O DESTERRO DE UM POBRE VELHO

Et dulces moriens reminiscitur Argos.

- Virglio
O! schwer ist's, in der Fremde sterben unbeweint
- Schiller
A aurora vem despontando,
No tarda o sol a raiar:
Cantam aves, a natura
J comea a respirar.
Bem mansa na branca areia
Onda queixosa murmura,
Bem mansa aragem fagueira
Entre a folhagem sussurra.
hora cheia de encantos,
E hora cheia de amor;
A relva brilha enfeitada,
Mais fresca se mostra a flor.
Esbelta joga a fragata,
Como um corcel a nitrir;
Suspensa a amarra tem presa,
Suspensa, que vai partir.
Em demanda da fragata,
Leve barco vem vogando;
Nele um velho cujas faces
Mudo choro est cortando.
Quem era o velho to nobre,
Que chorava,
Por assim deixar seus lares,
Que deixava?
"Ancio, por que te ausentas?
Corres tu trs de ventura?
Louco! a morte j vem perto.
Tens aberta a sepultura.
"Louco velho, j no sentes
Bater frouxo o corao? .
Oh! que o sente! lei d'exlio
A que o leva em tal sazo!
"No ver mais a cara ptria,
No ver mais o que deixava,
No ver nem filhos, nem filhas,
Nem o casal, que habitava!...

"Oh! que m pena de morte,

A pena de proscrio;
Traz dores que martirizam,
Negra dor de corao!
"Pobre velho! longe, longe
Vs sustento mendigar;
Tens de sofrer novas dores,
Novos males que penar.
"No t'h de valer a idade,
Nem a dor tamanho e nobre;
Tens de tragar vis afrontas,
Insultos que sofre o pobre!
"Nada achars no degredo,
Que fale dos filhos teus;
Ningum sente a dor do pobre...
S te fica a mo de Deus.
"O sol,que alm vs raiando
Entre nuvens de carmim,
Noutros climas,noutras terras
No vers raiar assim.
"No vers a rocha erguida,
Onde t'ias assentar;
Nem o som bem conhecido
Do teu sino hs de escutar.
"H de cair sobre as ondas
O pranto do teu sofrer,
E nesse abismo salgado,
Salgado se h de perder."
J chegou junto fragata,
J na escada de apoiou,
J com voz intercortada
ltimo adeus soluou.
Canta o nauta, e solta as velas
Ao vento que o vai guiar;
E a fragata mui veleira
Vai fugindo sobre o mar.
E o velho sempre em silncio
A calva testa dobrou,
E pranto mais abundante
O rosto senil cortou.

Inda se v branca a vela

Do navio, que partiu;
Mais alm inda se avista!
Mais alm j se sumiu!
Gonalves Dias
(Primeiros Cantos 1847)