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Neurose Traumatica faz parte da cologao Clinica Psica- raltica, crgida por Flavio Car- valho Ferraz. edtada pela Casa do Psicélogo. A primeira af magao a ser feta apés sua tura éa de que este texto cum- pre uma das propostas mais v- tals desta colecao: consegue cexpor de forma cuidadosa e criteriosa 0 pensamento freu- iano assinalando suas hesita- (62s e ambigtidades e contron- tando-o com as produpées preocupagées da psicandlise ‘contemporanea, ‘Myriam Uchitel se ded- cara em textos anteriores’ 20 ‘estudo do conceito de trauma ‘que agora deservolve com ma corampltude e preciso. Otexto Ultapassa aquilo que parece sugefiro titulo. Nao é uma dis- cusséo que se atenha a nopao das neuroses traumsticas mas antes um passeio bastante de- tid sobre o conceito de trau- ‘ma, sua concepeao ao longo da cobra freudiana, seu abandono {telativo) ¢ sua retomada a par- tir de 1920 com Mais além do principio do prazer. Como diz aautore:"o rau- ‘ma atravessa a construgao da teoria psicanaltica. O préprio corte da teoria da sedugéo ‘raumatiza a teoria © produz dissociagées, desorganiza- 82s, ecalques, renegandes @ Tupturas onde poderia existr felos @ enlaces" (p. 10). A no- (980 de fantasia que, logo nas otigens, parecia aboliraidéia dotrauma, na realdade, no se opie a ele, antes o deixa relativizado, adormecido por um tempo, para retomar de- pois numa nova configurago e ‘com uma outraimpioagao cn ‘cademandando sua reinscieao nateora, Questées das origens Resenha de Myriam Uchitel, Neurose Traumética, So Paulo, Casa do Psicélogo, 2001, 157p. De forma cata, Myriam doscrove a possiidade de se tomar o trauma como reterén- clana consti dos diteren- tes quacros patolégios @ na condugéo © compreenséo de eros momentos ca cura. Relerindo-ses parca ridados do traumsticonaa tes estruturas leas marca aqui- le que seria espectin do sito- mananeurose (como formagao da compromisco epossbiida- de de simbolizagao) e aquilo que sera vordadetc raumatico (pelo cardter dissociativo e pela fuséacia de simbotzagao) pre- sentena psicose e na perver- 80, Nestas cuas estas © Snioma encoia-se mais dt minado pela evtago ca angis- tia do que pela realizagao do umdesejo, Com esta afimagao Myriam recloca a angistia no conto datomitea cama uma cert dscriminagdo que vena 129 ssendo anunciada entre a angiis- tia de castrapao.e a anguistia de aniguilamento (mais dretamen- teligada ao traumatico). Estos ‘S80 momentos ricos do texto © reveladores da sua forma de ‘construpéo: os mas s40.anun- clados ¢ deservolvidos seguin- ‘do 0pensamentofreudiano eas leituras préprias da autora, dei- xando, simultaneamente, aole> ‘orum papelimportante na cons- trugdo das hipéteses e conclu bes. Ha um convite aque olei- tor faga parte do seu percurso depesquisa. Uma das vias que somos convidados atrihar anuncia-se ‘com uma pergunta fundamen- tal: Considerando-se que toda ‘neurose tem algo de trauma 0, 6 oundo pertinente, do pon- ode vista metapsicol6gico, dar Lum lugar nosografice as neuro ‘508 traumaticas? Nao soria mais adequaco pensarmos,sim- plesmente, em estados fraumé- ticos que poderiam ou ndo deri- var emneurose? (© que Myriam vai nos ‘mostrando 6 que, se optarmos la pertinéncia dessa nomen- clatura, ela poderia abrirnovos ‘campos de investigagao, sobre- tudo para aqulo que fica sob 0 {dominio da pulsdo de mort, fora do principio de prazer—0.cam- po possivel do ndo-sexual, {da ndo-libido, dos sonhos trau- LEITURAS maticos, da repetigéo dos mesmos destinos, da com- puiséo repetitva ‘Como se percebs, este questionamentocoloca em cena uma discussdo metapsicol6gica bastante abrangente. A autora retoma a dlscussao do principio do prazer, da angustia, do cor- Po fsico e corpo erégeno (sua Inter-relagao ou dicotomia), da ingcrigdo ou no do trauma ino psiquismo, da intojagao, da pro- Jago, da pulséo de morte, da repetigdo @ sua dilerenciacao ‘com a compulsdo & repetigao. TTarefa que cabe valorizar pois nos surpreende pelo esforco to6rico © pela clareza de sua ‘construgao, A andlise realiza- ‘da além de embasar a discus- so acerca do lugar do trauma tioo na teoria freudiana coloca- se como referéncia importante para qualquer psicanalisa que ‘seproponha a expictagao des- 585 conceit. Durantealetura, pergun- telme sobre as neuroses atu- ais —termo também das orgens €e que parece retomnar, princi- palmente nas discussbes da Dslcossomdtica. Elas nao esta- riam também muito préximas de uma certa conceppao da neu- rose traumética, podendo ser palco das mesmas interroga- ees? ‘Aimportancia do traumét- co faz-se presenta, também, ros trabalhos de Ferenczi, Winnicott, Masud Khan e Jean LEITURAS Laplanche, apresentados de forma pontual, no capitulo 3. Myriam dscute a espectcidade a heranga de cada um des- 08 autores assinalando defor ma bastante interessante os eetos eas inovagos que es- sas toorizagGes trazem paraa cliicapsicanaltic, Ferenczi coloca om rele- voairtonsdadefsic @psiqu- ‘cade evento traumatico 2085- trago que provoca no eu do su- joto, endossa a ideia de neuro- ‘58 traumsticaoprivogiao des: ‘mento (anepaqo pelo aduto «do que aconteceu com acrian- ‘¢2) come podarosa forgatrau- matic. Em Winnicott o trauma Surge como fatoretiolbgico l- gado.aclerentes momentos do desenvolvimento eas tahas do ambiente (entendendo-£0 por ambiente 0 bobé e sua mae), ‘Masud Knan explora oconceto «e ascudo protetar (especial ‘mente emrelago fafa dame no exorccio dessa fungéo) © trauma cumutatvo (concato, do ‘corta forma, ja anunciado em Freud) e Laplanche destaca © lugar do traumatic como vital a constiuea do psiquismo hhumano, num caminho que val a sedupso restita& sedurdo ‘goneralzada No ttimo capitulo, asc: ciminagdes tedricas dos con- caios garham reconhecimanta clinica através da ciscussao de tum fime e do recorte de uma sesstio anallica. Nessa andlise dolineia-se aquilo que é préprio da encenagéo traumatca tanto ointerior do psiquismo quanto na sua vinculagdo.com as.cons- trugdes de nossa cultura con temporénea, No filme A filha do gene ral de Simon West, arealidado alroz e humilhante do estupro ‘seguide do desmentido paterno instaia um quadro traumatico. O sintoma sécico da personagem central, afha do general, esua tencenagao final que a leva & ‘morte nd 6 ofeito doretomo do recalcado mas antes uma ‘compuisao a repetirincessan- ‘temente o acontacimento trau- matico. Em sua andlise revel se a eficdcia da compreensao do desmentido tal como pro posto por Ferenczi. A autora hos mostra, também, como sujet raumatizado tiplamen- te vitimar por no ter mais oob- Jetoidealizado ent percido, por ‘ser objeto da agressio e por cconverter-se ele mesmo em agressor. Na apresentagao da ses ‘0 esooIhida, o que se revela 60 cfeto de uma histéra de trau- ‘mas.ecomo ocorpo do anaiista 6 invadido a ponto ce repetir aquilo que tanto Ferenczicomo Winnicott denunciavam: 0 ana- lista sempre repete a cena do crime. Repete-a como uma for- made possibitarasimboizagao do indzivel eo prosseguimento daandise, Nossa discussdo clinica Myriam introduz a problema- tizagao da condligao bordertine. Nola se poderia iferenciar, se ‘guindo Hugo Beichmareoutros ‘autores, aquilo que é da orem dos transtornos originados polo Confito @aqullo que é daordem os transtomos originados pelo ticitou pela detenao no de- senvolvimento. Uma atengao maior para os indicios dessa ferenciagao, produziré, neces- sariamente, efeitos também sig: rificativos na forma de condu- (go da cura. ‘Ao final, uma conclustio ‘que reafira a posigio da auto- ra: “Alguns autores, inclusive Laplanche, alam da descrigao ‘da neurose traumatica como uma realidade clinica indiscutl- vel. Noentanto, penso que cine discutivel, depois do impacto lraumatico, nao &a presenga da ‘neurose traumatica, mas de um estado traumético, no qual se apresentam as caracteristicas atribuidas & neurose traumalt- ‘a’ (p.145). Segundo sua pers- pectiva 0 que importa ¢ ultra- passar a dicotomia entre uma forma de categorizagao.e outa "clinica do traumat ou‘elinica da dissociagao", ou clinica do irrepresentével versus clinica {da representagao” — e consi-

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