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Luís de Sttau Monteiro, 1926-1993

Felizmente Há Luar!
Características da
Apresentação Biografia Classificação
obra

Tempo Espaço Título Contexto histórico


Paralelismo com os Brecht e a
Personagens Linguagem e Estilo
anos 70 distanciação
trágica apoteose Os símbolos As didascálias

Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar –
mais tarde também adaptado ao teatro – , esta peça contribuiu para celebrizar Luís de
Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por
Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de
acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento
de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um
apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos
anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça –
designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela
primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do
próprio Sttau Monteiro.
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Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu no dia 03/04/1926 em Lisboa e faleceu
no dia 23/07/1993 na mesma cidade. Partiu para Londres com dez anos de idade,
acompanhando o pai que exercia as funções de embaixador de Portugal. Regressa a
Portugal em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por Salazar.
Licenciou-se em Direito em Lisboa, exercendo a advocacia por pouco tempo. Parte
novamente para Londres, tornando-se condutor de Fórmula 2. Regressa a Portugal e
colabora em várias publicações, destacando-se a revista Almanaque e o suplemento "A
Mosca" do Diário de Lisboa, e cria a secção Guidinha no mesmo jornal. Em 1961,
publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de
Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada
em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça, resultando
num êxito estrondoso. Foi preso em 1967 pela Pide após a publicação das peças de
teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial.
Em 1971, com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A
Relíquia, representada no Teatro Maria Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o
Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como novela televisiva em 1982 com o título
Chuva na Areia.Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para
o Jantar (romance, 1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro:
Felizmente Há Luar (1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do
Motor fora da Borda (1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de
Abraão Zacut (1968).
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CLASSIFICAÇÃO
Trata-se de uma drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica
apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as
condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais
esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha
de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a
preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a
alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma
sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da
sociedade, mostrando a realidade, do modo a levar os espectadores a reagir
criticamente e a tomar uma posição.
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CARACTERÍSTICAS DA OBRA
- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- desfesa intransigente da justiça social
- teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando
mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir
criticamente e a tomar uma posição
- intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a
tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denúncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma
sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do homem.
As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e
mordazes e denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a
alienação, a preocupação com o Homem e o seu destino. Drama narrativo, de
carácter social, na linha de Brecht (exprime a revolta contra o poder, o homem
tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que vive, com o
objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).
BRECHT ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e
a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que se possam
fazer juízos de valor.
Em "FELIZMENTE HÁ LUAR!", as personagens, o espaço e o tempo são
trabalhados para que a "distanciação se concretize".
Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de
perseguição.
O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o
público a entender de forma clara a mensagem.
LINGUAGEM: natural, viva e maleável; frases em latim com conotação
irónica, frases incompletas por hesitação ou interrupção, marcas
características do discurso oral e recurso frequente à ironia e sarcasmo.
Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com
possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência
(cumplicidade) ou participação testemunhal.
O carácter narrativo é sinonimo de épico, ao contar determinados
acontecimentos que devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo
espectador, enquanto elemento da sociedade. Observando Felizmente há Luar,
verificamos que são estes os objectivos de Luís de Sttau Monteiro, que evoca
situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para falar do
presente.
o teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação
fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos
passados e a tomar posições na sociedade em que se inserem, para tal é usada
uma técnica realista/influencia de Brecht – DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA –
isto é:
- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem
- o espectador deve conseguir "afastar-se" da historia narrada
Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que
ambos se distanciam da historia narrada, podendo assim como pessoas reais
fazerem os respectivos juízos ou criticas de forma precisa e consciente sobre o
que se passa em palco.
Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o
espectador a ter um olhar crítico para que se aperceber e criticar as injustiças e
opressões.
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TEMPO
a) tempo histórico: século XIX
b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime
salazarista
c) tempo da representação: 1h30m/2h
d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias
e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados,
ocorridos no passado, mas importantes para o desenrolar da acção
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ESPAÇO
espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores,
mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo
vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela
linguagem das várias personagens
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O TÍTULO
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de
um dos elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de
Matilde. Em primeiro lugar é curioso e simbólico o facto de o título coincidir
com as palavras finais da obra, o que desde logo lhe confere circularidade.
1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções,
querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo
2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de
coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num
segundo momento, representa a caminhada da sociedade em busca da
liberdade.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens
pertencentes a mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder,
e Matilde, símbolo da resistência e do antipoder. Porém o sentido veiculado
pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma afirmação dar lugar a uma
eufórica exclamação
Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas vissem mais facilmente o
clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e
percebessem que aquele é o fim ultimo de quem afronta o regime. A fogueira
teria um efeito dissuasor.
Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado
reflectido, são a esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz
que vence as trevas, a vida que triunfa da morte. A luz do luar (liberdade)
vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos poderão contemplar, enfim, a
injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações.
Há que imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e
falta de liberdade, há que seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.

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CONTEXTO HISTÓRICO: Revolução Francesa de 1789 e invasões
napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para
evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão, a corte
pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: GENERAL
BERESFORD
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve
esta obra, isto é, em 1965, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à
distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do
século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu
tempo.
A peça "Felizmente há luar" é uma peça épica, inspirada na teoria marxista,
que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na
sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo
e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas
características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia
despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro
moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar,
a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade
em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um
afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história
narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de
valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende,
através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade,
tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador
deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de
injustiça e opressões.
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PERSONAGENS:
GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da
esperança do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua
mulher e amigos. É acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado,
soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na justiça e luta pela
liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no
entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança
de liberdade
D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as
transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e
calculista. prepotente; autoritário; servil (porque se rebaixa aos outros);
PRINCIPAL SOUSA: defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo
religioso; desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses
BERESFORD: cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua
situação; oportunista; autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente
com a sua carreira e com dinheiro; ainda consegue ser minimamente franco e
honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente quer, ao contrário dos
dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista, trocista,
sarcástico
VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da
recompensa material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado;
traidor; desleal; acaba por ser um delator que age dessa maneira porque está
revoltado com a sua condição social (só desse modo pode ascender
socialmente).
MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente
dos populares; é corajoso.
MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage
violentamente perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se
enfurece, ora se revolta, mas luta sempre. Representa uma denúncia da
hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em volta do poder
(faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de
Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto
marcados pelo amor, como pelo ódio.
SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as
mesmas ideias que Gomes Freire, mas não teve a coragem do general.
Representa a amizade e a fidelidade; é o único amigo de Gomes Freire de
Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos que são
capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
Frei Diogo: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do
Principal Sousa.
Delatores: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.
MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem,
prendem e mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira.
Para eles, a execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os
outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a seguir na luta pela
liberdade.
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LINGUAGEM E ESTILO
Linguagem
- natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e
individualizadora de algumas das personagens
- uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento
da condenação e da execução
- frases incompletas por hesitação ou interrupção
- marcas características do discurso oral
- recurso frequente à ironia e sarcasmo

Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar especial atenção à ironia)


Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase
declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases
interrompidas)]; metalinguística
Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases
sentenciosas
TEXTO PRINCIPAL: As falas das personagens
TEXTO SECUNDÁRIO: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel
crucial na peça)
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Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da
violência
Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do
século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de
Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se
manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com
muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram
queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente
ideológico, e denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra, em
1961, precisamente sob a ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no
século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em
destaque as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a História serve de
pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro,
também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa,
durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que mais
tarde contribuíram para a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal
como a conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores
permitiu o triunfo do liberalismo, também a oposição ao regime vigente nos
anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e a mordaça, resistiu e levou à
implantação da democracia.
Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60
Tempo da História Tempo da escrita
(século XIX – 1817) (século XX – 1961)
- agitação social que levou à revolta - agitação social dos anos 60 – conspirações
liberal de 1820 – conspirações internas; internas; principal irrupção da guerra
colonial
revolta contra a presença da Corte no Brasil e
influência do exército britânico - regime ditatorial de Salazar
- regime absolutista e tirânico - maior desigualdade entre abastados e
pobres
- classes sociais fortemente hierarquizadas
- classes exploradas, com reforço do seu
- classes dominantes com medo de perder privilégios poder
- povo oprimido e resignado - povo reprimido e explorado
- a “miséria, o medo e a ignorância” - miséria, medo e analfabetismo
- obscurantismo, mas “felizmente há luar” - obscurantismo, mas crença nas mudanças
- luta contra a opressão do regime absolutista - luta contra o regime totalitário e ditatorial
- Manuel, “o mais consciente dos populares”, - agitação social e política com militares
denuncia a opressão e a miséria antifascistas a protestarem
- perseguições dos agentes de Bereford - Perseguições da PIDE
- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais - denúncias dos chamados “bufos”, que
Sarmente que, hipócritas e sem escrúpulos, surgem na sombra e se disfarçam, para
denunciam colher informações e denunciar
- censura - censura à imprensa
- severa repressão dos conspiradores - prisão e duras medidas de repressão e de
- processos sumários e pena de morte tortura
- execução do General Gomes Freire - condenação em processos sem provas

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Carácter épico da peça/Distanciação histórica (técnica realista; influência de
Brecht)
Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos
princípios do teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta
contra o poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o homem
em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o direito e o
dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos uma análise
crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar,
para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais
que ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de
construção da sociedade. A ruptura com a concepção tradicional da essência
do teatro é evidente: o drama já não se destina a criar o terror e a piedade, isto
é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que
está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a
capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir
"sentir" por "pensar".
Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os
objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado
(movimento liberal oitocentista em Portugal), usando-as como pretexto para
falar do presente (ditadura nos anos 60 do século XX) e assim pôr em
evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a
injustiça e todas as formas de perseguição.
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"Trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista
Felizmente Há Luar! é uma "trágica apoteose" da história do movimento
liberal oitocentista, interpretando as condições da sociedade portuguesa no
início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes
organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos
governadores e do generalíssimo Beresford. Como afirma Luciana Stegagno
Picchio, é retratada a conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade,
que se manifestava contrária à presença inglesa ("Manuel – Vê-se a gente
livre dos Franceses e zás!, cai na mão dos Ingleses!"), na pessoa de Beresford,
e à ausência da corte no Brasil. Coloca-se em destaque ao longo de toda a
peça a situação do povo oprimido, as Invasões Francesas, a "protecção"
britânica, iniciada após a retirada do rei D. João VI para o Brasil, e a falta de
perspectivas para o futuro.
Para que o movimento liberal se concretize, é necessária a morte de Gomes
Freire, dos seus companheiros e também de muitos outros portugueses, que
em nome dos seus ideais são sacrificados pela pátria. Conspiradores e
traidores para o poder e para as classes dominantes, que sentem os seus
privilégios ameaçados, são os grandes heróis de que o povo necessita para
reclamar a justiça. Por isso, as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se
num estímulo. A fogueira acesa na noite para queimar Gomes Freire, que os
governadores querem que seja dissuasora, torna-se na luz para que os
oprimidos e injustiçados lutem pela liberdade. Na altura da execução, as
últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general
Gomes Freire, são de coragem e estímulo para que o Povo se revolte contra a
tirania dos governantes: ("Matilde – Olhem bem! Limpem os olhos no clarão
daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! / Até a noite foi feita
para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) Felizmente – felizmente há luar!").
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OS SÍMBOLOS:
Saia verde: A saia encontra-se associada à felicidade e foi comprada numa
terra de liberdade: Paris. , no Inverno, com o dinheiro da venda de duas
medalhas. "alegria no reencontro"; a saia é uma peça eminentemente feminina
e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a
justiça. Sinal do amor verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo
aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros esperança através
desta simples peça de vestuário. O verde é a cor predominante na natureza e
dos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
Título: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens (por
D.Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas
palavras remetem para um estímulo para que o povo se revolte).
A luz – como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade,
fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a
escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento), advém
quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça
triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se encontra
associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas relacionam-se com
o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a morte. A luz representa a
esperança num momento trágico.
Noite: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo
Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol
e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência,
periodicidade. A luz da lua, devido aos ciclos lunares, também se associa à
renovação. A luz do luar é a força extraordinária que permite o conhecimento
e a lua poderá simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-versa, o que
aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.
Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e
para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela
liberdade.
Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama
mantém-se viva e a liberdade há-de chegar.
O fogo é um elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e
regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela do fogo. Se
no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e escuridão, no futuro
relacionar-se-á com esperança e liberdade.
Moeda de cinco reis – símbolo do desrespeito que os mais poderosos
mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus.
Tambores – símbolo da repressão sempre presente.

Carácter interpretativo e simbólico


A saia verde
" A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no Inverno,
com o dinheiro da venda de duas medalhas;" Ao escolher aquela saia para
esperar o companheiro após a morte, destaca a "alegria" do reencontro ("agora
que acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito").
" A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está habitualmente
conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso,
envolvente e refrescante.
O título/a luz/a noite/o luar
O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido nas falas das
personagens:
D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer
sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: "Lisboa há-de
cheirar toda a noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as
nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro…"Logo de seguida afirma: «É
verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar…» -
esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está
relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia desta execução
pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos
da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se
pretendia exemplar. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde,
"companheira de todas as horas" do general Gomes Freire de Andrade, são de
coragem e estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos
governantes: "-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e
abram as almas ao que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a vísseis
até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente – felizmente há luar!"Na peça, nestes dois
momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão "felizmente
há luar" pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das
personagens:
As forças das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo utilizam,
paradoxalmente, o lume (fonte de luz e de calor) para "purificar a sociedade"
(a Inquisição considerava a fogueira como fonte e forma de purificação);
Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em
direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.
Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas
(ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior
for a assistência isso significará:
- Para os opressores, que mais pessoas ficarão "avisadas" e o efeito dissuasor
pretendido será maior;
- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar
pela liberdade.
A fogueira/o lume
Após a prisão do general, num diálogo de "tom profético" e com "voz triste"
(segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: "Prenderam o general…
Para nós, a noite ainda ficou mais escura…". A resposta ambígua do 1º
Popular pode assumir também um carácter de profecia e de esperança: "É por
pouco tempo, amigo. Espera pelo clarão das fogueiras…". Matilde, ao afirmar
que aquela fogueira de S. Julião da Barra ainda havia de "incendiar esta
terra!", mostra que a chama se mantém viva e que a liberdade há-de chegar.A
linguagem em Felizmente Há Luar! é…Natural, viva e maleável, utilizada
como marca caracterizadora e individualizadora de algumas personagens;Uso
de frases em latim, com conotação irónica, por aparecerem aquando da
condenação e da execução;
Frases incompletas por hesitação ou interrupção;
Marcas características do discurso oral;
Recurso frequente à ironia e ao sarcasmo.
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A didascália

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio,


indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas
com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com as
personagens oprimidas).
As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários,
gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de
entrar no palco, um sino que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de
uma campainha, o murmúrio da multidão) e efeitos de luz (o contraste entre a
escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra, de acordo, aliás, com o
desenlace trágico).
De realçar que a peça termina ao som de fanfarra ("Ouve-se ao longe uma
fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.") em
oposição à luz ("Desaparece o clarão da fogueira."); no entanto, a escuridão
não é total, porque "felizmente há luar".

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