You are on page 1of 5
pea = Questao de genero... Na lingua latina, mae da lingua portu: esa, havia o género neutro. No entanto, nado havia uma regra para fixar o géneros das palavras. Ali coincidem. Se pararmos para seem do género masculino ou , 0 genero gramatical e o género real, nas linguas, nem sempre ensar, chega a ser estranho objetos minino e nao do género neutro. Mas a pergunta que fica é; se em Latim havia o género neutro, por que em Portugués ele nao existe? » por Edmar Cialdine* palavra ‘neutro” ver do latim “neuter” que significa “nem um nem outro”. Tal palavra é utilizada em muitos sentidos €, no caso das Iinguas, designa um terceiro género gramatical que ndo € masculino nem feminino, Varias sao as linguas que possuem esse género, como € 0 caso das linguas alema e latina, ou mesmo marcas desse género, como veremos, a seguir, na lingua portuguesa. Acredito que seja interessante principiarmos, contudo, de quando o homem comegou a ver 0 mundo pelos olhos da linguagem... 5G | comnts | LINGUA PORTUGUESA NO COMECO DAS COISAS Antes de mais nada é preciso deixar claro que as ideias expostas aqui sao teorias e, como tais, ‘0 passiveis de comprovagao, ou nao. Contudo, 0 importante s2o as reflexdes que elas nos trazem sobre 1nés mesmos, a linguagem e 0 mundo, Logo quando 0 homem evoluiu e adquiriu a capacidade da linguagem, ele precisou separar, Classificar as coisas que existiam em seu mundo. Actedita-se que a primeira classificagao feita pelo homem tenha levado como referéncia a si proprio. ‘Terfamos assim aquilo que sou “eu” e o que ndo sou “eu”, o externo ao homem. Esse ponto de partida fez com que ele mesmo, 0 homem, fosse parametro para todas as coisas ~ os gregos antigos ‘costumavam dizer, assim, que 0 hhomem &a medida de todas as coisas. Percebemos a importancia do “eu” na lingua em situagdes como da lingua inglesa, em que 0 pronome pessoal “I” € escrito sempre com letra maitiscula. ‘Com 0 tempo, o homem passou a perceber as semelhangas e diferengas POR DENTRO. Grogosantigos Foi fbfoso grego Protagores de ‘Abra quem disse "0 ommen 83 cia de todas a8 c0838, 098 cosas 1% 880, enquan sao, ds cota ‘ye os, enquari vB sao Te ‘ase elt 2 praice humana de afi as coisas 2o seu redo cb ros qu hes So propos. entre si eas outras coisas eo “movimento” passou a ser um critério. Explicando melhor, havia coisas que, como ele, eram animadas, e outras que nao eram animadas. Dentre os seres animados, com o tempo, notou-se a existéncia de dois grupos diferentes. Foi entao que o sexo real passou a ser percebido pela linguagem humana € surgiu 0 masculino, o feminino (levando em conta o sexo natural dos seres) e aquilo que nem era feminino Driers Pato | LINGUA PORTUGUESA | 57 EE Ts POR DENTROQ Genitive singular Alingualatra uma ings siti, deerminagoes naming: ‘ye indian os casos ramatcase tas casos serve coro referncia paras ungbesslces, Dente 5 catosteros o nominatv (ad bone cutrasfunges,o sj) anusaivo (nda princpamanis 0 je ret) eo geno iacunto ‘nominal com dia de poss restigdo#especfcarao. S20 nos ois primers, segurdo os isnt, {que ancoavamos mais fadlmonte uma ereniagao do génaro Como muitos linguistas costumam dizer, a lingua se regula: na busca por parametros mais faceis de serem identificados, o género | neutro foi desaparecendo das linguas romanicas nem masculino, porque no possuia sexo real ou o sexo real nao era facilmente identificavel. problema foi que 0 sexo natural € 0 sexo gramatical comecaram a se confundir, isto é, perder a relagio direta. Um dos motivos talvez tenha sido a semelhanga de algumas coisas com algumas caracteristicas humanas. Exemplificando: em varias Iinguas, os nomes de drvores sio do género feminino. O que explicaria isso? Que semelhanga poderia haver entre uma mulher e uma macieira, por exemplo? ‘Amos geram frutos! Na mesma linha, temos a palavra crianga em aleméo, “Kind”, que nao possui sexo, ou melhor, & do género neutro... uma crianga, ento, ‘no teria sexo como um homem ou uma mulher. Em outra linha de raciocinio, na lingua inglesa 0 pronome “it” é comumente usado para objetos e animais — out mesmo em sentido pejorativo para se referira alguém. Todavia, nfo raro, encontramos 0 uso de “she” ou “he” (femenino e masculino, respectivamente) 20 ser mencionado um animal de estimacdo, Ora, a familiaridade com o animal Ihe permite que o dono se refira a cle por seu género real! Sendo assim, resta agora falar sobre o género neutro latino e seu desaparecimento na lingua portuguesa. O GENERO EM LATIM Ena lingua indo-europeia, de acordo com estudiosos como John Lyons e Ernesto Faria, que havia essa relagio de “genero animado” e “género inanimado” mencionada anteriormente. Na lingua latina, descendente da indo-europeia, j& encontramos um distanciamento maior entre o género real e 0 gramatical. De modo geral temos, para o genero masculino, palavras que designam 0 homem, profissdes que lhe so comuns, divindades masculinas e animais do sexo masculino, © mesmo pode ser dito sobre o género feminino (mulher BB | concn recs | LINGUA PORTUGUESA ¢ profissdes, animais e divindades femininas). Todo 0 resto seria do genero neutro, certo? Em tese. Sio masculinos, por exemplo, os meses do ano ¢ nomes de rios; e femininos, cidades, paises Arvores. Desse modo, o género neutro acaba contemplando alguns seres inanimados, frutos, metais, palavras invarigveis, infinitivos verbais. Dentro da estrutura linguistica, também, o genero neutro é de dificil identificagao, Basta notarmos palavras como “lupus” (lobo), “pirus” (pereira) e “virus” (veneno) que, apesar de terminarem da mesma forma, so do .genero masculino, feminino e neutro respectivamente. Com tanta confusio, as proprias pessoas, As vezes, trocavam genero das palavras. Todavia, como ‘muitos linguistas costumam dizer, a lingua se regula e, na busca por parametros mais féceis de serem identificados, o género neutro foi desaparecendo das linguas neolatinas, 0 FIM DO NEUTRO (oU NAO EXATAMENTE) Para entendermos o fim do género ‘neutro, é preciso antes falarmos um pouco sobre as declinacées nominais. Tal qual os verbos, os substantivos latinos so organizados em grupo segundo um tema vocalico (@, ¢, i, 0, u) ou um tema consonantal - em um total, de seis grupos. Alguns latinistas, por outro lado, dividem em cinco grupos de ‘acordo com a terminagao do genitive ‘singular - sio as chamadas cinco declinacées. Interessa-nos aqui a I* ea 2+ declinagées. Esses grupos possuem, respectivamente, “-a” e “-0” como vogal temitica. Uma vez que as palavras com tema em “a” sio praticamente todas do género feminino, esse tema acabou por se tornar marcado como caracteristicamente feminino. ]4 as palavras da 2¢ declinagao, em sua maioria, pertenciam ao género masculino ¢, como consequéncia, 0 tema “o” tornou-se uma referéncia ao masculino. Tal fato é bastante perceptivel se compararmos palavras como: “domina” (senhora), “serva” (escrava) ¢ “amica” (amiga) pertencentes 41" declinagao e as palavras “dominus” (Genhox), “servus” (escravo) e “amicus” (amigo) - cujo tema “o” aparece nas formas plurais do acusativo: “dominos”, “sevos” e “amicos”. E 0s neutros? Na verdade, importante que seja dito que os neutros latinos possuem uma caracteristica particular fundamental: eles formam o plural terminando em “a” no nominativo e no acusativo% . £ exatamente esse detalhe que faré com {que as palavras neutras que eram. utilizadas no plural ou com ideia de coletivo se confundissem com as palavras do género feminino. Citando exemplos: “folium’, que no plural é “folia” e deu origem & palavra “folha”, “lignum’, plural “ligna’, e originou “lenha”. J& as palavras neutras que eram utilizadas no singular se tornaram do sgénero masculino. Curioso é 0 caso de “ovum” (ovo), que no plural fica “ova” ¢ deu origem a palavra “ova” (que dé uma ideia de coletividade: 0 que é a ova de peixe sendo uma coletividade de pequenos ovinhos?) Com isso, podemos justificar a auséncia do género neutro nas linguas neolatinas, principalmente na portuguesa. No entanto, a ideia do género neutro nao desapareceu completamente, elz deixou marcas nna lingua portuguesa - ainda que normalmente do tenhamos percebido isso. Tanto a substantivagao de um adjetivo ou de um infinitivo verbal na lingua so resquicios do neutro. Todavia, é nos pronomes demonstrativos ¢ indefinidos que podemos perceber mais facilmente a influéncia do neutro, “Esse” usado para se referira palavras masculinas, “essa”, feminino... mas e “isso”? Para coisas, objetas, animais no geral ou mesmo em sentido pejorativo (“Isso la é gente..”) Da mesma forma temos, por exemplo, “tudo” (dando uma ideia de todas as coisas) ou “nada” (coisa alguma). POR FIM... Saber sobre a existéncia do género neutro latino, seu desaparecimento durante a formagao das linguas romanicas, as motivagées para tal desaparecimento e, principalmente, como tudo isso influenciow a lingua portuguesa nos oferece a oportunidade de refletir sobre as mudancas linguisticas no decorrer do tempo. O conhecimento histérico de uma lingua é uma importante ferramenta no seu processo de ensino e aprendizagem. Muitos fendmenos aparentemente inexplicaveis possuem, sim, uma explicacio e, geralmente, essa explicacio nos leva ds questdes histéricas. E papel de qualquer profissional da linguagem procurar ter clareza histérica da lingua de trabalho. CY NCEITO faisareeas Aint iets ete eee eee eect: ae pe Overs erent Rages cnen Rete tee Se iecuran cere paca a peeeetentns objeto direto. Outros casos $80.0 on teenie nan peice Paraos | rofissionais da inguagem, é imprescindivel a pesquisa acerca da historia da lingua com que trabalham, explicando, assim, fenémenos aparentemente inexplicaveis ‘Francisco Edmar Gialdine Arruda & professor da Universidade Regional do Carn, mestre em Linguistica aplicada pela Universidade fstadual do Cearée pesquisador do ‘Grupo de Pesquisa em exicograia,eminologi eErsino (TES) edo Wien de Pesquisas em linguistic Aplicada (LW), atuando penaipamentcom ostemaseminologl, lexkogafi, Sunder, Matimodalidade estos cssios,Contates:edopou@grnal.com / wosldnearuda blogspot.com cunasrees Pies | UINGUA PORTUGUESA | 5S | | | | | [CONHECIMENTO fee) DESCASO POETICO Questao do Enem nao estimula a interpretacao do poema ENSINANDO GRAMATICA Como expor conceitos-chave “ para o entendimento da gramatica da lingua

You might also like