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Fobias especificas: aspectos diagnosticos, etiolégicos, mantenedores e terapéuticos Neri Mauricio Piccovoto, GIovaNNI KUCKARTZ PERGHER, ASPECTOS DIAGNOSTICOS O medo, esta reacao filogeneticamente deter- minada, desenhada pela evolucao para nos pro- teger do perigo, pode adquirir um carater de- sadaptativo e quantitativamente desproporcio- nal, dando origem a uma psicopatologia. Sen- do 0 medo uma emogao universalmente expe- rienciada, sua simples presenca diante de uma determinada situacao ou objeto nao ¢ suficien- te para que seja caracterizada uma fobia. Mui- tas pessoas mostram-se temerosas em algumas circunstancias — diante de um inseto, em um terraco de um prédio, em um assento para doacao de sangue — sem, entretanto, apresen- tarem um quadro fébico. Para que seja diag- nosticada uma fobia especifica, uma série de caracteristicas necessitam estar presentes, as quais sao, segundo 0 DSM-IV-TR: A. Medo acentuado e persistente, excessive ou itracional, revelado pela presenca ou antecipacao de um objeto ou uma situa- ao fobica (p. ex., voar, alturas, animais, tomar uma injecao, ver sangue). B. A exposicao ao estimulo fobico provoca, quase que invariavelmente, uma respos- ta imediata de ansiedade, que pode assu- mir a forma de um Ataque de Panico liga- do & situagao ou predisposto pela mesma. Nota: Em criangas, a ansiedade pode ser expressada por choro, ataques de raiva, imobilidade ou comportamento aderente. G. Ricarpo WaINER O individuo reconhece que medo é ex- cessivo ou irracional. Nota: Em criangas, esta caracteristica pode estar ausente. A situacao fobica (ou situagdes) é evitada ou suportada com intensa ansiedade ou sofrimento. A esqutiva, a antecipagao ansiosa ou 0 softimento na situagao temida (ou situa- Ges) interfere significativamente na ro- tina normal do individuo, em seu funcio- namento ocupacional (ou académico) ou ematividades ou relacionamentos sociais, ow existe acentuado sofrimento acerca de tera fobia. Em individuos com menos de 18 anos, a duragao minima ¢ de seis meses. A ansiedade, os ataques de panico ou a esquiva fobica associados com o objeto otta situacao especifica nao so mais bem explicados por outro transtorno mental, como Transtorno Obsessivo-Compulsivo (p. ex., medo de sujeira em alguém com uma obsessao de contaminagao), Trans- torno de Estresse Pés-Traumitico (p. ex., esquiva de estimulos associados a um es- tressor grave), Transtorno de Ansiedade de Separacio (p. ex., esquiva da escola), Fobia Social (p. ex., esquiva de situacées sociais em vista do medo do embaraco), Transtorno de Panico Com Agorafobia ou Agorafobia Sem Historico de Transtorno de Panico. Terapia Cognitiv Comportamental na Pritica Psiquidsrica 249 Especificar tip. Tipo Animal. Tipo Ambiente Natural (p. ex., alturas, tempestades, agua). Tipo Sangue-Injecao-Ferimentos. Tipo Situacional (p. ex., avides, elevado- res, locais fechados). Outro Tipo (p. ex., esquiva fobica de si- tuagdes que podem levar a asfixia, vomitos ou a contrair uma doenca; em criangas, es- quiva de sons altos ou de personagens ves- tindo fantasias). Uma das caracteristicas mais marcantes das fobias especificas 6, sem diivida, sua hete- rogeneidade. Embora agrupados em uma mes- ma categoria diagnéstica, seus diferentes sub- tipos apresentam padroes altamente diferen- ciados. Nao € possivel determinar com preci- sio, por exemplo, idade de inicio, a prevalén- cia ou a proporcao entre homens e mulheres que sejam validas para todos os subtipos de fobias especificas. Apesar dessas diferencas, procuraremos apresentar alguns dados epide- miolégicos relevantes para situar 0 leitor ante algumas das caracteristicas mais marcantes destes transtornos, salientando, entretanto, que estes dados nao devem ser tomados como absolutos ou definitivos. A fobia especifica, de forma geral, é uma psicopatologia cujo inicio é predominantemen- te precoce, ocorrendo por volta dos cinco anos de idade. Em uma consideravel parte dos indi- viduos, ha remissao espontanea dos sintomas ainda na infancia. Assim, nao sao raros 0s ca sos em que uma pessoa apresenta medos ex- cessivos e irracionais quando crianca e, algum tempo depois, mesmo sem nenhum tipo de intervengao terapéutica direta e intencional, 0s sintomas nao sao mais verificados. Em ou- tros casos, entretanto, as fobias persistem até a vida adulta, quando os niveis de ansiedade diante do objeto fobico mantém-se elevados, com possibilidade, inclusive, de desencadea- mento de ataques de panico em situagdes de exposicao macica. Em relacao & proporcao entre mulheres/ homens, estima-se que seja em torno de 2:1 para a maior parte dos subtipos de fobias. Esse dado, sistematicamente constatado pelas pes- quisas na area, ainda carece de explicagées mais consistentes. Uma possibilidade seria a de que 08 processos de condicionamento (descritos mais detalhadamente a seguir) interagiriam com determinados horménios, modulando, assim, a magnitude da resposta fobica (Mer- ckelbach et al., 1996). O presente capitulo aborda uma das psi- copatologias mais comuns na popuilacao geral. com uma prevaléncia girando em torno de 4,5, a 11,8%. Esses altos indices, no entanto, nao sio validos para amostras clinicas, nas quais 0 percentual é bem inferior. Um dos principais determinantes desta discrepancia entre o néi- mero de pessoas que apresentam fobia espe- cifica e 0 ntimero de pacientes que procuram atendimento especializado € 0 fato de este transtorno nao estar comumente associado a elevados indices de disfuncionalidade ou mor- bidade. Dessa forma, os pacientes freqiiente- mente convivem com sua(s) fobials), desenvol- vendo estratégias evitativas que nao os colo~ cam frente a frente com o objeto ou a situacao temidos. Quando essas estratégias de evitacao envolvem um custo emocional ou funcional muito elevado para o paciente, aumentam as possibilidades de busca de tratamento para 0 transtorno. S40 menos comuns os casos nos quais um paciente procura atendimento tendo como queixa principal uma fobia especifica. Igual- mente incomuns sao os casos co-mérbidos em que este tipo de fobia torna-se o foco da aten- ¢a0 terapéutica. Todavia, a importancia do seu tratamento nao deve ser minimizada, uma vez que pode tornar os individuos mais vulnera- veis para o desenvolvimento de transtornos de- pressivos e aditivos (Regier et al., 1998). Esta caracteristica de predispor a estru- turacao de outros quadros auxilia a compreen- der, em parte, por que as fobias especificas s0 muito mais freqiientemente encontradas em associagao com alguma co-morbidade psiquia- trica. A presenca deste efeito facilitador sobre © desenvolvimento de outros transtornos, no entanto, nao significa que as fobias necessa- riamente devam ser tratadas para a remissio do quadro posteriormente edificado. As psi- copatologias associadas com fobias especificas 250 Paulo Knapp & colaboradores usualmente requerem atencao terapéutica pre- ferencial. Além da usual baixa disfuncionalidade, um aspecto que dificulta tanto a identificacao quanto a decisao a respeito do foco do traba- Iho psicoterapico é a relutancia dos pacientes — basicamente adolescentes ¢ adultos — em falar sobre seus medos sabidamente irracio- nais (Butler, 1997). Conforme especificado pelo proprio DSM-IV-TR, um quadro fébico ocorre quando o medo experienciado diante do obje- to temido nao é condizente com o perigo ou a ameaga representados pelo objeto em ques- tao. Aparentemente, entao, para um leigo, nao existem motivos razodveis ou palpaveis que justifiquem os temores ou as reacées fisiolégi- cas ou comportamentais apresentadas pelo paciente, Diante dessa situacao, é relativamen- te facil inferir 0 quanto um sujeito portador de uma fobia especifica pode sentir-se cons- trangido: todos (inclusive ele) sabem que seus receios nao tém uma fundamentacao légica convincente; entretanto, as dificuldades sub- jetivas para superd-los sio demasiado eleva- das. Nao obstante, os pacientes fobicos podem eventualmente enumerar ou até mesmo inqui- rir informacdes que corroborem, ainda que parcialmente, a racionalidade de seus medos ante determinadas situagées, como um pacien- te com fobia de avido extremamente informa- do sobre desastres aéreos e precariedades de certas aeronaves. Tais pacientes, dependendo do tipo e da magnitude do medo e de suas condutas evita- tivas, freqiientemente sao alvos de zombarias por parte de amigos, familiares, colegas e ou- tras pessoas do circulo de relacionamentos, 0 que intensifica suas dificuldades em discorrer sobre o assunto. Esse é mais um aspecto que contribui para que as fobias se encontrem ro- tineiramente mascaradas por outros quadros psiquiatricos, tendo em vista que transtornos do humor e outros transtornos de ansiedade sio envoltos por um estigma de maior serie- dade e racionalidade pelo senso comum, o que favorece a revelacao de seus sinais e sintomas no contexto terapéutico. As dificuldades quanto ao diagnéstico e 4 decisao do foco de atencdo terapéutica exi- gem do profissional habilidades para identifi- car a fobia especifica associada a outros qua- dros psicopatolégicos, bem como uma aguca- da empatia, para que a relacao terapéutica per- mita ao paciente discorrer abertamente sobre 0s seus medos. ASPECTOS ETIOLOGICOS E MANTENEDORES Uma explicacao a respeito da etiologia das fo- bias requer um maior ntimero de entendimen- tos tedricos em relagdo a outros transtomnos de ansiedade, como, por exemplo, o transtor- no de panico. Neste tiltimo, evidéncias quanto a0 papel crucial do condicionamento intero- ceptivo tém sido sistematicamente acumula- das, de modo que a génese deste transtorno 6, guardadas as devidas proporcées, homoge- nea. As fobias especificas, por sua vez, pare- cem ser adquiridas de maneiras bastante hete- rogéneas, variando em fungao das diferencas individuais, de aspectos ambientais e de seus subtipos, entre outros fatores (Fyer, 1998). Os fatores etiolgicos e mantenedores esto intrinsecamente relacionados, de modo que preferimos agrupé-los neste ponto do ca- pitulo para facilitar a compreensao, por parte do leitor, quanto aos mecanismos de funcio- namento deste(s) transtorno(s). A seguir, serdo colocados os principais processos que vém sen- do descritos na literatura como importantes contribuintes na origem e perpetuacio das fobias especificas, os quais vao embasar a pro- posta de tratamento descrita posteriormente. Antes de iniciarmos nossa explanacio, julgamos importante a inclusao de um presst- posto. Os aspectos concernentes & etiologia das fobias sao descritos apenas com 0 intuito de familiarizar o leitor com as possiveis causas destas psicopatologias. Em muitos casos, 0 acesso a esses fatores mostra-se impossibilita- do, seja pela sua sutileza, seja por questdes de esquecimento, incapacidade de evocacao da meméria infantil ou qualquer outro fator. As- sim, 0s processos ulteriormente apresentados podem ocorrer de maneira “mascarada’, de modo que esforcos demasiados por parte do clinico no sentido de localizé-los na historia Terapia Cognitivo-Comportamental na Pratica Psiquidtrica 254 de vida do paciente possivelmente se mostra- rao infrutiferos e terao como resultado uma intervencao terapéutica malsucedida e o des- vio do verdadeiro foco do atendimento. Este capitulo enfatizara a teoria das trés vias de Rachman (1977), a qual postula que as fobias podem ser adquiridas de trés maneiras: por condicionamento classico, por modelagem ou por instrucao, bem como por interacoes diversas entre esses aspectos. A apresentagao de cada fator sera realizada concomitantemen- te com a apresentagao do caso clinico selecio- nado. Optamos por fazer uma espécie de cari- caturizacao a respeito desse caso — colocando algumas alteragdes intencionais em sua hist6- ria de vida -, objetivando tornar o texto mais didatico. Assim, a mesma pessoa teria sido exposta aos trés fatores colocados por Rach- man como possiveis causas de aquisicaio das fobias. Enfatizamos que nao ha a necessidade de que esses trés aspectos estejam presentes para originar a psicopatologia, de modo que ape- has um deles pode desencadear tal génese. O caso escolhido é 0 de Joao (nome fic- ticio), um jovem adulto, sexo masculino, 21 anos, que procurou atendimento psicoteré- pico por sofrer de fobia a cies, Seu medo desses animais apresentou-se de forma mais exacerbada a partir dos 6 anos de idade. Apesar do temor exagerado e desproporcio- nal, o ambiente em que vivia e as estraté- gias evitativas que utilizava impediam que sua fobia adquirisse um carater de maior desadaptabilidade. Essa situacdo, entretan- to, modificou-se ao final da adolescéncia, época em que Ihe foi oferecida uma propos- ta de emprego considerada irrecusavel. O maior problema consistiu no fato de que o local onde Joao passou a trabalhar situava- se em uma area mais afastada da cidade, re- giao onde quase todos os moradores tinham aes de estimacao. O paciente desembarca- va do 6nibus a cerca de trés quadras do local de trabalho, sendo que, nesse percurso, ele inevitavelmente se deparava com os mora- dores passeando com seus animais, muitos deles sem coleira. A estratégia de desviar 0 caminho, fazendo trajetos mais longos e por Tuas menos movimentadas, logo mostrou-se ineficaz, pois provocou consideraveis atra- sos na sua chegada ao servico e, algumas vezes, nao impediu que ele se colocasse fren- te a frente com um cao, experiéncia que era suportada com imensuravel sofrimento. Além disso, 0 paciente softia de intensa ansiedade antecipatéria, ao sair de casa, pela manha, e ao final do dia, quando aproximava-se 0 mo- mento de deixar o local de trabalho, diante da certeza de que iria ter que “fugit” dos caes. Maiores detalhes da historia de vida de Joao sero apresentados no decorrer da explanacao sobre cada um dos trés fatores de Rachman, bem como durante as colocagbes acerca dos mantenedores das fobias especificas. 0 primeiro componente da teoria de Ra- chman (1977) & 0 condicionamento clissico, também chamado de reflexo ou pavloviano. Este tipo de condicionamento foi descrito pela primeira vez na literatura cientifica pelo fisio- logista russo Ivan Petrovich Pavlov, sendo pos- teriormente aplicado ao campo da psicologia por Watson. Os mais conhecidos estudos de Pavlov podem ser assim exemplificados: a co- locagao de comida (estimulo incondicionado) diante de um cachorro produz salivacao (res- posta incondicionada). Em um proceso de condicionamento com o animal, é tocada uma sineta (estimulo neutro) imediatamente antes da apresentacao da comida (estimulo incondi- cionado). Apés esse processo, 0 cao passa a salivar com 0 tocar da sineta, mesmo na au- séncia de comida O condicionamento classico pode ser re- sumido da seguinte maneira: ao se parear (apresentar conjuntamente) um estimulo in- condicionado (reforador ou punitivo) e um estimulo neutro, este dltimo adquire proprie- dades do primeiro, tornando-se um estimu- lo condicionado. O estimulo condicionado, por sua vez, é capaz de evocar respostas se~ melhantes aquelas provocadas pelo estimu- lo incondicionado, as quais sao chamadas de respostas condicionadas. No exemplo ante- rior, a sineta, ao ser pareada com a comida, adquiriu propriedades reforcadoras, ou seja, tornou-se um estimulo condicionado. Em um momento posterior, a apresentacao de ape- nas a sineta (estimulo condicionado) provo- 252 Paulo Knapp & colaboradores cou salivagao (resposta condicionada), con- forme demonstrado na Figura 15.1. © condicionamento classico contribui na génese das fobias ao parear um estimulo neutro (futuro objeto fobico) com estimulos aversivos incondicionados. Suponha que Joao, com cerca de 6 anos, tenha sido acos- tumado, desde a primeira infancia, a brincar com caes. Ele interagiu com os animais em diversos momentos, sem nunca ter ocorrido nenhum tipo de problema (embora convives- se com um amigo fobico, conforme descrito adiante). Em uma determinada ocasiao, en- tretanto, um cachorro no qual fazia caricias estava mais agitado e 0 mordeu ferozmente, arrancando parte da pele de seu antebraco e provocando sangramento abundante no lo- cal. Apés esse episédio, Joao passou a cho- rar copiosamente na presenca de cies, nao mais conseguindo se aproximar como ante- riormente. Diante de situacoes de inevitavel encontro com esses animais (por exemplo, em uma reuniao de familia na casa de um tio que tinha cachorros de estimacao), pedia para sua mae, ou para qualquer outro fami- liar, que trancasse ou amarrasse os ces em um local distante. Caso contrario, Joao se escondia em qualquer lugar para nao expe- Pré-condicionamento rienciar os sintomas de medo (por exemplo, recusava-se a sair do carro ou evitava ficar no patio da casa). Na situagao descrita, um estimulo neu- tro, os caes, foi emparelhado com o estimulo aversivo incondicionado, uma ameaca a inte- gridade fisica provocada pelas mordidas e a sua conseqiiente dor. A partir desse pareamento, os cachorros tornaram-se um estimulo condi- cionado, provocando reag6es de ansiedade e comportamento de fuga/esquiva, considerados respostas condicionadas (Figura 15.2). Um evento traumatico, entretanto, nem sempre se faz necessario para o desencadea- mento de uma fobia. Conforme veremos a se- uir, outros processos tao poderosos quanto o condicionamento classico estdo envolvidos na génese desta psicopatologia. Também é ver- dadeiro 0 fato de que uma situacdo extrema nao necessariamente ird levar um individuo ao desenvolvimento de um transtorno fébico. Um exemplo disso é relatado por Murray e Foote (1979) em estudos sobre fobia de cobras. Os autores verificaram que a maioria dos fébicos a cobras nao era capaz de recordar vivéncias traumiaticas diretas com esses répteis, referin- do, pelo contrario, momentos em que obser- vou outras pessoas apresentando reacdes de (Alimento) (Campainha) Estimulo incondicionado |» | Resposta incondicionada (Alimento para os caes) (Salivagao dos cies) a a ——> | auséncia de resposta ‘ampainha| Condicionamento Estimulo Estimulo incondicionado + neutro > {Salivagao) Pos-condicionamento Estimulo condicionado (Campainha) Resposta condicionada (Salivacao) FIGURA 15.1 ~ Esquema ilustrativo do condicionamento pavloviano. Terapia Cognitivo-Comportamental na Pritica Psiquidtrica 283 Condicionamento Estimulo aversivo Estimulo Resposta incondicionado | neutro [|__| _ incondicionada (Agressao — dor) (Cies) (Medo ~ esquiva) Pés-condicionamento Estimulo Resposta condicionado condicionada FIGURA 15.2 Condicionamento pavloviano (Caes) — | Medo - esquiva) aplicado a fobia especifica de Joao. medo intenso diante de cobras, bem como si- tuagées em que ouviu repetidos relatos ver- bais sobre os potenciais riscos de seus ataques e picadas. Ironicamente, no estudo de Murray e Foote, havia trés individuos que ja tinham sido picados e que nao apresentavam quais- quer sinais ou sintomas fbicos. Os autores evidenciaram que, quanto maior a experiéncia direta dos participantes com cobras, menor era 0 seu temor em relacao a esses animais. 0 segundo fator da teoria de Rachman diz respeito justamente aos processos de modela- gem, ou aprendizagem vicéria. Tais processos foram descritos com bastante propriedade pelo psicdlogo americano Albert Bandura (1979) € referem-se & aprendizagem do individuo por meio da observagio de modelos. Conforme coloca Bandura, um acimulo de evidéncias empiricas sugere que praticamente todos os comportamentos adquiridos via condiciona- mento direto podem ser aprendidos por mo- delagem. Assim, uma pessoa pode adquirir padroes de resposta a determinados estimu- los sem nunca ter sido exposta diretamente a eles. A aprendizagem dessas respostas se da- ria, portanto, a partir da observacao de outras pessoas reagindo a tais estimulos. No caso das fobias, sua etiologia pode residir no condicionamento vicario de respos- tas de fuga/esquiva fobica, ou seja, uma pes- soa, ao observar outra apresentando reacdes emocionais diante de determinados estimulos (objeto fobico), acaba por aprender e imitar as mesmas reagoes. Conforme coloca Bandura, os seres humanos, bem como muitas outras es- pécies do reino animal, sao bastante capazes de discriminar respostas emocionais (por exem- plo, expressdes faciais de dor ou de medo) em outros. Tais reagdes sao sinalizadoras de ex- posicao & estimulacdo aversiva incondiciona- da, de modo que respostas de furga/esquiva sio mais facilmente aprendidas (ver mais adiante aspectos evolutivos das fobias). ‘Joao teria passado por processos de mo- delagem a partir dos 5 anos. Um amigo seu, de mesma idade, apresentou intensos ataques de choto, presenciados por Joa, ao ver um ca- chorro solto em um parque. Além do choro, © amigo reagiu com extrema agitacao psicomo- tora diante da presenca do animal, subindo em um dos brinquedos do parque (escorregador) ¢ ld permanecendo até 0 cao distanciar-se. O episodio teve proporgdes ainda maiores na medida em que o amigo agrediu fisicamente outras criancas que queriam utilizar 0 escorre- gador, provocando lesdes nas mesmas, mais uma vez demonstrando elevada ansiedade agressividade. Ocorréncias semelhantes se re- petiram em outras ocasides, sendo que Joao, com 0 passar do tempo, passou a apresentar padrdes de respostas semelhantes aos de seu amigo, ou seja, esquiva fdbica (quando posst- vel) na presenca de cies, padrdes estes solidi- ficados apds o episédio em que foi ferozmen- te mordido. Existem alguns aspectos quanto aos pro- cessos de condicionamento vicdrio que mere- cem nossa atencao, sendo que o primeiro de- les diz respeito a intensidade da resposta fobi- ca. Modelos animais utilizando macacos tém demonstrado que, quanto maior a intensida- de da reagio emocional do modelo, maior a 254 Paulo Knapp & colaboradores intensidade da resposta aprendida (Mineka et al., 1984). Assim, para aqueles pacientes que adquiriram fobias especificas via processos de modelagem, o nivel de ansiedade diante de um estimulo fdbico vai depender, em parte, das reagdes emocionais do(s) modelo(s) diante de tais estimulos. Um segundo aspecto a ser considerado concerne & semelhanca entre 0 observador e 0 modelo. Nos processos de condicionamento vicdrio, a aprendizagem ocorre mais facilmen- te quando o observador percebe a existéncia de relacdes entre ele e o modelo, pois “é mui- to mais facil para uma pessoa imaginar que as conseqiiéncias relativas a individuos semelhan- tes também se aplicariam a ela” (Bandura, 1979, p.99). Quais os fatores que vao determinar a percepcao ou nao de semelhancas, entretan- to, ainda carecem de uma maior investigagio cientifica. Salienta-se, ainda, que a visualiza- sao de uma reacao fébica protagonizada por um familiar ou uma pessoa ligada emocional- mente ao individuo pode representar uma modelagem ainda mais inequivoca do verda- deiro potencial ameacador daquele objeto; por exemplo; uma crianga, ao visualizar sua mae, fonte incessante de seguranca e apoio emo- cional, apresentando uma reacao de medo des- proporcional e comportamento de fuga diante de um animal, sofreré uma influéncia inquestio- navel sobre sua representacao mental a respei- to da periculosidade do animal em questo. Para Joao, ambos os aspectos descritos anteriormente ndo estavam a seu favor. Em primeiro lugar, as reagdes emocionais de seu amigo (modelo) foram muito intensas, de modo que suas prdprias reacdes passaram a ter in- tensidade semelhante. Em segundo, 0 outro garoto era ligado afetivamente a Joao e com ele compartilhava caracteristicas parecidas — mesma idade, sexo, habitos cotidianos, etc. -, © que favoreceu sua aprendizagem de respos- tas de esquiva fobica. A teoria das trés vias de Rachman coloca como terceiro fator contribuinte na aquisicao das fobias a transmissao de informagoes/ins- trucdes. Este é o fator mais simples da teoria. As interacdes das criancas com o mundo adul- to e com o grupo de iguais sao cercadas de transmissao de conhecimentos e/ou regras. E um processo inerente ao seu relacionamento, sendo particularmente significativo nos primei- ros anos de vida. O que acontece, no que tan- ge a génese das fobias, é que informagées ver- bais negativas (por exemplo, relacionadas periculosidade) acerca do objeto fobico so transmitidas, fazendo com que ele adquira pro- priedades aversivas. Casualmente, em sua infancia, Joao resi- dia em uma drea na qual as autoridades esta- vam preocupadas com o aumento significativo dos casos de “raiva”, uma grave doenga passi- vel de transmissao para seres humanos por animais domésticos. Um de seus tios era vete- rinario e estava trabalhando ativamente no controle da epidemia canina. Isso fazia com que Joao obtivesse acesso a uma ampla variedade de relatos verbais sobre ataques de caes a pes- soas indefesas, com suas terriveis conseqiién- cias. Em encontros de familia, esse tio tomava a palavra e discorria sobre esses casos, deixan- do Joao freqiientemente amedrontado. As re- petidas vezes em que ouviu historias a respei- to de ataques de caes enraivecidos, além das continuas instrugdes do tio e dos pais para que tomasse cuidado com esses animais, contribui- ram significativamente para o desenvolvimen- to de sua fobia. Ateoria das trés vias de Rachman (1977), esquematizada na Figura 15.3, mostra-se rele- vante para a compreensio dos fatores etiolé- gicos das fobias (King, Eleonora, Ollendick, 1998). Mesmo demonstrando relevancia, al- guns aspectos continuam carecendo de expli- cages mais consistentes, como, por exemplo, a maior prevaléncia em mulheres e as influén- cias culturais sobre a génese desta psicopato- logia (Merckelbach et al., 1996). ‘Torna-se conveniente salientar que ha um mesmo aspecto relacionando os trés fatores listados por Rachman: a aprendizagem associa- tiva. Conforme exposicao anterior acerca dos trés caminhos, de alguma maneira o ambiente atua no sentido de proporcionar uma associa- Gao entre 0 objeto fobico e um estimulo aver- sivo. No intuito de promover um refinamento teérico, um quarto fator, de carater ndo-asso- ciativo, foi recentemente proposto como com- Terapia Cognitivo-Comportamental na Pratica Psiquidtrica 255 Modelagem ou vicirio condicionamento Transmissao de informagées e/ou instrugdes FIGURA 15.3 As trés vias de Ra~ FOBIAS ESPECIFICAS chman aplicados a génese das fo- bias especificas, tar aqueles originalmente delineados chman (Poulton et al., 2001). Esse fator itivo sera comentado em maiores logo a seguir, apés a exposicao dos -evolutivos ligados as fobias. Uma questdo subjacente aos trés proces- presentes na teoria de Rachman e que impre- ite deve ser considerada na andlise da ogia das fobias diz respeito aos seus aspec- olutivos. Seligman (1971) fez uma extensa oacerca de diversas caracteristicas das , como uma maior resisténcia a extingdo jo comparadas com o desaparecimento de os condicionados em laboratério e uma facilidade de aquisicao em relacdo a ou- iS Fespostas condicionadas. Segundo o autor, a5 fobias devem resultar de uma combinagao de _ aspectos biol6gicos e de aprendizagem. Em rela- "G0 aprendizagem, ela deve ser evolutivamen- te preparada, ou seja, temos maior facilidade para desenvolver fobias (isto é, condicionamento mais rapido e maior resisténcia a extingao) direciona- dasa estimulos que significavam ameaca em nos- So passadlo evolutivo, mesmo que nao mais 0 re- presentem na atualidade. As reacdes de esquiva fobica, nesse sentido, podem ser entendidas em termos de estratégias de adaptacdo. Um exem- plo significativo dessa aprendizagem preparada €0medo de cobras. Muitas criangas se aproxi- mam e até manuseiam cobras sem demonstrar medo, mas apresentam uma especial sensibilida- de para qualquer indicio de que cobras devem Ser evitadas ou temidas (Baum, 1999). Dados epidemioldgicos corroboram tal Posi¢ao. Conforme descrito anteriormente, a maior prevaléncia de fobias é a do tipo animal, seguida pela fobia a sangue, havendo uma dis- tribuigao nao-aleatéria na populagao em ge- ral. Esses estimulos, embora atualmente nao oferecam, na maioria das vezes, risco con- creto, no passado evolutivo do homem re- presentavam ameaga real a vida (Ohman e Mineka, 2001). Esse pano de fundo da evolugao também nos ajuda a compreender 0 condicionamento vicdrio. Nao é a toa que somos bastante capa- zes de perceber reagdes emocionais em outras pessoas. Em um passado longinquo, reagdes de medo por parte de outros significavam que uma ameaca potencial estava por perto, de modo que a elevacao dos niveis de ansiedade, com suas alteragoes caracteristicas — hipervi- gilincia, taquicardia, etc. -, era uma resposta adaptativa na medida em que facilitava as rea- des de fuga ou luta. E justamente nesse senti- do que a evolucao facilita o surgimento das fobias por processos de modelagao: a reacao emocional de outros significa a presenca de perigo, sendo a fuga/esquiva fobica uma rea- 40 adaptativa, relacionada a aptidao. ‘Aimportancia da evolucao é tamanha que ela foi considerada um fator que, mesmo na auséncia de aprendizagem associativa (presen- te em cada uma das trés vias de Rachman), pode ser responsavel pela génese das fobias. Segun- do Poulton e colaboradores (2001), existiriam alguns medos inatos, biologicamente determi- nados. Esses medos, na maioria das pessoas, seriam extintos em fungaéo de uma série de exposigdes ndo-aversivas a eles. No caso da- 256 Paulo Knapp & colaboradores queles que desenvolvem fobias, entretanto, haveria uma limitacao com relacao quantida- de dessas exposicdes, impossibilitando que os temores inatos fossem vencidos. Uma outra possibilidade colocada pelos autores é a de que alguns individuos estariam no extremo supe- rior da chamada distribuicdo normal, ou seja, teriam um medo inato muito mais resistente & extingdo quando comparados com a média populacional, dificultando o vencimento da fobia por meio da exposigao. ‘Tendo em vista que esse quarto fator nao envolveria nenhum tipo de aprendizagem pro- veniente do ambiente, ele é entendido como nao-associativo. Esse entendimento, conforme Poulton e colaboradores (2001), ajudaria a com- preender, por exemplo, a freqiiente impossibi- lidade de se localizar, na histéria de vida do paciente, experiéncias de condicionamento classico, vicario ou transmissao de informa- Goes. Embora as idéias acerca de um modelo nao-associativo de desenvolvimento das fobias nao sejam novas nem infundadas (Poulton e Menzies, 2002), elas sao alvo de diversas criti- cas. Estas sao dirigidas tanto as metodologias utilizadas nas pesquisas que dao suporte a este modelo (Mineka e Ohman, 2002) quanto ao fato dea abordagem nao-associativa ignorar aspec- tos tidos como cruciais na aquisigio dos me- dos em criancas, como nivel de desenvolvimen- to e caracteristicas dos estimulos (Muris et al., 2002). Nesse sentido, existe a necessidade de uma futura pesquisa mais abrangente, para que se possa realmente considerar o fator nao-as- sociativo como um quarto componente na etio- logia das fobias, ao lado do condicionamento clissico, da aprendizagem vicaria e da trans- missao de informagoes (Kleinknecht, 2002). Dois tipos de condicionamento — o cla: sico e 0 vicario — foram descritos como fatores contribuintes na génese das fobias. Outro tipo de condicionamento — 0 operante ~ também tem um importante papel no desenvolvimen- to das fobias especificas, principalmente no que concerne aos aspectos mantenedores desta pa- tologia. 0 condicionamento operante tem pa- pel fundamental na perpetuacao dos compor- tamentos de esquiva fobica, ou seja, os com- portamentos de evitagao do objeto fobico, Considerados em conjunto, o condicionamen- to classico e 0 operante constituem 0 modelo dos dois fatores de Mowrer (1960), 0 qual co- loca o primeiro fator como sendo responsavel pela aquisicaio do medo e o segundo como ten- do um papel na sua perpetuacao. Especificado em detalhes pela primeira vez na literatura pelo psicélogo americano B. F Skinner, 0 conceito de condicionamento ope- rante causou um grande impacto na comuni- dade cientifica ao examinar o papel das conse- qiiéncias sobre 0 comportamento. Conforme Skinner (1998), a probabilidade de emitirmos um determinado comportamento vai variar em funcao das conseqiiéncias que esse teve no passado. Assim, se um comportamento tiver sido reforcado anteriormente, ha um aumento na probabilidade de que ele venha a ser emiti do novamente. O oposto ocorre com 0 com- portamento que é punido, ou seja, ha uma diminuicao em termos da probabilidade de que ele venha a ocorrer no futuro. Retomemos agora 0 caso de Joao, na oca- sido em que foi mordido por um cachorro e passou a desenvolver uma fobia a cies. Con- forme ja colocado, a associagao realizada en- tre 0 objeto fobico (cachorros) e 0 estimulo aversivo incondicionado (ferimento, dor) cabe a0 condicionamento classico, respondente ou pavloviano. Este exemplo também expressou a intensa ansiedade que Joao sentia ao de- parar-se com esses animais e sua conseqiien- te esquiva fobica (por exemplo, nao sait do carro, a menos que nao houvesse nenhum cao por perto) 0 comportamento evitativo permitia que Joao nao experimentasse medo diante do ob- jeto fobico. Podemos dizer, entao, que o refe- rido comportamento operava sobre 0 ambien- te, retirando o estimulo aversivo condiciona- do. Assim, havia um reforgamento negativo da esquiva fobica, na medida em que esta tinha como resultado a nao necessidade de deparar- se com 0 objeto fobico e, como conseqiiéncia, a nao necessidade de experienciar a ansieda- de por ele provocada. 0 termo reforcamento refere-se ao fato de que 0 comportamento de esquiva tornou-se cada vez mais freqiiente, € 0 Terapia Cognitivo-Comportamental na Pratica Psiquidtrica 251 termo negativo, ao fato de que era retirada ou subtraida a experiéncia profundamente desa- gradavel de vivenciar o medo. Esse reforcamen- to negativo, por sua vez, aumentava a proba- bilidade de que o comportamento de evitacao ocorresse novamente, perpetuando a fobia apresentada por Joao. Uma esquematizagao do condicionamento operante ou skinneriano & demonstrada no Quadro 15.1. Um aspecto importante, relativo tanto ao condicionamento classico quanto ao condicio- namento operante, é 0 processo de generaliza- sao. Este consiste no fato de que um mesmo individuo pode responder de forma semelhan- te a varios estimulos diferentes, que guardam entre si alguma relagao, ou seja, hé uma ex- tensao da aprendizagem original a outros con- textos e objetos. 0 fendmeno da generaliza- cao permite a compreensio de quadros fobi- Cos relacionados a objetos com os quais 0 pa- ciente nunca apresentou nenhum tipo de ex- periéncia traumatica ou condicionante e em que, tampouco, desenvolveu o medo a partir de modelos ou informacoes transmitidas. A queixa principal de um paciente fobico pode direcionar-se a um objeto associado a um maior prejuizo funcional para esse individuo, porém 0 mesmo objeto pode ser fruto de um proces- so de generalizacao, nao sendo, portanto, 0 verdadeiro protagonista das vias apontados por Rachman (1977) para a génese das fobias. Ha situacdes nas quais 0 objeto original do condi- cionamento ja foi submetido a dessensibiliza- gio de forma aleatéria, sem tratamento espe- cifico, porém estimulos generalizados ainda persistem, fazendo com que o paciente bus- QUADROIS.1 Reforgamento e puni que auxilio profissional. A nao-identificagao do objeto ou da situacao de origem da fobia, de- vido aos fendmenos descritos, de forma algu- ma impossibilita o tratamento, como veremos mais adiante. Cabe salientar que a “I6gica” que interliga os objetos na generalizacao (cor, for- ma, tamanho do animal, etc.) nem sempre é facilmente perceptivel para o terapeuta e, muitas vezes, nem mesmo para o paciente. No caso de Joao, embora 0 condiciona- mento direto tenha ocorrido com caes, hou- ve uma extensao da aprendizagem de respos- tas fobicas para outros objetos, como, por exemplo, desenhos ou gravuras de cachor- ros em embalagens de produtos, 0 ruido do latido de um cao, ainda que o animal nao fosse visualizado, e programas de TV ou ci- nema que envolvessem cenas com ces, tan- to em filmagens como em desenho anima- do. A intensidade do medo nao é a mesma para todas as situagdes, variando segundo uma escala particular do paciente, que nao necessariamente corresponde a uma presu- mivel ldgica de periculosidade ou intensida- de de exposicao. O fendmeno da generaliza- 40 igualmente amplia o rol de condutas evi- tativas, como, por exemplo, no caso de Joao, que passou a evitar idas ao cinema, assistir a determinados programas de TV, manter as janelas abertas diante de latidos de caes da vizinhanga e, até mesmo, passar em corre- dores de lojas ou supermercados onde esti- vessem expostas embalagens de alimentos ou produtos para caes, com fotos ou dese- nhos dos animais. Esses comportamentos, além de intensificarem 0 prejuizo funcional 10 segundo 0 condicionamento operante POSITIVO, NEGATIVO {acrescenta uma conseqiiéncia) (retira uma conseqiiéncia) REFORCAMENTO (7 freqiiéncia do comportamento) REFORGAMENTO POSITIVO (comportamento reforcado por uma conseqiiéncia agradavel ou recompensadora) REFORGAMENTO NEGATIVO (comportamento reforgado pela retirada de conseqiiéncia desagradavel/aversiva prevista) PUNICAO (1 freqiiéncia do comportamento) PUNIGAO POSITIVA (comportamento punido por uma conseqiiéncia desagradvel ‘ou aversiva) PUNICAO NEGATIVA (comportamento punido pela retirada de conseqiiéncia recompensadora ‘ou agtadvel prevista) 258 Paulo Knapp & colaboradores da fobia, também podem dificultar a avalia- gio diagnéstica e, como veremos adiante, 0 planejamento terapéutico do paciente, so- bretudo diante de um terapeuta que nao es- teja familiarizado com o fendmeno. Existem fatores cognitivos que também favorecem a ndo-extingao dos medos. Entre as distorgdes de processamento informacio- nal, destacam-se aquelas relativas a proces- sos de atencao e julgamento. Em termos dos processos de atencao, hd uma énfase seleti- vamente dirigida para objetos representati- vos de ameaca. Essa atencao focada em ma- terial ameacador facilita que as representa- Ges mentais sejam codificadas em associa- a0 com elevados niveis de ansiedade, difi- cultando posterior questionamento e rees- truturacao cognitivos. Os erros de julgamen- to, por sua vez, fazem com que os pacientes interpretem 0 objeto fdbico como sendo mais perigoso do que realmente é, superes- timando sua associacao com estimulos aver- sivos (Merckelbach et al., 1996). A génese e manutengao das fobias foi explicada, neste capitulo, sob uma perspectiva predominan- temente comportamental. Na terapéutica, a énfase em termos de técnicas psicoterapicas € semelhante, na medida em que as estraté- gias de modificacao dos comportamentos mostram-se efetivamente mais eficazes. Cabe acrescentar que o objetivo da utilizagio de técnicas comportamentais pelo terapeuta de orientacao cognitiva é a modificacao de pro- cessos de pensamento distorcidos, rigidos € predominantes, cuja tinica acessibilidade de questionamento passa por estratégias com- portamentais, em que esquemas mentais sio enfraquecidos a partir do resultado desses experimentos. ASPECTOS TERAPEUTICOS As estratégias de evitacao de Joao tornaram- se altamente disfuncionais apés 0 surgimento do novo emprego. Como 0 terminal de énibus localizava-se a trés quadras do seu local de tra- balho, ele tinha que percorrer um caminho em que os moradores da regido passeavam com seus caes. Isso fez com que Jodo passasse a acordar por volta das cinco horas da manha para chegar ao trabalho muito tempo antes do hordrio de passeio dos animais. Além disso, nao eram raros os latidos que vinham da casa ao lado, provocando sobressaltos que dificultavam sua concentragao em seus afazeres. No caso em questa, a solicitacao de atendimento sé ocorreu em fungao de uma importante mudan- cana vida do paciente (emprego), a qual 0 co- locou em uma posicao de inevitavel e freqiien- te contato com o objeto fébico. A historia do desenvolvimento dos sin- tomas de Joao foi descrita neste capitulo apenas com fins didaticos. Ao avaliar-se um caso de fobia, o detalhamento quanto 4 ori- gem da doenca nao é considerado impres- cindivel. Os fatores etiolégicos especificos sao usualmente dificeis de serem acessados por uma anamnese clinica, seja pelo tempo transcorrido, seja pelo seu inicio insidioso, sem experiéncias marcantes. Cabe relembrar que eventos etiolégicos importantes podem ter-se perdido ot encontrar-se impossibili- tados de evocacao devido a inerente amné- sia relacionada aos primeiros anos de vida. Podem, ainda, ser passiveis de distorcao ou inacessibilidade devido a generalizagao dos sintomas. Uma avaliacao bastante minucio- sa, contudo, deve ser feita com relacao aos fatores mantenedores, uma vez que é sobre estes que a terapia vai atuar. Durante a exposi¢do anteriormente rea- lizada acerca da etiologia das fobias, foi en- fatizado o papel da aprendizagem em sua aquisicao: 0 pressuposto basico da terapéu- tica das fobias especificas é o de que o medo, da mesma forma que é aprendido, pode ser desaprendido. E como se, durante a génese da fobia, houvesse uma aprendizagem em um sentido e, agora, por ocasio da terapia, a aprendizagem devesse ocorrer na direcio contraria, associada a respostas mais adap- tativas (Wolpe, 1961). O tratamento, dessa forma, envolve o contato repetido dos pa- cientes com aquilo que temem até que o medo comece a ceder, quebrando 0 circulo vicioso do reforcamento negative que man- tém os sintomas. A mais importante missao Terapia Cognitivo-Comportamental na Prdtica Psiquidtrica 259 do terapeuta é, portanto, possibilitar ao pa- ciente a exposigao gradual aos objetos ou situagdes que Ihe sao assustadores. A seguir, apresentamos um programa de tratamento de fobia especifica, utilizando a terapia de Joao como exemplo pratico. Motivagao para o tratamento A gravidade de uma fobia pode ser avaliada pelo sofrimento subjetivo imposto ao pacien- te, pela ansiedade antecipatéria diante da sim- ples possibilidade de deparar-se com o objeto temido e pela interferéncia do transtorno fé- bico na sua vida cotidiana, no que tange aos telacionamentos e & capacidade de trabalho ou produtividade. Torna-se importante, como fa- tor motivacional para um tratamento que, ine- xoravelmente, envolve técnicas com algum ca- rater ansiogénico, a observacao por parte do paciente, em conjunto com o terapeuta, dos prejuizos funcionais relacionados ao transtor- no, bem como das mudangas positivas na sua Vida associadas a extingao da fobia. No caso de Joao, solicitou-se a elabora- Gio, durante uma das sessdes iniciais, de um comparativo entre os prejuizos atuais relacio- nados ao transtorno fobico e as possiveis re- percussdes, na sua vida, de uma futura melho- racclinica, Esse comparativo visa pontuar a im- portancia da adesao ao tratamento proposto, bem como avaliar a adequacio das expecta- tivas ou metas do paciente em relacao aos resultados do seu tratamento. Os itens le- vantados podem ser sugeridos, discutidos e/ ou alterados pelo paciente ou pelo terapeu- ta, nas fases iniciais e ao longo da terapia. O Quadro 15.2 apresenta alguns itens da com- paracao situacao atual/situacao desejada no caso de Joao, visando ao reforco da motivagao para o tratamento. Exposigao gradual Wolpe (1961) referiu que, de modo geral, 0 medo poderia ser reduzido e até extinto me- diante a apresentacao concomitante de esti- mulos provocadores de ansidedade (objeto ou situagao fbica) e estimulos geradores de uma resposta contraria a ansiedade (como o relaxa- mento muscular progressivo), desde que a se- gunda fosse mais forte do que a primeira. Para garantir essa disparidade de forcas, o estimu- lo gerador de ansiedade seria apresentado de forma dosada ou gradual, seguindo uma hie- rarquia, que partiria dos objetos ou situagées menos ansiogénicos em direcao aos mais ansi- ogénicos. Esse procedimento, chamado de des- sensibilizagao sistematica, langou as bases prati- cas e tedricas para o desenvolvimento e apri- moramento das atuais terapias baseadas na ex- posicao. O planejamento da exposicao deve passar, portanto, pela elaboracao de uma lista de hierarquias, constituida por uma seqiiéncia ordenada de situagdes fébicas que sera utili- zada para orientar a exposicao. Essa lista é ela- borada pelo paciente, com 0 auxilio do tera- peuta, sendo passivel de modificagées ou adap- tacdes de acordo com o andamento da tera- pia. As situacées inicialmente listadas sero as geradoras de menor dificuldade, reservando- se para o final as situacées aparentemente in- transponiveis para o paciente. Cabe salientar que este pode apresentar alguma dificuldade ‘em quantificar 0 medo relacionado a cada si- tuacao fobica, necessitando de técnicas que favorecam a objetividade da hierarquia. Exis- tem duas formas de quantificacao, sendo que ambas sao precedidas pela listagem indiscri- minada de todas as situagdes temidas imagi- naveis, que posteriormente sero quantifi- cadas em uma escala organizada de intensi- dade. Seguindo esse raciocinio, Jodo e o seu terapeuta elaboraram uma listagem que incluiu um grande ntimero de situacdes geradoras de ansiedade relacionadas a exposicao a caes ou imagens de caes, de forma inicialmente alea- toria. Ao final, o terapeuta repassou com Joao todas as situagdes anotadas e perguntou-lhe se havia mais algum item para ser incluido na listagem. Diante da resposta negativa, o tera- peuta salientou que, caso uma situacao nova fosse lembrada por Joao ao longo do tratamen- to, ela seria prontamente acrescentada & lista, e que eles agora passariam a elaborar a hierar- 260 Paulo Knapp & colaboradores QUADRO 15.2 Comparativo situacao atual/situacdo desejada de Joao Situagao atwal {inicio do tratamento) Situagao desejada (metas do tratamento) = Queda no desempenho profissional provocada pela ansiedade constante — Normalizacao dos deslocamentos — conseguir des- locar-se sem considerar previamente a possibili- dade de encontrar-se com cies pelo caminho sem modificar ou adaptar 0 itinerario — Desgaste fisico e perda de tempo por percorrer caminhos mais longos para desviar de caes = Visualizar imagens, desenhos ow filmagens de cies e ouvir 0s seus latidos sem apresentar rea- es desproporcionais de ansiedade = Desgaste mental por ter que planejar sempre os itinerarios que fara a pé — Retomar as atividades de lazer (esportes, pas- seios, visitas a parques ou pracas piblicas), em que € comum a presenga de caes = Acordar as cinco horas da madrugada para nao encontrar caes no caminho para o trabalho = Voltar a visitar os familiares e amigos que tém caes de estimacao sem impor restrigbes aos mes- mos ou mostrar-se hipervigilante para com os animais — Sustos freqiientes ao ouvir latidos vindos da rua ou vizinhanga = Voltar a acordar no horario habitual, percorrer 0 caminho mais curto para o trabalho e nao mais faltar ou atrasar-se devido a fobia. — Redugio do contato com familiares e amigos que tém caes de estimacdo — empobrecimento da vida social = Iniciar um relacionamento afetivo sem temer a reagio da pessoa quando souber a respeito da sua fobia = Dificuldade de deslocamento em lojas e super- mercados pelo temor de visualizar estampas de caes em embalagens de produtos — Convidar amigos para passeios ou encontros sem temer situages constrangedoras ou comentarios embaracosos a respeito do seu medo = Softer ao assistir filmes em cujas cenas podem aparecer cies — Aproximar-se de cies sabidamente mansos, toc los e acaricia-los bi — Vergonha dos familiares e amigos que sabem a respeito da sua fobia e presenciam ou tém que colaborar com suas condutas evitativas — Vergonha da estranheza que causa em pessoas desconhecidas ou colegas que presenciam as suas reagdes de temor e evitacao quia dessas situagdes, da menos temida para a mais temida. A primeira forma de mensuracao da in- tensidade dos estimulos fébicos consiste na separacao das situagées, por parte do pacien- te, em trés grupos: as de baixa intensidade (bai- xa capacidade ansiogénica), as de média inter sidade (média capacidade ansiogénica) e as de alta intensidade (alta capacidade ansiogénica). Essa separacao é feita sob a orientacao do te- rapeuta, e, uma vez concluida, os trés grupos de situagdes devem ser revistos, verificando- se a possibilidade de alguma modificagao. Apés, cada grupo ¢ avaliado independentemen- te, comecando pelo de baixa intensidade, clas- sificando-se dentro de cada grupo as situacoes em ordem crescente de intensidade (da me- nos ansiogénica para a mais ansiogénica). Ao terminar esse ordenamento, o paciente tera tras niveis de dificuldade de exposicao, com uma seqiiéncia preestabelecida dentro de cada nivel, iniciando pela situac4o menos an- siogénica do nivel de baixa intensidade (pri- meiro nivel) e terminando na situagdo mais ansiogénica do grupo de alta intensidade (terceiro nivel). Terapia Cognitivo-Comportamental na Pratica Psiquidtrica 264 A segunda forma de quantificacao das si- tuacdes fobicas prescinde da seguinte tarefa, ealizada durante a sessao: pede-se ao pacien- te que imagine uma situagdo em que esta ab- solutamente calmo, sem nenhuma proximida- de de qualquer objeto fobico e nenhum sinal de medo ou ansiedade. Essa situacao é defini- da como “ansiedade 0”. A seguir, pede-se que imagine uma situagao em que esta exposto de forma intensa ao estimulo fobico mais amea- ador, prestes a desenvolver um verdadeiro ata- que de panico. Essa é a “ansiedade 10”. Apés a definicdo desses dois extremos de ansiedade (0a 10), pede-se para o paciente quantificar em ntimeros as demais situagdes, de acordo ‘com sua proximidade com os extremos. Pode- se, ainda, definir uma situacao intermedidria como “ansiedade 5”, servindo como parame- tro do nivel médio de ansiedade. Durante a quantificagio dos objetos da listagem, 0 pa- ciente pode apresentar diividas, dar notas se- melhantes a duas ou mais situagdes ou mes- mo corrigir valores associados a um item. Dian- te disso, o terapeuta deve retornar a esses itens apés o término da quantificacao, auxiliando 0 paciente a reavalid-los e separd-los de forma que nao fiquem sobrepostos, mesmo que se torne necessdria a utilizagao de ntimeros deci- mais (por exemplo, trés situagdes que foram classificadas inicialmente pelo paciente com 0 niimero 8, apos a reavaliagao receberam as notas 8,1; 8,2 e 8,3 na escala de ansiedade, para que fosse possivel a definicdo de uma fu- tura seqiiéncia de exposicao). Devemos consi- derar que a utilizacdo desses parametros nu- méricos constitui-se numa aproximacao da rea- lidade, na tentativa de auxiliar 0 paciente a mensurar os seus temores de uma forma mini- mamente compreensivel, bem como organizar uma graduacio de exposicao o mais adequada possivel, ainda que os eventos da vida do pa- ciente possam nao corresponder & escala pre- viamente estabelecida, proporcionando uma exposi¢ao involuntaria. Uma terceira forma de mensuracao das situagdes fobicas envolve uma combinacao das duas ja citadas (divisio em grupos seguida de quantificacao numérica), mas pode ser consi- derada excessivamente especifica. Vale lembrar que a classificacao deve respeitar a ansiedade desencadeada no paciente, o que nem sempre corresponde ao senso comum ou a légica do terapeuta. A Tabela 15.1 apresenta a lista con- tendo a hierarquia das situagdes fobicas apre- sentadas pelo paciente Joao, com a respectiva quantificagao numérica do nivel de ansiedade correspondente a cada situacao. ‘A énfase do tratamento, como jé foi de- monstrado, consiste na aquisicao, por parte dos pacientes, de confianga para o enfrenta- mento daquilo que é evitado. Normalmente os pacientes sio tratados em sessdes semanais, nas quais sio revistas a evolucao do tratamen- to, 0s progressos e as dificuldades, sendo tam- bém planejadas as tarefas de casa, que envol- vem os proximos itens da hierarquia. Durante a exposic¢do, o paciente deve permanecer na situago de contato ou proximidade com 0 objeto fobico até que a ansiedade apresente uma reducio significativa. O ideal é que a dessensibilizagao alcance uma redugao de pelo menos 50% no nivel de ansiedade ini- cial em cada sessao ou experimento compor- tamental. 0 paciente pode ser encorajado a aproximar-se gradativamente do objeto, mantendo uma determinada distancia pelo tempo necessdrio para que a ansiedade di- minua e, s6 entao, avangando mais uma eta- pa na direcao desse objeto. Modelagao Nas fases iniciais do tratamento, o terapeuta pode acompanhar o paciente na exposicao, técnica chamada de modelagdo e proposta por Bandura (1979). Este principio envolve o apren- dizado de novas respostas, incorporadas ao repertério do paciente pela observacao do comportamento e das reagdes emocionais do modelo (no caso, 0 terapeuta). Além da apren- dizagem vicaria, a modelagao também pode reforcar respostas preexistentes adequadas ou inibir respostas disfuncionais, em um proces- so de condicionamento operante. 0 modelo em questao nao se constitui necessariamente no terapeuta, mas pode se tratar de um fami- liar, adequadamente inserido no contexto te- 262. Paulo Knapp & colaboradores TABELA 15.1 Hierarquia das situa SITUAGAO 1es fbicas do paciente Joao ESCALA DE AVALIAGAO 0-10 ~ Assistir a desenhos animados que apresentem ces 2 ~ Assistir a filmes que apresentem caes 24 ~ Visualizar fotos em livros sobre diferentes racas de cies 22 ~ Ouvir atentamente os latidos dos caes da vizinhanca durante a noite 3 ~ Observar a prateleira de produtos para cies no supermercado s — Manusear os mesmos produtos, olhando atentamente para os rétulos que contenham figuras 5A ~ Visitar um familiar que tenha cdes e ficar em uma peca da casa, sabendo que os cies estao na peca ao lado, soltos 6 ~ Observar, na casa do familiar, 0 co em uma peca ao lado, preso, com a porta aberta 61 ~ Permanecer no mesmo ambiente com o co preso, na companhia de um familiar 7 ~ Permanecer no mesmo ambiente com 0 cio preso, sem a companhia do familiar 8 ~ Jogar alimento para 0 cao preso 81 ~ Alcangar alimento para 0 cdo preso 82 = Aproximar-se do cdo preso, enquanto o familiar 0 acaricia 83 = Acariciar 0 cao preso, na companhia do familiar 9 ~ Permanecer no mesmo ambiente com 0 cao solto, na companhia do familiar 91 — Permanecer no mesmo ambiente com 0 cao solto, sem a companhia do familiar 92 — Alimentar e acariciar 0 co solto, sem a presenga do familiar 93 — Ter contato com outros cies que pertencam a amigos, na presenga dos donos 94 ~ Pedir informagdes para as pessoas que passeiam com seus ces no caminho para o trabalho 95 ~ Caminhar por um parque onde varias pessoas caminham acompanhadas de seus cies 96 ~ Visitar uma feira de filhotes, segurando e acariciando varios filhotes de caes 97 = Visitar um canil, observando e acariciando caes adultos 10 rapéutico, informado e minimamente treina- do. Retornando ao caso que ilustra este capi- tulo, 0 contato de Joao com o cachorro pode- ria ser precedido do contato do familiar com 0 cao e do encorajamento do paciente, por par- te desse familiar, para que fizesse 0 mesmo. A modelacao, entretanto, deve ser utilizada como uma etapa do processo de exposicao, visando proporcionar ao paciente experiéncias iniciais de sucesso, motivadoras para novas etapas do tratamento. A presenca do modelo deve ser interrompida muito antes do término da tera- pia, pois o paciente somente ira adquirir uma confianca auténoma e estavel mediante a ex- posicao individual. Um paciente nao se encon- tra em condiges de alta ao apresentar niveis reduzidos de ansiedade durante a dessensibi- lizacao na presenca de um modelo, visto que este pode ser a verdadeira razao para a queda nos niveis ansiogénicos. A saida do modelo pode ser igualmente gradual, em meio ao pro- cesso de exposicao. Exposigaio imagindria Existem situagdes ou objetos fobicos que dificul- tam sobremaneira a exposigao ao vivo, como, por exemplo, as fobias de avido, de tempestades ou de vomitos. Nesses casos, faz-se necessaria a cha- mada exposigdo imagindria. O procedimento en- volve a imaginacao, por parte do paciente, de um item da hierarquia, enquanto estiver sob re- laxamento muscular progressivo (vide a seguir). O item deve ser imaginado com intensidade e detalhamento suficientes para gerar ansiedade, persistindo até o declinio deste sentimento, quan- do entao sera imaginado o préximo item. Fre- giientemente este exercicio € orientado pelo te- rapeuta, que pode conduzir verbalmente o rela- xamento muscular e descrever a cena que deve ser imaginada, nas sess6es iniciais. Amedida que o paciente adquire a sistematica do procedimen- to, 0s exercicios de exposicao imaginaria podem ser realizados em casa, diariamente, durante um determinado periodo. Quando possivel, a expo- Terapia Cognitivo-Comportamental na Prdtica Psiquidtrica 263 sigao imagindria deve ser combinada a exposi- Gao real, como, por exemplo, em uma fobia de avido: 0 paciente pode imaginar-se em varias si- tuacdes relacionadas ao objeto antes de freqiien- tar um aeroporto, visitar um aviao estacionado em um hangar e, finalmente, realizar uma via- gem. No caso de Jodo, a exposicao imagindria poderia constar nos primeiros itens da hierarquia e ser realizada no consult6rio sob orientacao do terapeuta; o paciente iria criar imagens mentais nas quais interagisse com ces, de forma gradual- mente mais proxima, Muitos pacientes apresen- tam reagdes fisioldgicas tipicas de ansiedade bastante intensas durante a exposicao imagind- tia, contrapostas pelo relaxamento muscular pro- gressivo. Hiperexposigao Alguns autores sugerem, na fase final da hie- rarquia do tratamento, a realizacao de tarefas de exposicaio que vao além do contato usual de uma pessoa com 0 objeto ou situacao fobi- os, sendo este procedimento conhecido como hiperexposicao, Esta abordagem faz com que © paciente ultrapasse o nivel de contato da maioria das pessoas com 0 objeto, visando a uma reducao ainda mais significativa do temor itracional e uma prevencao da recorréncia aps 0 término da terapia. A hiperexposicao é prece- dida de toda a hierarquia de exposicao, ou seja, 6 reservada para a fase de pré-alta, no momento em que o paciente encontra-se teoricamente pre- parado para esse enfrentamento. No caso de Joo, ele seria encorajado a auxiliar na higiene e nos cuidados estéticos de caes, algo que mesmo as pessoas nao-fébicas dificilmente fazem. Utilizan- do 0 exemplo de uma fobia de insetos, os pa- ientes podem tocar ou manipular o inseto vivo, algo igualmente inusitado para a maioria das Pessoas, mas que funcionaria como uma des- sensibilizacao extrema. Inundagao Esta técnica consiste em expor o paciente, no meio do tratamento, ao objeto fdbico em in tensidade maxima e por um periodo prolonga- do, sem possibilidade de utilizagao de estraté- gias evitativas, No caso de Joao, seria como colocé-lo imediatamente, ou seja, desconside- rando uma lista de hierarquias, em contato préximo com um ou mais caes (tendo que toca- los), durante um longo periodo, sem possibili- dade de fuga. Esta técnica é considerada como de efeito mais rapido, obviamente, quando comparada & dessensibilizacao sistematica, porém submete o sujeito a um nivel extremo de ansiedade durante o procedimento, razio pela qual pode desencadear efeitos indese- javeis ou nao ser aceita pelo paciente, sen- do, portanto, reservada para casos singula- Tes, em que a exposicao gradual € inoportu- na ou ineficaz. Aspectos cognitivos Embora a énfase do tratamento das fobias en- volva a aplicacao de técnicas de cunho com- portamental, a consideracao de aspectos cog- nitivos é de fundamental importancia para a compreensao, adesio e manutencao da tera- pia por parte do paciente. Como ja foi desta- cado anteriormente, aspectos motivacionais ¢ fatores mantenedores interferem significativa- mente na evolucao do tratamento. Processos cognitivos que devem ser abordados e ques- tionados dizem respeito as representacdes mentais associadas a periculosidade do esti- mulo fébico e a efetividade do tratamento. A explicagaio do modelo cognitivo-comportamen- tal da fobia especifica é essencial para a com- preensao, por parte do paciente, do sentido e da finalidade das técnicas utilizadas, favorecen- do a adesao as mesmas. As metas a serem atin- gidas (resolucao dos sintomas, duragao da te- rapia) devem ser coerentes com a realidade e passiveis de ajuste de acordo com a evolucao. Otrabalho em equipe e a participacao ativa do paciente devem ser devidamente enfatizados. Aavaliagao da capacidade do paciente de sub- meter-se as tarefas também merece atencio especial, como fonte permanente de pensa- mentos automaticos distorcidos que podem resultar em sentimentos negativos e/ou com- 264 Paulo Knapp & colaboradores portamentos de “boicote” ao tratamento pro- posto. Outro aspecto importante é a avaliacao racional do papel da fobia na vida do paciente, ou seja, se existem fatores que favorecem a convivéncia com a fobia e desfavorecem a sua extingao. Um exemplo disso é a autonomia adquirida pelo paciente a partir do momento em que a fobia deixa de existir, ou a interfe- réncia dessa nova realidade em relacionamen- tos dependentes previamente estabelecidos. Tentativas anteriores de enfrentamento malsu- cedidas podem levar ao descrédito em relacio ao tratamento, fazendo-se necessaria a avalia- Gao das possiveis razes para o mau resultado, como a auséncia de acompanhamento psico- terépico, exposigao nao-gradual, irregularida- de dos enfrentamentos, etc. Percebe-se, por- tanto, que, a despeito da énfase comportamen- tal presente nas técnicas utilizadas no progra- ma de tratamento, a nao abordagem dos as- pectos cognitivos associados pode inviabilizar 0 processo terapéutico. Relaxamento aplicado Orelaxamento muscular ¢ utilizado como uma importante estratégia de controle das reacbes de ansiedade que assolam os pacientes fobi- cos durante as situagdes de exposicao. Exis- tem, sabidamente, trés componentes distintos ptesentes no humor ansioso: um componente cognitivo, formado por pensamentos negativos a respeito da situacao, como: “Nao sei enfren- “Nao vou agilentar” ou “Vou desmaiar” tar”, um componente fisiolégico, relacionado ao pre- dominio da fragao simpatica do sistema ner- voso auténomo, desencadeando reagdes como taquicardia, sudorese, tremores e tensao mus- cular; e um componente comportamental, carac- terizado pela fuga ou pela conduta evitativa. A importancia de cada componente apresenta va- riagdes individuais, mas o que se observa é que as reagGes fisiolégicas e os pensamentos ne- gativos retroalimentam-se mutuamente, geran- do um comportamento de fuga ou, quando este nao é praticdvel, um intenso sofrimento para © paciente, que pode resultar em um ataque de panico, experiéncia ainda mais softivel. A alternativa para quebrar esse circulo vicioso, além do escalonamento da exposicao, ja des- crito, envolve igualmente o controle sobre a reacao fisiolégica. Nesse ponto entra a apren- dizagem do relaxamento aplicado (Ost, 1987), que permite ao individuo relaxar em quaisquer condicdes ou locais, diante de uma situagao deflagradora de ansiedade; esta estratégia deve ser aplicada a partir dos sinais ansiogénicos mais precoces, ampliando, dessa forma, sua eficdcia. Existe literatura especifica sobre 0 relaxamento aplicado, como o relaxamento progressivo proposto por Jacobson (1938), 0 qual deve ser tema de estudo do terapeuta cog- nitivo-comportamental. Tensao aplicada Esta técnica € utilizada primordialmente no tratamento da fobia de sangue/injecao/ferimen- tos, na qual hé um padrao reacional atipico diante do contato com 0 objeto fobico. Nesse caso, 0 aumento da freqiiéncia cardiaca e da pressao arterial é imediatamente seguido de um “reflexo vagal”, caracterizado pela redugao abrupta desses sinais vitais, levando & hipoten- sio, bradicardia e sudorese, normalmente se- guidas pelo desmaio. O tratamento desses pa- cientes envolve a utilizacao do tensionamento de grupos musculares dos membros e do tron- co, que sao contraidos mas nio relaxados, 0 que visa impedir a queda significativa da pres- sao arterial e 0 conseqiiente desmaio. Esse aprendizado envolve a identificagao precoce dos primeiros sinais de queda tensional que precede a sincope e a aplicagao imediata da téc- nica, o que pode ser realizado por meio de uma exposicao gradual orientada pelo terapeuta. ‘Tratamento farmacolégico Apesar do reduzido mimero de ensaios com- parativos, pode-se afirmar que os medicamen- tos ansioliticos e antidepressivos nao apresen- tam um beneficio significativo e estavel a lon- go prazo para o tratamento das fobias especi- ficas. A utilizagao de benzodiazepinicos, como Terapia Cognitivo-Comportamental na Prdtica Psiquidtrica 285 o diazepam, embora apresente efeitos ansiol ticos a curto prazo, deve ser evitada, pois tai farmacos reduzem a resposta terapéutica ao tratamento de exposigao (Sartory, 1983). Exis- teainda, nesse caso, 0 risco do desenvolvimen- to de dependéncia associada a essa classe de psicofirmacos, 0 que transformaria um elemen- to primariamente terapéutico em uma co-mor- bidade. Além disso, o fato de ter sua ansieda- de quimicamente controlada pelo benzodiaze- pinico pode, pelo condicionamento operante, evar o paciente a incluir o seu consumo no tol de estratégias evitativas utilizadas diante do estimulo fobico, descaracterizando o enfren- tamento. Mais recentemente, o uso de antidepres- sivos inibidores seletivos da recaptacao da se- Totonina, como a paroxetina, tem sido consi- derado uma opcao (Benjamin et al., 2000). Sua eficacia, entretanto, ainda nao estd estabeleci- da para este transtorno. Estratégias de manutengao Tendo como base um dos pressupostos da te- rapia cognitivo-comportamental,, de que o pa- ciente, no futuro, deve adquirir confianca para enfrentar suas dificuldades de modo indepen dente, o terapeuta deve pontuar, desde o ini- cio do tratamento, as causas da melhora apre- sentada ao longo do processo terapéutico. Cada experiéncia de sucesso obtida deve re- forcar a premissa de que a fobia especifica pode ser reduzida pela aproximagao do objeto fobi- co, € no por sua evitacao. Sendo assim, a manutencao dos resultados obtidos passa, ne- cessariamente, pela exposicao intermitente apds a alta do tratamento, ou seja, 0 paciente des- sensibilizado deve, ainda que de forma volun- taria, entrar em contato com o objeto fébico regularmente, prevenindo, dessa forma, a re- corréncia dos sintomas. Voltando ao caso de Joao, este seria encorajado a fazer visitas re- gulares a amigos ou familiares que tenham cies de estimagao e interagir com os animais, aca- riciando-os e alimentando-os. Sessdes de acompanhamento, com intervalos mais longos (por exemplo, apds trés ou seis meses), ser- vem para avaliar a evolucao e manter 0 pacien- te motivado apés a interrupcao dos encontros mais freqiientes. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ‘APA, AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual, diagndstico e estatistico de transtornos mentais: DSM- IV-TR. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. BANDURA, A. Modificagdo do comportamento. Rio de Ja- neiro: Interamericana, 1979. Original publicado em 1969. BARLOW, D.X\. Anxiety and its disorders. New York: Guil- ford, 1988. BAUM, W. Compreender 0 behaviorismo. Porto Alegre: Artmed, 1999, BENJAMIN, J. et al. Double-blind placebo-controlled pilot study of paroxetine for specific phobia. Psychopharmacology, v.149, n.2, p. 194-6, 2000. BUTLER, G. Distiirbios fobicos. 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