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HomoTaganus

(Africanos em Portugal)

CONCHEIROS DE MUGE

O AUTOR
DR. CORRÊA MENDES
… não é nem neandertaliano, nem cro-
magnoniano, nem de raça Chancelade, nem do
tipo de Baumes-Chaudes, nem idêntico ao
mediterrâneo ou ao tipo médio português actual.

É um tipo que tem caracteres negróides (...),


alguns australóides (...) e mesmo uma estatura
baixa, aproximando-os dos pigmeus africanos.
Dos tipos quaternários da Europa, seria o proto-
etiópico Homo aurignacensis o que com ele mais
semelhanças possuiria ...

( MENDES CORRÊA)
1924:
A PROPÓSITO DO “HOMO TAGANUS”
(AFRICANOS EM PORTUGAL)

Pelo Doutor A. A. Mendes Corrêa


(António Augusto Esteves Mendes Corrêa)
* 1888-1960 *

* Prof. da Faculdade de Ciências da Universidade


do Porto, director do Instituto de Antropologia
* Fundador do Museu Antropológico do Instituto
de Antropologia da Universidade do Porto
1936

• Cópia do Artigo Original publicado no Boletim da Junta


Geral do Distrito de Santarém – Ano 6º Nº 43 – Ano de
1943

Copiado por:

JOSÉ GAMEIRO
(José Rodrigues Gameiro)

Dezembro de 2010
*Publicado em PDF – Online
http://historiadesalvaterra.blogs.sapo.pt
INTRODUÇÃO
Um dia, na minha juventude, sendo colaborador
no semanário “Aurora do Ribatejo”, com sede na
vizinha vila de Benavente, pretendi escrever um
artigo sobre o antigo boticário, Albano Gonçalves,
pois ouvia a população mais antiga, falar dele com
muito carinho. Fiz as necessárias pesquisas, e entre
algumas publicações, encontrei no livro “ANAIS DE
SALVATERRA” uma transcrição de um trabalho
jornalístico, assinado por Alberto Caldeiron.
Este, era um pseudónimo de Albano Gonçalves,
que além de boticário, tinha tido alguma actividade
social, indo ao desempenho da função de vereador
municipal. Na sua actividade de cronista, descreveu
a recepção em Salvaterra de Magos, dos
Congressistas, ao XI Congresso de Antropologia,
quando visitaram as estações dos “Concheiros em
Muge”. O primeiro destes achados, foi no Arneiro
do Roquette, seguindo-se dois outros; um na Quinta
da Sardinha, e um outro no Paul de Magos, quando
ali se arroteavam os terrenos. Qualquer destes
achados, foram dados como perdidos.
Em 1863, com os achados, em Muge, começa o
registo da sua cronologia histórica, iniciada pelo
Arqueólogo, Carlos Ribeiro, quando estudou os
terrenos terciários, do Vale do Tejo. Mais tarde,
nos anos 30, do século XX, uma outra equipa,
chefiada pelo Dr. A. A. Mendes Corrêa, deu-lhe
continuidade. Este distinto antropólogo, da
Faculdade do Porto, no século XX, estudou muitos
achados antropológicos nos pais, destacando-se nas

1
décadas de 50 e 60, as suas deslocações a Muge,
onde trabalhou na identificação das ossadas
encontradas nas “Estações dos Concheiros”.
Mendes Corrêa, deixou muitos trabalhos escritos
sobre as suas investigações, como é o caso “HOMO
TANGANUS” – Africanos em Portugal, texto
publicado no Boletim da Junta Geral do Distrito de
Santarém, editado em 1936.
Desde Mendes Corrêa, outras equipas, com
assiduidade, têm dedicado aos “Concheiros de
Muge”, e a outras parcelas de terreno ali próximas,
atenções especiais, na identificação de pedras – a
pedra lascada (sílex), usada pelo homem no período
paleolítico.
Tendo em meu poder um exemplar daquela
edição da Junta Distrital, desde 1970, achei por
bem aqui transcrever aquele artigo, para que não se
perca, tão importante legado, tentando deixar ficar
uma cópia fiel das intenções do autor, nas suas
palavras usadas na primeira metade do séc. XX.

José Gameiro
(José Rodrigues Gameiro)

2
Por várias vezes, na bibliografia antropológica,
se tem falado na existência de elementos de
caracteres «negróides» na população pré-histórica
de Portugal.
Essas referências dizem especialmente respeito
aos humildes núcleos de pescadores e caçadores
que na época «mesolítica» (1), (ou seja numa época
intermediária entre a idade da pedra lascada ou
«paleolítica” e a idade da pedra polida ou
«neolítica») levavam uma existência sedentária,
pobre e atrasada, nas margens da Ribeira de Muge
e o Paul do Duque (2). Essas alusões a negróides
pré-históricos do país têm suscitado discussões no
campo científico por um legítimo e indispensável
cuidado de averiguação da verdade, embora
reflectindo-se em tais debates, mais ou menos,
critérios e orientações gerais, diversos de autor para
autor, em matéria de sistemática antropologia.
As divergências existem, porém, menos quanto
aos «factos» do que em relação à «interpretação»
destes.
É o que não compreendem ou não querem
compreender alguns indivíduos deficientemente
informados sobre o estado actual da ciência
antropológica e sobre as possibilidades desta na
análise étnica, ou mesmo guiados por intuitos de
simpatia ou animosidade pessoal, estranhos ao
domínio puro e sereno da objectividade científica.
Por menos importância que, perante os cientistas
idóneos, tenham – como têm – as opiniões

3
«opiniões» desses indivíduos, o público de boa-fé,
ser devidamente esclarecido, tanto mais que os
debates chegaram a ultrapassar os limites das
publicações estritamente científicas e a encontrar
ecos, nem sempre felizes, na imprensa noticiosa.
Além disso, há uma susceptilidade especial dos
portugueses perante tudo o que possa dar a
impressão de que na sua etnogenia entraram, em
forte contingente elementos nigríticos. A verdade é
que, com frequência, surge esta afirmação, da parte
de certos estrangeiros tendenciosos ou mal
informados.
Do século XVIII para o século XIX dois
alemães, visitantes do nosso país, LINK e
HOFFMANSEG, surpreendiam-se por encontrarem
em Portugal apenas negros, mas, ainda com
exagero, atribuíam a estes uma parte importante na
demografia portuguesa. Em 1900, RIPLEY, no seu
livro «Races of Europe», admitia na «raça
mediterrânea» (na qual incluía os Portugueses)
«uma distinta embora distante afinidade», em
certos caracteres (3), com o negro!
O ilustre iberólogo de Erlangen, A. SHULTEN, no
1º volume da sua obra monumental sobre
Numância (4), afirma a existência de afinidades
físicas entre os antigos Iberos (de que os Lusitanos
seriam na sua opinião, um ramo) e os Líbios,
antepassados dos actuais Berberes.

Sem que considere uns e outros como


verdadeiros negros, retrata-os de cabelos pretos
retintos e encrespados. Lábios espessos e nariz

4
achatado e diz que estes caracteres, «alguma coisa
directamente de negróide», aparecem ainda hoje na
Península, sobretudo nas regiões montanhosas,
«onde se conservam os restos das antigas raças».
Conservamos uma carta de PAPILLAULT, em que
o saudoso antropólogo francês nos dizia que
durante a Grande Guerra, os Portugueses passavam
na «entourage» do Imperador Guilherme II, como
negros ou mestiços.
Num estudo sobre a mancha azul congénita,
publicado em 1927, NILS LARSEN e STWART
GRADFREY (5) sem incluírem os Portugueses do
Hawai entre os negros, separavam-nos, entretanto
dos Brancos (Whites)…
Algumas cartas antropológicas publicadas na
Alemanha indicam no nosso território localizações
negríticas ou negróides. Mas com maior
desenvoltura procedeu o antropólogo oficial do
hitlerianismo, GUNTHER, escrevendo passagens
como esta(6): «Portugal apresenta, em consequência
da importação antiga de escravos africanos, uma
influência especialmente significativa. Hoje uma
política feita principalmente pela França constitui
pata toda a Terra um aumento do perigo negro.
Pela concessão de direitos civis e de postos de
oficiais aos negros, a França trá-los para a sua
influência. Ainda não se podem prever as
consequências duma tal política.

«Portugal – continua GUNTHER – possui, como a


Espanha, uma população de tipo acentuadamente
ocidental (GUTHER, designa deste modo a raça

5
mediterrânea ou Ibero-insular doutros
antropologistas)… Pelo contrário, parece separar os
Portugueses da Espanhóis ocidentais uma
influência forte de sangue de negros, já
reconhecível em Espanha…»
E, como se achasse pouco o que fica transcrito, o
autor alemão, em nota, acrescenta ainda que a
influência negra em Portugal é tão forte que os
indígenas da África ocidental consideram os
Portugueses quase como seus iguais e os respeitam
muito menos do que outros Europeus.
Assim, os Suacheli, por exemplo, quando
querem indicar a totalidade dos Europeus, dizem:
os Europeus e os Portugueses. Como já escrevi a
tal respeito, este professor alemão ignora que os
Portugueses ocupam para esses povos um lugar
especial por terem sido, dos Europeus, os primeiros
a entrar em relações com eles.
Já o explorador LIVINGSTONE, querendo impor a
prioridade das suas explorações sobre os Lusitanos,
dizia que os Portugueses com que ia deparando no
seu caminho, tinham escurecido tanto que se não
distinguem dos negros…
Os antropologistas portugueses têm debatido com
factos incontestáveis, estas e outras asserções. Os
índices e ângulos do prognatismo, a coloração
cutânea, a forma dos cabelos, o índice nasal, várias
proporções do corpo (entre as quais os índices ante-
braquial e tibiofemoral) alguns índices do sacro, do
osso inominado, do fémur, etc., as percentagens
dos diferentes grupos sanguíneos e outros factos (7),
não autorizam uma especial aproximação

6
antropológica dos Portugueses com os negros,
antes o conjunto dos caracteres os inclui sem
hesitação no bloco dos Europeus em geral.
Decerto aparecem no território metropolitano,
mas esporadicamente, alguns mulatos, alguns
negróides, mesmo um ou outro negro. Seria de
admirar que tal não sucedesse, tratando-se dum país
que possui um império colonial como o nosso e tão
estreitas relações com o Brasil, para onde os
Portugueses transportaram um numeroso
contingente de negros africanos e onde ainda hoje
existe uma tão grande proporção de negros e
mulatos (8).
Mas o que é efectivamente de surpreender é que,
tendo havido também uma grande importação de
negros para Portugal, eles não tivessem exercido
aqui papel demo-génico muito mais importante do
que exerceram.
Ao querer reconstituir o passado etnológico do
país, mais uma vez se verifica o que dizíamos em
1922 (9); A Antropologia e a História auxiliam-se
mutuamente; aquela requere muitas vezes o
concurso desta. Precisamente a propósito da
etnografia Ibérica, o ilustre antropólogo suíço Prof.
PITTARD, escrevia dois anos depois no seu belo
volume «Les races et L´histoire»10);
«A colaboração da Antropologia e de História
aparece necessariamente na Ibérica».
Cada vez se torna mais evidente a ingenuidade
dos antropólogos de há cinquenta anos que, de
compasso em punho, supunham poder resolver com

7
algumas dezenas de mensurações os mais
complicados problemas etnogénicos…

***

Sem falarmos por agora em relações pré-


históricas entre a África e a Península e em
possíveis infiltrações negróides dessas épocas
remotas na população peninsular, notemos a
multiplicidade de oportunidades históricas em que
essas infiltrações podiam ser-se dadas, e se deram
mesmo muitas vezes. Nos exércitos cartagineses
que vieram à Península, e acompanhando
porventura aqui os mercantes púnicos, não
faltariam, por entre os norte-africanos brancos.
Alguns exemplares mais ou menos negróides, ou
mesmo caracterizada mente negros. Di-lo TITO
LÍVIO, falando das tropas de ASDRÚBAL (11).
As relações dos Lusitanos com o norte de África
durante as guerras viria tinas são conhecidas. As
hostes lusas levaram os seus «raids» não apenas à
Bética, mas além do estreito(12). SERTÓRIO, mais
tarde, vem de África, chamado pelos Lusitanos (13).
Não é de estranhar que nas duas ocasiões
houvesse importações interessantes no nosso ponto
de vista.
O estudo, a que há anos procedemos, da
iconografia das moedas mais antigas da Península,
não forneceu um tão grande número de figuras
peninsulares de cabelos crespos que possa
generalizar-se a todos os Hispanos, como se tem
feito, esse carácter, evocando-se os trechos em que

8
Marcial, hispano, se dizia de cabelo encrespado e
TÁCITO falava em «torti crines» nos Iberos.
É mesmo uma pequena minoria a dessas figuras,
aliás naturalmente definidas com reserva no ponto
de vista antropológico(14). Desde o começo do
século II regista a história invasões de Moiros no
território peninsular, algumas delas, como no
tempo de MARCO AURELIO, atingindo a Lusitânia
(15). É ocioso recordar o papel etnográfico que teria
tido a ocupação árabe-berbere, a partir do século
VIII. A amplitude das conquistas muçulmanas
introduziu, sem dúvidas, entre os elementos que
vieram à Península, alguns de origem mais ou
menos nigrítica. Quem sabe se muitos escravos
mouros, de que há notícia no nosso país já no
tempo da monarquia não seriam
somatologicamente, negros ou afins destes!?

Note-se que os antigos autores portugueses não


chamavam mouros apenas a indivíduos de raça
árabe ou berbere, mas também a indivíduos não
caucasóides, mesmo a negros mais ou menos
caracterizados, que professavam o islamismo.
Do líbio branco ao negro retinto havia e há, uma
série de gradações intermediárias.
Mas seguramente, a mais intensa e notória
penetração de elementos nigríticos em Portugal
inicia-se com os descobrimentos e as conquistas
portuguesas do século XV e seguintes. AZURARA,
dá-nos a emocionante descrição da partilha da
primeira leva de escravos aprisionados pelos
emissários do Infante na terra dos Azenegues,

9
portanto, possivelmente, ainda não todos negros,
visto que os Azenegues eram Berberes (16).
Mas já anteriormente os Portugueses haviam
aprisionado negros, entre os Mouros. Em 1425,
segundo AZURARA, a tomada duma barca de
Mouros, à vista de Larache havia-lhes
proporcionado a captura de 53 Mouros e 3 Mouras
«negros» (17). CADAMOSTO, também se refere ao
tráfico de escravos negros no porto de Arguim,
onde os Árabes os vendiam aos Portugueses, como
noutros pontos os vendiam a outros povos da
Europa (18).
Com o avanço das nossas explorações na costa
africana, a importação de negros, naturalmente,
aumenta. CADAMOSTO, calculava em 700 a 800 os
escravos trazidos de Arguim em cada ano, mas
AZURARA avaliava apenas em 927 os vendidos
desde o inicio das explorações do Infante até 1448
(19). Entretanto, o número sobe e só João do Porto,
almoxarife dos escravos vindos da Guiné, recebeu
de 1486 a 1493, nada menos de 3.589 escravos
daquela procedência(20). O país vai-se enchendo de
indígenas das colónias. Em 1535, NICOLAU
CLENARDO escreve «Os escravos pululam por toda
a parte. Todo o serviço é feito por negros e mouros
cativos. Portugal está a abarrotar com essa raça de
gente. Estou quase em crer que só em Lisboa há
mais escravos e escravas que Portugueses livres de
condição. Raro se encontrará uma casa onde não
haja pelo menos uma escrava destas…» e noutro
lugar: «Mal pus pé em Évora, julguei-me
transportado a uma cidade do inferno, por toda a

10
parte topava com negros, raça por que tenho uma
tal aversão que eles só por si bastariam para me
fazer abalar daqui». Esta repugnância não o
impediu de tomar também três escravos…(21).
Da «Miscelânea, de GARCIA DE RESENDE, é bem
conhecida a passagem seguinte, muito significativa:

«Vemos no Reyno meter


Tantos captivos crescer,
E irense hos naturaes,
Que se assi for, seraõ mais
Eles que nós, a meu ver».

GIL VICENTE, não se esquece dos escravos


negros e mouros, ao retratar os tipos sociais do seu
tempo. O fidalgo enriquecido da Índia passeava
faustosamente na rua Nova, regista OLIVEIRA
MARTINS(22), sendo acompanhado por oito
escravos negros, dois que serviam de batedores, um
terceiro que levava o chapéu de plumas e fivelas de
brilhantes, um quarto que era portador do capote,
um quinto que segurava a rédea da mula, um sexto
ao estribo, um sétimo de escova em punho para
afastar as moscas e varrer o pó, um oitavo que
levava a toalha para limpar o suor da besta…
O admirável escritor que OLIVEIRA MARTINS,
recorda também o depoimento de Clerardo sobre a
depravação dos costumes, para a qual concorriam
as «manadas de escravos», cuja criação era mesmo
fomentada inteiramente pelos donos e cuja
proliferação era grande, em contraste com a
diminuição da população livre (23) .

11
Poderiam reproduzir–se outras passagens de
vários autores sobre a abundância de africanos em
Portugal nos séculos XVI e XVII. Mas ainda no
século XVIII essa abundância era sensível. Sobre
um fundo inegável de verdade OLIVEIRA MARTINS,
fala assim desta época: «Os escravos, repugnante
legado da descoberta da África e do domínio
ultramarino, punham na sociedade uma mancha
torpe, e na fisionomia das massas borrões de cor
negra, pelas ruas e praças da capital. Tinham-se e
tratavam-se como gado. Criavam-se rebanhos de
mulheres para crias, porque um pretinho novo,
desmamado apenas, já valia 30 a 40 escudos. As
negras saiam ser fecundas e inchavam as casas de
negrinhos e mulatinhos, como diabos, chocadeiros,
ladinos: quem não gostaria deles? E depois não
eram bem gente, não havia receios com esses
animalinhos»(24). Surgiam, por intermédio dos
escravos, os contactos das famílias com «as
curiosidades picantes da plebe das ruas», com os
namorados, com as ciganas ledoras da «buena-
dicha», com contrabandistas, benzedeiros,
adivinhos, com todo um mundo vago e impuro em
que o interesse, a luxúria, o beatério, a mentira, o
vício a aventura se enovelam e confundem, com os
seus perigos e enredos. Das intimidades com os
jovens negros ou mulatos não raro provinham em
famílias ilustres, comprometedoras nódoas
pigmentares, estranhos cabelos encrespados, que
em vez de atavismos remotos da raça, denunciavam
cruelmente inquinações recentes de respeitáveis
estirpes fidalgas… (25).

12
******
O que nos surpreende como já dissemos, é que
apesar de tantas infiltrações, historicamente
averiguadas, de sangue africano na população
portuguesa, esta se encontra hoje quase
absolutamente isenta de sinais de que tais
contaminações tenham perdurado na somatologia
respectiva. Decerto ainda alguns africanistas trazem
hoje das colónias proles suas, reveladoras de
ligações mestiças. Alguns crioulos e negros vêem
até Portugal. Subsistem, entre nós, em raras
famílias ou mesmo nalguns lugares (como, segundo
Leite de Vasconcelos (26), em S. Romão do Sado e
noutros pontos do concelho de Alcácer do Sal)
alguns espécimes de mulatos, de cor mais ou
menos carregada, cabelo encarapinhado (27), nariz
platírrinico. Mas nem a antropologia metódica, nem
a simples observação superficial, conduzem a
admitir uma apreciável influência negróide na
etnogenia portuguesa. A nossa população é, em
conjunto, de tipo físico caracterizadamente
europeu. A proporção de negróides, mulatos ou
negros que – esporadicamente - se registam entre
nós, está muito longe de se aproximar da que se
verifica, por exemplo, no Brasil.

Em 1914, D. G.DELGADO (28) baseava-se nos


resultados obtidos nos Portugueses por
MASCARENHAS de MELO e FELISMINO GOMES,
relativamente aos índices nasal e do prognatismo

13
(29), para evidenciar a ausência, na nossa gente,
duma forte dosagem de sangue negro.
Mostramos, mais tarde, pela nossa parte, que o
mesmo se dava relativamente a outros caracteres
antropológicos (30), e explicámos a ausência de
vestígios profundos das sabidas mestiçagens por
várias razões,: regresso ao tipo numericamente
predominante, excessiva diluição neste, a maior
proporção de mulheres brancas em relação aos
homens brancos, e até a resistência natural ao
cruzamento (31). Poderíamos admitir ainda uma
certa disgenesia dos mestiços (32), a acção duma
selecção social sobre estes e sobre os negros, e até
que a prolificidade dos escravos tenha sido
exagerada pelos autores.
Não nos ocuparemos agora de averiguar até que
ponto caberá considerar efectiva qualquer das
razões expostas. Limitar-nos-emos à última. Como
nas prostitutas, os excessos sexuais de que eram
vitimas muitas escravas, não seriam propícias à sua
fecundidade.
No Brasil tem-se verificado o aumento rápido da
população branca em relação à de cor, mas, como
notou OLIVEIRA VIANNA, o facto pode ser também
atribuído à imigração constante de novos elementos
brancos (33).
O mesmo eminente antropolosociólogo
brasileiro, sobre uma estatística de 1825, fornecida
por ESCHWEGE, a respeito da população de Minas
Gerais, punha em evidência a grande diminuição de
natalidade dos negros escravos (2,91%) e o
considerável aumento da mortalidade dos negros e

14
mulatos escravos em relação aos livres. É uma das
formas da selecção social a que nos referimos.
Outra forma desta selecção é a resultante dos
chamados preconceitos psico-sociais que visam a
população de cor, e das más condições morais e
educativas em que geralmente esta vive, quando
imersa no seio de populações brancas, que tantas
vezes são hostis (34).

15
******

Ao falar na pretensa influência «forte» de sangue


de negros em Portugal, o já citado GUNTER
pergunta se ela vem da invasão árabe, dos escravos
ou da remota idade paleolítica. Vimos que, por
mais repetidas e importantes que tenham sido as
infiltrações africanas na Península nos tempos
históricos, elas não deram à nossa população uma
fisionomia da dos Europeus em geral. Não há,
portanto motivo para as susceptilidades a que nos
referimos no inicio deste artigo, ao falarmos
também da existência de análogas infiltrações nos
tempos ante-históricos. A verdade é que nem umas
nem outras deixaram sinais profundos na
morfologia da população actual.
Cuidados agora apenas da morfologia.
Naturalmente nos pontos de vista psicológico,
religioso, etnográfico, social, linguístico, etc.,
haveria largas considerações a fazer, mas elas não
cabem nos limites dum breve artigo como este. Na
verdade, porém, até o Brasil moderno é
intermediário na transmissão à nossa gente de
certas tendências psico-sociais, que, assim são
menos relíquias das antigas penetrações africanas
no país ou os vestígios de remota comunidade
racial, do que os resultados de importações
indirectas por via sul-americana.
No antroponomástico, na toponímia, na língua,
na música (execrável fado!...), em superstições,
nalgumas atitudes psicológicas, aparecem em
Portugal, aqui e ali, influências africana, directas ou

16
indirectas. Mas, embora julgando legítimo
continuar a adoptar, em vez da formula anti-
peninsular de que a África começa nos Pirenéus, a
que a Europa acaba no Saará, e embora
reconhecendo que as afinidades étnicas dos povos
da Europa meridional com os do Norte de África
não implicam a sua separação antropológica e
etnográfica do grupo europeu, devemos reconhecer
que algumas das referidas influências são
manifestamente negróides ou nigrítícas – e
relativamente modernas.
Recuemos, entretanto, à pré-história e
procuremos na antropologia portuguesa
documentos que possam relacionar-se com o
assunto. Eles são escassos e, dificilmente, se
poderão amplificar de modo a estabelecer com
segurança identificações definitivas. O esqueleto
fornece caracteres antropológicos interessantes,
mas já vai longe a época em que se supunha
possível ir com segurança além da definição de
meia dúzia de formas mais marcantes.
Grandes séries actuais proporcionam–nos
inúmeros casos individuais em que essa definição
seria impossível… se não se conhecessem de
antemão a proveniência das séries. Que dizer dos
documentos osteológicos de remotas eras, tantas
vezes, quase sempre, reduzidos a escassos
fragmentos, relativamente aos quais as minúcias
técnicas e dedicadas do estudo antropológico
contrastam com a penúria flagrante das conclusões
positivas desse estudo, interessantes para uma
rigorosa identificação étnica?!

17
Com estas necessárias reservas, esbocemos uma
sumária resenha retrospectiva dos documentos pré-
históricos que têm sido ou podem invocar a
propósito do assunto.
Já falámos da nossa tentativa de reconstituição
antropológica da população do território português
na idade do ferro, tentativa baseada em elementos
iconográficos, como figurações humanas em
moedas, esculturas, etc..
As relações com o sul e levante espanhol e com
o norte de África nessa época são documentadas
por achados arqueológicos numerosos, sobretudo
do sul do pais e de entrepostos costeiros.
Nalguns documentos iconográficos referidos
notam-se esporadicamente caracteres somáticos
mais ou menos negróides, mas a quase totalidade
das figurações susceptíveis de estudo (porque
muitas são tão rudes e imperfeitas que não
permitem qualquer identificação étnica) são
caucasóides, europeias. O recurso àquela
iconografia tão precária tornara-se necessário pela
falta de restos osteológicos – destruídos pela
incineração, prática corrente naquela época.
Na necrópole de Alcácer do Sal, as belas
explorações de VIRGILIO CORREIA alcançaram,
porém, isolar alguns escassos fragmentos ósseos,
que haviam escapado à cremação e à acção
destruidora do tempo. Ora, nesses fragmentos,
entregues pelo eminente arqueólogo ao nosso
exame, havia, em um ou dois exemplares,
prognatismo.

18
Este não é um carácter necessariamente
demonstrativo de parentesco negróide, mas pode
sê-lo. É mais segura a origem africana de alguns
objectos arqueológicos daquela importante
necrópole. Não faltam documentos arqueológicos
que permitem para épocas anteriores relacionar de
certo modo a Península com o norte de África.
A cultura de Almería, do eneolítico(35),
denunciaria, por exemplo, segundo o autorizado
parecer de BOCH GIMPERA, penetrações étnicas do
N. de África na Península Ibérica. Os poucos restos
osteológicos neo-eneoliticos portugueses até hoje
estudados não autorizam a presumir que essas
penetrações se tenham traduzido na população
daquela época no nosso território por uma marcada
tendência negróide. Verifica-se, aqui e ali, um ou
outro caso de prognatismo, alguns índices nasais
não leptorrínicos, mas a maioria dos exemplares
susceptíveis de estudo é ortognata e o índice nasal
não sobe até à platirrinia dos negros (36).
Infelizmente, repetimos, os restos estudados são
muito escassos e fragmentares, para conclusões
definitivas.

****

O estudo dos restos esqueléticos mesolíticos de


Muge que, sem serem tão numerosos e tão bem
conservados como seria para desejar, representam,
no entanto, já uma importante série de antropologia
pré-histórica, forneceram elementos que
permitiram distingui-los, antropologicamente do

19
tipo médio português actual – distinção que
nenhum antropólogo pode objectivamente deixar
de fazer, embora sem que isso signifique o
estabelecimento formal da impossibilidade duma
evolução dum tipo para outro.
Ora, entre esses elementos, registam-se
sobretudo a ausência, até agora verificada, de
leptorrínicos, a presença apenas de um ortognata
em 4 exemplares cujos índices e ângulos de
prognatismo poderam ser determinados, a
existência de proporções dos membros (sobretudo
do importante índice ante braquial) que afastam os
mesolíticos de Muge do bloco europeu e dos
Portugueses actuais por nós estudados em tal ponto
de vista. QUATREFACES falara duma «raça de
Mugem» ou «raça de cão» a propósito do tipo
humano predominante em Muge. É que na fauna
destas estações encontrava-se o cão, embora talvez
não no estado doméstico. HERVÉ, chegara a falar
em neandertaloidismo, o que é, porém, inaceitável.
ANTÓN, incluía os crânios dolicocéfalos (estritos e
alongados) de Muge na raça fóssil de Alhama, que
dizia quarternária e construir a transição entre o
tipo de Neandertal e o de Cro-Magnon. PAULO e
OLIVEIRA assimilava o dolicóide de Muge a este
último, opinião que recentemente seria retomada
por VALLOIS. Também foi feita a aproximação com
a «raça de Laugerrie-Chancelade» - associação
discutível esta raça» - pelo citado e saudoso HERVÉ.
Mas, FONSECA CARDOSO, unia antes o tipo
dolicocéfalo dominante de Muge à raça neolítica
francesa de Baumes–Chaudes, e fazia dessa

20
heterogénea «raça de Baumes Chaudes-Muge» a
estirpe da moderna raça mediterrânea.

AURELIO DA COSTA FERREIRA, que entroncava


também o português actual no homem dos
concheiros mesolíticos do vale do Tejo, fora
convidado por HERVÉ, a examinar de novo a série

craniológica destas estações, já sob a influência da


descoberta, por VERNEAU, dos «negróides» de
Grimaldi (descoberta que intensificou a pesquiza de
negróides pré-históricos). Logo isola um exemplar
«negróide» em Muge, opinião que Hervé adoptou,
generalizando-a por último, mais ou menos

21
categoricamente, à forma humana ali dominante
(37). Há cerca de 20 anos, iniciamos a revisão,
perante os achados osteológicos de Muge, das
variadas opiniões emitidas a seu respeito, e desde
logo assentamos, quanto ao tipo dominante – único
de que nos ocupamos neste artigo (38) – na sua
diversidade em relação aos tipos de Neandertal,
Cro-Magnon, Chancelade, Baumes-Chaudes, e
mediterrâneo e português actual.
Aproximámo-lo, «sem o identificar», dum grupo
de raças australóides de origem presumivelmente
equatorial, e sobretudo dum tipo protoetiópico, que
GIUFFRIDA-RUGGERI, definira sobre o chamado
«H.aurignocensis» de Cambe-Capelle»(39).
Sucessivamente, fomos precisando as nossas
ideias a tal respeito. Em 1923 publicamos na
«Revue Anthropologique» um artigo(40), em que
apresentávamos os resultados das nossas
observações as quais iam ampliar as de Paula e
Oliveira. Demos alguns caracteres descritivos e
métricos de exemplares a que este, quando muito
apenas se referira de passagem, e juntamos as
descrições de outros espécimes feitas por Paula e
Oliveira alguns novos elementos, como o índice
facial de Kollmann, o índice de prognatismo, e o
ângulo facial de Rivet, que o antropólogo português
não determinara nos seus estudos de há quase meio
século, mas hoje são correntemente adoptados.
Confirmamos nesse trabalho, como noutros
subsequentes (41), a separação feita do dolicóide de
Muge em relação às formas já indicadas e a sua
aproximação--não identificação (acentuamos

22
sempre este pormenor) — com o tipo paleolítico de
Combe-Capelle («H.aurignacensis» de Klaatsch ou
«protoetiópico» de Giuffrida-Ruggeri) e com um
bloco de raças por este último autor consideradas
de origem equatorial e como compreendendo, além
do tipo de Combe-Caplle, a raça negróide de
Grimaldi, também paleolítica, etc.
O tipo predominante em Muge possuía –
escrevemos nos «Povos primitivos» (42)– caracteres
Negróides (meso-platirrinia, tendências prognatas
de muitos exemplares, etc.), australóides, fraca
capacidade araneana, índice ante-braquial alto,
nalguns exemplares fronte oblíqua, etc.) e uma
estatura baixa – não pigmêa, mas um tanto
pigmoide.
Os pontos de vista expostos foram admitidos e
aceites por muitos especialistas autorizados.
O venerando mestre Prof. BOULE acolheu em
termos muito lisonjeiros a nossa primeira memória
sobre o assunto (43), mas, em «Les hommes
fossiles» (44), continuou exprimindo o parecer de
que se tratava de muito antigos representantes da
raça mediterrânea, embora com alguns caracteres
etiópicos.

GIUFFRIDA-RUGGERI(45) concordou plenamente


com a distinção do homem de Muge em relação ao
de Cro-Magnon e com a aproximação com o de
Combe-Capelle e com o bloco referido, suposto de
origem equatorial. No seu livro «Su L`origine del
L`Uomo»(46) expos largamente a nossa
concordância de vistas. Outros autores se ocupam

23
do assunto, devendo notar-se que OBERMAIER (47) e
sobretudo BOSCH GIMPERA (48), atribuem
manifestamente grande significado ao paralelismo
impressivo por nós sugerido entre as afinidades
antropológicas equatoriais do «Homo taganus» e a
origem africana atribuída por Breuil, por aqueles e
por outros autores à cultura pré-historica
representada nos concheiros de Muge.
Esta cultura seria o prolongamento epipaleolítico
da cultura paleolítica norte-africana chamada
«capsense». É certo que SALLER e SCHEIDT tinham
mostrado alguma discordância da aproximação do
«H. taganus» com o bloco acima indicado. Mas foi
VALLOIS, o ilustre antropólogo de Toulouse, quem
em 1930 (49), depois dum estudo desenvolvido dos
restos esqueléticos de Muge, veio marcar sobre o
assunto uma atitude a que intencional e
erroneamente foi dada por alguns a significação
duma divergência profunda. Afinal VALLOIS,
confirmou expressamente dum modo geral (50) as
nossas mensurações e apenas divergiu na
classificação de alguns caracteres (nem sempre
uniformemente classificados pelos autores) e na
interpretação de alguns resultados gerais, sendo,
porém, esta divergência mais aparente do que real,
como vamos ver. De facto, VALLOIS concordou
em que o tipo predominante de Muge não é
susceptível de identificação com os Mediterrâneos
actuais e com a raça neolítica de Baumes-Chaudes
nem com o tipo esquimoide paleolítico de
Chancelade.

24
Simplesmente, em vez de nele reconhecer
afinidades com melanodermes actuais, como os
Negros ou os Australianos, Vallois prefere
relacioná-lo com o paleolítico de Cro-Magnon,
talvez com os chamados Cro-Magnons orientais.
Primeiro numa comunicação ao Congresso
Antropológico de Paris, de 1931(51), depois em
1933, numa comunicação à Academia das Ciências
de Lisboa sobre o esqueleto de Come-Capelle(52),
que pudemos ver em Berlim, respondemos a vários
pontos do estudo de Vallois, mostrando que
nenhum dos factos de observação que
apresentamos , foi destruído , e que, quanto às
interpretações , a nossa maior divergência resultava
do facto de Vallois e outros autores franceses
entenderem dum modo diferente do nosso (que é o
de muitos outros autores) o âmbito da chamada
«raça de Cro-Magnon». Esta é, Vallois, muito
ampla, nela cabendo o homem de Cambe-Capelle e
todo o referido bloco oriental, quando, para
Guiffrida-Ruggeri, Haddon, Barros e Cunha, Keith,
Pucioni, Werth, Weinert e outros, a raça de Cron-
Magnon se restringia apenas a alguns esqueletos de
morfologia muito análoga à forma típica, de alta
estatura, desarmonia craniofacial e outros
caracteres que se verificam no cérebro velho do
abrigo de Cro-Magnon e nalguns esqueletos das
grutas de Menton(53). Não renovaremos aqui a
longa exposição que fizemos, na segunda
comunicação referida, sobre a independência do
homem de Cambe-Capelle – e igualmente do tipo
de Muge – em relação ao bloco de Cro-Magnon.

25
Transcrevemos apenas desse trabalho as linhas
seguintes relativas ao grupo de raças primitivas
supostas equatoriais: «Apesar disso não parece que
devamos considerar os homens de Cambe-Capelle,
Muge e Grimaldi como formando uma só raça.
Já mostramos as diferenças do primeiro em
relação a Grimaldi. Quanto ao «H. taganus», ele
difere do Homem de Cambe-Capelle na menor
capacidade craniana, na menor dolicocefalia, num
menor desenvolvimento vertical do crânio, etc., e
da raça de Grimaldi difere também nesses
caracteres, num menor prognatismo, num maior
alongamento da face. «Em relação às raças actuais,
as proporções do corpo, o índice nasal, a maior ou
menor hipsicefalia, a tendência mais ou menos
prognata, levam a estabelecer para o bloco C.
Capelle-Grimaldi-Muge, afinidades predominantes
com as raças equatoriais (poderia apresentar um
argumento baseado nas relações conhecidas do
índice nasal com o clima). O negroidismo de
Grimaldi é geralmente aceite; os caracteres
etiópicos de Combe-Capelle também o são. O «H.
taganus» não é identificável com Negros ou
Etiópes (a sua individualidade antropológica não
permite mesmo identifica-lo com outra raça fóssil
ou actual), mas, embora, como diz Vallois, lhe
faltem certos caracteres negróides como um
prognatismo constante, o aspecto da base da
abertura nasal, etc., outros apresenta, entretanto,
não só na sua mesorrinia e platirrinia quase
constantes, como em algumas proporções do corpo,
mesmo no seu meso-prognatismo dominante.

26
Antes de mim, já HERVÉ e AURELIO DA COSTA
FERREIRA tinham, com razão, estabelecido essas
aproximações negróides, que, nos justos limites em
que foram enunciados, também mereceram a
concordância do prof. BARROS E CUNHA e do prof.
GEORGE MONTANDON, havendo pois, ignara
leviandade ou imprudente propósito de especulação
ao apresentarem-se-me, em jornais, como
«erróneas» tais aproximações, aliás sempre
prudentemente feitas, com têm de ser estes
trabalhos», que a divergência entre nós e Vallois é
menor do que se supõe(54) ou se fingiu supor.
Vallois expressamente o declarou. Numa análise
ao nosso estudo sobre a posição sistemática do
esqueleto de Combe-Capelle (55), conclui:
«Quant à la position des dolichocéphales de
Mugem… les divergences entre son opinion et la
mienne me paraissent en grande partie «quoique
pas em totalité) une question de mots».

******

Contra o que, nem sempre de boa-fé, nos tem


sido atribuído, nunca dessemos que o «Homo
taganus» era inteiramente negróide, e muito menos
identificável antropologicamente com os Negros
actuais. Do mesmo modo que lhe atribuímos alguns
caracteres australoides e etiópicos, também nele
mencionamos alguns caracteres negróides.
Isto não é considerá-lo pura e simplesmente
negróide, expressão bastante vaga, e, muito menos

27
negro ou nigrítico, palavras que não são sinónimas
de negróide, como antropóide não é sinónimo de
homem, embora haja homens que, às vezes, são ou
parecem ser menos inteligentes do que os
antropóides… O ilustre etnólogo prof. GEORGE
MONTANDON (56), em face da nossa discussão com
Vallois, achou legitimo chamar ao tipo de Muge
negróide ou apenas sub-negroide.
A associação platirrinia-prognatismo não é, de
resto, exclusiva dos Negros.
O que levou talvez alguns a supor que atribuímos
ao «H.taganus» mais vincado negroidismo do que,
de facto, nele encontramos e indicamos, foi o
termos adoptado para ele a designação «in extenso»
de Homo afertaganus». Aceitando correntemente,
como tipos antropológicos principais, apenas o
«Homo europeus» o «H.asaticus»(57), não nos
pareceu legitimo optar pelo primeiro e pelo último
para a escolha da subespécie ou da espécie
elementar a que deveria anexar-se – como
variedade autónoma – a raça de Muge. Esta não
tem afinidades estreitas com os Brancos actuais
nem com os Mongois actuais.
Não seria legitimo aproximá-la da actual raça
nórdica, dos Alpes, dos Mediterrâneos, dos
Táttaros ou dos Chineses… O «Homo afer»
correspondia ao negro africano típico, podem
admitir-se variedades do «Homo afer», distintas
dos negros africanos: Australianos, Melanésios,
Etíopes, Drávidas, Vedas, etc., constituem outros
tantos ramos mais ou menos independentes do
negro africano característico. Do mesmo modoque

28
se poderia admitir um «Homo afer australianus» ou
um «Homo afer aethiopicus» (58), porque não falar
dum «Homo afer taganus»? Isto não é identificar
o dolicocéfalo de Muge, de baixa estatura e às
vezes pouco ou nada prognata, com um negro do
Sudão ou da África do Sul, de alta estatura e de
prognatismo massiço. Só quem não soubesse NADA
destas coisas é que poderia ter-nos julgado capaz de
tal intenção. Mas continuamos convictos de que o
«H.taganus» pertence ao bloco de raças equatoriais,
imaginado por Giuffrida-Ruggeri com restos
esqueléticos paleolíticos, e de que conjecturalmente
se fazem derivar as raças actuais.
Boule e Vallois imaginaram recentemente(59) –
fazendo reviver a tese de Bean e Giuffrida-Ruggeri,
do homem primitivo do tipo indiferenciado, - que
os negros actuais, os europeus actuais, etc.,
representariam porventura formas acentuadas,
relativamente recentes, derivadas dum «stock» de
formas primitivas mistas, menos marcadas, mais
atenuadas. Notemos que o paleontologia humana
na África nos fornece várias formas que não são
marcadamente nigríticas. Os negros típicos seriam
uma forma tardia, desconhecida no estado fóssil.
O paleolítico superior e o mesolítico africano
apresentariam sobretudo formas colectivas ou
mistas, de acordo com as leis paleontológicas
gerais. Não sabemos se a tese é exacta. Dissemos já
porque hesitamos em lhe dar adesão: «O paleolítico
superior e o mesolítico – escrevemos(60)---não
representam um lapso de tempo suficientemente

29
extenso para que seja pouco verosímil que todo ele
tenha decorrido em ensaios evolutivos inacabados?
Temos de considerar (como sugerem Boule e
Vallois) como constituindo, na realidade, um bloco
unitário indiferenciado a multiplicidade de formas
heterogéneas que nos acusa a paleantropologia do
paleolítico superior?
«Por enquanto, mantenho a crença de que, se essa
heterogeneidade traduz, sem dúvida, em muitos
casos, variações individuais de grande amplitude,
não é justo, noutros, deixar de a atribuir a
pluralidade de raças. Convenho em que é difícil, no
estado actual dos métodos antropológicos, com
materiais esqueléticos reduzidos, às vezes com
achados singulares (o que, em paleontologia, não
impede o estabelecimento de tipos distintos,
quando a morfologia a impõe) averiguar quando se
trata de diferenças raciais ou apenas de diferenças.
Faltam, naturalmente, para a paleantropologia,
indicações sobre a morfologia externa, as partes
moles, as reacções bioquímicas, etc.». Mais adiante
escrevíamos: «Pode perguntar-se, admitindo-se a
tese exposta…, se será conveniente tomar as raças
actuais como padrões de confronto para a
sistematização taxonómica dos restos fósseis.
Mas quais então os padrões a tomar? Note-se que
precisamente a craniologia e a osteologia não
permitem, em geral, definir com segurança senão
os tipos bem marcados. Mas porque não assinalar,
nos tipos menos acentuados, a existência duma ou
outra direcção ou tendência para aqueles? Afinal
Boule e Vallois admitem, por exemplo, a evolução

30
do Cro-Magnon no sentido dos actuais Europeus, e,
do mesmo modo, não prescindem dos termos
«negróide», «australoíde»,etc. É que não possuímos
por enquanto, outra linguagem inteligível, outro
meio de nos orientarmos no labirinto das
caracterizações raciais». E, depois de perguntarmos
se não surgirão ainda descobertas que permitam
admitir uma antiguidade dos Negros típicos tão
remota como a das referidas formas mistas ou
indiferenciadas,concluímos: «Embora os elementos
hoje conhecidos da Paleantropologia, para muitas
regiões, nos revelem habitantes fósseis de tipo
diverso dos actuais das mesmas regiões, não é
possível ainda traçar com segurança da origem e
distribuição primitiva destes últimos. É cedo talvez
para abandonar, por exemplo, a crença da origem
meridional…, equatorial, das raças melanodermes.
Mas por «bloco de raças equatoriais», entendo
apenas no caso presente um bloco de raças afins
das que têm hoje uma predominante localização
equatorial».

****

A diferença antropológica entre o «Homo


taganus» e o tipo mediterrâneo ou português actual,
a obliteração na população portuguesa de hoje de
sinais marcados de infiltrações negróides, as
próprias reservas a adoptar nestas sistematizações,
não dão ao debate da posição sistemática do tipo
predominante em Muge tal significado que de
qualquer modo possa ferir a sensibilidade e a

31
inteligência dos portugueses do nosso tempo o
facto de se falar em negroidísmo a propósito do
homem mesolítico ribatejano.
Vimos, porém como este negroidísmo é
atenuado, se restringe apenas a alguns caracteres,
coexiste com outras tendências antropológicas, e
não significa necessariamente laços de estrito
parentesco com os actuais Negros de África.
A tese principal que temos sustentado e – apesar
do que há de provisório em tantas concepções
etnológicas que têm tido grande voga – julgamos
ainda poder sustentar, é a de que o «Homo
taganus» se aproxima, sem se identificar com ele,
do homem de Combre-Capelle (distinto do Cro-
Magnon «strcto sensu»), e que um e outro parecem
pertencer a um bloco de raças de provável origem
equatorial, a que um e outro parecem pertencer a
um bloco de raças de provável origem equatorial, a
que pertenceriam também o negróide pré-histórico
de Grimaldi e os actuais Etíopes, Australianos,
Negros, etc..
Mas, depois do que dissemos, nenhum interesse
tem estas ideias para a classificação antropológica
da população portuguesa actual, nitidamente
europeia, marcadamente distinta dos Negros, e
onde só esporadicamente aparecem figuras
negróides, por importações recentes ou por
revivências de remotas infiltrações africanas ou
mesolíticas «Homo taganus».
Entre o Ribatejano do mesolítico e o Ribatejano
de hoje há diferenças marcadas do tipo físico,
cultura, psicologia, etc..

32
Talvez nem haja comunidade de sangue já
dissemos, noutro artigo (61), que – apesar do que se
tem escrito sobre as suas afinidades berberes e
sarracenas – o Ribatejano médio de hoje, muito
vizinho do Português médio contemporâneo, se
identifica somatologicamente mas com o elemento
«Ibero-insular», de DENIKER, do que com o
«eurafricano», de HADDON, cuja influencia parece
mais sensível nas regiões montanhosas do norte do
país.(62). Assim, embora na toponímia, no folclore,
etc., haja no Ribatejo evidentes vestígios da
ocupação árabe-berbere, não é possível reconhecer
idêntica influência na composição antropológica da
população.. Os traços sematológicos dos africanos
brancos não são facilmente discerníveis dos das
populações da Europa meridional e mediterrânea.
Mesmo, eurafricano não é sinónimo de negróide, e
muito menos de negro. Ora estas últimas
influências são praticamente nulas na população
portuguesa de hoje. Acrescentemos, ainda a
propósito da origem do «Homo taganus», que
recentemente alguns autores, como VAUFREY e
sobre tudo LAURENT COULONGES(63), se
manifestaram contra a doutrina de
BREUIL,OBRMAIER, BOCH, etc., da ascendência
capsense, africana, da cultura tardenoisense, como
é a que se encontra nos concheiros de Muge.
Desapareceria, deste modo, o paralelismo
antropológico-etnográfico que concebemos entre a
origem meridional do «H.taganus» e da cultura.
Coulonges fala numa verdadeira «miragem
africana» que teria dominado até agora esses pré-

33
históriadores. Caber-lhe-á, sem dúvida, razão em
considerar prematuras as generalizações feitas.
Várias vezes temos demonstrado as dificuldades,
não raro invencíveis, na reconstrução das
migrações pré-históricas (64). É possível que, de
facto, à «miragem oriental», que ainda deslumbra
tantos autores, haja sucedido a «miragem africana»,
mesmo uma miragem negra…»
Mas nem se pode considerar destruída a hipótese
de Breuil, Obermaier e Boch, nem, se o estivesse,
isso bastaria para invalidar a da origem meridional
(mais verosímil do que a boreal) do bloco de que
fazem parte, sem dúvida, os tipos de Combe-
Capelle e de Muge. Raça e cultura não se
sobrepõem necessariamente, e entre a Europa
meridional e o norte de África não teria havido na
pré-história, uma ausência total de conexões
démicas. Mas também não são inverosímeis factos
de convergência. Quando alguns autores, como
OLIVEIRA MARTINS, XAVIER DA CUNHA, etc., falam
de sangue norte-africano no campino, e comparam
o Tejo com o Nilo, a lezíria ribatejana à Numídia,
não serão influenciados pela impressão quase dum
mesmo sol, dum mesmo céu, duma mesma
paisagem, actuando uniformizadoramente por
perístase sobre uma mesma velha estirpe
mediterrânea? Este mar não separou povos,
aproximou-os. Como ele contrasta com o Saará.
isolador! E a faixa marítima atlântica que margina
a África do Norte e a Europa Ocidental, também
não foi, na pré-história, um deserto, antes permitiu
importantes e averiguados contactos démicos e

34
culturais entre a África menor, e Península Ibérica,
a Bretanha, a Irlanda e outras regiões do norte da
Europa. Ao mito platónico da Atlântida não
corresponde qualquer demonstração científica da
existência do pretenso continente já dentro da era
humana, e duma civilização atlantidiana que se
tivesse espraiado para leste.

Cientificamente, apenas é lícito admitir que


alguns factos geológicos, etnográficos, etc.,
realmente desenrolados no ocidente da Europa e da
África setentrional, tivessem fornecido sugestões à
imaginária construção do filósofo ateniense.
Mostrámos mesmo já, noutro trabalho(65), que
nos arredores de Lisboa e no Ribatejo se poderiam
talvez localizar algumas dessas sugestões.
Mas se o continente desaparecido em plena era
humana, com um povo e uma civilização, está no
puro domínio inventivo, é apenas fábula, uma
Atlântida pré-histórica, meio terrestre, meio
marítima, feita das paragens europeias e norte-
africanas já citadas e de zonas marítimas que se
uniram, pode simbolizar, sobretudo no eneolítico,
as relações estreitas de população e de cultura que
ali se teriam estabelecido. É um império pré-
histórico atlântico, diferente do concebido por
Platão, mas assente com grande probabilidade em
elementos científicos dignos de crédito (66).
Não esqueçamos, porém, os pontos essenciais de
que nos propusemos tratar sumariamente. Vimos
que, embora entre enormes dificuldades e
incertezas e sob as indispensáveis reservas, é lícito

35
admitir relações étnicas ante-históricas entre o
nosso território e a África. Vimos, porém, que
estas relações não significam nem os primitivos
habitantes do país tenham sido verdadeiros negros
ou dum negroidismo intenso e exclusivo, nem que
deles se mantenham no tipo médio da população
actual os caracteres ditos inferiores.
Vimos também que, através da história, essas
relações continuaram, sendo possível reconhecer,
desde o século XV, não já apenas a infiltração do
«africano branco» (67), mas, com certa intensidade,
a de verdadeiros negros.
A pesar, porém, do que se escreveu tanto em
Portugal como fora de Portugal, sobre a
importância demo génica destes últimos no nosso
país, a sua acção revela-se insignificante,
desprezível, na população portuguesa actual.
Enumerámos as razões que se nos oferecem, para
explicação de tão reduzida influência. Caberia
ainda atentar em que as importações de escravos
negros não se traduziram em contingentes tão
notáveis que eles viessem a submergir no seu seio a
população branca – numérica, social e
biologicamente predominante

Os receios de Garcia de Rezende e de Clenardo


não se verificaram. Notemos que as observações
deste último se referiam sobretudo a centros
urbanos como Lisboa e Évora, embora ele falasse
da abundancia dos negros dos negros em toda «toda
a parte» como Garcia de Rezende e Damião de
Gois dessa abundancia no «Reyno» em geral.

36
Ora, computou-se, em 1551, a proporção dos
negros africanos em Lisboa, em 9,95% da
população da capital, e, em 1620, em 6,3%.
Admitindo naturalmente a existência, então, de
muitos negros no resto do território, verificamos,
entretanto ainda assim, que se aquelas percentagens
chegavam quase à décima parte da população de
Lisboa, elas seria uma fracção muito menor,
mesmo mínima, da população total do país.
Finalizemos com estas palavras justas e
insuspeitas dum ilustre cientista alemão, o prof. H.
LAUTENSACH, autor de uma importante monografia
geográfica sobre o nosso país: «as influências
negróides sobre o tipo de raça em Portugal têm sido
muitas vezes exageradas» (68).
Assim é.

*************
********
******

37
INDICE DE APOIO:
__________
Pág. 3
(1)– A curiosidade vulgar que pede a indicação da
indicação da antiguidade das épocas pré-históricas segundo
a cronologia ordinária, não se pode dar cientificamente
satisfação senão dum modo muito hipotético e vago.
Faltam, como é natural, cronómetros seguros e referências
absolutas para esses cômputos. Para o mesolítico pode,
muito conjectural e imprecisamente, falar-se em cerca de
10.000 anos a.C.
(2)- A primeira estação deste género encontrada no vale do
Tejo foi a da Quinta da Sardinha, entre Muge e Salvaterra.
Seguiram-se as de Muge. Recentemente, graças às
meritórias explorações do sr. Hipólito Cabaço, foi
reencontrada a da Quinta da Sardinha e foram descobertas
outras novas no Ribatejo.
__________
Pág. 4
(3)– “Numâmtia – I – Munchen, 1914 – p. 49
(4)– No «American Journal of Physical Antropology»
Washington, 1927
_________
Pág. 5
(5)– Hans Gunther - « Rassenkunde Europas
– Munchen, 1929
(6)– Mendes Corrêa - «Os povos primitivos da Lusitânia»,
Porto, 1924, p. 318 e 329 e segs: «Introdução à
Antropobiogia» - Acad. das Ciências de Lisboa, Biblioteca
de Altos Estudos, Lisboa, 1933, p. 36 e segs.
_________
Pág. 7
(7)- Roquette Pinto calcula em 14% da população total do
Brasil o contingente negro e em 22% o número dos mulatos.
Sôbre os negros no Brasil vd., os trabalhos de Nina
Rodrigues, Roquette Pinto, Arthur Ramos, Gilberto Freire,
Renato Mendonça, Oliveira Vianna, etc.
(8)- «Os problemas da análise etnológica» - Revista da
Faculdade de Letras do Porto» - I Porto, 1922, págs 16 a 19
extr.; «L´hérédité mendélienne et I´anályse ethnologique -
«Natur und mensach», II, Berne, 1922.

38
(9)– Da biblioteca «L´´evolution de L´humanité – V – Paris,
1924, pág. 140.
(10) - Liv. XXI, cap. XXII (cit. Leite de Vasconcelos - «De terra
em terra» - II, Lisboa, 1927, p. 21)
_________
Pág. 8
(11) – Segundo Apiano (cit. Em A. Schulten – Viriato – trad.
Portug. De A. Ataíde, Porto, p. 30)
(12) – Plutarco - «Vies des hom mês ilustres», trad. Pierron,
2ª ed. t. III, Paris, 1854, pag. 39
(13) - «Os povos primitivos da Lusitânia» ap. Cit. Págs 307 e
segs.
__________
Pág. 9
(14)-Th Mommsen – «História Romana» (cit. Leite de
Vasconcelos - «De terra em terra» - pp. Cit., p. 22)
(15) – Oliveira Martins – Os filhos de D. João I – 5ª ed. –
Lisboa, 1926, p.p.244 e 245
________
Pág. 10
(16) - Cit. Fortunato de Almeida - «História de Portugal» -
III – Coimbra, 1925, pág. 215
(17) – Ibid., págs 214 e 215
(18) – Ibid., pág. 215
(19) – Anselmo Braamcamp Freire - «Cartas de quitação de
El-Rei D. Manuel» - «Arquichivo Histórico Português», vol.
III, pág. 477 (cit. em Fortunato de Almeida – ap. cit., pág.
216
(20) - M. Gonçalves Cerejeira - «O Humanismo em Portugal
– Clenardo» - 2ª ed. Coimbra, 1926, pág.152 e 153
__________
Pág. 11
(21) - «História de Portugal» - t. II, Lisboa, 1879, pág.21
(22) – Op. cit., pág. 20.
__________
Pág. 12
(23) – Oliveira Martins – Op. cit., pág. 1
(24) – O mal estendeu-se a outros países europeus

39
___________
Pág. 13
(25) - « De terra em terra», op. cit., pág.21
(26) - «Ibid» Segundo o mesmo autor, os habitantes do
concelho de Grândola chamam aos indivíduos desta raça
«Carapinhas da Ribeira do Sado=. Tive ocasião de evocar
estes informes a propósito de alguns restos osteológicos
duma necrópole, da idade do ferro, de Alcácer do Sal, aos
quais adiante me refiro no texto (Mendes Corrêa -
«Contribuições para a Antropologia da idade do ferro em
Portugal» - Trabalhos da Soc. Port. D`Antropologia e
Etnog.», t. V, Porto, 1931, pág. 29 do ext.)
(27) – Fhe Climate of Portugal and Notes on its Health
Resorts – Lisboa, 1914, pág.224.
(28) - Uns e outros foram depois estudados também por
Alfredo Ataíde, Miguel C. Costa Santos e autor, que
confirmaram as diferenças craniológicas entre Portugueses e
Negros.
_________
Pág. 14
(29) – Nos «Povos primitivos da Lusitânia», já citados.
(30) – Mendes Corrêa – «Raça e Nacionalidade» - Porto,
1919, pág. 80
(31) – Id. - «Homo» - 2ª ed. – Coimbra, 1926, pás. 211 e segs.
(32) – F.J. Oliveira Vianna -»Evolução do povo brasileiro» -
S. Paulo, 1923, pág. 148, etc.
(33) – Sobre «Mestiços das Colónias Portuguesas» vd.
Comunicação nossa, assim intitulada, no vol. I das actas do I
Congresso Nacional de Antropologia Colonial, Porto,1934.
_________
Pág. 15
(34) – Ou calcolítico, ou idade do cobre – período que,
segundo de Schmitdt, é anterior a 2.500 a.C.
_________
Pág. 16
(35) – Vd. Pormenores nos «Povos primitivos da Lusitânia»,
cit., págs. 206 e 207
(36) – Dr. Georges Hervé - «De L`existence d`un type
humain a caracteres vraisemblablement négroídes dans les
depots coquilliers mésolithiques e la vallés du Tage» (Lettre

40
à M. le Professeur A. A. Mendes Corrêa) - « Revue
Antropologique », XL, année Paris, 1930
__________
Pág. 22
(37) – Nos concheiros de Muge, Paula e Oliveira registou
algumas espécimes de tendência Oraquicéfala (crâneo
curto e largo, mais ou menos arredondado). Seriam dos
mais antigos braquióides da Europa, com os de Ofnet
(Baviera). Vallois, em trabalho adiante citado, atribuiu a
essa escassa minoria de exemplares, quando muito, a
mesaticefalia (forma intermédia entre a alongada e a
braquicéfala). Teria havido exagero na observação de
Paula e Oliveira, depois adoptada pela generalidade dos
autores. Haveria – e há de facto- exemplares deformados.
Em trabalhos adiante citados, mostramos , porém, certa
divergência em relação à contestação, feita por Vallois da
braquicefalia em Muge. Mas este debate não interessa
directamenteao assunto do presente artigo.

(38) – Mendes Corrêa - « à propôs des caracteres inférieurs


de quelques crâneo pré-históriques du Portugal» - «Archivo
de Anatomia e Antharopologia», vol. III, Lisboa, 1917; «
Sobre uma forma craniana arcaica» - Anais Scientif. Da
Faculdade de Medicina do Porto», vol. IV, Porto 1917, « Sulla
pluralitá dei tipi ipsistenocefali e sopra alcuni crani
portoghesi» - «Revista di Antropologia», t. XXI, Roma, 1916-
1917, « Novos subsídios para a Antropologia portuguesa»,
«Assoc. Españ. Para el Prog. De las Ciências» Congresso de
Sevilla, Madrid, 1917, «Estudos da etnogenia portuguesa –
Os habitantes primitivos do território»- «Terra Portuguesa»,
Lisboa, 1918; «Origins of the Portuguese»-« American Journ.
of Physical Anthropology», t. II, Washington, 1919; «Raça e
Nacionalidade», Porto, 1919, págs 45 e segs; «Etnologia
Ibérica»-«Anais da Academia Plotecnica do Porto», t. XIV,
Coimbra, 1921, págs 8 e segs do extracto.
(39) - «Nouvelles observations sur L`Homo taganus nob.»-
revista cit.t. XXXIII, Paris, 1923.
(40) - «Essaí sur Lèthnologie pre-romani de Portugal» -
«Revue Anthropologique», t. XXXV, Paris, 1925, pág. 4 do
ext., «Os povos primitivos da Lusitânia», cit. p.175; «Homo»
2ª ed. Coimbra, 1926, pags 152 e segs.; «A Lusitânia pre-

41
romoana», in «História de Portugal», do prof. Damião
Peres, f.I, Barcelos, 1928, págs.110 e 111.
__________
Pág. 23
(41) – Cit., pág. 175
(42) – «Análise em «L`Anthropologie», t. XXXI, Paris, 1921,
pág. 536
(43) – 2ª ed., Paris, 1923, pág. 340
(44)–Análise no «Archivo per L`Antropologia e la
Etnologia», vol.XLVI, Firenze, 1916, pág. 186; «La pozision
antropológica del L`Uomo fossile di Combe-Caplle,etc» --
Revista di Antropologia», Roma, 1916-1917
(45) – Bologna, 1921, pág. 142
________
Pág. 24
(46)–H. Obermaier – Fóssil mani n Spain – New
Haven,1924, pág326, «El nombrefosil» -- 2ª ed., Madrid,
1925 «El hombre prehistorico Y los origins de la
humanidade»--Madrid, 1932, pág. 114
(47) – P. Boch Gimpera – Ensayo de uma reconstrucion de
la Etnologia Prehistorica de la Península Ibérica – Bol. De
Bib. Menendez Pelayo», Santader, 1922, pág. 15 e 19, e ainda
em muitas outras publicações do mesmo autor, entre as
quais ultimamente a sua bela «Etnologia de la Península
Ibérica», Barcelona», 1932, págs 7 e 34 e segs.
Bochexpressamente escreveu que fôramos «quien por
primeira vez há valorado justamente la importância de los
restos dos Kioekkenmoeddings de Portugal» (« Ensaio de
uma reconstracion», etc., pág.19, nota 5. Estes
«Kioekknmoeddings» são os concheiros mesolíticos de Muge.

(48) – Henri V. Vallois -- «Recherches nur les ossements


méosolithiques de Mugem» - «L`Anthrpologie», t. XL, Paris,
1930.
(49) - «Ibid», págs.343,346, 348, etc.
(50) - «Les nouvelles foulles à Muge (Portugal)» - Congès
de Paris de L`Institut Inter. D`Antropologie (V. session, 1931,
Paris, 1933.

42
_________
Pág. 25
(51) - «A posição sistemática do esqueleto de Combe
Capelle» -- «Trabalho da Sociedade Port. De Antropol. E
Etno.» T.VI, Porto, 1933.
(52) – Ultimamente Mattiegka num belo estudo dos restos
esqueléticos de Predmost, restos dos cérebros «caçadores de
mumetes» daquela estação paleolítica da Morávia,
(J.Matiegka --«Homo Predmostensis –I – Les crâneos» --
Prague, 1934; vd. Nossa análise deste vol. em «Trabalhos da
Soc. Port. D`Antropol. E Etnologia», t. VIII, Porto, 1936,
pág.107), relacionou o homem de Predmost com a raça de
Cro-Magnon. Deste modo esta raça teria maior amplitude
do que a suposta por Giufrida, mas não alteramos o nosso
juízo sobre a dificuldade de aproximar deste grupo Cambe-
Capelle e Muge.

(53) – No seu livro «L`Homme des Chés Lacustres» (II, Paris,


1932, pág.899) G.Goury manifesta-se a esse respeito, como
noutras passagens e assuntos, sem critica e sem o necessário
conhecimento do problema (vd. Nosso estudo «A posição
sistemática do esq. De Cambe-Capelle, cit.», pág.24 do
extr.; e «Novos elementos para a cronologia dos concheiros
de Muge» - «Anais da Fac. de Ciências do Porto», t.XVIII,
Porto, 1934, págs. 7 e 8 do extr.) Neste último trabalho
aludimos ao interesse do confronto dos restos humanos de
Muge com os mesolíticos de Téviec (França) descobertos por
Mr. E Mme Saint-Just Pécquart, e com os capsenses de
Afalou-bou-Rhomel (África do Norte), descobertos por
Arambourg. O recente estudo antropológico destes últimos
por Boule, Verneau e Vallois não deixa duvidas sobre as
suas afinidades com a raça de Cro-Magnon, na estatura
elevada, desarmonia crânio-facial, abóboda craniana baixa
– outros tantos caracteres diversos dos de Muge.
________
Pág. 27
(54) - «L`Anthropoligie», t. XLV, Paris, 1935, pág. 618
(55) - «La Race, Les Races» - Paris, 1933, pág.108. É
interessante ler o que o mesmo auto rem « L`Ologenèse
humaine» (Paris, 1928, pág. 187) sobre o emprego da
desinência – «oide» nestes casos. Esta terminação, diz,

43
designa em geral os caracteres correspondentes ao radical
da palavra, mas atenuadas – seja porque motivo for. Para
Montandon, ela designa não só o tipo puro mas os sub-tipos
atenuados. «O negro-escreve-é um caso especial do
negróide»
__________
Pág. 28
(56) – Mendes Corrêa - «Ensaio duma classificação natural
dos Hominidios actuais» - «Anais da Acad. Politec. Do
Porto», t.X, Coimbra, 1915.
(57) – Sergi, por exemplo, elevando o «Homo afer» à
categoria de género («Nortanthropus»), inclui nele
eurafricanos, etiopes, drávidas, polinésios, australianos,
negros da África, melanésios, pigmeus, e até…mediterrâneos
e nórdicos («H.europeus»)!... Porquê os reparos à
aproximação dum tipo manifestamente inferior, como o «H.
taganus», com o grande grupo «H. afer»?
__________
Pág. 29
(58) – L`homem possile d´Asselar (Sahara)» - Archives de
L`Inst.de Paléontol. Humaine» mém. 9, Paris 1932, págs.76,
84 e seg.
(59) - « A posição sistemática», etc., op. cit.,pág.98 do ext.
_________
Pág. 30
(60) – Mendes Corrêa -- «Ribatejanos» --Ext. dos nºs 37 a
42 do «Boletim da Junta Distrital de Santarém», Sanatrém
1934, pág.16
_________
Pág. 33
(61) – Vd. Sobretudo nosso artigo «Estatura e índice cefálico
em Portugal» -- «Arquivo da Repartição de Antropologia
Criminal do Porto», II, Vila do Conde, 1932
(62) – L. Coulonges -- «Les gisements pré-históriques de
Salveterre-a-Lémance» -- «Atchives de L`Inst. De
Paleomtol. Humanaine.» mém,14, Paris, 1935.

(63) – Vd. Especialmente nossos trabalhos «Les migrations


preshistóriques» (Conferencia, em 1931, em Toulouse, Lyon,
Grenoble ,Paris, Lille e Berlim), «Revue
Antropologique»,XLIII, anné, Paris 1933, págs. 3 e 25 do

44
exte.,» La dispension de L`homem sur la surfasse terrestre» -
- «Scientia», Milano, 1927, pág.201; «Vargeschichfliche
Wanderungen durach die Iberische Halbinsen » --
«Forschungen und Fortschritte», I. Iahrg., Berlim, 1931, pág,
321. Última versão castelhana deste ultimo saiu em
«Investigación t Progreso», ano VI, Madrid, 1932, pág. 17.
A importante monografia da Coulonges foi por nós
analisada nos «Trabalhos da Sociedade Portuguesa de
Antropologia e Etnogragia», vol.VIII, Porto, 1936, pág. 109.
Ali fazemos notar o desconhecimento por Coulonges, dos
nossos artigos recentes sobre Muge, «Les nouvelles builles à
Muge» (cit) e «Novos elementos para a cronologia dos
concheiros de Muge» (Comunicação à Acad. das Ciências de
Lisboa, em 6 de Julho de 1933, public. nos «Anais da
Faculdade de Ciências do Porto», t. XVIII, Porto, 1934).
Coulonges baseou-se nalguns nossos escritos anteriores, dos
mais gerais. Não achamos provável a sua hipótese de serem
as braquiolides de Muge de data diversa dos dolicoides
predominantes, e, pela nossa parte, contestamos a sua
suposição de que não haja inobservância da «porventura
muito difícil estrafigrafia dum concheiro». Nas nossas
escavações, tem sido cuidadosamente analisada a
estratigrafia, aliás sempre ali mais ou menos irregular.
________
Pág. 34
(64) - «As novas ideiam sobre a Atlântida» -- «A Terra»,
Coimbra, 1934; «Da Biologia à História», Porto 1934, pág.
93. Um resumo em castelhano foi publicado na
«Investigación y Progreso», VIII, Madrid, 1934, pág.221, sob o
título «La Atlândida y los origenes de Lisboa».
________
Pág. 35
(65) – Dele falamos em: «História de Portugal», de Damião
Peres, op. cit.,t. I, pág.156; «Da Biologia à História», ap.cit.,
pág.206 e 294; «Les migrations préhoriques», etc.,op. cit.,
págs 23 e seg.
________
Pág. 36
(66) – Sobre a antropologia em geral, deste ver, por
exemplo, H. Weisgrerber -- «Les Blans d`Áfrique» -- Paris,
1910.

45
Pág.37
(68) - «Portugal auf Grund eigener Reisen und der
Literatur» - I - «Das Land als Ganzes» - «Petermanns
Mitteilungen», nº 213, Gotha, 1932, pág. 158.

********
***

AS PRIMEIRAS DESCOBERTAS
NO VALE DO TEJO

Em 1863, Carlos Ribeiro, inicia os seus estudos pré-


históricos com a descoberta dos concheiros
(kjökkenmöddinger) de Muge — aglomerados de
conchas e outros restos de alimentação humana
datados do período do Mesolítico — quando estudava
os terrenos terciários do vale do Tejo. Durante o curso
das suas pesquisas, foram ainda identificados
esqueletos humanos, ossos de animais fossilizados e
objectos talhados em pedra e osso, que permitiram a
recolha de informações importantes sobre o estilo de
vida das populações que habitaram nas margens do
Tejo. Em 1880, mercê do interesse da comunidade
científica internacional sobre a discussão que remetia
para o Terciário a existência do Homem e, em
particular, do empenho de Carlos Ribeiro, tem lugar em
Lisboa, o IX Congresso Internacional de Antropologia e
Arqueologia Pré-Históricas. Alguns dos exemplares
recolhidos por Ribeiro encontram-se depositadas no
Museu do Instituto Geológico e Mineiro, mas o espólio
da Comissão Geológica recolhido até 1869, foi
transferido em 1869 para o Museu Geológico e
Mineralógico da Escola Politécnica de Lisboa.

46
*********
***

VISITA/ OU EXCURSÃO A MUGE


“No ano de 1880, os delegados ao Congresso de
Arqueologia Pré-histórica, efectuado em Lisboa, fizeram
uma excursão a Muge, em 24 de Setembro, onde foram
recebidos com magnificência. As povoações vizinhas
determinaram juntarem-se aos festejos da chegada dos
ilustres visitantes. Nas extremas do concelho de
Salvaterra, erguia-se um arco triunfal, com a bandeira
nacional no topo, circundada por muitas bandeiras de
diferentes nações; e o caminho do percurso achava-se
abrilhantado por outras inúmeras bandeiras. As
girândolas de foguetes anunciaram a todo o concelho
aquele dia festivo Pelas dez horas da manhã,
chegaram os membros do Congresso, em trens tirados
a duas parelhas, na frente dos quais vinha o
governador civil e o presidente do Congresso, Júlio
Lermina. Junto ao arco triunfal, estava a câmara
municipal, com seu estandarte; e detrás da câmara
postara-se uma força de cavalaria de espadas
desembainhadas. De um a outro lado do campo,
enfileirava longa enfiada de cavaleiros e de campinos a
cavalo, com seus trajes regionais, e não menos de 500
pessoas constituíam as alas, da recepção. Chegados
ao arco, os trens pararam, e então a câmara de
Salvaterra, composta: por: Vicente Lucas de Aguiar,
Presidente, os Vereadores: Albano Gonçalves, António
da Silva, Ezequiel Pacheco, Joaquim Menezes,
Joaquim Guilherme, e o Administrador do concelho,
Marcelino Monteiro, todos de pé, descobriram-se e
cumprimentaram o governador civil e o presidente do
congresso. Em frases concisas e respeitosas, deram as
boas-vindas que terminaram com vivas à ciência e ao

47
Congresso Mundial. Os visitantes, apearam-se e
corresponderam às saudações, e em breve elocução,
agradeceu as felicitações da câmara, o congressista
português, Andrade Corvo. Por sua vez, o presidente
do Congresso,também discursando em língua francesa,
exaltou de modo lisonjeiro os sentimentos do povo
local, que acabara de ouvir do presidente da câmara
municipal, a consideração que lhe merecia. Depois
ouviu-se a filarmónica, e ao longe o imenso estalejar
dos foguetes. Os excursionistas seguiram para os
Montículos de Arruda, onde estavam as escavações,
feitas havia pouco tempo; e ali tiveram ensejo de
observar os esqueletos humanos antiquíssimos e
alguns sílexes manufacturados. Os esqueletos
apresentavam-se de costas com as pernas curvas
sobre as coxas, e alguns estavam confusamente
amontoados, e outros em posições diferentes; todos
tinham belos dentes chatos e rijos. Acabada a festa,
numerosas famílias estenderam no chão as toalhas
para as refeições e espalharam-se em grupos pelo
campo, comendo e bebendo em alegre convívio.”

a) Alberto Calderon

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Jornal Diário de Notícias
“Na primeira página deste jornal, do dia 25 de Setembro
de 1880, noticiava que, uns cinquenta congressistas
haviam chegado a Muge, freguesia doconcelho de
Salvaterra de Magos, no dia antecedente, uma sexta-
feira. A pedido do governador do distrito, fora exibida
uma parada de trabalhadores dos campos e campinos
de pampilhos em punho, e um congressista estrangeiro,
entusiasmado, exclamou: Que pena não podermos
levar um destes campinos para o nosso museu ! “

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