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Alfonso Berardinelli Da poesia a prosa Organizagio e preficio Maria Betinia Amoroso ‘Tradugdo Mauricio Santana Dias COSACNAIFY para um congresso na Universidade de Cosenza, que tinha como tema “As cidades imagindrias”, em 1995, (0s outros dois textos traduzidos, “Cosmopolitismo e provincianismo na poesia modemna” e “Poesia e género liico: vieissitudes pés-modernas”, foram publicados respectivamente em Enere 0 livroe a vida (1994) € na re- vista Moderna (2001). O primeiro, na origem, foi uma conferéncia feita na _ Universidade de Verona, em 1988; 0 outro, a participacao do eritico mum evento organizado pela Universidade de Siena sobre a poesia italiana na segunda metade do século xx, em 2001. Maria Betinia Amoroso 12 Preficio As fronteiras da poesia Para conhecer as fronteiras de qualquer regido é preciso antes ter uma idéia dessa regio, Dito de outro modo: & o conhecimento das fronteiras que nos permite entender de que teritério estamos falando. Com a poesia, esa discus- slo das fronteiras ¢ dos limites se torna um belo epoal. De fato, como todos sabem, sabemos endo sabemos o que é 2 poesia e de que falamos ao falar de poesia. Definir a poesia, ou sea, tracar-Ihe as fronteiras, foi um dos empreen- dimentos mais apaixonantes e malogrados do pensamento estético, Hi anos, cn diria ha décadas, tal empreendimento foi abandonado. Deve haver alguma azo para isso, Tempo perdido, devem ter pensado os filésofos, ou pelo menos ‘os mais racionalistas, os mais honestamente empfricos, os menos teoligicos. (Os que continuaram a se perguntar.o que &a poesia foram, com efeito, 03 te6logos ou fil6sofos (que hoje sio muitos) para os quais afilosofia é uma espécie de teologia atalizada. Assim, reflexdo ou ruminaglo desses fl6- sofos-te6logos, os discursos sobre a poesia terminam por assemelhar-se aos discursos sobre Deus: que se mostra ¢ se oculta, se revela nas superfices € se retira nos abismos, O discurso sobre a poesia assume, portanto, a forma para usar a formula de Maurice Blanchot, em que a necessidade de calar diante de uma entidade indefinivel dé ugar, ao conteétio ou por paradoxo, a dis- ceurs0s sem fim. O discurso se torna discurso sobre o siléncio e se parece cada ver mais com um rumor de ebuligio, Durante essa ebuligio, 0 pensa- de um tratado de teologia negativa: um “entretenimento infinito”, ‘mento filos6fico perde o seu estatuto conceitual: primeiro se depois, evapora. Da poesia entendida como qualidade ont pode falar, mas se deve, de fato,calar. Arrisquei uma expressdo talvez sugestiva, até filosoficamente sugestiva, ‘mas decerto no muito clara tolégico. Com o ar de dizer a coisa essencial, ndo dizem sendo isto: a poes E aquilo que é, a poesia é poesia. Esse beco sem saida sugere a0 menos uma coisa interessante: que, quando temos de lidar com uma poesia que seja po- esia, ese reconhecimento é uma constatagio empirica que niio pode ser jus tifcada ou argumentada conesitualmente. Nao ha racioc os seguos para afere a presensa da tolgica” chamada poesia em um determinado texto. A jos, no hé provas hi ‘qualidade on- tificamente especiosa tentativa de “tranqiilizagao metodolégica” desse tipo {oj levada a cabo, hi algumas décadas, por Roman Jakobson. Com Jakobson, tics. A poesia, a quidditas pos a esséncia que distingue um texto poético de um text sgundo Jakobson, aquilo que ele chamava de “fungio pot Entre as diversas fungies da linguagem (emotiva, c cial, metalingifstca,fitica), haveria uma que se distinguivia das demais precisumente a fungio poética, cuja principal earacterstca seria a de no , referen- jer outra mensagem que ndo a mensagem de comuniear uma men- terariedadle, objeto exclusivo da cincia da literatura, teria como nfo referencialidade”, o nio se referir i realidade extra- trago distintivo a linghistica, mas somente & organi 10 dos signoslingisticos. De acordo com essa teoria alinguagem poética€ nitidamente distin= ta da lingua comum: a0 passo que esta serviria sobretudo para comunicar, aquela seria tio mais poética quanto mais se subtrafsse & fungo comunica- tiva, Interrompida a relacZo com a realidade extralinglist \gua poética é definida como esvaziamento e suspensio do significado. 2) Sua semantica é, por definigao, frustrada(Fruste Como foi observado em varias « Di Girok Jakobson seria simplesmente uma versio tardia e mod iGes (por Franco Brioschi e Costanzo , além de ser contestivel no plano lingtiistica, a teoria de ada da postica da 1. CE Manual di ra italiana. 4% Toit: Bola Roringhiesi, 1996.0} 14 As fionte amc pela arte. A literatura ndo encarnaria, pois, uma atitude cor cagio e do significado. As feontciras da poesia seriam, nesse sentido, limites que comprimem aquela iva ‘mais enérgica e viva, mas seria fuga da co: dimensio a0 mesmo tempo sublime e depauperada em que a linguagem se ida que o seu tecido de figuras seja mais denso e espess que © romance m tanto informe e cabtica, de varios géneros literirios, velhos e novos, mais tarde, por volta de meados do século x1x, a poesia moderna se fixava como lirica segundo o modelo oposto da pureza, da depuragao, da interrupga0, dos nexos dial A coisa curiosa é que mesmo as vanguardas novecentistas mais au tr0s géneros literérios.

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