Professional Documents
Culture Documents
FACULDADE DE FILOSOFIA
DISCIPLINA:
TÓPICOS DE FILOSOFIA II - HERMENÊUTICA
RESENHA
A ORDEM DO DISCURSO,
DE MICHEL FOUCAULT
Junho de 2010
0
A Ordem do Discurso, de Michel Foucault
1
FOUCAULT, M. e CHOMSKY, N. Human nature: justice versus power. Disponível em
http://www.chomsky.info/debates/1971xxxx.htm . 20/05/2010
2
Idem.
0
exemplo, a Universidade ou o sistema educacional como um todo podem parecer fazer
nada mais do que simplesmente disseminar conhecimento. Mas, na visão de Foucault,
“elas são feitas para manter certa classe social no poder; e para excluir os instrumentos
de poder de outra classe.” 3
No capítulo IV da “Microfísica do poder” – Os intelectuais e o poder - Conversa
entre Michel Foucault e Gilles Deleuze, Foucault nos deixa clara a sua posição política,
conforme podemos observar no seguinte trecho:
“Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não
necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito
melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de
poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não
se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra
muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os
próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a idéia de que eles
são agentes da "consciência" e do discurso também faz parte desse sistema.
O papel do intelectual não é mais o de se colocar "um pouco na frente ou um
pouco de lado" para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra
as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o
instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da "consciência", do
discurso.” 4
Portanto, não é trivial a tese de que Foucault tenha feito exatamente isto – lutar
contra uma forma de poder, ao colocar em pauta a ‘ordem do discurso’ em sua aula
inaugural no Collège de France. Se o papel da Universidade é manter certa classe social
no poder; e se é verdade que a instituição deva que ser atacada em seu âmago para ser
destruída, então, cogitar a subversão da ordem do discurso parece ter sido mesmo a
melhor estratégia para questionar o papel de uma instituição de ensino. Tanto a
Universidade, quanto a família, o manicômio e a prisão são instituições que foram alvo
da genealogia do poder que Foucault desenvolve ao longo da sua vida de trabalho. Para
ele, essas lutas contra o poder são apenas regionais... e as únicas possíveis.
Vejamos o que Foucault tem a dizer sobre o poder, enquanto discute o papel do
intelectual em seu debate com Deleuze:
Existe atualmente um grande desconhecido: quem exerce o poder? Onde o
exerce? Atualmente se sabe, mais ou menos, quem explora, para onde vai o
lucro, por que mãos ele passa e onde ele se reinveste, mas o poder... Sabe-se
muito bem que não são os governantes que o detêm. Mas a noção de "classe
dirigente" nem é muito clara nem muito elaborada. "Dominar", "dirigir",
"governar", "grupo no poder", "aparelho de Estado", etc.. é todo um conjunto
de noções que exige análise. Além disso, seria necessário saber até onde se
exerce o poder, através de que revezamentos e até que instâncias,
freqüentemente ínfimas, de controle, de vigilância, de proibições, de
coerções. Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando,
seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com
3
Idem.
4
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. São Paulo: Ed. Graal, 1979. (p. 71)
0
uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se
sabe quem não o possui.” 5
0
acaso do discurso, Foucault considera que tais procedimentos internos funcionam como
princípios de rarefação do discurso (classificação, ordenação e distribuição). O primeiro
destes princípios é o comentário, cuja função é revelar aquilo que se encontra
articulado, mas não explicitado no texto original. Para Foucault, o comentário “conjura
o acaso do discurso, fazendo-lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto, mas
com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado.” 8 O segundo
tipo de procedimentos internos, o princípio do autor, é complementar ao do comentário.
Foucault aqui se refere não ao sujeito que fala ou escreve o discurso, mas ao princípio
de “agrupamento do discurso”, ou seja, um lócus de unidade e de significações que
também oferece um foco de coerência. Tal como o comentário, o autor também limita o
acaso do discurso, mas não “pelo jogo de uma identidade que teria a forma da repetição
e do mesmo”, mas sim “pelo jogo de uma identidade que tem a forma da
individualidade e do eu”. 9 Por fim, Foucault identifica o último tipo de procedimento
de limitação interno ao discurso: a disciplina. Em oposição ao princípio do comentário,
o qual se refere a um sentido a ser recuperado ou identidade que necessita ser repetida, a
disciplina reúne aquilo que é pré-estabelecido como sendo necessário para a produção
de novos enunciados. “Para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade de
10
formular, e de formular indefinidamente, proposições novas.” O domínio de objetos,
um conjunto de métodos, um corpus de proposições verdadeiras, um jogo de definições,
regras, técnicas e instrumentos constituem um sistema autônomo chamado de disciplina.
É desta forma que Foucault reúne os princípios do autor, do comentário e da disciplina
para expor as funções restritivas e coercitivas no interior do discurso.
Além dos sistemas externos e internos de exclusão, temos também a imposição
de regras aos sujeitos do discurso constituindo os grupos de procedimentos de controle,
seleção, organização e redistribuição da produção dos discursos. Estas regras não tratam
de evitar o acaso de sua aparição ou controlar o poder do discurso, mas sim de
“rarefação, desta vez, dos sujeitos que falam; ninguém entrará na ordem do discurso se
11
não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.”
Fazem parte deste grupo de regras ao sujeito que fala: a) os rituais da palavra – eles
determinam propriedade singulares e papéis preestabelecidos, tais como aos sujeitos dos
discursos religiosos, judiciários e políticos; b) as sociedades de discurso – são aquelas
8
Idem. (p. 25)
9
Idem. (p. 29)
10
Idem. (p. 30)
11
Idem. (p. 37)
0
sociedades que fazem circular internamente os discursos que elas próprias conservam
ou produzem. Elas também os distribuem com base em regras restritivas, evitando a
permutabilidade e a apropriação de segredos técnicos ou científicos; c) os grupos
doutrinários – são aqueles que exigem um sentimento prévio de identificação ou de
pertença a uma classe social, status, nacionalidade, resistência, aceitação, etc. Desta
forma, eles associam as pessoas a certos tipos de discurso e lhes proíbem todos os
outros; e d) as apropriações sociais – o melhor exemplo são os sistemas de educação, na
medida em que eles representam uma estratégia política eficaz para a manutenção ou
modificação da apropriação dos discursos, diante dos saberes e poderes que lhes são
peculiares.
Para a análise dos três grupos de procedimentos de exclusão que atingem o
discurso, Foucault propõe a realização de três tarefas, a saber: questionar a vontade de
verdade; restituir o caráter de acontecimento do discurso; e suspender a soberania do
significante. Na realização destas tarefas, Foucault ainda observa alguns princípios
metodológicos. São eles: da inversão – este princípio trata da necessidade de se
12
reconhecer “o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso” ; da
descontinuidade – “os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se
cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem” 13; da especificidade – o
mundo não é cúmplice do nosso conhecimento. Devemos concebê-lo como uma
“violência que fazemos às coisas”; da exterioridade – devemos nos situar num nível
acima do núcleo interior do discurso para, a partir de sua aparição e regularidade, passar
às suas condições externas de possibilidade.
No início da sua aula inaugural, Foucault diz que não queria ter de entrar na
ordem do discurso, mas a instituição o tranqüiliza, afirmando que não tem com que se
preocupar: “estamos todos aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis.”
Felizmente, ao decifrar esta ordem, Foucault também nos mostra a possibilidade de
subverter suas leis.
12
Idem. (p. 51)
13
Idem. (p. 52)
0
Referências Bibliográficas:
Transcrição de Debate
FOUCAULT, M. e CHOMSKY, N. Human nature: justice versus power. Disponível
em http://www.chomsky.info/debates/1971xxxx.htm . 20/05/2010