo 6 este
processo é hoje desmascarado pela pressão da polícia e do IBAMA sobre os
camponeses com ações de multas, violências e humilhações e a ameaça de serem
retirados das terras onde vivem. A isto respondem os seringueiros organizando-se e
lutando em Xapuri, e Brasiléia, além de tensões latentes ou já expostas no Vale do
Juruá, em um processo renovado da luta pela terra que todo o projeto implementado
pelas ONGs e governo local não conseguiu apagar.

Sobre o controvertido manejo de madeira, segundo entrevista realizada com


Osmarino Amâncio188, essa atividade é hoje, além do problema da terra, uma ameaça
importante à sobrevivência dos seringueiros e extrativistas. Ele atribui a isto tanto o
manejo florestal comunitário como o empresarial. O primeiro fartamente
propagandeado pelo governo do Acre como saída econômica para as populações
extrativistas. O CTA começou a introduzir o manejo madeireiro a partir do projeto

188
As entrevistas citadas com Osmarino Amâncio foram realizadas em Brasiléia em 02/01/2009.

183
Manejo Florestal de Uso Múltiplo aplicado no AntiMary189. Segundo Osmarino
Amâncio este projeto é responsável pela grave situação de desmatamento e suas
conseqüências sobre as atividades extrativistas e da subsistência (como a caça) para a
população deste local.
O CTA, no seu relatório de 2007, ressalta a importância de suas ações no apoio à
produção madeireira ao afirmar:

Esta atividade (a madeireira) tem sido uma das principais frentes de atuação do CTA,
fazendo parte da proposta de desenvolvimento econômico a partir da metade da década
de 1990, em que muito se aprendeu junto às comunidades, principalmente no que diz
respeito ao conhecimento construído e a forma de trabalho (técnica). Tal frente tem
como objetivo principal o uso racional da floresta pelas comunidades extrativistas,
contribuindo assim para a redução do desmatamento e agregação da renda familiar
(CTA, 2007, p.8).

O mesmo relatório destaca os resultados dos processos de gestão da produção


florestal madeireira comunitária:
a) fortalecimento da COOPERFLORESTA nas comunidades envolvidas no manejo
florestal comunitário;
b) fortalecimento da parceria CTA e COOPERFLORESTA;
c) condições de certificação florestal, relativas ao componente madeira cumpridas pelas
comunidades certificadas FSC com assessoria do CTA e COOPERFLORESTA;
d) renda média anual de R$ 3.000,00 por família envolvida no manejo madeireiro nas
duas associações do Projeto Agroextrativista Porto Dias e São Luis do Remanso (CTA,
2007).
A FSC e a COOPERFLORESTA190 apoiadas pelas políticas públicas do governo
estadual, principalmente pela Secretaria Estadual de Florestas (SEF), são, juntamente
com o CTA, as principais organizações do manejo madeireiro no Acre. A
COOPERFLORESTA foi criada por iniciativa do governo do Acre e representa os
interesses dos empresários madeireiros. A atividade madeireira é beneficiada por
incentivos governamentais, 100% de isenção do ICMS para produtos madeireiros

189
A Floresta Estadual do AntiMary possui uma área de 66.168 ha e está localizada no município de
Bujari (AC). Desde 1986 o ITTO (Organização Mundial para o Comércio de Madeira Tropical) realizou o
financiamento de US$ 3.000.000,00 para estudos de manejo madeireiro que visam estimular o “uso
sustentável” desta floresta estadual (FRERIS, N. & LASCHEFSKI, K. ,2001, p.5).
190
A COOPERFLORESTA (Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários) foi, constituída em
agosto de 2005, tem como objetivo desenvolver políticas comuns de estruturação do manejo florestal
madeireiro comunitário, nos processos de licenciamento, produção, beneficiamento e comercialização.
Fonte: http://www.iiba.com.br/

184
certificados, como também por políticas de convencimento das comunidades para
aderirem ao manejo de madeira, ação executada pelo CTA com o governo do estado. A
COOPERFLORESTA estava atrasada, em um ano e três meses, com o pagamento das
famílias de manejadores das duas associações do PAE Cachoeira, conforme informação
do Sr. Sebastião Teixeira Mendes (em conversa conosco no PAE Cachoeira, em
18/12/2008).
Segundo Freris & Laschefski (2001), a certificação propagandeada pelo FSC é
uma “fachada verde da exploração madeireira”. Segundo os autores, o FSC ao ser
criado em 1993 teria como tarefa definir os princípios e critérios globais para florestas
que fossem bem manejadas ecologicamente. Baseado nisto, o FSC executa a
certificação ambiental que nada tem de independente. Isto ocorre devido aos interesses
econômicos que estão em jogo no mercado mundial de madeiras.
Neste processo aparecem também as grandes ONGs ambientalistas que
paradoxalmente passaram a defender as atividades de extração madeireira sob o véu do
manejo madeireiro. A WWF estabeleceu grupos de compradores de madeira em vários
países que foram organizados numa rede mundial de comércio madeireiro certificado
intitulado Global Forest and Trade Network (FRERIS & LASCHEFSKI, 2001, p. 2).
Além disso, o WWF realizou uma consultoria que reverteu o quadro da tendência de
financiamento do Banco Mundial para a atividade madeireira. Esses financiamentos do
BM tinham sido anteriormente suspensos pelas denúncias efetuadas por ONGs, WWF,
Greenpeace e Amigos da Terra, que a atividade madeireira era a responsável pelo
desmatamento das florestas tropicais. Posteriormente serão estas mesmas ONGs as
principais gestoras dos controvertidos planos comunitários de manejo madeireiro
efetuados na Amazônia.
Freris & Laschefski (2001) apontam sete mitos sobre a certificação
ambientalmente sustentável do manejo madeireiro: 1) a exploração madeireira, dentro
dos critérios de certificação, tem um impacto mínimo sobre a floresta; 2) a vocação
florestal da Amazônia como algo inevitável frente ao mercado global de madeira; 3) a
certificação pelo FSC incrementa o valor econômico das florestas “bem manejadas”,
desestimulando o desmatamento, como no caso do corte raso para a agricultura e a
pecuária; 4) a exploração madeireira por empresas certificadas estimula a economia
regional, oferece oportunidades de emprego e representa uma alternativa ao
desmatamento pelo uso tradicional da terra; 5) as empresas certificadas são
comprometidas com a transparência total e por isso evitam a exploração ilegal; 6) a

185
exploração seletiva de madeira aumenta a capacidade florestal para fixar carbono,
reduzindo o efeito estufa; 7) muitos consumidores na Europa e no EUA pagariam mais
caro pelos produtos com um selo verde (FRERIS & LASCHEFSKI, 2001). Os autores
concluem que a certificação tem um impacto insignificante na exploração predatória das
florestas tropicais e que a FSC é a responsável, juntamente com ONGs, pela abertura do
mercado para madeira tropical na Europa e no EUA que haviam ficado restritos com as
campanhas de boicote ao comércio madeireiro efetuado pelas mesmas ONGs nos anos
de 1990.
Embora o CTA tenha divulgado as benesses da atividade de manejo para as
comunidades, tendo como base a certificação do FSC, cabe mencionar que esta
certificadora trabalha basicamente com as grandes companhias madeireiras para
exportação. De um total de 3.225.044 hectares de áreas certificadas pela FSC, apenas
0,7% (23.397 hectares) representam projetos de base comunitária (ZHOURI, 2006,
p.169). Esta lógica de certificação madeireira para grandes negócios foi reforçada com a
Lei de Gestão de Florestas Públicas (PLC 62/2005)191 que permite o arrendamento de
áreas de florestas na Amazônia, acelerando e aprofundando o saque sobre os recursos
desta região.Segundo o CTA o reconhecimento das Reservas Extrativistas - RESEX e
Projetos de Assentamento Agroextrativistas – PAE garantiram “às comunidades
extrativistas o acesso à terra e foi a grande conquista das populações tradicionais com
importante participação do CTA”. Disto resultou, segundo o CTA, a solução do
problema da terra:

O movimento seringueiro e socioambiental contabilizam hoje, na Amazônia,


120 territórios protegidos abrangendo mais de 22 milhões de hectares, ou 5,4%
da floresta, colocados sob o regime de modalidades de conservação de uso
sustentável e de reforma agrária, beneficiando em torno de 196 mil pessoas que
vivem nesses territórios. Além disso, 73 novas áreas encontram-se em processo
de criação, em regiões consideradas prioritárias pelos seus moradores192
(destacado nosso).

Este discurso do CTA de atribuir ao movimento de luta pela terra um caráter


socio-ambiental, retirando dele seu caráter de classe, de oposição entre os camponeses e
latifundiários, faz parte das estratégias de ações das ONGs ao quererem demonstrar que

191
Sobre as conseqüências da Lei de Gestão de Florestas Públicas ver os artigos recentes publicados na
internet de Ariovaldo Umbelino de Oliveira:
http://www.noticiasdaamazonia.com.br/3859-a-grilagem-de-terras-publicas-na-amazonia-por-ariovaldo-
umbelino-de-oliveira/
192
http://www.cta-acre.org/pag_historico.htm#, acesso em 15/05/2009.

186
o problema da Amazônia é a questão ambiental.193 No próximo capítulo abordaremos
como ocorreu no Acre o processo de desmobilização da luta dos camponeses e como o
imperialismo, através de ONGs e do governo local, apresenta como solução ao
problema da terra a constituição de áreas de preservação.
O CTA atribui a si a manutenção das “comunidades da floresta” na floresta. Para
isto ressalta a importância das organizações que os apóiam:

Trabalhamos com a cooperação do governo do Estado do Acre e agências de


cooperação internacionais como USAID, Fundação Moore, entre outras. Que tiveram
um papel muito importante na consolidação das frentes de formação do CTA; ações de
apoio a educação escolar às escolas localizadas nas comunidades extrativistas;
mobilização comunitária em torno do manejo comunitário e nas ações de articulação
para o desenvolvimento comunitário194.

É muito utilizado pelas ONGs o termo “parceiras”195 para denominar


organizações que trabalham em conjunto com suas ações. Estas “parcerias” envolvem
desde poderosas organizações imperialistas, como a USAID, associações de produtores,
governo e organizações de classe como sindicatos e outros. O quadro dos “parceiros” do
CTA é composto pelas seguintes organizações:

193
Esta visão é sintetizada no documento “O fim da floresta? A devastação das Unidades de Conservação
e Terras Indígenas no Estado de Rondônia”, publicado pela rede de ONGs GTA (Grupo de Trabalho
Amazônico) em 2008. Disponível em : http://www.amazonia.org.br/arquivos/274515.pdf
194
Fonte: http://www.cta-acre.org/pg_parcerias.htm. Acesso em 12/05/2009
195
Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa parceiro significa “que não apresenta diferença,
ou quase não apresenta diferença em relação a outro; igual, semelhante, par.”

187
Quadro 05 - Organizações parceiras do CTA
Organizações do imperialismo
USAID – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza
CIFOR – Centro Internacional para Pesquisa Florestal
Universidade da Flórida – UF
Fundação Moore
WWF Brasil – Programa Amazônia
FSC – Brasil – Conselho Brasileiro de Manejo Florestal
GTZ – Cooperação Técnica Alemã
Organizações do governo
Governo do estado do Acre
Ministério do Meio-Ambiente
Serviço Florestal Brasileiro
Secretaria de Agroextrativismo
Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA
IBAMA – CENAFLOR
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE
Fundação de Tecnologia do Acre – FUNTAC
Ministério do Trabalho – Programa Primeiro Emprego
ONGs e outros
IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
GTA – Grupo de Trabalho Amazônico
SOS – Amazônia
COOPERACRE – Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do
Acre
Organizações dos trabalhadores
CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros
FETACRE – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado do Acre
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CTA de 2009 196

Em 2001 o Relatório Anual do CTA apresentava as seguintes organizações


como principais financiadoras de suas atividades: Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), NOVIB, Organização Mundial de Madeiras Tropicais (ITTO),
Centro Latino-americano (LAZ), a Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA),
Programa Pró-Manejo do PPG-7, Programa DST/AIDS, UNESCO, Governo do Estado
do Acre e BrasilConnects197.

5.2.3 - SOS Amazônia

A SOS Amazônia foi fundada em Rio Branco, em 30 de setembro de 1988.


Surgiu a partir da mobilização de profissionais da UFAC, funcionários públicos e de

196
Fonte: http://www.cta-acre.org/pg_parcerias.htm , acesso em 12/05/2009.
197
Não consta no Relatório informações sobre os valores de financiamento, entretanto pela magnitude das
ações e a área de abrangência das ações do CTA, podemos inferir que suas atividades requerem quantias
consideráveis já que englobam desde projetos de educação sexual até projetos de manejo madeireiro.

188
representantes de movimentos sociais, que “se aliaram para denunciar, conscientizar e
mobilizar a sociedade frente às crescentes agressões sofridas pela Floresta
Amazônica”198. Segundo sua página na Internet, a SOS possui como eixos de trabalho a
educação ambiental, áreas protegidas e políticas públicas e foi criada com o objetivo de:

Denunciar as agressões à Floresta Amazônica, apoiar o movimento de resistência dos


seringueiros aos desmatamentos das florestas no Acre e colaborar com a formação de
uma opinião pública que valorizasse a conservação e a preservação ambiental. Na
assembléia de criação participaram professores da Universidade Federal do Acre,
servidores públicos e líderes do movimento social, destacando-se Chico Mendes
(destacado nosso)199.

Afirma como missão:


Promover na sociedade o crescimento da consciência ambiental, a proteção dos recursos
naturais renováveis e a conservação da biodiversidade, para garantir vida saudável às
atuais e futuras gerações (SOS AMAZÔNIA, 2007, p.4)200.

Segundo as informações do Relatório de Atividades da SOS Amazônia (2005-


2007) aponta as seguintes finalidades:
- promover a formação da opinião pública favorável à conservação ambiental através da
difusão de hábitos e práticas sustentáveis;
- contribuir com a gestão de unidade de conservação de proteção integral na Amazônia
através da elaboração e implementação de planos de manejo, com a criação de novas
unidades de conservação, através de estudos científicos e planejamento integrado destas
áreas protegidas e Projetos de Assentamento Rural em áreas de floresta;
- atuar em fóruns públicos de âmbito local, regional e nacional propondo e defendendo
políticas e iniciativas que promovam a conservação da floresta amazônica;
- monitorar a execução de políticas para a Amazônia que afetem diretamente a
conservação da floresta;
- monitorar a implementação do controle ambiental empreendidos pelos Governos, em
especial os licenciamentos e autorizações para exploração madeireira, desmatamento e
queima de floresta (SOS AMAZÔNIA, 2007, p.4).
A respeito desses objetivos e finalidades da SOS a pergunta que cabe fazer é
quais os interesses que esta ONG defende. Apontamos no capítulo sobre política

198
SOS Amazônia. Relatório de atividades 2002-2004, p.3.
199
http://www.sosamazonia.org.br/site2/, acesso em 20/05/2009.
200
Relatório de Atividades da SOS Amazônia (2005-2007):
http://www.sosamazonia.org.br/site2/arq_sos/rel_ativ_SOS_2005_2007.pdf , acesso em 20/05/2009

189
ambiental do imperialismo sobre os projetos e estratégias que as organizações estatais e
grandes ONGs desenvolveram para as áreas de florestas tropicais: as políticas
conservacionistas, a educação ambiental e a implementação de áreas de reserva fazem
parte deste programa.
A seguir apresentamos os projetos desenvolvidos pela SOS Amazônia que
reproduzimos dos seus Relatórios de Atividades referentes aos períodos de 2002-2004 e
2005-2007201; nosso objetivo é ter uma dimensão dos projetos desenvolvidos por esta
ONG no Acre.

1) Consórcio AMAZONIAR

Conectando Comunidades Florestais e Paisagens para o Desenvolvimento


Sustentável do Sudeste da Amazônia Brasileira. O Consórcio Amazoniar iniciado em
2003, é formado por cinco ONGs: WWF-Brasil (líder do Consórcio), Associação de
Defesa Etno-Ambiental Kanindé, Centro de Trabalhadores da Amazônia(CTA),
Conselho de Certificação Florestal (FSC) e SOS-Amazônia. O Consórcio foi financiado
pelo WWF-Brasil e USAID.
Segundo a SOS Amazônia o Consórcio Amazoniar foi formado para
fortalecer e expandir as ações das cinco ONGs consorciadas com o objetivo de criar um
“sistema integrado de gestão ambiental e uso sustentável dos recursos naturais do
sudoeste da Amazônia”. As atividades propostas foram:
- Envolver cientistas e professores universitários na capacitação de pessoal para a área
de conservação202;
- Promover cursos de capacitação para estudantes universitários e técnicos de governo e
de ONGs em gestão ambiental;
- Promover cursos de capacitação para professores e funcionários de escolas de ensino
fundamental em educação e gestão ambiental;
- Promover a capacitação de conselheiros que atuam na área de gestão ambiental.
Sua área de atuação no Acre envolvia atividades nos municípios de Assis Brasil,
Sena Madureira, Manuel Urbano, Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Cruzeiro do Sul,

201
Relatório de Atividades SOS Amazônia (2002 -2004):
http://www.sosamazonia.org.br/site2/arq_sos/rel_ativ_SOS_2002_2004.pdf ,acesso em 20/05/2009
Relatório de Atividades da SOS Amazônia (2005-2007):
http://www.sosamazonia.org.br/site2/arq_sos/rel_ativ_SOS_2005_2007.pdf , acesso em 20/05/2009
202
Sobre a relação de setores da intelectualidade brasileira com projetos do ambientalismo ver Bentes
(2005).

190
Porto Walter, Marechal Thaumaturgo e no estado de Rondônia, no município de Campo
Novo (ver mapa 04).

Mapa 04 – Áreas de atuação da ONG SOS Amazônia

Fonte: dados organizados pelo geógrafo Cláudio Cavalcante.

2) Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas e Certificação Florestal no


Acre

Para a implementação do Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas


(SEANP), a SOS Amazônia tinha como atividade elaborar a proposta de
regulamentação, estruturação e operacionalização do SEANP. Para isto contou com o
financiamento da WWF e da Fundação Moore.

3) Sensibilização de comunidades tradicionais na promoção da conservação de


recursos naturais em um mosaico de Áreas Protegidas em Marechal Thaumaturgo
(Acre)

Segundo a SOS este projeto visava a troca de informações entre monitores


ambientais da Reserva Extrativista do Alto Juruá, Parque Nacional da Serra do Divisor e
moradores do entorno destas áreas protegidas que realizam monitoramento de alvos de
conservação, em especial os quelônios, “visando à promoção da conservação desta
Ordem Animal que sofre grande pressão de uso pela comunidade local”. O projeto foi
191
financiado pelo Ministério da Justiça/Secretaria de Direito Econômico/Conselho Federal
Gestor dos Direitos Difusos.

4) Cluster Comunidades e Mercado

Para a SOS este projeto visava apoiar comunidades e os mercados em relação às


seguintes questões-chave: desenvolvimento local e geração de renda, formação e
desenvolvimento de capacidades, governança203 e gestão, desenvolvimento de
capacidades para organizações locais, biodiversidade e relações de gênero. O projeto
financiado pelo WWF e USAID teve como parceiros as seguintes organizações: WWF-
Brasil, Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA), FSC Brasil, Kanindé, PESACRE,
IMAFLORA e GTA.

5) Elaboração do Plano de Manejo do Parque Estadual Chandless e da Estação


Ecológica Rio Acre

Financiador: Projeto ARPA, FUNBIO, Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) e WWF –


Brasil.

6) Manejo Ambiental Bacia e Estradas (Consórcio MABE).

Parceiros: IPAM, Universidade da Flórida e Woods Hole Research Center


Financiador: Universidade da Flórida / USAID.

7) SOS Nascentes do igarapé São Francisco.

Financiador: Instituto HSBC Solidariedade.

8) Conservação da Fronteira da Serra do Divisor – Brasil / Peru.

Projeto financiado pela TNC e Fundação Moore, a SOS contou com as seguintes
parcerias: TNC, Comissão Pró-Índio(CPI-AC) e do Peru as seguintes organizações:
ProNaturaleza, Sociedade Peruana de Derecho Ambiental, Universidade Nacional de La
Molina e Centro de Dados para a Conservação.

203
Termo utilizado pelo Banco Mundial e FMI é definido como: “A governança é a capacidade das
sociedades humanas para se dotarem de sistemas de representação, de instituições e processos, de corpos
sociais, para elas mesmas se gerirem, em um movimento voluntário. Esta capacidade de consciência (o
movimento voluntário), de organização (as instituições, os corpos sociais), de conceitualização (os
sistemas de representação), de adaptação a novas situações é uma característica das sociedades humanas.
É um dos traços que as distinguem das outras sociedades de seres vivos, animais e vegetais”. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Governan%C3%A7a

192
9) Comunidades: melhorando condições de vida e protegendo o Parque Nacional
da Serra do Divisor

Projeto financiado pelo BID; segundo a SOS Amazônia este projeto teve como
objetivo incentivar comunidades e famílias rurais residentes no Vale do Juruá a
protegerem o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). As atividades
desenvolvidas foram:
- Orientar famílias residentes no entorno do PNSD a acessar os benefícios que esta
unidade de conservação deve proporcionar;
- Apresentar às famílias que moram no entorno do Parque, perspectivas e oportunidades
econômicas de uso sustentável dos recursos florestais;
- Apoiar as associações das Comunidades Triunfo e Grajaú no acesso de recursos junto
ao Pró-Florestania204.
Em relação aos recursos financeiros, segundo o Relatório da SOS Amazônia de
2007, o montante de recursos para esse ano foi de R$ 1.130.290,00, sendo que 75%
destes recursos foram doados por agências internacionais, 12% por agências nacionais,
11% por convênios com o governo e 2% de receitas sociais e operacionais. Como
exemplo apresentamos no quadro 06 as organizações do imperialismo financiadoras dos
projetos das ONGs PESACRE, CTA e SOS Amazônia. Como diz o sociólogo espanhol
Gómez Gil: “Me diga quem te financias e te direi quem és”.

204
Financiado pelo BID o Pró-Florestania é um programa do Governo do Acre que elenca como seu
objetivo: “(...) apoiar populações tradicionais e agricultores familiares visando melhoria na qualidade de
vida com o uso sustentável dos recursos naturais. O PRÓ-FLORESTANIA é coordenado e executado pela
SEPROF e possui as seguintes áreas temáticas: recuperação de áreas alteradas; promoção da cadeia
produtiva; promoção da pecuária orgânica; extração sustentável de recursos naturais”. Fonte:
http://www.ac.gov.br/contratobid/coexecutores/seprof.htm , acesso em 30/05/09

193
Quadro 06 - Organizações do imperialismo que financiam o PESACRE, SOS
Amazônia e CTA
Organizações financiadoras por procedência
EUA:
USAID
Programa de Segurança e Educação Nacional do EUA (NSEP)
Comissão Fulbright (EUA e Brasil)
Fundação Nacional de Ciência do EUA
Fundação W. Alton Jones
Fundação Hewlett
Fundação Ford
Fundação Moore
Universidade da Flórida
WWF
TNC
IUCN
CIFOR
BID
Europa
União Européia
Departamento para o Desenvolvimento Internacional / Conselho Britânico
NOVIB
UNCTAD
Ásia
ITTO
Fonte: Elaboração própria a partir das informações divulgadas nos relatórios do CTA,
PESACRE e SOS Amazônia.

Das ações e projetos que mostramos das ONGs, neste capítulo e nos anteriores, é
importante ressaltar o caráter de sua legitimação. O primeiro passo para constituição de
uma ONG é o contato com o financiador, a ONG é constituída para atender em primeiro
lugar os interesses que aparecem como globais, universais e não de uma classe. Seu
reconhecimento por parte daqueles que receberão seus serviços, recursos, etc., decorre
da sua própria ação de doar e prestar serviços. Primeiro ela se legitima diante das
organizações do imperialismo e depois busca uma relativa legitimação com os
beneficiários de suas ações no país; sempre haverá possíveis beneficiários de suas ações
em um país dominado pelo imperialismo. Não há nenhum razão para uma ONG expor
os objetivos estratégicos de quem a financia, ao contrário, ela definirá seus objetivos em
função das ações que vai desenvolver no país, da relação com outras organizações do
mesmo caráter, governamentais ou privadas, com objetivo de lucro. A possibilidade dos
beneficiários das ações das ONGs poderem modificar os objetivos da organização não
está em questão, seu pretenso caráter democrático está em tornar supostamente
democrático o Estado do país dominado e por conseqüência falar em nome da

194
democracia praticada pelo imperialismo.
Scherer-Warren (2001), como uma concepção pós-modernista defende a idéia do
que foi denominado como uma “sociedade civil planetária”; para tanto seriam
necessárias as formas de articulação política e de socialização de experiências que para
a autora poderiam estar expressas no Brasil no processo de integração das ONGs do
Norte e do Sul:

(...) o fato de uma ONG ser partícipe de uma rede de movimento e ter uma
identidade própria não significa ser vanguardista ou pretender ser protagonista
exclusiva. Significa, sim, ser um elo de um tecido social movimentista que vem
se formando no seio da sociedade civil. Significa, sim, ser um dos atores em
torno de uma nova concepção de movimento social (enquanto rede) e de uma
ação política mais democrática, mais horizontal e mais pluralista, em
consonância com uma nova ética política, transnacional, que vem sendo gestada
(SCHERER-WARREN, 2001, p. 179).

Outro termo bastante divulgado pelas ONGs é a governança como proposta para
a sociedade; especificamente para as ações relacionadas ao meio ambiente é proposta a
‘governança ambiental global’205 e para isto é destacado o papel das ONGs nas
seguintes atividades, que parecem ser um manual de constituição de ONGs:

- assessoria e análise especializadas: as ONGs podem facilitar negociações, dando aos


políticos acesso a idéias antagônicas oriundas de fora dos canais burocráticos normais;
- competitividade intelectual com governos: as ONGs geralmente têm mais capacidade
analítica e técnica para responder com maior rapidez do que funcionários
governamentais;
- mobilização da opinião pública: as ONGs podem influenciar o público mediante
campanhas de grande alcance;
- representação dos sem-voz: as ONGs podem ajudar a dar voz aos interesses de pessoas
insuficientemente representadas nos processos de decisão política;
- fornecimento de serviço: as ONGs podem transmitir conhecimento técnico sobre
determinados tópicos conforme as necessidades de funcionários governamentais, bem
como participar diretamente de atividades operacionais;
- monitoramento e avaliação: as ONGs podem ajudar a fortalecer acordos
internacionais, monitorando esforços de negociação e o cumprimento de medidas por
parte de governos;
- legitimação de mecanismos de decisão em escala global: as ONGs podem ampliar a
base de informação para o processo decisório, melhorando a qualidade, a autoridade e a
legitimidade das escolhas políticas feitas por organismos internacionais (GEMMIL, B.
& BAMIDELE-IZU, A. 2005, p. 96-97).

205
Sobre o projeto da governança ambiental global ver, ESTY, D. & IVANOVA, M. (2005).

195
Ao analisar as questões teóricas dos chamados “novos movimentos sociais206”,
nos quais se inserem o discurso das ONGs, Inda & Duek (2007) discutem acerca do
significado da defesa de parte considerável da intelectualidade das ciências humanas
que compactuam com a análise do fim da luta de classes. Esta corrente alega que a
sociedade apresenta múltiplas contradições, maior heterogeneidade e fragmentação dos
autores sociais e dos conflitos, portanto a sociedade seria mais complexa. As autoras
respondem às críticas de atribuir à análise marxista uma definição simplista e dualista
entre classe burguesa e proletária, e lembram que a distinção central no marxismo é
entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção (INDA & DUEK, 2007,
p. 3). Os termos que revelam a classe como proletariado, classe trabalhadora são
substituídos por pobres, vulneráveis e excluídos. Isto tem como conseqüência a prática
presente no onguismo de servir de apaziguador da luta de classes.
A ativista e escritora indiana Arundhati Roy designou como conseqüência da
prática das ONGs o termo “onguização da política”. Isto ocorre pelas conseqüências da
grande ação das ONGs em todos os continentes que, segundo Roy (2007), contribui
concretamente para acalmar a fúria política de movimentos organizados e de frear a
organização de outros ao distribuírem ajuda e benevolência no que de fato as pessoas
possuem por direito. Por isto para Roy (2007) as ONGs vão servir de “amortecedores”
entre o governo e o público, entre o “império e seus súditos”. As ONGs, ao imporem
uma agenda definida segundo os interesses de quem as financia, convertem o confronto
em negociação e são por isto as “missionárias seculares do mundo moderno” (ROY,
2007).
Piqueras (2001) citando Petras (1999, 2000a, 2000b), para o qual as ONGs são
bombeiros da luta de classe, acentua como características comuns das ONGs: a) são
organizações “privadas” altamente dependentes dos centros de poder financeiro (dos
países imperialistas); b) são ofertadoras de recursos necessários, diante da ausência do
Estado, porém nunca suficientes e disto criam “clientelas”; c) são formadas por setores
das classes médias que se promovem como intermediárias entre os pobres e o Estado,
tanto nacional quanto internacionalmente; d) agem politicamente conscientes para
substituir as organizações populares e classistas; e) são vias de promoção social e
treinamento social e político (muitas vezes como quadros para o Estado), assim como

206
Os “novos movimentos sociais” são precisamente definidos pelo fato de que suas bases e consignas
transcendem os limites de classe (INDA & DUEK, 2007).

196
empregadoras de camadas privilegiadas das classes médias (PETRAS apud
PIQUERAS, 2001, p. 12).
Para Piqueras (2001), a ação das ONGs como processo, o onguismo, não
promove nenhuma transformação estrutural da sociedade, senão medidas paliativas e
maquiadoras da ordem capitalista. As políticas das ONGs não alcançam sequer um
reformismo e criam uma “clientela” dependente dos seus projetos porque estas ações
são seletivas e paliativas, assistencialistas e segmentadas territorialmente (PIQUERAS,
2001, p.13).
No estado do Acre verificamos, a respeito das ações dos projetos descritos das
três ONGs (CTA, PESACRE e SOS Amazônia), a definição desta “clientela” quando as
ONGs elegem determinadas comunidades como alvo de execução de seus projetos.
Poderíamos denominar que no Acre caberia para as populações das comunidades a
expressão “com ONGs” e “sem ONGs”. Longe de um projeto emancipatório o
onguismo caminha com os projetos da reestruturação neoliberal que atribui à classe
trabalhadora a culpa e a responsabilidade de seus problemas. Neste locus cabe bem o
conceito de sociedade civil como é entendido pela líder sindicalista Dercy Telles Cunha:
“sociedade civil é tudo aquilo que hoje o Estado não deseja assumir como
responsabilidade, ou seja, tudo que o Estado não assume socialmente, ele atribui à
sociedade civil”207. Portanto o onguismo é também:

(...) fruto da confluência do desenvolvimento associativo do capitalismo tardio e da


atual forma de desregulação social pós-keynesiana (nas sociedades centrais) e pós-
populistas (nas sociedades periféricas) suscitadas pelo capitalismo monopolista
transnacional. Em sua eclosão se mesclam razões associativas próprias do dinamismo da
sociedade (traduzidas também em motivações pessoais), com um marco político-
econômico que as possibilitou e estimulou. Sua tendência atual se deve em boa parte a
fatores de caráter estrutural que dirigem e potencializam um tipo de associativismo de
‘fins sociais’, assistencialista e paliativo. Porém por sua vez, paradoxalmente, esse
associativismo ‘bate o pé’ ou atua sobre as mesmas contradições do sistema,
aumentando às vezes sua visibilidade. Este último unido a seu papel como campo de
confluência e participação de atores de outra forma dispersos, assim como a suas
potencialidades de articulação social, faz pender sobre o mesmo uma contínua
reorientação ou refuncionalização, pelo que não pode opor-se a suas possibilidades
transformadoras (PIQUERAS, 2001, p.14).

O onguismo provoca a desmobilização da luta de classes e promove o processo


dos denominados “novos movimentos sociais” que, ao descaracterizar ideologicamente
o caráter antagônico das classes no capitalismo, enfoca a luta na resistência das minorias
207
Dercy Teles Cunha de Carvalho, foi presidente do STR de Xapuri em 1981, reassumiu o sindicato em
2006 e foi reeleita presidente do STR em 2009. Entrevista no Seringal Pimenteira (Xapuri) em
14/12/2008.

197
e disto resulta uma promoção das identidades das mulheres, negros, quilombolas,
seringueiros e “povos da floresta”, que representam movimentos parcializados e
fragmentados, e reforça reivindicações pontuais.
Então o foco não é mais a violência exercida pelo Estado e classes dominantes e
a exploração do sistema e, sim, como exemplo, a violência doméstica (entendemos que
a luta pela emancipação das mulheres faz parte da luta de libertação dos oprimidos), a
garantia de terra para minoria em detrimento da grande maioria dos camponeses, no
lugar da exploração a que estão submetidos os grupos étnicos se promove a discussão de
suas identidades. Neste campo o onguismo soube transformar a luta pela terra dos
seringueiros do Acre na luta pela preservação do meio-ambiente, os “grandes sujeitos”
do processo da luta se transformam nos “micro sujeitos” que o ambientalismo ongueiro
elevou à categoria dos salvadores do planeta e “guardiões da floresta”.

198
Capítulo 6 - As conseqüências sociais e econômicas do ambientalismo ongueiro no
estado do Acre

Neste capítulo buscamos tratar do problema da terra no Acre e suas


conseqüências sobre a vida dos camponeses de dois locais que pesquisamos: o Parque
Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista Chico Mendes. Abrangemos este
problema no contexto das políticas desenvolvidas pelas ONGs ambientalistas como
executoras da política ambiental que resultou em uma reconfiguração do espaço agrário
da Amazônia. No Acre a constituição da Reserva Extrativista Chico Mendes foi
colocada como exemplo e modelo de solução do problema da terra ao ser denominada
como a “reforma agrária da Amazônia”. Partimos do entendimento da luta classista
desencadeada pelo movimento dos seringueiros acreanos em sua luta pela terra e a
posterior aliança que este movimento efetuou com as ONGs, e as conseqüências disso
em relação à luta pela terra no estado do Acre.

6.1 – Da relação de aviamento aos “guardiões da floresta”: o histórico problema da


terra

Os seringueiros da Amazônia e do Acre eram em sua maioria nordestinos que


migraram para esta região no período da economia da borracha208. Oliveira (1985) cita
as estimativas de Celso Furtado de 500.000 migrantes que vieram para a Amazônia,
principalmente cearenses, no período de 1872 a 1910, para trabalharem na extração do
látex da seringueira (Hevea brasiliensis), matéria prima fundamental para a indústria
automobilística nascente. Sobre isto afirma Oliveira (1985):

A grande maioria era constituída por homens, jovens ou adultos, que tinham como força
de trabalho, despojada de qualquer condição ou instrumento de produção, engajar-se na
empresa extrativista da borracha. Basicamente não era mais uma migração “espontânea”
e, sim, uma migração organizada pelo capital mercantil, representado pelas Casas
Aviadoras e pelos seringalistas, interessados tão somente na capacidade de trabalho da
população. Foi, sem dúvida, uma migração de força-de-trabalho, porém em um contexto
típico de uma região em que a coexistência de relações de produção indicava as
limitações do desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista
(OLIVEIRA, 1985, p. 15).

Para Euclides da Cunha a relação de aviamento era a “mais criminosa


organização do trabalho que ainda engenhou o mais desaçamado egoísmo” (CUNHA,

208
A economia da borracha teve seu auge no primeiro ciclo (1879-1912), depois passa por um período de
decadência e ocorre o segundo ciclo desta economia (1942-1945). Este último período foi resultado dos
incentivos dados pelo governo brasileiro à atividade de produção da borracha para suprir o mercado
internacional dos países aliados, devido ao fato dos demais países asiáticos produtores da borracha
estarem sob o domínio do Japão. Ver Martinello (2004).

199
1975. p.35). As relações a que estavam submetidos o seringueiro ao patrão seringalista
são descritas por Oliveira (1985):

O trabalhador era um escravo do barracão. Desde a partida do Ceará, principiava a


dever. A passagem até Belém, de Belém ao seringal nos altos rios, os utensílios de
trabalho, os víveres para 3 meses, tudo lhe era debitado. (...) Nos anos iniciais de seu
trabalho, não conseguia saldar o débito com o Seringalista no barracão. Tinha que
“aviar-se” com o patrão e os preços eram por ele ditados pesadamente majorados. Era
obrigado a pagar a “renda” da borracha e vendê-la ao Seringalista, que também
estipulava o preço em referência ao preço pago pelas Casas Aviadoras. Em suma, o
seringueiro era submetido ao monopólio da compra e ao monopsônio da venda, fórmula
tão cara ao capital mercantil e que se aplicava também à fase seguinte do circuito, ou
seja, aquela que chega até as Casas Aviadoras. Mas, na verdade, o seringueiro era a
ponta final desse complexo esquema de espoliação e justamente o elo mais débil,
indefeso, dessa trama, e, como tal, o mais duramente submetido, explorado
(OLIVEIRA, 1985, p.22).

A vinda dos nordestinos para a Amazônia era resultado do problema agrário que
há muito os camponeses enfrentavam no sertão, conforme relata Oliveira (1985):

(...) A organização econômica que caracterizava o sertão era moldada nos limites dos
grandes latifundiários formados desde o século XVIII, na rota de penetração da
pecuária. Mais tarde, esses latifundiários corresponderam às fazendas mistas, onde a
pecuária consorciava-se à produção de algodão e gêneros de subsistência. As relações
sociais vigentes induziram a que a força de trabalho fosse imobilizada nos domínios da
grande propriedade, trabalhando em “meia” ou “terça” para o proprietário ou em
“sujeição”, fornecendo dias de trabalho gratuito. As relações de coação extra econômica
assemelhavam-se às relações “semi-servis” e correspondiam à repressão e imobilização
de força de trabalho nos marcos senhorial. Por outro, a família do “morador” praticava
agricultura de subsistência e tinha participação nas vendas dos produtos
comercializados. Desse modo, a imobilização da força de trabalho não era compatível
com o caráter camponês da produção direta familiar, embora o latifundiário se
apropriasse de parte da renda-trabalho (OLIVEIRA, 1985, p.92).

Sobre estas características do agrário brasileiro, Guimarães (1989) afirma que as


relações de parceria209, bem como a meia, a terça, a quarta, o colonato, etc., são sistemas

209
Guimarães (1989), no estudo sobre as relações de parceria das fazendas paulistas de café, esclarece
que estas relações representavam uma regressão às formas mais atrasadas de renda pré-capitalista,
assemelhando-se por muitos casos à meação praticada nos latifúndios do Brasil. Em Marx encontramos a
definição de parceria: “A parceria, ou sistema de exploração com partilha do produto, pode ser
considerado como uma forma de transição entre a forma primitiva da renda e a renda capitalista; o
explorador (parceiro) emprega, além de seu trabalho (próprio ou alheio), uma parte do capital aplicado, e
o proprietário, além do terreno, fornece a outra parte do capital (por exemplo, o gado), o produto é
repartido entre o parceiro e o proprietário em proporções determinadas que variam segundo os países.
Para uma exploração inteiramente capitalista, falta ao parceiro, nesse caso, capital suficiente. A
participação que cabe ao proprietário não constitui uma forma pura de renda. Pode conter os juros do
capital por ele adiantado, assim como uma renda excedente. Pode também absorver todo o sobre-trabalho
do parceiro ou deixar a este uma parte mais ou menos importante. O essencial, porém, é que a renda não
aparece mais aqui como a forma normal da mais-valia. Por um lado, o parceiro, seja com o trabalho
próprio ou alheio, pode pretender uma parte do produto não na qualidade de trabalhador, mas de
possuidor de uma parcela dos instrumentos de trabalho, por ser ele seu próprio capitalista. Por outro lado

200
de arrendamento primitivo, ora aproximando-se da renda-trabalho, ora da renda
produto, todas estas como formas feudais ou semi-feudais da renda pré-capitalista, e
cuja principal característica são as formas de coerção extra-econômica caracterizada na
limitação da liberdade do cultivador ou sua dependência servil ao senhor da terra.
Relações estas que ainda vigoram no campo brasileiro com as mais variadas espécies de
constrangimento jurídico exercidas pelos latifundiários sobre os camponeses como a
obrigação de o cultivador submeter-se ao preço e às medidas impostas pelo dono da
terra, a obrigação de dar dias gratuitos para conserto de cercas, limpa de pastos,
conservação de ramais e estradas, etc. (GUIMARÃES, 1989, p.99).
O Brasil não resolveu o problema agrário e é considerado um dos países que tem
a maior concentração de terras do mundo. Parafraseando Alberto Passos Guimarães,
podemos denominar que neste país imperam “cinco séculos de latifúndio”. No quadro
07 apresentamos a partir de Oliveira (2001a) a relação dos maiores latifundiários do
Brasil; e no quadro 08 no estado do Acre:

Quadro 07: Os maiores latifundiários do Brasil


Nome Município Área (ha)
MANASA – Madeireira Nacional S/A Lábrea (AM) e Guarapuava(PR) 4.140.767
Jarí Florestal e Agropecuária Ltda Almerim (PA) 2.918.829
APLUB – Agroflorestal Amazônia Jutai e Carauari (AM) 2.194.874
Cia. Florestal Monte Dourado Almerin (PA) e Marzagao (PA) 1.682.227
Cia. De Desenvolvimento do Piauí Castelo do Piauí, São Miguel do Tapuio, Pimenteiras, Manoel Emidio, Nazaré do Piauí, São 1.076.752
Francisco do Piauí, Oeiras, Canto do Buriti, Floriano, Ribeiro Gonçalves e Orucuí (PI)
Cotriguacu Colon. Aripuana Aripuana – (MT) 1.000.000
João Francisco Martins Barata Calcoene – (AP) 1.000.000
Manoel Meireles de Queiroz Manoel Urbano (AC) 975.000
Rosa Lima Gomes Amora Labrea – AM 901.248
Pedro Aparecido Dolto Manoel Urbano e Sena Madureira (AC) 894.888
Albert Nicola Vitali Formosa do Rio Preto (BA) 795.575
Antonio Pereira de Freitas Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Estirão do Equador (AM) 704.574
Mallh Hassan Elmadula Itamarati (AM) 661.173
Moraes Madeira ltda. Itamari e Carauari (AM) 656.794
INDECO S/A – Int. Des. E Colonização Alta Floresta, Aripuana e Diamantino (MT) 615.218
Mario Jorge de Medeiros Moraes Caruari (AM) 540.613
Agroindustrial do Amapá S.A. Marzagao – AP 460.486
Francisco Jacinto da Silva Sandovalina(SP), Mavirai (MS), Feijó e Tarauacá (AC) e Envira (AM) 452.000
Plínio Sebastião Xavier Benfica Auxiliadora e Manicoré (AM) 448.000
Cia. Colonizadora do Nordeste Carutapera (MA) 436.340
Jorge Wolney Atala Pirajuí (SP) e Feijó (AC) 432.119
Jussara Marques Paz Surunduri (AM) 432.119
Adalberto Cordeiro e Silva Pauini e Boca do Acre (AM) e Feijó (AC) 423.170
Rômulo Bonalumi Canamari (AM) e Cruzeiro do Sul (AC) 486.121
União de Construtoras S.A. Formosa do Rio Preto – BA 495.009
Papel Marochi e Pecuária ltda. Itaituba – PA 398.786
TOTAL 25.547.539
Fonte: Oliveira (2001 a, p.33)

o proprietário da terra pode pretender a sua parte, não somente por ser o dono do terreno, mas por ser
fornecedor de capital” (MARX, Livro III, vol. 8, p. 182).

201
Quadro 08 - Grandes latifúndios no estado do Acre na década de 1970
Município e/ou Seringal Tamanho Proprietários ou Grupos Econômicos
(ha)
Sena Madureira (um dos casos 1 milhão Colonizadora Agropecuária de São Paulo-
mais escandalosos de grilagem de ha Amazonas-COLOAMA (Pedro Aparecido
e especulação de terras no Dotto, Alcebíades Bernardes e Juvenal
Acre) Girardelli de Jales-SP).
Sena Madureira – Seringal 975.000 Nelson Taveira
Vale do Rio Chandless
Tarauacá - Parte dos seringais 600.000 Companhia Paranaense de Colonização
dos rios Gregório, Acuraua e Agropecuária e Industrial do Acre-
Tarauacá PARANACRE (Grupo Viação Garcia e
outros), seringais adquiridos do ex-senador
Altervir Leal
Feijó 510.000 Cia. de Desenvolvimento Novo Oeste do
grupo Atlântica Boa Vista
Rio Branco e Sena Madureira 440.000 José Maria Junqueira, Ismerindo Ribeiro
(seringais Nova Empresa e do Vale, Líbero Luchesi e outros.
Santa Rosa)
Feijó 427.000 Fazenda Califórnia (Grupo Atalla)
Cruzeiro do Sul 350.000 Santana Empreendimentos Agropastoril
Tarauacá - Parte dos seringais 300.000 Condomínio Tarauacá do grupo Agapito
São Vicente, Tocantins, Lemos
Estrela do Norte e Havre (AC)
e Lorena e Atalaia no AM
Sena Madureira – Seringal 187.000 Cooperativa Agropecuária Alto Iaco-
Icuriã COAPAI (IBC do Paraná)
Tarauacá – Seringais Havre 160.000 Agronorte (grupo Agapito Lemos),
(AC), Lorena e Atalaia no AM seringais adquiridas do ex-senador Altervir
Leal
Tarauacá 114.000 Agropastoril Leal Indústria e Comércio
Ltda. Seringais adquiridos do ex-senador
Altervir Leal
Tarauacá 63.000 Condomínio Acuraua (Paraguai Pablo)
Tarauacá – seringais 60.000 Fazenda Morungaba do grupo Agapito
Tocantins, Independência e Lemos adquiridas do ex-senador Altervir
Foz do Acuraua Leal
Tarauacá – Seringal Araripe 37.000 Agropecuária Cinco Estrelas, do grupo
Cruzeiro do Sul
Tarauacá 16.000 Fazenda Boa Esperança (José Bento Valias
e Pedro Bento Valias)
Total 5.391.000
Fonte: Varadouro, maio de 1980, apud Morais (2008, p. 115).

Segundo Oliveira (2001 b), os dados do INCRA de 1992 mostravam que havia
no Brasil 3.114.898 imóveis rurais entre eles 43.956 (2,4%) com área acima de mil
hectares, ocupando 165.756.665 hectares. Os imóveis, com área inferior a 100 hectares,

202
equivalente a 2.628.819 (84% dos imóveis) ocupavam apenas 17,9% da área, o que
correspondia a 59.283.651 hectares. O Atlas da Questão Agrária publicado em 2009210
demonstra que estes dados em nada se modificaram. O Brasil possui uma estrutura
fundiária extremamente concentrada (OLIVEIRA, 2001 b, p.187), conforme o quadro
09 do índice de Gini para a concentração fundiária no Brasil:

Quadro 09 - Índice de Gini para a concentração fundiária no Brasil


UF Gini 1992 Gini 1998 Gini 2003
Acre 0,883 0,865 0,785
Alagoas 0,783 0,783 0,784
Amapá 0,842 0,775 0,585
Amazonas 0,935 0,927 0,837
Bahia 0,802 0,826 0,807
Ceará 0,684 0,695 0,691
Espírito Santo 0,615 0,632 0,626
Goiás 0,717 0,720 0,720
Maranhão 0,740 0,759 0,719
Minas Gerais 0,745 0,754 0,741
Mato Grosso do Sul 0,807 0,806 0,805
Mato Grosso 0,813 0,803 0,763
Pará 0,888 0,885 0,823
Paraíba 0,753 0,758 0,755
Pernambuco 0,757 0,756 0,742
Piauí 0,743 0,767 0,755
Paraná 0,693 0,702 0,677
Rio de Janeiro 0,728 0,742 0,738
Rio Grande do Norte 0,739 0,759 0,752
Rondônia 0,631 0,631 0,567
Roraima 0,870 0,789 0,597
Rio Grande do Sul 0,713 0,718 0,693
Santa Catarina 0,625 0,632 0,607
Sergipe 0,788 0,788 0,773
São Paulo 0,750 0,754 0,744
Tocantins 0,661 0,685 0,678
Distrito Federal 0,781 0,804 0,827
Brasil 0,826 0,838 0,816
211
Fonte: Atlas da Questão Agrária Brasileira (2009)

Para Oliveira (2001 b), a existência do latifúndio expulsa do campo centena de


milhares de famílias gerando nas cidades uma massa cada vez maior de pobres e
miseráveis. Os dados revelam que há no Brasil mais de 32 milhões de brasileiros abaixo
da linha de miséria absoluta, ou seja, quase sete milhões de famílias (18% do total) são

210
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/
211
Acessível em: http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/ , acesso em 16/07/09.

203
classificadas como indigentes, e mais 38% delas, mais de 14 milhões, como pobres
(OLIVEIRA, 2001 b, p.187).
O quadro da concentração de terras também revela o grande atraso a que está
submetida a agricultura camponesa no Brasil. Segundo Oliveira (2001 b), esta
agricultura ocupa 70,5 milhões de hectares (18% do total do país); no entanto apenas
5% destes produtores têm acesso ao crédito rural, ficando com 30% do total. Quanto à
tecnologia, 10% possuem trator, 38% utilizam fertilizantes e 1% tem máquina
colheitadeiras. A produção da agricultura camponesa é responsável por mais de 50% da
produção de batata inglesa, feijão, fumo, mandioca, tomate, agave, algodão em caroço
arbóreo, banana, cacau, café, coco, guaraná, pimenta-do-reino, uva e a maioria absoluta
dos hortigranjeiros. Produzem, também, mais de 50% do rebanho suíno, das aves, dos
ovos e do leite (OLIVEIRA, 2001 b, p. 189).
Os grandes latifúndios no Brasil estão concentrados nas mãos de poderosos
grupos econômicos, porque no país a terra funciona ora como reserva de valor e ora
como reserva patrimonial. Em sua essência, a política agrária desenvolvida pelo estado
brasileiro tem como conseqüência a capitalização dos latifundiários, a disponibilidade
de força de trabalho farta e barata ao latifúndio através de projetos de assentamentos, ata
o camponês ao latifúndio através da dívida e da ruína, levando ao despovoamento de
áreas rurais que é agravado pela repressão sistemática do Estado e dos grupos armados
dos latifundiários.

No Acre o problema da terra é histórico como mostra a tabela 10. Em 1970


quase 70% dos imóveis rurais cadastrados eram acima de 10.000 hectares, percentual
que chega a 77% para os anos de 1980, e de 41% no ano 2000, ressaltando que os dados
deste ano não englobam a área de posseiros.

204
Tabela 10 - Terras cadastradas no Acre (1970-1980-2000)
Área (ha) 1970 (*212) 1980 (*) 2000 (**213)

N. de imóveis Área N. de imóveis Área cadastrada N. de Área


cadastrada imóveis cadastrada

Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %

1 a 100 2.807 72 71.946 1,8 7.591 68,89 325.667 2,7 2.115 66 104.675,9 3,4

101 a 1.000 526 13,7 187.767 4,6 2.229 20,23 630.372 5,3 589 18 183.832,2 5,9

1.001 a 9.999 396 10,3 971.348 23,9 990 8,98 1.717.723 14,5 444 14 1.512.008,3 49

Acima de 118 3,1 2.820.609 69,6 208 1,88 9.169.134 77,4 52 1,6 1.265.698 41
10.000

Total 3.847 4.051.671 11.018 11.842.898 3.200 3.066.220,5

Fonte: Paula (2005, p.203), para os dados de 1970 e 1980. Para o ano de 2000: INCRA -
Divisão de Cadastro Rural. SR 14 / AC – 2004.

Estes dados mostram a situação de concentração de terras no Acre com a


predominância da grande propriedade, problema que persiste nos dias atuais conforme
mostraremos ainda neste capítulo. Os seringueiros expulsos do nordeste pelo problema
agrário estavam no Acre submetidos ao mesmo problema, ou seja, não possuíam a
propriedade da terra. Na economia da borracha estavam submetidos à relação de
aviamento que o atrelavam ao patrão seringalista pelo sistema de débito e
endividamento. O seringueiro tinha que trabalhar exclusivamente para o patrão e deste
tinha que adquirir todos os produtos, pesadamente majorados, pois a atividade agrícola
lhe foi imposta como proibição durante o período de auge desta economia214.
A partir dos anos de 1970, e com a falência da economia da borracha, os antigos
seringalistas, que se diziam donos das terras, passaram a vendê-las a pecuaristas do
centro-sul o que ocasionou graves conseqüências para a vida dos seringueiros e suas
famílias, agora expulsos da terra para as periferias das cidades acreanas. Este processo
ocasionou uma grande migração das famílias dos seringais para as duas principais
cidades, Rio Branco e Cruzeiro do Sul, onde as famílias ficaram sujeitas a condições de

212
*Inclui a área de posseiros
213
** Não inclui a área de posseiros
214
Ferreira de Castro, escritor progressista, no seu livro "A Selva”, retrata todo o processo da cadeia de
aviamento que utilizava os migrantes nordestinos na intricada rede de exploração da economia da
borracha. O seringueiro, migrante nordestino, já chegava nos seringais da Amazônia preso ao sistema de
endividamento, pois tudo lhe era debitado e pesadamente onerado. O atrelamento do seringueiro ao patrão
seringalista pela dívida representava o brutal sistema de exploração do período da economia da borracha.

205
vida muito piores e miseráveis215. Nestas cidades as atividades exercidas pelos homens
eram principalmente de diarista, trabalhador braçal, ambulante, servente, pedreiro,
carpinteiro e pequeno comércio e as mulheres trabalhavam principalmente como
lavadeiras e empregadas doméstica (OLIVEIRA, 1985, p.71).
Os antigos seringalistas, agora falidos, passaram a vender os seringais para os
“paulistas”216 que adquiriam grandes extensões de terras e a desmatavam para a
atividade pecuarista de grandes empresas do ramo como a Bordon. Para resistir e lutar
pela terra os seringueiros e trabalhadores rurais do Acre organizaram-se em sindicatos, e
tinham nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri e Brasiléia sua
principal força. O STR de Brasiléia foi fundado em novembro de 1975 e o de Xapuri em
abril de 1977.
Paula (1991) esclarece que a luta pela terra no Acre iniciou-se no Vale do Acre,
tendo a frente à luta dos posseiros, à qual, posteriormente, se juntaram os seringueiros.
O autor destaca como fatores importantes para a luta da categoria a atuação da Igreja
através da Prelazia do Acre e Purus que era defensora da Teologia da Libertação, e
também a instalação, em Rio Branco, da delegacia regional da Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), em maio de 1975. Na região do Juruá, a
Igreja era representada pelo setor mais reacionário da prelazia do Juruá dirigida por
bispos alemães que vieram para esta região no período da segunda guerra. Aliado ao
fator da presença mais forte do latifúndio nesta região, a organização dos trabalhadores
não possuiu a mesma força do que ocorreu no Vale do Acre.
O processo da luta dos seringueiros em Brasiléia e Xapuri foi vigoroso e do
calor da luta surgiram importantes nomes e lideranças que impulsionaram a luta dos
camponeses no Acre e na Amazônia. Da entrevista que realizamos com Osmarino

215
Moro (1993) retrata de forma realista e com profunda identidade com um povo do qual é distante, o
problema da terra no Acre e na Amazônia. Seu livro reflete o processo de luta dos seringueiros do Acre, a
expulsão de suas terras e as consequências disto ao migrarem para a principal cidade do estado.
Paralelamente, retrata os problemas do estado do Pará, sob o mesmo enfoque: o problema da terra. Sua
análise é contextualizada pela presença econômica do capital na Amazônia mostrando os ciclos de
ocupação econômica da fronteira, como as atividades da pecuária, mineração e outras, e as consequências
deste processo sobre a população do campo.
216
Designação dada pelos seringueiros aos grupos pecuaristas do centro-sul que passaram a explorar os
antigos seringais para a atividade da pecuária, causando grandes desmatamentos e expulsão dos
seringueiros de suas terras. Os latifundiários e seus jagunços usavam de toda espécie de terror para
apropriaram-se das terras dos seringueiros. Queimavam colocações, ameaçavam os seringueiros e suas
famílias de morte, destruíam as plantações e criaram um braço armado que contava com a benevolência
do Estado. Este período é relatado de forma contundente no Jornal Varadouro, editado em Rio Branco no
período de 1977 a 1981. Todas as edições do jornal estão disponíveis em:
http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/biblioteca/

206
Amâncio e Dercy Teles Cunha217 eles destacaram os principais nomes de lideranças da
luta do movimento dos seringueiros pela terra: Chico Mendes, Wilson Pinheiro,
Osmarino Amâncio Rodrigues, Raimundo Mendes de Barros, Dercy Telles de Carvalho
Cunha, Simplicío Pereira de Araújo, Luiz Targino de Oliveira, Ivair de Souza, José
Conde de Andrade, João Ferreira Sena, Manoel Custódio da Silva, Antonio Miranda da
Fonseca, Elias Gadelha, Osmar Facundo de Oliveira, Pedro Sebastião Rocha,
Francisco Ramalho de Souza, Luiz Damião do Nascimento, Alberto Rocha Amorim,
Antonia Pereira Vieira, Vicente Lira, Sebastião Marinho, Pedro Teles, João Monteiro,
Paulo de Souza Silva, Antonia Ribeiro da Silva, Maria Lino dos Santos.
Para Chico Mendes um dos momentos vigorosos da luta dos seringueiros
ocorreu na liderança de Wilson Pinheiro218 no sindicato de Brasiléia, nas palavras do
próprio Chico Mendes219:

Em 1979, Wilson Pinheiro teve a capacidade de organizar um grupo de 300 homens


seringueiros e levou-os à Boca do Acre, no Estado do Amazonas, pra expulsar um
grupo de pistoleiros que estava ameaçando posseiros naquela região. Wilson Pinheiro
conseguiu, com esse grupo de companheiros, tomar mais de 20 rifles automáticos que
os pistoleiros mantinham em Boca do Acre. O Wilson conseguiu liderar esse
movimento. Tomaram as armas dos pistoleiros, deixaram os posseiros daquela região
em paz e quando chegaram em Rio Branco entregaram as armas ao comando do
exército. Depois, o comando do exército ficou bravo com eles por achar que eles
queriam transformar isto numa nova Cuba. O Wilson dizia: “não, nós estamos querendo
evitar que isto aqui se transforme numa Cuba”. Ninguém foi armado, o pessoal foi só de
facão e foice e conseguiu desarmar os pistoleiros (GRZYBOWSKY, 1989, p.19)

A forma mais importante de resistência direta dos seringueiros contra o


latifúndio, agora tendo como principal atividade a pecuária, eram os empates. Segundo
Chico Mendes este se constituiu num tipo de movimento pacifista conforme explica:

Os empates são feitos através de mutirões dos seringueiros. À medida que os


seringueiros tomam conhecimento de que têm companheiros ameaçados pelo
desmatamento, que uma área está sendo ameaçada pelo desmatamento dos fazendeiros,
se reúnem várias comunidades, principalmente a comunidade afetada, organizam-se
assembléias no meio da mata mesmo e tiram-se lideranças, grupos de resistência que
vão se colocar diante das foices e das moto-serras de maneira pacífica, mas organizada.
Tentam convencer os peões, que estão ali a serviço dos fazendeiros, a se retirarem da

217
Entrevista realizada com Dercy Teles Cunha no Pimenteira (Xapuri), em 18/12/2008, e com Osmarino
Amâncio, em Brasiléia em 02/01/09. Ambos ressaltaram que iriam citar os nomes das lideranças
conforme suas lembranças, mas que tinham receio de cometer alguma injustiça ao se esquecerem de
algum.
218
Wilson Pinheiro foi assassinado pelo latifúndio em 21/07/1980. Sete dias depois os seringueiros
decidiram pelo justiçamento de um dos mandantes de sua morte (GRZYBOWSKY, 1989, p.20).
219
As falas de Chico Mendes aqui transcritas foram retiradas da entrevista que ele concedeu em Xapuri,
nos meses de novembro e dezembro de 1988, organizadas e publicadas por Grzybowsky (1989).

207
área. Em seguida, os seringueiros costumam desmontar os acampamentos e forçar a
retirada dos peões. Muitas vezes são atacados pelas forças de segurança, porque os
fazendeiros sempre recorrem judicialmente, pedem o apoio policial. Sempre contaram
com este apoio, o que ocasionou muitas prisões (GRZYBOWSKY, 1989, p.38).

Existem outras versões de que os empates não eram pacíficos, ou seja, da


organização dos seringueiros estar preparada para a realização de confrontos violentos.
Chico Mendes demonstra estas contradições:

O importante para nós, como tática, é criar sempre fatos políticos, porque nós achamos
que com a pressão da imprensa, das entidades, hoje a nível internacional, é possível
resistir. Nós avaliamos que não é o caso de partir para um confronto. Por exemplo, esse
ano, no caso do Cachoeira, houve um momento numa assembléia muito agitada, em
maio, que eu passei um apuro muito grande e se a gente não tem pulso forte eu não sei
qual seria o nosso destino porque, de repente, depois de muito confronto, de muito tipo
de piquete, um grupo de companheiros decidiu que agora deveríamos levar a luta de
uma forma mais radical e que se deveria partir para um confronto armado contra a
polícia e contra os jagunços. Uma briga logo de frente a frente. E eu fiz essa assembléia
temendo as conseqüências. Nós lançamos a proposta da necessidade que tínhamos de
manter esse movimento de uma forma pacífica, pelo menos por enquanto, e mostrando
qual seria a repercussão que nós iríamos ter fora, qual o apoio político que a gente ia ter
se fosse radicalizar. Entretanto na Assembléia, muito agitada, com 400 companheiros,
ainda assim 85 votaram a favor do confronto armado. E a assembléia foi muito
democrática, muito bem discutida, o restante votou pela continuidade do movimento
pacífico (GRZYBOWSKY 1989, p.40).

Em 1985 foi organizado o I Encontro Nacional dos Seringueiros onde é fundado


o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Para Paula (2005) o CNS surgiu
“essencialmente de uma estratégia destinada a ampliar o movimento de resistência dos
seringueiros liderado pelo STR de Xapuri” (PAULA, 2005, p.248). Segundo Paula
(1991), os principais resultados do I Encontro Nacional dos Seringueiros foram: a
divulgação da luta dos seringueiros pelos diversos meios de comunicação, a formação
da proposta da Reserva Extrativista e a formação do Conselho Nacional dos
Seringueiros (PAULA, 1991, p. 208). Sobre a formação do CNS Chico Mendes
declarava:

(...) A história do Conselho Nacional de Seringueiros começa exatamente com a


preocupação que a gente começou a enfrentar na luta contra o desmatamento, na busca
de uma proposta alternativa pra garantir a floresta amazônica. Daí, surgiu uma idéia,
entre algumas pessoas, alguns assessores do sindicato de Xapuri e no próprio sindicato,
de se organizar um Encontro Nacional de Seringueiros ou de levar uma comissão de
seringueiros (...) a Mary Alegretti trabalhava no INESC, em Brasília, e topou a idéia,
gostou muito da idéia. Em maio de 1985, eu fui a Brasília e tive uma reunião com o
pessoal do Ministério da Cultura, do Pró-Memória. A minha preocupação era encontrar
o apoio financeiro para a realização do encontro. Enfim, o INESC, o Pró-Memória e

208
outras entidades, também, assumiram. Inclusive a OXFAM, uma agência inglesa,
decidiu ajudar financeiramente o encontro (GRZYBOWSKY, 1989, p. 21-22).

(...) em outubro de 1985, nós conseguimos reunir 130 seringueiros de toda a Região
Amazônica, em Brasília. Esse encontro contou com a participação de observadores,
tanto a nível nacional, como internacional. Durante os dias, nas discussões que
transcorreram em Brasília, no final, nós descobrimos uma proposta que seria a criação
da reserva extrativista na Amazônia. Com esta proposta nós passamos a ter uma
alternativa econômica para justificar nossa luta contra o desmatamento (...)
(GRZYBOWSKY, 1989, p.23).

O Encontro Nacional dos Seringueiros e a formação do CNS com a declaração


da aliança dos “Povos da Floresta” representava a ingerência das ONGs e movimento
ambientalistas para alçarem os seringueiros, índios, ribeirinhos, quebradeiras de coco e
outros à categoria de salvadores do planeta, conforme percebemos na “Declaração dos
Povos da Floresta” assinada pelo CNS e União das Nações Indígenas em março de
1989, citada em Weiss (2008):

As populações tradicionais que hoje marcam no céu da Amazônia o Arco da Aliança


dos Povos da Floresta proclamam sua vontade de permanecer com suas regiões
preservadas. Entendem que o desenvolvimento das potencialidades destas populações e
das regiões em que habitam se constituem na economia futura de suas comunidades e
devem ser asseguradas por toda a Nação Brasileira como parte de sua afirmação e
orgulho. Esta Aliança dos Povos da Floresta reunindo índios, seringueiros e
ribeirinhos, iniciada aqui nesta região do Acre estende os braços para acolher todo o
esforço de proteção e preservação deste imenso, porém frágil sistema de vida que
envolve nossas florestas, lagos, rios e mananciais, fonte de nossas riquezas e base de
nossas culturas e tradições (apud WEISS, 2008, p. 215).

Esta declaração está marcada pela mudança da pauta da luta classista dos
seringueiros, que lutavam pela terra, para a pauta preservacionista dos ambientalistas.
Isto ocorreu pelo processo que viveu o movimento seringueiro de se aliarem a
organizações como as ONGs e organizações ambientalistas. Isto percebemos na
declaração de Chico Mendes que a nosso ver demonstra a mudança de pauta da luta dos
seringueiros:

O Conselho Nacional dos Seringueiros não pretendia e nem pretende ser um sindicato
paralelo, mas uma entidade de seringueiros, porque os seringueiros nunca foram
reconhecidos como classe. Os sindicatos surgiram com uma importância muito grande,
num momento muito importante. Mas os sindicatos dos trabalhadores rurais congregam
seringueiros e ao mesmo tempo agricultores, os peões, os trabalhadores de fazenda, os
diaristas, qualquer que seja o trabalhador rural. As outras classes todas têm o seu
reconhecimento como classe, o seringueiro não. Parece uma coisa que foi do passado e
que não existia mais. Então, uma das razões do Conselho Nacional dos Seringueiros é
fazer reconhecer o seringueiro como uma classe que já deu a sua contribuição, que luta
e que tem uma luta importante, luta por um objetivo muito importante que é a defesa
da Amazônia (GRZYBOWSKY, 1989, p.26, destacado nosso).

209
E nesta declaração de Chico Mendes está colocado o projeto do que seria a
constituição da Reserva Extrativista:
Bom, o que a gente quer exatamente? Lutar, mesmo sabendo que existe uma ameaça
pela frente, lutar pelo fortalecimento de uma política de comercialização e garantia de
preço pra borracha. Lutar por uma política de melhor comercialização e de melhores
condições pra produção de castanha. Mas lutar, também, para que o governo dê
prioridade à industrialização e comercialização de outros produtos que existem na
floresta, que até hoje não tiveram nenhuma prioridade, que até hoje o governo não se
preocupou com essa questão. Nós temos infinidades de riquezas naturais na mata.
Produtos vegetais que nem o tucumã, que tem óleo importante. O açaí também é um
outro produto importante. A copaíba, a bacaba, o babaçu, a pupunha têm importância
muito grande. Enfim, a abelha nativa que nós temos na mata, que pode se pensar, o
governo pode, até mesmo, quem sabe, as universidades, elas podem muito bem
pesquisar isto, como vamos criar a cortiça, aproveitar essas abelhas, tem milhares e
milhares, milhões no meio da mata produzindo mel nativo. Se pode pensar numa
alternativa de melhorar toda essa produção, como também tem outras questões. A
própria questão da pesca pode ter uma nova política, de não depredação, com
exploração do peixe de forma racional. Nós temos uma variedade enorme de árvores
medicinais nessa floresta que pode ter uma importância muito grande para o país, basta
que haja pesquisa. Eu acho que é um papel muito importante das universidades não só
do Acre, mas de todo o Brasil, se envolverem nesta área de pesquisa na Amazônia. Eu
acredito que se acontecer, se o governo levar isso a sério, em 10 anos tenho certeza que
a Amazônia será uma região riquíssima e que terá uma importância muito grande para a
própria economia nacional (GRZYBOWSKY,1989, p.25).

Em 1987 Chico Mendes recebe da Organização das Nações Unidas (ONU) o


prêmio "Global 500", concedido àqueles que se destacam na defesa ambiental do
planeta, e neste mesmo ano ganhou a "Medalha do Meio-ambiente" da organização
"Better World Society". Queremos aqui destacar que a luta democrática dos
seringueiros, que teve em Chico Mendes sua principal liderança, perdeu o rumo de seu
combate classista ao aceitar a aliança com as ONGs ambientalistas, que servem ao
projeto do imperialismo, mesmo que estas lideranças e sindicalistas não soubessem ou
tivessem plena consciência do que significava aliar-se a estas organizações.
Em entrevista, Osmarino Amâncio220 nos declarou que Chico Mendes nunca foi
um ecologista, um ambientalista. Que ele era, além de sindicalista, um grande
articulador, e um líder de grande carisma que soube trazer para a luta dos seringueiros
aliados importantes. Segundo Osmarino Amâncio, a imagem de Chico Mendes foi
apropriada pelos ambientalistas e ONGs e, neste processo, em determinado momento da
luta dos seringueiros, foi colocada, a proposta de projetos para transformar o movimento

220
Entrevista concedida em Brasiléia em 02/01/2009.

210
de luta pela terra dos seringueiros em movimento ecologista. Conforme nos esclareceu
Osmarino Amâncio:

Eu participei de vários encontros nesse sentido. (...) Recordo que, em alguns desses encontros,
eu tive algumas divergências com várias pessoas, como, por exemplo, a Mary Alegretti. Com
ela eu me desentendi inúmeras vezes.

Depois, numa outra reunião, a Mary Alegretti disse: "Os ambientalistas venham para cá, os
sindicalistas venham para lá". Isso influenciou muito a Marina e vários companheiros, que
hoje, até se denominam ambientalistas, sem entender a questão ecológica.

Nós que lutamos no movimento dos seringueiros não éramos ambientalistas, nem ecologistas.
Eu quando ouvi pela primeira vez a palavra ecologista pensei até que era nome de sobremesa.
Nós pensamos no ser humano. O fato da gente defender a floresta não era uma defesa de
ecologia, de salvar o planeta. Nós defendíamos a floresta em pé por uma questão de
sobrevivência, se ela tinha alguma coisa a ver com o planeta era uma conseqüência da
natureza. Pela floresta, que é a nossa sobrevivência, lutaram os seringueiros, índios,
quebradeiras de coco babaçu, balateiros, pescadores e ribeirinhos (...) Os ambientalistas que
chegaram na época só viram uma coisa. A gente na ingenuidade achava que esse pessoal
ecologista estava preocupado conosco, com os seringueiros. Mas hoje nós vemos que estes
projetos que vem para cá não levam em consideração a população que defendeu a floresta e
que vive na floresta.

Para você ter uma idéia só o Céu do Mapiá recebeu de uma vez só meio milhão de dólares. Na
época eu era secretario do CNS. Foi quando colocaram a idéia do Céu do Mapiá ser o modelo
para Amazônia, e este lugar era de uma seita, que deve ser visto e respeitado como seita. Isto é
só para termos uma idéia do tipo de projeto que foi proposto para a Amazônia.

Sobre os apoios recebidos pelo sindicato, Chico Mendes declarou que


reconhecia o apoio da Igreja como importante, mas que a ação da Igreja só ia até certo
ponto porque “chega um momento em que ela não vai pra frente”
(GRZYBOWSKY,1989, p.50). Ressalta que “o apoio mais importante que nós temos
hoje é o apoio da comunidade internacional, dos ambientalistas internacionais, da
imprensa internacional” (idem, p.49). Cita o apoio da Cristian AID, uma ONG inglesa,
para o financiamento das atividades da CAEX221 e também da Fundação Ford como
apoio importante para os projetos da cooperativa, conforme declaração de Chico
Mendes: (...) “o responsável pelo setor de finanças (da Fundação Ford) veio aqui. Eles
estão dispostos, a partir de março, a emprestar até 1 milhão de dólares, ou mais, para a
estruturação da cooperativa” (GRZYBOWSKY , 1989, p.53).
No trabalho de pesquisa que realizamos sobre a relação da CAEX com as
mulheres quebradoras de castanhas levantamos que o montante de recursos recebidos

221
Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (CAEX), fundada em 1998, com o objetivo de combater os
atravessadores, marreteiros que exploravam os seringueiros ao comprar deles a borracha por preços
subestimados.

211
pela cooperativa, no período de dezembro de 1988 a julho 1989, alcançou o montante de
US$ 1.650.000,00. Estes valores correspondiam a doações de recursos efetuados por
organizações como a Fundação Ford, Cultural Survival, NOVIB, Fundação
Interamericana, WWF e governo da Áustria (CAMELY, 2001, p. 27). A despeito da
cooperativa ser apontada como a responsável pela “libertação” dos seringueiros do jugo
dos patrões e marreteiros, ela engendrava, com as mulheres quebradoras de castanha da
fábrica da cooperativa, relações de aviamento do período do patrão seringalista, ao
pagar em produtos pelo trabalho realizado pelas mulheres.

6. 2 - Da luta de classes ao onguismo

A nosso ver ocorre um processo de onguização das organizações representativas


dos seringueiros; primeiramente do Conselho Nacional dos Seringueiros-CNS222 e,
depois, das demais organizações que podemos exemplificar a partir da vinculação que o
CNS teve com organizações ligadas aos interesses de países imperialistas, que se
apresentavam como organizações solidárias à luta dos seringueiros. Um quadro desta
aliança do CNS com estas organizações nos é fornecido pela quantidade de convênios
que o CNS proporcionou às associações das reservas extrativistas com as seguintes
organizações: Fundação McArthur, Health Unlimited, BID, Embaixada da Suíça, IDRC
(Canadá), OXFAM, Miserior, Fundação Konrad Adenauer, WWF, Embaixada da
Áustria (MURRIETA & RUEDA, 1995, p. 15).
O processo de onguização do CNS é entendido por nós como a perda de sua
ação política no interesse das populações extrativistas e sua submissão ao financiamento
e interesses de organizações externas. A partir de 1995, o CNS passou a ser mantido
financeiramente pelo governo federal e pelo Banco Mundial (PAULA, 2005, p.225).
Podemos verificar a presença das ONGs no movimento dos seringueiros na declaração
de Chico Mendes:

Hoje, um apoio estratégico para o Conselho Nacional dos Seringueiros, na questão da


divulgação e articulação de todo o movimento, a nível nacional e internacional, é o
Instituto de estudos Amazônicos - IEA223 (GRZYBOWSKY, 1989, p.53).

222
A história do Conselho Nacional dos Seringueiros é analisada por vários autores como Esteves
(1999), Paula (1991), Aymone (1996), entre outros. Paula (2005) delimita duas fases históricas da atuação
do CNS, a primeira fase (1985-1989) e a segunda fase (1989-1995), ‘marcada pela tentativa de
instrumentalização do CNS por parte de algumas organizações ligadas à questão ambiental’ (PAULA,
2005, p.253).
223
O Instituto de Estudos Amazônicos – IEA, é uma organização não-governamental criada em outubro
de 1986, com sede em Curitiba. Segundo Grzybowsky(1989) esta ONG surgiu do “ (...) trabalho de
técnicos na região amazônica liderados por Mary Helena Allegretti. O IEA sucede o Centro de

212
Na ata da reunião do Conselho Deliberativo do CNS, realizado em 05 de
novembro de 1991, são ressaltados os problemas do CNS como: a) o não cumprimento
dos compromissos firmados pela executiva das bases de Carauari e Boca do Acre no
Amazonas, b) falta de socialização das informações sobre ações da executiva para a
base; c) ausência de definição política para o direcionamento do CNS; falta de uma
política de formação e de atuação unificada; d) subordinação da direção a
determinadas entidades, ONGs e Estado; e) ausência de critérios para relação de
intercâmbio nacional e internacional; f) pouco interesse em conhecer os problemas
gerais da Amazônia; g) privilégio para investimento em algumas áreas em detrimento de
outras; h) ausência de política clara para programas de desenvolvimento da Amazônia,
do extrativismo e pequena agricultura e falta de definição de políticas de alianças (CNS,
1991, destacado nosso).
As relações das ONGs com organizações de trabalhadores, associações e
cooperativas na Amazônia e no Acre são de larga escala. Relataremos aqui o exemplo
ocorrido entre o CNS e a CAEX com o Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais
(IEA). Em 28 de julho 1992, o CNS divulgou nota de sua diretoria a respeito de acordo
firmado entre o IEA e a NUTRIMENTAL S.A.224 que envolvia a CAEX e o CNS. Este
acordo tinha como objetivo a implantação do “Projeto Castanha do Brasil”. A nota do
CNS considerava anti-ética e desleal a forma como foi obtida pelo IEA a assinatura de
membro da direção do CNS e da CAEX, já que não foram informados do teor do
documento e do significado dele. A nota do CNS esclarece o conteúdo do acordo que
claramente beneficiava a empresa NUTRIMENTAL e o IEA em detrimento dos
interesses dos seringueiros e castanheiros, conforme:

a) o protocolo, tomando como base o caso pontual de compra de castanhas de uma


cooperativa, pretende generalizar a atuação do IEA para todas as Reservas Extrativistas
(...) no parágrafo cinco, da página 5, coloca ‘De parte do Instituto de Estudos
Amazônicos e Ambientais’, propõe-se ele, de conformidade com seu estatuto, a
congregar pessoas e profissionais de diferentes áreas para formular, coordenar e
executar projetos e programas de proteção ambiental e de desenvolvimento social das
Reservas Extrativistas da Amazônia, auxiliando nos planos políticos, financeiro, técnico
e jurídico.

Documentação e Pesquisa da Amazônia (CEDOPE) na assessoria ao movimento dos seringueiros. O


Instituto se engaja também na divulgação do movimento e na formulação de propostas técnicas e
politicamente viáveis de desenvolvimento com base na sua vocação agroextrativista da Região
Amazônica (GRZYBOWSKY, 1989, p.37).
224
Nutrimental – Empresa Paranaense de Alimentos. Fabrica barras de cereais, farinhas infantis,
refrescos, sobremesas e molhos. É detentora das marcas Nutry, Nutrinho e Nutrilon.

213
b) existe uma clara intenção de auto-promoção do IEA às custas do CNS (...) que coloca
‘Compromete-se a NUTRIMENTAL a emitir um selo para ser colocado nas embalagens
ou rótulos do referido produto in natura e daqueles formulados com a Castanha do
Brasil, onde se irá dar destaque à participação do Instituto de Estudos Amazônicos e
Ambientais no resultado da respectiva comercialização (...).

c) O Protocolo coloca também que, todos os recursos serão geridos por um Conselho
Curador idealizado e definido, sem participação da Executiva do CNS. (...) ‘Como
previsto acima, competindo ao Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais a gestão
dos recursos subvencionados pela Nutrimental S.A., será ele acometido, pois o papel
de órgão executivo encarregado de fazer cumprir as respectivas aplicações, observadas
para tanto as diretrizes firmadas no presente Protocolo.

d) O Protocolo dar poder total para NUTRIMENTAL, para decidir sobre a quantidade
de castanhas a serem adquiridas da cooperativa (...) ‘cumprirá unicamente a
NUTRIMENTAL dimensionar a quantidade de matéria-prima extrativa a ser adquirida,
limitada a sua demanda, no que respeita aos fornecimentos feitos diretamente pelas
RESERVAS EXTRATIVISTAS DA AMAZÔNIA, a critérios de sustentabilidade dos
ecossistemas das regiões produtoras, para não causar pressão sobre a oferta, e para não
provocar efeitos destrutivos sobre as florestas (CNS, 1992).

Segundo Osmarino Amâncio, a partir do II Encontro Nacional dos Seringueiros


as discussões e lutas internas no conselho foram tomando uma dimensão mais acirrada
devido à vinculação de membros da direção do CNS a ONGs e outras organizações. A
partir do III e IV encontro do Conselho foi colocada e aprovada a utilização do manejo
madeireiro. Para Osmarino Amâncio esta proposta estava completamente em desacordo
com a pauta inicial de luta do movimento: “A Reserva Extravista tem critérios que não
pode ter latifundiário nem madeireiro. É para agricultura camponesa, apesar do
pessoal querer criar o termo de agricultura familiar, que é para deturpar o projeto e a
cultura camponesa”.
O processo que ocorreu nas organizações de classe dos seringueiros e que
desencadeou no atrelamento destas organizações ao aparelho de Estado, conforme
descreveremos em tópicos posteriores, foi um processo de convencimento e de
estratégias de desmobilização da categoria em sua luta pela terra no Acre. Um fator
importante fundamental foi a implementação da Reserva Extrativista Chico Mendes,
que foi apontada como a reforma agrária dos seringueiros da Amazônia.
A criação da Reserva Extrativista225 foi instituída pelo Decreto presidencial
número 09897/90. Segundo Paula (2005), as Reservas Extrativistas (Resex) foram

225
Segundo Paula (2005) a proposta da Reserva Extrativista não apresenta diferença em relação aos
Projetos de Assentamento Extrativistas (PAEs). Estas modalidades diferem na institucionalização
jurídica, pois a RESEX é criada por decreto-lei na forma de Unidade de Conservação com a finalidade de
garantir a “exploração auto-sustentável e conservação dos recursos renováveis, por populações

214
pensadas inicialmente como alternativa para a regularização jurídica das áreas ocupadas
tradicionalmente pelos seringueiros e outros trabalhadores extrativistas. Ou seja, a
propriedade da área é da união e os seringueiros têm o direito à concessão real de uso
conforme contrato estabelecido entre o IBAMA e uma organização representante dos
seringueiros (associação ou cooperativa). O artigo quarto do decreto de criação da
Resex determina: “A exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais
será regulada por contrato de concessão real de uso”. O contrato contempla a União
com o domínio sobre a área e a população da reserva extrativista o direito de uso real,
que pode ser rescindido se descumpridas as cláusulas e condições. A rescisão ocorre em
casos de danos ao meio ambiente e na transferência da concessão inter-vivos
(DECRETO 98.897/90). Portanto a criação da Reserva Extrativista não garante aos
seringueiros a propriedade da terra e submete a população camponesa da reserva à tutela
do Estado, pois sua forma de viver e produzir está regulada pelas regras ambientais
impostas, além de estarem submetidos a normas estranhas ao seu modo de vida e de
produção.
No entendimento de algumas lideranças a RESEX era uma modalidade de
reforma agrária que compreendia o modo de vida do seringueiro, conforme explica
Dercy Teles Cunha:

Quem trouxe a idéia da Reserva extrativista para nós, foi uma intelectual, a Mary Alegretti.
Nós aderimos ao projeto de Reserva porque era algo que nós buscávamos, a terra, mas não
tínhamos como denominar. Não era assentamento, nem loteamento, os seringueiros tinham
claro que precisavam ter a terra nos moldes que eram os seringais, mas não tinham claro como
é que ia definir este modelo.

A criação da Reserva Extrativista na Amazônia (RESEX) será defendida por


Alegretti (2002) como a reforma agrária da Amazônia, porque para esta autora a
RESEX é a nova modalidade de regularização da posse, com a concessão do direito real
de uso e de proteção da natureza. Sobre a criação das Reservas Extrativistas afirma
Mary Alegretti:

Os elementos que fascinam aos ambientalistas do mundo inteiro, quanto a proposta de


Reserva Extrativista, são os mesmos que, na devida dimensão, e com a adequada
racionalidade, constituem o grande “charme” desta proposta. Ela não foi formulada em
gabinetes tecnocráticos, não foi formulada por “intelectuais” para beneficiar o “povo”,
mas, delimita, de forma criativa, o papel do Estado e da sociedade civil, e incita a
imaginação dos mais ortodoxos especialistas, principalmente por que, desde que foi

extrativistas” e são regulamentadas pelas regras do SNUC e geridas pelo IBAMA. Os PAEs foram
instituídos por Portaria Interna do INCRA na forma de instrumentos de Reforma Agrária.

215
aberto o debate sobre as alternativas ao desmatamento das florestas tropicais, não surgiu
outra proposta que, de forma tão contundente, expressasse o conjunto de parâmetros
necessários para se estabelecer o equilíbrio entre desenvolvimento e conservação na
definição de uma política para a Amazônia (ALEGRETTI apud MURRIETA &
RUEDA, 1995, p.49).

Baseando-se na teoria dos novos movimentos sociais em autores como Scherer


Warren (1986), Melluci (1976) e Gohn (2002), Alegretti (2002) conclui que o
movimento dos seringueiros assumiu uma identidade coletiva de seringueiros, da sua
profissão, e não de classe, de camponeses.
Alegretti (2002) atribui ao movimento dos seringueiros, que a autora denomina
de identidade coletiva, a concepção dos Novos Movimentos Sociais. Para a autora o
movimento dos seringueiros resolveu o conflito existente entre desenvolvimento social
e meio-ambiente, pois na proposta da Reserva Extrativista a regularização da posse
ficou subordinada à proteção ambiental.
Para Alegretti (2002) o movimento dos empates teria sido apenas mais um
movimento de resistência se não tivessem estabelecido uma conexão entre dois fatos: no
cenário internacional discutia-se um novo papel para as florestas tropicais e a
responsabilidade dos financiadores de projetos de grandes impactos ambientais e a
preocupação com os segmentos sociais afetados. Como os interlocutores destas
demandas eram cientistas e ambientalistas, para a autora eles não tinham a legitimidade
que os seringueiros possuíam. Portanto os novos autores do desenvolvimento
sustentável passaram a ser as populações pobres das florestas tropicais (ALEGRETTI,
2002).
Segundo Alegretti (2002), as principais conquistas do movimento seringueiro
para o desenvolvimento sustentável foram: 1) Programa Piloto das Florestas Tropicais
do G-7(PPG-7); 2) Polo Florestal criado pela prefeitura de Xapuri na gestão de Júlio
Barbosa (1996-2004); 3) Em 1992 a eleição de Jorge Viana para prefeito de Rio Branco,
eleição de Marina Silva para o Senado e de João Alberto Rodrigues Capiberibe como
Governador do Amapá; 4) em 1999 Capiberibe é reeleito governador e Jorge Viana
eleito governador do estado do Acre. Para Alegretti estes representaram uma geração de
políticos que colocaram em sua pauta os preceitos do desenvolvimento sustentável
(ALEGRETTI, 2002, p.744).
Podemos compreender o caráter da aliança que o movimento dos seringueiros
realizou com as organizações do ambientalismo internacional, intermediadas por atores
que trabalharam para descaracterizar a luta pela terra para um movimento de proteção
216
ambiental, de proteção da floresta. Como resultado disto o movimento dos seringueiros
será alardeado no mundo inteiro como um novo movimento social e os seringueiros
alçados à categoria de “guardiões das florestas”, salvadores do planeta.
Entre os atores sociais que intermediaram a relação dos seringueiros com as
grandes ONGs, tem atuação destacada Mary Alegretti como interlocutora central do
movimento dos seringueiros com as organizações do imperialismo. A importância do
papel desempenhado por Alegretti no processo descrito acima pode ser averiguado na
carta de 18 de agosto de 1987 do instituto por ela presidido, o Instituo de Estudos
Amazônicos (IEA):

No período de 12 a 16 de maio tive a oportunidade de participar, em Washington, D.C.,


de uma reunião de Organizações Não Governamentais (ONGs) do Continente
Americano convidadas oficialmente à “Reunião de Consulta do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) com Organismos Públicos Responsáveis pela Proteção
Ambiental e Conservação dos Recursos Naturais”. Durante a sessão plenária final da
reunião das ONGs foi criado o comitê ‘ad hoc’ para a formação da Rede Latino
Americana e do Caribe de ONGs Ambientalistas (RAMA) formado por: Monsenhor
Roque Adames (Plan Sierra – República Dominicana), Manuel Fernandes (Federación
Conservacionista Mexicana – México), Stewart Hudson (National Wildlife Federation –
EUA) e o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) (Instituto de Estudos Amazônicos,
1987).

As ONGs e organizações ambientalistas denunciavam a pavimentação da BR-


364226, no trecho entre Rondônia e Acre, como a principal causa do desmatamento e da
destruição ambiental da Amazônia. O BID, financiador de grande parte da construção
da estrada, foi o alvo principal das críticas e da campanha internacional desencadeada
por ONGs em meados dos anos de 1980. Algumas destas ONGs possuíam estreita
vinculação com o movimento dos seringueiros no Acre como a Environmental Defense
Fund (EDF), então dirigida pelo antropólogo Stephan Schwartzman.
Em 03 de maio de 1987 várias ONGs ambientalistas227 enviaram carta ao
presidente do BID, Antonio Ortiz Mena, na qual requeriam que o BID tivesse ações
concretas na área ambiental que visassem: 1) garantia da demarcação das terras
indígenas; 2) identificar e proteger apropriadamente as áreas naturais; 3) estabelecer
Reservas Extrativistas para o uso dos seringueiros das comunidades locais (IEA,
1987, destacado nosso).

226
A Rodovia BR – 364 é uma importante rodovia que se inicia em Cordeirópolis (São Paulo), indo até a
divisa com Minas Gerais, passando por Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
227
Assinaram a carta endereçada ao BID: Bruce Rich (Advogado da EDF), Stephan Schwartzman (EDF),
Barbara Bramble (Diretora do Programa Internacional da National Wildlife Federation), Larry Williams
(Representante de Washington Sierra Club) e Brent Blackwelder (Diretor do Programa Internacional
Environmental Policy Institute).

217
O IEA foi a principal organização assessora do Conselho Nacional dos
Seringueiros e teve bastante influência na definição da pauta ambientalista para a
Amazônia. Um de seus documentos, “Política Florestal para a Amazônia”, foi aprovado
pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, e continha um conjunto de ações que o IEA
afirmava “precisarem ser desencadeadas pelo poder público”:
- Realizar o Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia;
- Disciplinar e regulamentar o processo de ocupação urbano e rural e a estrutura
fundiária regional;
- Demarcar e regularizar as terras indígenas;
- Ampliar as áreas de preservação e de conservação;
- Implantar Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, para uso ecologicamente
sustentado de seus múltiplos recursos;
- Institucionalizar um sistema de administração florestal na Amazônia para coordenar a
utilização ecologicamente sustentada dos recursos naturais;
- Promover pesquisas, formação e especialização de recursos humanos;
- Promover educação conservacionista;
- Fomentar a implantação de criadouros de animais silvestres para fins econômicos ou
de repovoamento (IEA, 1987, p.12).
Todo este processo do ambientalismo ongueiro que foi desencadeado na
Amazônia teve no Acre as articulações que descrevemos neste tópico. As ações e
estratégias desencadeadas pelas ONGs tiveram como conseqüências principais a
reconfiguração do espaço agrário da Amazônia, e, no Acre, o processo que pesquisamos
levou a ampla desmobilização da luta dos camponeses pela terra e conseqüências graves
para aqueles que vivem e produzem em áreas que foram transformadas na categoria de
unidades de conservação, conforme descrevemos nos próximos itens.

6.3 – A reconfiguração do espaço agrário na Amazônia como conseqüência da


atuação do ambientalismo ongueiro
A ação de políticas ambientais na Amazônia tem nas ONGs ambientalistas um
dos principais agentes e formuladores destas políticas para a região que se configura
num ambientalismo ongueiro. Este processo acarreta sérias conseqüências para os que
vivem e produzem nestes lugares, que foram transformados em áreas protegidas, e para
todo o país, pelo caráter destas medidas, por significarem o agravamento do problema
fundiário. Para ilustrar as ações e o poder de influência das ONGs na Amazônia
exemplificamos com o caso de uma importante ONG sediada no Pará, o Instituto do

218
Homem e Meio-Ambiente na Amazônia - IMAZON, que lista em seu relatório de 2005-
2006 o que considera como sendo suas contribuições importantes nos seus 16 anos de
atividade. Reproduzimos a seguir estes fatos para termos um quadro da atuação desta
ONG nas ações que consideramos importantes:

a) Estudos aplicados sobre manejo e ecologia florestal iniciados em 1990 serviram de


base para a definição do sistema de manejo florestal na Amazônia, cuja área total em
2005 superava 3 milhões de hectares.

b) Extensa produção científica sobre recursos naturais na Amazônia com mais de 260
publicações até 2006.

c) Estudo pioneiro publicado em 2000, realizado em parceria com o Banco Mundial,


que oferece as bases para orientar políticas públicas de desenvolvimento sustentável na
região. Esse estudo revela que a dinâmica do uso da terra na Amazônia segue o padrão
“boom-colapso” na ausência de intervenção pública e de uma economia florestal
sustentável.

d) Pesquisa sobre ecologia e socio-economia do mogno iniciada em 1991 – a espécie


madeireira de maior valor comercial no mundo – foi essencial para sua inclusão na lista
de espécies ameaçadas da Cites em 2002.

e) Publicação da série O Estado da Amazônia, desde 2004, que trata concisamente


de temas estratégicos para conservação e desenvolvimento sustentável e é destinada a
tomadores de decisão e lideranças com atuação na Amazônia.

f) Pioneirismo no desenvolvimento de um sistema de monitoramento com imagens de


satélite para detecção da exploração madeireira e estradas não-oficiais na Amazônia a
partir de 2004.

g) Estudos sobre política e economia florestal contribuíram de forma decisiva para a


elaboração da nova Lei de Gestão de Florestas Públicas do Brasil em vigor desde
março de 2006.

h) Estudo sobre pressão humana na Amazônia, em 2006, revelou a dimensão mais


detalhada da ocupação da região e tem sido utilizado para orientar os esforços de
combate ao desmatamento e a criação de Áreas Protegidas na região.

i) Desenvolvimento do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento) em 2006, uma


iniciativa pioneira para monitorar mensalmente com imagens de satélite o
desmatamento na Amazônia.

j) Apoio técnico para a criação de aproximadamente 17 milhões de hectares de Flonas e


Flotas na Amazônia entre 2000 e 2006.

l) Apoio técnico para a criação de 5,4 milhões de hectares de Unidades de Conservação


de Proteção Integral na calha Norte do Pará em 2006 (IMAZON, 2007, p.7-8).

A reprodução da lista de atividades do IMAZON nos apresenta aspectos da


gerência que esta ONG exerce sobre a definição de criação de áreas de unidades de
conservação e a gestão destas; o manejo de áreas; o monitoramento de dados de satélite

219
e especialmente a interferência para a criação das unidades. É sobre estas atividades que
se concentram os projetos e ações do ambientalismo ongueiro na Amazônia.
A situação atual das áreas protegidas nos países da Amazônia228 é apresentada
na tabela 11 e para os estados da Amazônia brasileira na tabela 12 e visualizada no
mapa 05.
Tabela 11 - Áreas protegidas e terras indígenas na Amazônia (km²)
Uso Uso Uso Total Participação das áreas
indireto229 direto230 transitório protegidas na Amazônia de
231
cada país
Bolívia 54.444 46.448 605 101.497 24
Brasil 435.950 564.260 --- 492.406 20
Colômbia 66.816 ---- 306.335 373.151 77,2
Equador 29.843 --- --- 29.843 26,0
Guiana 26.210 35.584 --- 61.794 71,4
Francesa
Guiana 5.914 --- --- 5.914 2,8
Peru 77.535 45.565 32.143 155.243 19,8
Suriname 19.683 5.655 --- 25.338 15,5
Venezuela 171.145 --- --- 171.145 37,7
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAISG (2009)232
Tabela 12: Áreas Protegidas na Amazônia Legal por Estado
Estado UC Proteção % da UC Uso % da Terra % da % do
Integral (ha) área do Sustentável área do Indígena (ha) área do Estado sob
Estado (ha) Estado Estado TI ou
UC(233)
Acre 1.596.277 9,68 3.526.721 21,39 2.428.291 14,73 45,81
Amapá 4.726.658 33,72 4.188.585 29,88 1.185.953 8,46 72,06
Amazonas 8.813.198 5,63 17.255.001 11,02 42.871.861 27,38 44,03
Maranhão234** 1.313.432 4,99 72.765 0,28 1.921.991 7,30 12,56
*
Mato Grosso 2.775.311 3,06 60.699 0,07 13.512.927 14,90 18,03
Pará 12.656.723 10,24 18.217.434 14,75 28.439.714 23,02 48,01
Rondônia 1.912.863 8,02 3.735.090 15,66 4.965.945 20,82 44,50
Roraima 1.065.143 4,73 381.512 1,69 10.384.250 46,13 52,55
Tocantins 1.057.970 3,86 9.217 0,03 2.391.416 8,73 12,62
Amazônia 35.917.576 7,16 47.447.025 9,46 108.102.349 21,56 38,18
Legal
Fonte: http://www.socioambiental.org/uc/quadro_geral

228
A distribuição da população nos diversos países da Amazônia é um dos indicadores das grandes
diferenças da vida nacional desses países. No Brasil, embora a Amazônia ocupe 58,8% do território
nacional, é habitada por apenas 13,3% da população brasileira. Percentual semelhante possui a Bolívia
com 14,9% de sua população na área da Amazônia que corresponde a 43,3% deste país. O Peru, com
60,9% de sua área na região amazônica, sendo que sua população nesta região é de 13% do total nacional.
A Venezuela tem praticamente a metade de sua área na Amazônia (49,5%), com 8,2% de sua população.
A Colômbia e o Equador possuem indicadores bem semelhantes, de 4 % e 5% de suas respectivas
populações habitam a região amazônica destes países, sendo que para o primeiro a área da Amazônia é de
42% e o segundo de 46,9%.
229
Uso indireto: Proteção da biodiversidade, paisagem geológica e cênica (caráter estético)
compatibilizada com turismo, educação e pesquisa.
230
Uso direto: Proteção de recursos compatibilizando com uso controlado Segundo planos de utilização.
231
Uso transitório: Áreas de floresta reservada que podem ou não se converter em áreas protegidas ou
concessões, de acordo com estudos.
232
RAISG – Red Amazónica de Información SocioAmbiental Georreferenciada, acessível em:
WWW.raisg.sociambiental.org
233
TI: Terra indígena ; UC: Unidade de Conservação
234
Somente a parte do Maranhão incluída na Amazônia Legal

220
Mapa 05 – Amazônia: terras indígenas e unidades de conservação

Fonte: Weiss, 2008, p. 403.

221
No Estado do Acre a criação de áreas de unidades de conservação no período do
Governo da Floresta é apresentada na tabela 13 e espacializada no mapa 06.

Tabela 13 – Estado do Acre: áreas de preservação ambiental


Categoria Área (ha) Percentual do Estado
Áreas criadas antes de 1999
Parque Nacional Serra Divisor 784.079 4,77
Estação Ecológica Rio Acre 84.387 0,51
Reserva Extrativista Alto Juruá 538.492 3,28
Reserva Extrativista Chico Mendes 930.203 5,66
Floresta Nacional Macauã 177.047 1,08
Floresta Estadual do Antimary 45.639 0,28
Floresta Nacional São Francisco 19.139 0,12
Subtotal 2.578.986 15,7
Áreas criadas após 1999
Área de Proteção Ambiental Igarapé São Francisco 30.004 0,18
Área de Proteção Ambiental Lago do Amapá 5.224 0,03
Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra 909 0,01
Área de Relevante Interesse Ecológico Seringal Nova 2.576 0,02
Esperança
Reserva Extrativista Alto Tarauacá 151.199 0,92
Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema 733.680 4,47
Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade 320.118 1,95
Floresta Nacional Santa Rosa do Purus 152.575 0,93
Floresta Estadual Mogno 143.897 0,88
Floresta Estadual Rio Liberdade 77.303 0,47
Floresta Estadual Rio Gregório 216.062 1,32
Parque Estadual Chandless 695.303 4,23
Subtotal 2.528.850 15,41
Total de Unidades de Conservação 5.107.836 31,10
III – Terras Indígenas 2.390.112 14,55
Total de Áreas Naturais Protegidas 7.497.948 45,65
Área Total do Estado 16.422.136
Fonte: Acre, 2006.

222
Mapa 06 - Unidades de preservação ambiental do Acre

Parque Nacional
Resex Riozinho
da Liberdade
AMAZONAS
da Serra do Divisor

Resex do Alto
Tarauacá

Resex do Alto
Juruá
Floresta Nacional
Santa Rosa do Purus
Resex do Cazumbá
- Iracema

Parque
Estadual
do Chandlles Floresta Nacional
São Francisco
Floresta Nacional
Macauã

PERU Resex do Chico Mendes

Á r e a de R e le v a nt e
Estação
Int e r e s s e Ec ológic o
Ecológica
do Rio Acre Se r inga l N ov a Es pe r a nç a
BOLÍVIA

0 50 100 200
Legenda Km
Unidades de Conservação
Unidade de Proteção Integral
Unidade de Uso Sustentável
Terras Indigenas
Fonte: Base Cartográfica SEMA/IMAC- ZEE 2007.
rodovias Elaborado por Allana Maia
rios

Fonte: Morais, 2008, p. 177.

Sobre o impacto na vida dos camponeses que vivem em áreas de preservação


ambiental pesquisamos a situação na RESEX Chico Mendes e no Parque Nacional da
Serra do Divisor (PNSD). Apresentamos a seguir sobre a RESEX e no item 6.4 sobre o
Parque.
A Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex Chico Mendes) possui um milhão
de hectares que abrange áreas dos seguintes municípios: Rio Branco, Xapuri, Brasiléia,
Assis Brasil e Sena Madureira. De acordo com o relatório sócio-econômico e cadastro
da Resex Chico Mendes a mesma possuía 1.444 colocações235 e 1.838 famílias. Cada
colocação possui em média três estradas de seringa, o que equivale a uma área em torno
de 300 hectares. Segundo este levantamento 88% dos seringueiros exploravam
diretamente a colocação e 12% utilizavam a mão de obra de meeiro, agregado, ou
mesmo familiares como cunhado, sobrinho ou tio (CNS, 1992, p.10).

235
Colocação é uma unidade social e produtiva onde o seringueiro e sua família vivem e desenvolvem
suas atividades econômicas. Em média cada colocação possui entre duas a três estradas de seringa, sendo
que cada estrada tem uma área que varia entre 70 a 100 hectares. Na colocação o seringueiro constrói sua
moradia, coleta produtos florestais e alimentos, desenvolve agricultura e pecuária, possui casa de farinha
e explora os produtos extrativistas como a borracha, castanha e madeira.

223
No quadro a seguir apresentamos as atividades desempenhadas pelos homens e
mulheres na Resex, o que nos permite ter uma dimensão das características de
semifeudalidade que ainda prevalecem no campo amazônico. Segundo o CNS236 (1992),
os dados indicam que se os filhos forem adultos, melhores condições de vida têm a
família. O número de meeiros e empregados é elevado. Do total de 12.017 habitantes da
Resex 6.133 são concessionários e meeiros237 e 5.884 são dependentes, conforme
apresenta os dados do quadro 10:

Quadro 10 - Composição da força de trabalho na Resex Chico Mendes


Função Homens Mulheres
Meeiro 33,33 % ------
Empregado 31,16 % 75,68 %
Diarista 23,91 % 16,22 %
Empreiteiro 10,14 % ------
Parceiro 0,72 % 2,7 %
Agregado 0,72 % 5,40 %
Total 100 100
Fonte: Conselho Nacional dos Seringueiros (1992, p.11).

Depois de 19 anos de sua criação e de ter sido alardeada como a solução de


todos os problemas dos camponeses extrativistas, a situação daqueles que vivem na
RESEX Chico Mendes é de graves dificuldades, a maioria vivendo em condição de
miséria. Seguem enfrentando os mesmos problemas do período anterior e
principalmente o problema da terra não está resolvido. Sobre isto nos colocou a atual
presidente do STR de Xapuri, Dercy Teles Cunha, em entrevista em Rio Branco
(18/01/2009):

A criação da RESEX não resolveu o problema da terra. Hoje os seringueiros estão sob a tutela
dos órgãos do estado, como o IBAMA, que impõe regras que impedem a produção. Viver
apenas do extrativismo não é possível. Durante estes dezoito anos não foi desenvolvida uma
política que garantisse mercado para os produtos extrativistas. Hoje viver exclusivamente do
extrativismo é estar condenado a viver na miséria. A situação da maioria dos extrativistas é ter
de colocar dez latas de castanha num burro e andar dois ou três dias para vender este produto.
O mesmo com a borracha e para esta a situação do mercado é muito pior. Dentro da RESEX
falta caminho, ponte, o que dificulta e até impossibilita o escoamento da produção. A
agricultura também é uma dificuldade, um agricultor me disse que “cansou de plantar milho
para criar gorgulho”. É por estas dificuldades extremas que alguns foram criar gado, porque
para o gado não falta mercado e ele chega até o mercado com as próprias pernas ou mesmo o
comprador vai até lá buscar. Isto é o principal problema dos seringueiros, não ter como viver

236
Estes dados do CNS (1992) referem-se ao primeiro e único levantamento socioeconômico da RESEX
Chico Mendes.
237
Segundo conversa com Pedro Telles, em setembro de 2009, a produção por meia sempre ocorreu na
região, principalmente na produção de borracha.

224
com dignidade. O acesso à saúde e à educação são inexistentes, se nem na cidade se tem
acesso, imagine no campo.

A ideia que se tinha era que a Reserva Extrativista seria gerenciada pelo seringueiro. Toda
essa mudança, essa burocratização, ela se deu ao longo da pelegagem, depois que os líderes do
movimento deixaram de representar os interesses dos trabalhadores. Porque este Plano de
Utilização da Resex acaba sendo um tiro no pé da pessoa. Porque do jeito que este plano do
IBAMA veta todas as atividades complementares, mas que na realidade são principais, porque
o extrativismo está desvalorizado, e os produtos extrativistas que são citados como
possibilidades, simplesmente não existem, porque não existe uma política de mercado que dê
alguma garantia a estes produtos. Então os trabalhadores da Reserva estão sem alternativas de
continuarem vivendo na Reserva, porque do extrativismo é impossível viver e as atividades
complementares são inviabilizadas pelas normas estabelecidas pelas regras ambientais.

Na Reserva Extrativista Chico Mendes, segundo informação da diretoria do STR


de Xapuri, um grande número de famílias cria uma pequena quantidade de gado e
apenas alguns produtores possuem um rebanho maior. Com a propaganda de combater o
que denominou de “pecuarização da Reserva Chico Mendes” o IBAMA realizou em
novembro de 2008 a operação chamada de “Reserva Legal”. Esta ação foi desencadeada
por uma denúncia junto ao Ministério Público de organizações dos trabalhadores238 que
resultou em dois inquéritos na Polícia Federal (IPL n. 030/2008 e o IPL n. 043/2007)
com o objetivo de investigar “a ocorrência de desmatamentos, ocupação irregular de
terra e criação de bovinos na Reserva Extrativista Chico Mendes e a omissão e inércia
do IBAMA no controle da Unidade”. Para resolver esta questão o IBAMA desencadeou
a operação na Reserva e o “Plano de Reorganização da Estrutura de Gestão,
Ordenamento Territorial e Regularização Fundiária”239. No período de 13 de dezembro
de 2008 a 06 de janeiro de 2009 acompanhamos em Xapuri as conseqüências desta
operação sobre a vida dos seringueiros e agricultores da Resex Chico Mendes, onde
realizamos trabalho de campo conforme mapa 07.

238
Segundo informação da diretoria do STR de Xapuri, estas organizações foram o STR de Brasiléia, a
AMOPREAX e o CNS.
239
Para uma discussão sobre questão agrária e meio ambiente e os impactos sobre a vida dos camponeses
em um estudo de Rondônia, ver Miranda de Souza (2006).

225
Mapa 07 – Resex Chico Mendes: área da pesquisa de campo

Fonte: dados organizados pelo geógrafo Cláudio Cavalcante.

Segundo informações do IBAMA foram notificadas por irregularidade 37


seringueiros e agricultores da RESEX e, destes, vários receberam multas e responderão
a processo por crime ambiental. Segundo o IBAMA esta ação visava regularizar a
situação de pecuarização na reserva extrativista e a utilização ilegal de áreas por
posseiros. Disto resultou um levantamento onde o IBAMA considerava que 25% das
famílias da Reserva estavam em situação irregular o que poderia acarretar na retirada de
mais de 300 famílias desta área240.
Participamos de uma reunião realizada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Xapuri, em 13/12/2008, cujo objetivo era discutir os impactos da “Operação Reserva
Legal” do IBAMA sobre os agricultores e seringueiros. Esta reunião contou com os
seguintes participantes: Dercy Teles de Carvalho Cunha (presidente do STR de Xapuri),
Francisco Bezerra Neris (AMOPREX), Raimundo Mendes de Barros (FETACRE), Luiz
Iris de Carvalho (CAEX), Francisco Barbosa de Aquino (Saúde), Dionísio Barbosa de
Aquino (COOPERFLORESTA), Júlio Barbosa de Aquino (CNS), Francisco Ramalho

240
Na reunião do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes Realizada em 30/10/2008 o IBAMA requeria
neste conselho o pedido de áreas do INCRA para reassentamento das famílias que poderiam ser retiradas
da Reserva.

226
de Souza (CAEX), Luiz Rodrigues da Silva (Saúde), Reginaldo da Silva de Souza
(Escola da Floresta), Renato Ferreira (AMOPREX), Sebastião Nascimento de Aquino
(professor na RESEX).
Neste evento a presidente do STR de Xapuri expôs os problemas que os
seringueiros da RESEX estão enfrentando com a aplicação da operação do IBAMA, as
multas e restrições as atividades produtivas. Foi lembrado que o próprio IBAMA diz
que estar cumprindo a solicitação feita por representantes do movimento social ao
Ministério Público para fazer o IBAMA cumprir o Plano de Utilização da RESEX,
solicitação esta feita em 2005. Um dos participantes afirmou que o Plano feito pelo
IBAMA é tendencioso porque não foi amplamente discutido e construído pela
comunidade. O representante do CNS refutou a afirmação citando as reuniões das quais
ele participou como representante do CNS na elaboração do Plano de Uso da Resex
Chico Mendes.
O que ressaltamos da reunião no STR é que a única organização que colocou-se
à frente para defender os interesses dos seringueiros foi o STR de Xapuri. A posição do
sindicato sobre as conseqüências da operação do IBAMA compreendia os seguintes
pontos: 1) entendia que o problema de pecuarização da Resex Chico Mendes era
conseqüência da falta de alternativas de geração de renda para os extrativistas; 2) as
multas inviabilizavam a vida das famílias; 3) a retirada das famílias da Reserva
agravaria o problema agrário na região; 4) o STR de Xapuri não assinou em 2005 o
documento encaminhado ao Ministério Público requerendo a operação que o IBAMA
realizou; 5) a situação das famílias da Reserva é de grande dificuldade devido à falta de
políticas que garantam preços, escoamento e mercado aos produtos extrativistas. Além
disso a população da Resex não tem acesso aos serviços de educação e saúde.
Entendemos este encontro e a delimitação das posições tomadas pelos
representantes das organizações dos seringueiros como reflexo do que aqui estamos
denominando da onguização dos movimentos de luta nesta região. Alguns aspectos
reforçam nossa hipótese para este processo. Ocorreu, a partir da morte de Chico
Mendes241, uma desmobilização dos seringueiros e dos pequenos agricultores e o
conseqüente afastamento da principal demanda de luta, que era o problema da terra,
decorrente da efetivação de alianças com várias ONGs e com o poder público local.

241
O período pós morte de Chico Mendes é apontado, em entrevista, por Osmarino Amâncio e Dercy
Telles Cunha, como o marco na inflexão do caráter combativo das organizações dos seringueiros no Acre.

227
Em 17/12/2008 ocorreu no STR de Xapuri uma reunião convocada pelo IBAMA
para discutir os problemas ocasionados pela Operação Reserva Legal, na qual
participaram mais de 150 seringueiros. Assistimos a este evento e constatamos a
desmobilização da categoria242 e o caráter de atrelamento das organizações dos
trabalhadores ao poder estatal. Isto ficou evidenciado no posicionamento dos
representantes de organizações como o CNS, AMOPREX, FETACRE, STR de
Brasiléia e CAEX ao defenderem a operação do IBAMA em detrimento dos interesses
dos seringueiros, duramente afetados por esta operação. Neste evento as intervenções
dominantes foram das autoridades locais como vereadores, o prefeito eleito de Xapuri
pelo PT e o superintendente do IBAMA. Este conclamou os seringueiros a não
aprovarem a nota de repúdio do STR de Xapuri contra a operação do IBAMA, pois
dizia que “os tempos atuais são de consenso”. Os seringueiros por unanimidade
aprovaram a nota de repúdio contra a Operação Reserva Legal do IBAMA que
reproduzimos a seguir:

242
Segundo informações do STR de Xapuri, nas eleições da diretoria do sindicato em 2006 apenas 230
sindicalizados votaram, de um total de 3.000. A mesma situação de desmobilização no STR de Brasiléia,
de 8.000 sindicalizados, em torno de 300 votaram nas últimas eleições.

228
Nota de repúdio

Comemorar a semana Chico Mendes243 com repressão aos seringueiros, sem dúvida é manchar
toda a luta que tivemos até aqui!

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri repudia veementemente o caráter de


perseguição e criminalização dos seringueiros e moradores da Reserva Extrativista Chico
Mendes, efetuada pelo Ibama na operação denominada de "Reserva Legal", quando moradores
foram multados e outros ameaçados de serem retirados da Reserva, por estarem cometendo
infrações ao meio ambiente. Nosso repúdio e indignação têm por base os seguintes motivos:

1) Nestes dezoito anos de criação da Reserva não existe uma política que garanta uma renda
para os seringueiros viverem com dignidade exclusivamente da produção extrativista. Portanto a
utilização da atividade da pecuária é um complemento de renda que tem sido utilizado pela
grande maioria dos moradores;

2) Pouco existiu um trabalho de esclarecimento e conscientização das regras de uso e manejo da


RESEX que abrangesse um número significativo de famílias;

3) O Plano de Manejo e de Utilização da RESEX não é de conhecimento da grande maioria das


famílias;

4) Os seringueiros não podem ser responsabilizados pela mudança do clima do planeta, este se
deve à ação dos grandes pecuaristas, mineradoras e do grande capital;

5) As multas aplicadas inviabilizam seu comprimento. As famílias de seringueiros têm uma vida
de duro trabalho na floresta e o pouco rendimento e benfeitorias conseguidas pelas famílias não
podem ser disponibilizadas para o pagamento destas multas porque isto inviabilizaria a
reprodução das próprias famílias.

Os seringueiros e trabalhadores rurais do Acre lutam com todas suas forças pela posse de suas
terras que secularmente foram ocupadas por seus antepassados. A luta que custou a vida de
tantos e estimados companheiros não pode ser em vão.

Se ontem lutamos contra o latifúndio, inimigo declarado, parece que a política governamental
tornou-se auxiliar dos interesses do latifúndio, que sempre tentou ignorar os que vivem da terra
com trabalho. Hoje temos na política ambiental de criminalização dos pequenos produtores um
novo impedimento para a garantia de atividades que permita aos seringueiros uma vida digna.

Parar imediatamente a repressão aos seringueiros!


Cancelar todas as multas que inviabilizam nossa vida na floresta!
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri - Xapuri, 17/12/2008

Para compreender a situação do conflito fundiário que a operação Reserva Legal


do IBAMA colocou à mostra visitamos a localidade do Nova Esperança por ser o local
onde esta operação foi mais abrangente. Este local tem uma constituição bastante

243
De 17/12 a 22/12/2008 ocorreu em Xapuri um conjunto de eventos, patrocinados pelo governo do
Acre, pela ocasião de 20 anos do assassinato de Chico Mendes.

229
diferente dos demais seringais da Reserva. O Seringal Nova Esperança transformou-se
na Fazenda Nova Esperança no período da entrada dos pecuaristas nesta região. Está
ocupado por 100 famílias de camponeses pobres e pequenos agricultores que fundaram
a Associação dos Moradores e Produtores da Maloca e Juracir. Em 21/12/2008
assistimos à reunião da Associação que discutiu os problemas da operação do IBAMA.
Nesta reunião compareceram mais de 100 seringueiros e agricultores. Foi
relatado a forma de truculência e violência da operação, pois os camponeses se sentiram
humilhados e constrangidos pela presença da Polícia Federal e pela forma de atuação
dos fiscais do IBAMA. Ocorreu uma denúncia de que técnicos do IBAMA tinham
batido nas mãos de um menor e uma senhora denunciou que o técnico do IBAMA, José
Carlos, ameaça e zomba dos agricultores.
Neste local entrevistamos oito camponeses. Destes, um foi multado pelo
IBAMA no valor de R$ 70.000, outro em R$ 26.000,00 e uma camponesa no valor de
R$ 9.000,00. Um camponês está com hanseníase há oito anos, trabalha por diária nas
terras dos pequenos agricultores ou de fazendeiros locais. O que averiguamos na ida ao
Nova Esperança é que, ao contrário do que dizia o IBAMA, este local é ocupado por
pequenos agricultores e camponeses pobres e que as multas aí aplicadas inviabilizam a
vida destas famílias.
Estas famílias vivem da pequena agricultura e do extrativismo. Em torno de 60
% de sua produção agrícola são destinadas para consumo próprio e o excedente agrícola
é vendido no mercado local244. Utilizam esta renda monetária, que segundo as
entrevistas não alcança um valor do salário mínimo mensal, para comprar os demais
produtos de sua necessidade como o sal, açúcar, café, óleo, sabão, combustível e
munição para a atividade da caça.
No Nova Esperança a divisão da terra é diferente das demais localidades da
Resex Chico Mendes. Ocorre que para ter o direito de uso na Reserva Chico Mendes
tem-se que se adequar ao que está estabelecido no Plano de Manejo e no contrato de
Cessão de Uso que é estabelecido entre o IBAMA e a Associação dos Moradores e
Produtores de Xapuri (AMOPREX). A Reserva é composta de vários seringais que é
dividido em colocações que tem em média 300 ha. A comunidade Maloca e Juraci no
Nova Esperança possuem 100 famílias organizadas em lotes de 30 a 60 ha. São

244
A análise sobre a produção familiar rural do Acre é encontrada no projeto ASPF (Análise Econômica
da Produção Familiar Rural no Vale do Acre), do departamento de economia da UFAC.
Fonte: http://www.ufac.br/projetos/aspf/index.htm

230
camponeses pobres que ocuparam esta área como pequenos agricultores e da terra têm
sobrevivido com as condições que são possíveis e sem nenhuma determinação estatal.

Na RESEX Chico Mendes visitamos a colocação Sossego no Seringal Sibéria


onde entrevistamos duas famílias. A primeira, com dois filhos, vive exclusivamente da
agricultura porque na sua colocação não tem seringa e a produção de castanha é
pequena. Sua renda mensal com a venda de produtos agrícolas não alcança o valor de
um salário mínimo. Esta família mora em casa de paxiúba e palha, com dois cômodos,
utilizam fogão a lenha. Apontaram como problemas graves a falta de educação, pois a
escola mais próxima fica a duas horas de viagem a pé; e o acesso à saúde, pois quando
tem algum problema têm de deslocar-se para a cidade.
A outra família que entrevistamos, com três filhos, vive do extrativismo da
seringa e da castanha, da agricultura de subsistência e do trabalho de diárias para um
médio produtor de gado localizado no mesmo seringal. Nesta atividade trabalha
brocando campo para pasto de gado, na temporada do verão, por R$ 20,00 a diária.
Apesar do governo local fazer ampla propaganda da atividade extrativista, fizemos os
cálculos da renda anual deste seringueiro com a venda de látex para a fábrica estatal de

231
preservativos Nátex245 na cidade de Xapuri: em 2006 foi de R$ 43,05, em 2007 R$
515,06 e em 2008 R$ 496,09.
Os problemas enfrentados na RESEX estão estreitamente relacionados à
estrutura das causas do problema da terra no Acre e na Amazônia, ao problema da
desmobilização da luta dos trabalhadores e da tutela e repressão dos órgãos ambientais
sobre os que vivem em unidades de conservação, conforme esclarece Dercy Teles
Cunha:

Eu acho que, na realidade, o problema da terra só mudou o cenário. Antes a luta pela terra
estava entre os pequenos trabalhadores rurais e o grande latifúndio. Hoje o latifúndio deu
espaço para as instituições governamentais, como é o caso do IBAMA.

Na verdade, o problema da terra não foi resolvido, e a minha avaliação é que os trabalhadores
nadaram para morrer na praia. Eu lembro que no início da discussão sobre a RESEX Chico
Mendes, ela tinha um caráter de ser um novo modelo de reforma agrária que contemplasse os
seringueiros, a partir da colocação de seringa. Porque a colocação de seringa é um espaço
amplo que, dentro dos padrões de reforma agrária tradicional, não teria como ser viabilizado.
Como o seringueiro só sabe cortar seringa, trabalhar nesse espaço, denominado de colocação
de seringa, que é a unidade de produção dele, não teria como fazer uma reforma agrária para
ele mudando o estilo de seringal.

A reserva extrativista teve a origem de sua discussão a partir desse pensamento. Só que ao
longo desses anos, houve essa cooptação das lideranças e com a eleição de um partido, que
deram o nome de partido dos "trabalhadores", isso vem mudando. Mudou drasticamente o
comportamento dos líderes, que antes defendiam a posse da terra. Que defendiam que aqueles
que sempre viveram na Zona Rural permanecessem vivendo lá, com dignidade.

A Reserva, em 1990, foi decretada e regularizada como Reserva Extrativista. Aí foi um


histerismo esse novo slogan que é a questão do verde e da defesa na natureza. Quando nós
começamos essa discussão da reserva extrativista ninguém estava preocupado com a questão
da natureza, não. Com a preservação da natureza, não. A gente estava preocupado com a
preservação da vida daquelas famílias que moravam dentro da Reserva, que a gente tinha que
garantir o espaço deles porque é lá que eles sabem viver, que eles sabem construir o modelo de
vida deles.

Agora, com a junção da defesa do ambientalismo, que foi inventada ao longo desse tempo por
alguns intelectuais, criou-se uma situação que não vai ser diferente da do tempo do empate com
o grande latifúndio. Porque, hoje, ocorrem os mesmos problemas, que é manter a vida com um
mínimo de dignidade dentro dessas comunidades, sem ter uma alternativa de geração de renda.
Então, o seringueiro está sendo condenado a deixar a sua colocação. Condenado a migrar da
sua colocação por falta de condições de sobrevivência.

245
Fábrica de preservativos do governo do estado do Acre, fundada em 2007. Localizada na cidade de
Xapurí, custou 35 milhões de reais e é apontada pelo governo como solução ao problema de garantia de
venda do látex dos seringueiros da Reserva. Além da Nátex o governo incentivou outros
empreendimentos estatais como a fábrica de tacos em Xapuri, a despolpadora de frutas e uma de
beneficiamento de frango em Brasiléia. Estes empreendimentos são apontados pelo governo estadual
como solução de emprego e renda para a população local. Embora já tenham sido inauguradas mais de
uma vez apenas a Nátex estava funcionando até janeiro de 2009.

232
É uma coisa disfarçada. Uma política de expulsão de forma muito sutil, que se nós não
tivermos muita esperteza nem conseguimos perceber. Porque o discurso em defesa na natureza,
do meio ambiente está acima de qualquer ser humano.

Para mim, o problema da terra não foi resolvido, porque só seria resolvido se além de garantir
a posse da terra garantisse também as condições para as pessoas continuarem sobrevivendo,
com um mínimo de dignidade, que é o que eles sempre tiveram a partir do extrativismo, e isso
está sendo tirado. Porque o extrativismo não está mais propiciando isso e outros meios de
atividades não são permitidos, como a agricultura e a criação de animais dentro da Reserva.
Então, as pessoas vão viver de quê? Fica uma interrogação no ar. Se não têm do que viver,
então, a tendência é o êxodo rural, com certeza.

O discurso das ONGs e do Estado é que a gestão da Resex Chico Mendes


garante aos seringueiros, além da terra, autonomia, participação e responsabilidade pelo
uso da Reserva, conforme estabelece o Contrato de Uso estabelecido entre o IBAMA e
as respectivas associações dos trabalhadores. A gestão da Reserva é exercida pelo
Conselho Gestor da Reserva Extrativista Chico Mendes que é composto por várias
organizações: Conselho Nacional dos Seringueiros, Sindicatos, Cooperativa, Secretarias
de Governo, Associações representativas dos moradores da Reserva, universidade,
ONGs. Neste fórum são decididas todas as questões referentes à Reserva.
Na reunião ordinária do Conselho Gestor em 31/10/2008 dois acontecimentos
demonstram medidas que representam os interesses de grandes empresas para a
extração de recursos naturais da Reserva Extrativista Chico Mendes. A representante da
Universidade Federal do Acre (UFAC) apresentou ao Conselho o projeto “Promoção e
Uso Sustentável dos Recursos Naturais na Amazônia Sul Ocidental Brasileira”,
financiado pelo Ministério de Assuntos Exteriores da Itália e executado pela
Universidade Federal do Acre/Parque Zoobotânico, Cooperazione e Sviluppo (CESCI),
além da parceria com várias organizações governamentais e ONGs brasileiras e
peruanas. Segundo a representante da UFAC, o objetivo deste projeto é contribuir para a
gestão sustentável de pelo menos um por cento dos recursos naturais localizados na
Bacia do Rio Acre246, com duração de trinta e seis meses e financiamento de R$
714.000,00 (ATA do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes, 2008).
Na mesma reunião o representante do WWF Brasil apresentou o “Plano de
Manejo Comunitário de Óleo de Copaíba”, projeto desenvolvido pelo WWF, que

246
As atividades desse projeto estão sendo desenvolvidas nos seringais Belo Horizonte, Macapá, São
Francisco do Espalha, Humaitá e Boa Vista (no município de Rio Branco), nos seringais Floresta, Boa
Vista e Nazaré (Xapuri) e nos seringais Pindamonhangaba e São Cristóvão (Brasiléia), abrangendo
comunidades localizadas na Resex Chico Mendes (ATA do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes,
2008).

233
informou que 200 produtores da Reserva já foram capacitados e que este projeto é
importante para a geração de renda familiar e o uso sustentável dos recursos naturais. A
empresa de cosméticos NATURA S.A. também tem projetos na Resex Chico Mendes
aprovados pelo Conselho Gestor, para utilizar semente de jatobá (Hymenaea) e sangue
de dragão (Cróton sp)247 (ATA do Conselho Gestor da Resex Chico Mendes, 2008).
Sobre a propaganda de que a representação da sociedade civil nos Conselhos
Deliberativos, como do que aqui tratamos das áreas de preservação, garantem a
participação democrática de todos os representantes, Mori (2004) questiona sobre a
composição dos Conselhos:

(...) A pergunta que se põe frente a essa composição é: de que seus membros, tão
heterogêneos na natureza, nos interesses, no poder econômico no porte político, no
preparo técnico, nas fontes financeiras de sustentação e na própria base geográfica de
sua sede, poderão formar uma opinião conjunta válida a respeito de qualquer medida a
ser tomada (...)? (MORI, 2004, p.70).

Os seringueiros, que duramente lutaram pela terra no movimento dos empates e


na luta dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, poderiam ter considerado que chegaram
ao poder (como em geral entende-se ocupar postos no aparelho governamental) devido à
gama de acontecimentos que elevaram lideranças deste movimento a cargos no
executivo, legislativo e no aparelho de Estado. O ex-presidente do Conselho Nacional
dos Seringueiros, Júlio Barbosa, foi eleito prefeito de Xapuri pelo PT no período de
(1996-2004)248. Raimundo de Barros, apontado como sucessor de Chico Mendes, foi
vereador pelo PT em Xapuri no período 1989-2004. Atualmente é vice-presidente da
FETACRE, organização que também está cooptada pelo estado por ter uma política de
defesa dos interesses dos projetos do governo e não exercer seu papel de articulador da
luta classista dos trabalhadores rurais no Acre.
O PT no Acre teve sua ascensão ligada ao movimento seringueiro e chegou ao
poder estadual em uma frente de vários partidos que governa o estado desde 1999. Após
o assassinato de Chico Mendes, passou a usar a imagem dele como ícone do governo
247
ICMBIO - Resolução número 13, de 31 de outubro de 2008.
248
No final da Gestão de Júlio Barbosa ocorreu um incêndio na sede da prefeitura de Xapuri, até hoje não
esclarecido. Em 19/06/09 Júlio Barbosa foi condenado pela juíza da Vara Cível da Comarca de Xapuri,
Zenair Ferreira Bueno, a ressarcir R$ 28.340,86 aos cofres públicos. O ex-prefeito teve ainda os direitos
políticos suspensos por cinco anos, bem como proibição de contratar com o Poder Público, receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo também de cinco
anos. A condenação do ex-prefeito se deu após ficar provado que o mesmo ordenou a realização de
despesas não autorizadas em lei e por ter liberado verba pública sem a estrita observância das normas
pertinentes. Fonte: www.ac24horas.com,em19/06/2009.

234
estadual da Floresta. Desde a campanha eleitoral de 1990, o PT do Acre aciona a
trajetória do movimento seringueiro como símbolo da identidade acreana, da
acreanidade. Segundo Morais (2008) esta construção identitária tem contribuído para o
consenso em torno das políticas públicas de cunho ambientalista no estado do Acre
(MORAIS, 2008).
Marina Silva foi Ministra do Meio-Ambiente (2003-2008) no governo Lula. Seu
nome foi indicado em Washington pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva,
juntamente com a indicação do nome de Henrique Meirelles para a presidência do
Banco Central do Brasil. Durante a gestão de Marina Silva foi aprovada a Lei de Gestão
das Florestas Públicas que significa a regularização do saque e da pilhagem sobre os
recursos da Amazônia. Sobre este processo de ascensão de antigos militantes ao
aparelho do Estado, explica Osmarino Amâncio:

Nós achávamos que tínhamos chegado ao poder, era vereador, prefeito, governador, senadora
e até presidente, tudo companheiro. Aí eu achei que a gente até podia ir para casa. Mas não
podia, porque os problemas pioraram. A política da Marina Silva no Ministério do Meio
Ambiente foi uma traição. Nenhum governo anterior aceitou o que ela fez. Primeiro foram os
transgênicos, depois criou a Lei de Gestão das Florestas Públicas, que significa o entreguismo
de 60 milhões de hectares da Amazônia. Ela ajudou a consolidar e entregar para a iniciativa
privada, multinacionais e ONGs um processo de arrendamento destas terras por 40 anos, que
podem ser renovados por mais 30 anos. Isto significa a mercantilizarão de toda a região. Agora
foi legalizada a grilhagem de terras, são mais de 60 milhões de hectares. Tudo projeto para
monocultura de soja e cana para o etanol e o biodiesel, e também para pecuária.

O discurso do Governo da Floresta é que os conflitos fundiários no Acre estão


resolvidos com a criação das Reservas Extrativistas, Projetos de Desenvolvimento
Sustentável (PDS), Projetos de Assentamento Extrativistas (PAE) e Projetos de
Assentamento Florestal (PAF). O governo apresenta os problemas de terra como
conflitos sócio ambientais, e a estes dá ênfase em projetos desenvolvidos com ONGs e
outras organizações que têm desenvolvido uma gama de ações, como apresentamos no
capítulo anterior, que visam expulsar os camponeses das terras em que vivem e
construir imensas áreas de reservas sem população. Estas áreas servem aos interesses do
imperialismo tanto para fonte de recursos naturais para a biotecnologia como a
constituição de áreas de reserva para seu uso no futuro. A tabela 14 mostra os dados
atuais da concentração de terras no Acre e o quadro 11, o latifúndio no Acre, ou seja, a
divisão das terras em privadas e sob o controle do Estado.

235
Tabela 14: Acre: levantamento dos imóveis rurais (2007-2009)

Área em 2007 2009


hectares
N. de imóveis Área cadastrada N. de imóveis Área cadastrada

Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %


1 a 100 20.132 90,5 1.033.430 17,3 22.404 90,9 1.157.893 18,6

101 a 1.000 1.480 6,6 387.977 6,5 1.546 6,3 413.499 6,6

1.001 a 5.000 409 1,8 1.000.623 16,7 463 1,9 1.116.407 17,9

Acima de 218 0,9 3.261.729 54,6 218 0,9 3.533.190 56,7


5.000

Total 22.243 5.975.230 24.631 6.220.990

Fonte: INCRA, Acre – SR.14 / AC (SNRC), 2007, 2009

Quadro 11 - O latifúndio no Acre


Área (ha) Participação na área
total do estado

Áreas privadas: 4.649.598 28,31

Área rural cadastrada 4.649.598 28,31


acima de 1000 hectares

Áreas administradas 7.497.948 45,66


pelo estado:

Unidades de conservação 5.107.836 31,10

Terras indígenas 2.390.112 14,55

Total de área de 12.147.546 73,96


latifúndio

Área total do estado 16.422.136 -----

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do ACRE, 2006.

Estamos denominando as áreas administradas e de propriedade do Estado


(unidades de conservação e terras indígenas) na categoria da área de latifúndio porque
estas áreas são passíveis de serem transformadas em outros usos dependendo dos
interesses de mineradoras, hidrelétricas, madeireiras, grandes pecuaristas, monocultura
da soja e cana para biodiesel, etc. Conforme forem os ciclos de expansão e de uso dos
grandes grupos monopolistas aos quais o Estado serve, em detrimento dos interesses do
povo e da grande massa de camponeses.

236
Esta concentração de terras e a enganosa propaganda e projetos do Estado para
convencer que a constituição da reserva extrativista é a nova modalidade de reforma
agrária na Amazônia começa a ser desvendada pelas novas lutas que têm sido
desencadeadas nos sindicatos de trabalhadores rurais. A repressão do Estado sobre os
camponeses tem aberto novas trincheiras de luta para os trabalhadores.
As eleições para direção do STR de Xapuri, em 30 de maio de 2009, representou
a disposição dos seringueiros e pequenos agricultores de retomarem sua luta, ao
derrotarem o candidato do governo, Assiz Monteiro, e reelegerem Dercy Teles de
Carvalho Cunha para presidência do STR de Xapuri. No dia das eleições o governo do
estado do Acre enviou cinco secretários de governo para Xapuri, além de contarem com
o apoio de toda a máquina administrativa municipal.
O processo eleitoral no STR foi marcado por uma série de manobras da chapa do
governo no intuito de impedir a vitória da chapa encabeçada por Dercy Teles e também
seguiu tentando impedir a posse da diretoria eleita em 30 de maio de 2009. Inicialmente
a chapa opositora entrou com pedido para a justiça permitir o voto dos sindicalizados
inadimplentes, ao contrário do que prevê o estatuto do sindicato. Derrotados nas
eleições, a chapa do governo entrou na justiça para impedir a posse da diretoria
democraticamente eleita, com a manobra da FETACRE para assumir a direção do
sindicato, alegando irregularidades no processo eleitoral.
Novamente perdedores, a diretoria eleita tomou posse em 18 de junho de 2009
em uma assembléia no sindicato com a participação de mais de 250 seringueiros que
lembrava, segundo alguns seringueiros, os tempos anteriores da luta combativa no STR
de Xapuri. A retomada da luta, que foi iniciada no STR, em 2006, representa um novo
processo para os trabalhadores rurais de Xapuri que ao derrotarem o onguismo,
aparentemente triunfante, levam novas esperanças àqueles que têm sido duramente
atingidos pela repressão dos órgãos ambientais do Estado e a todos que precisam de
terra para viver e produzir.
Em 21/07/09 o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri divulgou nota249 e
entrou com ação no Ministério Público de Rio Branco contra o servidor do IBAMA,
conhecido como Zé Carlos, que foi acusado de humilhar o seringueiro Raimundo
Nonato Venâncio Flores na reserva extrativista Chico Mendes; aqui reproduzimos a
íntegra da nota:

249
Disponível em: http://altino.blogspot.com/2009/07/como-no-tempo-da-ditadura.html , acesso em
31/07/09.

237
Escrevo para denunciar o fiscal do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) conhecido como Zé Carlos. Ele abusou e humilhou o seringueiro Raimundo Nonato
Venâncio Flores, conhecido por Caboquinho que em dezembro próximo passado adoeceu e, por
morar só, foi realizar tratamento de saúde em Porto Velho (RO), onde tem familiares,
retornando em março deste ano. Ao chegar em Xapuri foi informado de que sua casa havia sido
arrombada pelo fiscal, que deixou as portas abertas com todos pertences do seringueiro dentro.

Caboquinho conta que antes de ir pra colocação, foi chamado pelo fiscal pra dizer que não
botasse mais os pés na colocação, alegando que o fato do mesmo ter se ausentado por três
meses caracteriza abandono de posse e o local passará a ser a sede do ICMBio. O seringueiro
argumentou que iria voltar por ser aquele seu local de trabalho e moradia desde 1992.
Segundo Caboquinho, ao dizer isso, Zé Carlos o ameaçou dizendo que se voltasse iria sair de lá
preso e moído de pau pela Polícia Federal. Mesmo assim o seringueiro não se intimidou e foi
pra sua colocação.

Ao chegar lá, encontrou as portas arrebentadas, dando por falta dos seguintes pertences: duas
botijas de gás, quatro machados, dois terçados, dez rastelos, cinco trenas, quatro regadores,
quatro enxadas, cinco bocas-de-lobos, oito pratos, dez talheres e uma foice. Mesmo assim
continuou trabalhando no local sem reclamar do ocorrido a ninguém.

Na semana próxima passada, o seringueiro foi surpreendido em seu local de trabalho pelo
fiscal que estava acompanhado de policiais militares, mandando que o seringueiro desocupasse
a colocação. O seringueiro resistiu. Porém, Zé Carlos o ameaçou dizendo: "hoje tu não sai,
mas eu vou voltar aqui com a Polícia Federal e vou te mostrar como você tem que desocupar.
Você é um invasor, essa terra é da União". E ofendeu o seringueiro com palavras de baixo
calão.

Realmente o fiscal cumpriu o que havia prometido. Nesta segunda-feira, 20 de julho, o


seringueiro estava limpando o sítio em volta da casa em companhia dos senhores Evaristo
Maciel da Silva e José Maria Evangelista, quando o dito fiscal chegou em companhia da
Polícia Federal e expulsou o mesmo de sua colocação, acusando-o de invasor.

Indefeso e humilhado, o seringueiro não teve outra alternativa a não ser obedecer. Vejamos a
que ponto nós chegamos. Lembro dolorosamente esse filme na época da ditadura militar,
quando os seringueiros eram expulsos de suas colocações sob ameaça dos pistoleiros, jagunços
e polícia, todos a serviço dos fazendeiros.

Jamais imaginei que no atual governo pudéssemos reviver fatos como esse. Funcionários do
governo federal, exercendo os mesmos métodos da ditadura: terrorismo, humilhação,
criminalizando os trabalhadores. Será que não basta os mesmos estarem condenados à fome e
extinção por estarem proibidos de fazerem seus roçados de subsistência? Lembro toda nossa
luta em defesa da floresta, quando tínhamos a ilusão de que estávamos defendendo o que era
nosso. Grande engano. A prova está aí: só porque o seringueiro se ausentou três meses de sua
colocação por motivo de doença perdeu o direito. Cadê o direito de posse que conquistamos?
Não vale mais não? Quer dizer que se o trabalhador ficar doente é obrigado a morrer à
mingua? Porque se sair perde o lugar.

Vale ressaltar que na colocação de Caboquinho foi realizada uma experiência de


desenvolvimento sustentável, onde foram plantadas várias espécies que estão produzindo frutos
e madeira, no caso do plantio de teca. Será que quem trabalhou e investiu não tem direito
sequer a uma indenização?

238
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri repudia com veemência essa atitude do fiscal
do ICMBio e solicita providência por parte de seus superiores no sentido de coibir os abusos,
humilhações e constrangimentos causados pelo fiscal ao seringueiro.

Dercy Teles de Carvalho Cunha


Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

A propaganda oficial do Estado é de que os problemas enfrentados pelos


seringueiros como o acesso à terra, educação e saúde, à garantia de preços e
compradores aos produtos extrativistas estão todos resolvidos com as políticas que o
governo estadual tem implementado no Acre desde 1999. O que averiguamos nas
entrevistas é que a situação dos seringueiros é de completo abandono. A política pública
para o extrativismo é um fracasso, a cooperativa está falida, total endividamento dos
produtores que adquiriram financiamento no Banco da Amazônia para as atividades que
o governo incentivou de plantação de café, pupunha e pimenta longa, inexistência de
serviços de educação e saúde, e, atualmente, as multas e processos por crime ambiental
aplicados pelo IBAMA e a ameaça de serem expulsos das terras onde vivem.
Nas entrevistas realizadas averiguamos que as famílias na Reserva enfrentam
uma realidade muito distante daquela alardeada pela propaganda estatal a despeito do
montante de recursos, projetos e ações que foram implementados nesta região desde a
entrada das ONGs e projetos estatais da sustentabilidade.

239
Foto 02 – Família camponesa de José Alves Pereira, do Seringal Nova Esperança,
na RESEX Chico Mendes

240
6.4 – As conseqüência do “silêncio”250 da reserva ambiental. Com a palavra os
camponeses

No Acre pesquisamos sobre as condições de vida dos camponeses251 do Parque


Nacional da Serra do Divisor (PNSD) no período de março a abril de 2008. O PNSD é o
quarto maior parque nacional do país, possuindo uma área de aproximadamente 843.000
hectares. Criado em 16 de junho de 1989 pelo Decreto Federal de número 97.839, como
parte de uma política ambiental, que segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA)
objetivava a criação de um cinturão de proteção florestal nas áreas de fronteira do país.

250
Um dos camponeses do PNSD nos relatou sobre a fome em sua casa dizendo: “(...) lá em casa hoje
está no silêncio...”, ele queria dizer que naquele dia nada tinha para comer. O silêncio como forma de
designar a fome nos remete ao silêncio das áreas de reserva ambiental, em contraposição aos sons da
produção. Silêncio decorrente da proibição de produzir que tem como conseqüência mais fome e miséria.
251
O IBAMA utiliza o termo “moradores do Parque”, denominá-los de moradores tem também a
conseqüência de querer minimizar os impactos que as restrições deste órgão têm sobre a vida dos que
vivem e produzem nas áreas de conservação.

241
O PNSD está localizado no extremo oeste do Estado do Acre, na sub-bacia do
Alto Rio Juruá, na fronteira do Brasil com o Peru, sendo considerada a unidade de
conservação que fica no ponto mais ocidental da Amazônia (ponto do país mais
próximo ao Oceano Pacífico), abrangendo áreas de cinco municípios: Cruzeiro do Sul,
Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo.
No PNSD vivem 722 famílias, aproximadamente 2 200 pessoas. São oriundos de
antigos seringais da região do Juruá e foram viver na Serra do Môa (como era
denominada a região que hoje é o PNSD) por terem sido expulsos das terras em que
viviam. As famílias mais antigas residem aí há mais de 50 anos, sobrevivem da pequena
agricultura, pesca e caça para subsistência e do extrativismo.
Atualmente o IBAMA atua ostensivamente na área norte do Parque, denominada
por eles de “coração do Parque”, terminologia que a USAID utiliza no seu guia de
parceiros para a conservação da biodiversidade. A situação destes camponeses é
bastante difícil porque se encontram no limite da garantia da sua sobrevivência devido
às restrições impostas pelo IBAMA às atividades produtivas que eles praticam há muito
tempo.
O INCRA baixou uma portaria criando o PAF Havaí (Projeto de Assentamento
Florestal), uma área de 30.000 hectares no município de Mâncio Lima, para alocar os
camponeses da área norte do Parque. Nenhum aceitou ir para este local e a situação dos
camponeses do Parque ainda está indefinida. O que a realidade parece indicar é que o
IBAMA, com suas regras ambientais que impedem a produção, inclusive que garanta a
subsistência das famílias, irá pressioná-los de tal forma que eles vão migrar para as
cidades próximas, como já aconteceu com um bom número de famílias do Parque.

242
Mapa 08 – PNSD: área da pesquisa de campo

Fonte: dados organizados pelo geógrafo Cláudio Cavalcante.

Os conflitos existem entre os camponeses e as restrições impostas pelo IBAMA


desde a criação do Parque252. Para o IBAMA as atividades conflitantes com a
conservação integral do Parque são: ocupação humana, extrativismo não-madeireiro
(seringa, palhas, cipós) e madeireiro, agricultura, pecuária, desmatamento, criação de
animais domésticos, caça e pesca de subsistência e comercial, comércio de peles,
extração de fósseis e pedras-pome, mudanças artificiais nos cursos dos rios (cortes de
voltas) e acampamentos. Para os camponeses o conflito é garantir suas terras e sua
reprodução sob a constante ameaça de serem retirados do Parque e, enquanto isto, de
sobreviverem com as restrições impostas às suas atividades produtivas.
A principal organização atuante no Parque era a ONG SOS Amazônia, que
realizou o Plano de Manejo do Parque em parceria com a TNC (The Nature
Conservance) com financiamento da USAID no valor de US$ 700 mil. A SOS atuou
fortemente no Parque desde o início de sua criação. Nas entrevistas com os camponeses
não foi possível identificar as ações desta ONG na região porque os moradores
confundem a ação da ONG como atividades do Estado. Isto ficou claro nas entrevistas

252
Para uma excelente discussão sobre os impactos da criação de unidades de conservação sobre a vida
dos camponeses ver Diegues (2004).

243
porque os camponeses atribuíam aos funcionários da SOS Amazônia status de fiscais do
IBAMA.
Na área Sul do Parque, a mais povoada, a situação dos camponeses é dramática
devido à enchente do Rio Juruá, no início de 2008, que foi considerada a pior alagação
dos últimos 80 anos. Toda a produção de bananas, a maior da região, foi perdida. Os
camponeses perderam todo o seu roçado de mandioca, milho, arroz e feijão e muitos
perderam suas casas. Atualmente sobrevivem da venda nas cidades próximas de
pequenas retiradas de madeira e de vassouras de piaçava e de cipó. Ambas as atividades
são duramente reprimidas pelo IBAMA porque ele conta com olheiros que ficam no
porto da cidade de Cruzeiro do Sul que os avisam quando os pequenos agricultores
chegam com as vassouras e as madeiras.
A política de repressão amplamente realizada pelo IBAMA em todos os estados
da Amazônia, criminalizar os pequenos camponeses por danos ambientais, acarreta
ainda mais graves ameaças às tradicionais formas de vida de milhares de camponeses,
índios e ribeirinhos que secularmente vivem e produzem na floresta. Esta é uma das
principais conseqüências que a política de preservação ambiental, engendrada por
organismos do imperialismo, como as grandes ONGs ambientalistas, provocou como
nova reconfiguração do espaço agrário da Amazônia brasileira, que já possui hoje 43%
de seu território, 209 milhões de hectares na categoria de áreas protegidas.
No início da área norte do Parque tem uma base do Exército que justifica sua
presença devido ao controle do tráfico de drogas que existe nesta região de fronteira
com o Peru. Os camponeses sentem-se humilhados e constrangidos ao terem suas
canoas e barcos revistados pelo Exército. Percebemos nas entrevistas que as restrições
ambientais impostas têm várias conseqüências sobre os modos de vida da população
local.
Reproduzimos a seguir as entrevistas que realizamos com os camponeses das
áreas norte e sul do Parque, assim como com outros atores envolvidos com a questão.
Nosso objetivo é mostrar as condições de vida das famílias e os impactos após a criação
do PNSD, principalmente a ameaça de serem retirados das terras onde vivem e as regras
de restrição imposta sobre a produção e seu modo de vida. Para evitar que os
entrevistados sofram algum tipo de perseguição, omitiremos os nomes daqueles
depoimentos que possam gerar algum tipo de perseguição aos camponeses e outros
entrevistados.

244
Francisco Antônio Correia Lima (trabalhou na SOS Amazônia e foi chefe do
PNSD), entrevista concedida em Cruzeiro do Sul em 28/03/2009. Sobre as
conseqüência da criação do PNSD na vida da famílias, relata:

(...) desde que foi criado o Parque as famílias de lá da Serra do Môa não tem mais sossego.
Todas as noites vão dormir com o futuro incerto. A situação fica cada vez mais difícil que as
famílias vão acabar saindo. Não pode haver um financiamento, um desmate para agricultura.
Então não tem condição.

Ninguém gosta de ter um espião, uma sombra acompanhando. Cada pessoa tem que ser
autônomo, consciente de suas atividades.

José Gonzaga Lima da Silva (Zé do Anízio), 23 anos, agricultor e Conselheiro


do Parque. Está há quatro anos sem estudar, desde que terminou o ensino fundamental.
Trabalha com o pai na agricultura da mandioca, arroz, milho, feijão. O principal produto
desta família é a farinha de mandioca. Entrevista realizada no Parque em 15/03/08.

(...) eu não quero sair daqui. Meu pai e minha mãe estão aqui a vida inteira, meu pai tem 63
anos. Aqui é um ótimo lugar, eu não tenho nada a reclamar, só queria que tivesse estudo pra
gente.

Como conselheiro do Parque eu escuto muito as reclamações das pessoas aqui. Eles têm uma
preocupação grande, um grande medo de que chegue o dia e alguém diga ‘agora você tem que
sair daqui.

Maria Amazonite Coelho de Lima, teve 13 filhos na Serra do Môa, é parteira e


trabalha na agricultura. Fez dois concursos para parteira e ainda não teve sua
contratação efetivada. Não tem recebido remuneração de nenhum órgão público pela
atividade de parteira, embora já tenha requerido a regularização de sua situação junto a
prefeitura de Mâncio Lima e do governo estadual.

Já falei com o Zezito (secretário municipal de saúde de Mâncio Lima), já falei com o prefeito,
com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e nunca resolveram minha situação.

Muitas vezes eu tenho vontade de desistir. Mas aí eu vejo as mulheres chorando e me pedindo
para não abandoná-las, porque a situação aqui é muito difícil. Eu tenho que ter muita
responsabilidade porque eu luto com duas vidas. E quando vejo que tem perigo a gente luta
atrás de um combustível para mandar a mulher que vai parir para Mâncio Lima, mas até isto é
difícil pois não querem dar nem o combustível.

Aqui todo mundo corre pro meu rumo quando tem um problema de doença: uma dor de cabeça,
uma febre, uma malária, um golpe, uma hemorragia, o pessoal vem logo aqui. Tem muitas
ervas aqui que servem para malária. Nós conhecemos a medicina e sabemos fazer remédio até
para picada de cobra. Eu mesma fui picada de cobra e me curei. Essa daí que a sra. tá vendo já
foi picada por uma surucucu e eu curei ela. Mas a situação é difícil porque tem coisa que a

245
gente não pode resolver e aí precisava de um enfermeiro, um médico, um posto de saúde e nós
não temos.

Um grupo de famílias Nukini (indígenas) ocupou uma área do PNSD. O IBAMA


entrou com pedido na justiça federal de reintegração de posse. Antes de terminar o
prazo legal de contestação a que a FUNAI tinha direito, a Polícia Federal, IBAMA e
polícia militar do Acre, apoiados por helicópteros do exército, realizaram a ação de
reintegração de posse em 16 de julho de 2005, queimando a sede construída pelos
Nukini que servia de escola e posto de saúde.
Sobre este episódio entrevistamos no PNSD em 16/03/08 uma família Nukini,
Ilson Silvestre de Souza Nukini (39anos) e sua esposa, Maria Eliete Barbosa da Silva
Nukini (34 anos), eles têm três filhos. No período da situação ter ficado mais difícil no
Parque eles mudaram para Porto Velho(RO) onde o Sr. Ilson trabalhou um período
tomando conta de um sítio. Depois voltaram para o Parque, onde trabalham na lavoura e
o Sr. Ilson é também pastor. É casado com uma índia Nukini. Relata sobre o episódio
com os Nukinis:

(...) ocorre que quando foi criado o Parque os Nukini já estavam aqui. Alguns Nukini
construírem aqui no Parque uma sede, tinha até uma escola. Era uma organização boa. O
Paulo era o cacique na época e aí acusaram ele de traficante, tudo para justificar o que eles
iam fazer: veio aqui a Polícia Federal e o IBAMA, chegaram de helicóptero e tocaram fogo na
sede, só deu tempo do pessoal sair correndo. Tocaram fogo na moradia dos índios e da sede
que funcionava como uma escola. Também queimaram o posto de saúde. A polícia federal
jogou gasolina e tocou fogo. São 25 famílias Nukini que aqui nasceram e se criaram.

Há uma reivindicação nossa de que aqui seja regularizada a nossa terra, porque não existe
lugar igual a este. O que ocorre é que agora não se pode mais plantar, não se pode fazer o que
fazia antes.

Nós nem sabia que isto aqui era Parque, há pouco tempo foi que colocaram esta placa aí de
Parque Nacional.

246
O problema de acesso a terras dos povos originários253 da Amazônia e do Acre
longe está de ser solucionado a despeito da propaganda do governo do Acre de que
neste estado estas questões estão resolvidas. Reproduzimos a seguir o documento da
reunião do conselho deliberativo da OPIN (Organização dos Povos Indígenas do Acre,
Sul do Amazonas e noroeste de Rondônia) realizado na Terra Indígena
Katukina/Kaxinawá, Aldeia Morada Nova, no município de Feijó, estado do Acre, em
05 de setembro de 2005:

- Repudiar os atos de autoritarismo e etnocentrismo contra o povo Nukini da Serra do


Divisor, que tiveram suas casas, escola e posto de atendimento à saúde destruídos pela
ação repressora de servidores do IBAMA, Polícia Militar do Estado do Acre, apoiado
por helicóptero do Exército Brasileiro em conseqüência de uma ação de reintegração de
posse em favor do IBAMA, que aproveitaram da ausência de nossos parentes para
demonstrar uma coragem que jamais teriam se os Nukini estivessem lá, isto é
inaceitável principalmente no estado da Florestania254.

253
Sobre o problema da terra dos povos originários ver Mariátegui, 7 ensayos de interpretación de la
realidad peruana, disponível em: http://webpages.ull.es/users/capburoc/Textos-Clasicos/Mariategui2.htm
254
Florestania ou cidadania da floresta é o termo utilizado pelo governo do Acre, autodenominado
Governo da Floresta, para traduzir que suas políticas públicas estão, supostamente, inspiradas e voltadas
para os “povos da floresta” (MORAIS, 2008).

247
- Repudiamos a absolvição dos assassinos de nossa liderança, Raimundo Silvino
Shanenawá, que foi morto com um tiro na cabeça pelo policial militar Rossini José de
Moura que foi absolvido com a tese de legítima defesa, onde para sustentar esta tese
seus advogados, Salete Maia e seu assistente Sanderson Moura, ainda foram capazes de
caluniar com afirmações preconceituosas e matéria no Jornal escrito ‘A Gazeta’ contra
todos os indígenas em um ato de arrogância e falta de conhecimento de nossa realidade.
- Repudiamos a paralisia do governo federal em relação aos processos de regularização
das terras indígenas do Acre e do sul do Amazonas (....)
- Dos governos democráticos e populares das instâncias estadual e federal, aos quais o
movimento indígena contribuiu e contribui para chegada ao poder, esperamos o
cumprimento de nossas reivindicações, reconhecimento dos direitos constitucionais e
condições para exercício de nossa autonomia e representatividade, desta forma
queremos reafirmar que vamos continuar lutando junto com todos os parentes, porque
mesmo com nossas diversidades internas e externas, sempre soubemos nos manter
unido, enfrentando corajosamente eventuais crises, problemas, resistindo a tudo e a
todos (OPIN, 2005).255

O Projeto de desenvolvimento Sustentável São Salvador (PDS – São Salvador) é


situado no entorno do Parque. Neste local tem atuação o PESACRE, que desenvolve
projetos de educação ambiental e outros, com o objetivo de minimizar a pressão na área
do entorno do Parque. Entrevistamos no PDS o Sr. José Francisco Pinheiro da Costa,
conselheiro do Conselho Consultivo do Parque, em 17/03/2008. Ele é uma das pessoas
que participou de cursos e de projetos desenvolvidos pelo PESACRE para a educação
ambiental e sustentabilidade. Seu discurso é de defender a organização da comunidade e
a educação ambiental como solução para os problemas enfrentados nesta região. A
formação que as ONGs fazem nas comunidades da Amazônia está estreitamente
vinculada às questões de cooperativismo e associativismo, tomando o problema agrário
como resolvido e o enfoque dos demais como sendo de organização comunitária,
educação ambiental e busca de mercados para produtos convencionalmente chamados
de verdes. O peso sobre a questão ambiental verificamos na fala de José Francisco:

(...) o pessoal aqui do São Salvador reclama quando se faz discussão com o PESACRE, eles
dizem que precisam é de financiamento. Eles ainda não compreenderam o problema da
organização. Se tivesse educação ambiental a gente já teria avançado muito mais. Se desde há
vinte anos atrás tivesse num processo de educação ambiental as coisas seriam diferentes. Saber
dos recursos naturais e como usar e preservar. Os jovens estariam assimilando isto e as
crianças também, é um problema de geração. (...) A comunidade não tem assimilado bem o

255
Assinaram o documento da OPIN: Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE),
Organização dos Povos Indígenas Kaxinawá do rio Jordão (OPIKARJ), Organização dos Povos Indígenas
do Rio Juruá (OPIRJ), Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá (OPITAR), Organização dos Povos
Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre-AM (OPIAJABAM), Associação do Movimento
Agroflorestal Indígena do Acre (AMAIAC), Associação das Comunidades Agroextrativistas Jaminawa
(OCAERJ), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Organização
dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e noroeste de Rondônia.

248
papel do trabalho das organizações aqui. É um problema de organização social, de educação,
não compreende que precisamos ver a qualidade do produto, o preço de mercado.

A respeito dos motivos que levaram à criação do Parque, José Francisco atribui
ao fato de se querer “evitar alguma catástrofe ambiental, porque mais cedo ou mais
tarde grandes mudanças estarão ocorrendo”.
O discurso de sustentabilidade e preservacionista das ONGs assimilados por
algumas lideranças de comunidades, como este que entrevistamos, demonstra a própria
contradição com as reais condições de vida destas populações. Quando chegamos ao
PDS São Salvador, em 16/03/2008, nos hospedamos na casa da mãe de Sr. José
Francisco, D. Isabel, 74 anos. Seu pai veio do Ceará para a atividade da seringa no Rio
Azul. Neste dia que aí chegamos D. Isabel nada tinha para alimentar-se. Ela nos contou
que alguns moradores da vizinhança estavam há dias na mata caçando e nada
conseguiram, pois a caça e a pesca estão escassas.
As mulheres do Parque realizam várias atividades como o trabalho em casa, na
agricultura, na casa de farinha, na moagem da cana-de-açúcar e algumas pescam e
caçam. Transcrevemos alguns depoimentos que relatam as condições de vida das
mulheres e de como as restrições impostas pelo IBAMA alteraram a vida dos
camponeses. Como nos relatou um dos entrevistados “no Parque é proibido viver,
porque todas as atividades que sempre fizemos para nossa sobrevivência estão
impedidas. Como vamos viver se não podemos caçar, pescar e plantar?”. As placas do
IBAMA no PNSD refletem o que declara o camponês:

249
Nós fazemos farinha. Desde os sete anos que eu faço farinha (...) eu gosto de morar aqui na
Serra do Môa porque quando eu quero pegar um peixe eu sei onde estão os igarapés e aí já é
uma janta para meus filhos. (camponesa)

Às vezes eu vou caçar com meu marido, a gente caça anta, porco, jacu, macaco. Também
mariscamos. Podemos mariscar de anzol miúdo, não pode mariscar de tarrafa, porque eles
dizem que pegamos o peixe pequeno. Mas aqui pro interior isto é errado porque é nosso meio
de vida, temos que viver é desse material mesmo...(camponesa)

Às vezes eu tenho vontade de ir embora daqui porque o IBAMA humilha muito a gente. Estamos
fazendo as coisas e eles ficam dizendo ‘não pode fazer isto e nem aquilo’. Estamos brocando o
roçado e não pode, não pode aumentar o roçado. Não pode nada. Um tempo desse eles
disseram que quem tem vinte galinhas deve ficar só com dez. Porque eles não querem que a
gente plante milho para dar para as galinhas. E quem é que pode criar galinha sem plantar
milho? Nós não podemos é comprar milho para dar para as galinhas. (camponesa)

Eu me sinto humilhada porque eles corrigem tudo na canoa da gente. Até o saco de farinha eles
furaram na canoa de um rapaz. Eu me sinto humilhada porque eles não acreditam na gente.
Eles perguntam se a gente leva carne de caça e mesmo a gente dizendo que não, eles olham
tudo. (camponesa)

A gente tem filhos que estudam na cidade, moram na casa de parentes. E aí quando baixamos
para Cruzeiro do Sul levamos rancho para eles, quando temos um pouco mais de uma carne de
caça levamos. Se o IBAMA ou o Exército ver eles pegam tudo. Não querem nem saber. Mesmo
a gente dizendo que é para o rancho eles dizem que não pode. Não deixam passar nem um só
jabuti.(camponesa)

(...) aqui nós só temos valor quando chegam às eleições. Votou, acabou, perdeu o valor. E aí
mais quatro anos sem valor. (camponesa)

Deixei uma pessoa aqui tomando conta de minha casa quando fui para Cruzeiro. Como
pagamento ele pediu que eu trouxesse uma pituzinha para ele. Na base do Exército eles
250
tomaram a garrafa e derramaram na minha frente. Eu fiquei com vergonha, porque havia
mentido dizendo que não tinha álcool comigo. Eu nem sabia que era proibido andar com
cachaça, e a sra. sabe que regra é regra, a gente tem que cumprir a lei. Eles disseram que está
proibido entrar com bebida no Parque. E aí eu gastei R$ 6,00 com o litro da bebida e ainda tive
que pagar o rapaz. (camponês)

De primeiro a gente passava com até 10kg de carne de caça, que é o rancho de uma família
grande. Agora só pode 2 kg. Eles dizem que apreendem a carne para a gente não vender. Agora
o que são 10 kg de carne? Não dar para nada e se vender não dar nem uma feira. Agora eu lhe
pergunto o que são 2kg de carne para o rancho de uma família? (camponesa)

Ontem à noite lá em casa tinha na janta porquinho de casa, macaco e tatu. Mas tem dias,
muitas vezes, que não tem nada para comer, nada mesmo..... Os meninos procuram e não
acham o que comer. Aí a gente come uma jacuba 256 .(camponês)

Eu fico triste de ver meus filhos com fome. Porque realmente não é bom não, a gente tá com a
necessidade de comer e não ter o que. Aqui a gente pega comida na mata e no rio e quando não
tem, vamos passar fome! Comemos jacuba, farofa de óleo.... Hoje era um dos dias que aqui em
casa tava no silêncio, não tinha nada. Mas ainda bem que o vizinho mandou um pedaço de
porco pra cá. (camponês)

Eu já trabalhei muitos anos para os outros no período da borracha, um trabalho do cão e a


gente não tem nada. E depois eu vim aqui para Serra, onde casei e criei meus filhos e ainda
tenho estes aqui que são pequenos. Aqui eu acho bom. Com um japá eu faço uma mochila para
trazer a caça da mata. Para cobrir a casa a gente usa a palha da canaraí, tem também a de jaci
e chila. Frutas do mato eu gosto da sapota, pussabi. Gosto muito de cacau. A caça é muito
importante para nós: macaco, queixada, anta, veado, catitu (porco do mato), tatu, paca, anabu,
jacu, mutun, cujubin, arara, papagaio, tucano, aracuã, massarico, socó, cocora, saracura,
curica, gavião. Tudo dá de comer, para nós e nossos filhos e quem chegar na nossa casa, come
conosco. Sempre foi assim, da mata e dos rios retiramos nosso alimento e a mata ficou sempre
de pé, este cinturão verde aqui da Serra. Não fomos nós que poluímos os rios, nem que
acabamos com a mata vendendo mogno para os ricos. Que falta que faz a gente tirar uma tora
para fazer uma canoa. Fomos nós que sempre cuidamos disso aqui. (camponês)

Eu fiz uma canoa e tive o maior prejuízo, porque nada se pode mais fazer em paz. Tive foi que
vender 10 porcos para cobrir o prejuízo. A agricultura não tá dando, só podemos ter uma
quadra257 e de capoeira. Queimar não pode. Preciso de pelos menos 5 quadras para poder
alimentar minha família e vender a farinha em Cruzeiro. A sra. veja lá eles pagam vinte e
cinco reais na saca de farinha e em Manaus essa saca vale cem reais. É um roubo de nós. Com
uma quadra eu não dou conta nem de alimentar meus filhos. (camponês)

Maria José Conceição dos Santos, 13 anos e filha do Sr. Mondico, vai para
escola há seis anos. Ainda não sabe ler. Trabalha alguns dias da semana na casa de um
vizinho que vive melhor de vida do que a família dela. Trabalha apenas pela comida.
Um dos irmãos dela, Messias Conceição dos Santos, 15, anos, também não sabe ler. Às
vezes realiza serviços de brocar o caminho de uma das cachoeiras do Parque para o

256
Mistura de farinha de mandioca com sal ou açúcar e água.
257
Uma quadra corresponde a um hectare.

251
IBAMA, que paga diárias de dez reais para os menores de idade e de vinte reais para os
adultos.
Numa das casas de um agricultor que vive em condições melhores, trabalha e
vive um homem neste local. Realiza todas as atividades da produção, cuida dos porcos e
do gado, trabalha na agricultura todos os dias da semana. Não recebe nenhuma
remuneração por isto, em troca do seu árduo trabalho diário ele recebe alimento e mora
na casa desta família, onde dorme na cozinha.
Devido às restrições impostas pelo IBAMA muitos moradores já deixaram o
Parque. Fomos ao Igarapé Jordão onde residiam mais de dez famílias, apenas ficou o Sr.
Francisco Eliézio da Costa, 55 anos. Neto de cearenses, ele também foi seringueiro no
seringal de um patrão de Cruzeiro do Sul chamado Manoel Benvindo Pinheiro. Com a
falência dos seringais foi trabalhar na extração de madeira para uma empresa madeireira
de Cruzeiro do Sul. O Sr. Eliézio mora há 33 anos no Igarapé Jordão e resiste a sair do
lugar, conforme nos relatou:

Nunca tive nada meu, e aqui eu tenho minha plantação para subsistência e criação para a
alimentação como uns bodes, galinhas e umas cabeças de gado. A agricultura já é pesada para
mim. Vivo aqui com um dos meus filhos e a mulher, todo mundo da família já saiu258.

O IBAMA sobrevoa aqui de helicóptero no verão, eles passam bem baixinho. Eu sinto é um
desgosto, não sou criminoso pra ser vigiado. Valor a gente só tem destes políticos na hora do
voto. Eu mesmo cobri minha casa todinha com estas placas de alumínio com a propaganda do
César Messias259. Depois a justiça eleitoral proibiu, eu achei ruim porque pelo menos da época
da política a gente tinha estas placas que serviam para cobrir a casa e empatar a chuva, agora
nem isso.

O Sr. Francisco Campos (conhecido como Chico Sombra), 64 anos, casado com
D. Selma, neta de peruanos. Ambos trabalharam na seringa, no Seringal Triunfo e em
outros seringais. Na região do Juruá trabalhou 32 anos na seringa e teve como patrões:
Armando Geraldo, Elias Barbari, Neo Correa, Amarino Sales e Agamede Sales. D.
Selma e Sr. Chico tiveram 14 filhos, destes, quatro foram para Porto Velho (RO), dois
para Cruzeiro do Sul e um para Rio Branco, todos em busca de trabalho. No Parque
ficaram três filhos e quatro já morreram. Sr. Chico chegou na região da Serra onde
trabalhou durante muitos anos para uma fazendeiro de Cruzeiro do Sul. Segundo uma de

258
Ele nos fala o nome de todos que saíram do Igarapé Jordão depois da constituição do Parque: João e o
Raimundo, o Dico, o Bio e o Mamão, também o Basto, o Ci (Moacir), o Zé Francisco, a Isabel e o
Aldenor.
259
César Messias é latifundiário em Cruzeiro do Sul, onde foi prefeito desta cidade pelo Partido
Progressista (PP). É vice-governador do estado do Acre, na gestão de Arnóbio Marques (PT) eleito em
2006.

252
suas filhas este fazendeiro não pagava ao Sr. Chico, e por isto tiveram que ir com ele à
Justiça do Trabalho, mas de nada adiantou. Com a constituição do Parque o fazendeiro
tirou o gado e pagou com algumas cabeças de gado ao Sr. Chico Sombra pelo trabalho
de anos na fazenda e com um pedaço da terra que ele cultivava no período que trabalhou
para o fazendeiro. Quando realizamos a entrevista o Sr. Chico tinha 30 cabeças de gado
e a fazenda que ele tomava de conta tinha 700 cabeças. O Sr. Chico Sombra nos diz que
“a vida aqui está uma perturbação, a gente não tem licença para brocar para nada. Mas
mesmo assim por que eu vou sair daqui se fora daqui eu não tenho nada?”
Um casal de camponeses nos relatou sobre a situação que tem vivido deste a
constituição do Parque Nacional da Serra do Divisor. O camponês que vive há 50 anos
na região nos relatou que um dos locais em que ele vivia quando o Parque foi criado era
o Pirapora, um belo sítio perto de várias cachoeiras. Neste local ele trabalhava para o
proprietário deste sítio que residia em Cruzeiro do Sul. Depois da constituição do
Parque o proprietário do sítio desistiu do empreendimento que pretendia realizar aí e
passou o sítio e um motor para o camponês como pagamento pelo período que ele
trabalhou nesta terra. Depois teve que sair do Pirapora, conhecido como “Coração do
Parque”, e nos relatou sobre este processo:

Falaram que eu não podia ficar no Pirapora, porque lá era o ‘coração do Parque’. O IBAMA
junto com o Deda260 pediram para eu sair e prometeram uma indenização que eu nunca vi. Fui
para Mâncio Lima com minha família, ficamos por três anos, uma miséria, lá não tinha nada
para a gente fazer. Aí eu voltei aqui para Serra e abri este lugar para mim. Lá no Pirapora eu
tinha de tudo, café, abacate, cupuaçu, pupunha, muita galinha. Eu só me retirei do Pirapora
porque eles me prometeram uma indenização. E daí eu tive que começar tudo de novo e a sra.
sabe que quando a gente muda uma planta de um lugar para outro ela murcha. Eu estou igual a
planta e quando que eu terei alguma coisa na vida? (camponês, 52 anos)

Alguns agricultores da região trabalharam com os pesquisadores para a


elaboração do Plano de Manejo do PNSD que foi realizado pela SOS Amazônia com
financiamento da TNC no valor de US$ 700.000,00. Sobre o período do levantamento
dos dados nos relatou:

Teve um pessoal da SOS Amazônia aqui e a encarregada era a Verônica. Eles queriam saber
tudo que a gente conhecia aqui na Serra do Môa. Era sobre planta, sobre animais, era sobre
cobras, sapo, aranha e borboleta... todo tipo. Sobre passarinho também. Eu trabalhei com um
gringo de nome Brente261 dos Estados Unidos. Eu trabalhei dezenove dias com ele gravando
canto de passarinho. Também coletava passarinho. Alguns ele ouvia só o canto, e outros ele
coletava. Uns ele abria deixava só o couro e enchia de algodão, levaram para um parque nos

260
Funcionário do IBAMA e prefeito de Rodrigues Alves (AC) no período de (2005 – 2008)
261
Ele se refere ao pesquisador norte americano Brent Milikan.

253
Estados Unidos. Você jurava que o passarinho tava era vivo. Eles acharam foi três espécies
novas aqui no Parque para o museu, né? Ele dizia que era para uma pesquisa. Só que nós não
sabia o significado desta pesquisa. Foi depois disto que o IBAMA passou a vir para cá e dizer
que iam tirar todo mundo, que a gente não podia ficar aqui porque era um Parque. (camponês,
50 anos)

Além das regras de preservação impostas pelo IBAMA que ameaçam a sobrevivência
das famílias, o discurso e a atuação dos gestores e fiscais ambientais munidos de uma fala
preservacionista causam prejuízo e estranheza para os agricultores e extrativistas que por toda a
vida conviveram com suas próprias regras de sobrevivência e de uso dos recursos da floresta,
conforme nos relatou um dos camponeses do Parque:

O IBAMA proíbe a gente de matar onça e de ter cachorro para espantar onça. Outro dia esteve
aqui o Baiano da Polícia Federal, com a Camila que é chefe do Parque. O Baiano disse que eu
não podia ter cachorro em casa. Eu disse que o cachorro era para espantar a onça para não
atacar minha criação. E aí ele me disse que se alguma onça atacasse minha criação era para
eu tirar uma foto da carniça e levar lá em Cruzeiro do Sul para ele, que ele vinha aqui e dava
um jeito na onça. Agora veja se isto tem cabimento. De onde eu vou ter uma máquina para
bater foto? Como que vou ter condição para ir até Cruzeiro do Sul? Outro dia também o
pessoal andava para o rumo da cachoeira formosa com a chefe do Parque, viram uma ruma de
cobra e não puderam matar porque a chefe do parque disse que a cobra ‘é da natureza’. Ela
diz isto porque não mora aqui, só passa aqui e vai embora. E aí ficou essa fera solta que é mais
um perigo para nós. (camponês, 52 anos)

Um dos aspectos importantes ressaltados por todos os entrevistados é sobre as


restrições impostas pelo IBAMA. Como nos relatou alguns camponeses:

O Evandro me disse que se eu tivesse 50 galinhas e nascessem mais 10 eu deveria me desfazer


de 10 para a produção ficar na mesma quantidade. Assim não era preciso ter mais plantação
de milho para as galinhas. Isto é um absurdo porque a gente precisa da criação para ter uma
sobrevivência melhor. (camponesa)

O meu roçado fica a 20 minutos aqui de casa. Eu queria ter um garrote para servir de
transporte da casa de farinha para cá. Pedi ao IBAMA para fazer um pequeno desmate para
criar umas cabeças e eles dizem que não pode. (camponês)

Antes do Parque eu brocava e fazia alguma derrubada que fosse necessário. Tinha aqui meu
roçado, milho arroz e feijão. Colocava meu roçado, criava meus porcos e tinha um gadinho. O
IBAMA chegou a dizer que se nascesse um bezerro eu deveria matar uma cabeça de gado. Não
pode caçar com cachorro. E se o bicho pega um animal meu eu nem posso fazer nada. O
pessoal do IBAMA come e bebe do salário deles e nós come e bebe do que nós planta, eu falei
isto para eles.” Agricultor, 49 anos, está na Serra do Môa desde os 5 anos.
Teve um período que eu trabalhava direto de três a quatro meses na retirada da madeira. Toda
as escolas da República fui eu que tirei a madeira. Hoje em dia tenho dificuldades de trabalhar
na agricultura porque o trabalho no pesado agravou o problema que eu tinha decorrente da
paralisia que tive quando era menino.
Eu fui processado pelo IBAMA, o processo estava na Polícia Federal. Foi por causa de uma
carne de caça que eu trazia da caçada com outros companheiros. Foi um desgosto isto, nunca
fiz nada de errado na vida. A gente caça para dar o alimento em casa e não para vender. A
gente trazia uma anta, um veado e quatro macacos. Eles falaram que os macacos estavam em

254
extinção. Um filho meu ficou tão desgostoso com esta situação que foi-se embora para o Peru.
(camponês)

Foi depois que vieram estes gringos aqui é que veio aparecer esse negócio do IBAMA. Eu acho
que eles vieram é cobiçar nossas florestas, as cachoeiras. Era tanta coisa que eles
pesquisavam, era cobra, era sapo, era aranha. Depois disso é que veio esse negócio de
preservação. Meu esposo trabalhou dezoito dias com um gringo. (camponês)

Entrevistamos o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mâncio


Lima, Francisco Ribeiro da Silva, neste município, em 26/03/2008. Verificamos depois
de entrevistar e conversar com mais de 30 agricultores da área do Parque que não existe
entre eles nenhuma organização política com o objetivo de lutar pela terra, muitos
expressaram vontade e completa disposição de continuar na área do Parque, conforme
relatamos da fala dos entrevistados. A nosso ver a desmobilização política se deve aos
fatores da desmobilização sindical nesta região do Acre, onde os Sindicatos de
Trabalhadores Rurais estão completamente atrelados ao aparelho do Estado. Da
entrevista com o presidente do STR de Mâncio Lima ressaltamos de sua fala os
seguintes pontos:

Um parceiro importante aqui nosso é o PESACRE. Trabalhos muito junto. Fizemos uma
reunião de planejamento aqui no sindicato com eles e várias organizações, o pessoal do
governo também participa. A principal conclusão que chegamos é que para resolver os
problemas aqui temos é que formar as associações.

Antes do Parque esta área aí da Serra do Môa era muito rica. Na época do verão tinha locais
que contratavam mais de 150 homens. Era muita produção de tudo, açúcar, farinha, café, gado.
Este Rio Môa vivia era cheio de batelão que abastecia esta cidade de Mâncio Lima todinha, e
aqui tem 15.000 habitantes. Só de farinha era 8.000 sacas, ia para Cruzeiro do Sul também.

Não era para ter mais ninguém no Parque, porque a lei não permite. Mas como o Parque não
foi criado no nosso governo, esse que é o nosso governo há dez anos, o Parque está nesta
situação. Porque se tivesse sido criado no nosso governo ele teria feito todo um trabalho de
conscientização e educação ambiental com o pessoal aí do Parque e se acharia outra terra
para eles porque terra nós temos.

Com relação ao conflito com os Nukinis foi correta a ação da polícia federal, eles usaram a lei.

O Parque é uma área de conflito. O STR já reivindicou a desapropriação destes seringais junto
ao INCRA para assentarem o pessoal do Parque.

O IBAMA junto com o INCRA criaram este PAF Havaí262 para assentarem 81 famílias do
Parque neste local. Nenhuma família foi, se recusaram. Fizeram bem, porque lá não tem nada.

262
PAF – Projeto de Assentamento Florestal, propagandeado pelo governo estadual como modalidade de
reforma agrária. Todas as famílias do Parque que foram conhecer o PAF Havaí, em Mâncio Lima,
recusaram-se a ir para este local, principalmente pelo isolamento já que é uma localidade sem rio e sem
ramal.

255
O pessoal aqui do Parque só produz agricultura com o apoio do STR, porque o IBAMA não
deixa e multa o pessoal. Tem muita multa. O sindicato apoia o pessoal para trabalhar. São
mais de cinqüenta multas aqui em Mâncio Lima. É errado estas multas do IBAMA. Ele tem que
primeiro dá educação ambiental. Se alguém faz algo errado o IBAMA tem que exigir uma pena,
como por exemplo plantar duas mil mudas de árvores, algo que compense o que foi feito de
errado com a natureza. Nós chamamos todo o nosso pessoal, governo, deputado, senador, todo
mundo, para resolver esta situação das multas.

Se o INCRA resolver tudo e disponibilizar uma terra, eu já disse para eles que eu mesmo tiro o
pessoal do Parque, é só disponibilizar um local bom com água e construir uma casa. Aqui na
área do Môa tem 120 famílias e tudo fica resolvido.

O sindicato mais atuante do Juruá é o nosso. Temos 3.000 filiados, o de Cruzeiro do Sul tem
15.000. O nosso é forte por isto chegamos na direção da FETACRE. Nós temos carro, barco,
sede com auditório, gerador de luz. Tudo que nós arrecada aqui é pro povo. Por isto que nós
temos um nome muito forte para ser candidato a prefeito aqui, que é o meu nome. Sou
candidato pelo PT.

Entrevistamos o Sr. Edemir da Silva Pinheiro, presidente da Sociedade Agrícola


dos Produtores Rurais do Pé da Serra, que tem 50 associados. Para ele o principal
problema que eles enfrentam é o fato da área que eles trabalham há mais de 30 anos ter
se transformado em Parque e relata:

Nós já fizemos vários documentos pedindo para transformar o Parque em área de reserva
extrativista. O Parque deveria ser do pé da serra para lá, porque não tem gente nesta área.
Porque aqui tem gente e há muito tempo. É daqui que sobrevivemos e para isto precisamos de
um financiamento, de um trator para fazer um açude para piscicultura, com isto já melhora
muito. E com o Parque não pode nada disto.

O IBAMA olha a manga de nossas tarrafas. Eles não querem que a gente pegue peixe pequeno.
Só que quando as pessoas não têm nada para janta não vão pensar em tamanho da manga
porque com fome não se escolhe o tamanho do peixe.

Aqui já foi multada foi gente. Eu tenho conhecimento do caso do Nilo Rebouças, porque o
IBAMA viu do helicóptero, o roçado dele era de 15 quadras. O Francisco Cordeiro também foi
multado por um desmate de 15 hectares para pasto pois ele tinha umas 200 cabeças de gado,
depois disso foi embora daqui. Tem gente aí multado só porque tem uma carne de caça para o
rancho.

Na época do seringal a gente fazia de tudo, cortava seringa, caçava, tirava alguma madeira,
vendia umas peles de animal. Todo mundo fazia isto, era assim que se vivia. Mas isto já no meu
tempo, porque antes só se podia cortar a seringa, era assim antigamente. Eu trabalhei muito
tirando madeira na mão, não tinha nem moto serra, a gente tirava as toras e levava para a
beira do rio. Esta madeira que eu tirava era para as firmas de Cruzeiro da Marmude Cameli,
para o Benedito Rocha e a Firma Moraes.

Temos aqui a nossa estrada de verão a inverno que é o rio Môa. No PAF Havaí não tem acesso
de nada. Eu conheço um pessoal que mora lá perto. Quando um adoece se tira a pessoa de pau
com uma rede e aí é dois a três dias de viagem a pé até chegar na cidade. Nem carro toyota
traçada consegue cortar aquela lama.

256
E assim é a vida, eu vim para cá com cinco anos, nasci no Seringal São Salvador e estou aqui
há trinta e três anos. Não quero sair daqui e nem vou sair. Eu nem gosto de cidade, lá a gente é
atacado pelos marginais.

Em Cruzeiro do Sul, em 24 de março de 2008, entrevistamos um médio produtor


da região norte do Parque e conselheiro do Conselho Consultivo do PNSD, Sr. José
Maria Rebouças que nos colocou sua opinião sobre os problemas enfrentados desde a
constituição do Parque:

(...) estas leis ambientais lá para o Parque só diz que não pode, não pode caçar, não pode
colher, não pode viver então.

O Havaí263 é um campo de guerra. Eu fui até a entrada dele. O que nós vimos lá foram
assentamentos próximos do INCRA que já estavam todos abandonados e abandonados por
causa da miséria que se estendeu. As pessoas que aí estavam passaram a vender suas terras
para outras que tinham mais condição, como um carro. Cadê o transporte, o socorro, a
comunicação?
Tem um assentamento, Bom Sossego, fica no Rio Azul. Umas casinhas do INCRA, tudo
parecendo umas casas de pombo, nem beneficiada a madeira é. Porque até parece que o
INCRA pensa que o pessoal bebendo água já está com a sobrevivência feita. De que adianta eu
ter uma casa na beira do rio e alguns que ficam mais longe da beira e nem tem como escoar a
produção e tudo apodrece. Isto que eu falo aqui para a sra. eu contei em Brasília, e não
melhorou em nada.

O Parque foi criado por interesse nacional e internacional. Eu chorei uma vez quando disse
numa reunião que os homens de pasta que criaram o Parque estão sorrindo porque tem o bolso
cheio de dinheiro. Agora para nós os moradores o Parque é motivo de choro e miséria, porque
somos nós que estamos sofrendo as amarguras.

Esse Parque é um rio de dinheiro. Vem dos Estados Unidos, da Alemanha, o ARPA264 recebe
milhões. Esses países têm interesse porque eles não têm mais floresta.

Sabe o que é que me revolta? O nosso Brasil tem essa Amazônia tão rica onde o homem só pisa
em cima do ouro, do brilhante, o petróleo flutua, madeiras de todas as espécies nós temos. E
temos tanta gente sofrendo fome e miséria, isto é que me revolta. E a gente sabe que em cima de
cada palmo de terra da Amazônia já tem dois olhos medindo e dizendo “aquele pedaço é meu”.
Fico revoltado e preocupado, por que será que vai servir para os brasileiros?

Esse pessoal ecologista que anda no Parque quer que a gente troque a nossa produção pela
coleta de sementes para artesanato. Isso não tem cabimento. Eu já andei e vi em Rio Branco,
Manaus, Belém e Brasília um monte de lojas com artesanato só não vi foi comprador. Ora o
que tem de semente aqui dá para encher um navio.

A parte sul do Parque é situada no entorno dos municípios de Rodrigues Alves,


Porto Walter e Marechal Thaumaturgo. Na área sul está a grande maioria das famílias

263
Refere-se ao Projeto Agroflorestal Havaí (PAF Havaí), local criado pelo INCRA para assentar famílias
do Parque. Todos se recusaram a ir para este local.
264
Projeto ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia, coordenado pelo WWF tem orçamento de 400
milhões de dólares.

257
do Parque, em torno de seiscentas. De dezembro de 2007 a março de 2008, esta região
teve um período grave de alagação e as famílias residentes na margem do Rio Juruá de
toda esta área perderam seus roçados. Muitas famílias têm sobrevivido da confecção e
venda de vassouras de cipó e piaçava para Cruzeiro do Sul. Alguns realizam pequenas
retiradas de madeira e são ostensivamente perseguidos pelo IBAMA devido à ação de
repressão e vigilância que este órgão exerce sobre as famílias de camponeses pobres da
região. As cidades de Porto Walter e Cruzeiro do Sul são as que recebem as famílias
que migram desta área para as cidades mais próximas.
Além da ameaça constante de serem retiradas de suas terras, as famílias desta
região sofrem com a falta de assistência à saúde e educação. Os principais problemas de
saúde são a malária e hepatite. No Riozinho das Minas faleceram várias pessoas de
hepatite e outras começaram a sair da área com receio de que estivesse ocorrendo uma
“praga e que fosse morrer todo mundo”.
Na área Sul do Parque a SOS Amazônia desenvolve um projeto de criação de
quelônios com financiamento da USAID. No Riozinho das Minas, em 21/03/2008,
realizamos entrevista com o Sr. Amarízio Silva Barreto, conselheiro do Conselho
Consultivo do Parque e atualmente envolvido na formação de uma cooperativa chamada
de “Povo Unido do Riozinho das Minas”. Ele nos relatou que com a formação da
cooperativa vai haver trabalho no Riozinho. Depois do curso realizado pela Secretaria
de Florestas (SEFE) Sr. Amarízio iniciou a organização da cooperativa. Defende para a
região um modelo de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e de ecoturismo, conforme ele
assistiu em curso promovido pelo IBAMA e SOS Amazônia para os conselheiros do
Parque estado do Amazonas, tendo como modelo a experiência da localidade de Silves.
Ele nos relatou:

Lá em Silves quem deu o dinheiro para a comunidade fazer o hotel de ecoturismo foram uns
gringos italianos, foi US$ 300 mil. Lá o projeto é uma beleza, é aquilo que a gente tem que
fazer aqui. Os lagos que eles tem para piscicultura. Tudo para o turismo. A comunidade lá com
o dinheiro adquiriram o hotel, que tem um restaurante, duas motos, dois barcos voadeira, um
viveiro, uma máquina para tirar óleo de pau-rosa e outras coisas. Eles vendem sabonete,
cosmético. Trabalham com cipó. Os gringos disseram que não querem nada em troca só um
lugar para ficar quando eles vierem. Eu gostei muito deste projeto de turismo é um projeto
enorme. O turismo pode vir até aqui. Muita coisa da floresta que a gente pode oferecer. A
cooperativa é o primeiro passo, tem que organizar a comunidade.

A minha família é grande, tenho 10 filhos e tudo homem. Por isto meu roçado é maior tenho
seis hectares para agricultura, temos mandioca, arroz, tabaco. E aqui atrás eu fiz este Sistema
Agroflorestal, tem palmeiras, tem cupuaçu, isto tudo aí. Nossa renda aqui com todos os filhos

258
trabalhando alcança uns dez mil reais por mês, mas só quando a gente consegue vender a
farinha. Mas todos aqui têm família. Temos também umas galinhas e um gado para leite.

(...) eu tenho um pouquinho de conhecimento, de educação ambiental. O pessoal fica com raiva
das regras. Eu também ficava com raiva do IBAMA dos pesquisadores que vinham aqui. Mas
agora eu já entendo que o homem precisa viver em harmonia com a floresta. Na época do
extrativismo, da borracha, a gente não conhecia, agora sabemos da copaíba, dos óleos, das
sementes, das palmeiras.

Eu sou contra a caça com cachorro e a retirada de cipó e piaçava para a vassoura. A gente
sabe que isto dá uma renda, mas com a grande derrubada de piaçava vai acabar com a
floresta. Além de faltar o ar porque a gente sabe que a respiração da terra é a floresta, ela é a
pele da terra. Há dez ou doze anos que estão derrubando e com isto não tem caça também.

Aqui se tirarem a gente do Parque vai virar é uma guerrilha, como dizem os peruanos. Nesta
área aqui e do Juruá Mirim tem muito problema .265

Criaram este Parque aqui porque esta região aqui é muito rica. É a nascente do Alto Juruá, que só se
mantêm com esta quantidade toda de água por causa destes Paranás aqui. Todas as nascentes estão aqui
nos pés desta Serra. Aqui nesta região eram trinta e seis seringais. Depois andou um pessoal aqui com o
Leôncio (foi técnico da SOS Amazônia), e disto colocaram tudo no papel e foi lá para o Sarney assinar e
criaram o Parque.

Eu já conversei em Brasília com a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que a gente aqui
se sente inseguro desde que constituíram o Parque. Nós não podemos fazer um plantio de café,
de coqueiro, de cana, como os outros brasileiros podem, por isto nós nos sentimos inseguros
aqui. Nós não podemos é sair daqui com a mão na cabeça. Uma tristeza quando a gente vê
gente daqui que foi embora para Cruzeiro, as filhas viraram mulher da vida e os filhos
marginal.

Em 22/03/2008 encontramos no município de Porto Walter, um menor, da


família do Sr. Amarízio, que havia sido picado de cobra no roçado de sua família, no
Riozinho das Minas. Após viajar um dia de canoa o garoto ficou no porto até ser
removido em uma rede para o hospital local, pois a única ambulância da “Prefeitura do
povo” estava com o pneu furado.

265
A área do Riozinho das Minas e do Juruá Mirim faz parte da rota do tráfico de drogas na Amazônia.

259
No Riozinho das Minas e no Igarapé Reforma a alagação de 2008 não provocou
a perda do roçado das famílias, porém as famílias que moram nas margens do Rio Juruá,
por onde viajamos durante dois dias de barco, perderam toda sua produção. Como nos
relatou um casal de camponeses com oito filhos:

260
Na alagação acabou tudo que a gente tinha roça, tudo, o milho, arroz, feijão. Nunca tinha visto
uma alagação como esta. Agora a gente vive de vender estas vassouras266 em Cruzeiro do Sul.
Não temos outra coisa a fazer porque não temos agricultura. Até a farinha a gente tem que
comprar. (camponês)

A única coisa que o governo fez depois desta alagação toda foi trazer aqui um sacolão.
(camponesa)
Com o problema da alagação a única saída para os camponeses é a fabricação de
vassouras e a pequena retirada de madeira para vender na cidade de Cruzeiro do Sul, a
maior da região do Juruá:

Eu também faço vassoura, vou fazer o que para dar de comer aos filhos? Este ano passado nos
fizemos 500 vassouras, mas agora só fizemos 100. (camponesa, 36 anos).

No Igarapé Reforma entrevistamos a família de D. Marieta Ferreira Barreto, 40


anos, viúva, teve 12 filhos, 10 estão vivos. Em 2004 o marido de D. Marieta foi
assassinado em Cruzeiro do Sul quando teve seu barco invadido em um assalto no
Igarapé São Salvador, na ocasião em que ele levava uma pequena retirada de madeira
para vender às serrarias locais. D. Marieta e sua família vivem da agricultura, da venda
de vassouras. Depois da morte do marido o filho mais velho que fazia o ensino
fundamental em Cruzeiro do Sul voltou para o Igarapé Reforma para trabalhar na
agricultura com a mãe. Dois de seus filhos menores foram adotados por uma família de
Cruzeiro do Sul. No Igarapé Reforma a família tem uma plantação de quatro hectares,
pois, além do filho mais velho, o genro também trabalha na agricultura com a família de
D. Marieta. Eles têm plantação de milho, arroz, feijão, mandioca, cana-de-açúcar,
abacate, coqueiro, ingá, lima, manga, e da mata tiram açaí e patoá. Tem um
equipamento para moagem da cana e para fazer açúcar, rapadura e alfinin. Os homens
caçam e pescam. Além das vassouras D. Marieta faz açafrão e colorau, e vende em
Cruzeiro do Sul por R$ 20,00 o quilo. A família não tem contabilizado a renda que
consegue adquirir com a venda dos produtos. É uma família pobre devido à dificuldade
e aos custos de escoamento da produção até Cruzeiro do Sul, que leva mais de dois dias

266
São vassouras de cipó e piaçava que são vendidas aos comerciantes de Cruzeiro do Sul, onde a
vassoura de piaçava, a mais valorizada, é vendida por R$ 2,00. O IBAMA não permite esta atividade
porque alega que os agricultores derrubam a palmeira de piaçava para retirar o ‘cabelo’ da palmeira para
fazer as vassouras. De uma palmeira é possível fazer até 30 vassouras, porém segundo os entrevistados
isto é muito variável, pois tem palmeiras que não é possível fazer nem 15 vassouras. Esta é uma atividade
realizada principalmente pelas mulheres, com o período da alagação os homens também passaram a
realizar este trabalho.

261
de barco. Na entrevista D. Marieta declarou como principal problema das condições de
vida no Parque:

Primeiro a dificuldade com a escola, além de andar mais de uma hora na mata até a escola,
eles não tem merenda e estes meninos vão para escola e não aprendem nada. A saúde aqui nós
nunca vimos. Pois até em Porto Walter é difícil um médico. Se uma cobra pega alguém aqui até
chegar na cidade já morreu, porque daqui ao hospital mais próximo é mais de um dia de canoa
a motor. Agora eu gosto daqui porque é tranqüilo, aqui eu tenho minha plantação, pego um
peixe no igarapé e na cidade tudo é difícil porque minha condição é pouca, muito pouca.

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Conclusão

O título inicial do projeto da tese, “ONGs como os novos agentes do


imperialismo: um estudo da intervenção das ONGs na Amazônia Ocidental”, contém a
tese do nosso trabalho, ou seja, de que as ONGs são os novos agentes do imperialismo.
Todo o esforço feito objetiva tal demonstração, comprovar que é este o papel das ONGs
na confrontação países imperialistas versus países dominados.
Para analisar a atuação das ONGs em nosso país elegemos o estudo das ações
delas no campo ambiental, delimitando a Amazônia como um dos focos mais
importantes da ação desse ambientalismo ongueiro, dado que os próprios trabalhos das
ONGs referem-se às suas ações e políticas como um modelo para a Amazônia. A
eleição do estado do Acre como campo de nossa pesquisa e a exposição dos projetos de
três importantes ONGs locais, PESACRE, CTA e SOS Amazônia deveram-se ao fato da
importância que tomou o Acre como “laboratório” das ações do imperialismo para a
região Amazônica como um todo.
Partimos da categoria marxista do capitalismo burocrático pelo entendimento
que temos de que é este tipo de capitalismo que domina em países como o Brasil que
caracterizamos como um país semicolonial e semifeudal. Com isto estamos afirmando
que existem na nação dois problemas fundamentais, entre tantos, ainda não
solucionados: o problema nacional e o problema da terra. O primeiro, por ser o país
oprimido pelo imperialismo, no caso de nosso campo de estudo, principalmente o
estadunidense; e o segundo, pelo ainda não solucionado problema da terra, ou seja, da
contradição principal de existir o latifúndio como unidade contraditória com o
campesinato sem terra ou com pouca terra. As categorias teóricas do trabalho expomos
no primeiro capítulo.
Nossa análise do problema da ação das ONGs na Amazônia nos levou a elencar
no estudo a articulação das políticas ambientalistas planejadas em grandes linhas pelo
imperialismo na definição de uma agenda ambiental que veio a converter-se em termos
de uma “geopolítica da biodiversidade” que contava com o papel central das ONGs
como agentes desse processo, conforme mostramos no segundo capítulo.
Para o entendimento do papel das ONGs pesquisamos a bibliografia sobre a ação
delas no campo da benevolência. Sobre isto as ONGs também buscam sua legitimação
ao elegerem-se como as ofertadoras de projetos, doações e benevolências, do qual
tratamos no capítulo 3. A bibliografia pesquisada permite-nos chegar ao “capitalismo da

274
piedade” que desvenda as relações que permeiam as ações das organizações da
caridade.
As políticas do ambientalismo ongueiro, a serviço de uma estratégia para a
biodiversidade, começamos a tratar ainda no capítulo 3, a partir da literatura que
pesquisamos sobre as ações das grandes ONGs ambientalistas, quais sejam, a WWF, CI
e TNC. Neste capítulo mostramos como as articulações destas grandes ONGs com
organizações imperialistas, por sua vez, determinam a estratégia que as ONGs devem
colocar em prática. Ou seja, as ONGs principalmente em sua ação nos países
dominados, são os agentes táticos da estratégia para a apropriação de recursos da
biodiversidade; para isto atuam na delimitação de áreas de preservação e em projetos
nas comunidades dos países em áreas de florestas tropicais.
A vinculação das ONGs com uma das principais organizações do imperialismo,
a USAID, é definida ainda em 1994, dois anos depois da Eco-92, onde também ocorreu
o fórum das ONGs. A USAID traçou programas e políticas de preservação ambiental
para todos os locais de floresta tropical e elegeu grandes ONGs, como a WWF, CI,
TNC, AWF e a WCS como seus principais “agentes”. Suas atividades são encontradas
no Brasil e em vários países da América Latina e Caribe, além de atuarem no Quênia,
Tanzânia, Madagascar, Filipinas, Indonésia, Mongólia, Nepal, Vietnã, Moçambique e
em outros. O Brasil recebe 33% de todos os recursos destinados para projetos de
preservação da biodiversidade, cifra que corresponde ao dobro do segundo colocado, o
México. Isto se deve ao fato de as imensas riquezas da Amazônia brasileira terem sido
alvo do saque e pirataria do colonizador há séculos.
Além de serem executoras e gestoras das políticas ambientais, as grandes ONGs
ambientalistas possuem como parceiros e financiadores as maiores corporações de
ramos como o do petróleo, gás, farmacêutica e minas: Dow Chemical, Monsanto
Chemical, W.R. Grace, Du Pont, Merck, Nalco, Union Caribe, General Eletric,
Westinghouse, Combustion Engineering, Honeyweel, Beckman Instrumento, Alcoa
Universal, Oil Products, North American Rockewell, que também são as maiores
poluidoras do meio-ambiente. Pouco evidenciadas ou até mesmo propositalmente
esquecidas, as políticas ambientais defendidas pelas ONGs não têm em sua pauta o
combate ao padrão de utilização dos recursos naturais e da depredação do meio-
ambiente efetuado pelas grandes corporações. Além de seu caráter malthusiano, as
políticas ambientais promovidas pelas ONGs acarretam a criminalização dos
camponeses e pequenos agricultores que são colocados como os responsáveis pelo

275
“aquecimento global” por desenvolverem atividades como a queima de um terreno para
o roçado, uma pequena retirada de madeira, uma caça para alimentação, etc.
Devido à amplitude da Amazônia, nós nos baseamos, no capítulo 4, em
levantamentos de estudos sobre as ONGs realizados por outros pesquisadores. A partir
disto e de levantamento nosso, conseguimos fazer uma exposição da atuação de grandes
ONGs na Amazônia e de seus principais financiadores, ver suas vinculações com as
organizações do imperialismo que as financiam. As altas somas doadas para as ONGs
na Amazônia, na preservação da fauna e flora, nos mais diversos municípios, nos
permitem concluir sobre os interesses estratégicos das organizações imperialistas sobre
os recursos naturais da região. Dentre as principais organizações financiadoras constam
o BM e o BID, a USAID, o PPG-7, GTZ, e fundações como a Moore, Packard, Ford,
como as principais; além de ONGs como a CI, TNC, WWF e WHRC.
Os objetivos pretendidos pelas ONGs nos países dominados e ricos em
biodiversidade da América Latina, Caribe, Ásia e África estão inseridos no discurso da
promoção do desenvolvimento, combate à pobreza, educação e desenvolvimento de
capacidades, proteção ao meio-ambiente, financiamento de pequenos produtores e
promoção do “empoderamento” das comunidades fartamente propagandeadas nos
documentos oficiais de organismos do imperialismo para promoção do
“desenvolvimento sustentável” nos países dominados. Sobre esta pauta atuam as ONGs
no Acre, CTA, PESACRE e SOS Amazônia no desenvolvimento de projetos que são
ditados e financiados pelas organizações do imperialismo conforme desenvolvemos no
capítulo 5.
Estes objetivos são colocados em prática pela ação das ONGs, na maioria dos
casos, apoiados na estrutura de projetos estatais e de organizações, como a Igreja
Católica, principalmente, e outras, especialmente no campo dos chamados direitos
humanos, na área rural, onde está a principal contradição dos países dominados pelo
imperialismo que é o problema do acesso à terra. Nos projetos desenvolvidos pelas
ONGs serão eleitas determinadas comunidades e lideranças que serão formadas e
treinadas pelos projetos de capacitação e educação desenvolvidos por estes organismos.
A grande maioria da população camponesa pobre na Amazônia mantêm-se sob
condições de vida bastante difíceis a despeito do montante de recursos e da quantidade
de projetos que os organismos do imperialismo, via ONGs, têm promovido nos países
dominados. Além disso, estes projetos criam, no país, uma casta de técnicos e

276
intelectuais que trabalham por consultorias vultosas para os projetos coordenados e
implementados pelos quadros das agências dos países ricos.
O estado do Acre, com a projeção internacional do líder seringueiro Chico
Mendes, foi um campo fértil para a ação das ONGs. A luta dos seringueiros pela terra, a
partir de meados dos anos de 1970 e até final dos anos de 1988, contava com poucos
aliados locais, velho problema das possíveis alianças dos camponeses, em sua histórica
luta pela terra, que Engels tratou no livro “As guerras camponesas na Alemanha”.
Também para os seringueiros do Acre este foi um problema fundamental. Aliados a
setores radicalizados da pequena burguesia e posteriormente às ONGs ambientalistas, o
movimento dos seringueiros foi alterando sua pauta de luta ao realizarem uma aliança
com as ONGs internacionais. Mesmo que disso não tivessem necessariamente
consciência, as lideranças dos seringueiros acabaram aliando-se aos agentes do
imperialismo e foram alçados, por um convencimento retórico, a salvadores do planeta e
defensores da humanidade pelas ONGs e outras organizações imperialistas.
Ancorado na luta dos seringueiros e na figura do líder Chico Mendes, o PT do
Acre alcançou projeção nacional e internacional. Em 1999, assume o governo do estado
do Acre, onde continua atualmente. Este governo, autodenominado de “Governo da
Floresta”, colocou em prática a agenda de grandes grupos internacionais, como o
madeireiro, ao promover a chamada exploração sustentável do manejo madeireiro. Para
isto contou com o trabalho do CTA junto às comunidades que vivem na floresta. O
CTA, que nasceu em 1983 de um projeto de educação para os seringueiros, o “Projeto
Seringueiro”, tornou-se uma importante ONG local e executora de projetos e ações do
governo.
O Acre tornou-se importante palco de atuação das ONGs e de projetos do
imperialismo para o meio ambiente. Outras duas ONGs locais se destacam: o
PESACRE e a SOS Amazônia. A primeira forneceu muitos de seus quadros para os
executivos do governo local que assumiram cargos de secretários de estados, gerentes e
outros. Possui forte vinculação com a Universidade da Flórida de onde recebe e envia
estudantes de pós-graduação.
A SOS Amazônia, de característica conservacionista, tem como principal
parceiro a TNC, com a qual executou o Plano de Manejo do PNSD. Sua política de
vinculação com o imperialismo é no trabalho de retirar a população do PNSD. A SOS
Amazônia atuou no PNSD e, na entrevista com os camponeses do Parque, verificamos
que sua ação estava voltada para o convencimento dos camponeses a se retirarem do

277
local. Embora os camponeses atribuíssem a esta ONG o papel do IBAMA, os nomes
que eles citavam dos técnicos que trabalhavam em projetos no Parque eram do quadro
da SOS Amazônia. Estas três ONGs tiveram a USAID como seu principal
financiador. Também contaram com o financiamento das fundações W. Alton Jones,
Hewlett, Ford e Moore; das ONGs WWF e TNC; do BID e da União Européia; além do
Programa de Segurança e Educação Nacional e da Fundação Nacional de Ciência,
ambos do EUA, entre outros. Dos projetos destas ONGs, que mostramos no capítulo 5,
não tivemos como objetivo fazer um levantamento da efetividade de suas ações, das
quais tanto se orgulham. Pretendemos elencar os projetos propostos, os parceiros e
financiadores para a compreensão de sua área de atuação, redes de relações e
financiadores. Sem dúvida, a população pobre do estado do Acre, a maioria do povo,
nos lugares onde estas ONGs atuam, possue uma série de necessidades que até hoje não
foram solucionadas. Sobre isto as ONGs atuam ao oferecerem seus projetos
“salvadores” com o discurso da sustentabilidade e ancoradas na memória do líder
sindical Chico Mendes.
No capítulo seis tratamos do problema da terra no Acre. As lutas dos
seringueiros acreanos pela terra e por manter os recursos necessários a sua reprodução
não resultou na solução do grave problema agrário ao qual os camponeses da Amazônia
estão secularmente submetidos; a solução dada pelas ONGs foi a propriedade estatal da
terra e a posse dos seringueiros, aos moldes das reservas indígenas, as Reservas
Extrativistas (RESEX). Para isto a constituição da Resex Chico Mendes no estado do
Acre foi alardeada como a solução e modelo do problema da terra na Amazônia.
O problema das relações no campo nas áreas de preservação ambiental que
pesquisamos apresenta as características de semifeudalidade que ainda dominam no
campo brasileiro. Em ambas as áreas pesquisadas, o PNSD e a Resex Chico Mendes,
encontramos estas relações:
- presença de trabalho servil e semi-servil;
- relações de parceria (meeiro);
- atividades realizadas com pagamento em diárias e em produtos;
- tutela do Estado sobre as atividades dos camponeses, como as regras ambientais
impostas;
- violência exercida pela polícia ambiental e outros aparatos repressivos sobre os
camponeses.

278
A estrutura agrária da Amazônia é reflexo da mesma estrutura latifundiária que
domina o Brasil há cinco séculos. A constituição de unidades de conservação cria na
realidade áreas de reserva para o imperialismo. Isto é possível no Brasil e em outros
países semicoloniais porque são dominados pelos países imperialistas. Neste sentido,
nosso país encontra-se ainda dominado por uma estrutura latifundiária que, por não ter
sido derrubada, mantém sob condições de escravidão e de servidão milhares de
trabalhadores e camponeses. Estas características aparecem nas relações de produção
que permanecem no campo como a parceria e formas de coerção econômica que apenas
deixam de existir com o completo desenvolvimento das relações capitalistas de
produção.
Ao tomarem como socioambiental os problemas até hoje não solucionados,
como o grave problema da terra e o acesso à educação e saúde, as ONGs no Acre, em
íntima relação com o aparelho do estado, converteram a pauta da luta dos camponeses
pela terra em luta pela preservação da Amazônia. Neste campo nossa pesquisa conclui
que as ONGs conseguiram efetuar a política estratégica do imperialismo, que colocamos
como nossa questão do trabalho, qual seja, conseguir grandes extensões de terras como
áreas de reserva para o imperialismo e transformar os “grandes sujeitos” da luta de
classes em “micro sujeitos” do consenso.
A política ambientalista engendrada por organismos do imperialismo para a
Amazônia resultou em grandes extensões de áreas de preservação ambiental. Os dados
de 2007 mostravam que 38,18% da Amazônia Legal encontravam-se na categoria de
áreas protegidas, sendo o Amapá o estado com maior área de preservação, 72%. No
Acre este percentual era de 45,80%. A gravidade desta política está na manutenção da
histórica concentração de terras no Brasil e do processo de restrições impostas pelos
organismos ambientalistas às atividades de reprodução das populações que residem nas
áreas de preservação ambiental, promovendo criminalização das atividades dos
camponeses e a expulsão de suas terras.
Para a Amazônia brasileira estas políticas levaram a uma nova reconfiguração
do espaço agrário da região. No estado do Acre, as Unidades de Conservação de
Proteção Integral representam 9,68% do estado, as de uso sustentável (algo que vem
sendo questionado pelo aumento de áreas degradadas) 21,39% e as terras indígenas
14,73%, representando as unidades de conservação 45,80% da área total do estado. O
restante é área de grandes latifúndios e uma área insignificante de pequenas

279
propriedades, sendo o Acre o estado que possui um dos maiores índices de concentração
fundiária do país.
Longe de resolver os problemas de acesso à terra o ambientalismo ongueiro
criou no estado uma situação que agravou ainda mais as condições de vida das
populações da floresta (com o aumento também das populações nas cidades vivendo de
forma precária) porque retirou delas possibilidades de desenvolver suas tradicionais
formas de reprodução que têm garantido sua subsistência e a manutenção e preservação
do meio em que estas populações têm secularmente vivido.
Na Amazônia e no Acre prevalecem os problemas no campo que foram tão
duramente enfrentados por gerações de camponeses e que tiveram na organização dos
seringueiros, ribeirinhos e extrativistas do Acre, nos anos de 1970, grande repercussão
de suas lutas difundida no exterior, pelas razões que buscamos esclarecer. Ao fazerem
uma aliança com organizações do ambientalismo perderam também o rumo do teor da
luta de classes que estes enfrentaram contra os poderosos latifundiários locais e que
tantas vidas custaram. A difusão pelo ambientalismo dos valorosos combates que
ocorrem no campo são apenas uma parte da longa marcha que enfrentam os camponeses
em todo o país para manterem ou conquistarem um pedaço de terra; seu reconhecimento
e apoio efetivo ainda não se efetivaram como se torna necessário, no que pese a justa e
heróica luta dos condenados da terra, porém parte fundamental da libertação de nosso
povo e do país.
As políticas do imperialismo norte-americano na região anunciam seus
desdobramentos se tomarmos a Amazônia brasileira como um todo, saque e pirataria
como regra. Onde os camponeses se organizam enfrentam os bandos armados do
latifúndio apoiados pelas forças armadas do Estado com a importante ação também
militarizada dos órgãos de proteção ambiental que atuam como verdadeiros agentes do
imperialismo contra os camponeses que lutam por terra, que trazem em sua memória e
dos seus parentes a constante perseguição do latifúndio e do Estado em todos os locais
que já viveram, restando-lhes resistir na última fronteira. A sustentabilidade tão
decantada significa para a maioria dos que vivem no campo seu extermínio, proteger a
terra contra os camponeses, defender as gerações futuras mantendo a situação de
miséria das gerações presentes. Mesmo diante de tanta violência continuam sendo os
que vivem da e na terra os mais ativos em buscar um caminho de superação da
expropriação e exploração os que vivem inspirando e também dando vida aos que lutam
nas cidades.

280
Buscar apoio às suas lutas, assim fazem os camponeses há tanto tempo e todos
que lutam em condições tão desiguais. Encontrar “globalmente” aliados é muito
importante, porém decisivo é a busca da aliança fundamental com os operários das
cidades, grandes e pequenas, de nosso imenso país; aí estão as soluções para salvar o
planeta, ou seja, responsabilizar-se os oprimidos de libertarem toda a humanidade. Tudo
mais é uma tergiversação sobre os grandes problemas que na realidade objetiva já
apresentam sua solução mesmo que formalmente como nos foi ensinado por Marx e
Engels.

281
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Lista dos entrevistados

01 - Camponeses entrevistados nas áreas norte e sul do PNSD e na RESEX Chico Mendes – na
Associação dos Moradores e Produtores da Maloca e Juraci, Seringal Nova Esperança, e na Colocação
Sossego (Seringal Sibéria)

Antonia Gracilânea Coelho de Lima (camponesa)


Amarizio Silva Barreto (pequeno produtor e conselheiro do PNSD)
Antonio Alves de Souza (camponês, 46 anos)
Aderaldo Ribeiro da Silva (camponês)
Danuzia Coelho de Lima (camponesa, 49 anos)
Edson da Silva Cavalcanti. (camponês)
Edmundo Ferreira do Nascimento (camponês, 49 anos)
Evandro de Melo Barreto. (camponês)
Eliete Conceição da Silva (camponesa, 21 anos)
Fátima Escócio da Silva (camponesa)
Francisco Eliezio da Costa (camponês, 55 anos)
Francisco Barroso Braga (camponês, 32 anos)
Francisco Sombra (camponês, 64 anos)
Ilson Sivestre de Souza Nukini. 39 Anos. (camponês)
José Laércio (camponês, 40 anos)
José Barbosa de Lima (camponês, 67 anos)
José Cabral da Silva (camponês, 55 anos)
José Alves Pereira (camponês, 51 anos)
José Gonzaga Lima da Silva (Zé do Anízio)
José Francisco Pinheiro da Costa (camponês)
José Maria Rebouças (médio produtor e conselheiro do PNSD).
Joana de Oliveira Carneiro (camponesa, 45 anos)
Jocineide da Silva Lima (camponesa)
Luis Carlos Firmino da Silva (camponês, 34 anos)
Maria da Conceição Firmino da Silva (camponesa, 42 anos)
Maria de Fátima Araujo da Conceição (camponesa)
Maria Moreira da Silva (camponesa, 62 anos)
Maria Selma Guilhermina Rosa (camponesa)
Maria Amazonite Coelho de Lima (camponesa)
Maria Eliete Barbosa da Silva (camponês, 34 anos)
Maria Ferreira de Souza (camponesa, 30 anos)
Maria Edna Ferreira de Souza (camponesa, 36 anos)
Marieta Ferreira Barreto (camponesa, 40 anos)
Marileide Moreira da Silva (camponesa, 34 anos)
Raimunda Matias (camponesa)
Raimundo Silva dos Santos (camponês, 50 anos)
Rita Pereira da Silva (camponesa, 40 anos)
Solange Conceição dos Santos (camponesa)
Sebastião Alves de Souza (camponês, 33 anos)

02 – Sindicalistas do Vale do Acre e do Juruá

Dercy Telles de Carvalho Cunha – Presidente do STR de Xapuri.


Francisco Ribeiro da Silva – Presidente do STR de Mâncio Lima.
Osmarino Amâncio – ex-secretário do CNS, atualmente militante do MTL (Movimento Terra, Trabalho e
Liberdade).

03 – Outros

Francisco Antonio Correia Lima (ex-chefe do PNSD)


Sebastião do Monte Souza (INCRA-Cruzeiro do Sul)

292

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