You are on page 1of 41
Organizadores José Marques de Melo Francisco de Assis De a Metodista CoS tts Géneros jornalisticos no Brasil José Marques de Melo Francisco de Assis (organizadores) Sao Bernardo do Campo, 2010 UMESP. Dados Internacionais de Cataloga¢do na Publicagao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Metodista de Sao Paulo) Géneros jornaiisticos no Brasil / organizagio de José Marques de Melo, G286 Francisco de Assis. Sao Bernardo do Campo + Universidade Metodista de Sao Paulo, 2010. 331p. Bibliografia ISBN 978-85-7814-128-8 1. Géneros jornalisticos 2. Jornalismo |. Melo, José Marques de Il. Assis, Francisco de CDD 079.8161 Universidade Metodista de Sao Paulo Rua do Sacramento, 230, Rudge Ramos 09640-000, Sao Bernardo do Campo , SP Tel: (11) 4366-5537 E-mail: editora@metodista.br www.metodista.br/editora Assistente editorial: Maria Zélia Firmino de S& Capa: Cristiano Freitas Editoragdo Eletronica: Editora Metodista Tratamento de imagens: Karina Resende Dias Revisdo: Victor Hugo Lima Alves Permutas e atendimento a bibliotecas: Noeme Viana Timb6 Impresséo: Assahi Grafica e Editora As informagées e opinides emitidas nos artigos assinados sao de inteira responsa- bilidade de seus autores, néo representando, necessariamente, posi¢ao oficial da Universidade ou de sua mantenedora. GENERO INFORMATIVO LAURA CONDE TRESCA O jornalismo tem uma estrutura linguistica, mas é também uma cons- trucdo histérica. Os processos regulares, continuos e livres de informagao e de opiniao sobre a atualidade s6 se constituem com a ascensao da burguesia ao poder e a aboligdo da censura prévia a publicagao. José Marques de Melo explica que, devido a censura posterior a publica¢ao, o jornalismo de opiniao 6, de certa forma, nao incentivado e acaba estimulando 0 jornalismo de infor- macao. Nesse sentido, a bipolarizagao entre jornalismo informativo e jorna- lismo opinativo é construfda historicamente, tendo o primeiro a sua expres- s&o maior no jornalismo inglés e o segundo no jornalismo francés (MARQUES DE MELO, 2003, p. 22). A despeito de todo debate em torno do mito da objetividade’, o género informativo persiste historicamente e linguisticamente. Mas qual o estado da arte das reflexdes sobre o género informativo no jornalismo impresso? Como ponto de partida, 6 necessario pensar em rela¢ao a que as refle- xdes sobre o género informativo no jornalismo impresso avangaram. Assim, o referencial inicial de comparacao adotado foi o pensamento de Marques de Melo (2003), porque é 0 autor que, analisando as produgées bibliograficas europeia, norte-americana, hispano-americana e brasileira sobre esse tema, ao longo do tempo, constituiu a obra mais consistente sobre os géneros jor- nalisticos. Para ele, o género informativo apresenta os seguintes formatos: nota, noticia, reportagem e entrevista. A distingao entre a nota, a noticia e a reportagem esta exatamente na progres- sao dos acontecimentos, sua captacao pela instituicao jornalistica e acessibili- dade de que goza o piblico. A nota corresponde ao relato de acontecimentos que esto em processo de configuragao e por isso é mais freqiiente no radio e 0 chamadas de “mito da objetividade” todas as reflexdes que desmentem a imparcialida- das informagées. GENEROS JORNALisTICOS NO BRASIL na televisdo. A noticia 6 um relato integral de um fato que jd eclodiu no orga- nismo social. A reportagem é 0 relato ampliado de um acontecimento que ja repercutiu no organismo social e produziu alteragées que ja sao percebidas pela instituigao jornalistica. Por sua vez, a entrevista é um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade (MARQUES DE MELO, 2003, p. 66). A fim de identificar até onde 0 saber cientifico se diferencia do saber popular e técnico, 0 primeiro passo dado foi analisar um exemplo do senso comum por meio das definigdes do Diciondrio Houaiss e um exemplo das no- ges técnicas por meio dos conceitos do Novo Manual de Redacdo da Folha de S, Paulo. Posteriormente, foram analisadas a producdo bibliografica e a “literatura cinzenta” * brasileira recente. 1. SENSO COMUM E TECNICO 1.1. 0 picionArio Houaiss No Diciondrio Houaiss (2006, on-line), foram pesquisados os termos nota, noticia, reportagem e entrevista. Desta forma, foi possfvel observar que, no senso comum, os termos noticia e nota se confundem. Nota é definida como “noticia breve e concisa, que se destina a infor- magao rapida”. Noticia tem uma longa relac4o de definicées, mas uma delas é “nota, apontamento”, Outra definic&o interessante de noticia é “relato de fatos e acontecimentos, recentes ou atuais, ocorridos no pais ou no mundo, veicu- lado em jornal, televiso, revista, etc.” (HOUAISS, 2006, on-line). Aqui, o termo definidor é relato, A reportagem, por outro lado, é um resultado da atividade jornalistica, uma fungao: 1 atividade jornalistica que basicamente consiste em adquirir informagdes so- bre determinado assunto ou acontecimento para transforma-las em noticiério 2.0 resultado desse trabalho (escrito, filmado, televisionado), que é veiculado por 6rgaos da imprensa 3. funcao, servico de repdrter; a classe dos repérteres (HOUAISS, 2006, on- line). + Expresso normalmente usada para se referir a obras académicas nao publicadas em livros, 208 artigos publicados em revistas cientificas e papers apresentados em eventos cientificos. 86 GBNERO INFORMATIVO Jaa entrevista, pressupée um encontro em sua definigao: [Ll 2 (1856). vista, coléquio entre pessoas em local combinado, para obtengao de esclare- cimentos, avaliagées, opiniées, etc. 2.1 Rubrica: jornalismo. coleta de declaragées tomadas por jornalista(s) para divulgagao através dos meios de comunicagaio 2.2 Derivacao: por metontmia. as declaragées assim coligidas 3 (sXIX). encontro ajustado; visita (HOUAISS, 2006, on-line). De maneira nao-intencional, também é formulada uma proposta de clas- sificagao, baseada nas condi¢ées de coleta da informagao: coletiva e exclusiva. A primeira é “agendada e concedida especialmente por figura publica ou per- sonalidade de atual relevancia social, politica, econémica, etc. a um grupo de jornalistas de diferentes érgaos de comunicago”. A segunda é “outorgada a uma tinica empresa jornalistica” (HOUAISS, 2006, on-line). Tais definigdes estao muito longe da nogao de reportagem como “pro- gressdo de acontecimentos” ou de entrevista como “relato privilegiado’, se- gundo Marques de Melo (2003). 1.2. Novo MANUAL DE REDACAO DA FOLHA Antes de um produto histérico e uma estrutura linguistica, para a Folha de S. Paulo (1996) as noticias e ideias so mercadorias’, tal como expresso logo na apresentagdo do manual: “A Folha considera noticias e idéias como mercadorias a serem tratadas com rigor técnico” (FOLHA..., 1996, p.5). Anota é definida como “noticia curta’. Tal como no senso comum, nao é possivel definir nota sem o uso da no¢ao de noticia. O elemento diferenciador em relagdo a noticia é a extensdo do texto. Interessante notar também a pre- ocupacao com o carter nao opinativo das noticias. * Theodor Adorno (COHN, 1971), ao criar o conceito de indtistria cultural, e Marcondes Filho (1986), ao explica-lo, no livro O capital da noticia, apontam para essa caracteristica da notf- cia, assumida no Novo Manual de Redagao da Folha de S, Paulo, em 1996. Nao obstante, ainda hoje ha discussao no ambito académico sobre a matéria. 87 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL Anoticia é Puro registro dos fatos, sem opinido. A exatidao é 0 elemento-chave da noticia, mas varios fatos descritos com exatid&o podem ser justapostos de maneira ten- denciosa. Suprimir ou inserir uma informagao no texto pode alterar a significa do da noticia. Nao use desses expedientes (FOLHA... 1996, p. 88). Nao hd referéncia ao termo reportagem, apenas reportagem especial, a qual “requer extenso e minucioso levantamento de informagées. Pade apro- fundar um fato recém-noticiado ou revelar um fato inédito com ampla docu- mentagao ¢ riqueza de detalhes” (FOLHA..,, 1996, p. 93). Observa-se que, na percep¢ao da Folha, a nogdo de “progressdo de acon- tecimentos” entre nota e noticia de Marques de Melo (2003) nao esta presen- te, diferentemente do que acontece com a ideia de reportagem especial, em que o aprofundamento dos fatos é elemento constitutivo. A entrevista, por outro lado, nao é referida pela nogao de “relato privi- legiado”: “a maioria das noticias publicadas no jornal tem entrevistas como matéria-prima, embora nem sempre pareca assim” (FOLHA..., 1996, p. 52). Diferente do senso-comum, outras classificagdes séo propostas para a entrevista: exclusiva e pingue-pongue. 0 critério de nomeagao, entretanto, no é 0 mesmo. A primeira é concessdo a um sé jornalista ou veiculo de co- municacao. A segunda é formato de publicagao pergunta e resposta. 2. A PRODUGAO ACADEMICA 2.1. A PRODUGAO BIBLIOGRAFICA, Chaparro é um dos principais pesquisadores que mantém os géneros jornalisticos como objeto de estudos. No livro Sotaques d’aquém e d’além mar: percursos e géneros do jornalismo portugués e brasileiro, ele procura compa rar os géneros jornalisticos no Brasil ¢ em Portugal. Os pressupostos de sua andlise sao: o jornalismo enquanto linguagem de relato e andlise da atuali- dade realiza-se por um conjunto de técnicas desenvolvidas na experiéncia do fazer; as espécies jornalisticas sao reportagem, artigo/ entrevista, noticia, crénica e coluna; uma espécie pode prevalecer mais em algumas épocas e circunstancias; e o discurso jornalistico nao é auténomo. Para 0 autor, os gé- neros sao “formas discursivas da imprensa” (CHAPARRO, 1998, p. 79). © autor faz um didlogo direto com o trabalho de Marques de Melo, negando radicalmente o paradigma da divisdo entre opiniao e informa¢ao (CHAPARRO, 1998, p. 120). Defende que esta é uma construgao académica e 88 GENERO INFORMATIVO que as contradi¢ées afloram na leitura de jornais. Apés uma longa disserta- GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL. Tabela 2 - Classificagao dos géneros jornalisticos proposta por Manuel Carlos Chaparro Género Comentario Género Relato cao sobre 0 mito da objetividade, adota, como referencial teérico, a proposta - ——— do espanhol Martinez Albertos que, de acordo com suas colocagées, “estabe- Espécies argumen- | Espécies grafico- | 5. cies narrativas | Espécies préticas lece um nivel interpretativo para o relato jornalistico, intermedidrio entre a tativas ~_artisticas informagio e a opiniao, conforme segue: roteiros artigo reportagem indicadores Tabela 1 ~ Classificacao dos géneros jornalisticos proposta crénica caricatura noticia agendamentos por Martinez Albertos (apud Chaparro} cartas charge entrevista previsdo de tempo Estilo Atitude Géneros Modalidades Modo de coluna coluna orlentagdes ateis escrita cartas-consulta Informative | informagao 1. Noticia -reportagem de | narragao (12 nivel) relatar 2. Reportagem | acontecimento descrigao O comentario seria expresso principalmente pelo esquema argumenta- objetiva ~reportagem (fatos) tivo, diferentemente do relato, que é expresso pelo esquema narrativo. - vporeatem Apesar de tentar romper com a dicotomia informativo-opinativo, ao de citacdes propor uma classificagdo alternativa, Chaparro de certa forma retoma os gé- -reportagem neros classicos. Qual é a diferenca substancial do conceito de género comen- de seguimento tario e de género opinativo? Qual é a diferenca substancial do conceito de Informativo | interpretagao | 2. Reportagem expo: género relato e género informativo? Nao fica claro. Tampouco o autor avanca (22 nivel) analisar interpretativa (fatos e ra- 3. Cronica zdes) Editoriali- opiniaio 4, Artigo ou - editorial argumentagao zante persuadir comentario - suelto (razdes - coluna (artigo e ideias) assinado) - critica - tribuna livre (cartas) Fonte: Chaparro (1998, p. 120). Apesar de Martinez Albertos construir um referencial tedrico total- mente diferente, 0 esquema proposto avan¢a um pouco nas classificagdes dos formatos de reportagem. A reportagem de acontecimento “oferece uma visdo estatica dos fatos, como coisa ja acabada” (CHAPARRO, 1998, p. 120). A reportagem de acio trabalha com visao dindmica dos fatos. A reportagem de citagdes privilegia as vers6es sobre os fatos. A reportagem de seguimento narra a continuidade de um acontecimento de um dia para 0 outro. A partir do esquema de Martinez Albertos, Chaparro (1998, p. 123) pro- poe uma classificagao propria: 89 para discutir os formatos de nota, noticia, reportagem e entrevista. Medina é quem contribui para pensar os formatos de entrevista. Define entrevista: “uma técnica de obtencao de informagées que recorre ao particu- lar” (MEDINA, 1986, p. 18). A autora enfatiza o carater dialégico da entrevista e, para propor um esquema de classificacao, baseia-se em Edgar Morin, con- forme mostra o quadro a seguir: ‘Tabela 3 - Classificagdes do formato entrevista propostas por Edgar Morin e por Cremilda Medina Proposta de Edgar Morin Proposta de Cremilda Medina Espetacularizacao | Compreensao _ | Espetacularizacio | _ Compreensao Ps 6 P - perfil pitoresco ee ~ entrevista-rito - entrevista- ~ perfil do inusi- enquete entrevista didlogo porfite onde. | ~iavestigativa anedética -neocontissées | “P nacio - confrontacao ° | - perfil humani- - perfil da ironia |” Pert! humant zado 90 GENERO INFORMATIVO Haveria, desse modo, duas grandes categorias: espetacularizacao e com- preensdo. Dentro da nocao de espetacularizagao, hd os subformatos: perfil do pitoresco, perfil do inusitado, perfil da condenagao e perfil da ironia. Dentro da nocao de compreensao, hd os subformatos: conceitual, entrevista/enque- te, investigativa, confrontacdo e perfil humanizado. Nilson Lage (2001) contribui para esse debate propondo tipos de entre- vistas, de acordo com as circunstancias e objetivos: Tabela 4 - Classificacdo do formato entrevista proposta por Nilson Lage Circunstancias Objetivos ocasional ritual confronto, tematica coletiva testemunhal dialogal em profundidade Em relagao a noticia, Medina (1988) afirma que sua diferenga, em rela- do a reportagem, esta no tratamento do fato jornalistico, no tempo de agaoe no processo de narrar, tendo uma preocupado muito estilfstica. E importan- te lembrar que essa no¢do de tempo também esta presente no pensamento de Marques de Melo: a progressdo dos acontecimentos. Gomis (1991) defende que as caracteristicas préprias dos géneros nas- cem de uma relacao peculiar entre o contetido e a forma. Nao 6a propor¢gao de informacado ou comentario que serve como critério de classificagéo dos géneros, mas a fungao que cumpre. Assim, propée as seguintes categorias: noticia, informe, reportagem, entrevista e crénica. Coimbra (2004) escreve um livro-manual, contribuindo para a classifi- cacao de reportagem, a partir da estruturagdo do texto: reportagem disserta- tiva, reportagem narrativa (testemunha, protagonista, onisciente e draméati- co), reportagem narrativo-dissertativa/ dissertativa-narrativa e reportagem descritiva. As duas Ultimas categorias sao para evidenciar os limites ténues dos formatos propostos: é dissertativo, mas também pode ser narrativo ou é narrativo e contém descricSo. Por sua vez, Grillo (2004, p. 20) faz uma abordagem linguistica, basean- do-se em Bakhtin. Parte do pressuposto de que a noticiaea reportagem sao “géneros informativos por exceléncia”. Defende os titulos como os principais responsdveis pelo carater informativo desses géneros. Consequentemente, a nocao de realidade é criada, embora nao avance na questao dos formatos desse género. 91 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL Dentre as poucas novidades publicadas, hA um livro que nos remete, ainda, a influéncia norte-americana: Elementos do jornalismo, de Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Embora os autores nao tratem diretamente dos géneros, ha que se observar que dao destaque ao jornalismo investigativo, tratando, especificamente, sobre reportagem investigativa original, reportagem inves- tigativa interpretativa e reportagem sobre as investigagées (KOVACH; RO- SENSTIEL, 2004, p. 176-184). Nenhuma obra que trata especificamente do formato nota foi localizada nesta pesquisa. 2.2, A LITERATURA CINZENTA A produgao académica dos tltimos anos voltou-se bastante para a andli- se do discurso. S40 muito recorrentes trabalhos do tipo “como a midia trata/ aborda tal questo”, principalmente na perspectiva da relagao linguagem e ideologia. Outro tipo de trabalho bastante comum é aquele que discute as condigées ou os meios de produgao da noticia. Desta forma, atém-se ao pro- cesso e nao aos géneros. Portanto, s4o poucos os autores que trataram dos géneros jornalfsticos e raros os que trataram especificamente sobre os for- matos do género informativo. Kauffmann se propée a colocar em primeiro plano de andlise a descri- cao linguistica dos géneros jornalisticos. Diz que procurou estudar justamen- te os formatos com maior dificuldade de reconhecimento, como a noticia ea reportagem (KAUFFMANN, 2005, p.40). Para tanto, na perspectiva dos estu- dos da comunicagao, o autor baseia-se principalmente nas obras de Chaparro e de Marques de Melo. Porém, nao avan¢a na proposi¢ao de formatos e acaba por apenas reforgar as constata¢ées feitas anteriormente: “as dimensées re- sultantes reforgam a tese de Marques de Melo J...] de que existe nos géneros uma cis4o basica entre opiniado e informacao” (KAUFFMANN, 2005, p. 40). Lanza (2005) nao trata especificamente dos formatos do género infor- mativo, mas chama a aten¢do para um aspecto importante: a folhetinizagao da noticia. Com isso, ela quer dizer que as noticias e reportagens continuam sendo noticias e reportagens, mas que agora comportam elementos litera- rios. Ou seja, nao constituem um género diferente. Santos (2003) segue a mesma tendéncia, nao tratando especificamente dos formatos do género informativo, Entretanto, chama a atengdo a nogado de “foto como noticia”. Tal perspectiva 6 importante, porque abre a possibilidade de definir noticia nao sé pelo texto escrito, mas também pela imagem. 92 GENERO INFORMATIVO Bonini (2003), autor que mais questiona a tematica, teve apenas a in- tengao de fazer um inventario da literatura sobre os géneros que circulam nos jornais, sem apresentar uma classificagao propria. CONSIDERAGOES FINAIS Marques de Melo defende que os géneros jornalisticos sofrem influén- cia direta da cultura em que se inserem, seja em local ou em um tempo dife- rente. O jornalismo é um fenémeno cuja natureza é 0 efémero, o provisério e o circunstancial. Isso “exige do cientista maior argticia na observagao e me- thor interpretagaio metodoldgica para que nao caia nas malhas do transitério” (MARQUES MELO, 2003, p. 13). Assim, se faz necessaria uma atualizacao constante destes conceitos. Se houve progresso na discussdo sobre a produgao de informagées, a recfproca nao é verdadeira com relagao aos formatos do género informativo: nota, noti- cia, reportagem e entrevista. Como foi debatido, ha pouco avango nas classifi- cagées. Quando hd, 0 critério é pouco consistente. REFERENCIAS BONINI, Adair. Os géneros do jornal: 0 que aponta a literatura da area de co- municagao no Brasil? Linguagem em (Dis)curso, Tubarao, v. 4, n. 1, p. 205- 231, jul./dez. 2003. CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: percursos e géneros do jornalismo portugués e brasileiro. Satarém: Jortejo, 1998. COHN, Gabriel. Comunicagao e industria cultural. Sao Paulo, Companhia Editora Nacional/ Editora da Universidade de Sao Paulo, 1971. COIMBRA, Oswaldo, 0 texto da reportagem impressa: um curso sobre a sua estrutura, S&o Paulo: Atica, 2004. FOLHA DE S.PAULO. Nevo Manual de Redagao. Sao Paulo: Fotha de S.Paulo, 1996. GOMIS, Lorenzo. Teoria del periodismo: como se forma el presente. Barce- lona: Paidés, 1991. GRILLO, Sheila Vieira de Carmago. A produgao do real em géneros do jor- nalismo impresso. Sao Paulo: Humanitas, 2004. HOUAISS ON-LINE, Disponivel em: . Acesso em: 10 jun, 2006. 93 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL KAUFFMANN, Carlos Henrique. 0 corpus do jornal: variasao lingiiistica, gé- neros e dimensées da imprensa diaria escrita. 2005. 170 f. Dissertagao (Mes- trado em Linguistica Aplicada e Estudos da Linguagem) ~ Pontificia Universi- dade Catdlica de Sao Paulo, 2005. KOVACH, Bill; ROSENSTIE, Tom. Elementos do jornalismo. Sao Paulo: Gera- ¢ao Editorial, 2004. LAGE, Nilson. A reportagem: teoria € técnica de entrevista e pesquisa jorna- listica. Rio de Janeiro: Record, 2001. LANZA, Sonia Maria. O jornalismo contemporaneo: paradigma recodifica- do, In: Congresso Brasileiro de Ciéncias da Comunicago, 28., 2005, Rio de Janeiro. Anais eletrénicos... Sao Paulo: Intercom, 2005. MARCONDES FILHO, Ciro. 0 capital da noticia: jornalismo como produgao social da segunda natureza. Sao Paulo: Atica, 1986. MARQUES DE MELO, José. Jornalismo opinativo: géneros opinativos no jor- nalismo brasileiro. 3. ed. Campos do Jordéo: Mantiqueira, 2003. MEDINA, Cremilda. Entrevista: o didlogo possivel. Sao Paulo: Atica, 1986. . Noticia, um produto a venda: jornalismo na sociedade urbana in- dustrial. Sao Paulo: Summus, 1988. SANTOS, Jorge Vianna. O processo de textualizacao do género noticia no jor- nal impresso, relagées intersemidticas entre a linguagem visual da fotogra' jornalfstica e a linguagem verbal da legenda. In: Congresso Brasileiro de Ci- éncias da Comunicagao, 26., 2003, Belo Horizonte. Anais eletrénicos... S40 Paulo: Intercom, 2003. 94 GENERO OPINATIVO ANA REGINA REGO MarIA ISABEL AMPHILO As pesquisas acerca dos géneros jornalisticos, assim como as inquieta- ces e as investigacées sobre varios aspectos relativos ao campo do jornalismo, ganharam félego no século passado, época em que profissionais da comunica- ao e de outras areas do conhecimento, sobretudo da psicologia e das ciéncias sociais, se debrugaram sobre os fendmenos da comunicasao de massa, para, em seguida, se ocuparem dos aspectos que envolvem a produgao jornalistica. No Brasil, Luiz Beltrao destacou-se na pesquisa dos géneros a partir de sua vivéncia como jornalista e de sua experiéncia em sala de aula. A partir da década de 1960, comeca a escrever uma triade de cunho didético para o ensino de jor- nalismo no Brasil, tipo de material até entdo inexistente: A imprensa informativa (1969), Jornalismo interpretativo (1976) e Jornalismo opinativo (1980). Neste «il- timo, encontramos as bases para a reflexdo sobre o género opinativo. A opiniao destaca-se no texto jornalistico como um género consolidado, ja que 6, invariavelmente, claro e, portanto, facilmente identificavel, todavia, sofre atualmente um processo evolutivo considerando, sobretudo, 0 novo jor- nalismo praticado nos suportes on-line, como no jornalismo denominado de open source journalism ou citzen journalism, no qual opiniao e informagao se fundem nos textos dos cidadaos jornalistas e que sao enriquecidos pelos comentarios postados e agregados a cada matéria publicada. Outra afirmacao recorrente é a de que todo discurso jornalistico 6, por natureza, um discurso opinativo, mas ndo necessariamente um género de opiniao. Em matéria publicada no site Comunique-se, em 1° de junho de 2006, sobre jornalismo opinativo, assinada pela redagao do veiculo, so encontra- das as seguintes afirmacdes acerca do mesmo: Mino Carta, diretor de redagao da Carta Capital, acredita que jornalismo abjeti- vo nao existe, pois sua pratica é “sempre necessariamente subjetiva’, cabendo ao reporter esclarecer que 0 que esta sendo narrado é apenas sua versao dos fatos. Zuenir Ventura, colunista de O Globo, aponta que o "chamado jornalismo opinativo tem com 0 leitor um pacto que é mais sincero, ndo tem a hipocrisia de GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL fingir ser objetivo, isento, neutro”. O préprio Chaparro afirma que a dissaciagao entre opiniao e informacao é uma “fraude tedrica e moralista” (TODO JORNA- LISMO..., 2006, on-line). Assim, diante do contexto exposto, o presente trabalho debruga-se ini- cialmente sobre o percurso histérico do género opinativo, para em seguida se dedicar a uma revisao bibliografica acerca do mesmo, da qual se parte para a conceituagao dos formatos. 1. ENTRE A INFORMAGAO E A OPINIAO Ojornalismo brasileiro ja nasceu com essa dicotomia. De um lado, 0 pio- neirismo de Hipélito da Costa, no Correio Braziliense, encampava a apiniao e, mesmo sendo impresso do outro lado do atlantico, debatia a vida politica e os destinos da colénia portuguesa. De outro lado, a Gazeta do Rio Janeiro, que nasce sob o julgo do Estado e destina-se a poucas noticias de uma imprensa “Aulica” e a divulgar os atos oficiais do governo portugués em terras brasil ras, possufa carater mais informativo. Todavia, mundo afora, a disputa por espago nos periddicos é bem ante- rior Segundo Marques de Melo (2003, p. 42), “quando o editor inglés Samuel Buckley decidiu-se pela separacdo entre news e comments no Daily Courant ele inicioua classificagao dos géneros jornalisticos, ja no principio do século XVIII”. E neste século, também, que podemos visualizar uma grande disparidade entre as atuagdes da imprensa francesa que vai optar pelo caminho da opiniao, em face da efervescéncia politica; e da inglesa, que ja se moldaao caminho informa- tivo, empurrada, principalmente, pelo cerceamento a liberdade de imprensa e pelas imposi¢Ses tributarias do governo inglés. Caminho idéntico vai percorrer a imprensa americana, que no século seguinte vai aderir a “objetividade” infor- mativa, como modo de transformar a informacéio em mereadoria e apresentar- se para o mercado, que naquele século seria dominado por uma competi¢ao acirrada, chegando a possuir mais de um jornal com tiragens acima de 500 mil exemplares. Marques de Melo (2003, p.24) enfatiza: Mas sem diivida o jornalismo informativo afigura-se como categoria hegemd- nica, no século XIX, quando a imprensa norte-americana acelera seu ritmo pro- dutivo, assumindo fei¢ao industrial e convertendo a informacao de atualidade em mercadoria, A edigdo de jornais e revistas que, nos seus primérdios, possui carater de participagao politica, de influéncia na vida piblica, transforma-se em negécio, em empreendimento rentavel. 0 radio ¢ a televisdo ja nascem e se afirmam nesse contexto mercantil. 96 GENERO OPINATIVO No Brasil, contudo, a opiniao prevaleceria durante 0 século XIX, decli- nando ao final do Império, mas permanecendo ainda com muita forga até meados do século XX, a partir de quando os veiculos impressos nacionais passam a trabalhar com uma otica mercadologica aderindo A pragmatica nor- te-americana e, buscando, principalmente, a sobrevivéncia pelo viés da logica capitalista, passando a atuar como empresas. Durante as décadas seguintes, 0 espaco da opiniao foi sendo moldado dentro do jornalismo brasileiro e esta passa a interagir com os contetidos informativos de forma concatenada. Des- te modo, os textos opinativos, em geral, se originam em um algum aconteci- mento noticiado pelos textos informativos. 2. AENFASE OPINATIVA NO JORNALISMO A importancia do estudo dos géneros jornalisticos deve-se a necessidade de sistematizacao e categorizacao dos géneros, presentes na imprensa brasileira contempordnea, com o objetivo de servir como base a preparagao de profissio- nais qualificados para a atua¢do na imprensa e, também, no Ambito académico, como embasamento tedrico-metodolégico as pesquisas em comunicagao. O género opinativo, conforme Marques de Melo (2003, p. 102), emerge de quatro micleos: a) da empresa, b) do jornalista, c) do colaborador, d) do leitor. Dessa forma, a opiniao da empresa é destacada de forma opinativa no editorial. A opiniao do jornalista se reflete nas categorias: comentario, resenha, coluna, crénica, caricatura e no artigo, que eventualmente pode ser escrito por um in- telectual ou colaborador. 0 leitor participa desse processo opinativo através de cartas. Assim, Marques de Melo apresenta-nos a participacdo de quatro nticle- os da sociedade que expressam suas ideias na imprensa. Vale ressaltar que nao abordaremos a pesquisa ja realizada por Mar- ques de Melo, mas sim, utilizaremos a sua obra como ponto de partida para as pesquisas posteriores, visto que muitos dos pesquisadores que continuaram a desenvolver essa tematica foram seus alunos. 0 género opinativo, no Brasil, foi analisado por outros pesquisadores, como Cremilda Medina, Manuel Chaparro, Gerson Moreira Lima, que desen- volveram suas pesquisas sobre a opiniao no jornalismo, orientados por Mar- ques de Melo. Além de Marques de Melo, outros autores também se debrucgaram sobre essa questo dos géneros. Ana Atorresi (1995, p. 36-45) aborda os géneros numa perspectiva argentina e os subdivide em informativo, de opiniao e de 97 GENEROS JORNALisTICOS NO BRASIL entretenimento. Para ela, os géneros de opiniao tém como caracteristica basica a estrutura argumentativa que se apresenta na sequéncia hipétese/conclusao. Os géneros jornalisticos sao, conforme a autora, objetos em permanen- te transformag¢do. Isso porque os géneros tomam caracteristicas definidas a partir da relagdo direta que se estabelece entre a lingua e o uso concreto que se faz dela, os homens em suas distintas atividades. Dessa forma, se 0 género discursivo esta essencialmente vinculado a pratica social, a transformacao ou a evolucao da sociedade, essa relagao implicarA necessariamente na im- bricagao dos géneros. Por isso € que Atorresi (1995, p. 41, traducado nossa) afirma que “é inegavel que os géneros se contaminem’, ou seja, tomam algu- mas caracteristicas de outros géneros. Para ela, esta contamina¢ao acontece devido: 1) a identidade dos suportes materiais; 2) a proximidade dos temas abordados; 3) as imagens que se constroem do locutor e dos destinatario e, incluirfamos, a disponibilidade de espaco na publicagao. Outro aspecto responsavel pela hibridagao dos géneros é a insercéo de opiniao em matérias informativas. Esse fendmeno desenvolveu-se no Brasil pela necessidade de legitimagéio da imprensa, ou seja, eram contratados, ou convidados, especialistas sobre determinados assuntos para opinar sobre te- mas que nao eram de dominio jornalistico. Na década de 1980, devido a crescente modernizagao tecnolégica dos meios, frente ao papel ascendente das agéncias noticiosas nacionais e estran- geiras, a principal op¢ao da midia foi pelo jornalismo especializado, de inter- pretacao, ou de investigacaio. Assim, o editorial ea crénica perdem o status de géneros puros, ¢ 0 comentario se sobressai (ATORRESI, 1995, p. 42). A questo dos géneros é polémica devido a dificuldade de encaixe de possiveis textos em determinadas categorias. Isso porque nem sempre 0 au- tor ao escrever seu texto, ou discurso, esté preocupado em prender-se, ou a adequar-se, em determinado género. Carlos Mendoza (1989) aborda, em seu livro Opinion Publica y Periodis- mo de Opinion, algumas categorias opinativas presentes na imprensa argen- tina da década de 1980, tais como: editorial, comentario, coluna, entrevista de opiniao, o “rumor” e a critica. Antes, porém, o autor aborda a questao da opinido ptiblica desde as suas definicées, classificagées, o sistema de opiniao publica, a formagado da opiniao publica, o lider de opiniao e, por fim, um pa- norama histérico da opiniao publica, para depois entrar na questo do jorna- lismo opinativo na Argentina. 98 GENERO OPINATIVO E interessante a maneira como Mendoza expde a questo opinativa nos periddicos, pois a América Latina esteve, por muitos anos, dominada pelo re- gime militar e a opiniao nos periddicos era manipulada, de forma a fazer com que a populacao nao tivesse acesso a muitas informagées e, por outro lado, apoiassem o governo militar. A preocupag¢4o constante do autor, que transparece em seu texto, é 0 ca- rater didatico e educativo. 0 autor explica constantemente o processo histori- co opinativo e mostra como determinada categoria pode ser mais bem apro- veitada na redagio jornalistica. 0 editorial, por exemplo, Mendoza (1989, p. 185) subdivide em trés partes: 1) expositiva; 2} analitica e fundamentadora; e 3) enjuiciadora. Além disso, expde um plano de redagao, como algo neces- sario para a elaboragao do editorial. Vinculado 4 empresa, no entanto, perma- nece inquestionavel, apontando para a ideologia dominante e expressando a visao da companhia sobre determinado assunto. Para Mendoza, na década de 1980, as colunas eram os espacos mais lidos na imprensa Argentina. Ele afirma que: “columnas de misceldneas o chismografias se encuentran hoy en los principales diarios argentinos y, nadie, puede negarlo, se caracteriza por ser uno de los espacios mas leidos. Como es natural envases suelen confundir al publico” (MENDOZA, 1989, p. 214), Dessa forma, a coluna é considerada como a categoria opinativa preferida dos lei- tores argentinos. 0 “rumor” é caracteristico da Argentina. Essa categoria opinativa de- senvolveu-se nesse pais durante 0 Processo de Reorganizacdéo Nacional (24/03/1976-10/12/1983), momento em que a sociedade e o jornalismo argentino sofreram com os regimes militares. O autor afirma que “se trata de un fendmeno singular que nosotros preferimos distinguirlo como rumor del miedo, para emplear una denominacién paralela al temor que desalienta a los pueblos sometidos a dictaduras” (MENDOZA, 1989, p. 245-246). Ele refere-se ao rumor como um “fendmeno cruel” que a imprensa Argentina teve que su- portar em tempos de ditadura militar. Mendoza (1989, p. 255) ainda afirma que o rumor 6 uma informagiio que “provoca zozobra, intranquilidad, inestabilidad’. Hoje, 0 rumor nao esta somente vinculado a politica Argentina, mas ao ambiente esportivo, artistico, social e doméstico (MENDOZA, 1989, p. 262), apresentando-se em periédicos clandestinos e rudimentares, contando com uma imprensa precaria. Em al- gumas formas, pode assemelhar-se ao cordel brasileiro ou aos sueltos. 99 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL A glosa, denominagao utilizada no jornalismo argentino do inicio do século XX, nado é uma pratica muito comum na imprensa daquele pais nos dias atuais, porém quando surge, em momentos raros, vem com a expressdo suelto e, 6 utilizado em complemento a uma crénica ou uma nota (MENDOZA, 1989, p. 221). 3. O GENERO OPINATIVO NO WEBJORNALISMO Geane Alzamora (2001), em estudo acerca do jornalismo cultural on- line, propée uma revisdo dos géneros informativo, interpretativo e opinativo, sugerindo uma possivel convergéncia entre estes, sob 0 enfoque da semiéti- ca. Tratando especificamente da abordagem cultural no jornalismo praticado dentro do suporte on-line, a autora ressaita: ‘Teriamos, entao, trés grandes tipos de textos em Jornalismo Cultural. Em nivel de predominancia de primeiridade, estariam as crOnicas e charges, por serem, estes, textos que ampliam as possibilidades da linguagem jornalistica, sugerindo inter- pretages metaforicas (alusdo A primeiridade) da realidade. Em nivel de secun- didade, ow seja, na predominancia da “arena do cotidiano’, terfamos as criticas ¢ reportagens, por serem tipos de textos que indicam (marca da secundidade) os objetos aos quais se relacionam. Em terceiridade estariam as colunas e editoriaig, por serem esses os textos que representam simbolicamente (caracteristica da ter ceiridade) a opiniao do jornal ou do articulista (ALZAMORA, 2001, p. 4) Em seu raciocinio, a autora destaca que as crénicas e as charges, por suas caracteristicas especificas, tém maior liberdade para tratar os aconte- cimentos, j4 que a relagao destas com a realidade nao é literal, portanto, nao havendo um compromisso com a fidedignidade dos fatos. Por outro lado, as colunas e os editoriais fundamentam-se nas noticias veiculadas, assim como em criticas, charges e crénicas, “procurando direcionar o curso da interpre- tacao desses fatos a partir da argumenta¢do opinativa de seus autores. Desse modo, representam, simbolicamente, a opiniao do jornal e de’seus articulis- tas” (ALZAMORA, 2001, p. 4). Em outro viés, mas dentro do mesmo universo, Lia Seixas (2004) se propée a analisar os géneros jornalisticos digitais a partir da observacao das praticas discursivas, tendo como base a andlise de discurso. Em sua visao, a fungao do texto nao se restringe ao universo da intencionalidade do autor, mas “deve ser trabalhada como cumprimento dos poderes, papéis estatuto implicado no contrato de leitura de determinada prdtica social discursiva (género)” (SEIXAS, 2004, p. 3). 100 GENERO OPINATIVO A autora procura, entao, analisar a realidade dos géneros, a partir das caracteristicas peculiares do veiculo, tais como convergéncia de midia, me- méria mtitipla, hipertextualidade, tempo multicrénico, dentre outras. E bem verdade que seu texto nao apresenta conclusées definitivas, mas fornece pis- tas de que algo esta em mutagao. Jean Utard (2003), também, no ambiente da internet, apresenta duivi- das concernentes ao processo de hibridagao dos géneros midiaticos, colocan- do em diivida se estes dao conta de relagées permissivas entre jornalismo e publicidade, por exemplo. O fato é que, no ambiente da rede mundial de computadores, 0 discurso jornalistico vai se revestir de uma nova roupagem, a partir das peculiaridades impostas pelas condicées de producao e dispersao da informagao, pela relacao dialdgica entre emissor e receptor, pelo carater reticular do canal midiatico, como também, pelas condigdes de armazenamento e facilidade de acesso a ar- quivos hiperlinkados no universo on-line. Tudo isso vai nos fornecer uma plu- ralidade de fontes, uma otimizagao da interatividade, uma hipertextualidade infinita, possibilidades de hipermidiabilidade, que fazem com que uma noticia se transforme, apés alguns cliques, em um dossié, composto por intimeras uni- dades de informacoes de diversos formatos e, portanto, pertencentes a géneros diversos, como uma reportagem e um artigo, ambos referentes a um mesmo assunto, ou ainda, uma charge e uma cronica, por exemplo. A seguir, enfatizamos os formatos do género opinativo, sob a otica de alguns autores. 4, FORMATOS DO GENERO OPINATIVO 4.1, EDITORIAL Conforme Marques de Melo (2003, p. 75), o controle do editorial re- cai sobre o editor, que representa o grupo mantenedor. O principal problema dessa categoria opinativa é “estabelecer 0 equilfbrio entre duas tendéncias: atender requisitos técnicos e econémicos ¢ exercer livremente a sua fungao sécio-espiritual”, Dessa forma, o editorial é considerado como a voz do jornal tendo diregéio ideolégica (MARQUES DE MELO, 2003, p. 73). Segundo Beltrao (1980), 0 editorial possui cinco categorias, conforme se- gue: 1) morfologia (artigo de fundo, suelto, nota), 2) topicalidade (preventivo, de ag4o, de consequéncia), 3) contetido (informativo, normativo, ilustrativo), 4) estilo (intelectual e emocional!) e natureza (promocional, circunstancial e¢ 101 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL polémico). Essa classificagao de Luiz Beltrao, que se sedimentou, continua atu- al e também foi adotada por Marques de Melo (2003, p. 110-111). Nao encontramos divergéncias significativas nos autores que trabalham a questo dos géneros, pois essa formulagao elaborada por Beltrao tornou-se aceita pela maioria dos pesquisadores. Qs editoriais jornalisticos foram analisados por Geder Luis Parzianello (2003), em sua dissertagao de mestrado, intitulada A idealizagéo do leitor: uma andlise dos editoriais jornalisticos. Fron Brum (1981), por sua vez, escreveu Proce- dimento editorial do verculo/jornal frente & interrupcdo de processos politicos. 4.2. ARTIGO O artigo possui caracteristicas id€nticas ao editorial, quanto a topicali- dade, ao estilo e a natureza. Porém, sua estrutura (titulo, introducao, discus- sio/argumentagao e conclusao) nao implica diretamente ao editor, Os artigos “nao traduzem necessariamente a opiniao do jornal” {MARQUES DE MELO, 2003, p. 65). Os autores de artigos normalmente sao pensadores, escritores e especialistas em diversos campos e cujos pontos de vista interessam ao co- nhecimento e divulgagao do editor e seu publico tipico. Os articulistas sao convidados, raramente um autor desconhecido do editor e do publico tem as honras da inclusao de seu artigo na pagina nobre do jornal. Assim como os cronistas, os articulistas, em alguns casos, sao li- teratos, e como nao sao submetidos A pressao do dia a dia, podem elaborar melhor sua matéria, 0 que as vezes as tornam ontolégicas. 0 que no Brasil é um artigo, na imprensa britanica Afranio Coutinho identificou como for- mal essay. Por sua vez, Martinez Albertos (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 122), pioneiro nos estudos dos géneros jornalisticos na Espanha, subdivide o artigo em duas categorias: o artigo editorial e 0 artigo comentario. Martin Vi- valdi (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 122-123), a partir da realidade da Argentina, identifica dois elementos especificos no artigo: a sua atualidade € 0 seu carter opinativo. J4 Marques de Melo (2003, p. 123) identifica duas espécies de artigos: o artigo propriamente dito e o ensaio. Essas diferencas se dao em dois niveis: no tratamento dado ao tema e em termos de argumen- tagdo, Enquanto 0 artigo contém julgamentos provisérios, o ensaio apresenta pontos de vista mais definidos ¢ alicergados com solidez, buscando fontes que legitimam a sua credibilidade. Além disso, Marques de Melo (2003, p. 121-128) subdivide o artigo quanto a sua finalidade, como artigo doutrinario (analisa uma questo suge- 102 GENERO OPINATIVO rindo um ponto de vista ao publico) ou cientifico (objetiva tornar publico os avangos da ciéncia). 4.3, RESENHA OU CRITICA Aresenha corresponde a apreciagao de uma obra, tendo por finalidade orientar seus consumidores, ou apreciadores. Jd a critica é a unidade jornalis- tica que cumpre a fungdo de julgamento estético. Segundo Marques de Melo (2003, p. 129), essa diferenciagao deu-se na transigao da fase amadoristica do jornalismo brasileiro, para o periodo profissionalizante, em que houve uma valoracdo acentuada dos produtos culturais. Dessa forma, a resenha na imprensa brasileira 6 elaborada por jornalistas, o que nao exclui a presenga dos criticos, que sao solicitados para cobrir areas da produgao cultural. Todd Hunt (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 132) afirma que existem duas modalidades da resenha: autoritaria e a impressionista. Outro autor que trabalha a questo é Fraser Bond (1962), que subdivide suas modalidades em quatro: classica, relatorial, panoraémica e impressionista. A resenha, enquanto categoria do género opinativo, continua evoluin- do na imprensa brasileira e aparecendo de diversas formas, as vezes muito simples e outras mais elaboradas. Isso ocorre de acordo com o ptblico-alvo do vefculo informativo. Por vezes, nos jornais considerados mais populares, a resenha aparece poucas vezes e, em algumas delas, aproxima-se do roteiro, enquanto um pequeno comentario de um filme, ou pega teatral, com o objeti- vo de consumo de bens culturais. 4.4, COLUNA Conforme Fraser Bond (1962), a coluna surgiu na imprensa norte-ame- ricana em meados do século XIX, na época em que os jornais deixavam de ser doutrinarios e assumiam um cardter mais informativo. A sociedade clama- va por uma mudang¢a estrutural, em que as matérias fossem assinadas pelos seus elaboradores. Dessa forma, come¢aram a emergir segdes sob a respon- sabilidade de jornalistas, com o intento de superar a impessoalidade, 0 que gerou um jornal “de valor informativo e de vigor pessoal”. Acoluna aparece no jornalismo norte-americano de quatro formas assim categorizadas por Marques de Melo (2003, p. 141): a) coluna padrao; b) colina miscelanea; c) coluna de mexericos; d) coluna sobre os bastidores da politica. Na imprensa brasileira, a coluna é muito utilizada e, algumas vezes, aproxima-se a outras categorias, dando margem a ambiguidades, podendo 103 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL abranger o comentario, a crénica e até a resenha, Atualmente, pode-se per- ceber a proximidade com as notas, pois 0 Didrio de S. Paulo, por exemplo, condensa um grupo de notas em um espaco intitulado “Giro”. Sao pequenas notas agrupadas, que acabam formando uma coluna, mas nao sao assinadas, enquanto que as colunas, assim nomeadas, sao assinadas. A coluna, segundo Barbosa e Rabaga (2001, p. 148), 6 a “se¢ao especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade e geralmente assinada, redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticidrio comum’. Marques de Melo (2003, p. 143-144) subdivide o colunismo em trés partes: 1) o colunismo atende a uma necessidade de satisfagdo substitutiva existente no ptiblico leitor; 2) o colunismo tem a fungao de “balao de ensaio”: insinua fatos, lanca ideias sugere situagdes, com a finalidade de avaliar as re- percussées; 3) alimentando a vaidade de pessoas importantes, o colunismo oferece modelos de comportamento, estimulando 0 modismo. Dessa forma, 0 colunismo participou, e continua vivo, na imprensa brasileira, como um me- canismo de reproducao social e de controle politico da sociedade. Acoluna é, portanto, uma categoria opinativa que pode aparecer de for- ma hibrida, por exemplo, na coluna social, em que, por vezes, aproxima-se da cr6nica e, por outro lado, é um noticidrio de acontecimentos, 0 que Marques de Melo (2003, p. 148) chama de folhetim do cotidiano burgués, 4.5, COMENTARIO O comentario surge na imprensa como uma reacdo ao monopdlio do edi- torial. Devido aos acordos e concessées ao Estado, a grupos econémicos, a au- diéncia, tornou-se “incémodo manter o monopélio opinativo que expressava, através do editorial, o ponto de vista das forgas diretamente responsaveis pelo funcionamento da empresa jornalfstica” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 113). Dessa forma, 0 comentario emerge com forma e contetdo a ser traba- lhado e de toda a responsabilidade do comentarista, que é um profissional valorizado, devido a sua bagagem cultural, estando apto para emitir opinides e valores, sendo visto pela sociedade como um lider de opiniao. Na imprensa brasileira, o comentario ficava a cargo dos intelectuais ou de reporteres destacados, e nado dos redatores. Conforme Marques de Melo (2003, p. 114), aqueles que se destacavam na redacdo eram cogitados para trabalhar com os editoriais, se conseguissem agradar 4 empresa. Para Mart{nez Albertos {apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 115), 0 co- mentario é o editorial assinado. JA Eugénio Castelli, também citado por Mar- 104 GENERO OPINATIVO ques de Melo, afirma que o comentario é um género intermediario entre o editorial e a crénica, induzindo o leitor a ironia e, algumas vezes, ao humor da crénica. 4.6. CRONICA Forma de expressao do jornalista/escritor, a crénica tem por objetivo transmitir ao leitor seu jufzo sobre fatos, ideias e estados psicoldgicos pes- soais e coletivos. Tem, em seu sentido tradicional, o relato de acontecimento de ordem cronolégica (kronos = tempo), reportando-nos a atualidade, ao mo- mento, ao instante. Na sua origem, era um género histérico. Conforme Mar- ques de Melo (2003, p. 139), os primeiros textos histéricos sao justamente as narragoées de acontecimentos, feitas por ordem cronoldégica, desde Herddoto e César a Zurara e Caminha. Segundo o autor, a atividade dos “cronistas” vai estabelecer a fronteira entre a logografia — registro de fatos, mesclados com lendas e mitos - e a histéria narrativa - descrigao de ocorréncias extraordi- narias baseadas nos principios da verificacao e da fidelidade. Dessa forma, a crénica assume o carater de relato circunstanciado sobre feitos, cenarios e personagens, a partir da observa¢ao do préprio narrador ou tomando como fonte de refer€ncia as informaoes coligidas junto a protagonistas ou teste- munhas oculares. Tem, também, a intencdo de resgatar episédios da vida real para uso da posteridade, impedindo que “as agées realizadas pelos homens se apaguem com 0 tempo”. “O descobrimento e a conquista do novo-mundo, a terra e seus habitantes séo descritos em cartas-relatérios ¢ crénicas dos soldados, dos catequistas e dos viajantes” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 141-142). Género cultivado por escritores, a crénica passa da histdéria e da litera- tura para o jornalismo, ocupando as colunas da imprensa didria e periddica. Martin Vivaldi (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 141) caracteriza a crénica jornalistica como a “valora¢do do fato, ao tempo em que se vai narrando, O cronista, ao relatar algo, nos da sua versdo do acontecimento; p6e em sua narracdo um toque pessoal”, Assim, a crénica vem sendo praticada desde o século passado na imprensa europeia e americana, afigurando-se como um género jornalistico. A tese central, para Marques de Melo (2003, p. 142), 6 a de que a cré- nica, no jornalismo hispano-americano, configura-se como um género in- formativo, enquanto no jornalismo luso-brasileiro adquire a fisionomia de um género tipicamente opinativo. O autor afirma que “o lugar da crénica no 105 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL jornalismo luso-brasileiro 6 o das paginas de opiniao” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 147). O que distingue a crénica dos demais géneros opinativos é 0 “acento lirico’, dito por Afranio Coutinho, que tinha por objetivo, na imprensa brasileiro do século XIX, o entretenimento. Vale ressaltar que, ap6s a Semana de Arte Moderna, em 1922, a cronica assume fei¢ao de género tipicamente nacional, mais precisamente, na década de 1930. Segundo Paulo Ronai e Antonio Candido (apud MARQUES DE MELO, 2003), emergem cronistas como Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond e, “o” cronista exclusivo desse género, propriamente dito, sendo seu maior representante, Rubem Braga. A crénica brasileira, para Marques de Melo (2003), tem duas faces: a crénica de costume, que se valia de fatos do cotidiano, como fonte de inspi- ragao para um relato poético ou descrico literdria; e a crénica moderna, que figura no corpo do jornal, como matéria liga ao espirito da edicdo noticiosa. Dessa forma, da crénica moderna emergem textos que, inspirados no cotidia- no, trazem a critica social, reforgando seu carater opinativo. 4.7, CHARGE E CARICATURA As charges e fotos aparecem na imprensa brasileira como a “opiniao ilustrada’, ao lado da caricatura, que é uma forma de ilustragdo que a im- prensa absorve com 0 sentido nitidamente opinativo. Sua origem semantica (caricare) corresponde a ridicularizar, satirizar, criticar. Enquanto género jornalistico, a caricatura cumpre uma fungao social mais profunda: motiva o leitor e produz uma percepgiio ripida da opiniao que se torna instrumento eficaz de persuasdo. Marques de Melo (2003) identifi- ca varias espécies: Caricatura (propriamente dita): retrato humano; charg: critica humoristica do fato; cartoon: anedota grafica, critica mordaz; comi historias em quadrinhos. No jornal, aparece de forma seriada. 4.8. CARTA Finalmente, a carta revela a opiniao do leitor. Constitui 0 primeiro for- mato a possibilitar a expressdo da audiéncia. Surge ainda no século XIX e, por meio dela, os leitores passam a se manifestar sobre os diversos assuntos veiculados nos jornais ou sobre pautas que nestes nao tiveram espagco. A adogdo de uma segao de cartas vai dar aos impressos, também, a oportunidade de conhecer o pensamento do seu puiblico, e a evolugao desse formato vai possibilitar o nascimento de indimeras formas de interatividade, 106 GENERO OPINATIVO nos mais diversos suportes midiaticos, que, por suas caracterfsticas especi- ficas, vao tornar o relacionamento cada vez mais préximo entre audiéncia e veiculo de comunicagao. ConcLusAo . Os géneros jornalisticos nao sao estaticos. Ao contrario possuem tendén- cia hibrida e dialética. Estéo intrinsecamente relacionados ao movimento da sociedade aliada aos meios de expresso social. Qualquer alteragéie nos con- textos sociais e nos processos de difusao da informagao pode ocasionar uma mudanga nos géneros, ou possibilitar uma nova nuance a ser considerada. A mutabilidade e a hibridizagdo sao caracteristicas dos géneros jorna- l{sticos e literérios, com uma tendéncia a nacionalizagao, assumindo caracte- risticas proprias em cada pais e sofrendo alteragdes com as mudangas politi- cas e sociais, adequando-se a realidade conjuntural. Diante do contexto apresentado e mesmo considerando a evolugao do jornalisme, percebe-se a consolidagao crescente do género opinativo, incluin- do nesta afirmativa, a consolidag4o dos formatos opinativos, propostos pelos autores que elencamos ao longo deste capitulo, que cada vez mais ganham espago no texto jornalistico, a exemplo das cartas, voz do leitor, que agora sao interativas em diversos suportes, e podem inclusive ser a propria matéria jor- nalistica ou pauta para que o veiculo de comunicagao a transforme em uma grande reportagem. Nao é de se admirar, portanto, que, conforme Marques de Melo (2003), no Brasil, haja uma inclina¢ao muito forte para 0 jornalismo opinativo, ten- déncia encontrada também em outros paises, como a Espanha, onde o jor- nalismo de referéncia, praticado por veiculos como EL Pais, se consolida por meio de um forte viés opinativo, que faz com que opinido e informagao dispu- tem a mancha grAfica de igual para igual. REFERENCIAS ALZAMORA, Geane Carvatho. Jornalismo cultural on-line: uma abordagem semiotica. In; Encontro Anual da Associagao Nacional dos Programas de Pés- Graduacao em Comunicagao, 10,, 2001, Brasilia. Anais eletrénicos... Brasilia: Compés, 2001. Disponfvel em: . Acesso em: 14 jun. 2006. ATORRESI, Ana, Los géneros periodisticos. Buenos Aires: Ediciones Colihue, 1995. 107 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL BARBOSA, G.; RABAGA, C. A. Dicionario de comunicagao. 8 ed. Rio de Janei- ro: Elsevier, 2001. BELTRAO, Luiz. A imprensa informativa: técnica da noticia e da reportagem no jornal diario. Sao Paulo: Folco Masucci, 1969. .Jornalismo interpretativo. Porto Alegre: Sulina, 1976. . Jornalismo opinativo, Porto Alegre: Sulina, 1980. BOND, Fraser, Introdugao ao jornalismo: uma analise do quarto poder em todas as suas formas. Sao Paulo: Agir, 1962. BRUM, Eron. Procedimento editoria! do veiculo/jornal frente a interrup- cdo de processos politicos. 1981. Dissertacd4o (Mestrado em Ciéncias da Co- municacao) - Universidade de Sao Paulo, 1981. CASASUS, Joseph M.; LADEVEZE, Luis N. Estilo y géneros periodisticos. Bar- celona: Editorial Ariel, 1991. MARQUES DE MELO, José. Jornalismo opinativo: géneros opinativos no jor- nalismo brasileiro. 3. ed. Campos do Jordao:; Mantiqueira, 2003. MENDOZA, Carlos A. Opinién publica y periodismo de opinién. San Juan: UNS}, 1989. PARZIANELLO, Geder Luis. A idealizagao do leitor: uma anilise de editoriais jornalisticos a partir da no¢4o de auditério em Perelman e Olbrechts-Tyteca. 2003. Dissertacao (Mestrado em Comunicagao e Informagao) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. SAMUEL, Roger (Org.). Manual de teoria literaria. Petrépolis: Vozes, 1997. SEIXAS, Lia. Géneros jornalisticos digitais: um estudo das praticas discursivas no ambiente digital. In: Encontro Anual da Associago Nacional dos Progra- mas de Pés-Graduagao em Comunicagao, 13., 2004, Sao Bernardo do Campo. Anais eletrénicos... Sao Bernardo do Campo: Compés, 2004. Disponivel em: . Acesso em: 14 jun. 2006, TODO JORNALISMO 6 opinativo, alguns assumem. Disponivel em: . Acesso em: 06 jun. 2006 UTARD, Jean Michel. O embaralhamento nos géneros midiaticos, Géneros de discurso como conceito interdisciplinar para 0 estudo das transformacées da informa¢ao midiatica. Comunicagao e Espago Publico: Revista da Faculda- de de Comunicagao da UnB, Brasilia, ano 6, n. 1, p. 65-82, 2003. 108 GENERO INTERPRETATIVO LAILTON ALVES DA COSTA JANINE MARQUES PaAsSINI LUCHT Antes de ingressar na questao do género, destacamos uma consonancia notada na literatura, que diz respeito ao marco inicial do jornalismo interpre- tativo no Brasil. Leandro e Medina consideram que o estabelecimento do jornalismo inter- pretativo no Brasil se dé com a criagaio do Departamento de Pesquisa e Documen- taco do Jornal do Brasil, na década de 1960 (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 22). O mesmo se da com Luiz Beltr4o ao citar o jornalista Alberto Dines e a passagem deste profissional pelo jornal Didrio da Noite, como tentativa de “ins- titucionalizar ‘o jornalismo analitico e interpretativo... com um certo tipo de matéria intitulado Por tras da noticia, ligado por uma numeragcao as respecti- vas noticias” (BELTRAO, 1976, p. 45, grifo no original). Beltrao também desere- ve a passagem de Dines pelo Jornal do Brasil, cujo Departamento de Pesquisa e Documentagio, implantado pelo jornalista, embasava as explicagdes para 0 noticidrio diario com dados permanentes (BELTRAO, 1976, p. 46). Mario Erbolato (1991, p. 27) relaciona o surgimento deste departamen- to ao da TV e pontua que a televisdo “obrigou o resto da veiculagao a apres- sar-se para entrar em seu ritmo e satisfazer as novas necessidades que criow” dando origem a “era do jornalismo interpretativo, anal{tico, avaliador”. Ao fa- zer frente ao telejornal, os jornais impressos escolheram a estratégia de “dar ao leitor reportagens que sejam complemento do que foi ouvido no radio e na televisao. Adotou-se, para isso, a pesquisa, tendo como fonte os arquivos dos jornais e as bibliotecas e, ao lado deles, a obtida através da movimenta- cao de equipes de repérteres” (ERBOLATO, 1991, p. 30, grifo no original). O resultado foi o surgimento do jornalismo interpretativo “também conhecido comp jornalismo em profundidade, jornalismo explicativo ou jornalis- mo motivacional” (ERBOLATO, 1991, p. 31, grifo no original). Sobre a implantagao do Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, Nava (1996) realizou pesquisa para uma dissertacdo de mestrado e diz tratar- se de um pioneirismo na fundagao do jornalismo interpretativo no Brasil, “re- conhecide por todos os autores e estudiosos” dedicados ao tema. Para a autora, GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL Alberto Dines foi o responsdvel pela implantagao do jornalismo interpretativo no pais, concebendo-o “como possibilidade de enfrentamento ao alcance e agi- lidade dos telejornais, e tem seu principal fator desencadeante, no caso brasi- leiro, diretamente ligado ao aparecimento da TV” (NAVA, 1996, p. 21). O mesmo se da com a tese de doutorado de Gerson Moreira Lima (2002, p. 42), que ressalta 0 mesmo episédio como “um dos marcos da histéria do jor- nalismo interpretativo no Brasil” e aponta Alberto Dines como um dos jornalis- tas brasileiros que melhor define os objetivos da interpretagdo jornalistica. INCURSOES PIONEIRAS Apresentado esse ponto de entendimento, vejamos agora a diversidade conceitual que traz.a literatura sobre o género interpretativo. Paulo Rober- to Leandro e Cremilda Medina (1973) consideram que ja existia nos jornais brasileiros, na época do langamento do estudo A arte de tecer o presente, as primeiras manifestacdes no plano pratico do que os norte-americanos cha- maram de jornalismo interpretativo. Na obra, os autores buscam aproximar o conceito de interpretacao ~ ba- seado em Freud e Nietzsche - ao de jornalismo interpretativo. Se a interpre- tacgdo procura “encontrar o sentido das diferentes forgas que atuam num fe- némeno” o jornalismo interpretativo nao se contenta “com um relato mais ou menos perceptivo do que esta acontecendo, mas busca um aprofundamento” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 15). Dessa aproximacao surge o conceito dado por eles para esta “fase modernamente interpretativa” (os autores ndo o tra- tam como género): “Jornalismo interpretativo é realmente o esforco de deter- minar o sentido de um fato, através da rede de forgas que atuam nele - ndo a atitude de valoragao desse fato ou de seu sentido, como se faz em jornalismo opinativo” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 16), Uma das preocupagées dos autores é estabelecer a diferenga entre in- terpretar e opinar. Na interpretagao, como se viu acima, se busca o sentido das forcas que atuam num fenémeno, ao passo que na avaliacao se procura “atribuir valores a esses sentidos” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 15). Isso se mostrayelevante porque, conforme os autores também destacam, em seu ini- cio, nos Estados Unidos, 0 jornalismo interpretativo foi confundido “com uma nova dimensao de tratamento opinative” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 19). E quais as caracteristicas do jornalismo interpretativo para os autores e qual o formato que assume na imprensa? Para eles, na passagem da fase informativa para a fase interpretativa, 110 GENERO INTERPRETATIVO as linhas de tempo e espago se enriquecem: enquanto a noticia registra o aqui, o ja, o acontecer, a reportagem interpretativa determina um sentido desse aqui num cfrculo mais amplo, reconstitui o ja no antes e no depois, deixa os li- mites do acontecer para um estar acontecendo atemporal ou menos presente. Através da complementagao de fatos que situem ou interpretem o fato nuclear, através da pesquisa histérica de antecedentes, ou através da busca do humano permanente no acontecimento imediato, a grande reportagem é interpretacdo do fato jornalistico (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 23, grifo no original). Na cita¢do acima, aparecem grifados 0 que se poderia enumerar como elementos do jornalismo interpretativo, segundo esses autores. Tais elemen- tos sao mais bem evidenciados em outro trecho em que sugerem 0 acréscimo de algumas questées as tradicionais perguntas do lead: “em que contexto? com que raizes? e com que envolvimento humano?” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 28) '. Segundo os autores, para transformar a noticia em uma reportagem interpretativa, usa-se trés diregées. A primeira é articular, ao fato nuclear, “outros fatos que o situam num presente e num espaco conjunturais. A in- terpretagao da um sentido, no tempo e no espago, ao acontecimento isolado, relaciona-o a seu contexto” (LEANDRO; MEDINA, 1973, p. 28), A segunda di- recao é a valorizagao do humano no fato jornal{stico, no sentido de conduzir o relato a um “nivel de generalizagao capaz de encontrar as preocupacées do conjunto do publico, fazendo-o reviver a histéria como se ele proprio fosse 0 heréi”. E por fim, uma aproximagao da informagao jornalistica com a infor- magao cientifica, entendida como “um quadro de referéncia criteriosamente reconstituido” e com suporte em pesquisas bibliogrdfica e de arquivo (LEAN- DRO; MEDINA, 1973, p.32). Em resumo, os elementos do jornalismo interpretativo, segundo Lean- dro e Medina, so: aprofundamento, antecedentes (temporais, espaciais e do fato), contextualizagao e humanizagao e o formato desta “fase” seria a repor- tagem interpretativa, conforme o quadro: ‘ Essas questdes foram retomadas por Medina em obra posterior: “o aprofundamento do contexto (ou das Forgas que atuam sobre o factual imediato), a humanizagio do fato jor- nalistico (tratamento de perfis, historias de vida ou protagonismo), as raizes hist6ricas do acontecimento atual e os diagnésticos ¢ progndsticos de fontes especializadas” (MEDINA, 2003, p. 127). ii GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL, Quadro 1 - Formato e elementos do jornalismo interpretativo segundo Leandro e Medina Formato Elementos Reportagem interpretativa | aprofundamento, antecedentes (temporais, espaciais . e do fato), contextualizacao e humanizacao Outra obra do periodo é a de Luiz Beltrao. Publicada em 1976, volta-se para a questo da interpretagao jornalistica. Nela, a interpretacao é vista sob dois aspectos. No primeiro, trata-se de algo inerente & prépria atividade jor- nalistica no ato de selegéio do que ser noticiado: “A interpretagao jornalistica consiste no ato de submeter os dados recolhidos no universo das ocorréncias atuais e idéias atuantes a uma selecao critica, a fim de proporcionar ao pitbli- co os que sao realmente significativos” (BELTRAO, 1976, p. 12). Nessa otica, a interpretagao jornalistica sera, para o autor, uma “atitude de officio” do jornalista e consiste numa “analise preliminar de submeter as dados recothidos a uma sele¢ao critica, e transforma-los em matéria para a divulgagao” (BELTRAO, 1976, p. 47, grifo no original). O problema é que, nesse aspecto, Beltrao apresenta certa confusdao, ao notar que hd uma insisténcia em uma espécie de paternalismo ou maestralismo do jornalista (editor) para com a audiéncia. A interpretagao de que se trata é do jornalista, e nao do publico. 0 que se oferece a esse ptiblico é aquilo que julgamos nés que necessita saber ¢ 0 material informative deve ser por nds analisado, como parte de uma opinido jornalistica (BELTRAO, 1976, p. 46, grifo no original). Com isso, Beltrao parece assumir que a interpretagao se disfarca em opinio do jornalista; porém, em outro trecho, busca estabelecer os limites entre interpretar e opinar: Cessa ai, na andlise preliminar, a interpretagao jornalistica, atributo do exer- cicio profissional consciente. Se o jornalista ultrapassa 05 limites da busca do sentido das diferentes forgas que atuam em uma situagdo, configurada em suas origens e em suas possiveis projecdes, se submete os dados colhidos e o senti- do encontrado a uma escala de valores propria, pessoal, estara em pleno domi- nio da opinido (BELTRAO, 1976, p. 48). Nessa tiltima citag4o, percebe-se que 0 autor ja caracteriza 0 segundo aspecto da interpreta¢ao. Nota-se a busca das “forgas” de uma situagao, o que 112 GENERO INTERPRETATIVO ja aponta para o jornalismo interpretativo, que o autor conceitua como “um jornalismo em profundidade, a base de investigagao, que come¢a a represen- tar a nova posicao da imemoriat atividade social da informagao de atualidade. Um jornalismo que oferece todos os elementos da realidade, a fim de que a massa, ela propria, a interprete” (BELTRAO, 1976, p. 42). Ao contrario da noticia “fenoménica’, a “interpretada” - para usar as express6es de Beltrao - necessita “esquadrinhar sua entranha, procurando antecedentes melhores, e projetar uma visao futura, formulando um prog- néstico atilado, sébrio e inteligente, para ndo cair em demasias subjetivas” (BELTRAO, 1976, p. 48). 0 resultado oferecido ao ptblico seria a “informa- cao em toda a sua integridade, captada, analisada e selecionada pelo jornalista, ao qual nado cabe o diagnéstico” (BELTRAO, 1976, p. 52, grifo no original). Os elementos do jornalismo interpretative de Luiz Beltrao seriam, en- to, os antecedentes do fato, uma projecio do futuro, com prognésticos, redi- gida em informacao integra ¢ analisada, mas sem diagnéstico. Considerando os exemplos dados pelo autor, 0 formato que uma matéria interpretativa as- sume é 0 da reportagem em profundidade: Quadro 2 - Formato e elementos do jornalismo interpretativo segundo Luiz Beltrao Formato Elementos Reportagem em | antecedentes, projegado de futuro, prognéstico, informa- profundidade cao integra e andlise ATUALIZAGOES E DIVERGENCIAS Aparecendo de modo semelhante nos dois autores citados acima, tanto no que diz respeito ao formato (reportagem), quanto aos seus elementos, 0 género interpretativo é questionado por José Marques de Melo. Publicada na década de 1980 e reeditada em 2003, sua obra p6e em xeque a autonomia das categorias interpretativa e diversional. Conforme o autor, “as duas fungdes que preenchem podem corresponder em certo sen- tido a expresses ja existentes no jornalismo informativo e no jornalismo opinative” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 29). Ele considera que jornalismo interpretativo tratava-se, entao, de “uma categoria carente de configura¢ao estrutural, cuja expressao narrativa oscila entre o estilo informativo e o opi- 113 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL nativo [...] e que ainda nao adquiriu fisionomia propria no lugar onde surgiu” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 30) *. O autor também afirma que detectara, no inicio da década de 1980, uma mudanca no género interpretativo, “o desenvolvimento da reportagem, com 0 esforco analitico e documental que procurou situar mais precisamente o cida- dao diante dos acontecimentos” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 47). Contudo, adota a categoria informativa para enquadrar 0 jornalismo interpretativo: “En- tendemos que a interpretagao (enquanto procedimento explicativo, para ser fiel ao sentido que Ihe atribuem os norte-americanos) cumpre-se perfeitamen- te através do jornalismo informativo” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 64). Destaque-se que, nessa obra, 0 autor diz ter observado, no jornalismo brasileiro daquele perfodo, somente os géneros informativos e opinativos, dedicando atengao especial a este ultimo. Visdo idéntica foi sustentada por Nava (1996, p. 9), para quem a inter- pretacao seria “uma forma de tratamento da informacdo, inserida, no caso brasileiro, na categoria jornalismo informativo. Isso porque podemos elabo- rar noticias, reportagens e entrevistas, grandes ou pequenas, alinhavadas se- gundo um preceito fundamental: informar melhor”. A autora considera, por- tanto, o jornalismo interpretativo integrante o género informativo, e aponta os seguintes elementos da interpretagao jornalistica: “dar contextualizacao ao relato factual. Os antecedentes do fato noticiado — pano ou cena de fundo, background. Das causas, as provaveis conseqiiéncias”. No mesmo trabalho, Rosa Nava (1996, p. 10) afirma que 0 jornalismo interpretativo deve invocar no leitor impressées, efeitos, imagens e, até cheiros. Uma forma de tratamento da noticia que busca as palavras exatas, as palavras-imagens, con- seguidas apés uma busca permanente, uma pesquisa metédica, uma selegdo rigorosa. Deve ser haseada na narragao para recriar uma realidade. Nava (1996, p. 20) afirma que a categoria “j4 ndo se codifica mais confor- me 0 relato objetivo dos fatos e ‘cada vez mais, mostra um claro distanciamen- to dos comentarios editoriais ou editorializantes, mas, também, nao se alinha conforme as praticas jA definidas e consolidadas no jornalismo descritivo e do * A primeira edigao do livro, com a versdo da tese de livre-docéncia do autor, foi publicada em 1985. A terceira, edigao, publicada em 2003, ndo passou por atualizagio ou revisio desse Angulo 114 GENERO INTERPRETATIVO jornalismo de opiniao”. No entanto, nao destaca um formato especifico do gé- nero interpretativo e ainda 0 considera como outras vertentes, como 0 que se convencionou, no meio profissional, a chamar de jornalismo investigativo. O mesmo a autora faz com a vertente conhecida como o New Journalism. Nesse caso, afirma.que “na hist6ria da imprensa brasileira, 0 JB sobressai-se como o ber¢o de nascimento do chamado New Journalism ou Jornalismo In- terpretativo com a implantasao do DPD - Departamento de Pesquisa e Docu- mentagao do JB” (NAVA, 1996, p. 32). Observando a literatura cinzenta da década de 1990, um trabalho desenvol- vido por Dias et al (1998) incorporara, num esquema classificatério dos géneros jornalisticos, o jornalismo interpretativo com uma tipologia bastante diferente da apontada até aqui, em que 0 formato predominante foi a reportagem. 0 trabaiho mencionado apresenta a defini¢ao de jornalismo interpreta- tivo como “um modo de aprofundar a informacao” com o fim principal de “re- lacionar a informagao da atualidade com seu contexto temporal e espacial”, tendo “um sentido conjuntural” nao se limitando a “dar conta do que acon- tece, j4 que 0 jornalista interpreta o sentido dos acontecimentos” (DIAS et al, 1998, p. 8). Ali, so apresentados quatro formatos de jornalismo interpretati- vo: andlise, perfil, enquete e cronologia, explicados da seguinte maneira: a) andlise: “a informagao é analisada pelo autor do texto publicado, com dados complementares que fazem com que @ leitor possa ter uma compreensao maior dos fatos”; b) 0 perfil: “compreende a apresentagao descritiva do personagem en- focado, possibilitando a interpretagao de seu comportamento diante da sociedade”; c) a enquete: “corresponde ao espago dedicado para que a informagao seja interpretada pelo entrevistado de forma rapida e sucinta”; d) cronologia: “é 0 complemento da informagio principal (seja ela re- portagem ou noticia), com dados cronolégicos dos acontecimentos” (DIAS et al, 1998, p. 13-14). Dos formatos interpretativos apontades no trabalho de Dias et al, so- mente o perfil encontra definigdes na literatura. Sodré e Ferrari (1986) afir- mam que ha muitas maneiras de escrever uma reportagem, mas nenhuma pode prescindir de personagens, Também asseguram que sdo inimeras as formas de apresenta-los, caracterizd-los ou fazer com que atuem, mas que em jornalismo, o perfil significa um texto com enfoque na pessoa, seja uma 1i5 GEwpRos JORNAL{STICOS NO BRASIL celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o focalizado é protagonista de uma hist6ria: sua prépria vida. Kotscho (1998), em livro que traz as experiéncias profissionais do au- tor mescladas a dicas de técnicas de redacao, nao apresenta definigées para género ou classificagdes; porém, em um dos capitulos, esboga como deveria ser a matéria de “perfil’. Para ele, tanto a reportagem investigativa quanto o perfil fazem parte da chamada “reportagem’, Além disso, considera o perfil 0 filao mais rico das matérias chamadas humanas, pois da ao reporter a chance de fazer um texto mais trabalhado, Vilas Boas, embora nao trabalhe com a tematica do género, em livro de- dicado ao formato perfil, apresenta uma definigao semelhante aquela ofere- cida por Dias et al. O autor afirma que os perfis sao narrativas curtas, tanto na extensdo quanto no tempo de validade das informagées e interpretagdes do reporter, mas que focalizam alguns momentos da vida da pessoa (VILAS BOAS, 2003, p. 13). Para ele, o perfil, ao expressar uma trajetdria, ainda que sintética, a explicita “pela histéria narrada, com um passado e um presente” (VILAS BOAS, 2003, p. 19) e por descrever o perfilado “contando o que ela faz e como faz, permitindo a incorporagao num texto descritivo de trechos narrativos” (VILAS BOAS, 2003, p. 29). No livro de Edvaldo Pereira Lima (2004), 0 perfil também aparece como possibilidade de texto interpretativo. Ele considera que o jornalismo inter- pretativo surge para oferecer uma compreensao aprofundada da realidade contemporanea e, com o tempo, consolida-se a pratica da grande-reportagem e se fortalece uma de suas formas de expressao por exceléncia, que é 0 jor- nalismo interpretativo. Para o autor, na pratica do jornalismo interpretativo, a elucidagao do que esta mal explicado se corporifica mediante a inclusao de alguns ingredientes: a) contexto; b)antecedentes; c) suporte especializado (enquete, pesquisa de opiniao, entrevistas com especialistas, etc.); d)projegao; e) perfil (humanizagaio da reportagem). Jo formato andlise, como explicado por Dias et al (1998, p. 13), impli- caria um “texto publicado com dados complementares” em que a informagao 116 GENERO INTERPRETATIVO. éanalisada pelo autor do texto. Nesse sentido, um trabalho de Spannemberg (2004, p. 92) identifica, para essa fun¢ao, a reportage, a qual pode cumprir papel fundamental, oferecendo detalhamento para as not{cias apenas relata- das por outros veiculos, especialmente meios eletrénicos, que, pela prépria linguagem e formatos utilizados, assim como pelas restrigdes dos suportes, em gerai, nao optam pelo aprofundamento da noticia. Por assim entender, a autora, com base em Beltrao (1976), retoma a nomenclatura de reportagem em profundidade para o formato interpretativo e enumera as seguintes caracteristicas: a) contextualizagao do fate, ndo apenas fazendo seu relato, mas apon- tando suas causas ¢ consequéncias; b) utilizagao da linguagem narrativa e a objetividade dos fatos; c) humanizagao do relato (SPANNEMBERG, 2004, p. 101). Outra dissertagao, esta no campo das Ciéncias da Linguagem, também se volta ao formato reportagem em seus aspectos interpretativos. Trata-se do trabalho de Kinderman (2003), focado nas variantes do género reportagem, analisado no Jornal do Brasil. A autora trabalha com a ideia de reportagem como ampliagdo da noticia e como género auténomo. Nessa tiltima acepeado - a que escolhe para andlise —, identifica-a como um género auténomo com quatro subgéneros: a) reportagem de aprofundamento da noticia, a que ela daa sigla de RAN; b) reportagem a partir da entrevista (sigla REn); c) reportagem de pesquisa (com a sigla RPe); d) reportagem retrospectiva (sigla RRe) (KINDERMAN, 2003, p. 56). No trabalho desta autora, que analisa 32 reportagens do Jornal do Bra- sil, publicadas entre 10 ¢ 16 de janeiro de 2000, o formato que ela identifica como reportagem de aprofundamento da noticia (RAN) pode ser associado ao formato de reportagem interpretativa - j delineado por Beltrao (1976) € por Spannemberg (2004), como exposto anteriormente, Desse formato, a autora identifica 0 maior ntiimero de ocorréncia, 15 das 32 reportagens, ou seja, 46,88% da amostra (KINDERMAN, 2003, p. 56). Para essa forma de reportagem, a autora atribui cinco “movimentos”, que podem ser entendidos como os modos estruturais do texto (préximos, digamos, do que seria inicio, meio e fim): 117 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL a) fornece pistas para que se identifique a reportagem, isto 6, mostra ao leitor o contetido da reportagem em relacao a um determinado campo de interesse; b) introduz o desdobramento do fato, ou seja, de forma breve, mostra ao leitor o foco da reportagem em relagao a um fato que ja foi noti- ciado anteriormente; c) apresenta o desdobramento, isto 6, a novidade em relagdo ao que ja foi noticiado; d) apresenta eventos relacionados ao fato gerador; e e) apresenta eventos relacionados ao desdobramento. Segundo a autora, tais “movimentos” aparecem no texto mais por es- pelharem a estrutura das agdes humanas temporal e espacialmente, do que por estratégia do autor ao escrever o texto. Isso porque, de acordo com sua arguimentagao, a cada novo fato abordado, a estrutura se repete e o aprofun- damento da noticia se da como ocorréncia do fato que motiva a busca e 0 relato de novos fatos dai decorrentes (KINDERMAN, 2003, p. 58). Entre esses movimentos, caberia ao repérter fornecer a contextualizagao e a “andlise da situacdo na qual o fato gerador insere-se” (KINDERMAN, 2003, p. 64). Pode-se concluir, a partir da exposicdo de Kinderman, que, ao aprofun- dar a noticia nesse formato, o autor da reportagem esta fornecendo ao leitor uma interpretacao do fato. Outro trabalho voltado exclusivamente ao jornalismo interpretativo é a tese defendida na Universidade de Sao Paulo, em 2002, por Gerson Moreira Lima. Para ele, o jornalismo interpretativo é “categoria jornalfstica” que “per- mite maiores possibilidades para que o jornalista desempenhe o seu papel de melhor informar a sociedade”. Trata-se de uma pratica que se constitui como “o caminho mais curto para que 0 leitor encontre o real significado das informagées” diante do cendrio atual, marcado pelas noticias em tempo real do jornalismo on-line (LIMA, G. M., 2002, p. 10). Segundo o autor, parece nao haver diividas de que “o caminho para os profissionais da midia impressa é 0 da melhor selecao de assuntos e do tra- tamento qualitativo de cada um deles, contemplando-se aprofundamento e contexto, Enfim, privilegiando a interpretagdo em detrimento do imediatis- mo” (LIMA, G. M., 2002, p. 85). Baseando-se em Lage, Gerson Moreira Lima (2002, p. 88) afirma que o jornalismo interpretativo apresenta os fatos "propondo ligagées entre eles, 118 GENERO INTERPRETATIVO conduzindo o leitor a varios entendimentos posstveis, seja pelo critério cau- sa/conseqiiéncias, analogia, paradoxo, etc.” Ao tratar do texto interpretativo, no entanto, o autor identifica apenas a reportagem como exemplo na imprensa brasileira e aponta alguns aspectos diferenciadares de.outros formatos, como 0 opinativo, por exemplo. Uma das diferengas diz respeito ao fato gerador do texto. Na interpretagao, a descrigao do fato é imprescindivel, ao passo que em textos opinativos, o fato gerador pode ou nao ser mencionado. Outro aspecto seria que, em um texto interpretativo, a interpretasdo nao aparece, necessariamente, de forma explicita. 0 processo in- terpretativo passa a ocorrer jd na escolha das fontes, na erdenagao dos fatos e até mesmo na escolha Jéxica para o discurso. Mesmo assim, © texte, 0 ponto de vista morfolégico, é aparentemente objetivo, levando o leitor a confundi-lo cain o texto informativo (LIMA, G. M., 2002, p. 90). Além disso, uma reportagem interpretativa, na visao do autor (LIMA, G. M., 2002, p. 88-103), teria as seguintes caracteristicas: a) uma frase de arranque (com carga opinativa) na abertura do texto; ‘p)} os verbos intradutérios de declarages sao classificados como ver- bos que exprimem a opiniao do redator; c) as ligagdes de algumas frases marcam claramente 0 raciocinio de quem elaborou o texto; d) uso de verbos hipotéticos (0 verbo parecer, por exemplo); e) 0 fecho retoma a ideia inicial (tentativa de arredondar a matéria); f) matéria devidamente assinada. Contudo, mesmo defendendo a existéncia da reportagem interpretativa e apresentar diversos exemplos em sua tese, 0 autor afirma que “os textos informativo e interpretativo formam um continuo”, querenda dizer, com isso, que toda “matéria informativa pressupée alguma interpreta¢ao e todo texto interpretativo é também informative”; restaria-nos, portanto, levar em conta que “o contetido interpretativo existe em qualquer texto, variando somente o grau de interpretacao” (LIMA, G. M., 2002, p. 93). Gerson Moreira Lima (2002, p. 162) ainda assegura que apenas pela forma “nao ha como negar a universalidade do texto interpretativo, e suas fronteiras com aqueles denominados informative e opinativo”. Segundo ele, isso se dé porque a interpretacado vem necessariamente acompanhada das in- 119 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL formagées que levaram o autor do texto a desenvolver tal linha de raciocinio, e cada conclusao do jornalista é produto de fatos que corroboram determina- da inferéncia (LIMA, G. M., 2002, p. 163). Portanto, o que se pode concluir é que o autor defende a existéncia da interpretagao na imprensa brasileira, por meio da reportagem, mas esta, enquanto texto interpretativo, possui caracte- risticas morfoldgicas que concatenam opiniao e informagao. Quanto aos demais formatos apresentados por Dias et al (1998), a “en- quete” e a “cronologia’, além do trabalho desse grupo, nao foram encontradas obras que os abordem como géneros. Marques de Melo (2006) define a enquete como 0 “relato das narrativas ou pontos de vista de cidadaos aleatoriamente escolhidos’, podendo ser clas- sificada quanto as fontes: a) restrita, se coleta pontos de vista dos “olimpianos” ou b) abrangente, se coleta de “cidadaos comuns”; e quanto a forma dos dados: a) quantitativa, se os dados sao nos moldes do [bope ou b) qualitativa, se os dados vém em forma de minidepoimentos. A divida em relagdo a esse formato se da em razdo de que, nao raro, a enquete aparece como suporte a um texto em fungées andlogas aquelas exer- cidas por infograficos, fotografias, tabelas, boxes, entre outros, ndo tendo, portanto, a.autonomia de um formato. Mesmo apresentando-se como uma unidade de informacdo auténoma, sua estrutura traz a opiniao dos entrevis- tados, o que dificulta sua tipificagao como género interpretativo. Oferecer mi- nidepoimentos de fontes, sejam “olimpianos", sejam “cidaddos comuns’, 6 0 que configura 0 formato como interpretativo? A cronologia, definida por Marques de Melo (2006) como a “reconsti- tui¢ao do acontecimento de acordo com variaveis temporais (secular, anu- al, semanal, horaria)", se destinaria a “reconstituir 0 fluxo das ocorréncias, permitindo sua melhor compreensao pelo receptor” por meio de “ilustragao que complementa a cobertura de fatos extraordindrios ou cuja dindmica tem como alavanca o fator ‘tempo’. Pela propria defini¢do, ja se configura tam- bém como algo complementar a um texto, e também precisa de critérios mais claros para sua tipificac3o como género auténomo. Marques de Melo (2006) acrescentou a classificagao dos formatos in- terpretativos o dossié, aplicando-lhe a definig&c de um mosaico destinado a 120 GENERO INTERPRETATIVO. facilitar a compreensao dos fatos noticiosos, Em sua formatagae, aparecem dados condensados em formas de “boxes”, ilustragées, graficos, mapas ¢ tabe- las. “Trata-se de matéria destinada a complementar as narrativas principais de uma edi¢ao ou para celebrar efemérides”, CONSIDERAGOES FINAIS Do que apresentamos aqui como sintese da literatura tedrica pode-se tecer as seguintes ponderagées, As proposi¢ées sobre a natureza e as classificages do género interpre- tativo sdo marcadas por posigées controversas e definigdes vagas. Ha, con- tudo, alguns entendimentos, como por exemplo, sobre o marco fundador — 0 Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil - e as principais caracteristicas de um texto interpretative, como a contextualizacao, aprofundamento, ante- cedentes, causas e consequéncias e a humanizaciio do relato, que, resguarda- das algumas variagées, sao as mesmas indicadas nos principais autores, Quanto a tipologia do género ha divergéncias identificdveis na “verten- te”, chamemos assim, de Beltrao (1976), Nava (1996), Kinderman (2003), Spannemberg (2004), E. P. Lima (2004) e G, M. Lima (2002) e naquela repre- sentada por Dias et al (1998) e por Marques de Melo (2006). A primeira “vertente” concentra as possibilidades interpretativas em torno da reportagem e merece mais estudos para, quem sabe, desenvolver critérios mais sélidos de classificagao para o formato e a definigao de seus ca- racteres enquanto género interpretativo, uma vez que nas classificacoes jale- gitimadas tre ambito acadeiiico a réportagem é fixada no género informativa, } Contudo, as leituras dos trabalhos dessa “vertente” permitem a afirmagao de que é no texto em que a estrutura é de uma reportagem que se “embaralham” “'os-gereros (informativos, opinativos, interpretativos) e requer um estudo mais aprofundado sobre seu estado atual. A outra “vertente’, presente em Dias et al (1998) e Marques de Melo (2006), amplia o niimero de formatos interpretativos, mas também nao esta- belece critérios bem definidos de conceituagao e caracterizagao destes, como *Embaralhamento ¢ um termo utilizade por Jean-Michel Utard para designar a “constituigao @ Institucionalizagao de uma formacao discursiva que poderia ser aquela dos produtores de contetide ou dos mediadores seguindo o grau de generalizagao na qual nos situamos" (UTARD, 2003, p. 65). Na hipétese do autor, embaraiham-se discursos (como jornalismo e publicidade) em que a “mobilidade de fronteiras entre informagdo e publicidade é cada vez mais bem aceita’, como também nos géneros “aqueles sobre os quais incidem as transforma- ses (hibridag&o dos géneros)” (UTARD, 2003, p. 60). 121 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL é0 caso da “andlise” - na classificagdo de Dias et al — e do “dossié”~ na classi- ficagdo de Marques de Melo. O mesmo se pode afirmar também dos formatos enquete e cronologia, que, pela propria definigdio dos autores, sugere apresentarem-se como unida- des complementares a um texto principal. REFERENCIAS . BELTRAO, Luiz. Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica. Porto Alegre: Sulina, 1976. ERBOLATO, Mario. Técnicas de codificagao em jornalismo: redacao, capta- cao e edi¢ado no jornal diario. 5. ed. Sao Paulo: Atica, 1991. DIAS, Paulo da Rocha et al. Géneros e formatos na comunicago massiva pe- riodistica: um estudo do jornal “Folha de S. Paulo” e da revista “Veja” In: Con- gresso Brasileiro de Ciéncias da Comunicagao, 21., 1998, Recife. Anais... Sao Paulo: Intercom, 1998. p. 1-23. KINDERMANN, Conceicao Aparecida. A reportagem jornalistica no Jor- nal do Brasil: desvendando as variantes do género. 2003. 143 f. Dissertagao (Mestrado em Ciéncias da Linguagem) - Universidade do Sul de Santa Cata- rina, Tubarao, 2003. KOTSCHO, Ricardo. A pratica da reportagem. 3. ed. Sao Paulo: Atica, 1998. LEANDRO, Paulo Roberto; MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente: 0 jornalismo interpretativo, Sao Paulo: Media, 1973. LIMA, Edvaldo Pereira. Paginas ampliadas: o livro-reportagem como exten- sao do jornalismo e da literatura. 3. ed. Barueri: Manole, 2004. LIMA, Gerson Moreira. Jornalismo interpretativo: a alternativa para 0 dile- ma imposto pela mfdia digital. 2002. 255 f. Tese (Doutorado em Ciéncias da Comunicag4o) - Universidade de Sao Paulo, 2002. MARQUES DE MELO, José, Jornalismo opinativo: géneros opinativos no jor- nalismo brasileiro. 3. ed. Campos do Jordao: Mantiqueira, 2003. . Géneros de comunicagao massiva. 2006. (Original do autor). MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente. Sao Paulo: Summus, 2003. NAVA, Rosa Maria Ferreira Dales. Saber para continuar: a histéria do De- partamento de Pesquisa e Documentagao do Jornal do Brasil e a implanta- cdo pioneira do jornalismo interpretativo no pais. 1996. 132 f. Dissertagao 122 GENERO INTERPRETATIVO (Mestrado em Comunicagao Social) -Universidade Metodista de Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo, 1996. SODRE, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem. Sao Paulo: Summus, 1986. SPANNEMBERG, Ania Cristina Menegotto. A construgdo do leitor no jornal impresso: estratégias de construcao da recepgao dos géneros artigo opinati- vo e reportagem nos jornais Folha de S, Paulo, O Estado de S. Paulo e 0 Globo. 2004. 229 f. Dissertacao (Mestrado em Comunicagao e Cultura Contempora- nea) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004. UTARD, Jean Michel. O embaralhamento nos géneros midiaticos. Géneros de discurso como conceito interdisciplinar para o estudo das transformagées da informagao midiatica. Comunicagdo e Espaco Publico: Revista da Faculda- de de Comunicacao da UnB, Brasilia, ano 6, n. 1, p. 65-82, 2003. VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevé-los. Sao Paulo: Summus, 2003. GENERO UTILITARIO TYCIANE CRONEMBERGER VIANA VAZ Com 0 propésito principal de orientar o receptor, proporcionando-lhe uma informagao util, o género utilitario possui caracteristicas préprias que 0 coloca como um género jornalistico independente. Esse jornalismo utilitario leva ao receptor a informagdo que ele necessita de imediato ou que pode ne- cessitar em algum momento. Essa informacao 0 ajuda a tomar decisées que podem influenciar em suas agées cotidianas. Dessa forma, 0 jornalismo utili- tario nao se insere nas classificagdes dos géneros jornalisticos hegem6nicos: opinativo e informativo. Conhecido também como jornalismo de servigo, o género utilitario se manifesta nos meios de comunicagao de diversas formas e em todos os supor- tes midiaticos. Tanto nos cadernos fixos dos jornais, quanto nos suplementos, também é editado em revistas semanais e em revistas especializadas. Prolife- ra-se ainda na internet e, a todo o momento, na televisdo e no radio. De fato, o género utilitario vem ganhando espaco na industria midiatica. Percebe-se isso em sees préprias e que se repetem constantemente a cada edigdo, como a divulgagdo de indicadores meteorolégicos. Também se ma- nifesta em outras situagdes, como em uma reportagem sobre economia, que contém elementos que despertam a consciéncia do receptor com dicas sobre o que ele deve ou nao deve fazer para nao perder dinheiro. Ou ainda em uma matéria de satide que relata sobre alguma doenca, e ao final, insere informa- ¢6es de como pode se prevenir da doenca, indicando ao publico onde e como tomar vacinas, informando ainda os enderecos e telefones, Ao analisarmos esse tipo de informagdo, pensamos que a midia tenha se voltado para atender os interesses diretos do leitor. Pois, seria de pouca utilidade para o publico receber a informagdo de que os aeroportos de todo o pais estéo com vaos atrasados, se ele nao for informado sobre quais as provi- déncias a serem tomadas, quais os seus direitos, 0 que fazer, quem procurar ea quem reclamar. Nesta era, em que ha muita informagao e que 0 cidadao esta cercado por variadas op¢ées, ele precisa fazer escolhas a cada momento, necessitan- GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL do cada vez mais de orientagées e guias. Correspondendo a essa demanda, os meios de comunicagao de massa utilizam-se do jornalismo para prestar servi¢os de utilidade publica, muitas vezes, sobre assuntos e temas que fazem parte do cotidiano dos cidadaos. O francés Jacques Kayser (apud PARRATT, 2008), quando estabeleceu a classificagao dos généros jornalisticos, tratou a segao de servigos como infor- magao de utilidade pratica. 0 autor classificou essas secdes entre os géneros de carater secundario, e referenciou os programas de espetaculo, programa- ges de radio e televisao, cotagées da bolsa e previsées meteorolégicas. Parratt (2008, p. 32) afirma que o jornalismo de servigo ocupa-se em proporcionar uma variedade de ferramentas necessdrias para as atividades praticas da vida didria do cidadao, isso em forma de guias, listas ou conse- Thos. Assim, a autora afirma que o contetido desse jornalismo se traduz de trés formas: 1)na criacgao de segdes especiais dedicadas a cobrir preocupagées e ne- cessidades praticas do dia a dia do cidadao; 2)as segées especiais incorporam informacao da atualidade sobre nu- merosas questées consideradas de interesse geral; 3)a incorporagao da informacao de servigo nos textos mais convencio- nais (tanto interpretativos como informativos} publicados nas pagi- nas de informagao geral mediante elementos de apoio de “servigo”. O SERVICO NO JORNAL IMPRESSO Nos jornais impressos, ha os espa¢os dedicados diariamente & publicagao de servicos: indicadores meteorolégicos, resultados de loterias, cotagdo de mo- edas, programagao cultural, etc. Ha também os cadernos especiais que geral- mente trazem novidades em determinadas areas, como cotago de produtos e servicos, precos de pecas de vestuario, produtos tecnologicos, e muitos outros. Esses cadernos, muitas vezes tematicos, orientam e dao dicas sobre diversos assuntos. Nos diarios editados em grandes metrépoles, comumente ha tam- bém os guias de servico, que trazem roteiros e indicagao de cinema, teatro e restaurantes, oferecendo uma variedade em opgées de lazer ao leitor. Luiz Beltrao (2006) nao inclui o servigo nem como categoria e nem como formato em sua classificagdo dos géneros do jornalismo: informativo, opinativo e interpretativo. Porém, Beltrao (2006, p. 118) reconhece a existén- cia dos servigos no jornal impresso. Segundo o autor, parte desse material “o noticiarista recebe, com pedido de publicagdo, avisos, comunicagées, convi- 126 GENERO UTILITARIO tes, votos de felicitagdes ao jornal ou de agradecimento a pessoas e entidades. Este material reclama um tratamento especial”. Beltrao (2006, p. 106) identifica a presenga do material jornal{stico de servi¢go no jornalismo impresso através de diversas formas: avisos diversos (plant&o de farmacias, perdidos e achados, pauta de pagamentos, cotacées de cambio, convites para reunides de entidades diversas); informacées titeis (telefones de urgéncia, horario de transporte coletivo, conselhos de satide, relagées de enderegos, etc.); e cartaz do dia (programas das casas de espeta- culos - cinemas, teatros, expasi¢6es, conferéncias, com{cios, festas). Para o autor, grande parte desse material que chega a redagdo é “inte- resseiro”. Disfarga publicidade, propaganda pessoal, desejo de aparecer em letra de for- ma. 0 noticiarista, porém, é 9 homem indicado para distinguir entre aquelas informag&es que podem ser graciosamente divulgadas e as que somente po- derao sair através do departamento comercial, ou seja, como matérias pagas (BELTRAQ, 2006, p.118). As palavras de Beltrao ainda sdo bastante validas para os dias atuais. Os jornais continuam recebendo realeses ou materiais que podem se configurar como publicidade camuflada, como, por exemplo, empresas que langam um produto novo no mercado e aspiram uma matéria de cunho de servigo. Tam- bém, concorda-se com Beltrao quando 0 autor diz que cabe aos jornalistas definirem o material que pode vir a ser o servico que o jornalismo presta ao receptor e que esse material merece um tratamento especifico. Ainda sobre a distingdo entre o material de servico daqueles que sao “interesseiros’, Beltrao (2006, p. 118) ressalta: Modificagées nos horarios das linhas de trens ou 6nibus, avisos de fechamento extraordinario do comércio, de alteragdes nas pautas de pagamentos de im- postos, vencimentos de funciondrios e outras matérias semelhantes s4o, sem davida, objetos de interesse para o jornal e para o piiblico em muito maior grau do que a convacagao de uma assembléia geral de uma sociedade cooperativa, a transferéncia de endereco de estabelecimento comercial, a inauguragao de um consultério médico ou os aplausos de um leitor a um articulista do jornal ou a uma instituig&o qualquer. Sobre o material que chega as redacées e que ganha tratamento para se transformar nos servi¢os do jornal, Beltrao (2006, p. 118) afirma que ge- 127 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL ralmente o jornalista economiza nas palavras e no espago, usando uma “lin- guagem lac6nica, em meros registros”. O autor ressalta também os programas de entretenimento, citando, entre esses: cartaz cinematografico, teatros de espetaculos circenses, programas de emissoras de radio e televisao. “O mate- rial informativo é distribuido pelos servicos de propaganda dos empresdrios ou diretores de ‘broadcasting’ (no tiltimo caso) e coordenado pelo noticiaris- ta, dentro das normas estilisticas do jornal” (BELTRAO, 2006, p. 118). Os meios de comunicagao, atualmente, nao tratam os servigos apenas como meros registros. Cada vez mais nota-se uma ampliacao deste espaco nos impressos, com o surgimento de suplementes exclusivos para esse conte- udo. Ha um trabalho de apuracao, os jornalistas visitam os locais, e decidem 0 que deve ou nao ser publicado de acordo com o perfil do seu leitor. Marques de Melo (2007) classifica cinco géneros jornalfsticos: informa- tivo, opinativo, interpretativo, diversional e utilitario. Entre aquilo que chama de,utilitario, destaca quatro formatos, conceituando cada um deles: Indicador: Dados fundamentais para a tomada de decisées cotidianas. (Cend- rios econémicos, meteorologia, necrologia, etc.). Cotago: Dados sobre a varlagdo dos mercados: monetarios, industriais, agri- colas, tercidrios. Roteiro: Dados indispensdveis ao consumo de bens simbélicos. Servigo: Informagées destinadas a prateger os interesses dos usuarios dos servicos pitblicos, bem como dos consumidores de produtos industriais ou de servigos privados. Esse autor reconhece a existéncia do género utilitario ou operacional, identificando-o como género complementar, assim como 0 analitico (inter- pretativo) e o emocional (diversional). Esses géneros nasceram no século XX, diferentemente dos géneros denominados de hegeménicos: referencial (in- formativo, século XVII) e argumentativo (opinativo, século XVIII). Segundo Marques de Melo, o género utilitario surge no limiar da so- ciedade da informacdo, cujo funcionamento repousa na tomada de decisées rApidas no mundo financeiro, projetando-se também na vida cotidiana. Afir- ma ainda que sua legitimagao se dd com mais vigor nas sociedades povoadas pelos cidadaos-consumidores, principalmente a partir do final do século XX. Vaz (2009, p. 138-139) acrescenta a classificagao de Marques de Melo mais dois formatos: olho e dica. Na verdade, sao espécies hibridas de géneros, 128 GENERO UTILITARIO que retinem caracteristicas do género informativo, com o formato reporta- gem, e o género utilitario, com os formatos servigo e roteiro. Otho: Sao as reportagens, isto 6, relatos aprofundados de fatos de interesse puiblico, que acrescentam vestigios de informagées utilitarias, muitas vezes em olho ou boxes, complementando o material informative € instigando o leitor a possibilidade de ago e reagao. Dica: Informagdes que unem o formato reportagem (relato estendido sobre algum acontecimento} com o formato roteiro (relato resumido sobre as opsdes de consumo de bens simb6licos). Chaparro (2008), por sua vez, identifica o jornalismo de servigo na sua classificagdo entre as espécies praticas do género relato. Essas espécies prati- cas, portanto, encontram-se em conjunto diferente daquelas que ele trata como espécies narrativas (reportagem, entrevista, noticia e coluna). Em seu estudo sobre jornais impressos, o autor aponta seis formatos utilit4rios entre aquilo que denomina de “espécies praticas” da categoria relato: roteiros, previsio dey tempo, indicadores, agendamentos, cartas-consulta e orientagées uteis. Em sua pesquisa, 0 autor identifica as espécies utilitarias em 21,31% de espago dedicado pelo jornal ao relato da atualidade no ano de 1995, na Folha de S. Paulo: “Os estudos de 1995 confirmam a consolidagao dessa pol{- tica editorial de valorizagao da vocag4o utilitaria do jornalismo” (CHAPARRO, 2008, p. 121). O autor deixa claro que ha necessidade de se estudar e de se classificar 0 género utilitario. Entre as insuficiéncias e inadequacées que os critérios tradicionais revelaram para a tipificacdo das formas discursivas do atual jornalismo brasileiro, uma adquire relevancia acentuada: a incapacidade de classificar as espécies utilitarias, aquilo a que vulgarmente se chama “servico", até agora tratadas como simples tendéncia ou curiosidade. Entretanto, a significacao da participagao dessas espécies nos espagos pelos contetidos jornalisticos impde a sua caracterizacao enquanto manifestacdo discursiva, Sao formas adequadas de mediaco para solicitagdes concretas da vida urbana, nos planos do negécio, da cultura, do consumo, do lazer, do acesso a bens servicos, na ordenacao de preferéncias e movimentos, nas estratégias e tacticas da sobrevivéncia, As espécies utilitérias deixaram de ser manifestagdes secundarias no relato da atualidade. Por isso, hd que entendé-las ¢ classificd-las enquanto for- mas do discurso, no jornalismo (CHAPARRO, 2008, p. 166-167). Também focalizando os géneros jornalisticos, Costa (2008) quantifica os géneros e formatos existentes nos maiores jornais regionais do pafs. 0 129 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL autor, baseado na classificagdo de géneros jornalisticos de Marques de Melo (2007), apresenta os resultados nos jornais Zero Hora (Porto Alegre/Regiao Sul), Folha de S. Paulo (Sao Paulo/Regiao Sudeste), Correio Brasiliense (Bra- sflia/Regiao Centro-Oeste), A Tarde (Salvador/Regiao Nordeste) ¢ O Liberal (Belém/Regiao Norte), chegando aos resultados expostos nas Tabelas 1 e 2: Tabela 1 - Pesquisa de Lailton Costa (2008): quantificagao de géneros por jornal! , Fol i Genero Zero Hora Sade pee ATarde | 0 Liberal Informative 49,2% 588% [63.2% 53,2% [61,5% Opinativo 18,0% 164% [10.5% 12.2% | 14,4% Interpretative [1.8% 0,9% L7% 0.8% [0.4% Diversional 0,2% 0,0% 0.2% 0,0% Utilitario 154% [11.2% [13,0% Outros 15,3% 158% [11.4% Tabela 2 - Pesquisa de Lailton Costa (2008): quantificacgdo de formatos do género utilitario por jornal? generoutttario | 2° Hora | Sonus. [meitnse | T#Me | 0 Libera Cotagao 11% 05% 05% 05% [03% Indicador 5.6% 51% 53% 63% [2.0% Roteiro 38% 24% 45% 19% [38% Servigo 48% 3.2% 2.7% 36% [23% Na quantificagéo de Costa (2008), percebe-se que o género utilitario esta presente em todos os veiculos analisados. Embora, 0 autor nao tenha considerado que esse género também aparece como elemento complementar em algumas reportagens, coma s4o.0s. casos. da presenca dos formatos olho ._¢ dica. Com relacao a quantificagao dos formatos por Costa (2008), o indica- dor € 0 que aparece em mais evidéncia. Isso se justifica pelo fato de apresen- tar mais diversidade de tipos: meteorologia, resultades de loterias, telefones Uiteis, necrologia, programagao de TV, indicador econdmico, de transito, ete. * Resultados encontrados nas paginas 112, 121, 130, 137 ¢ 142, * Resultados encontrados nas paginas 113, 122, 132, 138 e 142. 130 GENERO UTILITARIO Outro autor que fala da presenga dos servigos nos jornais impressos é Alberto Dines (1996, p. 97), reconhecendo a concepcae de utilidade nos jornais impressos ao afirmar que “o jornal, pela sua periodicidade diaria, é o melhor instrumento para o fornecimento desse material utilitaric, o servi- ¢0, que vai tornar a existéncia, na soci organizada, possivel e mais fa- cil”. Mesmo assim, questiona 0 espaco destinado para informagées de cunho utilitario: “Compensa gastar duas ou trés paginas inteiras com a relagao dos aprovados no vestibular? Vale desperdigar um precioso espaco publicando a lista de postos de vacinacdo contra a polio ou as farmacias de plantao, a: feiras livres, etc.?”. Para Dines (1996, p.97-98), 6 preciso escolher o que é importante. Dessa forma, destaca que as “informagdes mutaveis” devem ser aproveitadas, como o tempo e as programagies de espetaculos. Por outro lado, o autor diz que as informagées que se repetem, como a lista das farmacias de plantao, sao des- necessarias: “O dilema sobre a publicacao de ‘calhamacos’ utilitarios nao tem respostas definitivas para resolvé-lo. Cada jornal, como se disse, procurara os servigos didrios ou eventuais que mais se adaptem a sua estratégia’. £ verdade que os jornais devem saber 0 que interessa ao leitor para apresentar aquilo que realmente lhe pode ser util e utilizavel. Mas é preciso ressaltar que a publicacado do material de servigo esta diretamente relaciona- da aos interesses dos leitores. Sobre isso, Marcelo Leite (1996, on-line), a épo- ca ombudsman da Folha de S. Paulo, explica que os impressos tém consciéncia dessa necessidade do leitor: Boa parte das pessoas que lem o Jornal num determinade dia procura all infor- mages titeis para a vida. Consciente desta demanda, a maioria das publicagées vem investindo no chamado jornalismo de servigo, realimentando assim esse vinculo de confianga com seus leitores. Apesar de tudo, os erros acontecem. Qualquer leitor jé viveu a experiéncia desagradavel de perder o filme porque o hordrio no jornal estava errado. Nassif (2003) relaciona a existéncia desse jornalismo prestador de ser- vigo aos cadernos.e suplementos do Jornal da Tarde. O autor afirma que a par- tir da década de 1980 o caderno de economia “Seu Dinheiro” e 0 suplemento sobre automéveis “Seu Carro” ofereciam dicas de investimentos, orientagao sobre financiamento, capitalizagaio, como também tabelas de pregos de vel- culos. “O Jornal da Tarde consagrou um padrao de jornalismo didatico, com temas do dia a dia do leitor. As manchetes majoritariamente se dirigiam dire- 131, GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL tamente ao leitor, tipo ‘entenda como faz isso’, ‘defesa dos seus direitos’, etc.” (NASSIF, 2003, p.13). Sobre a relagao do Jornal da Tarde com 0 jornalismo de servi¢o, Cha- parro (2008, p. 120} afirma que este impresso surge com clara e assumida vocagao urbana, voltando ateng&o do projeto jornalistico para a importancia da informagao utilitaria do jornal para o leitor da classe média emergente de Sao Paulo. Em pesquisa sobre o suplemento de turismo nos jornais Folha de S. Pau- loe 0 Estado de S. Paulo, Carmem Carvalho (2003) identifica fortes indicios do jernalismo de servigo, como a presenga de orientagdes tteis, com tabelas de pregos de pacotes turisticos, passagens aéreas e hotéis: “Os suplementos de turismo sao tteis porque oportunizam aos leitores informagdes sobre como € para onde ir viajar, quanto gastar, o que levar [...] Nos tempos modernos, poupam tempo e dinheiro dos turistas” (CARVALHO, 2003, p. 156). Também sobre a prestagdo de servigo nos espagos jornalisticos des- tinados ao turismo, Ramirez e Moral (1999) dizem que a informagao turfs- tica pode considerar-se como uma Area de jornalismo de servigo: “Resulta da grande utilidade da informagao facilitada pelas instituigdes ofi incidéncia na atividade turistica, assim como facilitadas por agéncias, opera- doras de turismo, oficinas de informagdo turfstica, meios especializados, etc.” (RAMIREZ & MORAL, 1999, p. 247, tradugao nossa). A citagdo de Ram{frez e Moral leva-nos a outra questao que diz respeito A produgao desse servico: muito material chega a reda¢ao dos vefculos por agéncias e assessorias de imprensa; serA que ha um tratamento adequado, uma produgao jornalistica em torno disso? As redagées recebem diariamente materiais de divulgagdo de assesso- ria de imprensa. Mas, deve selecionar e em seguida apurar as informagées. Isso porque as informacées de servigo atingem diretamente os interesses do leitor, Se o jornal indica tal lugar ou tal produto, e se aquela indicagao, na visdo desse leitor, nao vale 4 pena, pode haver uma quebra na relagao de con- fianga. Entao, ha uma necessidade de que esse trabalho seja sério para que 0 veiculo mantenha sua credibilidade. 0 jornalismo utilitario funciona como uma forma de manter o leitor fiel, ja que produz aquito que esta diretamente relacionado aos seus interesses imediatos, oferecendo respostas e possfveis solugdes para seus problemas. E por estar relacionado com os interesses dos receptores, que esta vocagao do jornalismo se faz presente nos vefculos de comunicagao. 132 GENERO UTILITARIO Dessa forma, acreditamos que no jornalismo de servigo deve ser ainda mais ardua essa tarefa de separar 0 que é de interesse publico do interesse privado. Eticamente, 0 que nao pode acontecer s4o os espagos jornalisticos de prestago de servico sendo utilizados para promogao e comercializacao de bens de consumo. Além disso, o receptor nao deve ser enganado. O JORNALISMO UTILITARIO NAS REVISTAS Nas revistas, ha um inquestionavel espago dedicado ao servico, princi- palmente nas especializadas em moda, arquitetura, decoracdo, casamentos e satide. Preocupando-se em mostrar ao leitor quais as tendéncias, as novi- dades e as opgdes de determinado setor. As revistas semanais também tém espacos destinados ao servico, com orientagdes que algumas vezes, sao com- plementos de reportagens. Além disso, ha as segdes ou suplementos préprios destinados aos servi¢os. A pesquisadora espanhola Maria Pilar Diezhandino (1994, p. 93-95), em seu estudo sobre as revistas americanas Time, Newsweek e U.S. News and World Report, afirma que 0 servico se configura como uma informacdo util, proveitosa e utilizavel pelo leitor. 0 jornalismo de servi¢o, em sua opiniao, “ensina, previne, anima, adverte e aconselha” (DIEZHANDINO, 1994, p. 60, tradugao nossa). Diezhandino (1994) diz que o jornalismo de servigo faz da informagao um instrumento util para a vida didria. Considera ainda que esse tipo de jor- nalismo possa ser uma necessidade pessoal dos cidaddos, que irao aplicar essas informagdes para assumir uma atitude. Ressalta também que o jorna- lismo utilitario leva o receptor a uma possibilidade: agao ou reagao. 0 jornalismo de servico é a informagao que aporta o receptor a possibilidade efetiva de agao e ou reacdo. Aquela informagao, oferecida oportunamente, que pretende ser de interesse pessoal do leitor-ouvinte-espectador; [...] a informa- ¢40 cuja meta deixa de oferecer dados circunscritos do acontecimento, para oferecer respostas e orientagao (DIEZHANDINO, 1994, p. 89). Como contribuicdo, Diezhandino (1994) sugere sete tipos de jornalis- mo de servigo em revistas: 1informagao com sentido de “faga vocé mesmo”. Varios fatores, entre eles a inflacdo e o desemprego, induziram o crescente aprego pela au- tossuficiéncia. Dessa forma, o consumidor assume parte das fungées de empregados, necessitando assim de informagées para desempe- nhar tais fungées; 133 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL 2)informa¢ao que impulsiona a atuar num sentido determinado, como por exemplo, campanha para coleta de donativos, promovida pelo préprio veiculo de comunica¢4o; 3)informac4o que induz o leitor a prevenir um mal, ou mesmo, enfren- tar ou combaté-lo, Como exemplo, a autora cita doengas, atos de vio- Jéncia, problemas familiares ou pessoais; 4)informagao que identifica o leitor comum a outros seres humanos. Cita um exemplo de uma mulher divorciada ou violada poder entrar em contato com associacgdes de defesa dos seus direitos, ou mesmo um dependente quimico ou alcoélatra poder se unir a grupos sociais que oferecam solugées ou alivic para seus problemas; 5) informagao que ajuda a mudar uma atitude que parecia consolidada. Como exemplo, destaca aquilo que impulsiona a comprar algo, como renovar o vestuario, utilizar um novo produto de beleza ou decidir um local para as férias; 6)informagao que oferece novas orientagdes, expectativas e elemen- tos para os problemas pessoais, familiares e sociais. Aqui, 0 meio de comunicacao oferece consultas, respostas a dividas, conselhos e orientagées. Estao incluidas as se¢des de consultas diretas e formatos pergunta-resposta; 7)informagao que favorece ao leitor sua autocritica, autoafirmagao e beneficio em algum aspecto de sua vida. Essas informagées pessoais oferecem ao leitor uma possibilidade de aco e/ou reacao. Rios dos Santos (1996) analisa a revista Cldudia e encontra indicios des- se tipo de jornalismo, percebendo que os niimeros se elevam a partir do final da década de 1980: 25% (1980), 18% (1981), 21% (1982), 10% (1983), 16% (1984), 16% (1985), 12% (1986), 28% (1987), 28% (1988), 25% (1990) e 40% (1991). “A categoria servigo predominou indiscutivelmente no espaco impresso de Cldudia” (RIOS DOS SANTOS, 1996, p. 77). Em suas conclusées, a autora afirma que é preciso valorizar a importancia do jornalismo de servico, porque a leitora tem necessidade de resolver os proble- mas do seu dia a dia. Assim como Rios dos Santos, acreditamos que a presenca do jornalismo de servigo, nao sé nas revistas, mas nos meios de comunicag4o de forma geral, esta intimamente relacionada com as pretensdes dos leitores. Por isso, como forma de suprir essa necessidade do receptor de receber orienta¢ées, os meios oferecem as informagées titeis e possivelmente utilizdveis. 134 GENERO UTILITARIO O JORNALISMO DE SERVICO NO RADIO E NA TELEVISAO Sobre a presenga desse género de jornalismo na televisao, sabe-se que os noticidrios, nos tltimos anos, tém aberto cada vez mais espagos para flash ao vivo, com informagées sobre o transito, meteorologia, entre outras infor- magées benéficas para quem saira de casa. Constata-se também indicios de prestacao de servico nos préprios telejornais. Rezende (1998, p. 169) identifica, em pesquisa sobre telejornais brasi- leiras, o formato indicador: “Sao matérias que se baseiam em dados objetivos que indicam tendéncias ou resultados de natureza diversa, de utilidade para o telespectador em eventuais tomadas de decisées”. Segundo Rezende (1998, p. 169), o indicador segue um modelo informe de elaboragao, tornando esse formato “aparentemente repetitivo”: “Esses in- dicadores podem ter car4ter permanente, caso das previsdes meteorolégicas, ntimeros do mercado financeiro e informagées sobre condi¢ées de transito ou temporario, a exemplo dos resultados das pesquisas eleitorais”. O autor identifica 0 material jornalistico utilitario como parte da cate- goria informativa. As matérias com cardater de servi¢o e previsao do tempo, nomeadas por ele como indicador, foram encontradas no “Jornal da Cultura’, em 16,4% do espaco total do telejornal, enquanto no “Jornal Nacional’, da Rede Globo, esse jornalismo de servigo corresponde a 15,4% do telejornal. Ana Carolina Temer (2001), em andlise dos telejornais da Rede Globo, afirma que as matérias de servico tém componente pedagégico, cumprindo as necessidades reais da comunicacdo: “De fato, este tipo de jornalismo pode ser visto como uma conseqiiéncia natural do jornalismo enquanto responsabilida- de social, uma vez que oferece opgdes, propastas, solugées e variados tipos de informagées tteis para se enfrentar a vida cotidiana” (TEMER, 2001, p. 135). Ainda segundo Temer (2001), no jornalismo utilitario predomina o ca- rater orientador, sendo direcionado ao consumo ou formagao de comporta- mento do ptblico. Muitas matérias de servico nao sé oferecem a possibilidade de consumir como ade consumir melhor, exercendo a fungdo de ‘orientadora’ para os receptores que nao tiveram acesso a informagae por meio do sistema de ensino institucio- nalizado ou das vias de comunicacao publica (como seria 0 caso das instrugdes do governo para o preenchimento dos formularios) (TEMER, 2001, p.135). Essa autora incluiu as matérias de servigo no género informativo. Na sua pesquisa, analisou 44 edigdes de quatro telejornais da Rede Globo, um 135 G8NEROS JORNALISTICOS NO BRASIL, total de 898 matérias. Identificou a predomindncia do género informativo, com alguma presenga do opinativo apenas no “Bom Dia Brasil” (comenta- rio e crénica) e “Jornal da Globo” (comentario), enquanto no “Jornal Hoje” e no “Jornal Nacional’, foi identificado apenas o informativo. Sobre os tipos, 0 “Bom Dia Brasil” apresentou um elevado indice de matérias de servi¢o, com énfase principalmente em economia. O “Jornal Hoje” também conta com re- levantes matérias sobre prestagdo de servico, a maioria voltada para bem- estar, O “Jornal Nacional” varia nos temas nas matérias de servigo e o “Jornal da Globo” é 0 telejornal com menor incidéncia desse tipo. Entre as consideragées mais relevantes de Temer (2001) sobre o tema, destaca-se que ha uma clara predominancia das matérias de servigo nos te- lejornais. Estas nao s4o necessariamente ligadas ao consumo, abordam no- vidades na area da medicina, tecnologia e investimentos financeiros. Ainda segundo a autora, a presenga dos formatos jornalisticas depende da diretriz editorial de cada telejornal. Também considera que 0 telejornalismo veicula- do pela Rede Globo (em termos quantitativos) é um espago de orientagao de comportamentos. Esse espago é predominantemente ocupado por matérias de servigos e/ou matérias de dentincias e matérias de interesse humano, ou matérias que apontem comportamente a serem seguidos. A autora também afirma que o telejornalismo da Rede Globo depende das matérias de servigo em termos quantitativos, pois identificou uma grande quantidade distribufda nos telejornais diarios. Mas ressalta que o material ndo étratado de maneira correta e acaba sendo veiculado com menor importancia: “O servico é produzido com mais calma e, par isso, pesa sobre ele critérios de qualidade mais rigidos. Se no factual o tempo é fator fundamental, 0 servi¢o deve ser preciso e preferencialmente inédito” (TEMER, 2001, p. 296). O jornalismo de servi¢o também esta presente no suporte radiofénico. Algumas emissoras de radios ocupam-se de informar a cada minuto como se encontra a situacao do transito na cidade, quais s4o as ruas prejudicadas por chuvas e indicam qual o melhor caminho que o condutor pode seguir. Em pesquisa sobre os géneros nesse suporte midiatico, Barbosa Filho (2003) identifica a existéncia do servico, mas n4o 0 inclui entre o que classifica como género jornalistico. Segundo Barbosa Filho (2003), 0 radio possui seis géneros: jornalisti- co, educativo-cultural, publicitario, propagandistico, especial ou multifun- cional ¢ servigo. Entre o género jornalistico, o autor identifica os formatos: nota, boletim, noticia, reportagem, entrevista, comentario, editorial, crénica, 136 GENERO UTILITARIO radiojornal, documentério jornalistico, mesas-redondas, programa policial, programa esportivo e divulgagdes técnico-cientificas. Ja 0 género servigo inclui os formatos: notas de utilidade publica (notas informativas de curta duracao); programetes de servigo (aconselhamentos: cuidados com a saiide, quest6es jur{dicas, investimento, pre¢o, turismo, emprego, etc.) e programas de servico (radio de oportunidade). Sobre a separagdo do género jornalismo do género servigo, 0 autor afir- ma: “a informagiio de servico se distingue da jornalistica pelo seu carater de “transitividade’ - indicativo de movimento, circula¢ao, transite - provecando no receptor uma manifestagao sinérgica, ao reagir 4 mensagem” (BARBOSA FILHO, 2003, p. 135). Barbosa Filho comete um equfvoco nas suas explicagées sobre a diferenga entre o servi¢o ¢ 0 jornalismo. Po! intrinseca ao jornalismo a caracter{stica transitividade, indicada por este autor como atributo peculiar da informagao de servico. Jaa “manifestagao sinérgica” citada pelo autor tem o mesmo sentido. da possibilidade de aciio e reacao, tratada por Diezhandino (1994), quando o receptor esta diante de uma informagao de cunho utilitario. INFORMAGOES UTEIS NO JORNALISMO PRODUZIDO NA INTERNET A internet, um meio ainda novo e incipiente de pesquisas na area do jornalismo, também produz informagées de servigo para seu pUblico inter- nauta. Assim como os demais media, a internet disponibiliza materiais viteis e de carater orientador. Mario Vitor Santos (2007, on-line), ombudsman do iG, reconhece a pres- tac’o de servico pelos portais de noticias: “Esse carater de servigo é muito estimado pelos leitores, especialmente em situagdes de necessidade até de emergéncia’, Em coluna publicada apés o feriado de Finados no ano de 2007, 0 ombudsman elogia o trabalho da redacao pela informagao util produzida pelos jornalistas da redagao. A Redacao do Ultimo Segundo tradicionalmente faz um bom trabalho de servi- G0 aos internautas, mostrando 0 que abre e fecha no feriado, tanto no Rio como em Sao Paulo. No Rio, por exemplo, esse trabalho do iG inclui informagées im- portantes, como a escala de funcionamento de hospitais e prontos socorros, servigos de atendimento ao cidadao, feiras livres, controle urbano, defesa civil, vigilancia sanitaria e até cemitérios de c&es e gatos (SANTOS, 2007, on-line). Segundo Santos (2007, on-line), o que o portal de noticias iG deixa a de- sejar para 0 leitor, com relagao a este tipo de jornalismo, é no que diz respeito 137 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL. A edigdo grafica. Assim, o ombudsman sugere a utilizagao de recursos graficos a fim de melhorar a visualizacao desse material para o internauta: “Servi¢o jor- nalistico é sempre melhor quando é feito de maneira grafica, visual, ou seja, com quadros de leitura gil, ao estilo ‘o que abre e fecha, quando e onde”. A internet nos dias de hoje se configura como um importante espago para divulgac4o de material de servico. Nota-se que os demais veiculos de comunicagdo ultimamente tém mantido uma relacao cada vez mais proxima com esse meio. Vefculos como jornais, revistas e emissoras de televiséo man- tém paginas na internet. Assim, sAo comuns ao final das matérias, seja no suporte impresso ou no eletrénico, a indicagado de Jinks na internet para o receptor ter mais informagdes. JORNALISMO DE SERVIGO: UM GENERO INDEPENDENTE Defendemos que jornalismo de servicgo tem um papel orientador, que busca ajudar 0 cidadao em suas escolhas ¢ atividades do cotidiano. E preciso levar em conta os indicios dessa produgao jornalistica nos diferentes supor- tes midiaticos, nas discussées de autores, em pesquisas existentes sobre 0 jornalismo de servigo, como também em classificagées de géneros. Acreditamos que o referencial tedrico serve para o entendimento dos conceitos, formas e caracteristicas desse jornalismo estudado. Mas defen- demos a proposta de que o jornalismo de servigo é um género jornalistico independente e que ndo cabe em classificagées opinativas e informativas ja existentes. Este jornalismo possui caracterfsticas préprias que o coloca como um género a parte. Rezende (1998, p. 170) afirma que as matérias de cunho de servico ndo se acomodam em outro género determinado: No entendimento deste pesquisador, as matérias jornalisticas em que, supos- tamente, se presta algum tipo de servigo ao publico no se encaixam em um género determinado, e nem sequer dentro de uma das duas categorias, infor- mativa e opinativa. Tanto uma reportagem como um comentario econémico podem ser de extrema utilidade publica, A medida que neles estiver embutidaa intengao de esclarecer, orientar ou mesmo despertar a consciéncia do telespec- tador quanto a um problema qualquer. Nao importa, portanto, que o assunto abordado seja de satide piblica- como evitar uma doenga contagiosa -, ligado A area de educagao, as propriedades de um método pedagégico — ou que fique no nivel trivial de uma receita de um prato regional, o que interessa mesmo é 0 valor que essa informagao possa ter a audiéncia. A simples divulgagao de indi- cadores meteorolégicos ou financeiros ajuda 0 telespectador a tomar decisdes de seu interesse. 138 GENERO UTILITARIO A conjuntura da intencionalidade do texto é imprescindivel para iden- tificagdo do material jornalistico destinado a prestacao de servi¢os por parte dos media. £ preciso verificar se nas matérias ha um elemento pedagogico com intento de orientar, esclarecer ou indicar ao receptor da informacao algo que poderd ou devers fazer. Claro que ha, em diversas situagées, dificuldades para identificar o gé- nero utilitario, Por muitas vezes, pode-se confundir com outros géneros do jornalismo, principalmente o informativo. Isso, porque o servigo pode apa- recer como complemento de um material informativo ou embutir algumas caracterfsticas em formatos como a reportagem. REFERENCIAS BARBOSA FILHO, André. Géneros radiofénicos: os formatos e os programas em audio, Sdo Paulo: Edicdes Paulinas, 2003. BELTRAO, Luiz. Teoria e pratica do Jornalismo. Adamantina, Sao Bernardo do Campo: FAI, Catedra Unesco/Metodista de Comunicagao para o Desenvol- vimento Regional, 2006. CARVALHO, Carmem Regina de Oliveira. Jornalismo especializado em tu- rismo: o género jornalfstico e o mercado nos suplementos de turismo dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. 2003. Dissertagao (Mestrado em Ciéncias da Comunicagado) - Universidade de Sao Paulo, 2003. CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além mar: travessia para uma nova teoria de géneros jornalisticos. Sao Paulo: Sammus, 2008. COSTA, Lailton Alves da. Teoria e pratica dos géneros jornalisticos: estu- do empirico dos principais didrios das cinco macro-regiées brasileiras. 2008. 197 f. Dissertagao (Mestrado em Comunicagao Social) - Universidade Meto- dista de Sao Paulo, S40 Bernardo do Campo, 2008. DIEZHANDINO, Maria Pilar. Periodismo de servicio: la utilidad como com- plemento informativo en Time, Newsweek y U.S. News and World Report, y unos apuntes del caso espafiol. Barcelona: Bosch Comunicaci6n, 1994. DINES, Alberto. O papel do jornal: uma releitura. 4. ed. Sao Paulo: Summus, 1996. LEITE, Marcelo. Jornalismo de Servigo. 1996. Disponivel em: . Acesso em: 08 set. 2007. 139 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL. MARQUES DE MELO, José. Géneros de comunicagao massiva. 2007. (Origi- nal do autor). NASSIE, Luis. O jornalismo dos anos 90. Sao Paulo: Futura, 2003. PARRATT, Sonia Fernandez. Géneros periodisticos en prensa. Quito: Cies- pal, 2008. RAMIREZ, Francisco Esteve; MORAL, Javier Fernandez. Areas de especiali- zaci6n periodistica. Madrid: Fragua Editorial, 1999. REZENDE, Guilherme Jorge de. Perfil editorial do telejornalismo brasilei- ro: estudo comparativo do estilo, géneros e formatos em uma semana de edic¢ées. 1998. 339 f. Tese (Doutorado em Comunicagio Social) - Univer- sidade Metodista de Sao Paulo. S40 Bernardo do Campo, 1998. RIOS DOS SANTOS, Jacqueline. Minha amiga Cldudia: histéria, géneros jor- nalisticos e produ¢ae de uma revista feminina. 1996. 204 f. Dissertagao (Mes- trado em Comunicagao Social) - Universidade Metodista de S40 Paulo, Sao Bernardo do Campo, 1996. SANTOS, Mario Vitor. Blog do Ombudsman. 2007. Disponivel em: . Acesso: 03 ago. 2008. TEMER, Ana Carolina Rocha Pesséa. Noticias e servicos: um estudo sobre contetido dos telejornais da Rede Globo. 2001. 339 f. Tese (Doutorado em Comunicagao Social) - Universidade Metodista de So Paulo, Sao Bernardo do Campo, 2001. VAZ, Tyciane Cronemberger Viana. Jornalismo de servico: 0 género utili- tario na midia impressa brasileira. 2009. 197 f. Dissertagdo (Mestrado em Comunicagao Social) - Universidade Metodista de Sdo Paulo, So Bernardo do Campo, 2009, 140 G£NERO DIVERSIONAL FRANCISCO DE ASSIS Nem tudo 0 que um jornal publica é noticia’ (TEMER, 2007). Isto é fato. E essa observa¢ao também diz respeito a realidade dos programas jornalis- ticos veiculados em midias eletrénicas e digitais. Tal assertiva ancora-se na ideia de que o jornalismo também reserva espagos ~ na maioria das vezes pequenos, é verdade - para contetidos que nao tém a fungo primordial de informar determinadaos acontecimentos, mas, sim, que se apresentam como ofertas de diverséo para 0 piiblico consumir em momentos de lazer (MAR- QUES DE MELO, 2006b). A questao que se quer colocar, nestas linhas, parte do pressuposto de que, em alguns momentos e em determinadas situagées, 0 jornalismo se opoe aos seus dois paradigmas fundamentais ~ 0 da vida publica e o da esfera pt- blica® (ALENCAR, 2007, on-line) -, para trazer a tona alguns assuntos aparen- temente sem importancia ou, ento, para resgatar determinado fato que j4 foi noticia & luz de detalhes que, num primeiro momento, poderiam ser conside- rados indiferentes ou desnecessarios, tais como descrigao de ambientes, de caracteristicas das pessoas envolvidas, entre outros. E exatamente nesse panorama que se situa 0 género jornalistico diver- sional, identificado por Marques de Melo (2006b) como género complemen- tar, de carater “emocional”. Complementar porque, na perspectiva do autor, > Ha muitas e diferentes definigdes para noticia, assim como sao diversos os critérios que atribuem a um fato 0 status de noticia, Neste texto, em especifico, entende-se por noticia a definigo dada por Marques de Melo (2006a): “Relato integral de um fato que j4 eclodiu no organismo social, Contém necessariamente respostas as perguntas de Quintiliano (quem? o qué? quando? como? onde? por qué?), transformadas em formula jornalistica 3Q + CO + PQ. Narrado em ‘piramide invertida’, compde-se de duas partes: ‘cabega’ (Jead) e ‘corpo! (body). Privilegia o ‘climax’ (sensagao) evitando a ‘cronologia’ (nariz de cera)’. Vaie expticar que as “perguntas” as quais o autor se refere dizem respeito & formula dos elementa narrationis, elaborada pelo fildsofo Fabio Quintiliano (35-96 d.C.), em Roma, como modelo que deve ser seguido para contar novidades, 0 quai deve levar em consideragao as “circunstancias de sujeito, objeto, higar, tempo, causa e maneira” (TEMER, 2007, p. 51). 7 Em linhas gerais, esses paradigmas revelam a fungao capital do jornalism| cimentos de interesse coletivo, atividade que subsi informar aconte- a formagao da opiniao publica GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL as espécies hegeménicas do jornalismo s4o a informacao e a opiniao, cujas caracteristicas vem sendo observadas, pelo menos, desde o inicio do século 18" (MARQUES DE MELO, 2003, p. 42); logo, as demais tipologias, que surgi- ram ao longo dos tiltimos séculos, ofereceram novas possibilidades ao que jA era de praxe no jornalismo. E emocional pele fato de ser o tipo de produto caracterizado pela “informagao que diverte” (DIAS et al, 1998, p. 14)*. Pensar a respeito dessa realidade, todavia, nao é tao simples quanto possa parecer. A comegar pelo fato de que ha referenciais que no legiti- mam sua existéncia e sua importancia dentro do jornalismo, considerando os elementos que o configuram apenas como recursos narrativos que podem ser identificados nos géneros informativo e opinativo. O préprio Marques de Melo, em seus estudos da década de 1980°, caminha nesse sentido. Ao notar que Luiz Beltrao, pioneiro nos estudos sobre géneros jornalisticos no Brasil, nao se propée a tratar do género diversional, diz o seguinte: “lendo cuida- dosamente a concepgao de jornalismo formulada por Beltrao percebemos que ele coincide com a atitude de [Raymond] Nixon, encarando 0 jornalis- mo como atividade séria, onde nao ha lugar para brincadeira, para diversao” (MARQUES DE MELO, 2003, p. 60). Muito embora Marques de Melo tenha revisto seu posicionamento, pos- teriormente, e Beltrao tenha afirmado que entreter é uma das fungées do jor- nalismo ~ mesmo nao atribuindo um género especifico para essa modalidade =, como sera mostrado adiante, é importante que se enfatize que nao sao to- das as propostas classificatérias que dao atencao a esses aspectos, como é 0 “De acordo com Marques de Melo, a classificagéo dos produtos jornalisticos em opiniao ¢ in- formagaio tem suas raizes nas observagies feitas pelo inglés Samuel Buckley, editor do Daily Courant, no inicio do século 18. Ele foi o primeiro a estabelecer distingdes entre news and comments (noticias e comentarios). +A reforéncia de Dias et al (1998) corresponde ao paper “Géneros ¢ formatos na comunicacao massiva periodistica: um estudo do jornal ‘Folha de S, Pauto’ e da revista ‘Veja apresentado durante 6 212 Congresso Brasileira de Ciéneias da Comunicagio, realizado em Recife, em setembro de 1998. Tal pesquisa, realizada por alunos do Programa de Pés-Graduacao em Comunicagao Social (PésCom} da Universidade Metodista de Sao Paulo (Umesp), foi orien- tada pelo prof. Dr, José Marques de Melo e consiste em um estudo exploratério em torno de uma nova proposta de classificagao dos géneros jornalisticos sugerida pelo docente Refere-se, aqui, a tese de Livre Docéncia do auter, defendida na Escola de Comunicagdes © Artes da Universidade de S30 Paulo (FCA-USP), em 1983, na qual ele defende a vigencia de dois géneros: intormativo e opinativo, 0 material foi publicado originalmente em 1985, sob 0 titulo de A opinigo na imprensa brasileira, tendo recebido nova edi¢ao em 2003, com g nome de /ornalismo Opinativo, Entretanto, na Ultima edicdo, Marques de Melo nao alterou sua classificago dos géneros jornalisticos. Uma nova visao a respeito do objeto pode ser encontrada no paper ja citado (DIAS et al, 1998) e em originais do autor. 142 GENERO DIVERSIONAL caso, por exemplo, de Chaparro (2008), que separa o contetido do jornalismo em dois géneros capitais: relato e comentario. Retomando a ideia inicial deste texto, vale dizer que o elo entre im- prensa e entretenimento nao 6 fato recente. Tendo como parametro o caso da imprensa brasileira, ha registros de que, no século 19, o folhetim’ fazia grande sucesso entre os moradores do Brasil imperial (ALENCASTRO, 1997}, chegando a ser publicado quase diariamente pelo Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro, de 1839 a 1942. O segredo para tamanha popularidade estava justamente na carga de emogdo proporcionada por suas histérias contadas em série, como assegura Meyer (2065, p. 303): “Comum a todos, e importan- tissimo, era 0 suspense e€ 0 coracdo na mao, um lencinho nao muito longe, 0 ritmo agil de escrita que sustentasse uma leitura as vezes ainda soletrante, e a adequada utilizagao dos macetes diversos que amarrassem 0 ptiblico”, Além disso, como defende Arnt (2001, p. 121), 0 folhetim é uma espécie de espelho de seu tempo. Ao analisar casos relacionados as imprensas fran- cesa, inglesa e brasileira, ocorridos no século 19, a autora mostra que tais produgées refletiam as caracteristicas daquelas sociedades: “Os escritores que militavam na imprensa tinham como uma de suas metas documentar a realidade de seu tempo”. Mas para tratar especificamente sobre produgado jornalfstica, a qual pressup6e a veracidade como caractere fundamental, é possivel compreen- der que o género diversional emerge como reflexo de um fenémeno social da- tado: 9 periodo pés-guerra. Conhecido também como era _pés-industrial (DE MASI, 1999) - caracterizada como anténimo da racionalizagao imposta pela revolu¢ao industrial -, esse momento da historia da humanidade, iniciado no final da primeira metade do século 20, tem como premissa a qualidade de vida do ser humano, com valorizagao de aspectos emocionais ligados ao seu cotidiano e, principalmente, de incentivo ao descanso do corpo e da mente; ou, como preferem alguns, ao “écio criativo” (DE MAST, 2000). Nao é a toa, portanto, que algumas reflexes tedricas sobre as fungdes da comunicagao preveem que a indtistria midiatica cabe o papel de divertir. Como explicam Beltrao e Quirino (1986, p. 143), a “funcdo ltidica ou de entre- tenimento” se d4 por meio * Género importado da Franca (feuilleton, folha de livro), 0 folhetim é uma narrativa seriada, publicada sequencialmente em periddicos (jornais ¢ revistas). Apresenta narrativa dgil, pro- fusda de eventos e ganchos emocionais estrategicamente planejados para prender a atencao do leitor. 143 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL do oferecimento de recursos diversionais para que o homem preencha seus lazeres, liberte-se das pressdes do cotidiano ¢ recupere seu equilfprio emo- cional pelo estabelecimento de relagdes mais intimas com seu proximo e mais solidarias com seu semelhante, 0 que The permitird a integracao na sociedade, reduzindo sua solidao e frustragao. De tado modo, é importante lembrar que a teoria funcionalista dos mass media nem sempre determinou o lazer como fungao. Inicialmente, Harold Lasswell (1987), em 1948, observou trés desempenhos para tal objeto: 1) vi- gilancia sobre o meio-ambiente (informacional); 2) correlagao das partes da sociedade em resposta ao meio (persuasiva); 3) transmiss4o da heranga so- cial de uma gerag4o para a outra (educacional), Somente na década seguinte, mais especificamente em 1959, 6 que Charles Wright (1968, p. 19) acrescen- tou um quarto elemento a essa lista, afirmando que “o entretenimento com- preende os atos comunicativos com a intengdo de distragao, sem qualquer preocupacido com os efeitos instrumentais que eles possam ter”. Na esfera especifica do jornalismo, Beltrao (1980, p. 13) entende que tal atividade também é formada por trés fungGes basicas: informar, orientar e divertir, Para ele, a diversao (o entretenimento) é “um meio de fuga as pre- ocupagées do quotidiano ou costumeiro, uma pausa no ramerrao, um preen- chimento dos lazeres com algo reparador do dispéndio de energias reclama- do pela prépria atividade vital de informar-se”. Todavia, conforme foi dito ha pouco, ao estipular uma taxionomia dos géneros do jornalismo, nao inclui a diversdio como categoria a ser considerada. Independentemente dos posicionamentos de alguns autores, esta refle- xo situa o diversional como um dos géneros praticados pelo jornalismo bra- sileiro. Seu referencial basilar encontra-se nas mais recentes sistematizagdes de Marques de Melo (2006b), ainda nao publicadas em livro, mas que podem ser localizadas em originais de suas pesquisas e em trabalhos orientados por ele, como os de Dias et al (1998), Dias (1999), Costa (2008) e Vaz (2009). Tem-se, como embasamento, que a fungéo do género em relevo é propor- cionar certa dose de diversdo, a0 mesmo tempo em que informa, distanciando- se dos demais géneros por seu aspecto estrutural e por sua intencionalidade. TENTATIVAS DE COMPREENSAO DO GENERO DIVERSIONAL Nao ha diividas de que a diversao proporcionada pelo jornalismo é di- ferente do_entreteni recido por programas veiculados no radio ¢ na TV - como musicais, filmes, games shows, humoristicos, etc. (BARBOSA 144 GENERO DIVERSIONAL FILHO, 2003, p. 113-121; ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 92-142) — e até mes- mo por espacos especificos de jornais e revistas ~- como passatempos, jogos, historia em quadrinhos, contos, entre outros (DIAS et al, 1998, p. 6). Estes, muitas vezes, constituem-se em produtos ficcionais, sem qualquer necessida- de de compromisso com acontecimentos reais; no contetido jornalistico, ao COnUrATIG; a Veracidade dos fatos narrados nao pode, em hipétese alguma, ser substituida por qualquer liiven¢ao. Como diz Marques de Melo (2006c), “a matéria prima do jornalismo é a realidade. Os jornalistas trabalham exclusivamente com relatos verossimeis, sendo inadmissivel a transgressao. da fronteira entre realidade-e ficcdo”. No entanto, a estrutura do género diversional ancora-se no estilo apregoado pela literatura, fazendo uso de recursos utilizados comumente por escritores de fico, a fim de humanizar o texto jornalistico e tornd-lo agradavel aos leito- res (MEDINA, 2003). As bases fundadoras do jornalismo diversional se encontram, na con- cepgdo de Erbolato (2006, p. 44}, no movimento norte-americano denomi- nado Ne! ism, que, no infcio da segunda metade do século 20, revolu- cionou as formas de se fazer jornalismo nos EUA e, consequentemente, abriu campo para que suas diretrizes fossem incorporadas em outros paises. Até entao, o trabalho da imprensa daquele pais era marcado pela valorizagao de textos padronizados, sem grandes atrativos; a partir daquele momento, al- guns jornalistas comegaram a produzir matérias em que descrevia situagdes, reproduziam didlogos e, até mesmo, revelavam “os sonhos e conjecturas de cada pessoa envolvida na narrativa”. O autor ainda afirma que com 0 trabalho dos jornalistas Gay Talese’ - autor de textos célebres na historia do jornalismo, como o inusitado perfil de Frank Sinatra® -, Truman Capote’ - com seu famoso A Sangue Frio, cuja histéria Gay Talese nasceu em Ocean City, em Nova Jersey, em 1932, Fol repérter do The New York Times e um dos pioneiros do Nove Jornalismo. * Gay Talese tentou escrever um perfil de Frank Sinatra com base em depoimentos do préprio cantor. No dia da entrevista, porém, Sinatra estava gripado e de mau humor, razdes que o levaram a nao conversar com 0 repérter. Talese nao se deu por vencido, Passouo diaa obser- var © pop star a distancia. Com base em suas percepsdes, escreveu os textos "Frank Sinatra esté resfriado” © “Como nao entrevistar Frank Sinatra’, publicados no Brasil, em 1973, na coleténea Ags othos da multiddo e, em 2004, no livre Fama ¢ Anonimato. ° Truman Capote nasceu em Nova Orleans, em 1924, faleceu em Los Angeles, em 1984, Traba- Thou na revista The New Yorker e também escreveu livros de ficgao. 145 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL ja foi narrada em obra cinematografica’ - e com outros jornalistas engajados deu-se inicio ao “Novo Jornalismo, aceito também como Jornalismo Diversio- nal..’, E citando o pesquisador Daniel Samper Pizano, explica que para praticar esse jornalismo “o repérter procura viver 0 ambiente e os problemas dos en- volvides na histéria, mas nao pode se limitar as entrevistas superficiais ¢ sim ‘descobrir sentimentos, anotar didlogos, inventariar detalhes, observar tudo fazer-se presente em momentos relevadores” (ERBOLATO, 2006, p. 44). Em prefiicio ao livro Fama e Anonimato, de sua propria autoria, Gay Ta- lese (2004, p. 9-10) explica que 0 trabalho feito por ele e por outros profissio- nais de sua geragdo no se constitui, como alguns criticos sugerem, em nar- rativas de fatos deturpados para chamar a atencao. Consiste, segundo suas colocagées, em denso trabalho de apuracao, o qual resulta, indiscutivelmente, em contetido que traz a tona aspectos curiosos e envolventes: Embora muitas vezes seja lido como ficcao, 0 nove jornalismo nao é ficgao. Ele é, ou deveria ser, tao fidedigno quanto a mais fidedigna reportagem, embora busque uma verdade mais ampla que a obtida pela mera compilagao de fatos passiveis de verificagio, pelo uso de aspas e observancia dos rigidos prinei- pios organizacionais & moda antiga. 0 novo jornalismo permite, na verdade exige, uma abordagem mais imaginativa da reportagem, possibilitando ao au- tor inserir-se na narrativa se assim 6 desejar, como fazem muitos escritores, ou assumir o papel de um observador neutro, como outros preferem, inclusive eu proprio. Eu procuro seguir os objetos de minha reportagem de forma discreta, observando-os em situagdes reveladoras, atentando para suas reagées e para as reagées dos outros diante deles, Tento apreender a cena em sua inteireza, 0 didlogo e 0 clima, a tensao, o drama, o conflito, e entao em geral a escrevo de ponto de vista da pessoa retratada, as vezes revelando o que esses individuos pensam durante os momentos em que escrevo. Esse tipo de insight depende, naturalmente, da cooperagao total da pessoa sobre a qual se escreve, mas se 0 escritor goza de sua confianga, é possivel, por meio de entrevistas, fazendo per- guntas certas, aprender e reportar 0 que se passa na mente de outras pessoas. Avaliando tal pratica, Werneck (2004, p. 525) garante que essa categoria corresponde ao jornalismo que “sem se afastar da trilha da informacao, busca torna-la também saborosa, enriquecendo-a com recursos da narrativa de fic- cdo”. Entende ele, ainda, que textos dessa natureza ndo devem ser apontados * A sangue frio (In Cold Blood) conta a histéria real do brutal assassinato da familia Clutter, no Kansas, em 1959, Baseade ne livro de Capote, a filme explora a personalidade dos dois assassinos e og motivas que os levaram a cometer tal crime. Duas versdes foram gravadas: em 1967, dirigido por Richard Brooks, ¢ cm 2008, dirigido por Jonathan Kaplan. 146 GRNERO DIVERSIONAL como frutos de jornalistas que, no fundo, prefeririam fazer literatura: “Nada disso. Ao se valer de instrumentos da narrativa de ficco, o bom jornalista, lon- ge de querer embonitar seu texto, esta empenhado_numa indispensavel em- preitada de-sedttcao — sem a qual corre 0 risco dé simplesment® Hao Ser lido”, Na asser¢ao de Tom Wolfe"! (2005, p, 28), outro mentor do Novo Jor- nalismo, as inovagdes propostas naquela ocasido eram vistas como a possi- bilidade de se promover algo inovador, diferente e audacioso no jornalismo. Sobre o tema, relata o seguinte: O que me interessava nao era simplesmente a descoberta da possibilidade de escrever ndo-ficgdo apurada com técnicas em geral associadas ao romance & ao conto. Era isso e mais. Era a descoberta de que era possivel na nao-ficcao, no jornalismo, usar qualquer recurso literario, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciéncia, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo tempo, ou dentro de um espago relativamente curto [...] para excitar tanto intelectual como emocionalmente 0 leitor No Brasil, o mesmo movimento de renovagaéo promovido nos Estados Unidos teve seu apogeu no final da década de 1960, com a revista Realida- de, publicada mensalmente pela Editora Abril, de 1966 a 1976". 0 cédigo proposto pelo New Journalism foi visivelmente adotado pela publicagao bra- sileira (FARO, 1999), preenchida com textos muito extensos, mas com abor- dagens que certamente agradavam aos leitores, haja vista suas altas tiragens, que se esgotavam nas bancas do pais em pouco tempo. Faro (1999, p. 517) observa que esse tipo de produgao reconfigurou até mesmo 0 papel do jornalista, uma vez que o “nivel de autonomia de seu traba- lho” ganhou novos horizontes pela propria abordagem instituida pelo Novo Jornalismo. Para Muggiati (1971, p. 10), trata-se de uma “verdadeira fusio do escritor e do jornalista’, As discussdes de Muggiati também expdem outra definicao para 0 gé- nero aqui tratado: “reportagem-conto”, Para tanto, mesmo nao sendo sua in- ten¢do propor uma classificagao de género, o autor oferece uma experiéncia Nascido em 1931, em Richmond, Virginia, Thomas Kennerly Wolie ficou mundialmente co- nhecido pelo estilo de seus textos. & considerado um dos fundadores do New Journalism. Embora a revista Realidade tenha encerrado suas atividades em 1976, sua caracteristica ori ginal, correspondente ao New journalism, s6 fol mantida até o final de 1968, quando do decreto do Ato Institucional n® 5 (Ai-5), durante a gestao do General Arthur da Costa e Silva Em plena Ditadura Militar, a imprensa passou a ser censurada pelo governo, perdendo sua autonomia e sua identidade. 147 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL oposta a dos jornalistas norte-americanos outrora mencionados, ao revelar a histéria de Ernest Miller Hemingway", escritor que migrou da literatura para o jornalismo, levando a esse Ultimo o estilo e os recursos que, durante anos, 0 acompanharam em seus contos literarios. Também no que diz respeito 4 nomenclatura, Ghivelder (1971, p. 23) reproduz uma declaragao de Truman Capote, que define tal trabalho como sendo “reportagem criativa”. Mesmo assim, ndo oferece explicagdes consis- tentes sobre o termo, a nao ser aquilo que os outros ja disseram. OUTRAS PERSPECTIVAS Ao longo dos anos, os pesquisadores que se propuseram a estudar 0 género jornalistico diversional esbarraram em algumas controvérsias sobre sua existéncia. Marques de Melo (2003, p. 64), por exemplo, chegou a nao considerar a diversio como um género auténomo, mas, sim, um “mero recur- so narrativo que busca estreitar os lagos entre a instituicdo jornalistica e 0 seu publico e nao transcende a descrigao da realidade, apesar das formas que sugerem sua dimensdo imaginaria’. Tal constatagao espelhava a realidade da imprensa brasileira da década de 1980, Porém, como géneros sao tipos “relativamente estaveis” (BAKTHIN, 2003, p. 262) de enunciado e nao podem ser entendidos fora de um contexto, Marques de Melo (2006b) revisou suas consideragées a respeito do género diversional, considerando-o, em reflexGes recentes, como uma producao que surge no pés-guerra como contingéncia do jornalismo, no sentido de sobre- viver num ambiente midiatico dominado pelo entretenimento. A ascensdo do show business contamina a producao jornalistica, introduzindo ao resgate de certas formas de expresso que mimetizam os géneros ficcionais, embora os relatos permanecam ancorados na realidade. Olhando por esse Angulo, entende-se que o género diversional compre- ende relatos jornal{sticos, elaborados com técnicas literarias, podendo con- correr - ao menos do ponto de vista estrutural - com produgées ficcionai: Raymond Nixon (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 30) reforca a ideia de que a fungao desse género é preencher o momento de dcio das pessoas, que “ Ernest Miller Hemingway nasceu em Oak Park, em 1899, e faleceu em Netchwmn, em 1961, Foi escritor e jornalista, tendo atuado como correspondente de guerra em Madvi, durante a Guerra Civil Espanola, cuja experiéncia o inspirou a escrever uma de suas mais importan- tes obras: Por quein os sinos dobram. 148 GENERO DIVERSIONAL se tornou maior em meados do século 20, periodo em que se comecou a re- pensar a qualidade de vida da populaga4o mundial - ou, pelo menos, de boa parte dela - e em que horas e dias de descanso, bem como perfodos de férias, passaram a ser gozados pelos trabalhadores. Com isso, o jornalismo precisou encontrar formas de propiciar diverséo para os momentos de folga de seu pitblico, oferecendo a eles informagées, secdes e demais espacos editoriais capazes de entreté-los. Se o jornalismo diversional, no dizer de Erbolato (2006, p. 44), “passou a oferecer textos de muito agrado, abordando assuntos que, até a época, eram sempre apresentados com aridez ou através de construcées estereotipadas e cormais, despidas de interesse...”, é possivel estabelecer um paralelo entre tal género e 0 conceito francés fait divers. Segundo Barthes (1970), esse tipo de informago nao precisa de um contexto anterior ou de um contexto exterior para ser explicado: basta despertar algum interesse (mesmo que em pequena escala) nas pessoas. O insdlito, a informaga4o monstruosa, os fatos aparentemente insignifi- cantes sdo “algumas” das caracteristicas do fait divers, Algumas, porque Bar- thes deixa claro que tal propriedade da imprensa jamais encontrara classifica- Ses que sejam capazes de defini-la satisfatoriamente ¢ que consigam explicar sua representatividade nos jornais. 0 autor também explica que esse tipo de texto tem, pelo menos, duas caracteristicas: a primeira é de natureza estilistica, que corresponde a estrutura da narrativa, que geralmente se caracteriza pela "emocao” empregada na sequencia relatada; a segunda diz respeito ao proprio contetido, cuja importancia esta nao nos fatos ocorridos, mas na relag4o que os une, ou seja, naquilo que desperta o interesse humano pelo assunto. Nao é preciso conhecer 9 mundo para consumir um fait divers; ele nao remete for- malmente a nada além dele proprio; evidentemente, seu contetido nao é estranho ao mundo: desastres, assassinios, raptos, agressées, acidentes, roubos, esquisiti- ces, tudo isso remete ao homem, a sua histéria, a sua alienacao, a seus fantasmas, a seus sonhos, a seus medos |...]; sem duragao e sem contexto, ele constitui um ser imediate, total, que nao remete, pelo menos formalmente, a nada de implicito [..] 6 sua imanéncia que define o fait divers (BARTHES, 1970, p. 58-59). Nos Estados Unidos, uma referéncia ao tipo de jornalismo aqui estu- dado encontra-se no manual de redagao da Associated Press, com 0 nome de atures. Segundo as especificagdes da mais antiga agéncia de noticias norte- americana, a elaboragao desse tipo de contetido nao se limita aos critérios 149 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL de importancia e interesse apregoados pelos tradicionais valores-noticia. “Os mais interessantes features suplementam as noticias de diferentes maneiras: elas iluminam eventos, oferecem perspectivas, explicam e interpretam, regis- tram tendéncias, contam as pessoas sobre outras pessoas” (CAPPON, 1991, p. 115, tradugao nossa). O género jornalistico diversional ainda pode ser analisado a partir da definigao de uma corrente de estudiosos que defendem a existéncia do “jor- nalismo literario”'*, Isso porque, como ja foi dito, ambos sao definidos da mesma maneira, isto é, como tipos de producdo jornalistica que se valem de técnicas narrativas literarias. Pena (2006, p. 21) defende o jornalismo literario como género auténomo, composto por outros subgéneros - tais como biografias, romances-reporta- gens, etc. ~, e entende que textos dessa natureza convergem varias vertentes do jornalismo: “Ao juntar elementos presentes em dois géneros diferentes, trans- formo-os permanentemente em seus dominios especificos, além de formar um. terceiro género, que também segue pelo inevitavel caminho da infinita meta- morfose” E deixa claro: “Nao se trata da dicotomia ficgdo ou verdade, mas sim de uma verossimilhanga. Nao se trata da oposi¢ao entre informar ou entreter, mas sim de uma atitude narrativa em que ambos estao misturados”. Outra possibilidade de entendimento do género diversional é sugerida por Dejavite (2006), que trabalha com a expressao “infotenimento’, neolo- gismo criado na década de 1980 e que ganhou forga na imprensa mundial na década subsequente. Trata-se de um tipo de jornalismo que une informagao, prestacao de servigo e divertimento: 0 jornalismo de INFOtenimento é 0 espaco destinado as matérias que visam informar e divertir, como, por exemple, 0 assuntos sobre estilos de vida, as fo- + No Brasil, 0 assunto aqui destacado & constantemente debatido no ambito da Academia Brasileira de Jornalismo Literrio (ABJL), instituicao que oferece cursos de extensao e de pds-graduagao lato sensu sobre o tema. Trata-se de uma Organizagio Nao-Governamental, presidida pelo prof. Dr: Celso Falaschi, e que se apresenta da seguinte maneira: “ONG que ensina, pesquisa, divulga, promove, pratica e ayanga o Jornalismo Literario para novos ni- veis, Assume abordagem multicultural e multinacional. 0 ponto de partida é 0 campo de co- nhecimento desenvolvido nos tiltimos com anos pele Jornalismo Literario norte-americano, europeu, hispano-americano ¢ brasileiro. A partir dessa base, a ABJL desenha contribuicdes que pode ajudar o JL a evoluir em resposta aos desafios draméticos imposes pela ascensao da civilizagao global de nosso tempo. 0 foco mais imediato é o desenvolvimento de meto- dologias e téenicas que possam contribuir para a melheria da qualidade da reportagem na imprensa brasileira e para a formacao de autores de narrativas de nao-fic¢3o". O site da ABJL esta disponivel no endereco http://wwwabjlorg.br/. 150 GENERO DIVERSIONAL focas e as noticias de interesse humano - os quais atraem, sim, 0 publico. Esse termo sintetiza, de maneira clara e objetiva, a intencao editorial do papel de en- treter no jarnalismo, pois segue seus principios basicos ao mesmo tempo que atende as necessidades de informagao do receptor dos dias de hoje. Enfim, ma- nifesta aqueie contetido que informa com diversao (DEJAVITE, 2006, p. 72) Por tudo isso, fica claro que 0 género diversional corresponde a conte- dos destinados a distragdo do leitor, mas que, ao mesmo tempo, em nada eixam a desejar em termos de veracidade das informagoes reportadas. Tra- ca-se, naturalmente, de um tipo de texto voltado a apreciagao do piblico, que vem a possibilidade de ocupar seu tempo livre com a leitura de tais relatos. OS FORMATOS Nesta discussdo, adota-se como modelo de classificagio o proposto por Marques de Melo, cujas primeiras referéncias encontram-se documentadas no srabalho assinado por Dias et al (1998, p. 14). Nesse paper, ha a afirmagao de sue 0 género diversional desdobra-se em dois formatos: “histéria de interesse mano” e “histéria colorida’. A partir de tais consideragées, entende-se que o zrimeiro deles “utiliza um arsenal peculiar ao universo da ficgdo para abordar .n fato que foi noticia retomado na sua dimensao humana com a finalidade je suscitar 0 interesse e a atencao do ptiblico”; ja o segundo é visto como um formato que “descreve uma situagdo em que se desenvolve o fato”, cuja énfase “no modo como a histéria se desenvolve e nao na informagéio”, Em outras palavras, a histéria de interesse humano oferece uma relei- cura de um acontecimento a partir de detalhes que possam suscitar a emo¢do =2 leitor, os quais so.casturados numa’ narrativa bem elaborada; ja a historia s[rida tem como tonica a destricdo dos cénatios onde os fatos ocorrem, Las Cores e as sensacdes percebidas pelo repérter, Por isso mesmo, ambos -s formatos exigem que o jornalista va a campo fazer sua apuragao. De acordo com Beltrao (1969), historias de interesse humano sao aque- 25 cuja carga emocional ultrapassa inclusive o préprio valor da noticia. Por ss0 mesma, é fungao do jornalista identificar, no fato a ser informado, o que = mais interessante pode haver para o leitor, para assim utilizar os recursos = muns aos escritores de ficgdo durante a composigao de seu trabalho. O mesmo autor ainda percebe que ha quatro caracteristicas basicas de extos dessa natureza: 1) acao (ou seja, o fato é narrado e ndo simplesmente escrito ou relatado); 2) climax emocional (predominancia de aspectos que =preendam 0 leitor); 3) veracidade absoluta (evita-se a apropriacdo de de- 151 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL talhes imaginados para “enriquecer” a narrativa); ¢ 4) adequagdo (recursos literarios incorporados a informagao). Segundo ele, esse tipo de produgao é feito “a base de fatos diversos, que se registram em qualquer campo da ativi- dade dos individuos e da vida em comunidade” (BELTRAO, 1969, p. 377). Temer (2002) observa que a histéria de interesse humano, em alguns momentos, pode parecer irrelevante dentro de um contexto social, por conta de outros assuntos mais pertinentes e até mesmo mais urgentes de serem tra- tados pela midia. No entanto, esse formato conquista seu lugar na imprensa, seja nos veiculos impressos ou na TV, a partir do momento em que desperta a curiosidade e a emogao do ptiblico. Em trabalho mais recente, a autora reafir- ma que esse tipo de producado sempre foi “uma receita eficiente para atrair 0 ptblico”, exatamente porque “o que distingue a histéria de interesse humano do restante do material publicado é que sua valoracado, enquanto noticia, ocor- re em fung4o unicamente da sua carga emocional” (TEMER, 2007, p. 68). Na outra ponta do género diversional, a histéria colorida corresponde a relatos jornalisticos que privilegiam as caracteristicas dos fatos, isto é, do €nfase aos detalhes que compéem determinado assunto curioso. “Trata-se de uma leitura impressionista, que penetra no 4mago dos acontecimentos, identiticando detalhes enriquecedores, capazes de iluminar a acdo de agen- tes principais e secundarios” (MARQUES DE MELO, 2006a). Camps e Pazos (1996, p. 138, tradugao nossa), ao tratarem dos géneros jornalisticos, identificam que nota de color ou nota color sao textos estrutura- dos a partir de aspectos pessoais dos protagonistas e do ambiente em que se desenrola um fato. Segundo eles, a historia colorida é aque conta uma histéria ou descreve uma situag4o colocando-ihe acento no modo em que se desenrola antes que na informacao. Os recursos de redagao, portanto, so mais literdrios que jornalisticos, ja que passam fundamentalmente pela utiliza- cao de imagens sensoriais e pela transmissio de emogées e sentimentos Ja Serra e Ritacco (2004, p. 107, tradugado nossa) compreendem que a histéria colorida é um relato de estilo livre, mas subordinado a algum assun- to jd trabalhado por outros géneros e formatos jornalisticos: “Nao funciona sozinha: sempre é complemento de uma noticia ou crénica princial”, Esses autores, assim como Camps e Pazos, advertem que a historia colorida nao tem a obrigacéo de responder aos questionamentos do /ead. Seu objetivo é relatar os acontecimentos a partir de seu clima, de sua atmosfera e das emo- cées percebidas pelo repérter responsavel pela apuracao. 152 GENERO DIVERSIONAL. Além da histéria de interesse humano e da hist6ria colorida ~ j4 comu- mente associadas ao género diversional -, também pode ser atribufdo ao gé- nero diversional outro formato identificado por Lailton Costa (2008, p. 178), no amplo trabalho que realizou acerca dos géneros jornalfsticos: trata-se da “histéria de viagem’, a qual tem por objetivo “apresentar ao leitor a situagao e0 local do fate narrado. Segue-se a descrig40 minuciosa do infortinio, acres- centando ao leitor, em tom pessoal ¢ informal, o contexto da agao e desafio imposto pela situacao inicial em que se metera o informante”. Embora, na maioria das vezes, esse tipo de texto seja escrito por leitores - e ndo pelos reporteres ~, 0 autor assegura que: Aprincipio poderia ser considerado um subgénero da Carta do leitor, ow, ainda, da Crénica, mas, diferentemente daquelas unidades que possuem no jornal es- pace espectfica de publicagao, este texto é ocasional e possui estrutura distinta. Escrito em primeira pessoa, 0 texto narra um acontecimento da vida do autor durante uma viagem, produzido para atender ao chamado do jornal, que con- clama os leitores a enviarem colaboracdes (COSTA, 2008, p. 180). E importante deixar claro que Costa reconhece, em sua pesquisa, que a historia de viagem” 6 um formato pouco expressivo, tendo sido identificado, por ele, em apenas um dos cincos jornais que compuseram seu corpus de ana- lise. Por essa razo, é necessdrio que sua vigéncia e suas caracterfsticas ainda sejam mais bem compreendidas e atestadas. EXEMPLOS PRATICOS A fim de que a compreensdo do que se trata 0 género diversional fosse facilitada, julgou-se necessario disponibilizar, aqui, alguns exemplos de como esses textos aparecem na imprensa. Como foi reforgado anteriormente, a “histéria de interesse humano” da um enfoque diferenciado a pauta, Para citar Marques de Melo (2006a), “pri- vilegia facetas particulares dos ‘agentes’ noticiosos”. Um exemplo claro desse formato é 0 texto “Irmaos sem direito a brincadeiras a luz do dia”, assinado por Jodo Valadares e publicado no Jornal do Commercio, em 30 de agosto de 2009: Nasceram sem cor, numa familia de pretos. Trés irmaos que sobrevivem fugindo da luz, procurando alegria no escuro. 0 mais novo diz que é branco vira-lata. Os insultos do colégio viraram identidade. A mae cochicha que so anjinhos. Eles tém raga sim, Sao filhos de mae negra, 0 pai é moreno, Estiraram lingua para as estatisticas e, por um defeito genético, nasceram albinos. Negros de pele branca. 153 154 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASH. ‘Achance dos trés nascerem assim na mesma familia era de uma em um milhao. Nasceram. Dos cinco irmaos, apenas a mais nova é filha de outro pai, Essa é a historia do contrario. Os dedos cruzados sao sempre para chover. E 0 convite para 0 banhe de mar na Praia Del Chifre, em Olinda. Rezam para espan- tar o domingo de sol. $6 assim, com o céu pintado de preto, sao criangas. Kauan, 5 anos, Ruth Caroline, 10, e Esthefany Caroline, 8, tém a liberdade controlada pelo fator do protetor solar. Nao € sé isso. Sao pobres ¢ feridos. Nao ha dinheiro para parcelar a protegdo. 0 PhotoDerm 100 € 0 maior sonho dos “galeguinhos” da V-9, favela de Olinda. Custa RS 96 e so dura trés semanas. 0 jeito é se escon- der em casa mesmo. Televisdo grudada no rosto. Vez por outra, Kauan, num estouro de crianca, desatia o maior inimigo. Fecha os olhos e corre feito louco no meio da rua. Grita para o sol ¢ escuta outro grito maior 14 de dentro, Ea mae, Rosemore Fernandes de Andrade, 27, tentando evitar mais uma noite de ardor ¢ ventilador ligado no maximo. Sem protetor, ir para a escola, distante 200 metros de casa, é um martirio. A menina mais velha se veste de menino. “Tem que colocar camisao. Nao ligo. ‘Tenho orgulho de ser assim.” Os dias de vaidade sao também os dias de ferida. © sol ndo quer saber da teimosia. Queima onde nao tem pano. Moraram um tempo no meio da rua, na Avenida Presidente Kennedy. Era bem pior. “Hoje, as feridas diminuiram muito, Ainda aparecem. Tenho medo do cancer de pele porque nao tenho dinheiro para o protetor. Ha dois meses, eles no usam. Fi- cam em casa. £ tudo para comida, Entreguei a mais nova ao pai porque nao tinha como comprar leite, Passamos um tempo na rua e, de manhé, era sol na. cara e feridas enormes’, conta Rosemere. HA uma ferida pior, maior ainda, daquelas que nao vira casca nunca. A me quer ser chamada de mae. Nao tem remédio que dé jeito. "$6 me chamam de baba Lembra uma vez que foi passear no shopping com os meninos € 0 avd, também negro. “Os segurangas nos abordaram porque estavamos com os meninos bran- cos, Fomos revistados. Nao acreditavam que eu era mae dos meus filhos.” Mas, na maternidade, nem ela mesmo acreditou. Teve certeza de que Ruth havia sido trocada. “Nao havia como ela ser assim. A gente era escuro.” Depois veio Joao, da sua cor, Mesmo com as explicagdes médicas de que era possivel, na cabega de Rosemere, jozio era a confirmagao de que havia algo errado com Ruth, a primeira “Ble era da minha cor e Ruth daquele jeito.” $6 com o nascimento de Esthefany € Kauan, albinos, o coragao de mae deu voto de confianga a natureza. Rosemere conta que um bandido ja tentou sequestrar um dos meninos. “Estava passando por uma casa de rico, muito bonita, com muro alto, 0 homem, na cer- ta, pensou que eu era babé ¢ estava passeando com a crianga, a dona da casa. Tentou leva-la, mas me agarrei com ele ¢ acabou fugindo.” Hoje, a preocupagao é outra. “Ficaria feliz se pudesse cuidar bem deles, comprar os protetores. T6 usando pasia d’4gua.” A conta é simples. Rosemere ganha R$ 122 de um pro- grama social. 0 pai ajuda com R$ 200, “Tive que colocd-lo na Justi¢a para com- prar os éculos dos trés.” 0 albinismo afeta o desenvolvimento do olho ainda no GENERO DIVERSIONAL processo embrionario, A visio é comprometida, mas os trés éculos estio que- brados. As feridas aumentaram porque os oltos ficam fechados. As quedas s4o frequentes. Jo%0 6 o oho dos trés. Para 0 colégio, seguem tados de maos dadas "Preste atengao, Joao. Vocé sabe que 6 0 olho dele’, alerta a mae : Logo quando chegaram ao colégio, todas as outras criangas, grande maioria negra, tinham medo, Muito medo. A brineadeira principal do recreio era correr das louras. Um esconde-esconde diferente. Ninguém poderia tocé-las, Até aue a professora Angélica Caldas teve uma ideia. Antes da aula, fazia uma grande Toda, Todos tinham que dar as maos, 0 medo foi sumindo, sumindo e sumniu. A professora conta que Kauan sempre fecha a janela da sala. ‘A minima luz 0 incomoda” Sem os éculos, 0 aprendizado 6 comprometido. Mas seguem, A prima deles, Taina (foto nesta pagina), 2 anos, virou irma. O pai ea mie foram assassinados a tiros. 0 pai faz um més, na frente dos meninos. “Ele comprava sempre que podia o protetor. Mas mataram. Bu vi. Quando tiver um filho, vou colocar o nome de tio Glebson’, diz Ruth. Fla quer ser policial, Kauan, borabeiro ou dentista, e Esthefany, modelo, 0 professor do Departamento de Genética da Universidade Federal de Pernam- buco Valdir Balbino rabisca um cdiculo rapido. Os dois so heterozigotos, pos. suem pares de genes que apresentam um gene diferente do outro. 0 paiea mae tém um gene dominante ¢ outro recessivo, Cada filho herda metade de carga genética do pai ea outra metade da mae, “Com dois pais heterozigotos, a chan- ce de cada filho ser albino de 25%." {14 outra conta. A chance de os pais das criancas, entre os quatro primeiros filhos, terem produvidos trés deies albinos era de 1,5%. 0 gene recessivo, que apresenta o defeito, ocastona um problema ha enzima tirosinase, responsavel pela sintese de producao de melanina, pig- mento responsivel pela colorasio e prategao de othos, cabelos e pele. “Pelo caso apresentado, se os pais sho negros, os meninos sao tao negros quanto eles. Etnicamente e geneticamente, $6 ndo produzem melanina.” A“historia colorida” ~ que no se detém ao fato, mas sim ao seu entorno ~ pode ser visualizada num texto de David Coimbra, “Um passeio por Akiha- dara’, publicado pelo jornal Zero Hora, em 11 de dezembro de 2006. Dando destaque ao modo como o acontecimento se desenrola ea aspectos que, a pri- meira vista, parecem ser pouco importantes, o jornalista escreve o seguinte: A japonesinha de minissaia e botas se aproximou saltitante de Fernandao apontou para o japonés sorridente que estava em frente a eles empunhando uma maquina fotografica digital. Fernandao entendeu, Posou para a foto junto com ela, fez sinal de positivo. Depois do clic, a moga agradeceu, inclinando-se numa reveréncia respeitosa: — Domo arigaté gozaimas. Fernandao devolveu a reveréncia e respondeu 155 156 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL ~ Dou itashimashite. Ela arregalou como pdde os olhos puxados. Aplaudiu de contentamento. No Japao, Fernandao faz como os japoneses. Nao é por acaso que, domingo pela manhi, ele parou o transito de uma esquina de Akihabara, o bairro do comércio de eletroni- cos do centro do ‘Téquio. Aproveitando a primeira manha de folga, Fernandao e os demais jogadores do Inter safram do Hotel Four Seasons em seu constrangedor énibus azul a fim de fazer compras na regio central da capital do Japo. Foram deixados em frente a Laox, uma loja de eletrénicos especializada no atendimento a estrangeiros - ha uma balconista brasileira, uma peruana, uma chinesa e uma russa, Sabendo de antemao da visita do Inter, o gerente comprou via internet cartazes com o distintivo do chube e os espalhou pela loja. Quando os jogadores chegaram, 0 bom samba de Adoniran Barbosa reboou pelo sis~ tema de som. Perdigao trangou as pernas num passo de samba e foi imitado canhestramente por um atendente japonés de cabelos espetados. Os jogadores se enfiaram pelos corredores e comecaram a comprar, Nao muito. Segundo Michio Nagata, 0 vendedor mais antigo da Laox, que ja trabalha no lugar h4 20 anos, os jogadores do Sao Paulo gastaram bem mais, no ano pas- saclo. Mesmo assim, os colorados agitaram o lugar. Tiraram fotos, posaram em frente a cAmeras, entraram em bando em um elevador mintisculo. 0 elevador recusou-se a subir, Perdigao e Alex desceram. O elevador arrancou, aliviado Vestidos com calcas vermelhas, camisetas vermethas e longos agasalhos ver- melhos, os jogadores chamavam a atengao, nas ruas de Akihabara. Mas nenhum mais do que Fernandao, de cima de seu metro ¢ noventa (0 jagador mais alto do Mundial}, melenas compridas e surpreendentes rudimentos de japonés, en- sinados pelo consul do Inter no Japao, Wilson Pardi Junior, que o acompanhou durante toda a manha. Qs japoneses olhavam para Fernandao, desconfiados, iam se aproximando de- vagar e, assim que venciam a timidez, se soltavam. Sacavam de suas maquinas fotograficas, que atras de uma maquina fotografica sempre vem um japonés, ¢ abracavam 0 jogador do Inter. Fernandao posou para dezenas, qui¢a centenas de fotos. Os japoneses enxameavam a sua volta, No sabiam precisamente quem era owo gue fazia em Téquio, mas ali estava um estrangeiro com o dobro do tamanho deles, vestido com roupas exdticas e se esforgando para falar japonés. ~ Estou tentando ganhar a torcida - brincava Fernandao, enquanto abracava um japonés com 0 cabelo tingido de joiro. Estava a 10 passos do énibus, mas nao conseguia chegar até a porta. Os japone- ses queriam posar com ele. As funciondrias de uma loja se revezavam nas fotos, sorriam, pulavam, batiam palminhas. 0 chefe delas veio 14 de dentro. Chamou- as de volta ao servico. Elas retornaram, pressurosas. O chefe olhou para os la- dos e foi até Fernando, pedindo para tirar uma foto. Tirou e ficou faceiro. ~ Agente chama atencao, com este agasalho... - explicou Fernandao, abragado a outra japonesa de minissaia, as japonesas adoram minissaia, mesmo no frio do inverno. GENERO DIVERSIONAL Verdade, mas nao toda a verdade. F dificil ser conspicue em Akihabara, um lugar em que tudo é exagerado, colorido e ruidoso. As fachadas dos prédios sao estampadas por enormes cartazes com caracteres japoneses, ou teldes passan- do desenhos manga. Uma foto do tamanho de um edificio de quatro andares mostra os olhos azuis da loira Cameron Diaz observando o movimento feéri- co da avenida, que, ao meio-dia, tem o transito de carros interrompido para facilitar 0 movimento dos japoneses que 14 esto para comprar. E so muitos 0s japoneses que compram e os que vendem. Ha japoneses gritando ofertas ao microfone, japonesas vestidas de Mamfe Noel, japoneses olhando apare- lhos de CD, de DVD, de MP3, apareihos de celular gratuitos, canetas, chaveiros, quinquilharias eletrdnicas, japoneses com mascaras cirlrgicas tapando o na- riz, uma japonesa arrastando uma mala que se transforma em mesa e portan- do um cartazete onde anuncia que ela lé as cartas de taré, japonesinhas de quimono, japoneses com enormes dculos escuros que Ihes escondem metade do rasto, japoneses, japoneses, japoneses num frenesi consumista de tontear, E Fernando se destacando em meio a eles, como um gigante, um rei, o rei do Inter, que, daqui a uma semana, pode reinar sobre 0 mundo inteiro. Por fim, vale dizer que o texto correspondente ao género diversional pode ser identificado nao apenas no jornal impresso ou na revista. Em vei- culos eletrénicos e digitais também é possivel localizar narrativas dessa na- tureza, como numa matéria veiculada no “Jornal Hoje” (Rede Globo), em 7 de margo de 2009, intitulada “Sabado é dia de compras, senhas e filas em Sao Paulo”. Apresentada pela reporter Neide Duarte, essa “histéria colorida” é apresentada pelo site da emissora da seguinte maneira: “O Jornal Hoje pediu a repérter Neide Duarte para passar uma manha de sébado nas ruas de Sao Paulo. Ela desfaz aquela imagem de que os sdbados sao dias dedicados ao descanso”. 0 teor do texto que acompanha as imagens - o qual esta reprodu- zido a seguir ~ reconstitui um assunto a partir das caracteristicas observadas pela jornalista: Sabado é dia bacana, dia em que 0 sonho da casa propria abana suas bandeiras para a gente. Dia de olhar geladeira na loja, escolher uma blusa nova. Dia de cada um pegar sua senha e esperar a fila andar, “Vim fazer exames de raio-X”, diz uma jovem. “Vim fazer exame de sangue’, fala outra. “Em um dia desses, maravilhoso, falei: ‘Nao vai ter ninguém no laboratério, sé eu’. Nao, estou aqui, eu e mais Sao Paulo inteiro”, Jamenta uma mulher. Sabado também é dia de a cidade inteira ir As compras nos supermercados, em- bora muitas pessoas comparegam contra a vontade. “Eu nao gosto, mas venho porque a esposa realmente traz a gente’, conta 0 taxista Alcides Moraes. E esse movimento todo? Algum evento, um show, alguma alegria? Nao, é 0 Pou- 157 GENFROS JORNALISTICOS NO BRASIL, patempo. Sabado é dia de fotos 3x4 e carteira de identidade. “Vim fazer a se- gunda via do meu RG’, revela uma senhora, “Tirei o meu RG e ja é a quarta vez que eu venho e nao esta pronto’, afirma outra. “Para quem trabalha a semana toda, o dia da folga é o sdbado’, diz um senhor. Dia quando a espera no ponto do Gnibus é bem maior. “E 0 pior dia que tem, & 0 sdbade e o domingo. Vou embora, pegar esse énibus que ha 40 minutos nao vem’, despede-se um homem. E fazer compras pensando na segunda-feira. “Vim comprar um despertador para a menina acordar cedo para ir para a escola na segunda-feira. As 6 horas, sendo nao acordo”, diz. E gente que vem de longe para ficar em outra fila, a da carne. "Vou comprar uma peca de carne, coxaio mole. E que hoje é aniversario da minha filha e eu estou fazendo um churrasco”, conta uma senhora. “Hoje é aniversdrio da minha netinha, entéo vim comprar carne para fazer um lanchinho’, revela outra. Sabado 6 dia de churrasco em casa, dia dedicado a familia. “Gostaria de man- dar um beijo para o meu pai, Arlindo Maia, l4 na Bahia, em Jequié”, avisa uma jovem. E dia para namorar também, mesmo rapidinho, com pressa para pegar 0 6ni- bus. Até que enfim, alguma cena menos estressante em um sabado de sol. Ago- ra, 6 sé terminar de escrever 0 texto, imprimir, correr para a cabine, gravar a narragao e sair correndo. Ainda tenho wm exame para fazer e um supermerca do para enfrentar neste sdbado!®, Reproduzidos de jornais impressos e de um telejornal, os exemplos aqui apresentados sao somente sinalizadores de como 0 género diversional se apresenta. Nao sao, entretanto, modelos formatados; em se tratando dessa espécie do jornalismo, a criatividade do jornalista, ao compor seu texto, 6 o que dara os contommos para 0s dois formatos mencionades. Além disso, ha que se pensar naquilo que Ghivelder (1971, p. 23) desta- ca: esse género é 0 “que mais vai de encontro ao estilo ideal de um repérter de revista’. Por essa razdo, algumas publicagées dessa natureza - como no passado constituiu-se a revista Realidade, e como hoje se apresentam inicia- tivas como a da Brasileiros‘® - podem ser os principais redutos do género diversional. Vale a pena tentar identifica-los. 15 O video da matéria “Sdbado é dia de compras, senhas e fiias em Sdo Paulo”, bem como uma transcrigo do texto aqui repraduzido, esta disponivel no site do Gi, ne endereco http:// g1.giobo.com/jornalhoje/0,, MUL1033283-16022,00-SABADO+ £+DIAtDE#COMPRAS+SE NUAS+E+PTLASHEM+ SPhtm, 16 A revista Brasileiros € uma publicagao da Brasileiros Editora Ltda. Editada em Sac Paulo, retrata o cotidiano do Brasil em suas paginas, com pautas quase sempre Inusitadas. Seu site oficial esta disponivel no endevego http://www.revistabrasileiros.com.bs, 158 GENERO DIVERSIONAL PARA CONCLUIR Nao obstante o género diversional seja identificado com diferentes de- nominagées, classifica-lo enquanto categoria do jornalismo é reconhecer que ha espago, dentro imprensa, para a elaboracdo de material que vai além do hard news, para citar o jargao. Trata-se da possibilidade de o jornalista apro- fundar e apurar o olhar a respeito do cenario.social, retirando dele o que de mais interessante e curioso possa haver, mesmo que isso nao represente dar um “furo’dereportagein. : Por outro lado, como foi dito logo no inicio, é pequeno 0 espaco que o jornalismo diversional ocupa, pelo menos na imprensa didria e em algumas revistas especializadas. Investigacées empiricas, como a de Dias (1999), que estudou revistas missionarias, e a de Costa (2008), que pesquisou jornais de grande circulagao, revelam que tal género ocupa o ultimo lugar no ranking da predominancia dos géneros. Tal incidéncia faz com que o Ultimo autor aqui mencionado afirme que a histéria de interesse humano e a histéria colorida sao “dois géneros ndo usuais nos jornais pesquisados por nao registrarem percentual de ocupagao que permita afirma-los como géneros praticados pe- -os maiores veiculos regionais” (COSTA, 2008, p. 169). E importante reforgar que tanto a bibliografia nacional quanto a biblio- grafia internacional a respeito do assunto estao de comum acordo: 0 género aqui colocado em destaque oferece entretenimenta junto com a informagao. A diversao, portanto, pode ser considerada um caractere do jornalismo, fa- zendo com que a este nao fiquem reservados somente os contetidos conside- vados “sérios” ou as textos redigidos em tom formal e desprovidos de qual- suer tipo de atrativos, REFERENCIAS ENCAR, A. M. O que é fait divers? Consideracées a partir de Roland Bar- snes. Disponivel em: . Acesso em: 9 out. 2007. =_ENCASTRO, L. F. Vida privada e ordem privada no Império. In: ALENCAS- , L. F; NOVAES, F. A. (Orgs.). Hist6ria da vida privada no Brasil: Impé- >, Acorte e a modernidade nacional. v, 2. S40 Paulo: Companhia das Letras, p. 12-94, 1, H. A influéncia da literatura no jornalismo: 0 folhetim e a crénica. de Janeiro: E-papers, 2001. GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL ARONCHI DE SOUZA, J. C. Géneros e formatos na televisao brasileira. Sao Paulo: Summus, 2004. BAKHTIN, M. M. Estética da criago verbal. Sao Paulo: Martins Fontes, 2003 BARBOSA FILHO, A. Géneros radiofOnicos: os formatos e os programas em Audio. Sao Paulo: Paulinas, 2003. BARTHES, R. Critica e verdade. Sao Paulo: Perspectiva, 1970. BELTRAG, L. A imprensa informativa: técnica da noticia e da reportagem no jornal diario. Sao Paulo: Folco Masucci, 1969. _Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980. QUIRINO, N. 0. Subsidios para uma teoria da comunicagdo de massa. S4o Paulo: Summus, 1986. CAMPS, S.; PAZOS, L. Asi se hace periodismo: manual pratico del periodista grafico. Buenos Aires: Paidés, 1996. CAPPON, R. J. The Associated Press guide to news writing. 2. ed. New York: Arco, 1991, CHAPARRO, M. C. Sotaques d’aquém e d’além mar: travessias para uma nova teoria dos géneros jornalisticos. Sao Paulo: Summus, 2008. COSTA, L. A. Teoria e pratica dos géneros jornalisticos: estudo empirico dos principais diarios das cinco macro-regides brasileiras. 2008. 197 £. Dis- sertacio (Mestrado em Comunicagio Social) - Universidade Metodista de Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo, 2008. DEJAVITE, FE. A. Infotenimento: informagao + entretenimento no jornalismo. Sao Paulo: Sepac/ Paulinas, 2006. DE MASI, D. A sociedade pés-industrial. Sao Paulo: Senac, 1999. . 0 6cio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. DIAS, Paulo da Rocha et al. Géneros e formatos na comunicagiio massiva pe- riodfstica: um estudo do jornal “Folha de S. Paulo” e da revista “Veja”. In: Con- gresso Brasileiro de Ciéncias da Comunicagao, 21., 1998, Recife. Anais... Sao Paulo: Intercom, 1998. p. 1-23. DIAS, P. R. Os enviados especiais da Igreja Catélica: 0 uso da imprensa para acriagao de uma mentalidade “ad gentes” entre os catélicos brasileiros. Ana- lise de trés revistas missiondrias. 1999. 238 f. Dissertacao (Mestrado em Co- municaca4o Social) - Universidade Metodista de Sao Paulo, Sao Bernardo do Campo, 1999. 160 GBNERO DIVERSIONAL =RBOLATO, M. L. Técnicas de codificacio em jornalismo: redagio, capta~ 230 e edi¢So no jornal diario, 5. ed. Sao Paulo: Atica, 2006. FARO, J. S. Realidade e 0 Novo Jornalismo, In: MARQUES DE MELO, J.; CASTE- _0 BRANCO, S. (Org.). Pensamento comunicacional brasileiro: o grupo de S40 Bernardo (1978-1998). S40 Bernardo do Campo: Universidade Metodis- za de S40 Paulo, 1999. SHIVELDER, Z. A licdo de Truman Capote. In: MUGGIATI, R. et al. Jornalismo diversional. $40 Paulo: ECA-USP, 1971. p. 23-24. _ASSWELL, H. D. A estrutura e a funcdo da comunicagao na sociedade. In: COHN, G. (Org). Comunicagao e industria cultural: leituras de andlises dos meios de comunicagao na sociedade contemporanea e das manifestagdes da spiniao publica, propaganda e “cultura de massa” nessa sociedade. 5. ed. Sao Paulo: T. A. Queiroz, 1987. p. 105-117. {ARQUES DE MELO, J. Formatos jornalisticos: evidéncias brasileiras. Pesquisa vealizada no jornal “Folha de S. Paulo’, 28/03/2005. 2006a, (Original do autor). . Géneros da comunicagao de massa: andlise dos géneros e formatos ornalisticos. 2006b. (Original do autor). ___. Jornalismo e ética. 2006c. (Original do autor). _Jornalismo opinativo: géneros opinativos no jornalismo brasileiro. 3. sd, Campos do Jordao: Mantiqueira, 2003. MEDINA, C. A arte de tecer o presente. Sao Paulo: Summus, 2003. “{EYER, M. Folhetim: uma histéria. 2. ed. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2905. ‘MUGGIATI, R. Hemingway e a reportagem-conto. In: MUGGIATI, R. et al. Jor- nalismo diversional. Sao Paulo: ECA-USP, 1971. p. 9-12. >ENA, FE. Jornalismo literario. Sao Paulo: Contexto, 2006. RRA, A.; RITACCO, E. Curso de periodismo escrito: los secretos de la pro- idn desde la teorfa universitaria. Buenos Aires: Atlantida, 2004. ~ALESE, G. Fama e Anonimato. 2. ed. Sao Paulo: Cia das Letras, 2004. EMER, A.C. P. Noticias & services nos telejornais da Rede Globo. Rio de sneiro; Sotese, 2002. ___. Reflexes sobre a tipologia do material jornalistico: o jornalismo eas + sticias. Intercom: Revista Brasileira de Ciéncias da Comunicagao, Sao Pau- > 30, n. 1, jan./jun. 2007. 161 GENEROS JORNALISTICOS NO BRASIL. VAZ, T. C. V. Jornalismo de servico: o género utilitario na midia impressa brasileira. 2009. 197 f. Dissertagdio (Mestrado em Comunicagao Social) ~ Uni- versidade Metodista de So Paulo, SAo Bernardo do Campo, 2009. WERNECK, H. A arte de sujar os sapatos. In: TALESE, G. Fama e Anonimato, 2. ed, Sdéo Paulo: Cia das Letras, 2004. WOLFE, T. Radical chique e 0 Novo Jornalismo. S40 Paulo: Companhia das Letras, 2005. WRIGHT, C. R. Comunica¢do de massa: uma perspectiva sociolégica. Rio de Janeiro: Bloch, 1968. 162

You might also like