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DIVULGACAO CARDIQTONICOS: HISTORICO E PERSPECTIVAS DE UMA ANTIGA E IMPORTANTE CLASSE DE AGENTES ‘TERAPEUTI ICOS Carlos A. M. Fraga® e Eliezer J. Barreiro Laboratério de Avaliagto e Sintese de Substincias Bioativas (LASSBio) - Faculdade de Farmécia - Universidade Federal do Rio de Janeiro - CP 68006 - 21944-390 - Rio de Janeiro - RY Recebido om 12/5/95; accito em 10/8/95 CARDIOTONIC DRUGS: HISTORY AND PERSPECTIVES OF AN OLD AND IMPORTANT CLASS OF THERAPEUTIC AGENTS. The cardiac agents are an important class of therapeuti- cally useful drugs, of which the cardiac glycosides, a very old family of naturally occurring drugs, are the main representatives, with actions including both intense cardiotonic and toxic effects. ‘This series of cardiotonic drugs presents a very low therapeutical index, motivating the develop- ment of new alternative drugs in the treatment of congestive heart failure. In this paper this different class of cardiac agents will be discussed under the medicinal chemistry point of view, emphasizing the structure-activity relationship (SAR), biotransformation, physical-chemical prop- erties related with the cardiotonic activity and pharmacological mechanism of action. Keywords: cardiotonic drugs; structure-activity relationshi L INTRODUGAO Os agentes cardiotOnicos compreendem uma classe de femacos ativos no tratamento. de doengas catdiovasculates Cardiotbnicos sdo férmacos que atuam aumentando a fora contrétil miocérdica (inotropismo positive), promovendo ele- vagio do volume de sangue ejetado e consequentemente alt- rando o aporte de oxigénio e nutrentes que chegam aos tec dos e érgios periféicos, sendo a classe terapéutica de escolha no tratamento da insuficizncia eardiaca congestive (ICC). A insuficigneia cardfaca congestiva, conforme mostram estat cas nort-americana, 6 fisiopatoiogia que atinge aproximada- ‘mente tés milhées de americanos, com cerca de 250 mil novos casos por ano, resultant da incapacidade de o corago bom- bear sangue suficiente para suprir # demanda metabélica dos locais perifericos do organismo, causando sintomas inciais como fadiga, baixa tolerancia e dispnéia aos pequenos esfor- 608, edema periférico ou combinagio destas manifestaes" © reduzido débito cardiaco € ineapaz de acompanharo rt- 1mo do retorno venoso,resultando no eventual represamento de sangue no sistema venoso erestrito enchimento da Arvore ate: Fal. instalagdo da ICC promove o aparecimento de mecanis ‘mos compensatrios envolvendo desde alleragbes morfol6gicas, como a hipertofia cardiac até aumento dos niveis plasmaticos de catecolaminas, acarretando elevagto da frequéncia cadfaca (cconotropismo) ¢ aumento do t0nus por vasoconsticgao arte- Til, Vérias tespostas compensatrias secundéras envolvem a paricipasao de mediadores neuro-humorais, como arginin ‘asopressina, peptideo natriurtico atal e as prostaglandinas’ Denre os mais importantes grupos de Fémacos crdioSnicos devemos destacar 08 glicssidos digitiicos, os B-agonistas, os ibidoresseletivos de fosodieserae-IT (PDE-II ¢ mais re- centemente a forscoline’, derivado terpénico de origem natural com propriedades cardioiGnicas, que s4o objeto deste trabalho. IL GLICOSIDOS CARDIOTONICOS ILL. Histérico Séculos antes da era cristd, vérios povos j@ conheciam ex- tratos de diversas plantas contendo gliedsidos cardit6nicos. Os antigos egipcios j4 empregavam a cila (Scilla maritima) como 12 mechanism of action. rmedicamento ¢ posteriormente os romanos (1 D.C.) utilizaram- na como diurético, nico cardiaeo e emético. Em 1250, a di ital foi mencionada nas eserituras dos médicos galeses e em 1542, Fuehsis a descreveu botanicamente, denominando-a Digitalis purpurea’ ‘Withering, em 1785, publicou 0 livro “An Account of the Foxglove and its Medical Uses", no qual indicava o emprego da digital no tratamento de estados edematosos". Em 1799, Ferra, pionicamente, atribuiu ago cardio@nica Bs substin- cias diitlica® Em 1835, Homolle preparou pela primeira vez um extrato purificado das fothas de Digitalis purpurea cerca de 30 anos depois, Natvelle obteve a digitalina erstalizada (dig Natvete) ainda empregada terapeuticamente Fraser, em 1872, atibuiu a0s prinepios ativos dos digit cos nauteza glicosfdca,sendo que Schiedeberg és anos mais tarde, isolou a digitoxina da digital e demonstrou ser esta qui micamente idéntice 2 diitaina Nativelle” Em 1890, Fraser introduziu 0 estrofanto (Sthrophantus grat) terapeuticamente por descobrir sua ap%0 semelhante 2 da digital, enquanto estudava o veneno das fechas de ‘adios africans, jéestando desde entdo implicit a elevadatoxicidade de tis substincias? No inicio do século vinte, resultados do esforgo de trabalho de varios pesquisadotes permitiram a elucidagdo estruural € 0 esclarecimento do perfil farmacoldgico dos glicdsids digit 0s, as apenas nos times 70 afios definiu-seclaramente 0 Seu emprégo, a despeito de seu baixo indice terapéutico, como 4 classe de medicamentos de eleigSo para o tratamento da in- Sufiiéneia cardfaca congestiva 112, Estrutura-Quimica e Origem dos Glicésidos Digitiicos A andlise da estrutura quimica dos gliedsidos digitélicos sugere que para um tratamento didético da relaglo entre a es- trutura guimica e a atividade cardioténica, é melhor dividi-la em duas regides distintas: a) uma parte esterdide, chamada aglicona ou genina; b) uma parte glicosidica ligada & genina pela hidroxila B do carbono-3 (Figura 1), ‘A aglicona apresenta como caracterfstica basica a jungl0 cis entre os anéis A-B e C-D, e uma juncio trans entre 0s nis B-C, o que confere a0 nicleo esterside uma forma de U QuiMicA NOVA, 19(2) (1996) Figura 1. Regides componenes da estruura bdsica das glicdsidos cardioninicos. (Figura 2), diferente da de todos os estersides endégenos, como fs horménios adrenocorticais e os sais biliares. Figura 2. Forma de U caractersticw do nieleo esterdide dos alledsidos eardiounicos. Os glicssidos cardioténicos se dividem em dois grandes ‘grupos, segundo a natureza do anel heterocfclico substituinte sm C-17, com configuragio B: a) os eardendlidos, que apre- sntam uma 7-butirolactona-a,-insaturada, constituindo 0 principal grupo de digitélicos empregados terapeuticamente;, b) os bufodienstidos, que apresentam uma 6-pirona em C- 17, constituindo um’ grupo reduzido de compostos, oriundos. principalmente da Scilla maritima e da espécie anffbia Bufus vulgaris (Figura 3)" am on Figura 3. Componentes heterocelicos presentes no carbona 17 das slicsidos cardiotinicos. A porgio glicostdica dos cardioténicos digitélicos 6 consti- tufda por um a quatro res{duos de hexoses ligadas entre si por ligagBes 104 A porgio esterdide com a hidroxila rorien- tada em C-3. Dentre of res{duos de agicar mais usualmente ‘encontrados podemos destacar a B-D-digitoxose (J), a -D-gli- cose (2), 2 BeL-ramnose (3) ¢ a B-D-cimarose (4). ° o s principais férmacos digitélicos so obtidos por hidrélise {quimica e/ou enzimatica de glicésidos constituintes das expécies ‘QUIMICA Nova, 19) (1986) dos géneros Digitalis © Strophantus.A.digitoxina (5)", a digoxina (6)" © a gitoxina (Z) s30 obtidas a partir das fothas de D. lanata e D. purpurea, enquanto que a k-estrofantina (8) € a gestrofantina (9) sio obtidas das sementes de 5. kombé © S. gratus (Tabela 1)". 113. Relagio entre a estrutura quimica e a atividade cardiotinica dos glicésides digitélicos ‘A prepaagio de uma série de anslogos estuuralmente rla- cionados pert evidenciar que, de modo geral a introdugio de grupos funcionais oxigenados (eg., -OH, =O ou -0-) ou insatragdes na esrutura bisica dog, gledsidos cardotnicosten- de a redusit a atividade inotrépica!*, Por outro lado, a presen- de uma hidroxila com orientagdo em C-14, bem como as Jngées cis dos antis A-B ¢ C-D representam 2. configuragio cssencial para aividade, uma vez que a comparagdo da ativi- dade cardiotOnica da digitogenina (LL) vs seu Sa-isomero (ie, uzarigenina (1) mostrou a perda de ca. SO% de poténcia, pela simples alteragfo da jungSo de anéis A-B de cis para trans 7 Qualquer modificagio da 7-lactona a,-insaturada, como a epimerizagso em C-17 ou a sua saturagio, diminui acentuada- mente a alividade dos novos derivados formados. A importin- cia da y-lactona em C-17B foi investigada em derivados da digitoxigenina (LL) substitufdos por grupos funcionais o,B-in- saturados, estrturalmente relacionados aos glicdsidos da fami- lia dos cardendlidos'®. Nesta série, o éster (23) e a nitrila (24) apresentaram, respectivamente, 49% e 66% da atividade inotrépica positive da digitoxigenina, enquanto o dcido (25) derivado de (23) foi inativo em doses correspondentes"® D ‘A atividade eardit6nica desta classe de férmacos tem sido relacionada a capacidade da cadeia lateral polatzat-se na Vzi- nhanga do sitio receptor para uma forma na qual o heterosto- fo poss carga parcial negative, enquanto. 0 somo C-208 presenta carder parcialmente postival® (Figura 4), Figura 4 Interapopropasta da cadela lateral em C-17 com 0 recep tor “digidlico”®. 169 ‘Tabela 1. Principais glicésidos cardiotSnicos e sua origem Re a a |, Y=H Digitogenina (LD) X=OH, Y=H Digoxigenina (2) XsH, Y=OH Gitoxigenina (3) 0, Z=H Estrofantidina (Ld) |, OH; Z=OH Unbagenina (15) KeH, A** () Cilaridina A U6) K=0Ae, a*§ (.) Bufotalina 1D GLICOsIDO R ‘ORIGEM Digitoxina @ . purpurea ols) Digoxina (©) 3 igitoxose + Acetil® D. tanara (folhas) Gitoxina @) Digitoxina 3 digitoxose D. purpurea (folbas) Lanat6sido C8) _Digoxige 3 digonose + Acetil® + Glicose D. Tamara (flhas) Deslandsido C U9) Uabafna (20) Estrofantina-K (8) Estrofantina-G (8) Cilarina (2D Bufotoxina (22) Digoxigenina Uabagenina Estrofantidina Estrofantidina Cilaridina Butotalina 3 digitoxose + Glicose cimarose + glicose cimarose + 2 glicose ramnose + glicose (CO(CH2),CONHCH(COOH)(CH;)NHCNH(NH;) D. lanata (folhas) Strophantus gratus (sementes) ‘Strophantus kombé (sementes) * ‘Strophantus kombé (sementes) Scilla maritima Bufus vulgaris 20 resfduo de hexose terminal & acetilado em posigio 4, 0 resfduo de digitoxose terminal 6 acetilado em posigdo 3. A relagio estrutura-atividade da subunidade osidica dos slicésidos cardiotOnicos tem sido largamente estudada com sintese de derivados monossacaridicos e dissacarfdicos da digitoxigenina!”"", Dentre as vérias informagées obtidas atra- vés destes estudos pode-se destacar que: a) 0s glicSsidos $80 mais potentes que as respectivas agliconas, visto que os rest- duos de oses protegem a hidroxila em C-36 de biotransforma- iol; b) a preparagio de derivados das hidroxilas das oses, Seja por esterificagto, seja por cetalizagao, reduz a atividade inotrdpica'?, mostrando que tais grupos contribuem para a in- teragdo com o biorreceptor; c) 08 5-desoxi-agicares sio mais alivos que 0s respectivos Alcoois, indicando que as posig@es 2, 3 e.4 de monossacarfdeos ¢ as posigbes 2 © 3 em dissacarfdeos Contribuem efetivamente para interaclo espectfica com 0 biorreceptor!” ILA, Absorgio e Biotransformagio dos Glicésidos Digilicas ‘A absoreo dos glicdsidos cardiotGnicos 6 diretamente depen- dente do grau de lipofilicidade, dependente do niimero de hideo- xilas presentes na molécula, podendo ser quantificado pelo célcu- lo do coeficiente de partgio (P), como mostra a tabela 2” Tabela 2, RelagZo entre a absorgio dos gliedsidos cardfacos © seus fespectivos coeficientes de particfo (P) (CHCIy16% aq. MeOH) Digitdlico de-OH P__Absorgio GL), Lanatésido 8) 8 162 10-40 Digoxina (@) 6 815 70-85 Digitoxina (3) 5 96,5, 100 Acetildigoxina Q6) 5 98 = Os slicésidos digitticos so elipinados essencialmente sob forma nio modificada (50-70%)" ¥, Sua biotansformagéo se faz principalmente pela hidrlise da ligagdo licosdica em C38 (Q2), seguindo-se por etapas de oxidagdo de C.3 e subsequente cepimerizagio e conjugaco do derivado (30) com &cido glicurdnico para produziro principal produto de eliminagdo detectvel na urina Sob a forma do glicuronato (31)" (Esquema 1). iin cin et “OG = Esquema 1. Principal via de biotransformagdo dos digitilicos. ILS. Mecanismo Molecular e Farmacélogico de Agio dos Giicésidos Cardioténieos Vrias hip6teses foram propostas para clucidar o mecanis- mo pelo qual agem os agentes digitilicos™. A teoria mais, cei, aualmente, apoiada por resultados experimentais, pro- oe que os glicdsidos cardiot6nicos se liguem especificamente © com alta afinidade a biorreceptores da membrana da célula riocérdica®, Estes biorreceptores integram a subunidade a de tuma ATPase Na'/K", e uma vez. ocupados provocam a parali- zagio da bomba Na'/K". Tal inibigfo causa aumento dos ni vels intracellares de fons Na‘, que por sua vez modulam a atividade de um carreador de membrana envolvido nas trocas de fons Ca** por fons Na’, promovendo considerdvel elevagio dos niveis inracelulares de Ca"* por influxo ou pela mobili 2zagio de reservatrios sarcoplasmaticos (Figura 5)". O aumen- to da concentragio idnica nas proximidades das miofibrilas an- tagoniza a6i0 da troponine, possibilitando a formagio do complexo actina-miosina induzindo a contrag3o miocérdica ATP-dependente®™ QUIMICA NOVA, 192) (1006) 20 04 arrageao" Figure 5. Representagio exquenica do mecunismo de ado dos sliedidos eardiotinicos. Adaprada de Fits 05 glie6sidos cardioténicos aumentam a forga contrtil do mioeérdio, promovendo aumento do débito cardiaco e diminu- indo a pressio de enchimento diastdica, causando redugio consequente do tamanho do coragao*. Os digitlicos reduzem a hiperatividade simpdtica instaurada durante a ICC, pelo aumen- to do débito cardiaco e por estimulo direto dos biorreceptores aferentes das paredes do coragio, do seio earotideo, do ginglio nodeso e dos ncleos vagsis centrais, acarretando decréscimo da velocidade cardfaea (eronotropismonegativo) e da press30 venosa e aumento da velocidade de perfusto renal, permitindo a redugdo do edema pelo aumento da diurese! ‘A estimulagio vagal por ago dos dgitélicos causa a liber 80 de acetiléolina, que por sua vez estimula os receptores Tmuscarinicos espalhados pelos ftrios, promovendo redugao da, freqléncia cardiace por agio diteta sobre o nodo sino-atrial, por tornar mais lenta a condugo de impulsos no nodo atrio- ventricular e por alterar diversas propriedades de membrana das células miocérdicas. Estas propriedades possbilitam 0 emprego terapéutico destes férmacos cm quadros especificos de distirbios areitmicos como o “flutter a fibrilagio atraist Os efeitos colaterais dos digitélicos advém do seu baixo Indice terapéutico, pois a concentraglo capaz de causar efeitos ‘xicos & apenas duas vezes superior 2 concentracto terapéuti- ca (1-2 x 109 MP, A intoxicagio digitéica moderada produz sintomas como vomitos, néuseas, anorexia, bradicardia e contragSes ventricu- lares prematuras, enquanto a intoxicago aguda causa diaréia, visio borrada, taquicardia e fibrilagao ventricular! ‘A hipocalemia € quadro que se instala durante a terapia com digitlicos, a qual & normalmente agravada pela co-2dministago de diuréticos. Ela se deve a0 bloqueio da ATPase Na'/K* com 0 ‘onsequente aumento dos nives extracelulares de fons K’, os quais. slo excretados anormalmente devido ao aumento da diurese. Em tais casos recomenda-se 0 emprego associado de diuréticos pou- padores de fons K*, como, por exemplo 0 triantereno*!? 32). Ill. SUBSTITUICAO TERAPEUTICA DOS DIGITALICOS A constatacio da existéncia de correlago direta entre 0: ni- veis intracelulares de AMPc ([AMPc]i) e de fons Ca** motivou ‘QuiMICA Nova, 19) (1966) yt Ny aw vétios pesquisadores a propor que a modulagto da concentragio de [AMPe}i nas eélulas da musculatura lisa eardfaca permitia aumentar a forga contetil do corago. De fato fot experimental mente observado que a estimulagio da adenilato-ciclase em células miocdrdicas seja por estimulagdo B-adrenérgica, seja pela glo direta de férmacos espectficos, ou pela inibigdo da {osfodiesterase, produzia aumento da concentragio de (AMPc]i com efeito inotr6pico positive (Figura 6). Estas observagdes permitiram que noves férmacos fossem desenvolvidos, planeja- dos racionalmente através desta estratégia baseada no mecanis- smo de aglo definido, A busca de novos agentes cardioténicos iio digitdlicos resutou na descoberta de novas classes de agen- tes inotrépicos, terapeuticamente promissores, atuando como inibidores seletivos da fosfodiesterase, como B-agonistas, além de férmacos estruturalmente relacionados forscolina’ (3), sesquiterpeno natural que atua sobre a adenilatocilase, ere ene aC 7 RBA=receptor B-adrenérgico RmAc=receptor muscarinico a acetilcolina Aczacetilcolina Nizprotefna reguladora que liga o RmAc 8 AC Ne=proteina reguladora que liga o RBA A AC Figura 6 Locais de agdo de agentes inotripicos alternatives ao tr tamento com digtlices. Adaptada de Colucci, Wright & Braunwald! TILL. Inibidores da fosfodiesterase 1 (PDE-IT1) ‘A fosfodiesterase™” € enzima citoplasmdtica responsével pela rmodulaglo da concentragio intracelular do AMPe (34), subs- tancia com earactrfsticas de segundo mensageiro. A PDE-IIL catalisa a hidrolise da ligacdo fosfato efclica levando A forma- fo do S'-AMP (35) (Esquema 2) ‘A observacio de que virias metitxantinas, como teofilins (QS), tteis no tratamento da asma cronica™, exercem acentu- ada ‘atividade antitrombsticamediada pela inibigio da fosfodiesterase nucleotideo-ciclico dependente plaquetéria®™ Esquema 2), produzindo aumento da concentragio de [AMPc]i com’ consequente inibigdo da liberagio de mediado- tes quimicos (e.g.. tromboxana A;), associado 20 conheci- mento de que isoformas de PDE se distribuem em diferentes tecidos, levaram varios pesquisadores a propor a possibilida- de de desenvolver substancias estruturalmente relacionadas com a estrutura do substrato capazes de inibir seletivamente 185 Exquema 2. Biossatesee hidrélite do AMPe (2. a isoforma III miocérdica (Figura 6), acentuando as proprie- ‘dades inotr6picas da musculatura cardfaca”, Esta estratégia resultou na descoberta da anrenona (38), que ‘i introduzida na terapéutica em 1978, como 0 primeito compos- to desta nova classe de agentes cardiotOnicos, que apresentavar Potente acto inotrdpica e vasodilatadora por inibigdo seletiva da fosfodiesterase IN™, Finalmente, em 1984 esta substincia come- {gou a ser empregada no tratamento da ICC, adminstrada por via intravenosa ou oral, embora apresentasse graves efeitos colatrais ‘durante 0 tratamento prolongado, como distdrbios gasrinestnais, ‘trombocitopenia e danos & funglo hepstica™. Acestratégia de modificagio molecular de composto protsti- po, sstociada ao emprego do biosowensne™", permit reparagio de varios derivados andlogos a (38), destacando-se sona® (39) e APP201537® (40). A milrinona (39) mos- mais seletiva para a fragio III da fosfodiesterase, com ‘eduzida toxicidade, enquanto que 0 composto (40), produto da substituigio bioisostériea do anel piridinico por uma fenila, ‘mostrou-se menos ativo do que (38) e (39), embora nio apre- Sentasse os mesmos efeitos colaterais de (38). ‘A anrenona (38) ¢ excretada apés sofrer biotransformaglo cconjugativa no figado, devido & presenga em sua estrutura de ‘grupamento funcional capaz de sofrer os efeitos da conjugacio de eliminagdo pré-sistemica, enquanto que milrinona (9), ‘que nfo apresenta esta caracteristicaestrutural,€ principalmente climinada sob a forma no modificada, Y “e nD yO o Virias substincias de diferentes classes quimicas foram ra- cionalmente planejadas e sintetizadas como anslogos da anre- rnona (38)'"* © de milrinona (39). Dentre estes compostos en- contra-se a classe das piridazinonas, em que se destacam 3 imazodana% (41), a CI-930™ (42), 590" (43), bemoradana’® (44), pimobendana™ (45) e a indolidana”” (46). Estes derivedos {erapeuticamente siteis apresentaram perfil farmacoterapéutico bastante promissor, com alta seletividade e poténcia. Estes com- postos encontram-se atualmente em fase de triagem clinica, po- ‘dendo vir a representar novos agentes cardiot6nicos, em breve. © continuo interesse de diversos Iaborat6rios de pesquisa farmacéutica no desenvolvimento de novos agentes cardiotd- nicos de maior eficécia pode ser constatado pelos recentes © rnumerosos relatos de diversos ¢ novos derivados piridazind- nicos e iadmeros bioisosteros™* ULL, Relagdo estrutura-atividad lorreceptor em modelo de 5 pontos weragdo com AA relagdo entre a estrutura quimica e a atividade cardio- tonica dos inibidores.seletivos da fosfodiesterase II é explica- dda por sua analogia a0 substrato natural da enzima, o AMPe Ga). A presenga de um grupamento com forte efeito dipolo -g., grupamento amida) © um préton écido adjacente sio re- quisitos estruturais estenciais para o adequado entrosamento com 0 local receptor, principalmente devido 8 relagSo bioisos- térica com 0 grupamento fosfato ciclico presente em (34)**. A presenga de um grupamento alquila nio volumoso e de regio passtvel de interagdo por ligagdo de hidrogénio na molécula do Inibidor, correspondendo, respectivamente, a0 grupo metilénico em C-5' e a0 plano de deslocalizagio eletrOnica da unidade adeninica do AMPe (34), substrato natural da PDE-IIl, tam- bbém sio requisites essenciais para a interagao com o sitio ativo da fosfodiesterase HI", ‘Além destes fatores estruturais, a geometria plana da molé- cula 6 importante para a atividade cardioténica, uma vez que derivados no planos apresentam normalmente decréscimo de poténcia e seletividade, excetuando-se os derivados que apre- sentem fortes dipolos (e.g., milrinona (39)), que mantém 2 poténcia com diminuigao da seletividade Esta relacio estrutural entre 0 AMPe (34) ¢ 08 inibidores de fosfodiesterase III foi confirmada por estudos de modelagem rmolecular®, que permitiu definir um modelo para o reconheci- ‘mento molecular destes férmacos pelo sitio ative da enzima receptor, através de interago por cinco pontos* (Figura 7). Este modelo de interagao férmaco-receptor permite que tecipe a possibilidade' de que vasto nimero de modi moleculares ainda podem ser introduzidas no composto proté- tipo visando otimizar o perfil farmacoterapéutico desta classe de farmacos. TIL2, Agonistas Beadrenérgicos como agentes cardioténicos Os B-agonistas tem sido vastamente usados no tratamento dda ICC, sendo sua agSo inotrépica atribufda 2 estimulagio dos receptores B na musculatura lisa cardiaca, A ativagio da adenilciclase por estimulagio adrenérgica provoca aumento dos niveis intracelulares de AMPe (34),causando ativagio de uma protefna-cinase-AMPe-dependenie, que catalisa a ransferéncia ‘de um grapamento fosfato para enzimas intracelulares, como 0 ‘QUiMcA NoVA, 192) (1956) 1 Dipole 2- Proton Acido Adjacente 3 Grupo Alguila Pequeno 44 = Regid de Interago por Ligagio de Hidrogénio 5 - Topografia Plana Figure 7. Modelo de interagdo por elnco pontos proposto para 0 fentrorameno dos nibidores de fosfodieserase III com o sitio ative ‘da enzima™ pro responstivel pelo influxo de fons Ca“, ativando-o, e con- sequentemente promovendo influxo de fons Ca"* e liberagio de fons Ca** estocados no ret(culo sarcoplasmitico, resultando fem aumento da forga contratil® (Figura 6) (© emprego de catecolaminas endégenas, como epineftina (4D, norepinefrina (48), isoprenatina (49)! ¢ dopamina (50)"™* ‘Tabela 3. Principais agonistas B-adrenérgicos na terapia da ICC como agentes ativadores dos canais de cét- cio, tem limitagBes devido A baixa seletividade para receptores Bee ao uso restrito por via intravenosa, A epineftina (42) e a Isoprenalina (49) tém efeito cronotrépico € forte tendéncia 2 produair arritmias; a norepinefrina (48) ¢ a dopamina (30) cau- sam vasoconstricglo pela ago sobre biorreceptores cperiféri- 06, aumentando a pressto sistfmica arterial; a isoprenalina (49) causa ainda vasodilatacdo pelo estimulo de receptores 6 Por estas razaes, os agonistas fi endégenos estio sendo gradu- almente substituldos por agonists seletivos 8} sintéticos, oral~ mente ativos para tratamento da ICC. not Do aS Sobressaem, entre os férmacos que compdem esta classe terapeutica, os derivados de ts principais séries™: a) deriva dos catecolaminicos (A), como: dobutamina ($1)"*, dopexami- 1a ($2) e ibopamina ($3); b) derivados feniletanolaminicos (B), como: butopamina ($4), denopamina (8); c) derivados fenoxi- ‘propanolaminicos (C), como: prenalterol (56), xamoterol (57) © doxaminol (58) (Tabela 3). Ne ne A on, fs t a 2 . comPosro SERIE R Ri R: dobuamina SA 4 4 pe O)-on dopexamina (52) A 4H 4 exjanencn (CO) ‘bopamina (3) A COCH(CH:): — COCH(CH)s —cHy bbutopamina (34) B on " =p O)-on Gy oats enopamins (6) B on 4 enon Cycom prenalterol (56) c on " —cHcH), Bn xamoterol (SD) c on H arnt lp LS © doxaminol ($8) © " " sone? © ‘QuIMICA NOVA, 192) (1906) 197 A anélise da relagdo entre a estrutura © a atividade cardiot6- nica destes novos derivados sugere que a seletividade para receptores B & fung3o da presenca de substituintes volumosos ‘no tomo de nitrogénio da cadeia lateral, IIL3, Forscolina (59) AA forscolina (59) € diterpeno de origem natural isolado em 1977 da planta indiana Coleus forskohlii, cujo extrato mostrou acentuada atividade inotrépica © vasodilatadora. Esta impo tante propriedade biol6gica deve-se essencialmente & sua capa- cidade de estimular diretamente a subunidade catalitica da adenilciclase, aumentando a concentragao de [AMPc]i, 0 influ- x0 de fons Ca" ¢, consequentemente, a contratilidade miocér- dica (Figura 6). O estudo da relagio estrutura-atvidade de uma série de 53 derivados de (52), permitiu provar que 0s requisi tos estruturais ideais para a atividade observada esto presen- tes na molécula original, confirmando 0 potencial terapéutico deste produto natural para o tratamento da ICC. IV. CONCLUSOES Esta breve revisto sobre os frmacos cardiotdnicos indica que festa classe de agentes terapéuticos.extremamente til para trata ‘mento da insuficiéncia cardfaca congestiva, continua sendo ob- {eto de pesquisa intensa, no sentido de se desenvolverem novos ‘agentes, planejados racionalmente para atuarem por um dos de- terminados mecanismos de ago discutidos neste trabalho, de ‘maneica a apresentarem eficécia terapéutica por administragio coral com © menor indice possivel de efeitos adverso. REFERENCIAS 1. Korolkovas, A.; "Exsentials of Medicinal Chemistry”, 2a Ed,, Wiley, Nova Torque, 1988. 2. Coliueei, W. S.; Wright, R. Fs J. Med. 1986, 314, 291 3. Braunwald, E.; Am. J. Cardiol. 1988, 56, 1B. 4. Purdy, R. E.; Boucek, R. J; "Manual de Terapéutica em Cardiologia”, Medsi, Rio de Janeiro, pp. 1, 1990. 5. Weber, K. T.; Janicki, J. Sj Maskin, CS. Am. J. Cardiol. 1985, 56, 3B. 6. Barreiro, E. 1.; Quim, Nova 1990, 13, 29. 7. Hoffman, B. 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