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à E EXTENSÃO
Ã
SOCIOAMBIENTAL
Caderno Técnico do IPÊ – Instituto de Pesquisas
q Ecológicas
g
• COMENTÁRIOS DO LEITOR
Presidente
Suzana Pádua
Diretor Executivo
Ed d Ditt
Eduardo Di
Diretor Científico
Claudio Valladares Pádua
Conselho Editorial
Oscar Sarcinelli
Thiago Mota Cardoso
Humberto Zontini
ARTIGOS
COMENTÁRIOS DO LEITOR
EVENTOS
SUGESTÃO DE LEITURA
Caderno do Grupo de Educação e Extensão Socioambiental, Ano 1, n.1, Abril de 2009.
ARTIGOS
RESUMO
O IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas é uma ONG que atua desde 1995 no Parque Nacional do Superagüi,
localizado no litoral norte do Paraná. No inicio, suas ações eram voltadas apenas para pesquisa do mico-leão-de-
cara-preta (Leontopithecus caissara), mas com o passar dos anos, o IPÊ começou a desenvolver ações no âmbito
comunitário e de gestão de recursos naturais. Mas será que estas ações contemplam as diretrizes do Plano Nacional
de Gerenciamento Costeiro? E os resultados obtidos estão enquadrados nos resultados esperados para o
Gerenciamento Costeiro? Este trabalho é uma reflexão que tem por objetivo avaliar as ações do IPÊ no PARNA
Superagüi sob a ótica do Gerenciamento Costeiro Integrado e propor ajustes no modelo conceitual adotado pela
instituição nesta região.
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perderam mercado para outras regiões. Nos Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba
anos 60, a situação se agravou com a chegada com 313.484 ha. Em 1989 e ampliado em
de grupos madeireiros e comerciais, 1997, foi criado o Parque Nacional do
destinados à exploração de madeira e palmito Superagüi, que possui hoje 34.254 ha e tem
e a criação de búfalos. Sem compromisso real como objetivo preservar áreas de Mata
com o desenvolvimento econômico e social, Atlântica, planícies aluviais, restinga,
tais atividades intensificaram a ocupação manguezais, praias e dunas, bem como a
territorial e os conflitos de uso pela terra, existência de duas espécies endêmicas: o
desapropriando a população local e mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus
acentuando a pobreza na região. Essas caissara) e o papagaio-de-cara-roxa
práticas contribuem para o desaparecimento (Amazona brasiliensis).
da atividade agrícola em comunidades
ribeirinhas e a migração de agricultores para Apesar de alcançar o objetivo principal de
as comunidades estuarinas, para se tornarem resguardar os últimos remanescentes
pescadores (MIGUEL, 1997; contínuos de Mata Atlântica do sul do país e
ANDRIGUETTO-FILHO, 2003). sua fauna associada, as novas Unidades de
Conservação se tornaram mais um obstáculo
Neste contexto, a pesca entra em crise em para as comunidades locais, pois sua
decorrência da superexploração dos recursos legislação é incompatível com as práticas
pesqueiros. A pesca industrial, predatória e tradicionais (MIGUEL, 1997). Conforme o
ilegal, vinda de outros estados assim como o Sistema Nacional de Unidades de
aumento do número de pescadores, antes Conservação e a Lei de Crimes Ambientais
agricultores, e a falta de ordenamento ficam proibidos a retirada de madeira, corte
pesqueiro fazem reduzir os estoques que raso de floresta para roça e a caça em áreas
abasteciam as comunidades tradicionais de protegidas, tudo o que as comunidades
pescadores artesanais (ROUGELLE, 1993). tradicionais faziam para sua sobrevivência.
Apesar das grandes dificuldades econômicas e Cabe ressaltar que o método tradicional para a
sociais, o município possui uma das maiores criação de Unidades de Conservação
porcentagens de cobertura florestal do Estado desenvolvido pelo Ministério do Meio
do Paraná, considerada como um dos cinco Ambiente, estabelece estas áreas sem a
ecossistemas costeiros mais notáveis do globo participação da população local, não incluindo
terrestre e considerada a terceira floresta seus modos de uso e técnicas tradicionais de
tropical mais ameaçada (PRIMACK, 1993). produção, restringindo assim o acesso aos
recursos naturais terrestres necessários à suas
Com o objetivo de frear tais atividades atividades produtivas e de subsistência.
degradantes ao meio ambiente iniciou na
década de 80, um movimento de criação de 3. A região do Parque Nacional do
Unidades de Conservação na região. A Superagüi
primeira a ser criada em 1982 foi a Estação
Ecológica (ESEC) de Guaraqueçaba com
cerca de 4.834 ha. Em 1985, englobando a
ESEC de Guaraqueçaba, foi criada a Área de
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O Parque é formado por quatro ilhas bem Em toda a sua extensão, o Parque Nacional do
como por uma parte continental, que abrange Superagüi está cercado por pequenas baias
o Vale do Rio dos Patos, totalizando 34.254 que fazem parte de um complexo de baias
ha (Figura 01). Na ilha das Peças e do interligadas, chamado Complexo Estuarino
Superagüi existem onze comunidades que se Paranaguá. A existência desse estuário na
dedicam primordialmente à pesca. A região tem grande importância ecológica e
população atual das duas Ilhas é de econômica, pois recebem o aporte de água
aproximadamente 2.000 habitantes. São doce vinda dos continentes trazendo inúmeros
denominados “caiçaras”, possuidores de uma nutrientes orgânicos. Esses nutrientes sofrem
rica identidade cultural; resultado das um processo de ciclagem nos estuários
interações com a natureza e da mistura de juntamente com outros nutrientes ali
grupos indígenas e colonizadores europeus.
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conflitantes, ocorrendo multas do IBAMA outros dois, com ações específicas para cada
para a comunidade, porem tem um papel um. Para dar foco dentro do tema de
importante para a segurança alimentar dessas Gerenciamento Costeiro, serão analisadas as
famílias. ações desenvolvidas dentro do Projeto Manejo
de Pesca e Maricultura diferenciando
Ainda dentro da atividade pesqueira, existe atividades que são desenvolvidas no âmbito
um conflito entre os pescadores e a Colônia de do Projeto de Educação Ambiental.
Pesca de Guaraqueçaba. Teoricamente, a
Colônia é a representante de classe dos O Projeto Manejo de Pesca e Maricultura,
pescadores, porem existe em Guaraqueçaba como o próprio nome já diz, têm duas
casos de corrupção e falta de apoio aos principais linhas que se integram: Manejo de
pescadores, apoio este que reflete em outros pesca e Maricultura. A linha maricultura tem
conflitos. como objetivo desenvolver a maricultura
como prática econômica sustentável,
Outro conflito existente no Parque é a falta de promovendo a melhoria da qualidade de vida
transparência da Prefeitura Municipal para os das comunidades. A linha Manejo de Pesca
moradores das comunidades, principalmente tem como objetivo promover a gestão
no que diz respeito ao uso do ICMS Ecológico participativa da pesca, visando o ordenamento
proveniente da existência do PARNA. As pesqueiro regional, de forma a resguardar os
comunidades têm um ônus econômico pela recursos marinhos, a economia local e a
existência do PARNA, o que deveria ser riqueza cultural relacionada à pesca. A opção
recompensado pela Prefeitura utilizando esse de promover a gestão de forma participativa
recurso em obras de infra-estrutura, saúde e foi do IPÊ, pois a instituição acredita que só
educação para as comunidades o que não assim a gestão é efetiva e realista. A equipe
ocorre. chegou nessa conclusão quando percebeu que
era importante os usuários do recurso fazerem
Descrição da ação de GERCO parte dessa gestão e, que projetos de gestão
pesqueira bem sucedidos tinham a mesma
Como vimos anteriormente, as ações do IPÊ filosofia: gestão participativa. Assumindo que
no Paraná se concentram na região do essa linha tem maior relação com o
PARNA Superagüi e estão divididas em três Gerenciamento Costeiro, pois a gestão da
projetos: Projeto de Conservação do mico- pesca faz parte dele, serão discutidas suas
leão-de-cara-preta, Projeto de Educação ações sobre a ótica do Gerenciamento
Ambiental e Projeto Manejo de Pesca e Costeiro Integrado.
Maricultura. O primeiro não se enquadra
como um projeto de Gerenciamento Costeiro, Em busca de uma gestão participativa
pois foca suas ações na conservação do pesqueira o IPÊ desenvolveu ações nos
primata ameaçado. O papel de gerenciar as campos da pesquisa, extensão/educação,
atividades potencialmente impactantes ao organização comunitária e fóruns
mico está sendo desenvolvido pelas atividades participativos. Na pesquisa as atividades se
dos outros dois projetos, ponto este que focaram no monitoramento do desembarque
caracteriza a integração entre eles. pesqueiro na Vila das Peças e Barra do
Superagüi no período de novembro de 2001 a
O projeto de Educação Ambiental, além de ser março de 2005; no acompanhamento mensal
um projeto independente, está contido nos da população de camarão-sete-barbas através
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RESUMO
O objetivo principal deste trabalho é apresentar a metodologia utilizada e resultados parciais do mapeamento
das cadeias de produtos e serviços da sociobiodiversidade na região do baixo rio Negro. Os produtos e serviços
da sociobiodiversidade são gerados à partir da apropriação dos recursos naturais pelos povos tradicionais e
asseguram a manutenção e a valorização de seus laços sociais, suas práticas e saberes. Acreditamos que a
especificidade da forma de produção destes produtos seja seu grande diferencial de mercado e que o incentivo,
o fortalecimento e a valorização destas cadeias produtivas representam uma oportunidade real de
desenvolvimento econômico e conservação in situ da biodiversidade para a região.
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Observamos em campo que muitas das A coleta dos dados primários foi
informações gerais sobre a região, suas direcionada ao mapeamento e
características físicas, biodiversidade e espacialização das iniciativas de produção
povos já haviam sido diagnosticados por comunitária. O objetivo princiapl desta
diversas instituições e pesquisadores e, atividade foi identificar os produtos e
sendo assim, sair a campo para coletar serviços da sociobiodiversidade na região, a
novamente estes dados seria inviável tanto forma de apropriação dos recursos naturais
em termos de tempo como também em pelas comunidades e as formas de
termos de recursos. comercialização destes produtos e serviços.
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FIGURA 2: Abrangência da área de coleta dos dados FIGURA 2 – Janela de visualização do ArcGis 9.2
primários com destaque para a tabela de atributos do shape
“comunidades”.
Os dados coletados nos diálogos com os
atores locais foram posteriormente 2.3. Apresentação, discussão e validação
analisados e lançados em uma matriz que dos resultados em plenária
cruza as iniciativas/atividades produtivas
com as comunidades que as desenvolvem. A terceira etapa, a ser realizada ainda no
Todos os entrevistados são incentivados a primeiro semestre de 2009, será uma
relatar as iniciativas/atividades produtivas apresentação em plenária dos resultados do
que reconhecem como sendo importantes mapeamento dos produtos da
para a sua própria comunidade, mas também sociobiodiversidade da região e contará com
para as comunidades do entorno. a aprticipação dos diferentes atores
envolvidos no processo de criação do
Mosaico.
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A realização de oficina tem como objetivo que acompanham a cheia e a seca, amplia
principal apresentar os resultados do assim a diversidade de produtos da
projeto, validá-los junto aos principais sociobiodiversidade e torna as relações
interessados, inserir informações relevantes sociais de produção mais complexas.
que tenham eventualmente ficado de fora do
plano e, de forma participativa, propor as A pluriatividade dos agentes econômicos se
estratégias de implementação do referido inter-relaciona a uma complexa rede de
plano. O resulado esperado para esta oficina relações socioculturais de trocas de saberes,
será o apoio e o envolvimento dos atores de saber-fazer, de trabalhos coletivos
sociais do Mosaico do baixo rio Negro nas comunitários e de trocas de produtos,
estratégias de implementação do plano. informações e conhecimentos. Os resultados
da inter-relação social entre as formas de
3. RESULTADOS PARCIAIS DO produção e a cultura tradicional moldam
MAPEAMENTO redes sociais de produção pouco
segmentadas, relativamente curtas e com um
Na região do baixo rio Negro as cadeias de alto nível de interdependência entre si
produtos e serviços da sociobiodiversidade através das trocas e comercialização intra-
caracterizam-se por ser curtas e, ao mesmo comunidades e das comunidades com os
tempo, formadas por redes socioculturais intermediários (denominados na região
muito complexas. O encurtamento das como “aviadores” ou “regatões”).
cadeias pode ser explicado pela baixa
especialização dos agentes produtivos e pelo Esta região beneficia-se ainda pela relativa
baixo nível de processamento de seus proximidade da cidade de Manaus, principal
produtos. Nesta região, a maioria dos centro consumidor da região, e pela
produtos comunitários é comercializada in existência de outras cidades menores como
natura passando apenas por processos o município de Barcelos (localizada ao norte
simples de coleta, seleção, limpeza e da região), de Novo Airão (ao centro) e de
beneficiamento básico, como é caso da Iranduba e Manacapuru (ao sul). A
retirada de óleos, fibras, cipós e coleta de proximidade dos centros consumidores
frutas das plantas e árvores da região. exerce grande pressão sobre as atividades
produtivas na região, a final são quase dois
O segmento produtivo é composto por milhões de consumidores. De forma geral,
agentes pluriativos que se dedicam a um esta proximidade dos mercados
grande número de atividades e à produção consumidores apresenta vantagens e
de uma significativa diversidade de desvantagens para o desenvolvimento da
produtos. Nestas condições são os próprios região. As vantagens relacionam-se
comunitários os responsáveis pela coleta, principalmente com a certeza de acesso a
pesca, caça e/ou cultivo de plantas e erva mercados para os produtos do baixo rio
medicinais, seu beneficiamento, Negro, mas, por outro lado, também
processamento, comercialização e, em estimula a produção/extração de produtos
alguns casos, até mesmo pela distribuição ilegais, como é o caso do extrativismo
aos mercados consumidores. Esta madeiro, da caça e da mineração.
característica, de pluriatividade, representa
uma estratégia de sobrevivência das famílias De forma geral, a economia dos povos
nos diferentes ciclos sazonais de produção tradicionais da região do baixo rio Negro se
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As relações de troca entre comunitários, Nota-se uma grande influência deste modo
comunidades e comerciantes se dão quase típico de vida sobre as atividades
que totalmente sem a mediação da moeda, econômicas estabelecidas na região. O
num sistema de dádivas. As trocas e saber-fazer e as formas de acesso, manejo e
doações geralmente são entre gêneros exploração dos recursos naturais locais
alimentícios (produtos agrícolas e do obedecem a saberes e técnicas de produção
extrativismo florestal) por bens alimentícios tradicionais idealizadas com baixo
processados em outras comunidades, por investimento de capital, baixa produtividade
bens básicos provenientes das cidades e pequena escala produtiva, mas respeitando
(bens/produtos de necessidade básica) e, por os ciclos ecológicos e a sazonalidade da
equipamentos destinados a facilitar o produção.
trabalho dos comunitários no interior.
Como não poderia ser diferente, a população
Na região a flutuação no nível da água do residente nesta região tem na pesca uma de
rio Negro dirige o funcionamento ecológico- suas principais atividades socioculturais,
produtivo de todo o sistema, ou seja, durante estando integrada a agricultura de coivara, a
o período de cheia a capacidade de pesca é caça e ao extrativismo vegetal, como fontes
reduzida então as atividades agrícolas e fundamentais de recursos alimentares e
extrativistas prevalecem. No período de medicinais. A pesca representa a melhor
seca, a capacidade de pesca das populações fonte de obtenção de proteína animal nas
aumenta e então as atividades extrativistas e bacias de água preta, rendendo mais por
agrícolas são reduzidas. hora aplicada do que a caça na maioria dos
casos documentados na Amazônia.
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Pesca
Artesanat 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Madeira o em
Abacaxi Arumã subsistên
laminada fibras e
cia
sementes Planejar um modelo de desenvolvimento
Artesanat
Açaí
Pau -
Buriti
Pesca
o em
local socialmente justo e ecologicamente
escora comercial
cerâmica sustentável para a região do Mosaico do
Banana Castanha Peixes Comidas baixo rio Negro significa mais que
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Kauê Cachuba de Abreu; Daniel Mandric Mellek; Fernando Lima; Laury Cullen Jr.
cachubaabreu@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados parciais do trabalho realizado pelo IPE, em parceria
com o LABCEAS, na região dos remanescentes florestais do alto Rio Paraná. Este projeto busca, ao mesmo tempo,
informações sobre as ocorrências de ataques dos grandes felinos em rebanhos de animais domésticos e intervir nos
conflitos entre as atividades agropecuárias vs manutenção de carnívoros silvestres. Espera-se promover, através das
atividades do projeto, a possibilidade de manejo destes conflitos e, enfim, conseguir minimizar as perdas econômicas
aos agricultores decorrentes dos ataques dos grandes felinos e, por outro lado, evitar o abate indiscriminado destes
animais. O método utilizado é a realização de testes de intervenção agropastoril, a partir de técnicas como áreas de
exclusão, cães de proteção, cercas elétricas, estímulos aversivos, repelentes e outras metodologias sugeridas para
controle. Neste processo, a participação e envolvimento dos diferentes setores da sociedade tornam-se fundamentais
tanto para o sucesso das ações como para a proposição de cenários e estratégias de intervenção efetivas, contribuindo
assim para a melhoria da qualidade de vida regional.
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Alem de termos a existência de legislação Padua et al, 2002; Diehl, 2003; Cullen et al,
especifica para abate de animais silvestres 2005²; Tofoli & Lima, 2007; Cullen, 2007;
(Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998). “O Abreu et al, 2008).
artigo 36 abre uma exceção e não considera
crime quando o abate de animais silvestres é Para os testes foram selecionadas
realizado para proteger lavouras e rebanhos da propriedades em localidades com existência
ação predatória ou destruidora de animais. de remanescentes florestais que foram
Porém, situações em que o controle seja visitados na busca de informações sobre a
necessário, devem ser legalmente autorizadas estrutura do ambiente florestal e a integridade
e fundamentadas com bases científicas da comunidade de mamíferos silvestres.
provenientes de trabalhos com bases Nestas regiões também foram realizadas
ecológicas e comportamentais das populações buscas de informações sobre os diferentes
silvestres” (Cavalcanti, 2003; Boutin, 2005; conflitos entre as atividades humanas e
Cullen et al, 2007). espécies silvestres, buscando pessoas da
comunidade local com características para
Esperamos com a realização de extensão rural participação nas diferentes atividades
e ação pratica de intervenção, testar algumas realizadas.
técnicas de controle não-letal dos carnívoros As áreas onde estão inseridas as propriedades
silvestres, intervindo no manejo agropastoril e rurais em que realizamos os testes, tem
proporcionar a comunidade, um melhor realidades diferenciadas em características de
entendimento deste conflito (Swartz, 1991; paisagens, conflitos, conectividade do
USDA, 1999; Crawshaw, 2003; Cavalcanti, mosaico florestal remanescente e
2002, 2003; Hoogestejin & Hoogestejin, proximidades com áreas fontes de
2003). biodiversidade.
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Estas pessoas são representantes dos 3. Utilizamos uma ferramenta utilizada para
diferentes setores da sociedade local, como defesa de rebanhos domésticos, diferentes
campeiros e funcionários das propriedades raças caninas foram desenvolvidas com a
envolvidas, bem como pessoas da finalidade de aprimorar cães inigualáveis
REMAVOU (Rede de Monitores Ambientais capazes de impedirem o acesso de qualquer
Voluntários no Corredor de Biodiversidade agressor ao rebanho e fiel ao protegido. Está
Caiuá – Ilha Grande), funcionários do IAP técnica uso para o manejo de rebanhos
(Instituto Ambiental do Paraná), CORIPA domésticos.
(Consórcio Intermunicipal para Conservação
4. Propiciamos a iluminação das áreas de
do Remanescente do Rio Paraná e Áreas de confinamento e pastoreio noturno dos
Influencia), COMAFEN (Consórcio rebanhos domésticos.
Intermunicipal da APA Federal do Noroeste
do Paraná), EMATER (Instituto Paranaense 5. Trabalhamos com afugentamento de
de Assistência Técnica e Extensão Rural), agressores para inibir atitudes de
FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), reincidência dos ataques em rebanhos
SEAB (Secretaria Estadual de Abastecimento domésticos.
e Agricultura). Os voluntários foram 6. Implantamos áreas de exclusão para os
envolvidos em atividades de extensão rural, rebanhos domésticos, diminuindo o acesso
coletas de informações em campo, auxiliando das criações aos remanescentes florestais.
na manutenção da base de dados e, quando
preciso, realizar vistorias in loco. 7. Realizamos um micro-zoneamento da
paisagem nas áreas aonde ocorrem ataques.
Para a obtenção de dados referentes à 8. Somente acompanhamos o manejo atual
comunidade silvestre e espécimes envolvidos do rebanho.
em conflitos foram utilizadas armadilhas
fotográficas usadas em eventos pontuais para Para termos os parâmetros de comparação em
obter informações de espécimes em ocasiões diferentes condições, mantemos áreas
de conflitos e dispostas em grids controle em diferentes localidades no alto Rio
sistematizados em áreas de remanescentes Paraná (Estado do Mato Grosso do Sul).
florestais em Unidades de Conservação e Nesta região é possível encontrar
propriedades particulares. remanescentes florestais com a ocorrência das
espécies carnívoras em diferentes densidades
Na realização dos testes de intervenção foram nas áreas limítrofes com áreas utilizadas para
utilizadas diferentes ferramentas nas seguintes a criação de rebanhos domésticos de
ações em diferentes propriedades rurais diferentes raças, técnicas de manejo,
(n°=27). condições ambientais e qualidade da
paisagem.
1. Realizamos modificações no manejo do
gado, através de modificações de áreas de 9 Controle 1
pastoreio, categorias de idades dos rebanhos,
confinamento noturno. Rio Pirajuy: Está área de controle é o retrato
da situação instalada na maior parte da região.
2. Instalamos cercas elétricas e de Apresenta grandes propriedades vizinhas a
alambrado como barreiras físicas com a assentamentos de reforma agrária,
finalidade de impedir acessos das diferentes caracterizada por pequenas propriedades.
espécies de carnívoros. Apresenta densidades baixas para as espécies
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• Puma concolor (Linnaeus 1771) Em uma das propriedades aonde era mantido
um cão de proteção em um rebanho de gado
Nome regional: puma, suçuarana, onça-parda bovino, tivemos um acidente ofídico que
ocasionou a morte do cão, forçando a
Em uma propriedade com criação rotacional instalação de cercas elétricas em área de
de bovinos e ovinos, aonde foram registrados confinamento e implantação das áreas de
três ovinos predados por Puma concolor exclusão para os rebanhos domésticos.
(puma), como intervenção foram realizados
testes (PC2.3.4.5) com manejo do rebanho de • Panthera onca (Linnaeus 1758)
ovinos e iluminação do confino de dormitório
no período noturno, consorciado com a Nome regional: onça-pintada, pantera, tigre,
implantação de um cão de proteção que canguçu
permanece com o rebanho no período
noturno. Até o presente momento o rebanho A espécie tem registros raros e esparsos na
não teve mais baixas ocasionadas por região oeste e noroeste do estado do Paraná,
predação. sendo mais freqüente seu registro nas grandes
Unidades de Conservação da região do alto
Na mesma propriedade os testes (PC1.2.3.6) Rio Paraná (Di Bitteti et al. 2003; Abreu,
utilizando a consorciação de cercas de fios 2002; Abreu et al. 2004; Koproski, 2004;
elétricos e cães de proteção foram eficientes Cullen et al. 2005; Boscarato 2005; Sana et al.
quanto as tentativas de Puma concolor 2006; Cullen, 2007; Abreu et al. Submetido).
(puma), em duas ocasiões que um espécime
desferiu ataques sobre um rebanho de bovinos Em uma das fazendas monitoradas (PO 1.5)
da raça nelore, sem obter sucesso. Após estes próxima a AE1 e AP1, tivemos uma única
eventos não foram registradas mais tentativas ocorrência de predação sobre o rebanho
de ataques ao rebanho, mesmo o predador doméstico, sendo este ataque comprovado
permanecendo na área da propriedade. para uma onça-pintada que transita na região,
sendo esta importante área do entorno
Comparada a propriedade vizinha (Teste imediato do Parque Estadual do Morro do
PC1.8) aonde foram mantidas as condições Diabo (PEMD), no estado de São Paulo.
de pastoreio extensivo dos rebanhos de ovinos
e bovinos, tivemos registrados dois ataques Em outras duas propriedades monitoradas
com sucesso de um Puma concolor (puma, (PO 1.7) na região de entorno imediato do
suçuarana) no rebanho de ovinos. PEMD, onde foram iniciadas e
implementadas mudanças na paisagem local
Em outra propriedade, depois de dois das propriedades e foi efetivada a fiscalização
registros de ataques realizamos a quanto as atividades cinegéticas, este ano
implementação do teste (PC2.3.4.5.6), aonde tivemos 10 gados bovinos da raça nelore
tivemos resultados positivos contra espécies abatidos por exemplares de onça-pintada.
silvestres, porem com o evento de roubo
ocorrido no rebanho resultou na morte de um Em uma das propriedades na área Controle 2,
tivemos o primeiro registro de ataques de um
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Esta atitude bastou para inibir toda e qualquer Temos uma constância nas características
tentativa do espécime quanto a realizar presentes no contexto da paisagem na maioria
ataques ao rebanho. Sendo que durante dos ataques, por estarem em coordenadas de
atividades de monitoramento na propriedade áreas de APP, indicando que podem estar
foi verificada a permanência de dois sendo realizados por espécimes que estão
exemplares da espécie que transitam entre realizando incursões pela paisagem altamente
remanescentes florestais na APP e RL, fragmentada da região oeste e noroeste no
utilizando plantios de cana-de-açúcar, café e estado do Paraná (Boulhosa, 2000;
pastagens. Também tivemos o registro de Hoogestejin et al. 2002; Palmeira et al. 2002;
ataques de cães domésticos em rebanhos de Pitman et al. 2002; Cullen et al. 2005³;
ovinos, causando a morte de 2 cabeças de um Michalski et al. 2006; Cullen, 2007; Abreu et
rebanho de ovinos. al. no prelo).
5. CONCLUSÃO
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Figura 1. Localização da Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná e região onde
realizamos os diferentes testes de intervenção em localidades com incidências de ataques de carnívoros
silvestres em rebanhos domésticos. Fonte: IBAMA\ICMBio
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Para que se tenha êxito na manutenção das Figura 3. Atividade de rastreamento em propriedade
espécies de grandes carnívoros no alto Rio com registros de ataques em rebanhos de ovinos,
Paraná será necessário por em pratica ações envolvendo os diferentes setores da sociedade. Foto:
adequadas as diferentes realidades, em escala Projeto Predação
regional e continental, e mantidas por
períodos maiores que cinco anos ou mais
(Rabinowitz, 1986; Crawshaw, 1995¹²; REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Crawshaw et al. 2002; Crawshaw, 2003;
ABREU, K. C.; BOSCARATO, T. G.; CULLEN
Hoogestejin & Hoogestejin, 2003; Cavalcanti,
Jr., L; SANA, D.A.; PASSOS, F,C.. Submetido.
2003¹; 2004; Sanderson et al. 2002; Cullen, Os grandes vertebrados na paisagem em
2007). As figuras 1, 2 e 3 ilustram os mosaico do alto Rio Paraná: inferindo
trabalhos realizados pelo projeto. informações para a conservação. Revista
Brasileira de Zoologia.
ABREU, K.C.; BOSCARATO, T. G.; CULLEN
Jr.. no prelo. A predação causada por felinos em
rebanhos de pastoreio nas áreas de influência
das unidades de conservação no alto Rio
Paraná. Cadernos de Biodiversidade – IAP -
Instituto Ambiental do Paraná.
ABREU, K. C.; CULLEN, L.; LIMA, F. S. &
BOSCARATO, T. G. 2008. Monitoramento da
espécie onça-pintada (Panthera onca Linnaeus,
1758) na região do Corredor de Biodiversidade
Caiuá – Ilha Grande. Relatório de pesquisa.
Figura 2. Ilustração de intervenção realizada com cerca Projeto Paraná Biodiversidade.
elétrica e cães de proteção em área de pastoreio com
histórico de ataques a rebanhos confirmada para onça- ABREU, Kauê Cachuba de; BOSCARATO,
pintada (Panthera onca). Foto: Kauê Cachuba de Tiago Giarola; KOPROSK, Letícia de Paula;
Abreu. CAMARGO, Pedro Chaves de. Grandes Felinos
e o Fogo no Parque Nacional de Ilha Grande -
Rio Paraná. Simpósio Sul Americano e Reunião
Técnica Sobre Incêndios Florestais, Brasil, v. 1, n.
1, 2004.
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Richard Pasquis
Pesquisador CIRAD “Environnements et Sociétés” UMR TETIS.
pasquis@cirad.fr
(artigo publicado originalmente no França Flash 61 em 2008)
RESUMO
Este artigo relaciona-se aos trabalhos realizados no contexto do projeto Diálogos. Ele
complementa a análise das recentes decisões do Ministério do Meio Ambiente brasileiro com
relação ao ordenamento territorial na Amazônia, publicada no FF59.
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final dos anos 80. São as mais eficazes? Têm O conceito de desenvolvimento sustentável, se
efetivamente alguma eficácia, sobretudo as não é questionável, não propôs métodos
terras indígenas, porque possuem “defensores” concretos em matéria de apropriação do
naturais. Na falta de outras medidas, espaço, uso dos recursos naturais e negociação
constituem um paliativo. entre atores, tampouco inovações em matéria
de políticas públicas e de estratégias privadas.
Em 2003, no primeiro governo Lula, o
desenvolvimento territorial chega com força. É esse desafio que o desenvolvimento
Entretanto não se trata de uma noção nova; territorial deveria enfrentar, enquanto proposta
mas talvez seja a primeira vez que ela é concreta de coordenação e integração das
proposta em um nível governamental tão alto políticas públicas, dentro de um espaço
– principalmente com a criação de uma geográfico delimitado e marcado por um
secretaria federal dentro do Ministério do processo estruturante de ação social. Nesse
Desenvolvimento Agrário (Secretaria do sentido, ele é portador de desenvolvimento
Desenvolvimento Sustentável – SDT-MDA) – sustentável.
e em escala de um “país-continente”.
2. ÁREAS PROTEGIDAS E
É importante notar que, ao assumir suas DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:
funções no mesmo governo, a ministra do SETORES RETICENTES
Meio Ambiente, Marina Silva, anunciava
também que o meio ambiente precisava deixar Se agora está assente que as áreas protegidas
de ser exclusividade de um ministério e tornar- desempenham um papel real para a
se uma obsessão que devia se impor como um conservação da biodiversidade in situ, em
elemento transversal a todas as políticas contrapartida sua eficácia está longe de ser
setoriais. satisfatória. Mas é preciso não se enganar de
diagnóstico.
Na Amazônia, o fracasso bastante
significativo da aplicação do novo paradigma Mesmo estando demonstrado que na
de desenvolvimento sustentável, ilustrado Amazônia as áreas protegidas apresentam
principalmente pelos avatares do famoso condições muito precárias e um verdadeiro
PPG7 (projeto de proteção das florestas déficit de meios humanos e financeiros,
tropicais brasileiras, financiado pelos sete provavelmente não é em seu fortalecimento
países mais ricos) e cujo terreno de aplicação que reside a solução. Na Amazônia, mais que
privilegiado seria a Amazônia brasileira, em outros lugares, é a própria concepção de
segundo decretaram os participantes da ECO espaços protegidos, por subtrair populações
92 (a Conferência das Nações Unidas sobre locais e desenvolvimento regional, que deve
Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de ser revista. Entretanto, ainda existem
Janeiro), evidenciou que boas intenções não numerosos setores que se recusam a
bastam: precisam ser acompanhadas de reconhecer que a concepção clássica de
reformas efetivas. A desarticulação do proteger a natureza contra a presença humana
conjunto de políticas públicas e falhou.
principalmente a diferença na relação de força
entre as poderosas políticas de A multiplicação de áreas protegidas por um
desenvolvimento e as do meio ambiente é poder central autoritário à força de declarações
provavelmente o fator principal. freqüentemente exageradas não faz mais que
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aumentar a tensão, que é palpável na maioria Como seus espaços não podem ser valorizados
das regiões amazônicas, e provocar conflitos economicamente, para as autoridades locais
que provavelmente poderiam ter sido evitados. elas representam perda de ganhos potenciais.
Disso resultam isolamento da instituição Evidentemente existe aí um verdadeiro
ambiental e redução do investimento público desafio, mas do qual não é possível escapar.
para a conservação, fragilizando a ainda mais As áreas protegidas serão instrumentos do
e dificultando a aplicação de estratégias e de desenvolvimento regional ou não existirão
planos para a conservação da biodiversidade. mais – nesse sentido em que são consideradas
não como “parques de papel”, mas como
Essa situação é ainda mais deplorável na instrumentos efetivos de conservação da
medida em que a instabilidade econômica e a biodiversidade.
globalização limitam as opções em matéria de
gestão sustentável dos recursos naturais e Para isso é necessário rever o atual modelo de
intensificam a pressão sobre as áreas gestão governamental – unilateral
protegidas, por meio de uma colonização “excludente” e conflituoso – e substituí-lo por
acelerada dos espaços naturais. um processo e instrumentos de negociação
social, com vistas a uma gestão melhor das
3. MUDANÇAS CONCEITUAIS terras para benefício de todos.
NECESSÁRIAS
As áreas protegidas devem ser encaradas
A maioria dos problemas que afetam as áreas como um potencial real e um instrumento para
protegidas provém de uma percepção o desenvolvimento. É o que propõe a
exclusivamente biológica do meio ambiente. abordagem de desenvolvimento territorial,
Mas meio ambiente é não apenas os elementos principalmente do Ministério do Meio
naturais e materiais, mas também as pessoas, Ambiente - MMA, com relação a mosaicos e
suas atividades, suas relações, suas culturas, corredores biológicos. Os mosaicos ainda
suas instituições – em resumo, o resultado de suscitam um acalorado debate entre certos
um processo de construção social, de um setores tradicionais do IBAMA que os vêem
sistema de valores, de conhecimentos e como uma seqüência de áreas protegidas, com
comportamentos. a criação de áreas “trampolim” quando a
distância entre duas áreas vizinhas é
A biodiversidade é também um produto social. considerada grande demais, e a nova equipe
Isso não significa que não se deva protegê-la do MMA, para a qual eles são autênticos
das agressões de um grupo social em um projetos de desenvolvimento territorial com
determinado momento; mas raramente o base conservacionista.
antagonismo entre social e biológico permitirá
encontrar as soluções de longo prazo para Existem de fato diferentes abordagens em
esses problemas. matéria de desenvolvimento territorial: a partir
da estruturação da produção agrícola familiar
Se as populações locais não são bem vistas para o programa Fome Zero, a partir do
dentro das áreas protegidas, estas, por sua vez, fortalecimento de processos de organização
são excluídas do desenvolvimento regional. social para o MDA ou da criação de mosaicos
São encaradas como encraves, até mesmo de áreas protegidas para o MMA.
entraves ao desenvolvimento.
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Com sua abordagem, o MMA ratifica a Pensar o meio ambiente como uma categoria
inclusão das áreas protegidas no processo de social, colocar a sociedade no centro do
desenvolvimento regional e como elemento de processo de conservação e valorizar o capital
pleno direito do desenvolvimento territorial; social deve levar a resolver as fortes
reconhece a importância da participação, do reticências de alguns setores da sociedade
protagonismo e da autonomia da população local com relação às áreas protegidas e a
local e das instituições, o planejamento reforçá-las mobilizando positivamente as
ascendente, o papel central do fator importantes capacidades que participam do
econômico, bem como uma série de processo de desenvolvimento territorial. Em
abordagens cujo objetivo final é melhorar as contrapartida, pode-se indagar: como fazer
condições de vida de todos os habitantes. isso?
Isso significa que os custos e benefícios serão No Brasil o governo lançou um grande
divididos equitativamente entre todos os processo de consulta popular e a sociedade
atores. Esta última condição era uma civil aceitou imediatamente o desafio da
reivindicação antiga das populações locais, participação. Reorganizado pouco a pouco ao
que se negavam a continuar suportando término do regime militar dos anos 80, o
sozinhas os entraves colocados pelas áreas movimento denominado “socioambiental” no
protegidas sem tirarem delas benefício algum. Brasil é muito ativo e mesmo penetrou
amplamente as fileiras dos poderes públicos
Se o capital social for posto no centro do federais e federados.
dispositivo de desenvolvimento territorial,
sobretudo para garantir a eqüidade ao longo de Numerosas iniciativas da sociedade civil estão
todo o processo, sua sustentabilidade é em vias de tornar-se políticas públicas.
assegurada por uma boa gestão do meio Concretamente e em detalhes, instaura-se um
ambiente, a competitividade econômica do grande número de comitês, criam-se
território é assegurada por uma valorização de comissões paritárias e multiplicam-se as
suas vantagens comparativas e principalmente experiências de co-gestão. O Estado
de seus serviços ambientais e a governança conseguiu, portanto estabelecer uma política
reforça o desenvolvimento institucional. “de diálogo” que se traduz também no
importante processo de descentralização em
A governança ambiental, enquanto conjunto matéria de gestão florestal.
dos processos sociais, políticos, econômicos e
administrativos, formais e informais, O Estado ganhou a primeira etapa do desafio,
associados a interesses e regras, pelos quais os que consistia em articular melhor sua ação
atores sociais negociam e definem o acesso e a com a sociedade. É mais internamente que as
gestão dos recursos naturais e sua relação com coisas se complicam. O Ministério do Meio
o meio ambiente, aparece como eixo central Ambiente não ganhou nenhuma das grandes
dessa nova revolução em matéria de batalhas que o opunham aos “fortões”
planejamento e de gestão das áreas protegidas representados pelos Ministérios do
na Amazônia e provavelmente além dela. Planejamento, da Indústria e sobretudo da
Agricultura. Outra etapa que falta vencer
4. AS IMPLICAÇÕES consiste em conquistar mais maciçamente os
METODOLÓGICAS governos estaduais. Para ir rápido o MDA
estabeleceu relações privilegiadas com os
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movimentos sociais locais, com excessiva Em matéria de gestão, deverão ser encontrados
freqüência saltando os outros níveis novos arranjos institucionais que reconheçam
administrativos, muitas vezes fazendo os os direitos das populações locais e valorizem
estados e as prefeituras rejeitarem a política suas experiências. Esses novos espaços de co-
federal de desenvolvimento territorial do gestão permitirão unir os engajamentos dos
Ministério. diversos tipos de atores, gerir melhor as
interações entre os diferentes interesses,
A atual relação privilegiada entre o governo percepções e alternativas de solução, a fim de
central e os movimentos sociais pode ser uma chegar a compromissos mútuos que propiciem
força, mas representa também um empecilho a convergência dos interesses e das ações.
ao fortalecimento das relações com estados-
chave do setor agroalimentar, como Mato As ações da gestão não se restringirão
Grosso, onde as áreas protegidas são unicamente à conservação da biodiversidade:
desrespeitadas. O Estado então é levado a abrangerão também a organização do uso dos
modificar um pouco sua posição, embaralha as recursos, a diversificação das atividades, a
cartas fazendo declarações ambíguas e corre incorporação das populações residentes e a
risco de pôr novamente em questão o que já formação de atores e usuários.
foi conseguido.
5. CONCLUSÃO
Portanto, continua muito estreito o caminho
para uma solução política que contente a todos Como são levadas em conta no processo de
os setores. Da mesma forma, o Estado ainda desenvolvimento, as áreas protegidas, por sua
não consegue implantar políticas de incentivo vez, podem modificá-lo e produzir novos
significativas, que possam complementar a territórios, com novas instituições e novas
panóplia das políticas de comando. A formas de governança. Pois sua participação
retomada das políticas de planejamento já é no desenvolvimento regional e os novos
um passo na direção certa, mas ainda faltam debates que propõem à sociedade provocam
iniciativas mais expressivas em matéria de obrigatoriamente mudanças nas percepções
educação ambiental, de divulgação dos dos atores e em seus modos de apropriação e
conhecimentos e das informações sobre o gestão dos recursos naturais. Passando do
bioma amazônico, bem como uma difusão papel inicial de obstáculo ao desenvolvimento
mais ampla das ferramentas institucionais e e de fronteira para barrar o avanço da frente
econômicas disponíveis para valorizar pioneira, as áreas protegidas tornam-se um
economicamente os serviços das áreas elemento chave de um novo modelo de
protegidas. desenvolvimento que, espera-se, atenderá às
expectativas de um desenvolvimento
Com relação a essas áreas, as atividades de sustentável na Amazônia, expressas há 15
planejamento deverão perseguir o objetivo anos na Conferência do Rio.
comum dos atores em termos de
desenvolvimento territorial e de melhora de Mais informações
suas condições de vida. O processo deverá www.dialogos.org.br
ocorrer em constante interação com as www.cirad.org.br
comunidades locais e o resultado deverá www.wwf.org.br/natureza_brasileira/meio_ambien
possibilitar uma distribuição equitativa dos te_brasil/dialogos/index.
custos e benefícios das áreas protegidas.
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COMENTÁRIOS DO LEITOR
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dos leitores sobre os artigos publicados, afim de ampliarmos o debate e aprofundarmos
conhecimentos sobre educação e extensão socioambiental. Os comentários devem ser enviados
para o Conselho Editorial do Caderno (e-mail: oscar@ipe.org.br). Os mesmos serão
encaminhados antes da próxima edição para os autores responderem.
EVENTOS
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SUGESTÃO DE LEITURA
Esta versão em português apresenta alguns exemplos de como a gestão da pesca de pequena
escala está sendo desenvolvida no Brasil, quais são os seus avanços e quais os seus grandes
desafios, proporcionando uma informação rica tanto do ponto de vista prático como teórico, que
contribui para a evolução do paradigma científico que lida com a pesca de pequena escala no
Brasil.
O livro será de interesse para gestores pesqueiros, tanto do meio governamental quanto não-
governamental; professores e estudantes de gestão pesqueira; organizações de desenvolvimento e
profissionais que trabalham com a pesca de pequena escala, e pescadores e comunidades
pesqueiras que desejam assumir a responsabilidade pela gestão de seus recursos.
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Livraria da FURG, situada à rua Luiz Lorea, 261, Rio Grande/RS, ou por e-mail
(editfurg@mikrus.com.br), ao preço de R$ 25,00 (vinte e cinco reais).
Humberto Z. Malheiros
06/04/2009.
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