You are on page 1of 18

1

Prezados alunos e alunas,

Espero que o afastamento das aulas nesse pequeno intervalo não


disperse a sua energia e concentração, mas que sirva sim para
reabastecer vosso animo e vigor para continuarmos na busca de novos
horizontes diante do saber. O irônico e bom disso é que como o planeta é
esférico não chegaremos a esse fim nunca. Assim deve ser nossa busca
do conhecimento, insaciável e impossível de ser atingido em sua
plenitude. Deixo para vocês um texto que ainda que longo é de
fundamental importância para compreendermos a transição ocorrida na
Política dos Antigos aos nossos tempos. Boa leitura. Imprimam e levem
para nossa aula do dia 03 de agosto, já com possíveis perguntas e
duvidas na compreensão dos argumentos de Maquiavel.

Boas férias.

A teoria político de Maquiavel

Quando queremos dizer que alguém é ardiloso, astuto ou pérfido, costumamos


dizer que é maquiavélico. O adjetivo não é nada lisonjeiro, mas o responsável por ele é
um dos filósofos mais importantes da história da filosofia política. Nicolau Maquiavel,
que nasceu em Florença em três de Maio (1469-1527), na época do Renascimento1
(século XVI e XVII).
Sua obra mais importante é um tratado sobre o governo, O Príncipe, um
pequeno livro que tentou criar um método de conquista e manutenção do poder político.
Durante o período medieval, o poder político era concebido como presente divino. Os
teólogos elaboraram suas teorias políticas baseados nas escrituras sagradas e no direito
romano. No período do Renascimento, os clássicos gregos e latinos passaram a lastrear

1
Como sabemos, o Renascimento foi um período de intensa renovação. Caracterizou-se
por um movimento intelectual baseado na recuperação dos valores e modelos
da Antigüidade greco-romana, contrapondo-os à tradição medieval ou adaptando-os a
ela. O Renascimento referiu-se não apenas às artes plásticas, a arquitetura e as letras,
mas também à organização política e econômica da sociedade.
2

o pensamento político. Maquiavel, no entanto, elaborou uma teoria política totalmente


inédita, fundamentada na prática e na experiência concreta.
A vida de Maquiavel cobriu o período de maior esplendor cultural de Florença,
assim como o do seu rápido declínio. Este período, marcado pela instabilidade política,
pela guerra, pelas intrigas, e pelo desenvolvimento cultural dos pequenos Estados
italianos, assim como dos Estados da Igreja, caracterizou-se pela integração das
rivalidades italianas no conflito mais vasto entre a França e a Espanha pela hegemonia
européia, que preencherá a última parte do século XV e a primeira metade do século
XVI.
Maquiavel era filho de um influente advogado florentino, e durante a sua vida
viu florescer a cultura e o poder político de Florença, sob a direção política de Lourenço
de Médicis, o Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o filho
de Lourenço e seu sucessor, Piero de Médicis, foi expulso pelo monge dominicano
Savonarola, que criou uma verdadeira República Florentina. Quando Savonarola, um
fanático defensor da reforma da Igreja, foi também ele expulso do poder e queimado,
uma segunda república foi fundada por Soderini em 1498. Maquiavel foi secretário
desta nova república, com uma posição importante e distinta. A república, entretanto,
foi esmagada em 1512 pelos espanhóis que instalaram de novo os Médicis como
governantes de Florença.
Maquiavel parece não ter tido um posicionamento política claro. Quando os
Médicis retomaram o governo, continuou a trabalhar incansavelmente para cair nas boas
graças da família. O que prova que, ou era extraordinariamente ambicioso, ou
acreditava de fato no serviço do estado, não lhe importando o grupo ou o partido
político que detinha as rédeas do governo. Os Médicis, de qualquer maneira, nunca
confiaram inteiramente nele, já que tinha sido um funcionário importante da república.
Feito prisioneiro, torturaram-no em 1513 acabando por ser banido para a sua
propriedade em San Casciano, mas esta atuação dos Médicis não o impediu de tentar
novamente ganhar as boas graças da família. Foi durante o seu exílio em San Casciano,
quando tentava desesperadamente regressar à vida pública, que escreveu as suas
principais obras: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, O Príncipe, A
História de Florença, e duas peças. Muitas destas obras, como O Príncipe, foram
escritas com a finalidade expressa de conseguir uma nomeação para o governo dos
Médicis.
3

O Príncipe sintetiza o pensamento político de Maquiavel. A obra foi escrita


durante algumas semanas, em 1513, durante o exílio de Maquiavel, que tinha sido
banido de Florença, acusado de conspirar contra o governo. Mas só foi publicada em
1532, cinco anos depois da morte do autor. O que temos em O Príncipe é uma análise
lúcida e cortante do poder político, visto por dentro e de perto. Maquiavel conhecia bem
os mecanismos e os instrumentos de poder, pois já havia feito parte do Estado.
A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do O Príncipe, foi a
separação da política da ética. A tradição ocidental, exatamente como a tradição
chinesa, ligava tanto a ciência como a atividade política à ética. Aristóteles tinha
resumido esta posição quando definiu a política como uma mera extensão da ética. A
tradição ocidental via a política em termos claros, de certo e errado, justo e injusto,
correto e incorreto, e assim por diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as
ações humanas eram os termos empregues para avaliar as ações políticas.
Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os fenômenos sociais nos seus
próprios termos sem recurso à ética ou à jurisprudência. De fato pode-se considerar
Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo a aplicar o método científico
de Aristóteles2 e de Averróis3 à política. Fê-lo observando os fenômenos políticos, e
lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e descrevendo os sistemas políticos
nos seus próprios termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e
manter o poder ou a autoridade. Tudo o resto - a religião, a moral, etc. -- que era
associado à política nada tinha a ver com este aspecto fundamental - tirando os casos em
que a moral e a religião ajudassem à conquista e à manutenção do poder. A única coisa

2
Nasceu em 384 a.C., na cidade antiga de Estágira, e morreu em 322 a.C. Seus
pensamentos filosóficos e idéias sobre a humanidade tem influências significativas na
política e na educação no pensamento ocidental contemporâneo. Aristóteles é
considerado o criador do pensamento lógico. Suas obras influenciaram também na
teologia medieval da cristandade.
3
Membro de uma família de juristas, hispano-árabe, estuda Medicina e Filosofia. É
médico da corte cordovesa até cair em desgraça (1195), e acaba desterrado para Lucena
acusado de heresia. Este pensador cordovês é, com Avicena, o principal filósofo do
mundo árabe e um dos principais pensadores medievais. Diferentemente de outros
pensadores muçulmanos, majoritariamente platônicos, Averróis é um aristotelista puro.
Pela qualidade e pela amplitude da sua atividade como comentarista de Aristóteles é
conhecido como “o Comentador”. Escreveu diversas obras polêmicas e médicas, mas
são os seus comentários os que exercem uma influência decisiva no Ocidente para a
adoção do aristotelismo.
4

que verdadeiramente interessa para a conquista e a manutenção do poder manter é


ser calculista; o político bem sucedido sabe o que fazer ou o que dizer em cada situação.
Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no Príncipe única e
simplesmente os meios pelos quais alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e
mantê-lo. A maioria dos exemplos que deu são falhos. De fato, o livro está cheio de
momentos intensos, já que a qualquer momento, se um governante não calculou bem
uma determinada ação, o poder e a autoridade que cultivou tão assiduamente fogem-lhe
de um momento para o outro. O mundo social e político do Príncipe é completamente
imprevisíveis, sendo que só a mente mais calculista pode superar esta volatilidade.
Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só tece elogios aos
vencedores. Por esta razão, mostra admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e
Júlio II devido ao seu extraordinário sucesso militar e político, sendo eles odiados
universalmente em toda a Europa4 como papas ímpios. A sua recusa em permitir que
princípios éticos interferissem na sua teoria política marcou-o durante todo o
Renascimento, e posteriormente, como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas
obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel.
Em O Príncipe (palavra que designa todos os governantes), a política não é vista
mais através de um fundamento exterior a ela própria (como Deus, a razão ou a
natureza), mas sim como uma atividade humana. O que move a política, segundo
Maquiavel, é a luta pela conquista e pela manutenção do poder.
Em capítulos como “De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra”
(cap. XVIII) Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na
conquista, consolidação e manutenção do poder. A resposta à pergunta formulada mais
acima, por exemplo, é que:

«Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e


viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do
nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram
muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos
homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade».

4
A Europa passava então por grandes transformações. Uma nova classe social,
a burguesia comercial, buscava espaço político junto à nobreza, ao mesmo tempo em
que assistia a um movimento de centralização do poder que daria origem aos Estados
absolutistas (Portugal, Espanha, França e Inglaterra).
5

Maquiavel não falava sobre o estado em termos éticos, mas sim em termos
cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que a situação italiana era desesperada e que o
estado Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao problema de um ponto de
vista ético, Maquiavel preocupou-se genuinamente em curar o estado para torná-lo mais
forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos revoltados, Maquiavel não apresenta um
argumento ético, mas cirúrgico: “os povos revoltados devem ser amputados antes que
infectem o estado inteiro.”
O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú (virtus em Latim), que é
relacionado normalmente com “virtude”. Mas de fato, Maquiavel utiliza-a mais no
sentido latino de “viril”, já que os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente
pela sua capacidade de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto numa
combinação de caráter, força, e cálculo. Numa das passagens mais famosas do Príncipe,
Maquiavel descreve qual é a maneira mais apropriada para responder a volatilidade do
mundo, ou à Fortuna, comparando-a a uma mulher: “a fortuna é uma dana”. Maquiavel
refere-se à tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o objeto do desejo é
abordada, cortejada e implorada. O príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem
implora a Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o que quer. Esta
passagem, já escandalosa na época, representa uma tradução clara da ideia renascentista
do potencial humano aplicado à política. É que, de acordo com Pico Della Mirandola, se
um ser humano podia transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a um
indivíduo de caráter forte pôr ordem no caos da vida política.

O pensamento político contemporâneo


O Príncipe tem um estilo elegante e direto. Suas partes são bem organizadas,
tanto na apresentação quanto na distribuição dos temas. O procedimento principal do
narrador é comparar experiências históricas com fatos contemporâneos, a fim de
analisar as sociedades e a política. Em algumas passagens, o próprio autor se torna
personagem das situações que descreve.
Podemos dividir a obra política de Maquiavel em quatro partes: classificação dos
Estados; como conquistar e conservar os Estados; análise do papel dos militares e
conselhos aos políticos para manutenção do poder. Dizemos que Maquiavel é o
fundador do pensamento político contemporâneo, pois foi o primeiro a pintar os fatos
"como realmente são" e não mais "como deveriam ser".
6

Carreira política em Florença


Aos nove anos assiste ao assassinato de Juliano de Medici na Catedral de
Florença e ao ferimento a Lourenço de Medici que escapa com vida numa tentativa de
tomada do poder pelo sobrinho do papa Sisto IV. A curiosidade de Maquiavel é aguçada
cada vez mais pelos fatos políticos da época.
Já aos vinte e nove anos (1498) assiste a ascensão e queda do frei dominicano
Jeronino Savonarola, líder religioso que desafiava o poder papal que é enforcado e
queimado em praça pública. É desta época a preocupação de Maquiavel com a figura
política do chamado “profeta desarmado que nada pode contra a força” pois encontra
muitos outros casos de príncipes sem exércitos que acabam caindo em desgraça.
Neste mesmo ano de 1498 torna-se segundo secretário da República de Florença,
encarregado de assuntos diplomáticos, dos problemas internos e das questões bélicas.
Como Chanceler em Veneza conhece César Borgia, figura temida e de grande
determinação e astúcia que chama a atenção de Maquiavel pelo seu crescente êxito.
Com a morte do papa AlexandreVI em 1512 assume o seu lugar o papa Júlio II que
estava a dez anos no exílio. Este une-se ao Rei Aragão (Nápoles) para dominar Florença
e reconduz a família Medici ao poder. Cai, portanto o governo republicano de Soderini e
Maquiavel é cassado e preso. Chega a ser torturado. Fica preso 22 dias, porém com a
ascensão do papa Leão X(um Medici) há uma anistia geral.
Isola-se então em sua propriedade rural e vive em ostracismo político. É neste
período que escreve O Príncipe, fruto de sua intensa observação e vivência no mundo
político. Sua vida é rotineira e simples como ele descreve em uma carta enviado ao
amigo Francisco Vetor, a quem confia vários pedidos de intercessão junto aos Medici
para voltar a vida pública. A obra é então dedicada aos Medici na esperança de ser
reconduzido a um emprego publico; porém os tiranos o vêem como um republicano.
Somente em 1520 é lembrado e convidado a escrever sobre Florença. Após isto
os Medici caem novamente e em 1527 a república é restaurada. É então identificado
como alguém que tinha ligações com os tiranos (Medicais) e definitivamente esquecido.
Adoece e morre neste mesmo ano.

Contexto histórico
Já ao início do século XVI a Itália se apresenta dividida em pequenos
principados. Seus governadores são déspotas sem tradição dinástica ou de direitos
7

contestáveis. A crise na estrutura do poder era conseqüência da instabilidade política


que tinha sua origem na ilegitimidade do poder. Só se mantinha o poder pelas armas e a
força militar italiana era constituída por mercenários. Isto tornava instável a conquista e
a manutenção do poder.
Havia um grande vazio: ausência de um poder central. Este vazio era ocupado
por militares aventureiros (condottieri) – governantes astutos e bem armados.
Conquistavam alguns principados para si e estabeleciam alianças com reis, cardeais e
papas.
A Europa ocidental era monárquica e os principados italianos, presas fáceis. O
cenário era de total desorganização política, militar e institucional devido ao
anacronismo das cidades - estado e pela ausência de um poder central forte. A igreja,
ainda que influente não conseguia dominar os Estados e também não encorajava a
unificação dos principados, ducados, reinos e repúblicas sob o poder de um príncipe
secular.
O restante da Europa cresce com o comércio. Alguns empresários italianos
transferem o centro de decisão de seus negócios para a Inglaterra e França. A Itália
estava dividida, como dissemos, em ducados, principados e repúblicas, todas rivais
entre si. Neste contexto, a astúcia e traição eram freqüentes inclusive dentro do clero.
Este é o cenário da realidade social à época em que foi escrito O Príncipe.
Era a época do Renascimento e a retomada dos clássico gregos e romanos
substituía gradualmente o imobilismo da Idade Média (caráter teocêntrico) por um
dinamismo indicado por uma nova visão do Homem (caráter antropocêntrico). Há uma
tentativa da Itália de viver em paz através do Tratado de Lodi que pôs fim a guerra entre
Milão e Veneza instituindo a Santíssima Liga com a participação destes e também da
República de Florença, do reinado de Nápoles e o papado. Estes cinco principais
governos unidos garantem um certo equilíbrio político por cerca de quarenta anos.
Menos enfraquecida a Itália prospera e lidera o movimento renascentista 5.

5
Dá-se o nome de Renascimento (ou Renascença) ao movimento de renovação
intelectual ocorrido na Europa dentro da transição do feudalismo para o capitalismo. Na
realidade, não se pode entender o Renascimento como limitado às Artes e às Ciências,
mas sim como uma mudança nas formas de sentir, pensar e agir em relação aos padrões
de pensamento e comportamento vigente na Idade Média. O Renascimento exprime
sobretudo os novos valores e ideais da burguesia, classe ascendente na transição para o
capitalismo.
8

A quebra do Tratado se dá durante o pontificado de Sisto IV. Em 1478, Florença


então governada por Lourenço de Medici se torna hostil a Roma devido a política de
fortalecimento dos Estados pontifícios. O papa Sisto IV aceita participar de uma
conspiração para derrubar os Medici não sendo informado de todos os detalhes. Na
catedral durante uma missa Juliano é assassinado e seu irmão Lourenço escapa com
vida. Os algozes são presos, enforcados e esquartejados pela multidão. Lourenço de
Medici sai fortalecido. Enfrenta de um lado a hostilidade de Veneza e de outro o papado
unido a Nápoles.
Num gesto político audacioso parte sozinho a Nápoles para se encontrar com o
rei. Diante da ameaça turca alia-se a Fernando I e desta forma Lourenço colhe grande
vitória diplomática sobre o papa. Lourenço morre em 1492 e seu filho Pedro faz um
reinado medíocre e é condenado ao exílio por ter se entregue covardemente ao rei
Carlos VIII da França. Carlos VIII entra triunfante em Florença convencido de que é um
emissário de Deus enviado para punir e reformar a Igreja conforme os sermões de um
frei chamado Savonarola que se torna a personalidade dominante naquele momento.
O novo governo assume uma feição Teocrática com campanha moralista e
religiosa elevada a um grau desconhecido mesmo na Idade Média.. Rapidamente entra
em choque com o papa Alexandre VI; é excomungado e Florença é ameaçada com um
interdito. Savonarola é preso pelo governo, torturado e morto em praça pública.
Maquiavel a tudo assiste tirando lições da brusca queda do líder religioso sem
armas. Todos os adeptos a Savonarola são demitidos. Aos vinte e nove anos Maquiavel
assume o cargo de secretário na Segunda Chancelaria de Florença. Participa de muitas
missões diplomáticas, sendo uma especial: travou conhecimento com César Borgia filho
do papa Alexandre VI. É da astúcia e rapidez de César Borgia na conquista a Urbino
que Maquiavel identifica uma qualidade fundamental a qualquer príncipe: virtù.
(palavra italiana que para Maquiavel significa energia, decisão, capacidade, empenho,
vontade dirigida para um objetivo - em latim vir = homem.)
Em 1512 morre Alexandre VI. É eleito o papa Júlio II (sobrinho de Sisto IV )
que estava no exílio por animosidade aos Borgia. César Borgia é preso e liberado
mediante pagamento de pesado tributo. Vai para a Espanha onde morre lutando em
completo esquecimento. Júlio II derrota o governo republicano de Soderini e reconduz
os Medici o governo. Começa então o ostracismo de Maquiavel.

A Verdade Efetiva Das Coisas


9

O foco para Maquiavel sempre foi o Estado, não aquele imaginário e que nunca
existiu; mas aquele que é capaz de impor a ordem! O ponto de partida e de chegada é a
realidade corrente – por isto a ênfase na verità effetuale – ou seja: ver e examinar a
realidade como ela é e não como se gostaria que fosse.
O que Maquiavel se questiona incessantemente é: como fazer reinar a ordem –
como instaurar um estado estável – como resolver o ciclo de estabilidade e caos. Ele
chega a algumas conclusões interessantes – A ordem deve ser construída para evitar a
barbárie. Uma vez alcançada, não é definitiva.

Considerações sobre a natureza humana e a história


Fiel ao conceito da verdade efetiva, Maquiavel estuda a história, sobretudo a
antigüidade clássica. Conclui que qualquer que seja o tempo e o espaço o homem tem
traços humanos imutáveis quais sejam: ingratos, volúveis, simuladores, covardes e
ávidos de lucro – O Príncipe cap. XVII. Destes atributos negativos temos os
fundamentos para o conflito e a anarquia.
Para Maquiavel o estudo do passado indicará os acontecimentos que se
sucederão em qualquer estado e também quais os meios empregados para solucionar
problemas pela coincidência ou similaridade.
Segundo Maquiavel, os principados são dois os tipos de principados:

Republica ou Principados.
Os Principados podem ser hereditários ou novos.
Principados mistos: Quando não são inteiramente novos.
Maquiavel aconselha que quem adquire um território, desejando conservá-lo,
deve tomar em consideração duas coisas: primeira, que a estirpe do seu antigo príncipe
desapareça; segunda, não alterar as suas leis, nem os seus impostos. Assim, dentro de
um brevíssimo tempo, formam um corpo só.
Quando o príncipe reside em seu domínio, dificilmente acontece de vir a perde-
lo. Outro meio igualmente eficaz e mandar colonizar algumas regiões que sejam como
chaves do novo Estado.
Esta medida e pouco dispendiosa ou nada custa alem de descontentar uns
poucos. Apenas aqueles de que se tiram os campos para dar aos novos habitantes. Neste
caso, os lesados por ficarem pobres e dispersos, nunca poderão acarretar-lhe embaraços.
10

Note-se, dizia Maquiavel, que os homens devem ser suprimidos ou lisonjeados,


pois se vingam das ofensas leves, mas não podem fazê-lo das graves. Por conseguinte, a
ofensa que se faz ao homem deve ser tal, que o impossibilite de tirar desagravo.
Em sua opinião o exército e dispendioso e causa descontentamentos a uma gama
muito maior que a colônias, por isso, considerava-os inúteis. Quando se conquista um
pais acostumado a viver segundo as suas próprias leis e em liberdade, três maneiras ha
de proceder para conservá-lo : destrui-lo; ou ir morar nele; ou deixá-lo viver com
suas leis.
Sobre os novos Principados conquistados dizia: “Os Estados rapidamente
surgidos, como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem depressa, não
podem ter raízes e as aderências necessárias para a sua consolidação. – Extingui-los a, a
primeira borrasca, a menos que seus fundadores eram tão virtuosos que saibam
imediatamente preparar-se para conservar o que a fortuna lhes concedeu e lancem
depois alicerces idênticos aos que os demais príncipes construíram antes de tal se
tornarem.”
Segundo Maquiavel, existem ainda duas outras maneiras de um simples cidadão
chegar ao poder que não por meio da fortuna ou da virtude – através da pratica de ações
celeradas e nefastas ou favor dos outros concidadãos. Quando um cidadão chega ao
poder por meio da ajuda dos seus concidadãos, o principado pode ser chamado de civil e
para alguém governá-lo, não precisa Ter exclusivamente virtude ou fortuna, mas sim
astucia afortunada.
Quem chega ao poder com o auxilio dos grandes, tem maiores dificuldades do
que aquele que chega com o apoio dos vulgos. Desejo do povo e ficar livre de opressão
enquanto os grandes querem oprimir o povo.
Na sua opinião, o governo de um desses Estados começa a vacilar quando da
ordem civil passa a MONARQUIA ABSOLUTA.
Aconselha a que o príncipe deve fazer com que seus súditos necessitem sempre
do Estado e dele porque a ele se submeterão.

Anarquia versos Principados e República


Aliada a desordem, característica da natureza humana, existe a presença de duas
forças opostas em qualquer sociedade:
a) Não querer ser dominado nem oprimido pelos grandes;
b) os grandes querem dominar e oprimir.
11

Para Maquiavel só há dois caminhos que respondam à anarquia da natureza humana


e ao confronto entre os dois grupos sociais: O Principado ou a República.
A escolha de um ou de outro não é obra do acaso, mas recai sobre fatos e situações
concretas como se vê:
a) Nação ameaçada de deterioração, corrupção alastrada = necessita de um
governo forte que iniba as forças centrífugas = Principado – não
necessariamente um ditador, mas um estadista.
b) Sociedade equilibrada na qual o poder político cumpriu a função regeneradora
e educadora = República. As instituições são estáveis e os conflitos indicam
cidadania ativa.

Virtù X Fortuna
Virtù é, como vimos, energia, vontade dirigida para um objetivo.
Fortuna é sorte (boa ou má), acaso ou oportunidade (propícia ou desfavorável). No caso
do príncipe é o momento certo, antecipadamente calculado por ele; momento no correr
do tempo, porém o momento com certeza de êxito garantida pela perspicácia do
príncipe.
A crença na predestinação ou fatalidade dominava há muito tempo. A atividade
política era uma prática de homens livres, o homem como sujeito da história. Este era
um dogma contra o qual Maquiavel teria que lutar.
A fortuna era uma deusa que possuí-a os bens que o homem deseja possuir: honra,
riqueza, glória e poder. Era importante seduzi-la antes que outros o fizessem. Como era
deusa - mulher era necessário mostrar-se virtuoso, homem de inquestionável coragem.
Desta forma o homem que possuísse uma virtù no mais alto grau seria agraciado com a
fortuna. Maquiavel na sua obra O Príncipe monta um cenário para comprovar que é
possível se estabelecer uma aliança com a virtù, pois parece haver um sentido de
complementaridade e não de sobreposição.
O poder que nasce da própria natureza humana encontra sua base na força mas o
importante é a sabedoria no uso da força; ao governante para se manter no poder não
basta ser simplesmente o mais forte – ele deve possuir virtù para manter o domínio
adquirido.

A estratégia em O Príncipe
12

Como se deve medir as forças de todos os principados?


1) Deve-se verificar se o príncipe tem condições de oferecer resistência
sozinho a quem lhe ataca, isto é, dinheiro e exército para resistir.
2) Se necessita de ajuda alheia para defender seu trono, ou seja, refugia-
se dentro dos muros de sua cidade para defender estes.

Dos principados eclesiásticos


Para conquistá-los basta virtude e sorte e para conservá-los não necessitam nem
de uma ou outra coisa, pois as instituições religiosas são tão sólidas de tal natureza que
permitem aos príncipes manterem-se no poder seja qual for o modo de procederem ou
que vivem.
Diz-se que estes principados são os únicos seguros e felizes.

Dos soldados mercenários


Um príncipe para ter um estado forte é necessário que ele tenha um bom exército
e boas leis. As tropas mercenárias ou auxiliares são inúteis e perigosas, o rei nunca terá
tranqüilidade e nem segurança, pois elas são desunidas, ambiciosas, sem disciplina,
infiéis, corajosas diante dos amigos e covardes diante dos inimigos e sem temor a Deus.
Querem ser soldados do patrão enquanto ele não faz guerra, mas ao romper esta, querem
fugir ao compromisso.

Dos deveres de um príncipe para com a milícia


O príncipe não deve cultivar outra arte a não ser a da guerra juntamente com as
regras que ela requer para conservar seu estado. Por isso ele escreve que: “Manter
sempre forte seu exército, em sempre estar aliado a ele.”

Das coisas pelas quais um homem ou príncipe são louvados ou censurados


Faça o que for necessário para não cair em ruína o seu trono, mesmo que seja
censurado. Na escolha, do que se deve fazer, encontrará algo com aparência de virtude,
que cuja adoção lhe trará a ruína, e algo com aparência de defeito que o conduzirá a
uma situação de segurança e bem-estar.

De que maneira os príncipes devem cumprir suas promessas


13

Primeiro só deverá cumpri-las se forem benéficas. Saiba que existem dois modos
de combater: é pela lei ou pela força, não sendo muitas vezes suficiente a primeira
convém recorrer à segunda.
Um príncipe sábio não pode e nem deve manter-se fiel as suas promessas
quando extinta a causa a que o levou fazê-las. Este preceito não servia se todos os
homens fossem bons, como são maus por isso faltariam com a palavra que deram e nada
impede que venhamos faltar com a nossa também.
Justificativa para o não cumprimento da promessa feita. “Os homens em geral
formam suas opiniões guiando-se pela vista, do que pelo tato; vê o que parecemos ser, e
não sentem o que realmente somos.”
Os homens são tão simplórios e obedecem de tal forma as necessidades
presentes que aquele que engana encontrará sempre quem se deixe enganar.
É necessário a um príncipe que ele tenha um espírito pronto adaptar-se as
variações das circunstâncias e da fortuna e manter-se quanto possível no caminho do
bem, mas pronto igualmente a enveredar pelo do mal, quando for necessário.

Como se deve evitar o desprezo e o ódio


O príncipe deve em geral abster-se de praticar o que o torne malquisto ou
desprezível. O que acarreta ódio dos súditos é usurpar os seus bens e as suas mulheres,
pois os homens vivem contentes enquanto ninguém lhes toca nos haveres e na honra. O
desprezo incorre quando os seus governados o julgam inconstante, leviano e
irresoluto. Tem de ter o máximo de cuidado, esta reputação é perigosa, seus atos devem
ser de grandeza, coragem, austeridade e vigor. Como deve portar-se um príncipe para
ser estimado.
Torna-se estimado quando sabe ser verdadeiro amigo ou inimigo, isto é, quando
abertamente se declara a favor de alguém e contra outrem, é sempre melhor que manter-
se neutro. Deve mostrar-se também amante da virtude, premiando os homens que se
sobressaiam. Deve incutir nos seus súditos a idéia que poderão praticar seu ofício em
paz, seja no comércio, agricultura, ou qualquer outro, para que estes não criem outros
ramos de atividades para fugir dos impostos. “Idéia de Liberalismo.”
Deve distrair o povo com festas durante certas épocas do ano e manter o controle
sobre os grêmios ou corporações que divide a cidade. “Idéia de pão e circo.” “Futebol”.

Principados
14

“Território ou Estado cujo soberano é um príncipe ou princesa.” Podem ser


Hereditários ou Novos. Maquiavel não atribuía interesse aos Principados Hereditários,
pois são demasiados estáveis, demasiado fáceis, pois basta ao Príncipe “não ultrapassar
os limites estabelecidos pelos antepassados e contemporizar com os
acontecimentos”. As verdadeiras dificuldades, tanto para conquistar quanto para
conservar encontram-se nos principados novos.
Maquiavel propôs um código prático de anexação, devendo-se levar em conta na
avaliação o modo de governo, se é despótico (tirano), aristocrático (nobreza) ou se é
republicano (livre).
Maquiavel se move no domínio do fato, isto é a força, pois o triunfo do mais
forte sendo o fato essencial da história humana, e isto era bastante natural para
Maquiavel e seus contemporâneos, é um fato natural, banal.

O desejo de conquistar é sem dúvida algo de ordinário e natural, e todo aquele


que se entrega a tal desejo, quando possui os meios para realizá-lo é antes
louvado que censurado; mas formar o desígnio sem poder executá-lo é incorrer
na censura e cometer um erro [...]

Precisa-se ter forças para conquistar, assim como para conservar. A razão
primeira e última da política do príncipe é o emprego dessas forças de guerra. Para todo
Estado antigo, novo ou misto, “as principais bases são: boas leis e boas armas.” Não há
boas leis onde não há boas armas.
Boas armas, boas tropas, são apenas as que pertencem ao príncipe, compostas de
seus cidadãos, de seus súditos, de suas criaturas. Para Maquiavel existem quatro
maneiras de conquistar, as quais poderão corresponder à diferentes maneiras de
conservar ou de perder.
a) Conquista pela própria “Virtu” (energia, vigor, resolução, talento,
valor bravio e se necessário feroz);
b) Conquista pela Fortuna e pelas armas alheias;
c) Conquista pela Perversidade;
d) Conquista pelo Consentimento dos concidadãos.

Maquiavel interessa-se mais pelas duas primeiras maneiras. Os que se tornaram


príncipes pela própria “Virtu” e pelas próprias armas, conhecem muitas dificuldades
15

para conquistar e instalarem seus principados, para nele se radicarem, mas depois
encontram muita facilidade para conservá-lo.
Os Principados conquistados com as armas alheias, isto é, pela fortuna, a regra é
inversa: facilidade para conquistar, dificuldade para conservar.
É também possível tornar-se Príncipe por meio das perversidades: Para
Maquiavel existem dois tipos de crueldades: as bem praticadas e as mal praticadas. As
bem praticadas, são as que se cometem todas ao mesmo tempo, no início do reinado a
fim de prover a segurança do novo Príncipe. Parecem menos amargas, ofendem
menos. As crueldades mal praticadas são aquelas que se arrastam, se renovam, e pouco
numerosas no princípio se multiplicam com o tempo em vez de cessarem. Os súditos
perdem então o sentido de segurança.
Tenha o cuidado de ofender os impotentes se possível. Se é obrigado a ofender
os poderosos, seja radical na ofensa. A conquista pelo fator dos concidadãos exige
alguma fortuna e alguma “virtu”. Ora é o povo, ora são os grandes que assim constituem
um Príncipe.
O Príncipe elevado pelos grandes – que se julgam seus iguais, que são
insaciáveis, e aos quais não domina – encontra uma dificuldade em manter-se do que
um Príncipe elevado pelo povo.
O Príncipe elevado pelos grandes, contra a vontade do povo, deverá fazer tudo
para se reconciliar o quanto antes com o povo. Fica transparente a preferência de
Maquiavel pelo povo e sua hostilidade para com os grandes.
Maquiavel não se interessa por estes principados chamados de “civis” e nem
pelos Eclesiásticos, que adquirem pela fortuna, e para conservá-los não precisa nem de
fortuna e nem de “virtu”. Basta o poder das instituições religiosas.
Distinção entre os Estados a conquistar:
Despótico: Difícil de conquistar porque todos os súditos se agregam ao redor do
Príncipe e nada tem a esperar do estrangeiro. É fácil conservar, bastando para isso
extinguir a raça do Príncipe.
Aristocrático: Fácil de conquistar. Sempre tem descontentes prontos para abrir o
caminho para o estrangeiro. Difícil de conservar, pois não é possível satisfazer a todos
os grandes e nem extinguí-los de todo.
República: Difícil de manter. Existe um princípio de vida mais ativo, um ódio
mais profundo, um desejo de vingança muito mais ardente, causada pela lembrança da
antiga liberdade.
16

Maquiavel não consegue ocultar sua preferência, ternura e admiração pelos


governos livres. Os três meios para domar a liberdade republicana são:
a) Venha o Príncipe residir nas terras conquistadas para reprimir as desordens;
b) Governe o país conforme suas leis, pelos próprios cidadãos recebendo um
tributo.
c) O meio radical: destruir, aniquilar a antiga e incurável República.

Em o Príncipe
Maquiavel aproveitou a ocasião de mostrar o perfil de César Borgia, tipo de
príncipe novo, modelo de virtuosidade política, em oposição a Luís XII, príncipe
hereditário que acumula as faltas. O principal da obra está nos capítulos XV a XX, e que
constituem a essência do maquiavelismo. Subentendem-se os deveres do príncipe
cristão. O novo príncipe vive no seio do perigo, acompanhando-o dois receios:
1) o interior de seus estados e o proceder dos súditos;
2) o exterior e os desígnios das potências circundantes.

O príncipe deve aprender a não ser sempre bom, a ser ou não ser bom “conforme
a necessidade”. O príncipe deve conservar o seu reino. O autor está desiludido com ou
outros homens. Distingue perfeitamente o bem e o mal, e que até preferiria o bem, mas
que recusa fechar os olhos ante o que julga ser a necessidade do Estado, ante o que julga
serem as sujeições da condição humana.
Para um príncipe ser considerado liberal, generoso é bom, todavia ser
parcimonioso é um dos vícios que fazem reinar. Igualmente o príncipe deseja ser
considerado clemente, mas é a crueldade que restabeleceu a ordem e a união na
Romagna. Donde surge a questão clássica: Mais vale ser amado que temido, ou temido
que amado? É melhor ser temido. Porque? Os homens são ingratos. O vínculo do amor
rompem-no ao sabor do próprio interesse, enquanto o temor se conserva por um medo
do castigo, que jamais os abandona. Ser temido não significa ser odiado. Há uma
singela receita para evitar o ódio: é abster-se de atentar, seja contra os bens dos súditos,
seja contra a honra de suas mulheres.
Os príncipes que fizeram grandes coisas violando a sua fé, impondo-as aos
homens pela astúcia, é que acabaram por dominar aqueles que se baseavam na
lealdade. O príncipe deve escolher por modelo a raposa e o leão. Deve tratar de ser
simultaneamente a raposa e leão, pois, se for apenas leão, não perceberá as armadilhas;
17

se for apenas raposa, não se defenderá contra os lobos. Quando se é príncipe, pode-se
“deixar de encontrar razões legítimas para colorir a falta de cumprimento” do que se
prometeu.
O novo príncipe deve observar em jamais tornar poderoso outro príncipe, pois
seria trabalhar para sua própria ruína. Também o novo príncipe não se deve permanecer
neutro, pois os que abraçam esta posição quase sempre vão a ruína.
Somente um príncipe já sábio por si mesmo pode ser bem aconselhado. Deve
tomar conselho quando quer e não quando outros o querem. Jamais se deixar dominar
por aqueles que o aconselham. Um bom ministro é aquele que nunca pensa em si
mesmo, mas sempre no príncipe. Mas o príncipe também deve pensar neste seu
ministro, cumulando-o de riquezas, de consideração, de honras e dignidades, para que
receie toda mudança.

O Segredo de Maquiavel.
Nos últimos 03 capítulos de O Príncipe (sobretudo no XXVI), Maquiavel revela
seu grande segredo: A Itália. Um violento amor da pátria despedaçada, subjugada e
devastada. O sonho de um libertador, de um redentor da Itália atormenta Maquiavel.
No capítulo XXIV, manifesta Maquiavel seu desprezo aos príncipes italianos, tais como
o rei de Nápoles, o Duque de Milão, que, após uma longa posse, perderam seus
Estados. No último capítulo (XXVI), diz o autor que na Itália, nunca as circunstâncias
foram tão favoráveis a um príncipe novo que queira “tornar-se ilustre”.

O Destino da Obra
Lourenço de Médicis recebeu O Príncipe em manuscrito. Não lhe dispensou
atenção alguma. Nas mãos de contemporâneos onde circulou o manuscrito, o interesse
foi medíocre.
A partir de 1519, recupera Maquiavel certo favor dos Médicis, mas devido sua
reputação de funcionário prudente, de hábil político, e não por causa de O Príncipe.
Recebe uma pensão para escrever a sua História de Florença. Em 1527 os
Médicis são de novo expulsos de Florença, restabelecendo-se a República, e a 22 de
junho de 1527, aos 58 anos de idade, Nicolau Maquiavel falece, vítima de males
intestinais.
Quatro anos após sua morte, O Príncipe é publicado, com um breve de
autorização do Papa Clemente VI (1531); a edição é dedicada a um cardeal.
18

Inicialmente inofensiva, as edições vão se multiplicando. A Renascença pagã.


sucedeu a Reforma protestante, que obrigou a própria Igreja a reformar-se
interiormente. Assim o livro de Maquiavel achou-se envolvido nos turbilhões de vastas
contendas. O Cardeal - Arcebispo de Canteerbury, Reginald Pole, católico, julga O
Príncipe escrito “pela mão do Demôniuo”. Em1557, o escrito indigno e celerado
denunciado pelo Papa Paulo IV; é condenado pelo Concílio de Trento, e muitas outras
acusações. Também os protestantes abominam Maquiavel como jesuíta. Os jesuítas o
denunciam à indignação católica.
Porém os soberanos e primeiros ministros, apaixonados do Poder, fazem de O
Príncipe, breviário do absolutismo, o livro de cabeceira. Por volta de 1738, Frederico,
príncipe real da Prússia, compõe um Antimaquiavel, homenagem de um “filósofo”, de
um futuro “déspota esclarecido”, ao idealismo político, ao otimismo do século. Mas
Maquiavel, “simulando dar lições aos reis, deu grandes lições aos povos”.
Napoleão aparece a seus inimigos, como a realização mais perfeita do príncipe.
Maquiavel tem direito à mais fervorosa gratidão da Itália unificada de 1870, e dos
democratas do mundo inteiro. Na segunda guerra mundial, julgou-se a derrota de Hitler
como a derrota de Maquiavel. Mas a derrota de Hitler é em grande parte a vitória de
Stalin. No entanto, a força corrosiva do pensamento e do estilo de Maquiavel
ultrapassaram, de infinita distância, o objeto do momento. Por ter realçado tão
cruelmente o problema das relações entre a política e a moral; por ter concluído, em
uma cisão profunda, uma irremediável separação entre elas, O Príncipe atormentou a
humanidade durante quatro séculos. E continuará a atormentá-la, senão eternamente”,
como se disse, - ao menos enquanto essa humanidade não tiver analisado inteiramente
certa cultura moral, herdada, no que diz respeito ao Ocidente, de alguns Antigos
célebres, e, sobretudo, do cristianismo.

You might also like