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PRATICAS SOCIAS DE GENERO MEDIADAS PELA LINGUAGEM E PELA CULTURA Vera Lticia PIRES Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Resumo A proposta deste trabalho tem a ver com a questéo da leitura e interpretagao das desigualdades de género nas relagdes sociais, respaldadas pelos discursos da midia impressa, os quais, se por um lado, apontam para um imaginério coletivo mediocre que aprisiona mulheres e homens a papéis tradicionais; por outro, discutem as novas condiges e responsabilidades compartilhadas (como a paternidade responsdvel, por exemplo), vendo-as como especificas e efeito das relagdes dialéticas entre os seres humanos. Partimos do pressuposto dbvio das diferengas entre mulheres e homens: ha uma cultura feminina prépria que fez com que as mulheres ousassem fazer uma proposta de paridadefigualdade com os homens. Essa cultura é o fundamento da diferenga: as mulheres sao diferentes, uma vez que, no centro de sua existéncia coabitam valores diversos, como a énfase no relacionamento interpessoal, a atengao © cuidado com 0 outro, a protegao da vida, a valorizagao da intimidade. Dito de outra forma, uma identidade que provém da interagao com os outros. Por outro lado, teorizar sobre o masculino significa colocar em xeque o pressuposto do privilégio que os homens sempre tiveram, até o inicio dos estudos criticos de género, de ser 0 “sexo forte” e detentor da hegemonia. Sob esses aspectos, este estudo propée-se a discutir as intersecgdes de linguagem e cultura intermediadas pela linguagem Palavras-chave: linguagem, cultura, relagdes de género, praticas sociais. Introdugao A experiéncia cultural das sociedades em nossa época ¢ balizada e “globalizada’ pela transmissdo e difuséo de formas significativas (visuais e discursivas) por intermédio dos meios de comunicagao de massa Em vista disso, procuramos investigar e discutir as interagdes entre linguagem e cultura que ocorrem nas representacdes de praticas sociais identitarias, nos discursos imagens mididticos, além de compreender como essas representagdes so enunciadas, © para quem elas fazem sentido e configuram as relages sociais de género, produzindo efeitos diversos que apontam tanto para a homogeneidade quanto para a heterogeneidade. Verificamos, também, como as representagées discursivas e imagéticas sobre as feminilidades e as masculinidades séo veiculadas pela midia, produzindo sentidos e marcando a presenga da subjetividade na linguagem. Entendemos que os paradigmas culturais de género sao referenciais que estruturam toda a vida dos individuos, determinando seus discursos e condutas. Assim, as identidades de género sao construldas, enfatizando as desigualdades. O avango dos estudos de género tem colocado em pauta experiéncias femininas e masculinas que ndo mais tentam calar a pluralidade de diferengas, tornando-as visiveis. Foram consideradas as varias modalidades de géneros discursivos presentes em jomais e revistas, tais como capas das revistas, antincios publicitarios, reportagens, artigos de opinido, entre outros. Procuramos analisar os textos, determinando os fatores de ordem situacional, cognitiva, séciocultural e interacional em que seus significados sao determinados, fundamentando-os com base nas representagdes construidas por seus produtores e por seus leitores e que refletem suas visdes de mundo. 1 As praticas sociais de género e a linguagem Na segunda década do século XX, 0 fildlogo russo Mikhail Bakhtin postulou a relagdo sécio-histérica e dialégica entre sujeitos como o cere do processo de constituigao dos discursos. Nesse sentido, pode-se afirmar a alteridade como um fenémeno constitutivo de toda a linguagem, pois o é também do ser humano. Assim sendo, em sua relagao com os outros, bem como na sua produgao lingiifstica, os sujeitos manifestam a contradic¢ao. Este é um tema recorrente na obra de M. Bakhtin, para quem a tensdo dialética seria uma das principais caracteristicas do signo lingiiistico. Nele habitam, concomitantemente, tragos de valor contraditérios que produzem sentidos diversos, mesmo antagénicos, por refletirem, de modo polémico, o sujeito e seu horizonte social. Ao defender uma teoria da enunciagao, Bakhtin integrou a experiéncia social & organizagao da linguagem. precisamente essa experiéncia social, interligada ao discurso que pesquisamos ao aproximé-los (experiéncia social e discurso) dos estudos culturais. Os paradigmas culturais de género sao referenciais de diferengas que estruturam toda a vida dos individuos, determinando seus discursos e suas condutas. Na escola, para exemplificarmos, nao apenas sdo transmitidos conhecimentos, mas também constréem-se identidades de género (sexual, étnica e de classe), baseadas nado em diferengas, mas enfatizando as desigualdades. E tal ocorre, cotidianamente, com a nossa participagao ou com a nossa omissao. Conforme sabemos, 0 conceito de género refere que, como se nasce e se vive ‘em tempos, lugares e circunstancias especificos, existem muitas e conflitantes formas de definir e viver a feminilidade e a masculinidade. Tais formas séo sempre mediadas pelas praticas sociais discursivas. Devido a natureza social e no individual da linguagem, a lingua, bem como os individuos que a usam, deve estar situada em um contexto sécio-histérico. A lingua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam (Bakhtin, 1979": 282), da mesma forma que, através deles, a vida penetra nela. Dessa maneira, como reflexo das relagées sociais, 0 uso da linguagem vai institucionalizar 0 que chamamos - por extensdo as relagdes sociais de género - discurso de género que normatiza lingiisticamente a representagao das relagdes sécio- culturais de dominagao. Fairclough (1989) chama a atengao para a extensdo do modo como a linguagem contribui para a manutengo do status quo por meio de um discurso do senso comum e para a maneita como esse discurso pode ser ideologicamente condicionado por relagdes de poder, sustentando posigées de mando e de subordinagao oriundas da imagem de superioridade ou inferioridade como “destino da natureza’, A proposta de desconstrugao do género passa, portanto, pelo estudo de mulheres e homens em conjunto. Para se compreender as relagées sociais de género nas representagSes e praticas femininas e masculinas, ¢ necessario comparar como as pessoas enunciam e definem certas praticas sociais. Nao podemos esquecer que as relagées de género séo determinadas pela cultura e pela histéria, construindo valores & comportamentos diferenciados e discriminatérios entre mulheres e homens, perpetuando-se social e economicamente. Podemos ver isso claramente na instituigao escolar, onde todo o ensino é& “engendrado’, estabelecendo tarefas e expectativas divervas, conforme o sexo dos alunos. A comegar pelos livros didaticos que, por meio de imagens e representagdes estereotipadas e ideologizadas de mulheres e homens, reforgam preconceitos existentes na sociedade Da mesma forma, nas praticas sociais vemos esses parametros repetidos. Quantos meninos freqiientam escolinhas de arte e gindstica ritmica? E “natural” que os meninos gostem de futebol. E as meninas nao podem ficar brigando e empurrando-se “que nem moleques’. Inscreve-se, assim, uma articulagdo intrinseca entre género e educago, uma vez que esta posigdo tedrica amplia a nogao de educative além dos processos familiares e/ou escolares, ao enfatizar que educar engloba um complexo de forcas e de processes, incluindo, contemporaneamente, instancias como os meios de comunicagao de massa, a literatura, os brinquedos, o cinema, a musica — no interior dos quais "As referéncias concentram-se nos textos: O problema dos géneros do discurso, originais de 1952/53 © problema do texto nas reas da lingiistica, da filologia, das ciéncias humanas. Tentativa de uma analise filoséfica, originais de 1959/64 individuos s4o construidos e aprendem a se reconhecer como mulheres ou homens, no Ambito das sociedades e dos grupos a que pertencem. ‘Admite-se, portanto, que cada uma dessas articulagdes produz modificages essenciais nas formas como as feminilidades ou as masculinidades sao, ou podem ser, vivenciadas por grupos diversos ou dentro dos mesmos grupos, ou, ainda pelos mesmos sujeitos em diferentes momentos de suas vidas. Essas sdo as questées fundamentais desta pesquisa: a possibilidade de leitura e interpretagdo das desigualdades de género, vinculadas & enunciagdo da subjetividade, via géneros textuais midiaticos, utilizados por professores de portugués e de linguas estrangeiras em ambiente de ensino, visando a didlogos constantes com seus alunos e a praticas dialégicas que os instiguem 4 compreensdo, ao questionamento e a transformagao de suas préprias realidades. 2 As relagées de género nos discursos da midia impressa E indiscutivel a premissa de que mulheres e homens so diferentes e tém valores diferentes, Conforme Oliveira (2004), ha uma cultura feminina propria que fez com que as mulheres ousassem fazer uma proposta de paridade/igualdade com os homens. Essa cultura é o fundamento da diferenga: as mulheres sao diferentes, uma vez que, no centro de sua existéncia coabitam valores diversos, como a énfase no relacionamento interpessoal, a atengdo e 0 cuidado com o outro, a protegdo da vida, a valorizacao da intimidade e do afetivo, a gratuidade das relagSes. Dito de outra forma, uma identidade que provém da interagao com os outros. Por outro lado, teorizar sobre 0 masculino, no momento atual, significa colocar ‘em xeque o pressuposto do privilégio que os homens sempre tiveram, até 0 inicio dos estudos criticos de género, de ser o “sexo forte’, e detentor do poder e da hegemonia nas relagdes sociais. Assim, para se compreender as reagdes masculinas ao novo questionamento desses privilégios concedidos aos homens, faz-se necessario desconstruir a categoria masculino, revelando-a como género permeado pelas relagdes sociais de sexo. Foi no contexto tecido sobre as criticas e os avangos dos estudos feministas e de género e dos novos movimentos sociais que a masculinidade, também compreendida como culturalmente especifica, emergiu como uma tematica a pesquisar. Tais estudos focalizaram dois eixos, conforme Welzer-Lang (2004): o dos homens antissexistas, os quais sé trataram da heterossexualidade e suas maneiras de dominagao, e o dos que abordaram a questao das homossexualidades masculinas. Em nossa sociedade e cultura ocidental, nao ha um modelo universal de homem, que nao possa ser transformado conforme o tempo e as circunstancias, 0 que se tem procurado demonstrar com as investigagdes sobre o género nos tltimos anos. Concordamos com Welzer-Lang (ibid.), que ha um duplo paradigma naturalista que, por um lado, define a superioridade masculina em relago as mulheres e, por outro lado, rege 0 que deve ser a sexualidade masculina que resulta na produgéo de uma norma politica andro-heterocentrada e homéfoba que diz o que deve ser o homem de verdade, o homem normal, aquele que detém todos os privilégios de género. Os outros, 08 que se distinguem por uma razo ou por outra, s4o simbolicamente excluldos, j4 que pertencem ao grupo dos “outros”, o grupo dos dominados/as, formado por mulheres, criangas e todas as pessoas que no os homens “normais”. As transformagées da condigéo masculina, marcadas pelas conquistas dos sujeitos anteriormente oprimidos, e que neutralizaram o estigma da forga fisica e do lugar de poder do homem, provocaram o que tem sido nomeado de crise da masculinidade ou crise do macho. Esse novo acontecimento tem sido registrado nao apenas nas pesquisas académicas sobre as relagées de género, mas também nos varios discursos do cotidiano, como em reportagens de jornais e revistas, como veremos a seguir. Tais reportagens dao conta de um quadro até entdo inusitado, ou seja, discutem “a angustia masculina em enquadrar-se na imagem tradicional do macho: seguro, frio, corajoso, bem-sucedido, agressivo e provedor””. A partir dessa constatagao, surge 0 que Arent (1999: 119) denominou a crise do macho ou a inseguranga masculina frente a perda de seu papel tradicional de dominagdo e frente a exigéncia de novas atribuigdes sociais, como o cuidado aos filhos e a realizagdo de tarefas domésticas, ocupagées anteriormente exclusivas das mulheres. Construgdes de género, como todos sabem, estéo em permanente processo de desenvolvimento, portanto, se as maneiras de ser feminina tem mudado nas tltimas décadas, também as masculinidades podem ser modificadas. Conforme discutimos em artigos anteriores, Pires (2003a e 2003b), a midia publicitaria reflete o pensamento do senso comum, ou seja, os valores associados a mulheres e homens sao aqueles tradicionalmente instituidos: emogdo, subjetividade, passividade, magia e mistério formatam o feminino; ao masculino 6 tributada razao, forga, objetividade, ciéncia, entre outros. ‘A comunicagao publicitaria, como objeto simbélico de representagao, segue as tendéncias sociais mais relevantes do momento e do lugar onde é produzida. Assim sendo, o discurso publicitério é um discurso polémico de persuasao que, utilizando-se de estratégias adequadas, tentara convencer o piiblico, ao qual é dirigido, a adquirir 0 produto oferecido. Discutindo esse tema, Ghilardi-Lucena (2003: 162) enfatiza essa “novidade de acontecimentos histéricos e sociais (que) interessa diretamente publicidade (uma vez que ela) necessita construir seu discurso para o(a) leitor(a) do momento. E um discurso 2.Chamada de capa da revista VEJA de 22 de agosto de 2001 que se firma “na titima moda’, na atualizagao de atitudes e comportamentos."Responsdvel pela veiculagao de formas simbélicas cruciais para a cultura moderna, a midia impressa, mais que reproduzir dados do mundo real, representa-o por meio da realidade, segundo escolhas especificas, utiizando-se de mecanismos que Ihe sao préprios e que podem, em determinados contextos, contribuir para a naturalizagéo de crengas, papéis sociais ou interpretagdes dessa realidade ideologizadas, ou seja, a imprensa pode veicular matétias que contribuam para estabelecer ou sustentar, dentre outros aspectos, preconceitos e relacdes de poder. Por outro lado, as formas simbélicas, por ela veiculadas, podem servir para contestar posigées de poder (Sgarbieri, 2005). Mesmo as revistas femininas consideradas mais avangadas, de acordo com Caldas-Coulthard (2005), reafirmam em sua esséncia a visao tradicional do papel da mulher na sociedade moderna, Seus textos, por meio de estruturas avaliativas, ligam imagens positivas a mulheres inseguras e inadequadas ao mesmo tempo em que enfatizam as assimetrias sociais. Ora, desde hd muito tempo, sabemos, com Bakhtin (1929 e 1979), que processos ideolégicos esto unidos a questdes ideolégicas. Faz parte da orientacao social dos enunciados, dirigidos aos sujeitos, colocar em evidéncia o tema dos valores que é igualmente um ponto ideolégico. “Viver significa ocupar uma posigao de valores em cada um dos aspectos da vida’. (Bakhtin, 1979: 201). Portanto, ainda conforme Coulthard (idem), reconhece-se que ha varios tipos de ideologia, os quais so as Ancoras das revistas femininas e masculinas, entre elas, a ideologia do consumo. Essa, estima-se, é a principal, pois o papel da publicidade é crucial em moldar suas mensagens culturais, sendo os anuncios publicitarios insepardveis do material editorial. Assim sendo, afirma-se, por exemplo, que a mulher & a principal compradora de bens e servigos na sociedade de consumo. Por conseguinte, as revistas reforgam a imagem dessa mulher e assim atraem mais anunciantes, uma vez que tudo gira em torno de produtos a serem vendidos e comprados. Julgamos que as representacdes construidas pelos leitores, em grande parte influenciadas pelas revistas e/ou jomais que costumam ler, podem redirecionar ou até mesmo alterar sua viséo de mundo, uma vez que refletem a ideologia e as mudancas no conhecimento da sociedade. 3 Relendo as diferengas de género no discurso da midia impressa Este trabalho pautou-se pelo interesse em explicitar como os discursos ¢ os sentidos circulam no meio social, cruzando-se com relagdes de poder - como as de género - ¢ como sao enunciados e veiculados pelas instituigses da midia impressa, desencadeando tanto leituras que apontam para os esteredtipos, quanto outras que os subvertem, De toda a maneira, em qualquer que seja a forma de representagdo, a palavra desempenha papel fundamental e continua sendo 0 indicador mais sensivel de todas as mudangas na sociedade (Bakhtin, 1929). Tal realidade funda-se no que Bakhtin (1979) chamou de compreensdo responsiva ativa, e de Certeau (1980) referiuse como a resisténcia do sujeito por meio de uma politizagao das praticas cotidianas, torando 0 processo de interpretagao ativo e potencialmente critico. ‘Assim sendo, Bakhtin (idem), ao defender a natureza social e nao individual da linguagem, situou a sua realidade material - lingua -, bem como aos individuos que a usavam, em um contexto sécio-histérico. “A lingua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam’ (Bakhtin, 1979°: 282), da mesma forma que, através deles, a vida penetra nela. Ao veicular concepgées de mundo, a linguagem torna-se um lugar de confrontos ideoldgicos. “A palavra é 0 fenémeno ideolégico por exceléncia’, pois carrega uma carga de valores culturais que expressam as divergéncias de opinides e as contradices da sociedade, tornando-se assim um palco de contflitos. Ela, no entanto, nao pertence a ninguém, estando a servigo de qualquer ser humano e de qualquer juizo de valor. O signo lingiistico tem, pois, uma plurivaléncia social que se refere ao seu valor contextual, sendo a situagao social imediata a responsdvel pelo sentido. Ao produzirmos discursos, somos intermedidrios que dialogamos e polemizamos com ‘outros discursos j4 existentes em nossa cultura. Toda compreenséo 6 um processo ativo e dialégico, portanto, tenso, uma vez que implica uma relagao interpessoal. Nossas andlises tentaram comprovar que, se por um lado, a experiéncia vivenciada nas relagées sociais é respaldada pelos discursos da midia impressa, apontando para um imagindrio coletivo mediocre que aprisiona as mulheres e os homens a papéis tradicionais; por outro, a condigéo masculina (de paternidade, por ‘exemplo) comega a ser discutida e compreendida, nos mais variados textos da midia, como especifica e efeito das relagdes dialéticas entre os seres humanos. Os estudos de género tém colocado em pauta essa dimensdo relacional, bem como a contradi¢ao, inerente ao ser humano, sua pluralidade e sua ambivaléncia. 4.As andlises: descrigao e interpretagao Os textos analisados foram os seguintes: Texto 1 — Capa da revista Veja, edigdo especial, n°17, ano 35, de agosto de 2002; Texto 2 — Capa da revista Veja, n° 33, ano 34, de 22 de agosto de 2001; As reeréncias concentranse nos textos: O problema dos géneras do discurso, otiginais de 1952/53 e O problema do texto nas “reas da lingistca, da filologia, das eténcias humanas, Tentative de uma andlise loséfica,originais de 1959/8, Texto 3 — Texto de um manual didético de portugués para a quinta série Alguns dos enunciados do texto 1 dizem: Q que pensa e quer a mulher dos 20 aos 60 anos Os truques das mulheres que sao solteiras. E felizes Homens aprendam: elas negam, mas detestam pagar a conta O inferno para elas é ser chefiadas por outra mulher Com excegao do primeiro, que é equanime em relagéo as mulheres sem discrimind-las devido a idade, os demais enunciados evidenciam alguns dos esteredtipos mais retrégrados ligados ao género feminino, quais sejam: somente as mulheres casadas sao felizes; mulheres néo pagam contas, essa fungao é masculina, e mulheres somente suportam ser comandadas por homens. O texto 2, uma capa dedicada aos homens, traz uma nica chamada: HOMEM O SUPER HERO! FRAGILIZADO Estudos recentes mostram que a grande angustia masculina é enquadrar-se na imagem do macho: seguro, frio, corajoso, bem-sucedido, agressivo, provedor Em que pese a naturalidade dos atributos sedimentados, destinados ao género masculino, a publicagdo assinala uma certa dificuldade do homem moderno assumir essa representacao secular. Para finalizar, analisamos 0 texto de um livro didatico para a quinta série, em que um personagem do sexo feminino narra seu encontro com uma figura do sexo oposto. A narrativa segue um paradigma romantico e convencional, entretanto, no final hd uma certa duvida da protagonista, relativa ao desfecho esperado. Conforme vimos nos textos analisados, se 0 setor publicitdrio costuma apresentar um reflexo do pensamento coletivo comum, entéo esse pensamento tende ao conservadorismo, representando o sujeito feminino como a figura matema, rainha- do-lar, com todas as implicagdes convencionais ligadas a esse papel; ou, sendo uma profissional que trabalha, passa a ter preconceitos relacionados a papéis de comando se assumidos por outras mulheres. A emancipagdo econémica e profissional 6, entretanto, pouco ressaltada. Opgées mais criticas, que relacionam a emancipacéo feminina as suas conquistas profissionais, existem, contudo, em pleno século XXI, ainda sao excegées. Também a figura masculina é majoritariamente representada segundo padrées conservadores e retrégrados, que tipificam 0 homem como o provedor da fami masculo, um ser superior. Novas contestagdes, no entanto, tém aparecido paulatinamente e estdo sendo discutidas. Consideragées finais. E impossivel negar ainda que na maioria dos textos predomina um raciocinio convencional, apontando para o imaginario comum. O discurso de género abusa dos esteredtipos, enquadrando mulheres e homens em molduras culturalmente bem definidas e sedimentadas. Na contramdo de atitudes conformistas, autores como Bakhtin (1979) e Certeau (1980) realizaram uma andlise da recepgdo de aspectos culturais, questionando a passividade do ato leitor da/na cultura contemporanea, nao o vendo como uma mera recepgao, sem demarcagdo ou reconstrucao do lugar do sujeito. O processo de leitura e interpretagéo 6 um efeito da prépria construgao de quem interpreta. “Um sistema de signos verbais ou icdnicos é uma reserva de formas que esperam do leitor 0 seu sentido” (Certeau, 1980: 264). A alividade leitora destaca os textos de sua origem, re- organiza seus fragmentos, permitindo a pluralidade de significagdes. Sao as praticas cotidianas dos sujeitos, com suas diversas maneiras de fazer, seus variados modos de proceder que, organizando micro-subversdes, alteram o compasso esperado (Certeau, ibid.). As resisténcias e mudangas, inclusive as transformagées do senso comum passam pelas experiéncias vivenciadas no cotidiano por mulheres e homens comuns. Reafirmamos a construgao de identidades femininas e masculinas como um proceso social de interacdo dos individuos. Processo tenso, ativo e dialdgico, uma vez que implica relagées interpessoais. Temos, entretanto, convicgao que mulheres e homens vém tecendo, dialeticamente, em conjunto, as dimens6es sécio-culturais de suas identidades e diferengas. Referéncias Bibliograficas ARENT, Marion. A crise do macho. In: ROSO, Adriane et al. Género por escrito: satide, identidade e trabalho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. BAKHTIN, Mikhail. (VOLOCHINOV) (1929) Marxismo e filosofia da linguagem. 3° ed. So Paulo: Hucitec, 1986. (1979) Estética da criagdo verbal. 2* ed. Sdo Paulo: Martins Fontes, 1997. CALDAS-COULTHARD, Carmen Rosa. O picante sabor do proibido: narrativas pessoais e transgressdo. In: FUNK, Susana Bornéo; WIDHOLZER, N. (orgs.) Género em discursos da midia. Florianépolis: Ed.das Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, CERTEAU, Michael de (1980) A invengdo do cotidiano: artes de fazer. Petrépolis, R.J. Vozes, 1994. FAIRCLOUGH, N. Language and power. Essex: Longmann, 1989. GHILARDI-LUCENA, Maria Inés. As representacées do feminino na publicidade. 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