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TRADUZINDO O ECONOMÊS

para entender a economia brasileira


na época da globalização
Paulo Sandroni

TRADUZINDO O ECONOMÊS
para entender a economia brasileira
na época da globalização

2000
Traduzindo o Economês
Copyright © 2000 Paulo Sandroni
Todos os direitos reservados.
Copyright © 2000 da edição em língua portuguesa
adquirido pela Editora Nova Cultural Ltda.

Editora Executiva
Janice Flórido

Editor
Roberto Pellegrino

Editora de Arte
Ana Suely S. Dobón

Revisores
Fábio M. Alberti
Levon Yacubian

Editoração eletrônica
Dany Editora Ltda.

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.


Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa no Brasil
adquiridos pela Editora Nova Cultural Ltda.,
que se reserva a propriedade desta edição.

EDITORA BEST SELLER


uma divisão da Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 - 10º andar - CEP 05424-010
Caixa Postal 9442 - São Paulo, SP

2000

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo


Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Capítulo 1 – O Desequilíbrio do Setor Externo . . . . . 9
Capítulo 2 – Os Desequilíbrios das Contas Públicas 57
Capítulo 3 – O Dinheiro e Suas Transformações . . . 75
Capítulo 4 – O Padrão-Ouro e a Desvalorização
do Dólar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Capítulo 5 – A Crise dos Anos 80: a Dívida
Externa e o Ajuste . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Capítulo 6 – O Plano Real e a Âncora Cambial . 145
Capítulo 7 – A Globalização e as Transformações
dos Anos 90 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Capítulo 8 – A Crise Asiática e os Problemas do
Crescimento Econômico . . . . . . . . . . . . . 191
Capítulo 9 – Controvérsias entre a Teoria e
a Prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
Capítulo 10 – O Futuro de um Presente Mal Passado 237
Dicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
Sobre o Autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295

5
Introdução

Os economistas costumam dizer que todo problema


econômico tem uma resposta simples e errada. Espero
que isso não tenha acontecido com este livro, em que
eu faço uma tentativa de ajudar aqueles que se deses-
peram diante da linguagem muitas vezes codificada
dos especialistas.

Para explicar por que a economia brasileira vai indo


do jeito que vai, utilizei exemplos bem simples e ima-
gens da vida cotidiana próximas de todos nós, espe-
rando que essa abordagem facilite a leitura de jornais,
revistas, ou a compreensão dos noticiários de televisão.

Como ajuda adicional coloquei, no final, dicas a res-


peito de conceitos, termos ou expressões sobre econo-
mia e finanças que com mais freqüência têm sido vei-
culados pela mídia nos últimos tempos.

A análise do momento presente levou-me a dar


umas voltas pelo passado. Espero que o leitor desfrute
essas viagens, especialmente a visita ao Mágico de Oz.

7
Muitos livros foram consultados e serviram de apoio
para a redação deste. A relação segue no final, como
uma resumida bibliografia. Agradeço aos respectivos
autores, e também àqueles meus colegas da Faculdade
de Economia e Administração da Pontifícia Universi-
dade Católica e da Escola de Administração de Em-
presas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que
em conversas nos corredores, nos intervalos de aula,
e especialmente nas lanchonetes, responderam às mi-
nhas perguntas e esclareceram certas dúvidas sem tor-
cer o nariz. A responsabilidade sobre o texto final, no
entanto, cabe unicamente a mim.

Um agradecimento especial dirijo a minha mulher,


Vera, a meus filhos, Lalo e Isaura, e a minha mãe,
Alzira, não só pela paciência e carinho com que atu-
raram o aumento das desatenções, como por terem se
transformado, de certa forma, em personagens do pró-
prio livro.

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CAPÍTULO 1

O DESEQUILÍBRIO DO
SETOR EXTERNO

1. O Gato da Vizinha, Kosovo e a Diagonal Endógena

Minha vizinha tem um gato. Um gato aliás muito


simpático e, importante, silencioso. Não ultrapassa a
porta de vidro de nossa varanda, a não ser que sinta
o cheiro de carne sendo preparada. Às vezes o gato
some e a vizinha vem procurá-lo aqui. Embora infru-
tíferas, as buscas são feitas em todos os cantos, pois
alguém pode ter fechado a porta de vidro com o gato
dentro.

Outro dia cheguei em casa à noite e encontrei o


filho da vizinha — jovem de uns quinze ou dezesseis
anos — sentado na sala, à espera de mais uma busca
de seu volátil animal.

A televisão estava ligada mesmo sem ter ninguém


“da casa” assistindo — o que não é novidade —, e
um noticiário desses que costumam causar impacto

9
mostrava cenas dos bombardeios na Iugoslávia e da
marcha dos refugiados de Kosovo: crianças chorando,
e pessoas feridas gemendo tendo como pano de fundo
grande destruição.

Por um instante as atenções do jovem se desviaram


do gato e se fixaram na televisão. Notei que ele estava
impressionado. Eu mesmo parei para ver o final da
notícia. Virou-se para mim — ele sabia que eu era
“professor” —, esqueceu por um instante seu animal
de estimação e perguntou o porquê da guerra em
Kosovo.

Invadiu-me um ligeiro pânico e dei uma desculpa


qualquer do tipo “primeiro preciso lavar as mãos para
jantar” e logo “te explico”.

É claro que demorei o suficiente para que o boletim


de ocorrência sobre o gato tivesse sido lavrado nos
termos de um cristalino “o gato não está aqui” e o
menino fosse embora. Só então voltei à sala.

Ufa! pensei, me livrei de boa. A última coisa que


gostaria de fazer era explicar as razões daquela guerra,
mesmo porque não tinha a menor idéia de por onde
começar e muito menos de como terminar. Em suma,
eu não sabia a resposta.

Ao voltar para a sala o noticiário já havia se deslo-


cado da guerra na Iugoslávia para os últimos aconte-
cimentos econômicos e financeiros no Brasil. Um en-
trevistado tentava explicar o que acontecera nos tu-

10
multuados dias de janeiro de 1999, quando a moeda
brasileira fora fortemente desvalorizada.

Ao referir-se ao ex-presidente do Banco Central,


Francisco Lopes, o entrevistado explicou que a flutua-
ção da taxa de câmbio seria determinada por uma
“banda diagonal endógena”. Assaltou-me uma sensa-
ção de desespero ao pensar que meu vizinho curioso
pudesse estar ali outra vez à procura de seu gato e
me perguntasse o que significava aquilo...

Agora tratava-se de economia, ou melhor, de “eco-


nomês”, e eu não poderia dizer que não tinha lavado
bem as mãos...

Como consolo lembrei-me de um amigo que dizia


ser necessário falar o javanês para entender as por-
tarias do Banco Central. Reconheci que os aconte-
cimentos econômicos no Brasil, embora muito mais
próximos, deviam ser tão ou mais indecifráveis para
o comum dos mortais do que as causas da guerra
na distante Iugoslávia. Mas poderiam também cau-
sar dor e sofrimento não apenas em crianças e ido-
sos, mesmo que aqui não estivéssemos em guerra.

Comecei então a “ensaiar” explicações para que meu


vizinho não me pegasse outra vez desprevenido. Afi-
nal, a seus olhos eu era “professor de economia” e
devia saber, quando não da guerra, pelo menos a res-
peito dessa questão aparentemente tão complexa...
pois seu gato continuava andarilho como nunca.

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2. Jornais Velhos Sempre Servem para Alguma Coisa

Tenho o costume, inútil, de separar notícias de jornal


para um dia lê-las com mais calma e ordená-las num
todo coerente. Nem sei se isso é possível. Os jornais
não se destacam por manter uma linha de notícias
com encadeamento lógico. Mas as pilhas vão cres-
cendo, os jornais vão tornando-se amarelados e que-
bradiços, e de tempos em tempos não há mais espaço
para empilhá-los.

Uma decisão heróica tem de ser tomada: um mon-


tinho novo só recebe autorização para surgir se um
mais antigo for jogado fora. É exatamente o contrário
do just-in-time : estoques máximos e fluxos mínimos.

No entanto, depois que resolvi me preparar para


responder às perguntas mesmo virtuais de meu curio-
so vizinho, creio ter conseguido dar um destino a esse
imenso acúmulo de papéis velhos, motivo de muitas
discussões com minha mulher, assessorada (bem) pela
empregada.

Destaquei o monte mais recente de jornais empilha-


dos e comecei a reexaminá-los. O primeiro que con-
sultei era do final de novembro de 1998 e dizia em
manchete o seguinte: “Déficit externo vai a 4,4% do
PIB, recorde no Real”.

No texto da notícia lia-se:

“O déficit em transações correntes chegou a 4,4% do


Produto Interno Bruto na série de doze meses terminada

12
em outubro. É o maior saldo negativo registrado desde o
início do Plano Real... Este dado reflete a crise financeira
internacional”.

As declarações eram de um graduado funcionário


do Banco Central.

Em primeiro lugar vamos fazer uma conta bem sim-


ples: quanto representam esses 4,4% do PIB (iniciais
de Produto Interno Bruto) em termos de dólares,
pois ele, para efeito de comparação com outros paí-
ses, é geralmente medido na moeda dos Estados
Unidos.

No momento em que essa notícia era divulgada,


nosso PIB, isto é, o valor estimado de tudo o que se
produziu em bens e serviços no país durante um ano,
alcançava cerca de US$ 750 bilhões. Portanto, esse dé-
ficit era equivalente a 4,4% desse valor, ou cerca de
US$ 35 bilhões.

Mas a notícia referia-se ao déficit existente nas “tran-


sações correntes”. O que significa isso?

Quando os jornais se referem ao déficit externo


em “transações correntes” ou em “conta corrente”,
eles estão indicando que gastamos cerca de US$ 33
bilhões mais do que arrecadamos no comércio, nos
serviços e nas transferências unilaterais. São contas
que registram as relações econômicas e financeiras
de um país, como dizem os ingleses, com o “resto
do mundo”.

13
Agregadas ao movimento de capitais, essas três con-
tas das “transações correntes” completam os elementos
essenciais do chamado Balanço de Pagamentos.

Um déficit nessas três contas significa que as receitas


em dólares foram inferiores às despesas, embora possa
ter havido uma receita maior do que a despesa numa
delas em particular, mas superada pelo déficit regis-
trado nas demais.

Na realidade, as declarações estampadas no jornal


daquele funcionário do Banco Central eram preocu-
pantes. O déficit em transações correntes, além de
grande, havia crescido em relação ao ano anterior. A
causa foi um forte desequilíbrio na balança comercial
acompanhado por um belo e costumeiro déficit na con-
ta de serviços. Embora as transferências unilaterais ti-
vessem apresentado um bom superávit, o déficit final
nas transações correntes havia sido enorme.

Avaliei que, se meu jovem vizinho surgisse à pro-


cura do gato, me perguntaria sobre o que são essas
contas. Vejamos a mais simples e homogênea delas,
que é a de comércio, e o porquê do déficit.

3. O Déficit Comercial Provocando uma Briga Conjugal

Um amigo disse certa vez que todo casal (normal)


para manter a harmonia tem de brigar pelo menos
uma vez por dia. Registrei isso na memória e ao chegar
em casa uma noite, quando o Plano Real ainda ia de

14
vento em popa, minha mulher me recebeu toda alegre
dizendo que havia comprado duas camisas para mim.

“Eis aí”, pensei, “um bom motivo para brigar hoje”,


e fui logo dizendo que não precisava de camisas, que
ela sabia que eu não gostava de experimentar roupa
e que, além disso, existiam despesas mais prioritárias
(não lembro bem se disse mais prioritárias ou menos
supérfluas) etc... etc...

Ela deu uma leve risada como quem diz “sabia que
você iria dizer isso”, mas pediu que eu experimentasse
pelo menos uma, porque se não ficasse boa ela trocaria
na loja.

Depois de certa relutância acedi e experimentei a


primeira camisa. Caiu como uma luva. Obviamente
passei para a defensiva. Não pude deixar de testar a
segunda, que também ficou perfeita, embora de outro
padrão, enquanto buscava novos argumentos para
brigar.

Pensei que encontraria o pomo de discórdia na for-


ma de pagamento, e perguntei: “Como é que você
pagou? Em quantas vezes? No cartão ou em cheques
pré-datados?”

Para minha surpresa, ela disse que havia pago à


vista, em dinheiro, e antes da pergunta final, “quan-
to?”, respondeu: “Cinco reais cada”.

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Vacilei diante da estocada, pois eram camisas que
valiam no mínimo quatro vezes mais. Então reagi. Co-
loquei meu gorro de economista e dei a bronca: “Você
deveria ter comprado meia dúzia!” Mas enquanto a
discussão prosseguia — agora nem me lembro mais
como e nem se o resultado final foi de confronto ou
de conciliação — olhei a etiqueta e ali estava a chave
do enigma: “Made in China”.

Os produtos estrangeiros — não apenas os chineses


— haviam se tornado muito baratos e os nacionais,
relativamente caros. O Brasil estava vendendo menos
e comprando mais no exterior ou, o que é o mesmo,
as importações estavam superando as exportações,
provocando um déficit na conta de comércio.

Mas por que isso acontecia se antes do Plano Real


ser lançado em 1/7/94 a situação era exatamente a
inversa, isto é, vendíamos mais do que comprávamos
do exterior?

Vejamos a evolução de nossa balança comercial en-


tre 1993 e 1997 para comprovar isso:

Quadro 1
1993 1994 1995 1996 1997
Exportações 38,5 43,5 46,5 47,7 52,9
Importações 25,2 33,0 49,6 53,2 61,2
Saldo +13,3 +10,5 –3,1 –5,5 –8,3
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

16
É fácil perceber que até o lançamento do Plano Real
tínhamos saldos positivos ou superávits na conta de
comércio. Depois, embora as exportações também ti-
vessem crescido, as importações mais do que dupli-
caram, passando de US$ 25,2 bilhões para US$ 61,2
bilhões!

A razão mais importante dessa virada está relacio-


nada com a taxa de câmbio. Vamos dar portanto uma
espiada nessa questão antes de passarmos para a conta
de serviços.

4. A Gangorra da Balança Comercial e as Taxas de


Câmbio

Se meu jovem vizinho estivesse por perto, certamen-


te perguntaria o que vinha a ser uma taxa de câmbio,
pois a única coisa que sabia sobre taxas eram as es-
colares, e o câmbio resumia-se àquela alavanca do car-
ro do pai que ele estava proibido de manipular mesmo
com o veículo parado.

Bem, uma taxa de câmbio é a relação de valor entre


duas moedas. Por exemplo, o real do Brasil e uma
moeda estrangeira como o dólar dos Estados Unidos.
O euro, emitido pelos países que constituem a União
Monetária Européia, pode servir como referência tam-
bém, pois é considerado, assim como o dólar, uma moeda
“forte”, embora ainda não plenamente consolidada.

Quais as características dessas moedas que servem


como dinheiro internacional?

17
A primeira delas é a confiabilidade, pois são emi-
tidas por governos idem, idem. No caso do dólar, ape-
sar das estripulias do presidente Clinton, a confiança
está alicerçada numa poderosa economia, embora as
forças política, militar e diplomática também ajudem.

Em termos bem simples, podemos dizer que, se um


dólar for trocado por um real, a taxa de câmbio no
Brasil será: R$ 1,00 = US$ 1,00.

Esta taxa estará em equilíbrio quando o poder de


compra de R$ 1,00 no Brasil for o mesmo que o de
US$ 1,00 nos Estados Unidos.

A revista londrina The Economist, de grande influên-


cia nos meios financeiros internacionais, criou um ín-
dice para medir esse poder de compra: o Índice Big
Mac. Parte-se do princípio de que os ingredientes desse
tipo de sanduíche são os mesmos em qualquer país,
e se ele custar no Brasil R$ 1,00 e nos Estados Unidos
US$ 1,00, haveria equilíbrio da taxa de câmbio ou o
que os economistas chamam de “paridade do poder
de compra” entre o real e o dólar. O economês, mes-
mo quando traduzido do javanês, não é assim tão
impenetrável...

O problema é que depois do lançamento do Plano


Real a taxa de câmbio ficou desequilibrada no Brasil.
No início a intenção foi fixar uma taxa de câmbio de
1 para 1, ou R$ 1,00 = US$ 1,00.

Mas um acordo tranqüilizador sobre a dívida ex-


terna e as generosas taxas de juros pagas por aqui

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foram motivos suficientes para que os dólares, havia
muitos anos esperando na beira da porteira, voltassem
para o Brasil com grande intensidade.

Além disso, a drástica redução da inflação no Brasil


e a relativa segurança política, proporcionada pela vi-
tória eleitoral de Fernando Henrique Cardoso nas elei-
ções presidenciais de 1994, deram um empurrão adi-
cional nesses investimentos.

Os dados abaixo mostram essa evolução entre 1993


e 1997. É fácil verificar como, a partir de 1994, houve
um extraordinário crescimento do fluxo de capital es-
trangeiro para o Brasil em suas diferentes formas:

Quadro 2
1993 1994 1995 1996 1997
Entradas Líquidas de
Capital Estrangeiro 10,1 14,2 29,8 32,3 26,7(*)
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.
(*) A queda em 1997 refletiu a fuga de capitais decorrente da
crise no Sudeste Asiático.

O problema é que, para serem aplicados no mercado


brasileiro, esses dólares precisavam ser trocados por
reais, e só então investidos. Houve uma superoferta
da moeda norte-americana no país e a taxa se dese-
quilibrou em favor do real.

Ou melhor, nossa moeda ficou valorizada em rela-


ção ao dólar. Em vez de US$ 1,00 ser trocado por R$

19
1,00, com apenas 90 centavos de real, ou até menos,
se podia adquirir 1 dólar. O dólar ficou “barato”, o
mesmo acontecendo com tudo o que se poderia com-
prar com ele no resto do mundo.

As importações, obviamente, cresceram, pois os pro-


dutos que compramos no exterior são cotados em dó-
lares. As exportações, embora tivessem crescido
também, acusaram uma expansão modesta porque
o exportador brasileiro recebia uma quantidade me-
nor de reais para cada dólar que obtinha no mercado
externo.

Os exportadores perderam em certa medida o estí-


mulo, pois a rentabilidade de suas exportações dimi-
nuiu. Visto de outro ângulo, nossos exportadores per-
deram competitividade, e foram desalojados de mer-
cados por competidores que haviam desvalorizado
suas moedas em relação ao dólar com antecedência,
como foi o caso do México e da China em 1994, e
aceitavam vender seus produtos por um preço menor
em dólares.

O resultado inevitável: déficits na balança comer-


cial. As importações começaram a superar as
exportações.

Pensei que esta explicação seria suficiente para es-


clarecer meu vizinho, mas, por via das dúvidas, re-
forcei-a com outro interessante acontecimento da vida
cotidiana.

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5. As Diferenças entre um Salmão e um Bagre (ou
Histórias Verdadeiras de Pescador)

O que me convenceu de que havia realmente um


desequilíbrio na taxa de câmbio — além do episódio
das camisas — foi uma visita à feira.

Quando recebo a missão do alto comando doméstico


de comprar frutas, legumes e verduras, coincidência
ou não, compareço à feira naquele horário que, dizem
as más-línguas, é próprio dos economistas: entre meio-
dia e meio-dia e meia.

A chamada hora das “xepas”, quando não compensa


ao feirante voltar para casa com seus produtos, pois
eles já estão se dissolvendo... Mas ainda se encontra
alguma coisa boa e a um preço bem razoável; basta
ter um pouco de paciência e selecionar.

Num sábado de agosto de 1995 eu ia chegando, e


encontrei já voltando o seu Waldemar, um aposentado
que mora perto da minha casa e que, assim como eu,
é doido por pescarias. Sua luta para sobreviver com
o pouco que ganha é heróica, e o obriga a fazer grandes
malabarismos comprando sempre os alimentos mais
baratos. Igualzinho a uns 160 milhões de compatriotas...

Disse-me que havia comprado um peixe muito bom


(importado) e barato, não muito mais caro do que o
bagre. E indicou a barraquinha que vendia o produto.
Mas que eu fosse rápido porque aquele “peixe de carne
avermelhada” já estava acabando. Embora pescador

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de muitas histórias, ele não conhecia aquela iguaria
de urso.

De fato, o preço do salmão tinha caído muito, e isso


não se devia apenas a uma supersafra no Chile, mas
também à valorização do real, isto é, ao desequilíbrio
na taxa de câmbio em favor do real. O que estava
barato não era apenas o peixe, cotado no mercado
internacional em dólares, mas o dólar com o qual se
comprava o produto quando comparado com o real.

Com poucos reais se compravam os dólares neces-


sários para a importação do peixe, de tal forma que
ele aparecia na feira competindo com produção na-
cional de segunda ou terceira linha. E, de fato, permitia
a quem antes estava acostumado a comer bagres fazer
uma boquinha ou mesmo uma extravagância com um
peixe importado.

Em resumo, o que aconteceu depois do lançamento


do Plano Real foi uma valorização da moeda brasileira
em relação ao dólar, tornando baratas as importações
e caras as exportações, provocando um saldo negativo
ou um déficit crescente na balança comercial entre 1995
e 1997, como já vimos anteriormente.

Se nos treze anos anteriores ao Plano Real estávamos


acostumados a ter superávits ou vender mais do que
comprar no exterior, a partir de 1995 a situação se
inverteu. Como numa gangorra, as importações que
estavam embaixo passaram para cima superando com
folga as exportações.

22
O lado positivo dessa inversão foi encontrar pro-
dutos de consumo de massa como roupas e alimentos,
por exemplo, a preços muito baixos, o que ajudou a
manter a inflação em níveis de Primeiro Mundo du-
rante quase quatro anos. Portanto, os déficits na ba-
lança comercial ajudaram a manter os preços internos
estáveis, ou o custo de vida sob controle.

Mas, como veremos mais adiante, esses déficits fo-


ram comprometendo a situação externa como um todo
e se tornaram uma das principais causas da crise cam-
bial de 1999. Enquanto o déficit durou, no entanto,
foi gostoso...

Vejamos agora a conta de serviços.

6. Para Tirar uma Foto na Torre Eiffel, Só Mesmo Indo


a Paris

Da mesma maneira que os produtos importados fi-


caram baratos, os “serviços” vendidos pelos estran-
geiros também tornaram-se mais acessíveis.

Talvez o sintoma mais evidente tenham sido as via-


gens internacionais, mais conhecidas como turismo de
classe média.

Embora haja uma cidade no interior de Goiás com


uma torre semelhante à Torre Eiffel, se alguém quiser
visitar a original terá de ir até Paris. Ou seja, deverá
“comprar” esse serviço na França. Será inevitável que

23
troque reais por dólares e estes por francos (ou euros)
para viajar, hospedar-se, alimentar-se, e mesmo com-
prar souvenirs como as inesquecíveis miniaturas da
Torre Eiffel vendidas nos quiosques parisienses.

Houve um déficit muito grande nesse item da conta


de Serviços do Balanço de Pagamentos. Isto é, brasi-
leiros gastaram muito mais no exterior do que turistas
estrangeiros gastaram no Brasil. Estes últimos, espe-
cialmente argentinos, chilenos e uruguaios, que cos-
tumavam inundar as praias de Santa Catarina, do Rio
de Janeiro e do Nordeste no verão, começaram a ra-
rear, e foi a vez de os brasileiros tomarem de assalto
Punta del Este, a Disneylândia, Aspen, Nova York,
Flórida e Cancún, no México.

Os números são impressionantes:

Quadro 3
1994 1995 1996 1997
Viagens Internacionais – 1,2 –2,4 – 3,6 – 4,4
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

O saldo negativo foi multiplicado por quatro; pas-


sou de um déficit de US$ 1,2 bilhão em 1994 para
quase US$ 4,5 bilhões em 1997.

Outra manifestação interessante foram as bandas de


música internacionais. Apesar dos altos cachês em dó-
lar, toda semana um show de primeira linha rolava
nas casas noturnas de São Paulo ou do Rio.

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Os empresários atuavam assim: mesmo não cobran-
do entradas a preços elevados em reais, era possível
pagar os artistas estrangeiros porque os dólares que
eles cobravam para se apresentar estavam relativa-
mente baratos, isto é, podiam ser comprados com
“poucos” reais.

Mas, certamente, o que mais pesou no déficit da


conta de serviços foram as despesas com o pagamento
de juros da dívida externa e as remessas de lucros e
dividendos do capital estrangeiro aqui investido, pa-
gamentos que correspondem aos “serviços” prestados
por esses capitais.

Essas saídas de dinheiro não dependem tanto da


taxa de câmbio. No caso dos juros, os montantes
dependem das taxas incidentes sobre a dívida ex-
terna e o valor dela. No caso dos lucros e dividen-
dos, a quantia enviada depende do desempenho das
empresas multinacionais e do estoque de capital es-
trangeiro aqui registrado, isto é, investido na indús-
tria, no comércio, no setor financeiro e nos serviços
em geral.

Como esses montantes cresceram bastante, ou seja,


tanto a dívida externa como o estoque de capital es-
trangeiro se ampliaram, as despesas com juros, lucros
e dividendos também aumentaram, contribuindo para
ampliar o déficit na conta de serviços, e portanto nas
transações correntes. Os dados seguintes mostram essa
evolução com clareza:

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Quadro 4
1994 1995 1996 1997
Pagamento de Juros 6,3 18,2 19,8 10,3
Remessa de Lucros 2,5 12,6 12,4 15,6
Total 8,8 10,8 12,2 15,9
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

Entre 1994 e 1997 estas despesas somadas quase do-


braram: juros e lucros causaram um rombo de quase
US$ 16 bilhões na conta de serviços em 1997, contra
cerca de 9 bilhões em 1994.

Vejamos agora a conta de transferências unilaterais.

7. Os Dekasseguis, a Turma de Governador Valadares e


os Turcos Alemães

Fazia alguns dias que eu não recebia informações


sobre o gato da vizinha. Ou melhor, ninguém tinha
ido procurá-lo lá em casa. Era sinal — pela lei dos
grandes números — de que a qualquer momento al-
guém poderia aparecer.

Comecei a preparar uma explicação sobre um outro


item do Balanço de Pagamentos que havia surgido de
forma dramática num noticiário de televisão: um de-
kassegui, desempregado e doente no Japão, retornara
ao Brasil depois de muitos sofrimentos.

26
Vamos examinar o item do Balanço de Pagamentos
denominado “transferências unilaterais”, no qual esses
dramas aparecem registrados em cifras.

A partir do final dos anos 80 e especialmente depois


do Plano Collor em 1990, essas transferências passa-
ram a ser expressivas. Agora, atenção! Nesse caso o
saldo é positivo: entra mais dinheiro do que sai.

Mas em que consistem? Num conjunto bem diverso


de atividades tendo uma coisa em comum: não pro-
porcionam nenhuma contrapartida, como acontece no
caso da compra ou da venda de uma mercadoria ou
de um serviço. Por exemplo, as despesas que um país
realiza para a manutenção de embaixadas e consula-
dos em todo o mundo, ou as doações em caso de ca-
lamidades etc.

É interessante assinalar que os jornais de fevereiro


de 2000 trouxeram uma notícia curiosa: o governo ar-
gentino, com grandes dificuldades orçamentárias, es-
taria propondo ao brasileiro uma parceria na utilização
de consulados para reduzir suas despesas com trans-
ferências unilaterais. Assim, por exemplo, o consulado
brasileiro em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, po-
deria atender também aos interesses argentinos, en-
quanto o consulado argentino faria o mesmo em re-
lação ao Brasil em Puerto Montt, no Chile.

A vantagem: cada governo poderia fechar um de


seus consulados e poupar os respectivos gastos de ma-
nutenção. O governo brasileiro, que também enfrenta

27
dificuldades orçamentárias, acolheu muito bem a idéia
e é provável que ela prospere se as desavenças co-
merciais no Mercosul não atrapalharem.

O movimento de recursos mais significativo, no en-


tanto, é o envio de dinheiro que brasileiros trabalhan-
do nos Estados Unidos, no Japão ou em Portugal fazem
para suas famílias residentes no Brasil.

Governador Valadares é uma cidade de Minas Ge-


rais que tem sido um “celeiro” de emigrantes para os
Estados Unidos. Assim como o Estado de São Paulo
e o Paraná são os maiores “exportadores” de descen-
dentes de japoneses, os dekasseguis, para o Japão.

Os períodos recessivos que vivemos durante os anos


80 e 90 foram a principal razão dessa saída maciça de
brasileiros que iam tentar a sorte no exterior.

Mas a economia japonesa também andou mal das


pernas durante os anos 90, e esses fluxos emigratórios
diminuíram um pouco para aquele país. Muitos que
haviam atravessado o Pacífico em busca de bons sa-
lários (embora fossem maus empregos) voltaram de-
siludidos para o Brasil.

Mas estima-se que quase 300 mil brasileiros vivam


e trabalhem nessas condições no Japão. E que cerca
de 1,5 milhão vivam e trabalhem no exterior, a maioria
enviando recursos para seus familiares no Brasil, cons-

28
tituindo um verdadeiro exército de operários das
transferências unilaterais.

É claro que existem também estrangeiros vivendo


e trabalhando no Brasil e enviando recursos para fora.
Mas o saldo é amplamente favorável ao Brasil. Nos
últimos tempos mais de US$ 2 bilhões têm reforçado
nosso caixa todos os anos, como mostram os dados
abaixo:

Quadro 5
1994 1995 1996 1997
Transferências Unilaterais 2,6 3,9 2,9 2,2
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

Percebe-se que depois de alcançar um máximo de qua-


se US$ 4 bilhões em 1995, essas receitas caíram para um
patamar de 2,5 em média a partir de 1996. Mas o Brasil
não está sozinho nesse tipo de “exportação”.

Outros países também “expulsam” muitos de seus


nacionais, como a Colômbia (Nova York é a terceira
ou quarta maior cidade colombiana) ou a Turquia. O
destino mais freqüente dos turcos é a Alemanha.

Durante os anos 90, quando o desemprego aumen-


tou neste último país e a disputa por empregos —
mesmo os mais mal pagos — cresceu, uma onda de
ódio aos estrangeiros (que estariam “roubando”

29
postos de trabalho dos alemães) causou a morte de
muitos trabalhadores turcos, geralmente mediante in-
cêndios criminosos em suas moradias ou por meio de
espancamentos.

Um jornalista e escritor alemão disfarçou-se de tra-


balhador turco e descreveu em livro — Cabeça de Turco
— como era maltratado nos locais de trabalho.

Esse relato revelou as violências e humilhações so-


fridas por esse tipo de trabalhador na Alemanha, dan-
do também uma idéia de como a questão do desem-
prego agravou-se por lá durante os anos 90. Mesmo
postos de trabalho considerados mal pagos, perigosos,
sujos e pesados são objeto de acirrada disputa.

No caso brasileiro, o saldo positivo nessa conta ajuda


pelo menos a reduzir o déficit das contas de comércio
e de serviços. E, portanto, contribui para amenizar o
déficit em transações correntes. O triste é que tal com-
pensação tenha se originado no desemprego no Brasil,
o que obrigou milhares de nacionais a viver longe de
suas famílias, trabalhando em condições bastante du-
ras, ou em ambientes muitas vezes discriminatórios.

Resumindo, podemos concluir que as três contas das


transações correntes apresentaram a seguinte evolução
nos últimos anos: o comércio e os serviços, grandes dé-
ficits; as transferências unilaterais, um razoável superávit.

A síntese das três contas é a seguinte:

30
Quadro 6
1994 1995 1996 1997
Balança Comercial +10,5 3–3,1 3–5,5 3–8,4
Balança de Serviços –14,7 –17,8 –21,7 –27,2
Transferências Unilaterais 3+2,6 3+3,9 3+2,9 3+2,2
Transações Correntes 3–1,6 –17,9 –24,3 –33,4
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

Podemos observar como esses déficits em transações


correntes aumentaram extraordinariamente depois do
lançamento do Plano Real até 1997. Em 1998 a situação
piorou com aqueles 4,4% do PIB: lembram-se da man-
chete de novembro daquele ano com a qual iniciamos
nossa discussão?

O problema é que esses déficits necessitam ser co-


bertos e, dependendo da forma com que se resolve
esse problema, a situação pode se agravar ainda mais
a médio prazo.

8. Cobrindo o Déficit com o Manto dos Empréstimos

Ao tratarmos, no tópico 6, dos empréstimos a longo,


médio ou curto prazos, e investimentos estrangeiros
— que geram remessas de juros, lucros e dividendos
—, dizíamos que a partir de 1994 eles começaram a
entrar maciçamente no Brasil.

Só estavam esperando o grito de “tá limpo” emitido


pelos grandes credores para entrar em larga escala. E

31
essa manifestação veio em conjunto com o lançamento
do Plano Real, na metade de 1994.

A partir de 1982, quando o país “quebrou” por


exaustão das reservas, até 1992, com o impeachment de
Collor, os investidores estavam ressabiados: em 1986
houve um Plano (o Cruzado) que trouxe um desas-
trado congelamento de preços; logo em seguida, em
1987, uma moratória da dívida externa, e em 1990 ou-
tro Plano (o Collor), com congelamento atrelado à
“garfada” nas aplicações financeiras e contas correntes.
Todas essas medidas foram consideradas estapafúr-
dias pelos investidores internacionais.

De fato, em 1987, durante o governo Sarney, o ex-


ministro Dílson Funaro, diante de reservas mínimas
e desprestígio máximo, e enormes contas para pagar
no exterior, declarou uma moratória. A redução dos
fluxos de capital estrangeiro para o Brasil foi dramá-
tica, mesmo porque logo em seguida, nas eleições pre-
sidenciais de 1989, havia, aos olhos dos credores, a
ameaça de vitória de um candidato de esquerda — o
Lula.

Os investimentos diretos encolheram para míseros


US$ 130 milhões em 1989. Além disso, logo depois da
moratória, as possibilidades de rolagem da dívida ex-
terna tornaram-se ainda mais remotas: os recursos ex-
ternos novos eram insuficientes para pagar as amor-
tizações da dívida que venciam a cada ano.

Escaldados com o que havia acontecido no passado,


os investidores só queriam voltar “na boa”, isto é, se

32
as condições mudassem. E essas condições começaram
a se organizar a partir do governo de Itamar Franco,
embora pessoalmente o ex-presidente também tivesse
algumas esquisitices econômicas (para os homens
acostumados com as regras do mercado), tais como
se insurgir contra o preço dos remédios, congelar os
altos salários pagos nas estatais e ressuscitar o velho
Fusca para espanto dos dirigentes da Volkswagen.

Mas o que talvez tenha sido decisivo para a mu-


dança de atitude dos investidores foi a renegociação
da dívida externa brasileira.

De fato, em 1989 o Plano Brady (assim denominado


por ter sido arquitetado pelo antigo secretário do Te-
souro dos Estados Unidos Nicholas Brady, e do qual
trataremos em detalhe mais adiante) foi elaborado de
maneira a reduzir um pouco as taxas de juros e alongar
o perfil da dívida externa dos países que haviam entrado
em crise em função de seu endividamento externo.

Esse acerto com os credores foi se configurando a


partir de 1993, e os dólares voltaram para a economia
brasileira com grande intensidade.

As novas condições estimularam a vinda de capital


estrangeiro, como já foi mostrado no Quadro 2.

Antes de prosseguir, convém esclarecer uma ques-


tão importante sobre os prazos de vencimento das dí-
vidas. Ou melhor, é importante explicar o que signi-
ficou “alongar o perfil da dívida externa”.

33
Preparemo-nos para uma eventual visita de meu vi-
zinho atrás de seu gato, examinando essa questão mais
detalhadamente.

9. Abastecendo o Carro e Aprendendo um Pouco sobre


Dívidas

Tenho um carro a álcool já bem antigo (alguns pre-


ferem chamá-lo de velho), mas apesar da pressão fa-
miliar, reluto em me desfazer dele. O carro é muito
bom, quando não está na oficina, e além disso, em
1999, durante alguns meses o preço do álcool caiu bas-
tante em relação ao da gasolina, dando um novo ím-
peto ao meu instinto de conservação...

Sempre abasteço na bomba “de pagamento à vista”,


pois não é necessário fazer as contas na ponta do lápis
para concluir que é mau negócio pagar a prazo. Além
disso, não gosto muito de surpresas desagradáveis,
isto é, de cheques caindo inesperadamente na conta
sem terem sido convidados...

Certa vez, por comodidade, parei o carro na bomba


que estava desocupada e mandei encher o tanque. Era
uma bomba de pagamento a prazo, com o preço por
litro um pouco maior, mas era tarde: o valor total já
havia sido registrado. Quando fui pagar, o frentista
me informou que o cheque poderia ser para dali a
setenta dias.

Assinei o cheque, fascinado pela idéia de que teria


um prazo tão “longo” para pagar uma quantia rela-
tivamente pequena.

34
Embora as dívidas devam ser pagas em determina-
do momento, é muito diferente se elas vencerem no
curtíssimo, no curto, no médio ou no longo prazo.
Quanto mais longo o prazo, costuma ser mais fácil
pagar uma dívida, supondo, é claro, que as taxas de
juros sejam idênticas.

Quando saí do posto fiquei brincando com uma


idéia: e se em vez de setenta dias fossem setenta meses,
ou, e aqui trata-se de um verdadeiro delírio, setenta
anos? Se dentro de alguns dias essa “dívida” já teria
sido esquecida, imaginem se ela fosse paga só depois
de setenta meses!

Suponhamos, no entanto, que esses setenta dias fos-


sem transformados em dez semanas e eu pudesse pa-
gar a conta em parcelas semanais. Nesse caso as amor-
tizações — isto é, a devolução do principal em dez
parcelas — seriam muito pequenas e poderiam ser
feitas sem traumatizar minhas receitas mesmo que es-
tas fossem baixas. Amortizada em setenta anos, essa
dívida talvez nem incomodasse os filhos de meus
bisnetos...

O Brasil vinha arrastando uma enorme dívida desde


os anos 80, e a adesão ao Plano Brady (do qual já
falamos e entraremos em detalhe mais adiante) per-
mitiu que seus prazos de vencimento fossem alonga-
dos e as taxas de juros rebaixadas. Seria o mesmo que
pagar um tanque de álcool em várias parcelas sema-
nais, em vez de fazê-lo à vista.

35
A conseqüência imediata foi, como já vimos, o re-
torno maciço de recursos externos para o Brasil: o
“acerto” com os credores sinalizou aos investidores
potenciais que o Brasil voltava a ser um lugar seguro
para receber investimentos. Essa renegociação permi-
tiu também que as amortizações pesassem menos no
conjunto de pagamentos que fazíamos anualmente
ao exterior, e isso aliviou também nosso Balanço de
Pagamentos.

Mas nem sempre as coisas tiveram esse desfecho.

10. Uma Mordida do Dragão de Comodo

O dragão de Comodo é um lagarto enorme que ha-


bita ilhas do mesmo nome na Indonésia. Sua forma
de caçar é um primor de estratégia mesclada com enor-
me paciência. Num ataque sorrateiro ele morde sua
vítima, e quando se trata de um animal grande, como
um búfalo, por exemplo, a presa não é abatida ime-
diatamente.

A saliva do dragão de Comodo possui uma infernal


colônia de bactérias que infeccionam o animal mordi-
do. O dragão segue a vítima durante alguns dias até
que a infecção se encarrega de prostrá-la, quando en-
tão é calmamente devorada.

Durante os anos 70 nossa economia foi mordida por


uma espécie de dragão de Comodo. Pouco a pouco,
desde a segunda metade dos anos 70 até o início da

36
década seguinte, os prazos de vencimento de nossa
dívida externa foram se tornando cada vez mais curtos
e, para completar a desgraça, as taxas de juros foram
ficando cada vez maiores.

Ou melhor, as amortizações e os juros foram one-


rando cada vez mais nossas despesas, ao contrário do
que aconteceu no início dos anos 90, depois de nossa
adesão ao Plano Brady.

E é fácil perceber que, se as taxas de juros forem


aumentando e os prazos de pagamento de uma dívida
diminuindo, em pouco tempo o devedor “quebrará”,
isto é, não poderá honrar mais tais compromissos.

As taxas de juros de fato dependem da solvência


que os devedores apresentam diante dos olhos dos
credores. A palavra “crédito” ou a expressão “fulano
tem crédito” significam que quem lhe empresta di-
nheiro acredita que receberá o mesmo valor de volta
acrescido de juros na data combinada.

As taxas de juros dão a medida desse crédito: quanto


maior o crédito ou a confiança que o credor tem no
devedor, menor será a taxa de juros e maiores os pra-
zos para o pagamento de uma dívida, e vice-versa.

11. Cabarés Colombianos e Travestis Paraguaios: uma


Breve Reflexão sobre a Segurança

Quando um devedor goza de boa reputação, ou é


conhecido como bom pagador, obterá do credor uma

37
taxa de juros baixa pelo dinheiro que este último lhe
emprestar. O credor age assim porque o risco de não
ser pago é pequeno.

Ou, dito de outra forma, quando um título de dívida


é muito seguro, as taxas de juros pagas por quem o
emitiu (o devedor) em geral são muito pequenas. O
investidor (credor) que adquire esses títulos prefere
investir seu dinheiro em papéis de baixo risco, embora
de pequena remuneração. Ele prefere alta segurança
com baixa rentabilidade. No jargão do mercado finan-
ceiro, esse tipo de investidor é classificado como aquele
que “prefere dançar com a irmã!” Quem não quiser
correr riscos que “vá dançar com a irmã!”, dizem aque-
les investidores mais ousados diante de alguém mais
cauteloso.

A situação oposta é aquela em que o risco é bem


maior, mas em compensação a remuneração ou a taxa
de juros prometida é bastante mais elevada. O devedor
nesse caso não possui bons antecedentes, e para que
alguém decida lhe emprestar necessita oferecer uma
taxa de juros bem maior.

A compensação pelo maior risco é uma remuneração


mais elevada prometida ao credor. Seria o caso do
sujeito que depois de ter conseguido entrar numa re-
gião produtora de esmeraldas na Colômbia dirige-se
a um cabaré e começa a dançar com uma corista ar-
gentina... Tudo pode acontecer, inclusive ele constatar
que tem nos braços um travesti paraguaio...

38
Embora alguns até gostem, a maioria dos investi-
dores, quando percebem uma situação semelhante,
voltam rapidinho a dançar com a irmã. Ou melhor,
transferem seus recursos rapidamente de áreas de risco
elevado para investimentos seguros, como, por exem-
plo, a compra de títulos do Tesouro norte-americano,
talvez o investimento financeiro mais garantido na
atualidade.

Durante a crise asiática em 1997, algo parecido acon-


teceu. Alguns investidores, percebendo que, ao con-
trário das aparências, algumas economias daquela re-
gião, especialmente a da Tailândia, iriam quebrar, des-
locaram seus investimentos financeiros para Nova
York, o que talvez tenha contribuído para precipitar
a crise.

O Brasil sempre esteve mais para cabaré colombiano


do que para respeitosos salões familiares onde irmãos
e irmãs aprendem a dançar em saraus vespertinos.

É por essa razão que as taxas de juros pagas pelos


títulos de nossa dívida externa são em geral bem mais
elevadas do que aquelas pagas por países que gozam
de maior confiança no mercado e que também têm
dívida externa.

O fato de pagar juros mais elevados sobre uma dí-


vida crescente pode representar uma despesa vultosa.
Tal despesa é a causadora, como já vimos anterior-
mente, dos elevados desequilíbrios na conta de servi-
ços, o que contribui para aumentar o déficit em tran-
sações correntes.

39
Lembre-se o leitor que foi esse o nosso ponto de
partida, ou seja, as declarações de um graduado fun-
cionário do Banco Central de que o déficit externo
havia alcançado um nível recorde durante o Plano Real.

Como a cobertura de tal déficit depende de recursos


vindos do exterior, em boa medida na forma de em-
préstimos e/ou financiamentos, ocorre um crescimen-
to adicional da dívida externa, um maior pagamento
de juros no próximo ano e assim por diante.

É difícil sair desse círculo vicioso!

Ou melhor, quando um país tem elevados déficits


em transações correntes e para cobri-los vai se endi-
vidando e os juros daí decorrentes passam a ser o
principal causador do déficit, e em conseqüência do
próprio aumento da dívida, as coisas se complicam.
É como naquela propaganda de biscoitos: não se sabe
se o déficit é fresquinho porque a dívida cresce muito,
ou se o déficit é descomunal porque os títulos da dí-
vida vendem muito...

A situação pode chegar a tal ponto que a política


econômica de um governo é elaborada em função do
pagamento dos juros da dívida, e isso pode causar
problemas sérios para o bem-estar da população.

Em geral, o governo aposta numa política de incen-


tivo às exportações e desestímulo às importações para
que a diferença — ou o superávit comercial — seja
utilizada para cobrir o déficit causado pelos juros e
por outros itens da conta de serviços. Isto é, utiliza o

40
veneno do sapo para matar a cobra: o superávit no
comércio para neutralizar o déficit dos serviços.

Se não for possível neutralizar esse déficit e os in-


vestidores estrangeiros ficarem meio vacilantes e re-
duzirem suas aplicações, as contas podem não fechar
e a estabilidade da taxa de câmbio correrá perigo.

Se um Plano Econômico estiver apoiado no câmbio,


poderá naufragar. Não foi por outra razão que o au-
mento do déficit externo em 1998 foi notícia de des-
taque no final daquele ano.

Mas estamos nos antecipando. Logo em seguida ve-


remos mais em detalhe as conseqüências e condições
desse tipo de “solução” ou da falta dela.

De qualquer forma, devo reconhecer que o gato do


vizinho há muito não aparece em casa. Ou pelo menos
não o tenho visto.

Notei apenas que depois das fortes chuvas de janeiro


do ano 2000 apareceram algumas inconfundíveis mar-
cas de patas na parede da varanda. Visitas de meu
jovem vizinho em busca de seu gato não estão com-
pletamente descartadas. Portanto, preparemo-nos para
outras explicações.

12. O Amor ao Dinheiro e o Movimento de Capitais

Voltemos agora à notícia inicial sobre o déficit em


“transações correntes”, que foi a manchete de jornal

41
que tanto nos preocupou. Se a soma do resultado do
comércio exterior, da compra e venda de serviços e
das transferências unilaterais for negativa, isto é, se
ocorrer um déficit, este terá de ser compensado com
empréstimos e financiamentos ou outras entradas no
item denominado “movimento de capitais”.

Mas nesse movimento de capitais, ou na conta de


capital, existe um item denominado “amortizações”.
Ao contrário do que o nome possa sugerir, não está
relacionado com amor ao dinheiro, mas apenas com
o apego a sua devolução. Isto é, amor ao retorno do
que foi emprestado mediante pagamentos periódicos.

Se um país tiver uma dívida externa grande, como


é o nosso caso, além do déficit em transações correntes
ele terá mais uma diferença a ser coberta. Deverá rea-
lizar também as amortizações de sua dívida externa.
Essas amortizações somam-se ao déficit em transações
correntes, e o resultado dará a medida de quanto será
necessário para equilibrar as contas do Balanço de Pa-
gamentos em determinado ano.

Convém, no entanto, não confundir tais pagamentos


com os juros cobrados pelos empréstimos ou pela dí-
vida externa existente. Se por exemplo um país deve
US$ 100 milhões a uma taxa de juros de 10% ao ano,
só de juros deverá desembolsar 10 milhões no final
do primeiro ano.

Mas ao final do primeiro ano ele deverá também


devolver ou amortizar parte do empréstimo, a não ser

42
que o empréstimo tenha sido contraído com algum
prazo de carência, isto é, quando o principal só começa
a ser pago passados alguns anos.

Mas supondo que o devedor tenha de amortizar


parte da dívida logo no primeiro ano, além dos juros
deverá também devolver parte do principal.

Se a dívida tiver de ser paga em dez parcelas anuais


de 10 milhões cada, no primeiro ano, além dos juros,
o devedor deverá desembolsar mais dez milhões a tí-
tulo de amortização.

Acontece freqüentemente que o devedor não tem


recursos suficientes para fazer ambas as coisas: pagar
os juros e efetuar a amortização daquele ano. Quando
isso acontece — e é muito comum acontecer —, ge-
ralmente propõe ao credor refinanciar, ou como se diz
no jargão financeiro, “rolar” a dívida. Se houver con-
cordância, o credor embolsará os 10 milhões de juros
e “emprestará” 10 milhões ao devedor com os quais
a amortização será “paga”, permanecendo a dívida
total igual aos 100 milhões iniciais.

Mas, nesse caso, como o devedor demonstrou certa


fragilidade ou vacilo, o credor pode exigir taxas de
juros mais elevadas e/ou encurtar os prazos de ven-
cimento da dívida.

Veremos mais adiante como o Brasil foi levado a


isso durante os anos 80.

43
O leitor já deve ter percebido que, se o devedor
conseguir amortizar a primeira parcela da dívida no
final do primeiro ano, esta será reduzida, de acordo
com o nosso exemplo, para 90 milhões. No ano se-
guinte os juros de 10% serão cobrados sobre essa dí-
vida reduzida, isto é, serão 10% sobre 90 milhões, o
equivalente a 9 milhões, e assim por diante, até que
a dívida desapareça. Esses casos são raros, mas podem
acontecer. O mais freqüente é que as dívidas sejam
“roladas”, o que é considerado normal nos mercados
financeiros.

O importante é lembrar que, se um país tem um


déficit em “transações correntes”, suas necessidades
de financiamento para cobri-lo não se reduzem apenas
a esse déficit: a ele deverão ser somadas as amortiza-
ções. E estas serão tão maiores quanto maior for a
dívida e menor seu prazo de vencimento. Por isso é
importante “alongar o perfil da dívida” para pagar
amortizações menores a cada ano durante o período
de vigência da dívida.

A soma de ambos (déficit em transações correntes


+ amortizações) dará a medida de quanto um país
deverá tomar emprestado e/ou receber de investimen-
tos para chegar ao fim do ano “zerado”, isto é, sem
déficit.

Caso contrário, terá de recorrer às reservas, e se estas


não forem suficientes, o país “quebrará” e permane-
cerá numa espécie de “lista negra” do mercado finan-
ceiro internacional, como aconteceu com o Brasil de-
pois de 1982. Naquele ano a nossa situação era a seguinte:

44
Quadro 7
1982
Balança Comercial (a) +0,7
Balança de Serviços (b) –17,1
Transferências Unilaterais (c) —
Transações Correntes (d)
(a + b + c = d) –16,4
Amortizações (e) – 6,9
Total (d + e) –23,3

Esses números indicam que necessitávamos de US$


23,3 bilhões para fechar nossas contas do Balanço de
Pagamentos naquele ano. Mas só conseguimos 15 bi-
lhões. Ficamos portanto com um rombo de 8,3 bilhões.
Tínhamos cerca da metade dessa soma em reservas
que, mesmo destinadas totalmente ao fechamento da
diferença, foram insuficientes, e o Brasil “quebrou”.

Eu estava preparando explicações adicionais sobre


as formas de financiar o déficit em transações correntes
+ amortizações, quando uma corrente de vento espa-
lhou uma pilha de jornais velhos que eu examinava.

Notei que a porta da varanda encontrava-se semi-


aberta, e, ao fechá-la, dei de cara adivinhe com quem?
Com o nosso amigo gato. Mas foi num relance, pois
o animal deu um salto espetacular e, mesmo correndo
o risco de cair do décimo andar, desapareceu.

O aspecto positivo disso tudo foi que os jornais se


abriram no chão e um deles mostrava exatamente a

45
notícia que eu procurava: o crescimento vertiginoso
dos investimentos estrangeiros no Brasil — informação
associada à decisão da Ford de transferir-se do Rio
Grande do Sul para a Bahia. A notícia trazia também
dados sobre o crescimento da dívida externa, impul-
sionada por novos empréstimos e financiamentos ao
setor privado brasileiro.

De que maneira esse déficit em transações correntes,


somado às amortizações, pode ser coberto ou com-
pensado por investimentos diretos e empréstimos e
financiamentos?

13. Os Investimentos Diretos e a Guerra entre


Governadores

Encontrei meu jovem vizinho no elevador, indo para


o colégio. Como ele estava atrasado (lembrei do meu
tempo de estudante: igualzinho), mal teve tempo de
me cumprimentar. Mas se acontecesse o pior, isto é,
se ele parasse para perguntar alguma coisa, eu já es-
taria preparado. O caso da transferência da Ford, do
Rio Grande do Sul para a Bahia, estava ainda sendo
noticiado pelos jornais e inclusive reforçado pelos no-
ticiários da televisão. Seria uma barbada.

Mas comecemos do começo.

Se investidores estrangeiros resolverem aplicar seu


dinheiro no setor produtivo de determinado país, es-
tarão fazendo investimentos diretos ou de risco. Via

46
de regra, isso significa a entrada de dólares, seja para
custear as instalações de uma nova empresa, seja para
a aquisição de uma já existente, como acontece nos
casos das privatizações.

A vantagem de um investimento novo, quando uma


empresa faz novas instalações, constrói uma planta
etc. é que, além de proporcionar uma determinada
quantidade de empregos, o capital se imobiliza, e não
fica saindo ao menor sinal de crise cambial.

É verdade que no caso de uma privatização não há,


pelo menos inicialmente, nenhum investimento em no-
vas instalações etc. O que acontece é uma simples mu-
dança de donos. Se os vendedores utilizarem os re-
cursos obtidos para novos investimentos, então os efei-
tos no crescimento econômico serão sentidos.

Mas como o produto das privatizações é embolsado


pelo governo, que se comprometeu a utilizá-lo no aba-
timento da dívida interna, os efeitos sobre o cresci-
mento econômico nesses casos somente aparecerão no
médio prazo, quando as empresas compradoras co-
meçarem a realizar investimentos adicionais.

Mas, em qualquer caso, é necessário que algumas


condições consideradas vantajosas existam para que
esses investimentos ocorram.

Entre essas condições destacam-se o tamanho do


mercado interno e suas perspectivas, a estabilidade
política, a ausência de inflação ou uma bem pequena,

47
estabilidade cambial, recursos naturais abundantes e
vantagens tributárias e/ou isenções fiscais etc.

Estas últimas às vezes chegam a provocar uma ver-


dadeira guerra entre governadores de Estados brasi-
leiros e prefeitos de municípios de um mesmo Estado
para saber em que território a empresa vai ser instalada.

Num país onde um dos problemas sociais mais gra-


ves e sensíveis politicamente falando é o desemprego,
os governadores são capazes de entregar mundos e
fundos a fim de atrair grandes empresas para os seus
Estados.

Nessa luta, quem sai ganhando em geral são as mul-


tinacionais, pois embora esses investimentos tragam
a criação de empregos, os benefícios recebidos pelas
empresas são mais do que compensadores: além de
isenções fiscais por vários anos, governos estaduais e
municipais providenciam terrenos, empréstimos com
juros irrisórios, instalação de infra-estrutura etc.

Se esses recursos saírem dos cofres públicos — fe-


derais, estaduais ou municipais —, vão reduzir a ca-
pacidade de investimentos públicos em outras áreas,
como a educação e a saúde, e podem até contribuir
para aumentar o déficit público.

Embora a vinda de uma empresa estrangeira possa


trazer alguns dólares, o que sempre ajuda a fechar o
rombo das transações correntes, o custo interno pode
ser muito elevado e nem sempre compensador.

48
Contribui para resolver um problema no curto pra-
zo, mas pode agravá-lo no médio e no longo prazo.

De qualquer forma, depois da instauração do Plano


Real, esses investimentos cresceram consideravelmen-
te, como pode ser avaliado pelos dados abaixo:

Quadro 8
1994 1995 1996 1997
Investimentos Diretos 2,2 3,2 9,9 17,1
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

Podemos observar que a entrada de investimentos


diretos aumentou significativamente, ajudando a fe-
char o déficit em transações correntes. Mas é impor-
tante constatar também que essa entrada vultosa de
investimentos diretos contribuiu para aumentar o dé-
ficit na conta de serviços via remessa de lucros e di-
videndos e, portanto, o déficit em transações correntes,
como mostram os dados abaixo:

Quadro 9
1994 1995 1996 1997
Remessa de Lucros e
Dividendos –2,5 –2,6 –2,3 –5,7
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

Esses investimentos diretos lembram um pouco a


história do cobertor curto: se cobre a cabeça, deixa os

49
pés ao relento. Mas se servir de consolo, a China re-
cebeu mais investimentos diretos nos últimos anos do
que o Brasil. Nesse campeonato fomos apenas vice-
campeões.

Vejamos agora os empréstimos e financiamentos.

14. Empréstimos e Financiamentos, e Outra


Esclarecedora Cena da Vida Cotidiana

A principal diferença entre um empréstimo e um


financiamento reside na maior ou menor liberdade do
devedor em utilizar os recursos obtidos.

Por exemplo, quando minha filha me pede dinheiro,


eu exijo que ela preencha uma planilha (em duas lín-
guas, para já ir treinando...) dizendo como vai gastá-lo.

E não libero tudo de uma vez: vou soltando aos


poucos, em tranches ou parcelas; um tanto na segun-
da-feira, outro na quarta, e o restante na manhã de
sábado. Isso se durante a semana ela tiver cumprido
com suas obrigações, especialmente as relacionadas
com os estudos.

Como é fácil imaginar, ela não gosta muito de me


pedir dinheiro. Existe no entanto uma alternativa: a
avó.

Minha mãe vive em outro ponto da cidade e para


atrair os netos de vez em quando telefona e diz que

50
tem uma “lembrancinha”. É o código que significa
“tem uma graninha rolando no pedaço”. O único “cus-
to” é dar um pulo até lá, fazer um agrado na avó e
receber uma soma, sem nenhuma condição e geral-
mente a fundo perdido.

Forçando um pouco a barra, podemos dizer que eu


“financio” minha filha, e minha mãe “empresta” para
ela. Com a diferença, é claro, de que num financia-
mento ou empréstimo verdadeiro ambos deverão ser
devolvidos, acrescidos dos respectivos juros.

Ou melhor, um financiamento geralmente está preso


a um projeto e trata-se de dinheiro “carimbado”. Um
empréstimo oferece mais flexibilidade ao tomador para
realizar as despesas que desejar.

No caso dos financiamentos, as grandes entidades


internacionais (como o Bird, também denominado Banco
Mundial, ou o BID — Banco Interamericano de De-
senvolvimento) além disso exigem uma contrapartida,
isto é, uma parte do projeto aprovado deve ser cus-
teada com dinheiro próprio, com fundos do próprio
devedor, em geral o governo federal ou os governos
estaduais, e em alguns casos os municipais.

Às vezes um governo consegue um financiamento


no exterior, mas, não contando com recursos para a
contrapartida, acaba não os utilizando, embora pa-
gue taxas pelo tempo em que os recursos ficaram
“à disposição”.

51
Além disso, se o cronograma de obras não estiver
em dia, a liberação dos recursos pode ser interrompi-
da, ou mesmo o próprio financiamento ser cancelado.

Embora as exigências para a concessão de um fi-


nanciamento sejam maiores, as taxas de juros são ge-
ralmente mais baixas e os prazos de pagamento mais
longos. Os financiamentos podem ter também os cha-
mados períodos de carência, constituídos por certo nú-
mero de anos (cinco anos, por exemplo), durante os
quais o devedor só paga os juros e não tem de amor-
tizar parte da dívida, ou seja, não necessita pagar as
parcelas do principal.

Os empréstimos, ao contrário, não exigem tantas


condições. Isto é, a aplicação do dinheiro é mais fle-
xível, não sendo necessários projetos tão detalhados
e consistentes. Em compensação, as taxas de juros são
mais elevadas e os prazos de pagamento mais curtos
(nesse caso o exemplo entre minha mãe e minha filha
não vale... E já que estamos falando nisso, devo con-
fessar: submeti minha filha a esse regime só até ela
completar 38 anos...).

Geralmente os empréstimos são mais comuns em


bancos privados, e os financiamentos em bancos ofi-
ciais como o Banco Mundial ou o BID.

Mas, à diferença do que aconteceu na minha família


entre avó e neta, o dinheiro emprestado tem de ser
devolvido e com juros. Se o financiamento for de longo
prazo e, além disso, os juros forem civilizados, fica
mais fácil honrar os compromissos da dívida.

52
Um país, uma empresa ou até mesmo uma pessoa,
se não gozarem de crédito ou perderem aquele que
tinham, deixam de receber essas condições dos credo-
res. Nesse caso os financiamentos vão rareando e en-
tram em cena os empréstimos em cuja ponta sempre
se encontra alguém que, sem muita injustiça, podería-
mos chamar de agiota.

Quando isso ocorre, o pagamento da dívida (nesse


caso a externa) torna-se cada vez mais difícil. Não só
os prazos começam a encolher, como as taxas de juros
a aumentar e o chamado “serviço” da dívida vai se
transformando num verdadeiro tormento.

É bom lembrar, no entanto, que o crescimento do


endividamento foi a solução para cobrir os déficits em
transações correntes. O remédio tomado com freqüên-
cia acabou não apenas viciando, como debilitando o
doente, e este passou a exigir doses cada vez mais
fortes. Em outras palavras, o endividamento, que no
início era solução, em pouco tempo transformou-se
em problema.

Com os investidores de médio e longo prazos tor-


nando-se arredios, a cobertura do déficit externo pas-
sou a depender cada vez mais dos chamados capitais
de curto prazo.

Esses capitais, como o próprio nome diz, são aqueles


que permanecem pouco tempo em cada aplicação.
Chamados também de hot money, ou de smart money,
ou literalmente de dinheiro “quente” e “esperto”, são

53
aplicados na Bolsa de Valores ou em títulos da dívida
interna de curto prazo, e ao menor sinal de perigo
saem com a mesma agilidade com a qual entraram.

Embora sua chegada possa ser saudada com rojões,


pois ajuda a cobrir o déficit em transações correntes
e, eventualmente, até a engrossar as reservas (quando
entra em grande escala), sua saída repentina e maciça
pode causar crises cambiais de grande envergadura.
São recursos pouco confiáveis, pois podem sair a qual-
quer momento. E se um país dispõe de grande parte
de suas reservas nesse tipo de dinheiro, serão reservas
quase virtuais, pois podem desaparecer em poucas se-
manas. Não servem portanto para lastrear a estabili-
dade da taxa de câmbio de forma duradoura.

Em resumo, um país que tem déficits em transações


correntes grandes e crescentes depende muito da en-
trada de recursos externos. Essa dependência faz com
que não possa fazer muitas exigências quanto à qua-
lidade desses recursos. É como um construtor irres-
ponsável que depende muito do fornecimento de
areia para construir e aceita até aquela obtida nas
praias do Rio de Janeiro. Seus edifícios serão bas-
tante inseguros.

Como necessita conceder vantagens para quem vier,


será prisioneiro da manutenção de elevadas taxas de
juros e da manutenção de outros benefícios para esses
investidores. E rezará para que não aconteça o pior:
a recusa dos investidores mesmo diante de todas essas
benesses e vantagens.

54
Já vimos como isso aconteceu em 1982, e o Brasil
não pôde pagar seus compromissos externos. Coisa
parecida se repetiu no final de 1998 e início de 1999,
quando ficou claro que não teríamos condições para
fechar nossas contas externas sem a intervenção de
organismos internacionais como o FMI e sem desva-
lorizarmos a nossa moeda, apesar de termos lançado
a taxa de juros para estratosféricos 49,75% ao ano. Ve-
remos isso em detalhes mais adiante.

Agora é importante reter a noção de que uma eco-


nomia pode começar a deslizar pelo plano inclinado
da crise se toda a sua política econômica for condi-
cionada por esse desajuste externo.

Mas o desequilíbrio do setor externo não é o único


que leva a economia de um país a uma crise, carac-
terizada pela recessão, ou ausência de crescimento eco-
nômico, que pode ser acompanhada de inflação pro-
vocada por desvalorizações cambiais.

O setor interno, ou mais precisamente um forte de-


sequilíbrio nas contas do governo, também pode ori-
ginar e/ou agravar uma crise econômica.

Como dizem os mineiros, “desgraça pouca é boba-


gem”, ou, traduzido para o caipirês: uma desgraça
sempre vem acompanhada de outra. E o desequilíbrio
do setor externo geralmente vem acompanhado de
uma crise no setor interno, caracterizada por um au-
mento do déficit nas contas do governo.

55
O leitor deve estar lembrado de que, ao abrir a porta
da varanda para enxotar o gato da vizinha que amea-
çava com suas andanças minha roça de janela, o vento
espalhou os jornais velhos que estavam sobre a mesa,
jogando-os no chão. Uma outra manchete me chamou
a atenção.

Coincidência ou não, ela se referia exatamente ao


problema mencionado no parágrafo anterior. Dizia o
seguinte: “Déficit público eleva dívida interna a 38%
do PIB: recorde no Real”. O jornal era de meados de
1998.

Vejamos como as carícias mútuas entre o déficit pú-


blico e a dívida interna podem levar o organismo eco-
nômico a momentos de pura tensão...

56
CAPÍTULO 2

OS DESEQUILÍBRIOS DAS
CONTAS PÚBLICAS

1. O Déficit Público, a Dívida Interna e a Caça de


Passarinho com Visgo de Jaca

Quando um governo gasta mais do que arrecada,


provocando um déficit, ele tem dois caminhos no curto
prazo para cobri-lo: tapar o buraco emitindo moeda
e/ou lançar títulos da dívida pública, vendê-los no mer-
cado e com o dinheiro arrecadado fechar a diferença.

No primeiro caso resolve o problema pela via rápi-


da. Mas cria inflação. Ao obrigar as pessoas a aceitar
os papéis coloridos emitidos, está na verdade criando
uma dívida compulsória “não resgatável”. Como não
há data de “vencimento”, nem promessa de pagamen-
to de juros, os portadores dessas notas só poderão
trocá-las por outras iguais.

Como isso não tem sentido, a não ser quando a nota


possuída está muito velha e deteriorada, o prejuízo

57
acaba sendo assumido por quem faz seus negócios
utilizando esse tipo de dinheiro que se desvaloriza.

Se por ventura quiser trocar uma nota por outra


igual, quando o fizer receberá uma novinha em fo-
lha, mas com um valor inferior, pois nesse intervalo
de tempo a inflação já devorou parte do seu poder
aquisitivo.

Isto é, emitir moeda e colocá-la em circulação pro-


voca inflação, pois o aumento da quantidade de di-
nheiro geralmente é maior do que o crescimento dos
bens e serviços produzidos numa economia.

No segundo caso, ou seja, quando o governo emite


títulos da dívida pública, a pressão inflacionária não
surge imediatamente, e pode ser que nem venha a
acontecer, pois o governo captura dinheiro que já está
em circulação, de posse das pessoas que compraram
esses títulos, e com tais recursos cobre a diferença entre
despesas e receitas.

Mas para convencer alguém a comprar um título


de dívida, o emissor (o governo) tem de prometer pa-
gar juros e também devolver o dinheiro emprestado
na data do vencimento. Nesse caso trata-se de uma
dívida resgatável: além dos juros o credor recebe o
seu dinheiro de volta.

Para o governo, isso é mais oneroso do que a simples


emissão de dinheiro, pois exige o pagamento de juros
e implica devolução do dinheiro emprestado. A van-

58
tagem é que não produz um efeito inflacionário ime-
diato, embora uma futura elevação dos juros possa
trazer outra desgraça: o despertar do bicho-preguiça
da recessão.

O público, diga-se de passagem, não adquire esses


títulos diretamente. Quem compra em primeira mão
são geralmente os bancos, que os revendem a seus
clientes dividindo com eles a taxa de juros paga pelo
governo. Os bancos têm diversos menus para essa fi-
nalidade, que são os fundos de investimento, os cer-
tificados de depósitos bancários etc.

Mas o problema é que esses recursos obtidos por


intermédio da venda de títulos têm de ser devolvidos.
Enquanto aguardam, deságuam num imenso reserva-
tório denominado dívida interna. Se no momento do
vencimento de parte dessa dívida e do pagamento dos
respectivos juros o governo não arrecadar impostos
suficientes (o que tem sido o nosso caso nas últimas
décadas), terá de apelar outra vez para a emissão de
mais títulos, pois apresentará novamente um déficit
em suas contas.

A partir de certo ponto a dívida interna terá crescido


tanto que os credores, desconfiados e temerosos, só
farão novos empréstimos ao governo se a taxa de juros
aumentar e os prazos de vencimento tornarem-se mais
curtos.

É o mesmo princípio que já vimos quando tratamos


da dívida externa.

59
Na cabeça do credor a coisa funciona mais ou menos
assim: se alguém deve somas crescentes, é provável
que não tenha condições de me pagar; se ele pedir
mais dinheiro emprestado, eu só concordarei se a taxa
de juros for mais elevada, para compensar o risco
crescente.

Se a taxa de juros aumentar muito, todos sabemos


o que acontecerá: um banho de água fria nos negócios:
como grande parte das compras nas economias mo-
dernas é feita a prazo, ou seja, mediante vendas no
crediário, uma taxa elevada de juros inibirá o cresci-
mento das vendas e, portanto, da produção.

Além disso, as empresas não sentirão muito estí-


mulo em investir tomando empréstimos nos bancos,
pois o pagamento de juros elevados poderá comer toda
a sua lucratividade.

Se, no limiar do desespero, o devedor prometer pa-


gar uma taxa exageradamente elevada (para “tentar”
os investidores e atrair empréstimos), o negócio tor-
na-se tão suspeito e difícil de ser honrado que os cre-
dores atentos se recusarão a continuar emprestando.

Se os credores se negarem a continuar emprestando


para o governo, porque este, como devedor, perdeu
totalmente a credibilidade, só há uma saída: a emissão
desenfreada de papel colorido para cobrir os déficits
governamentais.

Nesse caso a inflação tende a disparar.

60
E a história nos ensina que, se os preços se elevarem
muito rapidamente e com grande intensidade, as pes-
soas se recusarão a usar a moeda nacional, aceitando
apenas moedas estrangeiras (o dólar, por exemplo)
para realizar suas transações. Portanto, nem o recurso
às emissões de papel-moeda resolve em certos casos
extremos.

Quando ocorre uma hiperinflação, é possível obser-


var a prática do escambo, isto é, a troca de mercadoria
por mercadoria, ou produto por produto. Quando se
alcança uma situação semelhante, o dinheiro, que já
havia perdido a função de reserva de valor, perde tam-
bém a de ser intermediário de trocas. Isso significa
um retrocesso, e o organismo econômico tende ao ra-
quitismo: os negócios ficam semiparalisados.

Em resumo, como o governo não consegue manter


suas contas equilibradas, mas ao mesmo tempo não
deseja provocar inflação emitindo moeda para cobrir
o déficit, apela para a dívida interna. Escolhe o menor
dos dois males, ou como dizia um velho economista,
entre o desagradável e o desastroso, escolhe o primeiro.

Mas ao repetir a dose, pois os juros crescentes a


serem pagos passam a ser no momento seguinte a cau-
sa do novo déficit, a dívida interna tende a aumentar.
O governo termina como prisioneiro da dívida, sendo
obrigado a manter as taxas de juros nas nuvens.

A situação se assemelha à caça de passarinhos com


visgo de jaca. A incauta ave pode até pensar que se

61
trata de um delicioso manjar, mas se pisar, mesmo
levemente, naquela gosma pegajosa estará perdida,
pois, ao tentar se livrar com a outra pata, termina se
prendendo mais ainda; e se a substância atingir suas
penas, a pobre ave ficará totalmente imobilizada...

Confesso que vacilei em utilizar um exemplo tão


dramático, ofensivo ao equilíbrio ecológico e à paz do
meio ambiente para explicar a situação de nossas con-
tas públicas a um adolescente. Mas um trauma às ve-
zes traz resultados mais positivos do que a mera re-
petição de números. Mesmo porque em São Paulo seria
muito pouco provável que o meu jovem vizinho ten-
tasse repetir a experiência pela absoluta falta de ja-
queiras e, pelo andar da carruagem, até mesmo de
passarinhos...

Lembra-se o leitor de que a notícia comentada tinha


por manchete o fato de as taxas de juros terem elevado
a dívida interna para 38% do PIB em meados de 1998?
Seis meses depois ela já havia superado os 41%, e em
1999 ultrapassara levemente a casa dos 46%! E dívida
de curto prazo!

Quadro 10
Resultado Primário Resultado Nominal
(sem juros) (com juros)
(em bilhões de reais)
1999 +31 -96
Em % do PIB 3,1% (superávit) 10,0% (déficit)

62
É interessante notar que as despesas com juros são
tão relevantes que as informações sobre o déficit pú-
blico aparecem em dois conceitos, como pode ser ob-
servado no quadro anterior: o déficit primário e o ope-
racional ou nominal. O primeiro não inclui as despesas
com juros; o segundo as considera. Em 1999, como
mostra o quadro 10, o governo gastou menos do que
arrecadou. Ou seja, teve um superávit primário de
3,1% do PIB. Mas incluídos os juros, o superávit se
transforma num imenso déficit, de 10% do PIB.

A conclusão é que a existência de sucessivos déficits


leva ao aumento da dívida interna. Os juros que ela
implica podem ser o fator decisivo para um novo dé-
ficit, uma dívida maior ainda e assim por diante.

É necessário esclarecer que parte dos juros que o


governo paga e que aparecem registrados em suas con-
tas desequilibrando-as corresponde àqueles pagos pela
parte da dívida externa do setor público, pois esta é
compartida com o setor privado.

Mas a participação fundamental nas despesas do


governo com juros é relativa à dívida interna, porque
esta é integralmente de sua responsabilidade.

Em outras palavras, os juros da dívida externa são


pagos pelo governo e pelo setor privado na proporção
do endividamento de cada um. Hoje o setor público
é responsável por cerca de 45% dessa dívida, e os res-
tantes 55% correspondem ao setor privado.

63
Mas esse círculo vicioso entre déficit e dívida torna
a situação de um governo muito complicada, pois ele
não pode reduzir a taxa de juros: depende dela para
que continuem a existir interessados em comprar os
títulos da dívida, ou seja, para que esta seja “rolada”.

Taxas de juros elevadas, como já vimos, bloqueiam


o crescimento econômico. Em casos extremos podem
lançar o país numa recessão.

Quando a taxa de juros se eleva, consumidores e


investidores do setor produtivo tomam um banho de
água fria: consumo e investimento se contraem.

Se a demanda encolhe, os preços ficam bem-com-


portados, pois os empresários maneram nas remarca-
ções para não perder clientes, especialmente quando
a concorrência se acirra. A inflação leva um susto e
dá uma paradinha.

Mas, embora isso ajude a conter a inflação (e o preço


que se paga, sempre é bom lembrar, é o desaqueci-
mento da economia), existe uma outra ameaça que
vem do setor externo, via desvalorização do câmbio,
que precisamos examinar.

2. Os Déficits Gêmeos e o Perigo de um Ataque


Especulativo

Já vimos que, se os déficits em transações correntes


do Balanço de Pagamentos se repetirem, o país precisa

64
cobrir o rombo atraindo capitais estrangeiros, ofere-
cendo vantagens, entre as quais uma das mais impor-
tantes é uma taxa de juros elevada.

Ora, a manutenção de uma elevada taxa de juros


corrói as contas públicas. As despesas com o paga-
mento de juros levam as contas do governo para o ca-
minho do déficit público, e este pode tornar-se crônico.

Em “economês” a existência de déficits no setor ex-


terno (déficit em transações correntes) e no setor in-
terno (déficit público nas contas do governo) denomi-
na-se “déficits gêmeos”. Trata-se de uma situação mui-
to vulnerável e perigosa.

É o caldo de cultivo dos denominados ataques es-


peculativos.

Mas o que vem a ser um ataque especulativo?

Bem, antes de mais nada, um consolo: qualquer eco-


nomia pode sofrer um ataque especulativo. A econo-
mia norte-americana já sofreu um e foi obrigada a des-
valorizar o dólar, o mesmo acontecendo com a inglesa,
quando a libra esterlina teve o mesmo destino, isto é,
foi também desvalorizada.

A partir da adoção do Plano Real, a economia bra-


sileira, ou mais diretamente sua moeda, o real, já so-
freu três ataques. Os dois primeiros foram repelidos,
mas o terceiro teve êxito e a moeda brasileira sofreu
forte desvalorização em janeiro de 1999.

65
Um ataque especulativo ocorre quando existe uma
desconfiança dos investidores sobre a solidez dos fun-
damentos que sustentam a estabilidade de uma moe-
da. E esses fundamentos, como sabemos, são as contas
externas de um país ou seu Balanço de Pagamentos,
e as contas do governo.

Quando esses fundamentos, ou vigas de sustentação


da estabilidade, começam a apresentar rachaduras —
representadas pelos déficits gêmeos —, as pessoas que
percebem que eles não mais agüentarão o peso do
edifício tratam de abandoná-lo o mais rapidamente
possível.

No caso concreto de prédios com ameaça de desa-


bamento (ou incêndio), a recomendação é que seus
moradores saiam sem cair na tentação de retirar alguns
pertences, mesmo os mais valiosos. Algumas pessoas
morrem ao fazer essas tentativas.

Com o ataque especulativo acontece o mesmo: os


retardatários, isto é, aqueles que não acreditam que o
edifício vai desabar e só se convencem quando é tarde
demais, são os perdedores.

No caso de uma economia, existe no entanto uma


pequena diferença em comparação com essas tragédias
que de vez em quando acontecem nas cidades brasi-
leiras: a saída dos ocupantes acelera o desabamento
do prédio!

A explicação desse curioso fenômeno pode ser en-


tendida se imaginarmos uma situação na qual cada

66
morador ao sair levasse consigo parte das colunas que
dão sustentação a um edifício. Ao contrário de aliviar
peso e salvar a construção, a saída (no caso, dos in-
vestidores) aceleraria o desmoronamento.

Esses “pedaços de colunas” não são outra coisa do


que parte das reservas que o país acumulou em pe-
ríodos anteriores, constituídas por moedas fortes como
o dólar dos Estados Unidos. E tais reservas só foram
acumuladas porque o Balanço de Pagamentos acusou
superávits em lugar de déficits.

Vejamos essa questão um pouco mais de perto.

3. A Formação das Reservas e Sua Utilização


Descontrolada como Prelúdio das Crises Cambiais

Quando um país não consegue cobrir o déficit em


transações correntes do Balanço de Pagamentos com
a entrada de capitais (empréstimos e financiamentos,
investimentos diretos etc.), ele geralmente recorre às
suas reservas para realizar esse equilíbrio. A pergunta
natural é saber de onde vêm tais reservas.

Normalmente, como já assinalamos, elas têm origem


em superávits do Balanço de Pagamentos obtidos em
anos anteriores. No caso brasileiro, esses superávits
ocorreram porque, embora tivéssemos déficits em
transações correntes, entravam mais dólares pela conta
de capital do que o necessário para cobrir esse déficit
pelo menos até 1996. Depois, com a crise asiática em

67
1997, seguida da crise russa em 1998, esses fluxos se
inverteram.

Esse saldo positivo é canalizado para um piscinão


denominado “reservas”, acumulando-se ali. É como
se uma grande barragem fosse recebendo água para
enfrentar um período de estiagem. Quanto maiores
forem as reservas em moeda forte, maiores serão as
garantias para uma economia enfrentar eventuais dé-
ficits futuros.

A existência de grandes reservas garante também a


estabilidade da taxa de câmbio. Por quê? A resposta
é que, se o déficit em transações correntes não for
coberto pela conta de capital, o governo poderá lançar
mão de suas reservas para fazê-lo, sem ter de desva-
lorizar o câmbio.

Por quê?, perguntaria meu vizinho. Ou: qual é a


relação entre o esgotamento das reservas e a desva-
lorização do câmbio? A resposta é bastante simples.
Quando as reservas não são suficientes para cobrir um
déficit, ocorre uma crise cambial. Há escassez de moe-
das fortes no país, e além de ter de renegociar as dívidas
com os credores, será imperioso que o déficit em tran-
sações correntes seja reduzido no futuro imediato.

A única forma de obter esse resultado é transformar


um déficit na balança comercial em um megassupe-
rávit; a ferramenta própria para isso é a desvalorização
cambial, para que as exportações sejam estimuladas e
as importações, reduzidas.

68
Um expressivo superávit na balança comercial, so-
mado ao saldo positivo das transferências unilaterais,
poderá compensar o déficit da conta de serviços de
tal forma a eliminar ou reduzir o que causou todo o
problema: o déficit em transações correntes.

Foi o que aconteceu, como já vimos, em 1982. Nossas


reservas não foram suficientes para cobrir o déficit
final do Balanço de Pagamentos, inclusive tornando-se
“negativas”, e o remédio foi uma forte desvalorização
da moeda brasileira no início de 1983. Em 1984 o su-
perávit comercial foi suficiente para zerar o déficit e
até gerar um pequeno superávit em transações cor-
rentes, coisa rara de acontecer.

O centro da questão é que a balança comercial só


muda de sinal no curto prazo — passando de um
déficit para um superávit — se ocorrer uma desvalo-
rização cambial que estimule as exportações e dificulte
as importações, tornando-as mais caras.

É claro que, se o país for obrigado a conseguir um


megassuperávit comercial dessa forma, os preços de
todos os produtos importados se elevarão e uma onda
inflacionária arrebentará na praia dos consumidores.

Além disso, a confiança na estabilidade de preços


será abalada. Se o combate à inflação for a principal
meta de um governo, seu desgaste será inevitável.

O problema é que a simples ameaça de uma des-


valorização, pois as reservas de um país são insufi-

69
cientes ou pouco confiáveis, pode iniciar uma deban-
dada de investidores, antes que o edifício desmorone.
Se ao sair cada um levar consigo um pedaço da viga
de sustentação, o edifício inevitavelmente desabará.

4. Senta que o Leão É Manso!

Não pode haver situação mais danosa do que essa


para uma economia. Mesmo quando o ataque espe-
culativo fracassa, isto é, não resulta na desvalorização
da moeda atacada, como nos aconteceu em 1995 com
a crise mexicana e em 1997 durante a crise asiática, a
economia sofre ferimentos profundos que a fazem per-
der sangue e ter o seu crescimento comprometido.

O mecanismo de defesa se estabelece mais ou menos


assim: quando um governo percebe que os investido-
res financeiros começam a “pedir o boné”, isto é, a
sair maciçamente, tentam conter a debandada ofere-
cendo mais vantagens para quem ficar.

O leitor provavelmente se lembra daquela imagem


dos inquilinos saindo do edifício e levando partes das
colunas de sustentação, o que aumentava o perigo de
desabamento.

No desespero, para evitar a ruína imediata, o síndico


poderia oferecer para quem ficasse, por exemplo, a
isenção de pagamento do condomínio por um deter-
minado prazo, maior ou menor, dependendo da imi-
nência da tragédia.

70
Mesmo supondo que alguns moradores resolvam
ficar, pois é tentador permanecer sem pagar condo-
mínio durante digamos um ano, e o edifício não des-
morone, o síndico não terá meios para mantê-lo nos
doze meses seguintes.

A qualidade de vida dos moradores certamente cai-


rá, especialmente para aqueles que, não tendo para
onde ir, não receberam proposta de isenção de con-
domínio. Esses, que acabam arcando com grande parte
do sacrifício, representam a grande maioria da popu-
lação de um país.

Mas, se as promessas do síndico não convencerem


vários moradores e estes resolverem sair, o edifício
desabará. Perderão aqueles que tiverem permanecido
e caberá ao síndico — se ainda permanecer no cargo
— remover os escombros. Os que saíram antes da que-
da ganharão, pois terão vendido seus apartamentos e
todos os seus pertences, e conservarão seus valores
intactos, podendo comprar o terreno do edifício sinis-
trado por preço de banana, sempre observando, é cla-
ro, se ainda resta alguma coisa por desabar, só vol-
tando depois disso.

Nos casos concretos de ataques especulativos é mais


ou menos isso o que acontece. O investidor que saiu
um pouco antes da desvalorização cambial pode ga-
nhar duplamente. Ou melhor, se sair no momento cer-
to pode surfar duas ondas de uma só vez: sai quando
o dólar está “barato”, trocando seus reais, prenhes de
juros (ou de outros ganhos, como na Bolsa de Valores,

71
por exemplo), pela moeda norte-americana, e volta
quando esses dólares estão “caros” e compram muitos
reais, pois estes se desvalorizaram.

É o momento das pechinchas. É hora de arrematar


o patrimônio dos que ficaram e que estão com a corda
no pescoço. Não é por outra razão que geralmente
esses capitais que saíram voltam até incrementados
algum tempo depois, dando a impressão de que está
tudo bem e que agora os alicerces estão sólidos.

Depois do ataque especulativo de janeiro de 1999,


quando o real acabou sendo desvalorizado, os capitais
estrangeiros voltaram em grande escala comprando
tudo que estivesse pela frente e participando ativa-
mente do processo de privatizações. Muitas empresas
brasileiras foram vendidas por verdadeiras bagatelas
para quem tinha dólares, os quais chegaram a valer
mais de R$ 2,00 durante algum tempo em 1999!

Mesmo depois da estabilização da taxa de câmbio


entre R$ 1,75 e 1,80 por dólar, no início de 2000, as
entradas de investimentos diretos prosseguem a todo
vapor. Em janeiro de 2000 entraram US$ 3 bilhões em
investimentos diretos, o que é recorde para um mês
de janeiro. E muitas previsões estão sendo revistas para
cima: o Banco Central já está contando com US$ 30 bi-
lhões em investimentos diretos até o final do ano 2000,
em lugar dos US$ 25 bilhões inicialmente esperados.

Mas o importante é reconhecer que as ameaças de


ataques especulativos, que podem resultar em verda-

72
deiros desastres financeiros e econômicos, decorrem
não só da incúria dos governos mas também do fato
de vivermos uma época de grandes incertezas.

Essa insegurança se reflete na instabilidade das moe-


das. Hoje, o valor das moedas, isto é, as taxas de câm-
bio, tanto as de boas famílias como as bastardas, variam
diariamente. E essas flutuações podem ser muito pro-
nunciadas em curtos períodos de tempo, dando grande
instabilidade ao mercado financeiro internacional.

Notem que a crise brasileira foi precedida da me-


xicana no final de 1994, da asiática em 1997 e da russa
em 1998. E todas elas resultaram em fortes desvalo-
rizações das respectivas moedas e provocaram abalos
em todos os mercados financeiros internacionais, mes-
mo nos mais sólidos.

Mas já vivemos épocas mais tranqüilas. Depois da


Segunda Guerra Mundial e até meados dos anos 70
do século XX, as incertezas econômicas eram bem me-
nores, e até que se viviam momentos relativamente
calmos, pelo menos em relação às flutuações cambiais.
É claro que o perigo de uma nova guerra mundial,
devastadora e final, era uma acompanhante soturna
e indesejável. Em 1962, a chamada crise dos foguetes
em Cuba nos levou ao limiar de um confronto entre
os Estados Unidos e a então União Soviética. Mas no
campo econômico as coisas marchavam bem.

O que aconteceu nestes últimos trinta anos? Quais


foram as causas de tanta instabilidade econômica e
financeira depois dos anos 70?

73
Bem, para examinarmos esta questão um pouco
mais de perto teremos de usar aquela bota de sete
léguas que em questão de linhas pode nos deslocar
no tempo e no espaço. Visitemos outras épocas e re-
giões onde coisas dramáticas ocorreram no campo da
economia e das finanças e que podem nos ajudar a
entender por que desembocamos numa situação de
tanta incerteza e instabilidade.

Examinemos em primeiro lugar e com mais detalhes


a questão do dinheiro.

74
CAPÍTULO 3

O DINHEIRO E SUAS
TRANSFORMAÇÕES

1. O vil (enquanto não é nosso) metal e sua


transformação em papel colorido

No início do desenvolvimento do capitalismo co-


mercial no século XVI, quando as mercadorias come-
çavam a ser vendidas e compradas no Velho e no Novo
Mundo, as trocas eram realizadas mediante moedas
cujo valor coincidia aproximadamente com o seu con-
teúdo metálico. Comprar e vender consistia numa real
troca de valores equivalentes: uma mercadoria como,
por exemplo, uma jarra de azeite, era comprada por
uma moeda de prata.

Quem vendia o azeite adquiria um valor equiva-


lente representado pela prata da moeda recebida
como pagamento.

Metais como o ouro e a prata eram cunhados nos


quatro cantos do mundo como moeda, pois suas ca-

75
racterísticas faziam com que servissem bem como
equivalentes de valor de todas as demais mercadorias.

Eram duráveis, homogêneos, divisíveis, obtidos em


estado quase puro (como é o caso do ouro), maleáveis,
conhecidos em todo o mundo e uma pequena porção
podia representar um valor relativamente grande de
outras mercadorias como tecidos, azeite, trigo ou ce-
râmicas, por exemplo.

Preenchiam três funções essenciais ao comércio: a)


eram eficientes intermediários de trocas; b) serviam
como reserva de valor, pois eram duráveis; c) a prática
de utilizá-los deu a eles certa estabilidade como uni-
dade de cálculo de valor, ou unidade de conta. Por-
tanto, eram ótimas ferramentas para medir os preços.

A utilização do ouro e da prata para a cunhagem


de moeda tornou-se uma prática tão generalizada que
a palavra dinheiro em português tem origem na pa-
lavra latina denarius, moeda de prata equivalente a
dez asses.

Esses “asses” por sua vez eram moedas de cobre


de uso corrente na Roma Antiga, indicando que o co-
bre também foi utilizado como metal para a cunhagem
de moedas, especialmente as de menor valor.

A expressão “ganhar uns cobres” até recentemente


era usada entre nós para dizer “ganhar algum dinhei-
ro”. A utilização dos metais preciosos para a cunha-
gem de moedas, ou a correspondência do valor da

76
moeda ao ouro ou à prata, faz com que em alguns
países ainda hoje esses metais nobres sejam sinônimos
de dinheiro, como na Alemanha (Geld, da palavra Gold,
que significa ouro em alemão) e na França (argent, que
em francês significa o metal prata).

Na Argentina o dinheiro é designado pela palavra


plata (prata em espanhol) e o nome do próprio país
provém da palavra argentum (prata em latim). É inte-
ressante observar também como certas palavras indi-
cativas de alguma relação com o dinheiro revelam pe-
ríodos ainda mais remotos de sua história.

Os termos “pecúnia” e “pecuniário”, por exemplo,


originam-se da palavra latina pecus, que significa gado,
o que indica a utilização que se fazia antigamente de
bois e outros animais como meio de troca e pagamento.
Nas chamadas sociedades primitivas ou em estágio
ainda muito próximo de uma economia natural, os
mais variados objetos serviram também como meio
de troca: conchas, colares, ossos, peles, sementes etc.

Essas referências históricas ao nascimento do dinhei-


ro são úteis para mostrar que ele não tem nada de
misterioso. E o fato de se considerar o ouro uma ex-
pressão de riqueza tem origem nas dezenas de séculos
durante os quais esse metal serviu para a cunhagem
de moedas. Sua existência metálica confundiu-se com
sua existência como valor ou riqueza. E muitos podem
até acreditar que ele já nasceu assim, mas se trata de
uma ilusão: foi o seu uso secular como moeda, ou a
prática social de servir como dinheiro, que lhe deu

77
essa aparência mística de ser riqueza pela própria
natureza.

O fascínio que o ouro exerceu e exerce sobre as pes-


soas tem origem nesse processo histórico: durante sé-
culos ele foi utilizado como dinheiro e, portanto, como
riqueza em geral, pois com ele se poderia adquirir
qualquer coisa.

Mas na época em que os metais preciosos eram uti-


lizados para a cunhagem de moedas, havia uma cor-
respondência entre o valor representado pela moeda
— seu valor de face — e o seu conteúdo material, isto
é, a quantidade de metal que ela continha. O portador
de uma moeda de ouro carregava consigo o próprio
valor do ouro expresso na face daquela moeda. Não
se tratava de um “representante” de um valor que se
encontrasse guardado em outro lugar.

Moedas de ouro significavam diretamente riqueza.


Quem as possuísse não precisava temer sua desvalo-
rização. A única forma de sair prejudicado era quando
algum príncipe malvado (para financiar suas despesas
perdulárias ou promover guerras, o que era muito fre-
qüente) ordenava o recolhimento de todas as moedas
existentes e realizava a “recunhagem”.

O príncipe mantinha o mesmo valor de face da moe-


da (1 ducado, 1 florim etc.), mas retirava parte do metal
que a constituía. Desvalorizava a moeda. Quem resis-
tisse e fosse pilhado com as moedas antigas corria o
risco de ser enforcado. Era a forma primitiva do atual

78
“imposto inflacionário”, do qual trataremos mais
adiante.

O resultado era uma onda inflacionária, e as novas


moedas recunhadas passavam a valer menos, tornan-
do-se portanto menos confiáveis.

Mas existiram moedas (como o florim, por exemplo)


que por vários séculos mantiveram seu valor mais ou
menos constante, pois a quantidade de ouro que con-
tinham não foi alterada. Eram as moedas “fortes” de
seu tempo. Todos confiavam no seu valor.

Mas assim como o vestuário, que a partir da função


básica de proporcionar proteção foi desempenhando
outras no decorrer da história, o dinheiro foi ganhando
também novas formas e funções com o desenvolvi-
mento do capitalismo.

Hoje existem formas muito sofisticadas de roupa —


basta apreciar qualquer desfile de moda — que nem
remotamente lembram as primeiras peles de animais
com as quais o homem primitivo se protegeu do frio;
ou formas de dinheiro que aparentemente nada têm
a ver com os velhos florins ou ducados da época
renascentista.

Certo dia de rodízio na cidade de São Paulo tomei


um ônibus na região de Pinheiros e já ia passando
pela catraca quando retrocedi. Os bancos situados de-
pois dela estavam ocupados por um grupo de punks
em atitude desafiadora. Um deles vestia-se com um

79
tipo de roupa que lhe dava uma aparência semelhante
ao resultado do cruzamento de Dercy Gonçalves com
Rambo.

Por precaução resolvi esperar que eles descessem


para então ultrapassar a catraca. Enquanto isso fui
brincando com a idéia de que aquela roupa já não
guardava nenhuma relação com a função primária de
fornecer ao homem proteção contra um ambiente hos-
til. Ao contrário, era a forma de se comportar e vestir
daquele grupo que transformava o entorno — a meu
ver — em algo hostil ou desagradável. A roupa da-
quele sujeito tinha mais a intenção de assustar do que
outra coisa. E, creio, conseguiu seu objetivo...

Hoje o dinheiro assume formas bem diferentes das


existentes nos primórdios do capitalismo. Basta lem-
brar as diferenças entre uma moeda de ouro ou prata,
um cheque ou um cartão de crédito.

Mas qualquer que seja a aparência que o dinheiro


assuma, uma coisa é certa: todos nós gostamos de lidar
com uma moeda “confiável”. A razão é simples e já
anunciada de outra forma nos parágrafos anteriores:
em nossa sociedade esta é a forma mais comum em
que a riqueza aparece. E ninguém gosta — por mais
rico que seja — de perder parte dos valores que possui.

Se “o dinheiro não traz felicidade”, quando vai em-


bora (ou diminui) leva consigo a felicidade eventual-
mente existente...

80
Se por alguma razão a moeda perde valor (compra
menos a cada dia), o que acontece é que seus porta-
dores estão na realidade perdendo riqueza, ficando
menos ricos ou mais pobres. Todos nós procuramos
evitar que tal coisa aconteça.

Mas não existe maneira de viver numa economia


de mercado sem lidar de uma forma ou outra com
certa quantidade de dinheiro. E como é muito difícil
que uma moeda mantenha seu valor eternamente, to-
dos nós corremos o risco de perder, se nossa moeda
for instável ou pouco confiável.

No entanto, a confiança numa moeda tem muito a


ver com a forma pela qual ela se apresenta aos nossos
sentidos. As pessoas geralmente confiam mais numa
moeda de ouro que possa ser trocada por US$ 100,00
do que numa nota de US$ 100,00 que possa ser trocada
por essa mesma moeda de ouro. E veja que o dólar
(papel-moeda) é considerado uma moeda forte, e o
ouro anda meio desacreditado no mercado internacional.

Não é por outra razão que nos momentos de inse-


gurança crescente as pessoas voltam-se para as formas
mais antigas de dinheiro, especialmente aquelas rela-
cionadas com os metais preciosos. É como se para en-
frentar uma nevasca ninguém ligasse se um casaco
fosse assinado por um grande estilista, bastando que
proporcionasse calor.

Mas examinemos esta questão mais de perto.

81
2. O que Torna uma Moeda Confiável ou o Dinheiro
Seguro?

Nos países desenvolvidos e até 1971, era uma rela-


ção mais ou menos fixa entre o papel-moeda emitido
e uma certa quantidade de ouro que todo governo
devia ter guardado como lastro, ou reserva metálica.
Esta reserva metálica permitia a conversibilidade, ou
a transformação de notas de papel em ouro monetário.

Se alguém se sentisse inseguro, ou mesmo preferisse


o metal precioso ao papel pintado, poderia fazer a
conversão e se tranqüilizar. É claro que deveria ter
um lugar apropriado para guardar o ouro e evitar ser
roubado. Como essa operação tinha um custo, só em
momentos de incerteza e desconfiança crescente essa
conversão era feita.

Esse ouro monetário era conservado em lingotes ou


amoedado no Tesouro Nacional ou nos Bancos Cen-
trais desses países. As notas emitidas pelo governo —
o papel-moeda — constituíam uma espécie de “recibo”
assegurando que o portador poderia convertê-las, a
qualquer momento, na correspondente quantidade de
ouro monetário.

Ou seja, o papel-moeda emitido era lastreado em


metais preciosos. Os portadores dessas notas confia-
vam na moeda, pois se quisessem poderiam trocá-la
por ouro de acordo com a lei. E esta lei dava aos por-
tadores dessas notas garantias estabelecendo um certo

82
peso fixo de metal pelo qual as notas de cada valor
poderiam ser trocadas. Era como se as pessoas tives-
sem o próprio ouro, o qual, por razões práticas e de
segurança, permanecia guardado nos cofres do governo.

Além disso, esse mecanismo ou sistema monetário


denominado padrão-ouro (e posteriormente padrão-
câmbio-ouro) proporcionava outra garantia aos por-
tadores das notas: se o governo quisesse emitir mais
moeda, teria de aumentar seus estoques de ouro. Isso
funcionava como um freio; criava sérias limitações
para que um governo emitisse mais dinheiro e des-
valorizasse o papel-moeda já em circulação. Em lin-
guagem mais clara, tornava mais difícil que um go-
verno apelasse para a inflação.

Nos períodos históricos em que esse sistema mone-


tário funcionou, a inflação sempre foi pequena. A moe-
da de um país não se desvalorizava, e quando isso
ocorria em função do aumento da oferta de ouro, era
necessário algum tempo para que se pudessem sentir
alterações mais expressivas nos preços.

Quando por alguma razão as regras básicas desse


sistema não foram respeitadas, surtos inflacionários
muito intensos aconteceram. Basta lembrar de John
Law, um senhor de origem escocesa que no início do
século XVIII quase levou a França à bancarrota com
a tese de que a escassez de ouro e de prata poderia
ser sanada com a emissão de papel-moeda por um
Banco Central controlado pelo governo.

83
A especulação desenfreada, a inflação e o pânico na
economia francesa em 1720 resultaram da prática de
concepções contidas no livro de Law publicado em
1705, isto é, quinze anos antes, cujo título era sinto-
mático: Considerações sobre a Moeda e o Comércio, com
uma Proposta para Suprir a Nação de Dinheiro.

Depois da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha,


espoliada de suas reservas e outras riquezas e onerada
com uma descomunal dívida de guerra pelo Tratado
de Versalhes, não teve outra saída a não ser emitir
papel-moeda sem lastro metálico. A inflação foi às nu-
vens. O marco alemão, o Reichsmark, somente se esta-
bilizou quando um empréstimo em dólares permitiu
que as emissões fossem outra vez lastreadas, e os pre-
ços se estabilizaram. No momento em que isso ocorreu,
US$ 1,00 equivalia a 4,2 trilhões de marcos-papel.

Embora o fantasma da inflação e as fortes oscilações


de preços fossem afastados durante os períodos nos
quais o sistema monetário esteve associado ao lastro
metálico e à conversibilidade, nem tudo corria às mil
maravilhas.

Havia o perigo contrário: o da deflação. Um sistema


monetário baseado no padrão-ouro deveria ampliar
suas reservas metálicas para lastrear emissões adicio-
nais de papel-moeda. Se a economia estivesse em ex-
pansão demandando mais moeda para movimentar
os negócios e ela não pudesse ser emitida, poderia
haver uma deflação. A falta de meio circulante poderia
além disso bloquear o crescimento econômico.

84
Quando a quantidade de dinheiro em circulação é
pequena, os preços tendem a cair. Acontece uma de-
flação, o contrário da inflação. E não pode haver coisa
mais desestimulante para os negócios do que preços
em queda. E para piorar as coisas, se o dinheiro é
escasso, difícil de ser obtido, o mesmo acontecerá com
o crédito, e as taxas de juros tenderão a situar-se em
níveis elevados.

Quem depende de dinheiro dos bancos para movi-


mentar seus negócios poderá enfrentar uma situação
complicada: os preços de seus produtos em queda e
os custos financeiros em elevação.

“Não compre hoje o que você pode comprar mais


barato amanhã!” é o estribilho da moda em momentos
como esses. Se amanhã os preços estiverem mais bai-
xos do que hoje, eu espero para fazer minhas compras
depois de amanhã, se tiver dinheiro...

As empresas vendem menos, lucram menos, e al-


gumas, ao terem prejuízos, fecham suas portas desem-
pregando trabalhadores. A recessão se estabelece com
toda a força. Não pode haver maior desestímulo à
produção.

Moral da história: um país que tiver sua moeda atre-


lada ao padrão-ouro pode acabar preso numa cami-
sa-de-força que impeça sua economia de crescer; falta
meio circulante para azeitar a máquina dos negócios,
e esta começa a emperrar.

85
Pensei no meu jovem vizinho que havia muito não
aparecia em busca de seu gato. Talvez fosse interes-
sante preparar uma explicação calcada em algum caso
concreto para facilitar o entendimento da deflação.

Um dos melhores exemplos talvez seja a crise eco-


nômica vivida pelos Estados Unidos durante a última
década do século XIX. Especialmente porque essa si-
tuação foi retratada como sátira numa das histórias
mais conhecidas no mundo ocidental.

Usaremos outra vez a bota de sete léguas para exa-


minar o que aconteceu por lá há mais de um século,
fazendo uma visita ao Mágico de Oz e à Cidade das
Esmeraldas.

86
CAPÍTULO 4

O PADRÃO-OURO E A
DESVALORIZAÇÃO DO DÓLAR

1. O Mágico de Oz e o Perigo da Deflação

O Mágico de Oz talvez seja uma história tão conhe-


cida quanto a Bíblia. E embora seu autor, Frank Baum,
não tenha deixado nenhuma indicação explícita a res-
peito, é muito provável que ao escrevê-la ele tomasse
como pano de fundo a luta travada nos Estados Uni-
dos, de 1894 a 1900, entre os defensores do padrão-
ouro e os adeptos do bimetalismo (padrão-ouro e
prata).

Dorothy é a personagem central de O Mágico de Oz.


Morava no interior do Kansas com seus tios fazendei-
ros empobrecidos. A ação tem início quando um ci-
clone arremessa a casa, Dorothy e seu cachorrinho
Totó até o mágico Reino de Oz.

Honesta e plena de virtudes, Dorothy representa o


povo norte-americano. O ciclone é o movimento po-

87
pulista que em poucos anos cresce de pequenas reu-
niões de fazendeiros endividados e semi-arruinados
até se tornar um vasto movimento que desafiou os
poderosos de Washington e Nova York.

O Reino de Oz representa os interesses dos ban-


queiros e financistas defensores do padrão-ouro, onde
o dinheiro prevalece sobre tudo. A Bruxa Malvada do
Leste é a sua mais legítima expressão: a casa de Do-
rothy cai justamente sobre ela. Do impacto sobram
apenas os sapatos de prata (no filme os sapatos são
de rubi) da bruxa, ou melhor, sua porção boa: a base
do bimetalismo.

Para retornar ao Kansas, Dorothy sai em busca do


Mágico de Oz, que impera na Cidade das Esmeraldas.
No caminho, Dorothy vai superando obstáculos até
chegar à estrada dos tijolos amarelos, ante-sala da Ci-
dade das Esmeraldas.

No trajeto da estrada dos tijolos amarelos, isto é,


do padrão-ouro, ela vai encontrando manifestações da
crise econômica, do desemprego e da deflação.

O primeiro é o Espantalho, que representa os agri-


cultores arruinados. Preso à terra por uma estaca, en-
contra-se à mercê dos corvos que devoram até a palha
do seu próprio corpo. Não pode haver melhor refe-
rência aos produtores dilacerados por taxas de juros
escorchantes.

Dorothy liberta o Espantalho e este torna-se seu pri-


meiro companheiro. Em seguida ela encontra o Ho-

88
mem de Lata. Paralisado pela ferrugem, ele espelha
o desemprego existente na época na indústria meta-
lúrgica. Dorothy recupera seus movimentos e ganha
mais um seguidor.

O último a integrar-se à caravana é o Leão Covarde.


Representa William Jennings Bryan (1860-1925), um
grande orador populista que aos 36 anos consegue a
indicação como candidato à Presidência da República
nas eleições de 1896 pelos partidos Democrata, Popu-
lista e da Prata Nacional.

Sua principal bandeira de luta nas eleições de 1896


era a adoção de um sistema monetário bimetálico no
qual, além do ouro, a prata servisse também para las-
trear as emissões de moeda.

A idéia é que, se houvesse mais emissão de moeda,


os preços tenderiam a se recuperar e a maior oferta
monetária poderia exercer uma pressão para baixo na
taxa de juros. Os Estados Unidos produziam boa quan-
tidade de prata, e esta poderia ser utilizada também
para lastrear as emissões.

Depois de muitas peripécias, o grupo chega à Ci-


dade das Esmeraldas (Washington D.C.). Ali tudo era
verde, isto é, da mesma cor do papel-moeda até hoje
conservada pelo dólar.

Dorothy encontra o Mágico de Oz. Sempre miste-


rioso e ameaçador, este representa o poder político ou
o governo. Ele impõe uma condição para mandar Do-

89
rothy de volta ao Kansas: que ela destruísse a Bruxa
Malvada do Oeste. Esta representaria as forças adver-
sas da natureza (especialmente a falta de chuvas, mor-
tal para as colheitas).

Dorothy a destrói de forma bastante simples: a bruxa


tenta incendiar o Espantalho, e, ao salvá-lo, Dorothy
lança um balde de água que atinge a bruxa e a derrete,
afastando-a do caminho.

A arma utilizada representa a redenção dos agri-


cultores num duplo sentido: indispensável para uma
boa colheita, a água é também sinônimo de “liquidez”
na economia; se a prata pudesse ser cunhada, os meios
de pagamento se ampliariam, os preços reagiriam ti-
rando o país da deflação e as taxas de juros tenderiam
a diminuir. Era o que os agricultores e industriais de-
sejavam ardentemente.

Dorothy retorna à Cidade das Esmeraldas para co-


brar a promessa do Mágico de Oz. Ao encontrá-lo per-
cebe que não se trata de um homem todo-poderoso,
e sim de um ser comum. O padrão-ouro é desmisti-
ficado. Nada tem de mágico: não consegue tirar o país
da crise.

Em síntese, o padrão-ouro como sistema monetário


pode significar uma camisa-de-força que impede o de-
senvolvimento da economia. É sintomático que a his-
tória termine com o Mágico de Oz voando em seu
balão que deveria levar Dorothy para o Kansas, e di-
zendo que ele não poderia fazê-lo retornar porque não
sabia muito bem “como aquela coisa funcionava”...

90
Imagino que o meu jovem vizinho, se estivesse es-
cutando esta interpretação, com certeza perguntaria
por que o Leão era covarde. E, emendando, se ele
tinha alguma coisa a ver com o Imposto de Renda.

De fato, o Leão aparece durante toda a história como


alguém covarde e medroso. O autor resolveu dar-lhe
esta característica aparentemente porque, como outros
seguidores de Bryan na campanha de 1896, o consi-
derou um “traidor” por ter abandonado sua platafor-
ma na campanha de 1900 contra o mesmo Mackinley.

O problema é que, depois da vitória apertada sobre


Bryan, Mackinley promove uma certa emissão de di-
nheiro com base na prata, e outros acontecimentos con-
tribuem para melhorar a situação monetária e econô-
mica dos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, a própria vitória eleitoral faz


com que parte do ouro que havia migrado para a In-
glaterra — cujos possuidores temiam uma desvalori-
zação do metal caso Bryan vencesse — retorne para
os Estados Unidos.

Três químicos escoceses descobrem, mediante a apli-


cação do cianureto, um método para extrair ouro de
minérios de baixo teor, aumentando a produção desse
metal e barateando seus custos. É interessante que,
mais de um século depois, essa descoberta redentora
do padrão-ouro tenha provocado um grande desastre
ecológico: em fevereiro de 2000, um vazamento de vá-
rias toneladas de cianureto de uma mina de ouro na

91
Romênia contamina o rio Danúbio, matando enorme
quantidade de peixes.

As minas de ouro do Alasca, território adquirido


da Rússia pelo governo norte-americano alguns anos
antes, começam a produzir, e do outro lado do oceano
a África do Sul torna-se em pouco tempo a maior pro-
dutora mundial, abastecendo o mercado de forma cres-
cente. Esses fatores barateiam o ouro, ampliam sua
oferta e melhoram a situação monetária dos Estados
Unidos.

No âmbito econômico, a agricultura recupera seu


bom desempenho: chove adequadamente no Meio-
Oeste, as colheitas são satisfatórias, acontecendo o con-
trário na Europa. O preço dos grãos aumenta no mer-
cado internacional e os agricultores norte-americanos
saem do sufoco.

A partir de 1897 os Estados Unidos começam a mos-


trar ao mundo sua musculatura imperialista e derro-
tam a Espanha numa guerra em torno do predomínio
sobre Cuba e Porto Rico, no Caribe, e as Filipinas, no
Pacífico.

Como voltaria a acontecer por mais de uma vez no


século XX, a guerra exerce um efeito expansionista na
economia norte-americana. Quem está em guerra não
pergunta quanto custa uma bomba: manda construí-la
para vencer seu inimigo. Depois lambe as feridas e
pergunta quanto teve de pagar pelos remédios, se for
o caso. Essa demanda de material de guerra, especial-

92
mente para a Marinha, provoca um estímulo fulminante
no setor siderúrgico e metalúrgico em geral. O “Homem
de Lata” recupera o emprego e os movimentos...

A urgência por essa produção de armas e de navios


de guerra tirou do anonimato um obscuro engenhei-
ro-inventor que a situação de recessão nos Estados
Unidos havia obrigado a aceitar uma função de sim-
ples mestre.

Frederick Wislow Taylor introduz, na Bettelheim


Steel Co., um método mais eficaz de carregamento de
vagões com lingotes que estavam amontoados nos pá-
tios da empresa à espera de compradores. A guerra
com a Espanha substituiu o consumidor negado pela
recessão que o país atravessava. As empresas siderúr-
gicas norte-americanas comemoraram.

Todas essas mudanças na economia recomendavam


que o candidato Bryan mudasse seu discurso, pois os
problemas de 1896 não eram os mesmos de 1900. Ao
perceber isso, Bryan muda o foco de suas propostas
nas eleições seguintes e por tal razão é considerado
por seus seguidores mais fanáticos um “covarde” ou
um “traidor”. Pela segunda vez é derrotado, agora
por uma margem bem maior de votos: a economia
norte-americana havia superado a recessão e entrava
numa fase expansionista.

Os preços se recuperam e uma suave inflação toma


o lugar da deflação. Esse novo ciclo dura até 1907.

93
A proposta de Bryan, mesmo sem propor o aban-
dono de um lastro metálico e da conversibilidade, ti-
nha como principal objetivo alargar o que hoje se de-
nomina “base monetária”, ampliando o meio circu-
lante mediante a cunhagem da prata. O fato de a eco-
nomia norte-americana ter superado a crise pelo de-
senrolar dos acontecimentos não significa que a pro-
posta de Bryan fosse desnecessária.

Como já assinalamos, acontecimentos internacionais


se encarregaram de ampliar a oferta monetária e a
economia livrou-se da deflação. Mas talvez a recupe-
ração tivesse sido mais rápida se as propostas defen-
didas por Bryan fossem postas em prática.

2. O Padrão-Ouro e a Conversibilidade da Moeda no


Brasil Durante o Século XX

Durante o século XX, somente em dois períodos cur-


tos tivemos no Brasil moeda lastreada e conversível
em metal: entre 1906 e 1914, e entre 1926 e 1930.

O organismo que se encarregava de garantir a con-


versão do papel-moeda em ouro no início do século
denominava-se Caixa de Conversão. Criada em 1906
pelo governo do presidente Rodrigues Alves, tinha
como principal finalidade a execução de uma política
de estabilidade cambial.

No mesmo ano, o Convênio de Taubaté, celebrado


entre representantes de São Paulo, Minas Gerais e Rio

94
de Janeiro, ao equilibrar os preços internacionais do
café — na época nosso principal produto de exporta-
ção —, constituiu um dos esteios dessa política, que
sobreviveu até o início da Primeira Guerra Mundial.

A Caixa de Estabilização, criada em 1926, repre-


sentou um papel parecido, embora estivesse mais vol-
tada para a estabilização da própria moeda, o mil-réis.

Com esse organismo o Brasil voltou ao padrão-ouro,


ou ao padrão-câmbio-ouro, pois o dólar e a libra es-
terlina, vinculados diretamente ao ouro, valiam tam-
bém como reservas internacionais.

Para muitos, a taxa de câmbio, apelidada de “Taxa


Vil”, foi excessivamente desvalorizada quando do es-
tabelecimento da Caixa de Estabilização. O câmbio be-
neficiava bastante os cafeicultores, sobretudo os ex-
portadores do produto, pois os preços do café estavam
razoavelmente altos no mercado internacional, e te-
mia-se que ela pudesse trazer pressões inflacionárias,
via importações.

Preocupações justificadas pela experiência dos agu-


dos processos inflacionários que a Alemanha, a Áus-
tria, a França e a Itália sofreram depois da Primeira
Guerra Mundial.

Para que não houvesse nenhum perigo de pressões


inflacionárias, e portanto ameaças à estabilidade cam-
bial, adotava-se uma política rígida de equilíbrio or-
çamentário que evitasse os déficits. Buscava-se, em sín-

95
tese, o equilíbrio entre receitas e despesas, para que
não houvesse necessidade de emitir moeda para cobrir
as diferenças, causando pressões inflacionárias.

De fato, entre 1926 e 1929 consegue-se esse equilí-


brio, como mostram os dados abaixo:

Quadro 11
Receitas Despesas (em milhões de contos de réis)
1924 15,1 16,3 1–1,2
1925 17,3 17,6 1 –0,3
1926 16,4 18,2 1–1,8
1927 19,9 20,0 1– 0,1
1928 22,0 20,2 1+1,8
1929 23,9 22,2 1+1,7
1930 16,7 25,1 1– 8,4
1931 17,5 20,5 1–3,0
1932 16,9 28,6 –11,7

Mas, apesar de todos os esforços, não se conseguiu


lastrear todas as emissões de moeda, isto é, tornar to-
das as emissões conversíveis antes de 1929. No mo-
mento da crise apenas 1/3 do total do meio circulante
era constituído de emissões conversíveis.

A excessiva desvalorização do mil-réis em face da


libra esterlina e do dólar provocou o crescimento do
fluxo de capitais estrangeiros para o Brasil: proprie-
dades e ativos em geral, cotados em mil-réis, haviam
se tornado “baratos” devido a essa desvalorização.

96
Já vimos que o mesmo aconteceu também há cerca
de setenta anos depois com a forte desvalorização do
real em 1999; mas comentaremos isso mais adiante.

Esses fluxos de capitais estrangeiros permitiram su-


perávits no Balanço de Pagamentos e o aumento das
reservas, o que ajudou a estabelecer a conversibilidade
e mantê-la até o início da crise de 1929.

De fato, as reservas cambiais do Brasil entre 1925 e


1929 cresceram de US$ 69 milhões (54 em ouro e 15
em moedas estrangeiras) para US$ 177 milhões (sendo
150 em ouro e 27 em moedas estrangeiras).

Além dessas condições favoráveis, é interessante


lembrar que a boa situação do café no mercado inter-
nacional dava um grande dinamismo ao mercado in-
terno, pois o café demanda muitos produtos industriais
como a sacaria, máquinas e ferramentas para os tratos
culturais e o benefício, e especialmente o transporte.

As primeiras ferrovias instaladas no Rio de Janeiro


e em Minas Gerais tinham a missão primordial de
transportar o café para os portos. O traçado da malha
ferroviária paulista obedeceu também à evolução da
ocupação do Interior pelo cultivo do café.

E mesmo o crescimento vertiginoso da cidade de


São Paulo entre 1880 e 1930 deve-se em grande medida
a essa expansão. Obras de grande vulto tiveram de
ser realizadas para viabilizar a exportação do produto,

97
como dotar a cidade de São Paulo de infra-estrutura
correspondente.

Talvez a mais importante tenha sido a batalha pela


produção de energia elétrica para uma cidade em ex-
pansão que necessitava não apenas de iluminação, mas
também de um sistema de transportes adequado. Mas
isso já é uma outra história...

O importante é que a crise econômica iniciada em


outubro de 1929 destrói o fundamento da Caixa de
Estabilização: as reservas em ouro e moedas fortes de-
finham e quase desaparecem em poucos meses.

Os preços internacionais do café despencam, os dó-


lares e libras esterlinas, que antes entravam, começam
a sair em grande escala: todos aqueles que possuíam
papel-moeda conversível efetuam a troca: o governo
perde dólares, libras e ouro, e enche seus cofres de
notas coloridas denominadas mil-réis.

Para agravar ainda mais as coisas, o governo, acre-


ditando que a crise seria passageira, mantém não ape-
nas a conversibilidade, mas também a mesma taxa de
câmbio até o final de 1930, facilitando a vida daqueles
que possuíam mil-réis conversíveis.

Nossas reservas quase desaparecem. Em 1931, o


ouro monetário havia praticamente se esgotado. E em
moedas estrangeiras, o Brasil mantinha apenas US$
14 milhões em caixa, montante insuficiente para pre-
tender continuar com a conversibilidade.

98
Durante esses dois períodos, especialmente no últi-
mo, a situação externa da economia ia bem, o mesmo
acontecendo com o “resto do mundo”. De 1925 até a
crise de 1929, o preço do café, nosso principal produto
de exportação, encontrava-se num patamar bom e as
contas do governo, como já vimos anteriormente, equi-
libradas.

Durante esse período, nas notas emitidas estava es-


crito “Se pagará ao portador no Tesouro no Rio de
Janeiro de acordo com a lei 5.108 de 18 de dezembro
de 1926 em ouro monetário etc...” O portador, se qui-
sesse, poderia trocá-las por ouro monetário, embora
para fazê-lo tivesse de ir até o Rio de Janeiro, onde
se encontrava na época o Tesouro Nacional.

O importante é que o governo não precisava emitir


moeda para cobrir seus déficits. A razão fundamental
é que as receitas governamentais eram iguais ou su-
periores às despesas. Seus orçamentos eram equilibra-
dos. Caso contrário, teria de apelar para as emissões,
o que provocaria um surto inflacionário, e a moeda
perderia credibilidade.

O governo podia se dar ao luxo até de esterilizar


certa quantidade do meio circulante, incinerando parte
das sobras em papel-moeda arrecadadas, reduzindo
em vez de aumentar a quantidade de moeda em
circulação.

Mesmo que isso acontecesse de forma simbólica, um


claro telegrama era enviado ao prezado público: o go-

99
verno encontrava-se em situação tão sólida que não
só cessava de emitir moeda como reduzia a quantidade
em circulação.

Portanto os possuidores daquelas notas sabiam que


elas não eram mero papel colorido. Eram notas con-
fiáveis não apenas porque poderiam ser trocadas por
ouro a qualquer momento, como também porque o
governo que garantia aquela situação gastava menos
do que arrecadava e, dessa forma, não colocaria o valor
da moeda em perigo apelando para novas emissões.

3. A Crise de 1929 e as Crises Políticas: o Retorno do


Déficit Público

Depois de 1929, quando a crise econômica envolveu


praticamente todo o mundo capitalista, o Brasil jamais
voltou a ter moeda lastreada, entendendo-se tal lastro
como uma relação de conversibilidade entre as notas
emitidas e o ouro monetário mantido em reserva.

As reservas existentes até a crise praticamente se


evaporaram entre 1930 e 1931. Como já assinalamos,
todos os que puderam trocaram seus mil-réis por ou-
tras moedas (que também estavam cambaleando, mas
eram consideradas mais fortes) ou pelo ouro monetá-
rio ao qual tinham direito.

Apesar da crise, o governo brasileiro manteve du-


rante algum tempo a conversibilidade do mil-réis em
ouro monetário à taxa de câmbio existente antes dela.

100
Ou melhor, não desvalorizou o mil-réis imediatamente
nem suspendeu a conversibilidade. O resultado foi a
perda quase total das reservas.

Sem reservas não poderia mais lastrear suas emis-


sões. Mas a dificuldade não se resumia apenas a isso.
O problema é que durante os anos 30 as despesas
governamentais cresceram, enquanto as receitas caíam
em função da própria depressão mundial e da con-
tração da economia que ela provocava no Brasil.

Isto é, à semelhança de uma sanfona, a economia


encolhera e portanto a arrecadação de impostos tam-
bém: para a saída de mais som seria necessário encher
o instrumento de ar outra vez...

Os anos 30 foram também uma década de grandes


crises políticas no Brasil, e não há nada que custe mais
aos cofres públicos do que revoltas, movimentos mi-
litares e até uma guerra civil de curta duração, como
foi o Movimento Constitucionalista de 1932. E além
deste ocorreram movimentos armados contra o gover-
no em 1935 (a assim chamada Intentona Comunista),
e logo em seguida a tentativa de golpe integralista em
1937, e, em 1939, o início da Segunda Guerra Mundial.

Do ponto de vista econômico e financeiro, os anos


20 foram totalmente diferentes da década seguinte. Se
durante os primeiros o país conseguiu equilibrar suas
contas externas e internas, depois da crise de 1929 ocor-
reu exatamente o contrário.

101
Foi uma época inflacionária (depois de um curto
período inicial de deflação) e, nos primeiros anos, de
forte desemprego. Meu avô Fabrício, um notável con-
tador de “causos”, lembrava, quando alguém recla-
mava da vida, das “pensões de corda”. Um sorriso
enigmático e matreiro jamais esclarecia se ele tinha
sido um mero hóspede ou dono da referida pensão,
ou mesmo se tinha simplesmente inventado a história.

Segundo ele, era um casarão no centro de São Paulo


onde as pessoas desempregadas “dormiam” semipen-
duradas numa corda debaixo do braço, e de manhã
bem cedo o gerente da pensão desamarrava uma das
pontas e todo mundo acordava ligeirinho para ir pro-
curar emprego...

Mas a proteção dos cafeicultores através da desva-


lorização cambial viabilizou indiretamente a expansão
industrial.

A dificuldade de importar produtos estrangeiros,


pois eles haviam se tornado muito caros em função
da escassez de divisas e da desvalorização cambial,
entregou de bandeja o mercado interno para as em-
presas nacionais.

Sobretudo a indústria acusou um enorme crescimen-


to, e embora com inflação, o nível de emprego au-
mentou, o mesmo acontecendo com a expansão do
Produto Interno Bruto, o chamado PIB, já nosso co-
nhecido desde o Capítulo 1.

Mas, para que um sistema de moeda conversível e


lastreada em ouro monetário (ou em prata) funcione,

102
é necessário que o front externo se encontre razoavel-
mente favorável, isto é, que o preço das exportações
seja bom e exista equilíbrio na balança comercial. Além
disso o front interno necessita também apresentar um
equilíbrio entre receitas e despesas. Se uma dessas co-
lunas fraquejar, não será possível permanecer com o
sistema de conversibilidade.

Depois da crise econômica iniciada em 1929, essas


condições deixaram de existir no Brasil. Perdemos as
condições para manter o lastro metálico e o mil-réis
deixou de ser conversível. A partir daquela data as
emissões de papel-moeda no Brasil tornaram-se não
conversíveis e foram acompanhadas por um processo
inflacionário considerável que se intensificou no início
dos anos 60 e também no final dos anos 70 até o sur-
gimento do Plano Real, em 1994.

Mas e no “resto do mundo”, o que aconteceu?

Deveremos voltar outra vez aos Estados Unidos.


Agora visitaremos um lugarejo aprazível chamado
Bretton Woods, em New Hampshire.

4. Uma Reunião em Bretton Woods

No final de 1944, quando os Aliados já estavam se-


guros de que a derrota da Alemanha e do Japão na
Segunda Guerra Mundial era uma questão de tempo,
reuniram-se em New Hampshire, num lugar chamado
Bretton Woods, nos Estados Unidos. A finalidade era

103
reorganizar o sistema econômico e financeiro interna-
cional dilacerado durante o conflito armado.

Nessa reunião foram criados organismos como o


Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Inter-
nacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
(Bird). A questão que despertou maior controvérsia
foi o estabelecimento das regras para o funcionamento
do sistema financeiro internacional.

O padrão-ouro foi restabelecido, tendo o dólar dos


Estados Unidos como espinha dorsal do sistema, isto
é, como principal meio de pagamento internacional,
na base de US$ 35,00 = 1 onça troy de ouro fino.

Os ingleses, liderados pelo grande economista John


Maynard Keynes, preferiam que em vez do dólar fosse
criada uma moeda internacional denominada “ban-
cor”, cuja emissão não dependesse de nenhum gover-
no em particular, mas de todos os países que forma-
vam o FMI.

O receio — plenamente justificado — era que a es-


colha do dólar pudesse dar lugar a muitos abusos e
produzir enormes vantagens para o governo emissor,
pondo em perigo a estabilidade do sistema como um
todo.

Mas os norte-americanos, hegemônicos econômica,


política e militarmente, impuseram sua alternativa, e
assim ficou estabelecido.

104
Nos primeiros tempos as coisas funcionaram mais
ou menos bem. Mas durante os anos 60 já se tornara
claro que os Estados Unidos emitiam uma quantidade
de dólares superior aos seus estoques de ouro.

O dólar estava se enfraquecendo e muita gente fora


dos Estados Unidos começava a ter pesadelos.

Para explicar essa questão devemos examinar por


que produzir dinheiro é uma das atividades mais ren-
táveis que existem.

5. O Melhor Negócio do Mundo: a Emissão de Moeda

Pode haver maior tentação do que emitir dinheiro


para pagar contas? Veja como emitir dinheiro (sem
lastro) é um excelente negócio: a Casa da Moeda, que
emite a maior parte do dinheiro em circulação no Bra-
sil, gasta cerca de 10 centavos para produzir uma moe-
da que vale 100 centavos (1 real).

O governo ganha portanto 90 centavos ao emitir


cada unidade de um real. Suponhamos que o governo
encomende à Casa da Moeda a fabricação de 1 milhão
de moedas de R$ 1,00. Ele pagará R$ 100 mil pelo
serviço, mas obterá 1 milhão em dinheiro para realizar
suas despesas. Seu ganho será equivalente a R$ 900 mil!

Parece até aquela história do sujeito que dizia não


ganhar tanto assim, pois seu lucro era apenas três por
cento, isto é, custava-lhe três e ele vendia por cem...

105
Esse dinheiro poderá ser utilizado para pagar qual-
quer despesa que um governo tenha: desde o queijo
com marmelada para a sobremesa nas refeições do
Palácio da Alvorada, salários dos servidores, combus-
tível para os carros oficiais e até juros da dívida pública.

Melhor negócio do que esse só a emissão de uma


moeda de R$ 2,00... Como esta não existe, pensemos
na nota de maior valor que o governo brasileiro emite
e indaguemos quanto ela custa para ser produzida,
pois o mesmo raciocínio pode ser aplicado também
ao papel-moeda.

No Brasil, a nota de maior valor, por enquanto, é


a de R$ 100,00. Quanto custa imprimi-la? Não deve
ser mais do que 10 centavos. Quando um governo
emite uma dessas notas, gasta muito pouco. Ganha
portanto R$ 99,90 para cada notinha dessas que coloca
em circulação. Este é o ganho máximo por unidade
emitida que o governo brasileiro pode obter.

No jargão dos economistas, esse ganho denomina-se


“senhoriagem”. Este termo tem origem na Idade Mé-
dia, quando um senhor feudal, para obter o direito
de cunhar moeda, devia pagar determinada soma ao
suserano ou ao rei.

Se a moeda for emitida sem lastro metálico, o go-


verno obtém esse ganho extraordinário logo depois
que a coloca em circulação. Mas a repetição desse de-
licioso gesto acabará provocando inflação.

106
Isto é, o dinheiro perderá valor na mesma medida
em que vai inundando toda a economia. Os preços
disparam e essa moeda perderá cada vez mais valor
e deixará de ser confiável.

O governo continuará ganhando, mas nessa altura


do campeonato a senhoriagem se transformará em
“imposto inflacionário”. É como se o governo lançasse
um imposto arrecadado toda vez que uma nova nota
entrasse em circulação.

O que o governo ganha, alguém perde. E esse “al-


guém” somos nós, o público, que não tem outra saída
senão usar essas notas de papel colorido para sobre-
viver numa economia de mercado.

Por ser um imposto bastante fácil e barato de ser


cobrado, tem sido muito utilizado pelos governos bra-
sileiros (e de outros países também). Embora silencio-
so, ele acaba criando um clima de exasperação entre
todos, desanimando investidores e consumidores, pre-
judicando portanto o crescimento econômico.

Em casos extremos a perda de confiança pode ser


tão grande que as operações comerciais deixam de ser
realizadas com a moeda nacional, quando entram em
cena as moedas fortes internacionais.

Se a população perder a confiança na moeda nacio-


nal e se recusar a usá-la, o governo, além de não mais
contar com os ganhos de senhoriagem, pode perder
a própria governabilidade e entrar no torvelinho de
uma crise política.

107
6. A Desvalorização do Dólar: Resistindo a Tudo,
Menos à Tentação

O governo dos Estados Unidos trilhou esse delicioso


mas perigoso caminho quando as emissões de dólares
começaram a superar as reservas de ouro depositadas
em Fort Knox.

Um dos filmes da série James Bond, dos anos 60,


Goldfinger Contra 007, contava a história de um vilão
cujo plano era desfechar um ataque nuclear contra as
reservas de ouro norte-americanas, tornando-as radio-
ativas e, portanto, não utilizáveis.

É claro que antes ele separava e mantinha intacta


uma boa quantidade de ouro, que se valorizaria ex-
traordinariamente, tornando-o o homem mais rico do
mundo. O agente secreto Bond não deixa que isso
aconteça, evidentemente, mas uma outra “bomba nu-
clear” — a emissão descontrolada de dólares — acaba
provocando a mesma valorização do ouro alguns anos
depois do lançamento do filme.

No caso norte-americano essa prática é mais tenta-


dora ainda porque, como o dólar é aceito em todo o
mundo, os ganhos de senhoriagem, ou o imposto in-
flacionário, são exercidos em escala global e não ape-
nas internamente, como no caso da moeda brasileira.

A pergunta que certamente o meu jovem vizinho


faria é: “Mas por que os norte-americanos emitiram
mais dinheiro do que podiam?”

108
Vamos fazer uma pequena recapitulação.

Na reunião de Bretton Woods o dólar foi atrelado


ao ouro numa relação de US$ 35,00 para cada onça
troy (31,104 g) de ouro monetário. Esta relação de valor
entre o dólar e o ouro passaria a ser a viga de sus-
tentação do sistema monetário internacional.

Como o dólar estava atrelado ao ouro de acordo


com uma taxa fixa, qualquer um que tivesse a moeda
norte-americana indiretamente possuía ouro. O dólar
era, portanto, uma espécie de porto seguro no qual
todos gostavam de ancorar seus navios.

O calcanhar de Aquiles desse sistema é que apenas


o governo norte-americano pode emitir dólares. E o
compromisso de só fazê-lo aumentando os estoques
de ouro em Fort Knox infelizmente não satisfazia as
necessidades da política externa e interna dos próprios
Estados Unidos.

Ou melhor, se todos aceitavam a moeda emitida


pelos norte-americanos (como se fosse ouro), era muito
tentador emitir mais papel-moeda do que o ouro que
lhe servia de lastro, e obter enormes ganhos de se-
nhoriagem. Uma nota de US$ 100,00 custa apenas 10
centavos para ser produzida. Quem a emite ganha US$
99,90. A diferença com uma nota de R$ 100,00, como
já vimos, é que esta só vale no território nacional e
em algumas fronteiras (conheci um camelô em Frank-
furt, Alemanha, que também aceitava reais com de-
ságio), mas o dólar é aceito em todo o mundo.

109
O resultado dessa prática, como sabemos, é a infla-
ção. E foi isso o que acabou acontecendo durante os
anos 70 até o começo da década seguinte. Houve uma
inflação expressiva nos Estados Unidos, como os dados
abaixo mostram, e o dólar sofreu forte desvalorização.

Quadro 12
Índice de Preços ao Consumidor nos EUA entre 1973 e 1982
1973 6,2%
1974 11,0%
1975 9,1%
1976 5,8%
1977 6,5%
1978 7,6%
1979 11,3%
1980 13,5%
1981 10,4%
1982 6,2%
Fonte: relatórios do Fundo Monetário Internacional.

Entre 1973 e 1982, em quatro anos a inflação superou


um dígito, e o dólar perdeu quase 60% do seu valor
no período!

Mas a pergunta permanece: por que os Estados Uni-


dos emitiram mais dólares do que poderiam, de acordo
com o estabelecido na Conferência de Bretton Woods
em 1944?

110
São várias as razões, mas três delas têm especial
destaque: a Guerra do Vietnã, a corrida armamentista
insuflada pela Guerra Fria, e a corrida espacial, tra-
duzida pelo objetivo de chegar à Lua antes dos soviéticos.

Os norte-americanos passaram cerca de dez anos


no Vietnã até sofrer, em 1975, uma das maiores der-
rotas de sua história. Durante esse período, mais de
500 mil soldados foram mantidos no exterior. É fácil
perceber que um exército desse tamanho, utilizando
equipamentos caros e armamentos sofisticados, de-
mandou despesas vultosas.

Na verdade, essa aventura desastrada, além de ter


custado a vida de centenas de milhares de vietnamitas
e também de norte-americanos — para não falar dos
danos ecológicos de destruição de florestas, rios, terras
agricultáveis, inclusive nos vizinhos Laos e Camboja,
que tiveram milhares de mortos —, demandou tone-
ladas de dinheiro aos cofres públicos.

E foram despesas inúteis do ponto de vista econô-


mico, beneficiando unicamente os fabricantes de ar-
mas, de medicamentos e de caixões.

O segundo foco de despesas foi a corrida armamen-


tista exigida pela Guerra Fria. Um dos maiores golpes
que os norte-americanos sofreram durante toda a sua
existência não passou de um insistente sinal de rádio,
um bip-bip mostrando que os soviéticos haviam co-
locado um satélite na órbita terrestre, em 1957.

111
Esta façanha mostrava que, se eles dispunham de
foguetes capazes de lançar um satélite, poderiam tam-
bém alcançar qualquer parte do mundo com ogivas
nucleares. E para agravar a angústia dos dirigentes
norte-americanos, logo depois a cadelinha Laika cir-
cundava a Terra e morria em nome da ciência; não
contentes, os soviéticos possibilitaram que Yuri Gagá-
rin pronunciasse uma das frases mais famosas da hu-
manidade: “A Terra é azul!”

A segurança ameaçada foi razão mais do que sufi-


ciente para arrancar do Congresso orçamentos desco-
munais para a aventura espacial e a defesa. Arma-
mentos cada vez mais poderosos, sobretudo foguetes
propulsores, eram construídos com orçamentos em
aberto.

A terceira fonte de despesas foi a corrida espacial


e a promessa do presidente Kennedy de colocar um
homem na Lua antes do final da década de 60, e, ob-
viamente, antes dos soviéticos. Para que se tenha uma
idéia de como se gastou dinheiro com esse objetivo,
basta citar dois episódios.

O primeiro deles está relacionado com a tentativa


de instalar o centro de controle espacial em Cambrid-
ge, Massachusetts. Como este era o distrito eleitoral
pelo qual o presidente Kennedy havia sido eleito se-
nador, nada mais justo que fosse para lá o centro de
controle do projeto norte-americano mais ambicioso e
de confronto direto com a União Soviética.

112
De fato a Nasa comprou um imenso terreno naquela
cidade da Costa Leste dos Estados Unidos, para as
instalações necessárias. Mas, logo depois desse anún-
cio, o presidente Kennedy foi baleado e morto em Dal-
las, assumindo a presidência o vice Lyndon Johnson.

O novo presidente, no entanto, havia sido eleito re-


presentante pelo Texas. Nada mais adequado do que
remover o centro de controle de Cambridge e levá-lo
para Houston, onde, aliás, se encontra até hoje.

Se o meu jovem vizinho estivesse ouvindo esta his-


tória, com certeza perguntaria se a base brasileira de
lançamento de satélites de Alcântara, no Maranhão,
tem alguma coisa a ver com o ilustre ex-presidente
Sarney...

Mas a chegada do homem à Lua custou muito mais


do que isso. Uma interessante série de televisão, se
não me engano Da Terra à Lua, mostrava em um de
seus capítulos a epopéia da construção do primeiro
módulo lunar.

Notável obra de engenharia, o módulo lunar demo-


rou cerca de cinco anos para ser concluído. Começou
orçado em US$ 500 milhões, e acabou exigindo catorze
vezes mais quando o primeiro artefato, com Neil
Armstrong a bordo, alunissou finalmente na memo-
rável noite de 20 de julho de 1969, e permitiu que a
humanidade ouvisse outra frase célebre: “Um pequeno
passo para o homem, mas um grande passo para a
humanidade”!

113
Todas essas despesas superando as receitas e ge-
rando déficits foram enfraquecendo o dólar. No final
dos anos 60, aqueles que mantinham a moeda norte-
americana como reservas pensando que era ouro co-
meçaram a ficar inquietos.

Os franceses, com De Gaulle no comando, demons-


traram abertamente suas apreensões, e o preço do ouro
foi se movimentando para cima, ultrapassando os US$
35,00 a onça no mercado internacional do metal, em-
bora os bancos — em suas operações interbancárias
— continuassem a respeitar a cotação fixada em Bret-
ton Woods.

Entre 1968 e 1971 as despesas norte-americanas con-


tinuaram crescendo e o dólar permaneceu em sua tra-
jetória de enfraquecimento. As desconfianças aumen-
tavam sobre a capacidade de um governo atolado na
Guerra do Vietnã, patrocinando passeios de jipe na
Lua, e prosseguindo na disputa armamentista com a
URSS, de manter a estabilidade do dólar.

No final de 1971, e diante de pressões crescentes, o


governo Nixon anunciou algo impensável dez anos an-
tes: a desvalorização do dólar e o abandono do sistema
de livre conversibilidade com o ouro. Embora a desva-
lorização inicial não tivesse sido muito grande — de US$
35,00 para US$ 38,00 a onça —, foi a pequena rachadura
por onde a água da barragem começou a escapar.

Em pouco tempo um enorme rombo havia deixado


passar uma verdadeira enxurrada, inundando as re-
dondezas com um preocupante processo inflacionário.

114
No final da década de 70, o prestígio do dólar havia
caído tanto que no mercado livre a onça de ouro che-
gou a ser cotada em US$ 580,00! Veja bem: no início
da década a cotação era US$ 35,00 a onça troy; cerca
de dez anos depois alcançava mais de US$ 500,00, qua-
se o preço de uma onça de verdade, animal sob risco
de extinção no Brasil.

O ex-presidente Nixon certamente não foi avisado,


mas o fato é que a desvalorização do dólar acabou
me beneficiando. No momento em que a cotação do
ouro atingiu seu ponto mais alto, no final dos anos
70, tive de fazer um prolongado tratamento dentário.

Um dentista me examinou, e tenho a certeza de que


ouvi uma exclamação parecida com: “Que bom que
eu não sou você!”, tamanho era o estrago que havia
em meus dentes.

Pedi que ele fizesse um orçamento, mas já fui me


preparando para o pior, ou seja, adiar o tratamento
por falta de recursos. De fato, quando ele me apre-
sentou o que precisava ser feito e o respectivo custo,
não me surpreendi muito, embora uma coisa tivesse me
chamado a atenção: era necessário construir uma ponte
quase do tamanho da Rio–Niterói. Detalhe: de ouro.

Disse a ele que não seria possível. Sensibilizado com


a minha penúria e talvez por compartilhar as mesmas
idéias, arriscadas para uns, esdrúxulas para outros,
que eu tinha naquela época, ele disse que tentaria dar
um jeito.

115
E realmente deu. Ele era professor numa universi-
dade pública e propôs que eu fosse tratado por seus
alunos do último semestre, os quais precisavam fazer
um trabalho de conclusão do curso. Mas me assegurou
que eu não seria uma cobaia, pois ele estaria super-
visionando pessoalmente o serviço.

Como era tudo “na faixa”, não tive outra saída e


aceitei. E não me arrependi, pois o serviço saiu muito
bem-feito. Colocaram ouro por todos os lados, mas
de forma discreta e hábil. Era o uso do metal que
estava encarecendo os serviços odontológicos, tornan-
do-os proibitivos.

E por que o preço do ouro estava nas nuvens? Por-


que a demanda pelo metal havia crescido de forma
intensa em função da desconfiança de todo mundo
em relação ao dólar. O ouro tornara-se uma espécie
de último refúgio dos investidores, inseguros com o
futuro do dólar. O padrão-ouro havia se desintegrado.

116
CAPÍTULO 5

A CRISE DOS ANOS 80:


A DÍVIDA EXTERNA E O AJUSTE

1. Um Terremoto Ajudando a Entender a Crise dos


Anos 80

Não sei se o leitor já teve a oportunidade de pre-


senciar um terremoto. Posso garantir que é uma ex-
periência inesquecível. Morei durante alguns anos no
Chile, e nos primeiros meses não estava “antenado”
para esse perigo, tanto é que nos cinemas — para meu
deleite — sempre encontrava vazios os melhores lu-
gares, isto é, aqueles situados na parte da frente e no
centro da platéia.

Eu não sabia por que os chilenos gostavam de assistir


aos filmes longe da tela e na diagonal, bem junto dos
corredores... Achava que sofriam de algum problema na
vista ou talvez que a tela grande os assustasse...

Encontrei a explicação certo dia quando, recebendo


uns amigos em minha casa em Santiago, começamos

117
a ouvir a cachorrada latindo ao mesmo tempo e fa-
zendo uma barulheira danada. Os cães não latem desse
jeito; em geral, e por alguma razão insondável, um
late num canto, outro responde, um terceiro se entu-
siasma e entra na conversa, mas não todos ao mesmo
tempo.

A explicação é que os cachorros “ouvem” e portanto


percebem o terremoto segundos antes que ele seja sen-
tido pelo comum dos mortais. Meus amigos chilenos
sabiam disso, e saíram em disparada para a rua, re-
comendando que eu ficasse embaixo da soleira da por-
ta — o lugar mais seguro dentro de uma casa durante
um terremoto —, diziam. Foi o que fiz.

Permaneci embaixo da porta de entrada da casa


olhando o que estava acontecendo na rua, onde muita
gente gritava e corria em várias direções.

A rua começou a ondular. Um espetáculo e tanto!


Fiquei maravilhado e não tive tempo de me assustar.
Quando as ondulações cessaram, tentei abandonar
meu posto de observação, mas meus amigos diziam
para permanecer no mesmo lugar, porque o terremoto
não havia terminado. As ondas “batiam” em certo obs-
táculo mais à frente e voltavam! De fato, em poucos
segundos lá estava a rua movimentando-se outra vez,
só que de forma mais suave.

Passado o susto, todos davam graças a Deus por


não ter acontecido nada de mais grave; segundo os
especialistas em terremotos — os chilenos em geral

118
—, o que provoca ondulações é o menos destrutivo;
são os mais devastadores aqueles nos quais a terra,
em vez de ondular, realmente “treme”.

Em todo caso, fiquei pensando no seguinte: o único


ponto de referência seguro que temos é o próprio chão.
“Do chão não passa”, reza o ditado popular. Mas num
terremoto isso deixa de ser verdade. O chão não ape-
nas se move como pode de uma hora para outra se
abrir em descomunais fendas, engolindo tudo o que
se encontra na superfície.

Creio não ser exagero comparar a desvalorização


do dólar em 1971 com um grande terremoto econô-
mico-financeiro. Todos estavam acostumados a operar
com o dólar, pois tinham confiança em sua estabili-
dade. A moeda norte-americana atuava como um pon-
to de referência seguro.

Os produtos transacionados no mercado internacio-


nal (as commodities) costumavam ter seus preços cota-
dos em dólares; os contratos de dívidas, em sua maio-
ria, também. Essa era a estrela polar de empresários,
governantes, agentes financeiros etc.

Se esse ponto de referência mostrava-se inseguro,


não apenas o mercado internacional, mas também os
mercados nacionais entravam em pânico. A manifes-
tação mais clara e evidente foi a elevação de preços
de todos os produtos cotados em dólar, isto é, as mer-
cadorias consumidas em todo o mundo como o pe-
tróleo, o trigo, o minério de ferro, a carne e o... ouro.

119
Essas matérias-primas e alimentos transacionados
no mercado internacional sofreram fortes majorações,
e a inflação nos Estados Unidos, como já vimos no
Quadro 12, entrou perigosamente na casa dos dois
dígitos.

O preço do petróleo, que havia muitos anos se en-


contrava estável, deu um pulo, alavancado também
pela guerra entre Israel e Egito em 1973. Essa intensa
elevação do preço do produto, também chamada de
“crise do petróleo”, atingiu todos os países importa-
dores, especialmente o Brasil, que se tornara “viciado”
em seus derivados como a gasolina, o diesel e o óleo
combustível.

A fase do assim denominado “milagre econômico”


brasileiro (1968-1973), quando nossa economia cresceu
em média acima dos 10% ao ano, coincidiu com um
período no qual os preços do petróleo e o de outras
matérias-primas eram relativamente baixos.

A indústria automobilística nadou de braçada. Com-


bustível barato, ambiciosos investimentos públicos em
rodovias e grandes avenidas nas principais cidades
do país proporcionavam as bases para uma rápida
expansão do setor.

Até mesmo a matriz energética brasileira começou


a sofrer alterações: muitas indústrias utilizavam óleo
combustível para gerar aquecimento no lugar de ener-
gia elétrica, pois em muitos lugares a substituição era
economicamente compensadora.

120
A situação brasileira tornou-se ainda mais compli-
cada em 1979, quando o preço do petróleo sofreu outra
brusca elevação. A solução encontrada pelo governo
foi intensificar o programa nacional do álcool como
combustível para os automóveis, e também abandonar
ou desativar projetos de termelétricas (energia elétrica
produzida por turbinas movidas a óleo combustível),
substituindo-as por hidrelétricas.

O caso talvez mais interessante foi o do reservatório


de Sobradinho, situado no rio São Francisco, entre os
Estados da Bahia e de Pernambuco, mais precisamente
entre as cidades de Petrolina e Juazeiro.

Essa barragem começou a ser construída antes da


crise do petróleo, com a finalidade de armazenar água
e garantir o fornecimento durante todo o ano para a
hidrelétrica de Paulo Afonso, situada a uns 400 km
rio abaixo.

Com a elevação do preço do petróleo, ao mesmo


tempo que se desativava uma termelétrica que deveria
ser instalada para abastecer Recife, Sobradinho trans-
formou-se de uma simples barragem numa usina hi-
drelétrica dotada de várias turbinas geradoras.

A energia termelétrica havia se tornado muito cara


e os investimentos em usinas desse tipo haviam se
inviabilizado.

Mas as conseqüências sobre a economia brasileira


não foram apenas a criação do programa nacional do
álcool, que recebia fortes subsídios governamentais e,

121
portanto, exercia pressões sobre o déficit público. E
nem a transformação improvisada de uma simples
barragem numa usina hidrelétrica.

O golpe mais contundente ocorreu em nossa balança


comercial. A elevação brusca do preço do petróleo qua-
se dobrou nossas despesas com importações, pois a
economia brasileira consumia fartamente seus deriva-
dos. A produção nacional na época mal alcançava os
20% do consumo interno (hoje supera os 70%).

O quadro abaixo mostra bem como a balança co-


mercial se desequilibrou depois da chamada crise do
petróleo:

Quadro 13
Balança Comercial (em milhões de dólares)
Superávit Déficit
1973 7
1974 14.690
1975 13.540
1976 12.254
1977 96
1978 11.024
1979 12.839
1980 12.822
1981 1.202
1982 780
Total 2.085 17.169

122
Resultado líquido dos dez anos: 17.169 – 2.085 =
15.084.

Em síntese, tivemos um déficit comercial acumulado


de mais de US$ 15 bilhões entre 1973 e 1982!

Esses saldos negativos na balança comercial foram


os principais responsáveis pelo crescimento dos défi-
cits em transações correntes nos primeiros anos da
década de 70. A partir de 1978, os juros, que cresciam
mais rapidamente do que capim depois da chuva, ti-
veram a honra de arcar com esta embaraçosa respon-
sabilidade: em 1982 representavam cerca de 70% do
déficit em transações correntes!

Quadro 14
Serviços Transações Correntes
(Déficit) (juros) (Déficit)
1973 11.722 11.514 11.688
1974 12.432 11.652 17.122
1975 13.162 11.498 16.700
1976 13.763 11.809 16.017
1977 14.134 12.103 14.037
1978 16.037 12.696 16.690
1979 17.920 14.185 10.741
1980 10.152 16.311 12.807
1981 13.135 19.161 11.734
1982 17.082 11.353 16.310

123
Estes números mostram que, impulsionado pelos ju-
ros, o déficit nos serviços cresceu dez vezes nesse pe-
ríodo. O déficit em transações correntes subiu de 1,7
bilhão para 16,3 bilhões, apesar de já termos obtido
superávits comerciais em 1981 e 1982. Acabávamos de
nos meter numa bela crise: apesar dos superávits na
balança comercial, o déficit nos serviços era tão grande
que o rombo nas transações correntes tornava-se quase
impossível de ser coberto. Mas antes de conhecermos
o desfecho dessa crise, convém examinar por que ela
se armou.

2. As Soluções Imediatistas: o Esporte Nacional

Coloquemos o leitor diante de um dilema: o que é


preferível, uma morte suave agora ou uma violenta
dentro de doze meses? A maioria das pessoas con-
sultadas prefere a segunda alternativa e, provavelmen-
te, o leitor terá feito o mesmo.

Qual é o raciocínio de quem faz essa escolha?

“Tanto faz a forma de morrer, desde que eu tenha


mais um ano de vida. Inclusive durante este ano de
sobrevida poderei arranjar um jeito de conseguir mais
uma prorrogação e, quem sabe, no fim das contas con-
seguirei transformar essa inapelável sentença num
perdão ou numa decisão jurídica menos drástica! Afi-
nal a Justiça é cega, mas pode fazer um transplante
de retina...”.

124
Diante de uma situação difícil, nossos governantes
também tendem a protelar ou empurrar com a barriga
algo que exija uma decisão desgastante do ponto de
vista político.

O raciocínio é o mesmo do condenado à morte: ga-


nhar tempo para ver se é possível uma saída menos
traumática. O problema é que nesse caso a protelação
e a demora em tomar decisões amargas podem agravar
insuportavelmente a situação.

E foi o que nos aconteceu depois da crise do petróleo.

Já vimos que a brusca elevação dos preços do pro-


duto a partir de 1973 não ocorreu como um raio em
céu sereno. Foi precedida pela desvalorização do dólar
a partir de 1971 e pela crise financeira correspondente.
Os preços de todas as commodities se elevaram, pois
eram cotadas numa moeda que se desvalorizou, o dólar.

Nossa economia estava “viciada” no consumo e,


portanto, na importação de petróleo: nos anos 60 seu
preço se encontrava em níveis baixos e estáveis. Quan-
do estes se elevaram bruscamente, no final de 1973,
provocaram um grande déficit na nossa balança co-
mercial, pois o volume importado se manteve. A al-
ternativa seria diminuir o volume das importações
para reduzir, ou mesmo evitar, o déficit no comércio.

Mas isso significaria quebrar uma das pernas do


crescimento econômico, já que o petróleo e seus deri-
vados encontravam-se na base de todo o sistema pro-

125
dutivo, sobretudo no setor automotivo, que era uma
espécie de puxador do desenvolvimento industrial
brasileiro.

Havia também uma questão política: o governo do


general Emílio Garrastazu Médici terminara e outro
general, Ernesto Geisel, ocupava o Alvorada. As am-
bições de desenvolvimento do novo presidente eram
até maiores do que as de seu antecessor.

Não seria razoável que logo no início desse governo


houvesse uma forte pisada no freio do crescimento
econômico.

Uma política econômica recessiva, mas necessária


para absorver a crise externa, que desestimulasse a
atividade econômica interna elevando as taxas de ju-
ros, desvalorizando o câmbio e desencorajando os em-
presários a continuar investindo nos mesmos níveis
anteriores, seria politicamente inviável.

É necessário lembrar que para importar menos pe-


tróleo o governo não poderia estabelecer volumes má-
ximos de compras no exterior. Ou seja, não poderia
estabelecer metas quantitativas muito restritivas, pois
os países clientes de nossos produtos poderiam fazer
o mesmo, prejudicando nossas exportações.

O déficit poderia permanecer, pois a redução das


despesas com importações seria acompanhada da que-
da das receitas com as exportações. Seria trocar, como

126
se diz, seis por meia dúzia, ou no caso três por uma
trinca.

Se o Brasil continuasse importando os mesmos vo-


lumes de petróleo — como de fato aconteceu — e evi-
tando a desaceleração do crescimento, não poderia im-
pedir que fôssemos atingidos por uma onda inflacio-
nária vinda do exterior.

Mesmo que a taxa de câmbio permanecesse a mes-


ma, como o preço em dólares da maioria das impor-
tações havia aumentado seria inevitável que o preço
dos combustíveis e de outros derivados se elevasse
no mercado interno.

A conseqüência imediata foi o salto da inflação de


um patamar de 15% em 1973 para 35% no ano se-
guinte, e uma queda no ritmo de crescimento de im-
pressionantes 14% na primeira data para ainda con-
sideráveis 9,0% em 1974.

A partir de 1974, no entanto, as taxas de crescimento


econômico, que haviam sido superiores a 10% nos seis
anos anteriores, foram caindo na mesma medida em
que a inflação ia aumentando.

Mas o setor externo sofreu um verdadeiro estran-


gulamento, porque os déficits comerciais somados ao
déficit dos serviços — em que pontificavam as des-
pesas com juros — iam exigindo somas crescentes de
empréstimos e financiamentos (e também de investi-
mentos diretos) para serem compensados.

127
No início de 1974 nossa dívida externa bruta equi-
valia a uns US$ 12 bilhões e nossas reservas a uns
US$ 6 bilhões. Portanto nossa dívida líquida era exa-
tamente igual à diferença (12 – 6 = 6), o que repre-
sentava uma situação razoavelmente confortável.

Com os sucessivos déficits em transações correntes


e a necessidade de cobri-los com empréstimos e finan-
ciamentos e/ou capitais de curto prazo, o que acon-
teceu foi o crescimento da dívida externa bruta e a
redução das reservas.

O crescimento da dívida externa provocava um au-


mento da conta de juros a serem pagos e, portanto, o
déficit na conta de serviços ia crescendo: em 1973 a
dívida externa gerou um pagamento líquido de juros
de US$ 514 milhões; dez anos depois esta despesa ha-
via aumentado para mais de US$ 11 bilhões, como já
foi registrado no Quadro 14.

Na feliz imagem de um economista, o rabo em vez


de equilibrar o cachorro tornara-se tão grande e pesado
que o impedia até de andar. Depois de um certo mo-
mento o endividamento era feito apenas para cobrir
o déficit causado pelos juros da dívida já existente,
fechando um círculo infernal.

A dívida externa bruta alcançou a considerável


soma de US$ 70 bilhões em 1982. Como as reservas
haviam se tornado negativas em cerca de US$ 4 bilhões,
o Brasil devia efetivamente quase US$ 75 bilhões.

128
3. O Estouro do México em 1982

Dizem os homens da roça que, se o joão-de-barro


construir sua casa com a entrada virada para o lado
de onde chegam os ventos, é sinal de que vai haver
estiagem. A “explicação” é que os ventos trazem as
chuvas e, se o laborioso pássaro constrói a entrada
nessa direção, é porque não irá se molhar, e portanto
choverá pouco. Se a entrada estiver voltada para o
outro lado, no entanto, as águas serão generosas. Se,
além desse indicador, as formigas construírem seus
formigueiros em lugares muito altos é porque haverá
inundações.

Não me perguntem como esses pássaros e insetos


“sabem” o que vai acontecer, mas os agricultores que
dependem das chuvas para suas colheitas conseguem
acertar algumas previsões baseando-se nesses sinais.

As economias têm também seu joão-de-barro e suas


formigas. Bastaria examinar as contas mexicanas ou
brasileiras no início de 1982 para verificar que seria
difícil terminar o ano sem uma crise cambial.

É claro que alguém poderia alegar que estaríamos


apelando para a “fácil sabedoria ex-post”. Isto é, depois
que a coisa acontece, todo mundo “sabia” que iria
acontecer; e que estava na cara que a casa iria desabar
etc...

É verdade que na maioria dos casos essas “previ-


sões” são feitas depois que as coisas aconteceram,

129
como as de mãe Dinah, por exemplo. Mas em alguns
casos os fundamentos que sustentam uma economia
estão tão comprometidos que as previsões do que vai
acontecer tornam-se extremamente fáceis.

E, talvez por ironia do destino, doze anos depois,


em 1994, os fundamentos da economia mexicana co-
meçaram a se enfraquecer outra vez, e o México sofreu
outra também previsível e violenta crise cambial.

No caso brasileiro, essa segunda dose ocorreu no


início de 1999, como já assinalamos em capítulos an-
teriores. Como em 1982, a crise que se avizinhava foi
cantada em prosa e verso por muitos analistas bem
antes de acontecer.

Em 1982 o Brasil tinha duas “certezas” desde o início


do ano: necessitaria pagar cerca de US$ 11 bilhões de
juros, pois eram juros sobre uma dívida cujo montante
era conhecido; e deveria fazer amortizações de cerca
de US$ 7 bilhões.

Portanto, somente esses dois itens demandariam


US$ 18 bilhões. Tornava-se indispensável a obtenção
de um megassuperávit comercial, e em março essa
meta já havia se mostrado inviável. Os números dos
empréstimos, dos financiamentos e dos investimentos
diretos eram raquíticos. Aqueles correspondentes aos
capitais de curto prazo mostravam um sintoma alar-
mante: as saídas eram superiores às entradas.

Somando outras despesas da conta de serviços, os


US$ 18 bilhões subiam para cerca de US$ 23 bilhões.

130
Mas foram conseguidos somente US$ 12,5 bilhões de
empréstimos e financiamentos, e US$ 2,5 bilhões de
investimentos diretos, perfazendo um total de apro-
ximadamente US$ 15 bilhões, insuficientes para cobrir
o déficit.

O rombo final alcançou US$ 8 bilhões, e as reservas


foram mobilizadas. Como só dispúnhamos de cerca
de US$ 4 bilhões (3 em divisas e 1 em ouro monetário),
entregamos esses valores aos credores — inclusive o
ouro físico em lingotes —, e os restantes US$ 4 bilhões
resultaram de operações compensatórias com os ban-
cos credores, tendo o FMI, que gentilmente nos em-
prestou US$ 300 milhões, como avalista.

As medidas impostas pelo Fundo Monetário Inter-


nacional foram as tradicionais nesses casos: a desva-
lorização cambial e a tentativa desesperada de obten-
ção de um megassuperávit comercial. Como esse ob-
jetivo não poderia ser alcançado apenas com a forte
desvalorização do câmbio, tornou-se indispensável
uma alavancada na taxa de juros, um corte profundo
nos salários e um crescimento da tributação, que agra-
vou a fase recessiva que o país já vinha atravessando.

O ano de 1983 foi um dos piores que a economia


brasileira já viveu. A terapia recessiva foi tão forte
que o saldo da balança comercial bateu recordes no
ano seguinte — 1984 — pelo efeito combinado da que-
da drástica das importações e o aumento moderado
das exportações.

131
O superávit alcançou mais de US$ 13 bilhões, e as
transações correntes, que sempre apresentavam défi-
cit, pela primeira vez em mais de vinte anos registra-
ram um pequeno superávit de cerca de US$ 44 milhões.

Apesar desse “êxito” na balança comercial, a situa-


ção financeira piorou bastante a partir de 1982, pois
os credores, além de não aportarem dinheiro novo,
recusavam-se também a realizar a rolagem integral da
dívida que ia vencendo a cada ano.

O leitor deve estar lembrado do que acontece com


um devedor quando tem dificuldades em pagar sua
dívida e solicita ao credor uma prorrogação dos pra-
zos. Nos casos em que este último aceita fazer a “ro-
lagem” da dívida, impõe ao devedor condições cada
vez mais desvantajosas, agravando o problema ainda
mais.

Como exemplo citaremos apenas duas dessas des-


vantagens: os prazos de pagamento foram ficando
mais curtos e os juros contratados, mais elevados. De
fixos, passaram a ser flutuantes. Ou melhor, antes as
dívidas eram contratadas e os juros a serem pagos
eram conhecidos de antemão pelo devedor.

Com a adoção dos juros flutuantes, o montante a


ser pago só era conhecido no momento do vencimento.
Pagava-se de acordo com a taxa de juros vigente, e
não com a do momento da contratação da dívida.

Meu jovem vizinho poderia argumentar que isso


seria favorável se as taxas de juros estivessem caindo.

132
E estaria certo. Mas essa alteração nos contratos foi
feita exatamente porque os juros eram ascendentes,
como pode ser visto no quadro abaixo:

Quadro 15
Taxa de Juros Nominal
1976 16,8
1977 16,8
1978 19,1
1979 12,7
1980 15,2
1981 18,8
1982 10,8
Fonte: Fundo Monetário Internacional.

Como não poderia deixar de ser, os estragos na conta


de serviços provocados pelo pagamento dos juros fo-
ram se tornando cada vez maiores.

É o passarinho pisando no visgo da jaca. E quando


os credores percebem que algo parecido está aconte-
cendo com o devedor, como já vimos, as condições
para emprestar mais dinheiro ou fazer a simples ro-
lagem da dívida vão se tornando cada vez mais duras.
No limite, os credores podem se recusar a continuar
emprestando.

Nesse caso, o devedor tem três caminhos: a) esperar


que os credores avisem ao mercado que não estão sen-

133
do pagos; b) declarar-se incapacitado de fazer os pa-
gamentos devidos; c) partir para uma moratória.

Qualquer uma das modalidades provoca grande in-


quietação no mercado financeiro, pois a quebra de um
dos elos da corrente pode provocar o enfraquecimento
ou a ruptura de todo o sistema. O problema é saber
em que mercados essa corrente está conectada, para
se avaliar o impacto que a crise financeira terá.

É o que acontece quando vemos um grande desastre


numa estrada: primeiro os motoristas diminuem a
marcha para ver o que aconteceu, mas depois, temen-
do a mesma sorte, diminuem durante algum tempo
a velocidade média com a qual costumam viajar.

Colocando as barbas de molho, os credores resol-


veram reduzir seus empréstimos e em alguns casos
interrompê-los totalmente até que a poeira assentasse.

Como já vimos, em setembro de 1982 o México de-


clarou-se impossibilitado de fazer os pagamentos de
sua dívida externa, provocando uma imediata retração
dos credores. Países como o Brasil, que dependiam
desses recursos para fechar suas contas, ficaram chu-
pando o dedo. Ou melhor, “quebraram”.

Foi o chamado “setembro negro”, quando todos os


credores, alarmados com o que acabava de acontecer
com o México, retiraram seu time de campo e já não
mais emprestavam dinheiro para países altamente en-
dividados como o Brasil.

134
A declaração da quebra do setor externo brasileiro
esperou a passagem das eleições de novembro de 1982
(realizavam-se as primeiras eleições diretas para go-
vernador depois de cerca de quinze anos).

O surpreendente não foi o governo militar ter sido


derrotado na maioria dos Estados importantes: o inu-
sitado foi ter ganho em alguns deles. Com a inflação
se acelerando e corroendo os salários, com o setor ex-
terno em frangalhos, e a oposição ascendente, as vi-
tórias situacionistas no Rio Grande do Sul e em muitos
Estados do Nordeste foram verdadeiras façanhas que
muitos até hoje creditam a práticas situacionistas pou-
co recomendáveis.

A situação externa brasileira se agravou durante os


anos 80, assim como a de países como a Argentina e
o próprio México. Especialmente no que se refere à
inflação. De certa forma, esta última foi o instrumento
utilizado para “socializar” as perdas provocadas
pela crise cambial e pelos constrangimentos do ajus-
te externo.

As dívidas externas desses países cresciam sem ne-


nhuma perspectiva de que poderiam ser pagas de
acordo com os contratos originais. Mesmo que os paí-
ses endividados realizassem esforços sobre-humanos
para ajustar suas economias às necessidades dos cre-
dores, o desequilíbrio era muito grande.

Para que se tenha uma idéia do esforço de ajuste


realizado pelo Brasil a partir do início dos anos 80,

135
basta dizer o seguinte: logo depois da crise de 1982,
o governo brasileiro desvalorizou o câmbio em 30%
para estimular as exportações e desestimular as im-
portações. Esta medida foi acompanhada pela elevação
das taxas de juros e por uma redução dos salários
reais. A combinação dessas medidas provocou uma
senhora recessão no país, acompanhada de uma in-
flação de 200% ao ano!

As importações caíram drasticamente: se em 1980


haviam atingido US$ 22,5 bilhões, em 1985 caíram para
US$ 13,1 bilhões. Os preços internos dessas importa-
ções aumentaram, o que contribuiu para alavancar a
inflação.

Mas ao mesmo tempo era necessário aumentar as


exportações. A taxa de câmbio estimulou os exporta-
dores, mas não foi a única responsável pela obtenção
de um megassuperávit em 1984: US$ 13 bilhões. A
taxa de juros de um lado e o desemprego do outro,
jogando os salários para baixo, se encarregaram de
completar o serviço, pois a retração do consumo in-
terno impeliu os empresários a vender no exterior
aquilo que não conseguiam colocar dentro das fron-
teiras nacionais.

O encolhimento do consumo interno pode ser ava-


liado pelos seguintes indicadores: em média, o brasi-
leiro passou entre outras restrições a comer menos car-
ne bovina, a fumar menos e a se vestir pior.

Em 1980 o consumo per capita de carne era equiva-


lente a 16,3 kg anuais; em 1984 este consumo havia

136
caído para menos de 12 kg; ao mesmo tempo, as ex-
portações do produto aumentaram no período em qua-
se US$ 300 milhões.

Como é fácil perceber, o Brasil encontrava-se em


uma enrascada. Penalizava internamente sua popula-
ção, cujo nível de vida retrocedia, e não recuperava
seu crédito externo. O endividamento externo estava
pouco a pouco nos asfixiando.

4. A Crise da Dívida: Primeiro Tempo

Depois que, em 1982, o México suspendeu o paga-


mento do serviço de sua dívida externa junto aos ban-
cos credores, iniciou-se o que veio a ser conhecido
como a crise da dívida do Terceiro Mundo.

Depois da declaração mexicana, os bancos credo-


res entraram em pânico. Temiam que moratórias em
série provocassem o colapso do sistema financeiro
internacional.

Sensibilizados, os governos dos maiores países cre-


dores fizeram o possível para evitar uma catástrofe
financeira, sobretudo com o incentivo à concessão de
bridge loans, expressão em inglês que significa “em-
préstimo-ponte”. É um empréstimo de curto prazo
para que um país em dificuldades faça uma “traves-
sia”, geralmente no final do ano, para não declarar-se
inadimplente, isto é, para não estragar o Natal dos
bem-nascidos credores anunciando um calote.

137
A intenção era evitar que um dos elos da corrente
se rompesse, pondo em perigo a estabilidade de todo
o sistema.

Ou seja, o objetivo primordial dos “empréstimos-


ponte” era assegurar que os países devedores perma-
necessem com seus pagamentos em dia. Para todos
os efeitos, a situação encontrava-se sob controle, não
havendo nenhum motivo para inquietação. Se pergun-
tados, os banqueiros poderiam dizer sem pestanejar:
“Está tudo sob controle”. Mas não era bem assim.

Essa “solução” do problema baseava-se numa falsa


crença: a de que os países devedores estavam passando
por uma crise temporária de falta de dólares. E que
tal escassez devia-se a uma combinação de fatores ad-
versos mas passageiros: a recessão dos países indus-
trializados e uma queda do preço dos produtos que
os países endividados exportavam.

A recessão nos países credores reduzia as quanti-


dades exportadas pelos devedores, e a queda dos res-
pectivos preços resultava numa receita de exportações
menor.

Esse diagnóstico levou a uma escolha óbvia: uma


vez que o desequilíbrio externo seria revertido em bre-
ve em função do término da recessão nos países cre-
dores, o importante era manter sem interrupção os
fluxos financeiros entre estes e os devedores. Daí a
insistência nos empréstimos-ponte.

138
Na prática, isso significava que os países devedores
deveriam apertar o cinto e os bancos dos países cre-
dores abrir um pouco seus cofres.

O Tesouro dos Estados Unidos e a Reserva Federal


(que é o Banco Central daquele país) seguiram essa
política em comum acordo com o FMI.

Os países devedores continuariam executando po-


líticas de austeridade, de forma a reduzir suas neces-
sidades de recursos externos e prosseguir pagando em
dia os juros aos bancos comerciais.

O FMI, o Banco Mundial e os bancos regionais de


desenvolvimento (como o BID — Banco Interamerica-
no de Desenvolvimento) deveriam prover emprésti-
mos para o equilíbrio dos balanços de pagamento, e
os governos de países credores ofereceriam recursos
adicionais, inclusive bridge loans, enquanto se estudava
um reescalonamento da própria dívida externa.

Este último ponto era importante, pois os prazos


de pagamento das dívidas dos países do Terceiro Mun-
do eram muito curtos, e seria muito difícil pagá-las
em dia.

Ironicamente, com a recuperação da economia nor-


te-americana e da maior parte dos países industriali-
zados, alguns países devedores foram capazes de in-
crementar suas exportações e dessa forma transferir,
a partir de 1984, aos credores, uma quantidade de re-

139
cursos até maior do que antes, levando à ilusão de
que a crise da dívida havia terminado.

Em meados de 1985, no entanto, era reconhecido


abertamente que embora a estratégia adotada tivesse
salvo os bancos credores, os países devedores haviam
aprofundado suas crises.

Com o pessimismo se generalizando e a dívida ex-


terna dos países em desenvolvimento se agravando,
os bancos ficaram bastante relutantes em conceder no-
vos empréstimos, tornando a solução do problema ain-
da mais distante.

Em outubro de 1985, o então secretário do Tesouro


norte-americano, James A. Baker III, apresentou uma
proposta destinada a equacionar o problema da dívida
externa dos países em desenvolvimento, imediatamen-
te batizada de Plano Baker.

Ela era dirigida sobretudo aos países latino-ameri-


canos, como o Brasil, a Argentina e o México, mas
incluía também países de outros continentes, como a
Nigéria, as Filipinas e a Iugoslávia.

A proposta continha três medidas articuladas: a)


adotar políticas para promover o crescimento; b) rea-
lizar ajustes no Balanço de Pagamentos (leia-se reduzir
os déficits em transações correntes mediante superá-
vits comerciais); c) reduzir a inflação.

Eram medidas que colidiam com o objetivo de um


megassuperávit na balança comercial: em outras pa-

140
lavras, recomendava-se que se chupasse cana, mas se
exigia que se assoviasse ao mesmo tempo...

Embora o Plano Baker colocasse grande ênfase no


crescimento econômico como via para a solução do
problema da dívida, não proporcionava os meios ne-
cessários para alcançá-lo.

Ao contrário, à medida que o tempo passava, a si-


tuação econômica dos países devedores se deteriorava:
a inflação aumentou, a renda per capita declinou ou
estagnou e os investimentos minguaram.

Diante desse quadro, os bancos relutavam em em-


prestar dinheiro novo aos países do Terceiro Mundo.
Por sua vez o FMI, em vez de representar um esteio,
acabava transformando-se em acelerador da crise: co-
brava dos devedores as dívidas contraídas nos anos
anteriores com a instituição e que estes não tinham
condições de pagar, mesmo impondo um regime dra-
coniano de penúria a seus habitantes.

Outros acontecimentos ameaçavam também os fun-


damentos do Plano Baker. Em fevereiro de 1987, de-
pois do desarranjo provocado pelo Plano Cruzado, o
Brasil declarou a suspensão unilateral dos pagamentos
de sua dívida. Ou, em linguagem mais clara, declarou
a moratória de sua dívida externa.

Mais um passo foi dado nesse sentido quando o


México e o Morgan Guaranty Trust Co., uma grande
corporação financeira norte-americana, concordaram

141
em leiloar parte da dívida mexicana com um desconto.
Ou seja, credores e devedores reconheciam que as dí-
vidas deveriam ser recontratadas por meio de meca-
nismos do próprio mercado.

O Tesouro norte-americano saudou a idéia, decre-


tando assim a falência do Plano Baker.

5. A Crise da Dívida: Segundo Tempo

Diante do fracasso do Plano Baker, os credores se


convenceram de que não seria possível ou viável re-
ceber a dívida de acordo com os contratos assinados
pelos países devedores. As condições eram leoninas,
para não dizer escorchantes.

Em 1989, o novo secretário do Tesouro dos Estados


Unidos, Nicholas Brady, com uma simples frase apre-
sentou o ponto central de uma nova estratégia: “...o
caminho para a valorização dos créditos e o retorno
ao mercado de muitos países devedores passa por uma
redução da dívida” (grifo meu).

Era finalmente o reconhecimento de que o cumpri-


mento dos contratos exigiria dos países devedores po-
líticas econômicas tão duras que a própria governa-
bilidade corria grandes riscos. E nada garantia que o
problema da dívida seria solucionado.

É interessante lembrar que em 1985 Fidel Castro ini-


ciara uma campanha pelo não pagamento da dívida,

142
cuja repercussão, embora limitada, poderia ser o es-
topim de uma rebelião de devedores. Ao mesmo tem-
po Alan García, na época presidente do Peru, diante
da absoluta falta de recursos para pagar seus compro-
missos externos, vinculou as parcelas e os juros da
dívida a uma certa porcentagem das exportações pe-
ruanas, rompendo na prática com o que estava escrito
nos contratos.

Não existe coisa mais temível para a estabilidade


do sistema financeiro internacional do que uma ação
coordenada de devedores renegando uma dívida.
Mesmo que não passem de bravatas, declarações com
esse teor são suficientes para perturbar as coisas du-
rante um bom tempo.

Mas, com ou sem bravatas, o fato concreto é que


os países endividados não podiam pagar suas dívidas.

Para um sistema financeiro que a cada dia se glo-


balizava exigindo fluidez de recursos em todos os seus
poros, a continuidade dessa situação era intolerável.

Não é, portanto, coincidência que a iniciativa tenha


partido de outro secretário do Tesouro do país mais
poderoso do mundo e mais interessado na estabilidade
do mercado financeiro internacional.

A “adesão” do FMI, do Banco Mundial e dos japo-


neses com suas imensas reservas financeiras, embora
previsível e lógica, deu à proposta de Nicholas Brady
maior consistência e viabilidade.

143
As diretrizes do Plano Brady, embora insistindo em
políticas orientadas para o crescimento econômico, to-
cavam em dois pontos cruciais: alongavam os prazos
de pagamento das dívidas e propunham uma discreta
baixa nas taxas de juros.

Essas medidas permitiriam que pelo menos 39 paí-


ses devedores reduzissem seu débito bancário em 20%
em três anos se aderissem ao plano. Embora tal redu-
ção não fosse muito significativa, abriu o caminho para
que banqueiros e devedores redefinissem os termos
de suas dívidas diretamente na mesa de negociações.

Essa flexibilidade permitiu que ocorressem reduções


adicionais significativas nas taxas de juros e uma am-
pliação considerável dos prazos de pagamento.

Para que se tenha uma idéia da importância desse


novo tratamento da dívida externa, basta dizer que o
México (em 1989), a Argentina (em 1991) e o Brasil
(em 1994) somente conseguiram lançar seus planos de
estabilização — Plano Azteca, Plano Cavallo e Plano
Real — depois que as respectivas renegociações das
dívidas fossem coroadas de êxito.

144
CAPÍTULO 6

O PLANO REAL E A
ÂNCORA CAMBIAL

1. A Crise da Dívida: a Prorrogação e a Vitória nos


Pênaltis. Ou o Plano Brady e o Lançamento do Plano
Real

Se uma pessoa deve para um fornecedor e no final


do mês não tem como pagar a dívida — nem os juros
e muito menos o principal —, pode dar uma de cara-
de-pau: no dia do vencimento, além de pedir uma
prorrogação da dívida já existente, solicitará um em-
préstimo adicional para fazer frente “a novas dificul-
dades que foram surgindo”.

O grande sambista Bezerra da Silva tem uma letra


que é mais ou menos assim: fulano emprestou dinheiro
a sicrano e, quando foi receber, o devedor havia fale-
cido. A solução foi cobrar dos familiares do morto.
Mas estes disseram que não tinham nada com isso e
que era melhor ele ir cobrar de quem realmente devia.
Sem outra saída, o credor se dirigiu ao caixão, e jura

145
de pés juntos ter ouvido o defunto mover os lábios
para pedir mais algum...

Diante de semelhante situação, o credor pode se re-


cusar a continuar emprestando, e sujar o nome do
devedor na praça. Qualquer um que tiver negócios a
fazer com este último e pedir referências receberá do
credor informações desabonadoras. Se, no entanto,
o devedor conseguir acertar suas contas, “limpará”
seu nome e poderá voltar a negociar com outros
fornecedores.

A adesão do Brasil ao Plano Brady foi mais ou me-


nos essa “limpada de barra” em relação ao mercado
financeiro internacional. Cerca de US$ 50 bilhões de
sua dívida externa foram renegociados: seus prazos
de vencimento foram alongados em até 30 anos e as
taxas de juros, reduzidas.

Somente depois desse acerto com os bancos credores


nos moldes do Plano Brady é que os fluxos de capitais
financeiros e investimentos estrangeiros começaram a
voltar para o Brasil em grande escala.

De fato, a partir de 1992, quando essas negociações


começaram a avançar, as entradas maciças de emprés-
timos e financiamentos, investimentos diretos e capi-
tais de curto prazo permitiram ao governo brasileiro
a formação de reservas, como mostra o Quadro 16.

Podemos observar que, se em 1990 entraram apenas


US$ 3,9 bilhões por essas três janelas da conta de ca-

146
Quadro 16 — Em bilhões de US$
1990 1991 1992 1993 1994 1995
Invest. Direto 0,2 0,5 13,1 16,2 18,2 14,5
Empres. x Finan. 5,0 6,0 19,3 11,5 12,5 16,3
Capit. Curto Prazo –1,3 –4,1 11,7 13,2 12,7 13,2
Total 3,9 2,4 14,1 20,9 23,4 24,0
Reservas 10,0 9,4 23,8 32,2 38,8 51,8

pital, cinco anos depois, em 1995, essa cifra alcançava


US$ 34,0 bilhões.

O déficit em transações correntes em 1994 atingiu


apenas US$ 1,6 bilhão que, somado a amortizações de
aproximadamente US$ 8,0 bilhões, resultou em US$
9,6 bilhões a serem cobertos pelos demais itens da con-
ta de capital. Como naquele ano, via investimentos
diretos, empréstimos e financiamento e capitais de cur-
to prazo, entraram cerca de US$ 23,4 bilhões, o resul-
tado final foi um superávit de aproximadamente US$
14 bilhões.

Esse saldo positivo obtido no decorrer de 1994 ele-


vou as reservas para mais de US$ 35 bilhões, o que
permitiu lançar a âncora cambial, a peça mais impor-
tante do Plano Real.

Ou melhor, a segurança de que os preços não se-


guiriam em louca disparada residia no fato de que o
governo possuía dólares suficientes para agüentar
uma taxa de câmbio estável, e esta, por sua vez, era
uma garantia de preços estáveis das importações.

147
Se algum produto faltasse no mercado interno, as
reservas permitiriam a imediata ampliação das impor-
tações, evitando choques de preços por insuficiência
de oferta interna.

Essa âncora cambial é fundamental quando um país


realiza um plano para acabar com uma inflação galo-
pante como a que vivemos até 1994. É como se alguém
viesse caindo no meio de um arvoredo e conseguisse
agarrar-se a um galho suficientemente grosso para
agüentar o seu peso. Esse “galho” eram as reservas
cambiais que davam estabilidade à taxa de câmbio.

É por isso que para muitos a base do Plano Real


foi a “âncora cambial”, ou seja, a existência de reservas
suficientes para manter uma taxa de câmbio estável.

Já vimos anteriormente que uma enxurrada de dó-


lares só estava esperando a conclusão dos acordos do
Plano Brady para cruzar as fronteiras brasileiras. Com
a elevação das taxas de juros depois da crise do México
no final de 1994 e a convicção de que o Brasil não
teria o mesmo destino, essa enxurrada se transformou
numa avalanche: o capital especulativo invadiu o Bra-
sil em 1995, inflou as reservas e esse excesso de oferta
de moeda norte-americana valorizou ainda mais o real,
tornando o dólar mais “barato”.

Entraram em 1995 mais de US$ 13 bilhões de capital


de curto prazo. E essa era a debilidade da âncora:
apoiava-se num capital gelatinoso e movediço que po-
deria sair com a mesma velocidade com que entrara.

148
Ou, voltando ao nosso exemplo das colunas que
sustentam o edifício da estabilidade de preços, é como
se as pessoas que garantissem que não sairiam reti-
rando pedaços das colunas não merecessem confiança:
se achassem vantajoso, fariam-no sem nenhum pro-
blema de consciência.

2. A Taxa de Câmbio e a Âncora dos Preços

Talvez ninguém tenha visto até hoje um navio atra-


cando e seu capitão ordenando que fossem lançadas
ao mar tantas toneladas de taxas de câmbio para se-
gurar a embarcação no porto.

E muito menos um engenheiro calculando as vigas


de sustentação de um edifício e concluindo que elas
deveriam ter uma circunferência de tantas taxas de
câmbio.

Quando os economistas falam em âncoras ou vigas


de sustentação, estão tomando emprestado conceitos
de outras áreas do conhecimento para designar a mes-
ma coisa: a estabilidade de preços.

Ou melhor, de que maneira a taxa de câmbio pode


contribuir para que os preços permaneçam estáveis
no interior de uma economia?

A primeira condição é que a própria taxa de câmbio


se mantenha estável. Se ela estiver em equilíbrio e per-
manecer assim durante algum tempo, todos os pro-

149
dutos que um país importar terão também preços es-
táveis.

Mas duas coisas podem perturbar essa situação


ideal:

a) o preço em dólar do produto pode variar, como


vem acontecendo desde 1997 com o petróleo. Se o bar-
ril de US$ 15,00 passar a custar US$ 30,00, mesmo
que a taxa de câmbio permaneça estável, como cada
barril custa mais dólares o preço dos derivados será
inevitavelmente elevado no mercado interno, causan-
do uma pressão inflacionária;

b) os preços externos podem permanecer constantes,


mas o país pode sofrer uma inflação provocada por
outras causas que não a desvalorização do câmbio.
Nesse caso, os custos dos produtores nacionais au-
mentarão em reais. Se não houver uma desvalorização
cambial (mais reais para cada dólar) que compense
os aumentos de custos, os produtores perderão o in-
teresse pelas exportações.

Se a taxa de câmbio não for alterada para acompa-


nhar a inflação interna, as importações serão estimu-
ladas, pois o dólar ficará “barato”, como já vimos an-
teriormente. Foi o que nos aconteceu depois do lan-
çamento do Plano Real, em 1994 e até 1998.

Além disso, a estabilidade cambial é importante


também para os movimentos do capital financeiro.
Com a chamada globalização, os mercados financeiros

150
internacionais passaram a operar on-line 24 horas por
dia. Quando é noite em Tóquio, seus operadores po-
dem estar investindo na Bolsa de São Paulo e vice-
versa.

Isso significa que os investimentos financeiros se


movimentam com grande agilidade e em grandes vo-
lumes a todo momento. Mesmo porque com o extra-
ordinário desenvolvimento das comunicações, os
custos dessas operações a longa distância se redu-
ziram drasticamente.

Como qualquer investimento, o de origem financei-


ra também gosta de segurança e estabilidade cambial.
A razão é simples: em grande parte dos países a moeda
estrangeira necessita transformar-se em moeda nacio-
nal para ser aplicada internamente e obter a desejada
rentabilidade.

Quem utiliza moeda forte e aplica em países de moe-


da fraca e duvidosa realiza um salto perigoso: troca
seu dinheiro “bom” por outro que pode se desvalo-
rizar. Por exemplo, se alguém investe US$ 100,00 no
Brasil, terá de trocar esses dólares por reais. Se a taxa
de câmbio for, digamos, 1 dólar = 1 real, ele obterá
R$ 100,00.

Suponhamos que ele aplique esses R$ 100,00 no mer-


cado financeiro e consiga 10% de ganho em seis meses.
Obterá, no final das contas, R$ 110,00. Se a taxa de
câmbio não se alterar, trocará esses R$ 110,00 por US$
110,00 e terá abocanhado 10% de lucro em moeda forte

151
(sua origem) em seis meses, o que pode ser conside-
rado bem satisfatório.

Mas — e agora vamos jogar um pouco de areia na


vida desse investidor — suponhamos que minutos an-
tes da troca dos reais por dólares o governo brasileiro
decida desvalorizar sua moeda em exatos 10%. Nesse
caso, ao realizar a troca, o investidor terminará com
a mesma soma inicial: os US$ 100,00; pois, embora o
investidor tenha ganho 10% em reais, ao comprar os
dólares 10% mais caros essa vantagem foi neutraliza-
da. Uma mão lavou a outra.

É como se esses dólares tivessem ficado parados


durante seis meses. E no mercado financeiro isso re-
presenta uma perda, pois não ganhar é uma forma
de perder. É o mesmo quando a Seleção Brasileira de
futebol empata: é como se tivesse perdido...

Além disso, embora o dólar seja uma moeda con-


fiável, também sofre uma leve corrosão, pois nos Es-
tados Unidos existe uma pequena inflação.

Mas o investidor certamente perderia — e não seria


uma simples sensação — se a desvalorização da moeda
nacional fosse superior aos 10%. Nesse caso ele sairia
do Brasil com uma quantidade de dólares menor do
que a inicial.

A desconfiança do investidor de que um governo


está prestes a desvalorizar a moeda na qual ele tem
suas aplicações pode levá-lo, para não sofrer perdas,

152
a trocá-la por dólares e sair rapidamente antes que tal
desvalorização aconteça, isto é, antes que os dólares
estejam custando mais caro.

O grande problema é que essa desconfiança pode


se basear tanto em razões concretas e objetivas como
em imaginárias e subjetivas. E mesmo na ausência de
razões concretas para uma debandada, a retirada rá-
pida e maciça de aplicações financeiras em determi-
nado país pode levá-lo a desvalorizar sua moeda.

É por essa razão que a mera discussão sobre uma


futura desvalorização deixa o mercado tão inquieto. De-
pendendo da importância da pessoa que levanta o as-
sunto, pode causar uma fuga em massa dos investidores.

Ao contrário, mesmo que todos os porta-vozes do


governo — tanto os mais como os menos eloqüentes
— afirmem de pés juntos que o governo não irá des-
valorizar a moeda, se os dois fundamentos que já exa-
minamos, quais sejam, o déficit público (interno) e o
déficit em transações correntes (externo) aumentarem
sem controle, não haverá perdão: ninguém conseguirá
evitar a fuga.

Cedo ou tarde o ataque especulativo virá e poderá


levar o país a uma desvalorização cambial. Efetuá-la
“aos poucos”, como se tentou em janeiro de 1999, é
mais difícil do que esvaziar uma bolha de sabão len-
tamente. Ela quase sempre explode...

Mas trataremos dessa questão do ataque especula-


tivo um pouco mais adiante.

153
Antes é necessário esclarecer de que forma a entrada
de dólares para investimentos financeiros pode esti-
mular a expansão da dívida interna.

3. As Iscas do Mercado Internacional

É da própria natureza do mercado financeiro inter-


nacional globalizado a existência de grande liberdade
de movimentação de investimentos de um país para
outro, sejam esses investimentos produtivos, financei-
ros ou especulativos.

Se um país depende muito da entrada de recursos


externos, deverá tanto incentivar a vinda como facilitar
a volta. Entradas e saídas azeitadas fazem parte do
jogo.

Suponhamos que um sujeito convide um amigo para


uma festa em sua casa dizendo que vai ter do bom e
do melhor, que o convidado poderá chegar só e sair
acompanhado, que rolarão música ao vivo, bebidas
importadas etc. Se o convidado tiver outras propostas
menos atraentes, ou mesmo encontrar-se desprogra-
mado, esperando pintar alguma coisa, certamente
aceitará.

Mas suponhamos que no momento de sair da festa,


um grupo de seguranças o impeça de fazê-lo, dizendo
que antes ele (e a eventual acompanhante) têm de lavar
pratos, arrumar a sala e dar um trato no carro do
dono da casa etc. A reação de espanto e indignação

154
será seguida certamente de um telefonema avisando
eventuais retardatários para que desistam, pois trata-
se de uma roubada.

Com certeza, esse azarado cidadão jamais voltará a


aceitar convites do mesmo anfitrião. Se algum dia o
fizer, será porque as vantagens foram multiplicadas e
as garantias, idem, e um amigo comum assegurar que
as coisas agora vão acontecer conforme o figurino.

No mercado financeiro internacional acontece algo


semelhante. Se o país anfitrião atrair investidores, e
depois da entrada destes criar dificuldades para a res-
pectiva saída, via de regra ficará “marcado” e classi-
ficado como região insegura ou instável, pouco con-
fiável. Ou, como teria dito um famoso general, chefe
do governo francês, sobre o Brasil: “Não é um país
sério!”.

Mas quanto maiores as facilidades para a saída de


investimentos financeiros, maior a insegurança do país
anfitrião em relação à solidez da âncora formada pelas
reservas: elas podem minguar muito rapidamente e o
país perderá uma viga de sustentação da estabilidade
de sua própria moeda.

De qualquer forma, existe uma regra no mercado


financeiro estabelecendo mais ou menos o seguinte:
quanto maior a necessidade desses investimentos,
maiores serão os atrativos para a sua entrada e maiores
as facilidades para a respectiva saída.

155
O Brasil foi, e continua sendo, um dos países que
melhores condições de entrada e saída oferecem no
mercado internacional entre os anfitriões. Isso em fun-
ção da “ficha corrida” que inclui, entre outras coisas,
como já vimos, um congelamento em 1986, uma mo-
ratória mal executada em 1987, durante o governo Sar-
ney, e um bloqueio-confisco das aplicações financeiras
durante o Plano Collor, em 1990.

Entre os atrativos, um dos mais importantes ofere-


cidos ao capital financeiro é uma taxa de juros bem
elevada. As coisas funcionam mais ou menos assim:
os dólares que entram são transformados em reais, e
com estes os investidores compram títulos da dívida
interna brasileira, os chamados investimentos finan-
ceiros em renda fixa, pois a remuneração é conhecida
de antemão.

Esses investimentos poderão se dirigir também para


as Bolsas de Valores em aplicações de renda variável,
pois a cotação de uma ação, depois de comprada, tanto
pode subir como baixar.

Se meu vizinho aparecesse em busca de seu gato,


certamente perguntaria se, ao entregar tantos reais nas
mãos dos investidores em troca de seus dólares, o go-
verno não estaria causando pressões inflacionárias.

A resposta seria negativa, pois esse dinheiro sai das


mãos do governo, mas volta imediatamente ao seu
poder mediante a venda de títulos de sua dívida in-
terna. O investidor estrangeiro fez a troca com o ob-

156
jetivo de ganhar juros, o que só acontece por meio da
compra de títulos da dívida pública.

Mas, na medida em que o governo retira esses reais


de circulação (ou enxuga a liquidez, segundo o eco-
nomês) vendendo títulos e proporcionando aos credores
generosos juros, a dívida interna vai se expandindo.

Eis aí outra fonte de crescimento da dívida interna.


Não são apenas os déficits decorrentes de gastos go-
vernamentais com pessoal, consumo e investimentos
que alimentam o endividamento interno, mas também
a conversão dessa enxurrada de dólares que entra
como investimento financeiro de curto prazo.

Lembremos que é a necessidade de cobrir os dé-


ficits em transações correntes do Balanço de Paga-
mentos que obriga o governo a atrair esses investi-
mentos oportunistas.

Como essa cobertura do déficit externo contribui


para aumentar a dívida interna, e esta, com seus juros,
provoca um déficit público, um país pode acabar tendo
déficits em ambos os setores. E alguém já dizia que
basta acariciar um círculo para que ele se torne um
círculo vicioso...

A “vantagem” é que o governo pode canalizar


esses dólares comprados do investidor para as re-
servas, fortalecendo-as.

Fazendo um pequeno resumo, podemos dizer que


a dívida interna brasileira tem crescido impulsionada

157
por duas fontes: o déficit público e as entradas de
investimentos estrangeiros de curto prazo.

Portanto, uma parte das reservas é formada à custa


do crescimento da dívida interna. E, de fato, esta úl-
tima inchou consideravelmente depois do lançamento
do Plano Real, como pode ser observado pelo seguinte
quadro:

Quadro 17
Dívida Interna em bilhões de reais
ano valor
1994 80
1995 150
1996 270
1997 308
1998 390
1999 510
Fonte: Banco Central do Brasil.

Outro aspecto importante a ressaltar é que, se a dí-


vida interna se expande, o mesmo tende a acontecer
com a taxa de juros. E esta última, incidindo sobre
um estoque em expansão de dívida, passa a provocar
déficits crescentes nas contas do governo.

A conseqüência é um aumento adicional da dívida,


utilizado para cobrir o déficit, e assim por diante. É
a cobra devorando o próprio rabo.

158
A taxa de juros elevada provoca geralmente uma
desaceleração dos negócios: o portal da recessão. O
crescimento econômico, objetivo de qualquer política
econômica, entra em rota de colisão com uma taxa de
juros elevada.

A viga de sustentação representada pelas contas pú-


blicas não suporta nesse caso o peso do déficit e a
economia sofre uma desaceleração.

Mas o interessante é que essa retração da economia


pode ser acompanhada por pressões inflacionárias
consideráveis. Ou melhor, o fato de que a economia
se encontre deprimida e os consumidores fugindo dos
lojistas não é garantia para que os preços se mante-
nham bem-comportados.

Existe uma fonte inflacionária que vem do exterior,


seja mediante a elevação dos preços das importações
de bens e serviços cotados em dólar, seja pela desva-
lorização do câmbio. Ou melhor, é necessário que exa-
minemos uma vez mais a outra viga de sustentação
da estabilidade que é a taxa de câmbio.

4. A Taxa de Câmbio: a Alavanca de Transformação dos


Preços Externos em Internos e Vice-versa

Há muito tempo que meu jovem vizinho não apa-


recia em busca de seu gato. Vez por outra eu percebia
a imagem fugidia do animal se esgueirando quando
me aproximava da varanda. Não sei o que ele encontra

159
de tão excitante ali, pois tenho apenas algumas ino-
centes plantas. Talvez sejam as lagartixas... Os gatos
são exímios caçadores desses pequenos répteis.

Enfim, outro dia, ao chegar em casa na hora do


noticiário, um canal de televisão estava transmitindo
notícias de outra guerra... Dessa vez na Chechênia.

Os russos, depois de devastar a capital, Grozny, ha-


viam tomado a cidade. Muitos civis e soldados tinham
morrido, mas as cenas mostravam um deles sentado
num sofá no meio de escombros, fumando e aparen-
temente lendo um gibi.

Lembrei-me do meu vizinho: se chegasse naquele


momento e me perguntasse o porquê daquela guerra,
outra vez eu passaria pelo mesmo embaraço.

As coisas ficariam até mais complicadas porque, em


relação à Iugoslávia, pelo menos eu tinha uma idéia
de onde ficava. Quanto à Chechênia, a consulta a um
atlas moderno seria indispensável...

Mas, para variar, depois das cenas de destruição, o


noticiário tratava das questões econômicas. Mera coin-
cidência? Talvez. O comentário versava sobre a ele-
vação do custo de vida, puxado pelos transportes e
pelos remédios. O “bode explicatório” era outra vez
a desvalorização cambial.

Se a taxa de câmbio se mantiver estável, o preço


dos produtos importados também permanecerá está-

160
vel. Por exemplo, se importarmos arroz, o preço in-
terno desse alimento será equivalente ao seu preço
em dólares convertidos em reais pela taxa de câmbio
vigente.

Se esta última não apresentar alterações, o mesmo


acontecerá com o preço interno do arroz, e com o custo
de vida, na exata proporção em que o preço do arroz
o influencia.

O mesmo raciocínio vale para uma matéria-prima


como o petróleo, cujos derivados, como o óleo diesel
ou o óleo combustível e os lubrificantes, entram na
cadeia de formação de preços internos, isto é, são
custos de outros produtos.

Se o preço de um barril de petróleo equivale a US$


20,00 no mercado internacional e a taxa de câmbio for
R$ 1,50 por dólar, o preço do barril no mercado interno
brasileiro será equivalente a 20 x 1,50 = R$ 30. Se a
taxa de câmbio permanecer constante e o mesmo acon-
tecer com o preço em dólares do barril de petróleo,
os preços internos em reais permanecerão estáveis e
não haverá pressão inflacionária provocada pelos au-
mentos dos combustíveis ou dos fretes. O mesmo ra-
ciocínio vale para os remédios cujas matérias-primas
são importadas.

Os preços internos dos derivados só poderão au-


mentar se a taxa de câmbio sofrer uma alteração e/ou
o preço em dólares do barril de petróleo se elevar no
mercado internacional.

161
Taxa de câmbio estável é sinônimo de ausência de
pressões inflacionárias via importações.

Não é por outra razão que o governo, querendo


evitar a volta da inflação, depois de 1994 fugiu da
desvalorização cambial mais do que o diabo da cruz.
Até que no início de 1999 a coisa desandou...

Manter estável a taxa de câmbio é portanto uma


das condições para ter preços internos estáveis.

Mas pode acontecer que a taxa de câmbio deixe de


ser a bruxa malvada e se torne a vítima de uma inflação
que ocorre por outras causas.

Vejamos um caso mais simples:

Se a taxa de câmbio permanecer estável por um bom


período, o exportador sabe quanto vai receber em reais
pelos produtos que exportar. Por exemplo, um par de
calçados vendido aos norte-americanos por US$ 30,00
renderá ao exportador R$ 45,00 se a taxa de câmbio
for R$ 1,50 = US$ 1,00.

Esses R$ 45,00 são o resultado da multiplicação de


US$ 30,00 por R$ 1,50 (que é quanto vale cada dólar).

Se o par de calçados custar ao exportador R$ 40,00


para ser produzido, ele obterá um lucro de R$ 5,00
para cada par exportado. Se os custos internos desse
fabricante aumentarem mesmo que a taxa de câmbio
permaneça inalterada, as coisas podem se complicar.

162
Se o preço do couro, da cola ou da energia elétrica
aumentar e esses custos somados superarem os R$
45,00, o exportador passará a ter prejuízos se teimar
em continuar exportando.

Sua receita continuará sendo R$ 45,00, equivalentes


aos US$ 30,00 convertidos em reais pela taxa de câmbio
inalterada, menos do que o produto lhe custa. Nenhum
empresário opera dessa forma.

Só em casos excepcionais e transitórios, quando in-


teressa manter um cliente na perspectiva de ganhos
futuros, é que tal “desatino” pode acontecer. Na maio-
ria das vezes o que ocorre é a interrupção das expor-
tações. Em casos semelhantes, quando os custos inter-
nos dos exportadores crescem e a taxa de câmbio não
acompanha seu ritmo, as exportações tendem a diminuir
e as importações a aumentar, e nesse caso o que era
superávit na balança comercial se transforma em déficit.

Foi o que aconteceu no Brasil entre 1995 e 1998, até


a desvalorização de janeiro de 1999: os superávits co-
merciais existentes até 1994 desapareceram, dando lu-
gar a expressivos déficits, como já vimos no Quadro 1.

Mas voltaremos a esse período mais adiante.

O importante é salientar que só existem dois cami-


nhos para que o superávit comercial seja recuperado
ou pelo menos reduzido:

a) ou o preço em dólares do produto exportado au-


menta (no nosso caso, o preço em dólares dos nossos

163
calçados poderia aumentar, digamos, de US$ 30,00
para US$ 40,00, quando a receita do exportador subiria
para R$ 60,00 (US$ 40,00 x R$ 1,5 por dólar), apare-
cendo outra vez o lucro do exportador e estimulando
as vendas ao exterior;

b) ou o governo desvaloriza a moeda nacional, mu-


dando a taxa de R$ 1,50 para R$ 2,00 por dólar. Neste
caso a receita do exportador aumentaria, pois embora
o preço dos calçados permanecesse o mesmo — US$
30,00 —, estes agora seriam multiplicados por uma
taxa de R$ 2,00 reais por dólar e proporcionariam ao
exportador R$ 60,00 por par de calçados exportado,
preço superior ao custo de produção.

O exportador recuperaria seus lucros e retomaria


as exportações. Não é por outra razão que os expor-
tadores estão sempre pressionando o governo para que
desvalorize o câmbio. Há quem diga inclusive que
qualquer que seja a taxa de câmbio, para os exporta-
dores ela estaria sempre defasada em 30%...

Mas a maioria dos mercados dos produtos que ex-


portamos são muito competitivos e não ocorrem ele-
vações freqüentes de preços em dólares. A não ser
quando fatores climáticos, como geadas ou estiagens
prolongadas, afetam as colheitas tanto no Brasil como
nos Estados Unidos ou na Europa.

Mas é difícil que isso aconteça com produtos semi-


industrializados ou industrializados, que constituem
hoje grande parte do valor de nossas exportações.

164
Isto é, se os exportadores brasileiros quiserem au-
mentar seus preços para obter uma compensação em
face de uma taxa de câmbio defasada, certamente per-
derão clientes, pois o mesmo produto poderá ser ofe-
recido por um preço (em dólares) mais baixo por
outros fornecedores.

A desvalorização cambial, no entanto, apresenta um


problema: se favorece e estimula as exportações, torna
todos os produtos importados mais caros em reais.

Por exemplo, se o preço do barril de petróleo for


de US$ 20,00 e a taxa de câmbio passar de R$ 1,5 para
R$ 2,00 por dólar, o preço desse produto em nosso
mercado interno saltará de R$ 30,00 para R$ 40,00.

Os preços dos derivados do petróleo como a gaso-


lina, o diesel, o óleo combustível tenderão a aumentar.
Embora esse aumento não se dê na mesma proporção
da majoração do preço do petróleo, pois no refino en-
tram outros elementos cujos preços não necessaria-
mente se elevaram, haverá um impacto inflacionário:
ou no custo de vida, ou nos custos de produção das
empresas que utilizam tais derivados, ou, o que é mais
comum, em ambos.

O aumento do óleo diesel provocará um aumento


dos fretes. No caso do transporte de passageiros, isso
poderá induzir a uma elevação das tarifas dos ônibus
urbanos, o que por sua vez suscitará uma luta por
reajustes salariais para o pagamento de passagens ma-
joradas e assim por diante...

165
Nessa altura do campeonato inicia-se de forma mais
ou menos aberta a ciranda dos repasses. Se meus custos
aumentaram, eu remarcarei os preços do produto que
vendo, e os compradores de meus produtos se com-
portarão da mesma maneira e assim por diante...

Um poema de Carlos Drummond de Andrade, cujo


tema são os desencontros da vida, sobre fulano que
amava beltrana, que amava sicrano, que amava me-
rengana, até chegar a um tal de José, que não amava
ninguém, parece ter sido criado durante uma época
inflacionária...

Nesse repasse de preços majorados alguém sempre


acaba ficando com o mico na mão. Por estar no fim
da linha ou não ter força suficiente, não tem a quem
repassar os aumentos de preços que é obrigado a pagar.

O leitor já deve ter percebido, ou sentido por expe-


riência própria, quem é esse personagem: o assalaria-
do. Por incrível que pareça, ele é também um acionista:
possui ações preferenciais para os prejuízos. Durante
uma crise econômica ou uma inflação galopante, os
prejuízos são socializados; são enfiados goela abaixo
da grande maioria da população formada por assala-
riados, empregados ou não.

Os economistas chamam esse fenômeno de sociali-


zação das perdas. E o mecanismo que realiza essa de-
sagradável redistribuição da renda chama-se inflação.

Se os aumentos de preços forem muito elevados e


freqüentes, todos buscarão repassá-los com idênticas

166
(ou maiores) velocidade e intensidade. É desencadeada
uma luta cotidiana por reajustes cujo desenlace final
é sempre uma inflação muito alta e descontrolada, ou
uma hiperinflação.

O grande perigo de uma desvalorização cambial é


exatamente esse: ela pode iniciar uma onda de au-
mentos de preços que arrebente na praia de uma bela
inflação. Para não perder o controle sobre os preços,
os governos geralmente esfriam a demanda aumen-
tando os juros e arrochando os salários.

Examinemos agora alguns fatores que têm tornado


os mercados financeiros mais interligados e depen-
dentes, e ao mesmo tempo causado uma expansão do
comércio internacional.

167
CAPÍTULO 7

A GLOBALIZAÇÃO E AS
TRANSFORMAÇÕES DOS ANOS 90

1. A Globalização e as Comunicações

Em 1997, um rico empresário estava conversando


com a mulher pelo telefone — ele em sua mansão
paulista, ela passando férias em Miami —, quando
quatro assaltantes invadiram sua casa. O empresário
foi imobilizado, mas deixou o telefone celular ligado.

A milhares de quilômetros de distância, a mulher


“ouviu” o assalto e telefonou para uma amiga avisan-
do. Esta chamou a polícia e, como se tratava de uma
região de gente importante, os policiais chegaram em
questão de minutos, prendendo os assaltantes. Em ou-
tro assalto que terminou na morte de um delegado
nas cercanias da avenida Paulista, em fevereiro de
2000, um dos assaltantes foi preso porque na fuga dei-
xou cair seu telefone celular, e por intermédio dele
foi identificado e localizado (endereço, CPF, RG etc.).

169
Moral da história: na era da globalização, até os de-
linqüentes precisam ser mais cuidadosos com o poder
das comunicações...

Hoje, com a disseminação das comunicações e o seu


barateamento, o mundo todo está conectado e é fácil
perceber a importância que isso tem para o funciona-
mento dos mercados financeiros.

No século XIX, antes da instalação do cabo telegrá-


fico oceânico entre Nova York e Londres, em 1867,
uma cotação cambial demorava cerca de dez dias para
ir de uma cidade à outra.

Com a inauguração do cabo, as cotações poderiam


ser conhecidas no mesmo dia nas duas cidades, mas
ainda estávamos longe de um mundo todo conectado
on-line como acontece hoje.

O assassinato de Lincoln, em 1865, só foi noticiado


em Londres mais de uma semana depois de ocorrido;
a notícia do assassinato do presidente Kennedy, em
1963, foi escutada por um cidadão nos Estados Unidos
que estava por acaso ouvindo a BBC de Londres. E a
tentativa de assassinato do presidente Reagan foi vista
on-line em todo o mundo, pois sua caminhada pela
calçada estava sendo mostrada pela televisão no mo-
mento em que recebeu os tiros.

Essa facilidade de acesso pode estimular a concor-


rência e contribuir para baixar o preço de certos pro-
dutos. O raciocínio é o seguinte: se os consumidores

170
têm acesso às informações — em escala global — e o
comércio eletrônico se generaliza, as vantagens decor-
rentes da ignorância dos consumidores, que permitia
no passado que alguns empresários fossem beneficia-
dos, tendem a desaparecer.

A concorrência tende a se ampliar e os preços, na-


turalmente, diminuem. Além disso, os custos de co-
mercialização se reduzem dramaticamente: um livro
comprado via Internet tem um custo de transação con-
sideravelmente mais baixo do que se fosse comprado
numa livraria.

A velocidade das comunicações, a facilidade de aces-


so às informações e o baixo custo das operações trans-
formaram o mundo num amplo e unificado mercado,
e os movimentos dos investimentos financeiros se tor-
naram muito mais rápidos, maciços e baratos.

2. A Derrocada dos Países Socialistas, a Expansão do


Dragão Chinês no Mercado Internacional e a Segunda
Crise Mexicana

Além dessa verdadeira revolução nas comunicações


e nos transportes, que entre outras coisas transformou
o turismo numa das maiores e mais lucrativas ativi-
dades econômicas do mundo, outra grande mudança
também ocorreu durante os anos 80.

Mais de um terço da humanidade, que se encontrava


separado do restante — refiro-me aos países socialis-
tas, especialmente à União Soviética e à China —, se

171
reintegrou plenamente aos mercados capitalistas tanto
de mercadorias como de capitais, provocando uma au-
têntica “reglobalização”.

Embora sem abandonar seu regime político centra-


lizado, a China retornou ao mercado internacional com
inusitada força. Por exemplo, se no início dos anos 80
ocupava a décima colocação como exportadora de cal-
çados, hoje está em primeiro lugar.

Os tecidos e confecções chineses e eletrodomésti-


cos de baixa tecnologia (os famosos ventiladores, por
exemplo) invadiram os mercados com preços imbatíveis.

Lembram-se das camisas que quase provocaram uma


briga conjugal no Capítulo 1? Eram camisas Made in
China.

Os chineses adotaram uma política mais agressiva


no comércio exterior a partir de 1994, quando desva-
lorizaram sua moeda, o iuan, em cerca de 40%. E como
já vimos, as desvalorizações cambiais estimulam as
exportações.

Os chineses aumentaram suas vendas especialmente


para os Estados Unidos. Além disso, outro país co-
meçou a ampliar suas exportações para o mercado nor-
te-americano por razões semelhantes: no final de 1994
o México sofreu um violento ataque especulativo e foi
obrigado a desvalorizar sua moeda, o peso, em cerca
de 80%.

172
Situado do “outro lado do rio Grande”, o México,
ao mesmo tempo que entrava no Nafta, ganhava com-
petitividade não apenas em função da desvalorização
de sua moeda, mas também pela proximidade física
do mercado norte-americano. Basta cruzar o rio Grande...

E o que vem a ser esse Nafta?, perguntaria certa-


mente meu jovem vizinho se aparecesse procurando
seu gato. Nome que lembra mais um derivado do pe-
tróleo, ou inseticida, o Nafta é uma associação comer-
cial entre os Estados Unidos, o Canadá e o México.

A sigla Nafta corresponde às iniciais de North Ame-


rican Free Trade Agreement (Tratado Norte-Americano
de Livre-Comércio), uma ampliação do acordo de li-
vre-comércio que já existia entre os Estados Unidos e
o Canadá desde 1989, e que passava a incluir o México.

O acordo entrou em vigor em janeiro de 1994, por-


tanto um pouco antes da crise mexicana ou da des-
valorização do peso, e previa a eliminação de tarifas
alfandegárias entre os três países num período de
quinze anos, embora cinqüenta das barreiras existentes
fossem eliminadas logo no início de 1994.

A integração dos mercados somando um PIB de


quase US$ 8 trilhões e aproximadamente 400 milhões
de habitantes passou a constituir o maior mercado in-
tegrado do mundo.

México e China começaram a inundar o mercado


norte-americano com suas exportações baratas. O peso

173
mexicano e o iuan chinês estavam desvalorizados em
face do dólar, que ia se fortalecendo em relação ao
iene e às moedas européias como o franco e o marco.

A Tailândia, as Filipinas, a Indonésia e a Malásia


começaram a perder mercados externos para esses dois
concorrentes: além de não acompanharem essas des-
valorizações, mantinham suas moedas atreladas ao dólar.

Não é por outra razão que os déficits em transações


correntes desses países começaram a crescer. Como
sabemos, nos primeiros anos isso pode constituir um
doce elixir da vida próspera, com produtos baratos,
ausência de inflação e juros baixos. Mas é indispen-
sável que alguém financie esses déficits.

Esse “alguém” foi prontamente encontrado. O leitor


deve estar lembrado de que, entre os emergentes, esses
países do Sudeste Asiático eram considerados estáveis,
confiáveis e de elevada rentabilidade para os investi-
mentos em geral, especialmente os financeiros.

E, como se diz no interior de Minas Gerais, “jun-


tou-se a fome com a vontade de comer”, pois ban-
queiros de um país vizinho poderoso e com muito
dinheiro em caixa estavam procurando melhores con-
dições de remuneração para os seus investimentos.

Na verdade, os banqueiros japoneses estavam fu-


gindo de seu próprio mercado interno, no qual as taxas
de juros se encontravam em níveis assustadoramente

174
baixos. E nem sempre uma política de juros baixos,
de alta liquidez, provoca o efeito desejado, isto é, es-
timula os investimentos e o consumo.

No caso japonês, isso não tem funcionado. Desde o


início dos anos 90, a economia tem estado meio de-
primida, andando de lado, e a redução dos juros não
foi suficiente para reverter a situação.

Os banqueiros japoneses deslocaram suas aten-


ções para o Sudeste Asiático, onde se encontravam
países necessitando de dinheiro para fechar seus dé-
ficits em transações correntes, mas aparentando boa
rentabilidade.

Quando a crise estourou na Tailândia e sua moeda,


o baht, sofreu forte desvalorização, os outros três paí-
ses responderam quase ao mesmo tempo desvalori-
zando também suas moedas: a rúpia indonésia, o ring-
git malaio e o peso filipino foram desvalorizados ini-
cialmente em relação ao dólar em cerca de 30%.

Foi um forte tremor de terra, mas não ainda um


terremoto. Na verdade, esses quatro países, por mais
emergentes e dependentes do mercado internacional
que fossem, não tinham peso econômico e financeiro
para desestabilizar o mercado financeiro internacional.
Embora essa crise colocasse os emprestadores japone-
ses em situação delicada, não havia ainda a massa
crítica para uma reação em cadeia, como diriam os
inventores da bomba atômica.

175
3. Entram em Cena Tigres, Tiranossauros e Dragões

No dia 1º de julho de 1997, Hong Kong, depois de


quase um século de domínio inglês, voltou ao controle
da China. Embora ainda mantenha parte de seu estilo
de vida e sistema econômico, não resta dúvida que
essa incorporação não tem volta.

Esse acontecimento político, da maior importância


para o equilíbrio de poderes no nordeste da Ásia, coin-
cidiu com a crise econômica e financeira entre os qua-
tro países mencionados do sudeste.

A incorporação de Hong Kong ao controle chinês


não apenas significou a passagem de um dos maiores
centros financeiros para um novo e agressivo concor-
rente nos mercados internacionais (mais do que um
tigre, mas ainda filhote de dragão), como também re-
colocou na ordem do dia a situação de Taiwan.

Taiwan, ou Formosa, pertencia à China até a Se-


gunda Guerra Mundial. Era uma de suas províncias.
A invasão japonesa em 1937 e o desfecho da guerra
civil em 1949 mudaram essa situação. À frente de um
exército poderoso, as forças comunistas de Mao Tsé-
tung vencem Chiang Kai-shek, que até então domina-
va a China.

Acompanhado de seu exército perdedor formado


por milhões de soldados, este último abandona o con-
tinente e “invade” a ilha de Taiwan, criando nela, com
o apoio dos Estados Unidos, um Estado independente.

176
A China jamais aceitou essa situação. Isto é, jamais
aceitou a existência de duas Chinas. E tem desenvol-
vido uma luta intensa pela recuperação de sua pro-
víncia. Depois da reintegração de Hong Kong, Taiwan
se transformou na bola da vez.

No momento em que Hong Kong era transferido,


em julho de 1997, o governo de Taiwan realizava ma-
nobras militares com seu Exército e sua Marinha de
guerra no mar que separa as “duas” Chinas.

O recado era claro: Taiwan não aceitaria uma “ane-


xação” e se defenderia militarmente se fosse necessá-
rio. Mas havia também um problema econômico a ser
resolvido. E a reação do governo de Taiwan a esta última
questão é objeto de controvérsia entre os especialistas.

Alguns preferem interpretar a desvalorização do dó-


lar de Taiwan como uma medida necessária para o
equilíbrio das taxas de câmbio na região, embora Tai-
wan dispusesse de grandes reservas e gozasse de uma
situação cambial até certo ponto confortável.

Outros se inclinam por uma análise em que preva-


lecem razões políticas.

Taiwan teria desvalorizado sua moeda para deses-


tabilizar Hong Kong, passando um recado ao mundo:
vejam o que acontece quando uma economia cai sob
o domínio do dragão chinês!

De fato, temendo desvalorizações em cadeia na re-


gião e uma possível desvalorização do dólar de Hong

177
Kong, os investidores começaram a retirar seus recur-
sos daquele importante mercado financeiro.

A Coréia foi pelo mesmo caminho, sendo obrigada


a desvalorizar sua moeda, pois suas reservas não eram
tão folgadas como as de Taiwan. Para defender a es-
tabilidade de sua taxa de câmbio, Hong Kong elevou
bruscamente as taxas de juros, não sem antes declarar
que usaria todas as suas reservas (entre as maiores
que estão do mundo) para defender-se do ataque es-
peculativo que se iniciara.

A mensagem era clara: “Nós temos munição para


repelir o ataque. Quem permanecer será recompensa-
do; quem sair perderá”. Além disso, o primeiro-mi-
nistro chinês, em visita aos Estados Unidos para acer-
tar questões relacionadas com o comércio, também fez
declarações em defesa da moeda de Hong Kong. Esta
se manteve inalterada à custa de uma forte elevação
das taxas de juros.

A etapa asiática da crise financeira havia sido com-


pletada. Mas as conseqüências no resto do mundo co-
meçavam a se aprofundar.

4. O Pêndulo entre Renda Fixa e Renda Variável

Já vimos anteriormente que o coração de todo in-


vestidor financeiro balança entre um ganho seguro e
menor e um ganho maior, porém mais arriscado. É a

178
mesma diferença existente entre comprar um peixe e
adquirir a isca para pescá-lo.

No primeiro caso paga-se um preço determinado e


leva-se o peixe. No segundo, gasta-se para comprar a
isca que pode ser perdida, ou ser utilizada para fisgar
um peixe muito maior e obter um ganho recompen-
sador.

Embora eu conheça pessoas que pescam bagres com


camarões, se o preço da isca começar a subir ou su-
perar em tamanho ou em valor o peixe que pode ser
pescado, o pescador certamente vacilará.

Quando o ganho de um título de renda fixa, isto é,


título cujo rendimento é previamente conhecido, au-
menta, muitos investidores em renda variável (ações
em Bolsa que podem subir ou baixar, por exemplo)
efetuam uma migração. Pousam nos mercados onde
o ganho, além de previsível, é maior do que antes.
Quando as dúvidas sobre o desempenho da renda va-
riável se avolumam, essa migração se intensifica.

Foi exatamente isso o que aconteceu quando as au-


toridades monetárias de Hong Kong elevaram brus-
camente as taxas de juros assegurando maiores ganhos
na renda fixa.

Receosos de uma crise de grandes proporções, os


investidores em renda variável (na Bolsa de Valores
de Hong Kong) iniciaram um deslocamento maciço
para a renda fixa. Foram “dançar com a irmã” no pró-

179
prio mercado de Hong Kong ou comprando títulos
do Tesouro norte-americano, de rendimento baixo,
mas os mais seguros do mundo.

Com o deslocamento desses capitais antes investidos


em ações, as cotações despencaram na Bolsa de Valores
de Hong Kong. Como os mercados financeiros se en-
contram interligados, essa queda atingiu as Bolsas de
Valores dos principais centros financeiros mundiais.
Perdas em Hong Kong teriam de ser compensadas
com ganhos ou com a realização de lucros em outras
Bolsas mundiais, como na de São Paulo, por exemplo.

Mas o que vem a ser essa “realização de lucros”?

A realização de lucros significa a venda maciça de


ações depois que suas cotações se elevam. Era o que
estava acontecendo com a Bolsa de Valores de São
Paulo em 1997. Vendas em massa de ações provocam
um movimento de baixa em suas cotações e, portanto,
nos índices da Bolsa de Valores. Esse pode ser o sinal
da debandada de investimentos financeiros em geral.

Da mesma forma que Hong Kong elevou suas taxas


de juros para reter os investimentos financeiros, o go-
verno brasileiro foi obrigado a fazer a mesma coisa
quando, no segundo semestre de 1997, os capitais co-
meçaram a sair a granel do nosso mercado.

As taxas de juros foram bruscamente elevadas: pas-


saram de cerca de 20% ao ano para 39%. Essa manobra,
realizada na esperança de manter os investimentos fi-
nanceiros e evitar a dilapidação das reservas, teve um

180
relativo êxito: o governo não foi forçado a mexer na
taxa de câmbio desvalorizando o real, mas os juros
estratosféricos incidiram violentamente sobre sua dí-
vida interna.

O Brasil conseguiu neutralizar o ataque especulativo


de 1997, porém teve de pagar um elevado preço: sua
dívida interna aumentou e os juros pagos por ela tam-
bém cresceram, tornando a dívida mais difícil de “car-
regar” e provocando o aumento do déficit público.

A política econômica tentava ganhar tempo acredi-


tando que, se o mercado se acalmasse, o real poderia
ser gradativamente desvalorizado, aliviando as ten-
sões existentes sobre o Balanço de Pagamentos e es-
pecialmente na balança comercial, onde o déficit per-
manecia elevado.

A forma escolhida foi anunciar que as desvaloriza-


ções cambiais ocorreriam de forma suave mas de qual-
quer maneira acima da inflação.

O governo acreditava que os exportadores se entu-


siasmariam e todos aqueles que se encontravam pró-
ximos do caldeirão prestes a explodir se sentiriam mais
seguros sabendo da existência dessa válvula de des-
compressão.

5. O Urso Siberiano não Bebe Petróleo

Diante de um destino inexorável, os russos costu-


mam dizer que “tudo seria tão bom se não fosse tão

181
mau”. Ocorre que a crise asiática e a recessão japonesa
agravada por ela haviam provocado outros estragos.
Depois do Sudeste Asiático, a Coréia e Taiwan também
entraram na ciranda das desvalorizações cambiais e
da recessão. O crescimento econômico que ia de vento
em popa na região sofreu um sério abalo.

Esses países, com a exceção da Indonésia, são alta-


mente dependentes da importação de petróleo. E o
consumo deste produto é um dos primeiros a sofrer
redução quando uma economia se contrai.

Como o petróleo é um dos poucos produtos que a


Rússia vende em condições competitivas no mercado
internacional, a queda da demanda internacional de-
primiu os preços, causando um grande estrago nas
receitas cambiais daquele país.

Uma peça de dominó derrubou outra, que arrastou


uma terceira e assim por diante. Sem as receitas es-
peradas das exportações, os russos acusaram um gran-
de déficit em transações correntes, e no segundo se-
mestre de 1998 o então presidente Boris Iéltsin decla-
rou que não pagaria, no vencimento, os títulos de sua
dívida externa.

É público e notório que o ex-presidente russo Boris


Iéltsin gosta de beber. Vodca, evidentemente. Aliás,
quem agüenta mais de cinqüenta invernos naquelas
latitudes — onde quando se tem sorte o verão cai num
domingo — recebe uma medalha pelo simples mérito
de ter sobrevivido.

182
A vodca ajuda a alcançar esse objetivo. Dizem que
pelo jeito Iéltsin chegará aos cem anos apesar dos
freqüentes internamentos e operações a que tem sido
submetido.

Apesar desses antecedentes, todos acreditaram que


não se tratava de um delírio, e a jovem Bolsa de Mos-
cou sofreu um sério abalo. Os capitais fugiam como
salmões na desova tentando escapar dos ursos.

As Bolsas de Frankfurt e de Nova York sofreram


também fortes quedas, que repercutiram em todo o
mundo, pois sabia-se que alemães e norte-americanos,
interessados em manter o presidente russo — que pelo
menos evitava a volta dos sempre temíveis comunistas
—, haviam emprestado muito dinheiro ao país. E cor-
riam rumores de que esse dinheiro teria sido desviado
para os cofres das máfias. Ou seja, a situação russa
era desastrosa e não apenas pela queda dos preços do
petróleo...

6. O Roto Falando (Bem) do Esfarrapado

A crise na Rússia coincidiu com o auge das atribu-


lações do presidente Clinton, acusado de ter induzido
uma estagiária a um prazeroso desvio de função. Tais
folguedos vespertinos, que quase lhe custaram o cargo,
provocaram uma certa paralisia em sua administração,
a ponto de muita gente acreditar que a sorte do mundo
dependia de três baixas: das Bolsas asiáticas, da vodca
do ex-presidente Iéltsin e do zíper do presidente Clinton...

183
Apesar disso, o presidente dos Estados Unidos teve
forças para fazer uma longa viagem à Rússia e “am-
parar” seu cambaleante colega Iéltsin, que do bunker-
hospital onde estava internado não conseguia que a
Duma (o Parlamento russo) aprovasse os nomes que
ele indicava para primeiro-ministro.

Também teve disposição para reforçar as declara-


ções do seu então secretário do Tesouro, Robert Rubin,
de que, se o Brasil — a bola da vez — sofresse um
ataque especulativo, receberia ajuda dos Estados Unidos.

Essas declarações foram adicionalmente respalda-


das pelo então secretário-geral do FMI, o francês Mi-
chel Camdessus, que talvez com remorso pelos humi-
lhantes 3 x 0 na final da Copa de 1998, declarou que
o Brasil já havia feito tudo que podia para defender
o real (leia-se: colocado a taxa de juros em patamares
mais altos do que o Júnior Baiano dando um chutão
na bola) e que, se precisasse, seria respaldado pelo
Fundo.

7. O Efeito Manada

Entre os economistas, assim como entre os físicos,


é muito comum que a identificação de um comporta-
mento determinado de agentes econômicos que se re-
pete com certa regularidade seja batizado de “efeito”.

Os que estiveram mais em voga ultimamente foram


o “efeito Ponzi” e o “efeito tequila”. O primeiro refe-

184
re-se à situação de um devedor que só pode pagar
dívidas passadas contraindo mais dívidas no presente.
O nome refere-se a Carlo ou Charles Ponzi, um este-
lionatário ítalo-americano que, entre 1921 e 1927, pro-
metia pagar uma remuneração extraordinariamente ele-
vada para quem lhe emprestasse dinheiro, e pagava
essas dívidas com novos endividamentos, até quebrar.
Ponzi foi preso e sua empresa, fechada.

A partir dessa experiência, se uma situação seme-


lhante ocorrer com as finanças de um país, este terá
sido vítima do efeito Ponzi. Não é difícil perceber que
isso já nos aconteceu várias vezes.

O segundo, o efeito tequila, refere-se à crise cambial


sofrida pelo México no final de 1994, em função de
fortes déficits em transações correntes de seu Balanço
de Pagamentos. A crise representou uma enorme fuga
de capitais e o peso mexicano sofreu uma intensa des-
valorização, representando uma quebra na estabilida-
de de preços que vinha sendo sustentada desde 1989,
e lançando o país numa forte recessão.

O nome tem origem na bebida homônima cujos efei-


tos de ressaca podem ser comparados ao que aconte-
ceu com a crise cambial mexicana.

O Brasil vivenciou em 1999 um efeito denominado


“manada” ou “bandwagon” em inglês, que os mexi-
canos preferiram chamar, como vingança, de “efeito
caipirinha”.

185
A denominação vem do peculiar comportamento
dos animais que vivem em bandos: quando um deles
ou um grupo sai em disparada numa direção, os de-
mais fazem o mesmo, provocando o chamado “estouro
da boiada”.

Muitas vezes não existe um motivo aparente, como


a presença de um predador, por exemplo.

Mas o resultado é que a manada se desloca numa


só direção, esvaziando uma área e ocupando outra.
No caminho, muitos animais morrem porque acabam
sendo pisoteados pelos demais na louca disparada.

Um recente filme premiado, Forrest Gump, o Contador


de Histórias, estrelado por Tom Hanks, mostra uma
cena na qual o “herói” começa a correr sem uma meta
de chegada determinada e logo uma série de pessoas
começa a segui-lo ou a acompanhá-lo, mesmo sem sa-
ber para onde ele estava indo...

Com os mercados financeiros às vezes acontece uma


coisa parecida. Mercados que parecem calmos, está-
veis, de repente sofrem a ação de um grupo de inves-
tidores ou mesmo de um só investidor (desde que seja
grande), e os demais, vendo aquele deslocamento,
agem automaticamente provocando uma debandada.

A idéia é mais ou menos a seguinte: se um megain-


vestidor está saindo de um lugar considerado seguro
é porque este deixou de sê-lo. Então é melhor sair
também antes que seja tarde. Se outros investidores

186
tomarem atitudes parecidas, pois a ação de um se-
gundo influencia um terceiro, no final teremos uma
debandada geral.

O país que sofre esse ataque especulativo não tem


como defender sua taxa de câmbio e acaba desva-
lorizando-a. Foi o que aconteceu com a Tailândia
(onde o estouro começou), as Filipinas, a Malásia e
a Indonésia na crise asiática de 1997, como já vimos
anteriormente.

Mas por que razão mercados que eram considerados


tão seguros deixam de sê-lo de uma hora para outra?

Vamos ver se essa questão fica mais clara com uma


experiência que o leitor pode fazer. Ofereça a um
grupo de pessoas duas alternativas: ganhar US$ 5
milhões (ofereça dólares para evitar o nhenhenhém
de gente dizendo que não confia nos reais...) com
100% de certeza, ou então US$ 7 milhões, com 99%
de probabilidade de ganhar e 1% de probabilidade de
não ganhar.

Em geral um grupo maior prefere a certeza de ga-


nhar os US$ 5 milhões, enquanto outro grupo menor
“arrisca” a segunda alternativa e aposta nos US$ 7
milhões, mesmo tendo 1% de probabilidade de não
ganhar (observe o leitor que o jogador não perde, ape-
nas deixa de ganhar).

Os que elegem a primeira alternativa pensam mais


ou menos assim: “Com US$ 5 milhões eu resolvo mi-

187
nha vida, e se o ganho é certo não vou arriscar. Mesmo
que os 7 milhões representem 40% a mais, há uma
possibilidade de eu não ganhar nada”.

Entre os pessimistas que preferem a primeira alter-


nativa, o raciocínio vai mais além. Eles pensam mais
ou menos assim: “Eu sempre fui um azarado. Quando
deixo o carro debaixo de uma árvore, o pardal nunca
se esquece de depositar seu tributo pastoso à natureza
bem no ponto de visão do pára-brisa... Se escolher a
segunda alternativa, aquela bolinha vermelha entre as
99 brancas estará certamente reservada para mim; por-
tanto, ficarei com o 100% de segurança”.

Os que preferem a segunda alternativa pensam que


a probabilidade de não ganhar é muito pequena em
face do aumento do “prêmio” em 40%. Isto é, o au-
mento do ganho compensa, e a existência de risco em
todo caso é mínimo.

O leitor pode fazer a experiência: coloque cem pe-


daços de papel numa cesta numerados de um a cem,
imagine um número e retire um dos papéis; repita a
experiência (com os cem papelotes dentro da cesta)
até que o número imaginado seja escolhido. É possível
que mesmo fazendo essa experiência durante 24 horas
por dia o leitor leve anos até obter um resultado “po-
sitivo”... No entanto, a bolinha vermelha pode sair
logo na primeira escolha, pois embora com pouquís-
simas probabilidades de ocorrer, é um resultado
possível.

188
Já fiz esse teste centenas de vezes e jamais ocorreu
a coincidência dos dois números... Agora, se me per-
guntassem o que eu faria se me oferecessem realmente
os US$ 5 milhões, creio que aceitaria a primeira alter-
nativa, pois “Yo no creo en brujas, pero que las hay
las hay!”.

Mas os mercados financeiros e as Bolsas de Valores


só funcionam porque as pessoas agem de forma dife-
rente mesmo diante de um teste em que os riscos são
tão claros como no anterior. Um grupo de pessoas é
mais propenso a assumir riscos do que outro.

Quem não gosta de correr riscos paga para que al-


guém os assuma em seu lugar. É por esta razão que
uns compram ações quando os seus preços estão su-
bindo e outros vendem quando estão baixando, e por-
tanto alguém está fazendo a operação exatamente in-
versa. Até aqui nenhuma novidade. Os mercados fi-
nanceiros funcionam dessa forma. Mas nós estamos
supondo que os riscos, ou as probabilidades de alguma
coisa acontecer, são mais ou menos conhecidos e pas-
síveis de serem calculados.

As coisas se complicam quando os fatores que de-


terminam um acontecimento econômico mudam em
grande velocidade, ou não são bem conhecidos por
aqueles que dependem deles. Ou melhor, nos merca-
dos financeiros modernos, as condições de risco mu-
dam com enorme rapidez e os que estão fazendo as
apostas muitas vezes não se dão conta disso.

189
Quando um investidor percebe que em vez do risco
de 99% contra 1%, a situação é 85% a 15%, pode ser
tarde para mudar de canoa. Se soubesse que os riscos
eram diferentes, provavelmente não faria o investi-
mento, mas o dinheiro está aplicado e muitas vezes
é tarde para defendê-lo.

O investidor que percebe a alteração dos riscos e


sai rapidamente de um mercado pode dar início ao
“efeito manada” mencionado anteriormente.

190
CAPÍTULO 8

A CRISE ASIÁTICA E
OS PROBLEMAS DO
CRESCIMENTO ECONÔMICO

1. A Crise das Jaguatiricas Asiáticas

Se a maioria dos investidores em determinado país


se desloca em curto espaço de tempo para outros mer-
cados nos quais a rentabilidade é menor mas o risco
é quase inexistente, deixam atrás de si uma crise cam-
bial de bom tamanho. O país que sofre essa debandada
perde suas reservas e é obrigado a desvalorizar sua
taxa de câmbio.

Na realidade, quando alguns investidores percebe-


ram que a Tailândia não era mais 99% a 1%, e sim
uns 80% a 20%, retiraram seus investimentos daquele
mercado e voaram para a segurança representada pe-
los títulos emitidos pelo Tesouro dos Estados Unidos.

O interessante é que as grandes empresas de ava-


liação de risco, como a Moody’s Investors Service e a

191
Standard & Poors, isto é, empresas que estudam a
situação de países, empresas e governos e informam
a seus clientes o maior ou menor risco que estariam
correndo se aplicassem nesses mercados, davam uma
“nota” razoavelmente elevada para essas quatro ja-
guatiricas asiáticas.

A Tailândia, as Filipinas, a Malásia e em menor es-


cala a Indonésia entre 1992 e 1995 apresentavam uma
rentabilidade para quem aplicasse em seu mercado
de ações entre 3 e 4% ao mês, e eram considerados
lugares mais seguros do que países como a Argentina,
o Brasil e o México (este último antes da crise do final
de 1994), onde a rentabilidade era bem inferior.

Esses países do Sudeste Asiático vinham apresen-


tando déficits em transações correntes (lembra-se desse
problema que também enfraqueceu a situação no Bra-
sil?) e tornavam-se cada vez mais dependentes de fi-
nanciamentos externos.

Quando esses credores externos se convenceram de


que aqueles países representavam um risco maior do
que o que eles estavam dispostos a assumir, recusa-
ram-se a continuar financiando o déficit, fato que ge-
rou a crise cambial nesses quatro países e os obrigou,
como já vimos, a desvalorizar fortemente suas moedas.

Essa crise do Sudeste Asiático foi se espalhando,


envolvendo a Coréia, Taiwan, Hong Kong até alcançar
a Rússia. E esta última foi afetada pela queda dos pre-
ços do petróleo que a redução da demanda dos países
em crise ocasionou.

192
O Brasil foi afetado não apenas no plano financeiro,
com a fuga de capitais enfraquecendo suas reservas,
mas também no comércio de mercadorias. A crise local
provocou uma baixa em nossas exportações para toda
a Ásia, o Japão incluído, e as desvalorizações cambiais
deram a esses países condições muito melhores para
competir com nossos produtos no mercado interna-
cional e inclusive no nosso mercado interno.

Em síntese, fomos afetados duplamente: as expor-


tações ficaram andando de lado e as importações au-
mentaram. Nossas importações só não explodiram
porque a elevação da taxa de juros se encarregou de
provocar um desaquecimento da economia em 1998.
Mesmo assim, o déficit na balança comercial foi muito
elevado. A bandeira do crescimento econômico foi ar-
riada e em seu lugar foi hasteada a da salvação da
estabilidade do real.

Vejamos agora um pouco mais de perto a questão


do crescimento econômico.

2. O Progresso na Ordem do Dia

Além de estar incrustada no centro da bandeira bra-


sileira, a palavra “progresso” encontra-se presente em
todos os programas de governo de qualquer candidato
a qualquer cargo que se preze em nosso país.

É uma palavra forte que reflete uma realidade com


a qual nos acostumamos durante quase um século. O

193
crescimento da economia brasileira foi um dos mais
elevados do mundo durante o século XX. Só não fi-
camos em primeiro lugar no ranking por causa da crise
dos anos 80, que se prolongou durante a década seguinte.

O crescimento da riqueza, expressão do progresso


econômico, sofreu uma dramática interrupção nos úl-
timos vinte anos. Inclusive em alguns anos andamos
para trás, como em 1999, quando a população cresceu
cerca de 1,5% e o PIB, apenas 0,8%.

Mas basta que as coisas comecem a melhorar um


pouco — ou deixar de piorar —, como no início de
2000, e a confiança na retomada do crescimento res-
surge na linha do horizonte com toda a força.

Fazer a economia crescer ou desenvolver o país do


ponto de vista econômico é uma intenção que vemos
repetida todos os dias nos discursos oficiais.

Dizem que toda unanimidade é burra, mas nesse


caso ela se justifica plenamente. Todos são favoráveis.
A proposta soa como música aos ouvidos de pobres
e ricos: para os primeiros significa a ampliação da ofer-
ta de empregos e, portanto, a redução do desemprego,
talvez uma das maiores chagas sociais da atualidade;
para os últimos é sinônimo de aumento dos lucros, e
portanto de que eles se tornarão ainda mais ricos...

No entanto, uma coisa são as promessas de campa-


nha ou os desejos das pessoas bem-intencionadas e
outra bem diferente é a capacidade de realizá-las.

194
O crescimento econômico significa uma coisa até
bem trivial: basicamente, o aumento da produção de
bens e serviços. E a soma do valor de todos esses bens
e serviços é o que se denomina PIB, ou Produto Interno
Bruto. E o leitor deve estar lembrado que esse termo
vem nos acompanhando desde o Capítulo 1, e talvez
não haja um só dia em que ele não apareça estampado
nas manchetes dos jornais.

Se compararmos esse crescimento, isto é, o cresci-


mento do PIB, com o da população, poderemos ter
três situações diferentes: ele pode ser maior, igual ou
menor do que a expansão demográfica.

No primeiro caso haverá aumento do produto per


capita (ou por pessoa); no segundo o produto per capita
permanecerá o mesmo, e no terceiro haverá uma re-
dução. Neste último caso, em média, cada habitante
disporá de uma quantidade de bens e serviços menor
do que no ano anterior.

No início de cada ano os governos sempre fazem


previsões otimistas a respeito do crescimento do PIB;
é um dever de ofício. Se essas previsões se mostrarem
ilusórias ao final do primeiro semestre, então o cres-
cimento anunciado terá início no “segundo semestre”.
E se próximo do Natal as previsões daquele ano se
mostrarem totalmente furadas, o remédio é recomeçar
com as previsões otimistas para o ano seguinte...

Com a crise das últimas duas décadas na economia


brasileira, os economistas começaram a ficar mais to-

195
lerantes com os índices de crescimento econômico. Se
durante os anos 70 um crescimento de 2 ou 3% do
PIB era considerado uma catástrofe, pois estávamos
acostumados com um crescimento de 10% ou mais,
hoje as pretensões são bem mais modestas.

Um crescimento de 3%, embora raquítico, está de


bom tamanho, pois em muitos anos, como ocorreu em
1999, o crescimento foi inferior ao da população. E
vejam que o crescimento populacional caiu bastante
nos últimos quarenta anos: de uns 3% ao ano nos anos
60 para uns 1,5% atualmente.

Volta e meia os jornais anunciam que o crescimento


do PIB vai ser de 3 ou 4%, ou mesmo que vai ser
“negativo”, ou melhor, a quantidade de bens e serviços
produzidos em determinado ano é menor do que a
produzida no ano anterior. Nesse caso, o país está
andando para trás, feito caranguejo, e geralmente se
diz que há recessão.

Na verdade, pode estar havendo recessão mesmo


quando o produto não está diminuindo. Basta que o
seu crescimento seja muito pequeno, 1 ou 2%, o que
não compensa o crescimento da população. Nesse caso
o PIB per capita, ou a renda per capita, está encolhendo,
o que também significa uma coisa a ser evitada: em-
bora a riqueza esteja crescendo, como a população au-
menta num ritmo maior, a riqueza por cada habitante
estará diminuindo, o que é um dado muito preocupante.

Até o final da década de 70, a média de crescimento


do PIB brasileiro situava-se entre 6,5 e 7,0% ao ano.

196
A partir dos anos 80 este crescimento caiu para menos
da metade. A situação piorou tanto que muitos eco-
nomistas batizaram os anos 80 (e também os anos 90)
de década perdida: entre 1979 e 1999, o crescimento
do PIB apenas compensou o crescimento da popula-
ção, de tal forma que, passados vinte anos, as pessoas
mantinham a mesma riqueza per capita.

Mas, quais foram os problemas que inverteram a


curva de crescimento do PIB de mais de 10% ao ano
durante a década de 70 para menos de 3% durante
as duas décadas seguintes?

3. Quais São as Condições para o Crescimento


Econômico?

Se meu vizinho chegasse procurando seu gato e me


fizesse esta pergunta, creio que o melhor seria começar
dizendo o seguinte:

Quais são as condições para produzir qualquer coisa?

Se olharmos a nossa volta e examinarmos os pro-


dutos mais familiares que conhecemos e sem os quais
nossa vida seria impossível, verificaremos uma coisa
bem simples: são necessários três fatores para produzir
a maioria deles.

Tomemos por exemplo o vestuário. Podemos per-


ceber que a produção de uma camisa exigiu matérias-
primas — tecido, botões, linha —, uma máquina de
costura e pelo menos uma costureira.

197
A combinação desses três elementos básicos resultou
na produção da camisa. Mas, pensando bem, o tecido
teve também de ser produzido, o mesmo acontecendo
com a máquina de costura; e os trabalhadores tiveram
de ser alimentados, vestidos, transportados etc., isto
é, eles também tiveram de ser “reproduzidos”; sem
esses meios de vida, não estariam em condições de
trabalhar.

Se em vez de uma, alguém desejar produzir duas


camisas, deverá inevitavelmente aumentar a quanti-
dade de matérias-primas, de máquinas e de trabalha-
dores. Mas não apenas as camisas necessitam desses
fatores para ser produzidas. Produtos como os móveis,
as moradias, os carros etc. fazem idêntica exigência.

Portanto, se todos os produtores de bens e serviços


resolverem produzir mais, a demanda de matérias-
primas, máquinas, equipamentos e mão-de-obra tam-
bém aumentará.

Existe uma regra em economia muito fácil de en-


tender, pois faz parte de nosso dia-a-dia, que diz o
seguinte: se a demanda por um bem ou serviço cresce,
a menos que a oferta também aumente, o resultado
será quase sempre uma elevação de preços.

Se a demanda de todos esses fatores estiver cres-


cendo, é sinal de que a economia estará atravessando
uma fase de expansão. Mas se a oferta desses fatores
não acompanhar o aumento da demanda, logo ocor-
rerão pressões inflacionárias.

198
A existência de inflação, especialmente nas econo-
mias desenvolvidas, indica que o crescimento econô-
mico atingiu seu ponto máximo. Isto é, que a expansão
da demanda de fatores de produção esbarrou na in-
capacidade da oferta de atendê-la. Essa situação corres-
ponde aos últimos momentos da fase de prosperidade
do ciclo econômico. Assemelha-se ao sinal amarelo: o
carro tem de desacelerar porque o semáforo vai fechar.

4. Os Ciclos Econômicos

As economias de mercado atravessam fases de ex-


pansão alternadas com períodos de contração, que os
economistas denominam “ciclos”. Estes ciclos são de
vários tipos, longos, médios e curtos, e cada um deles
pode ter fases mais longas ou mais curtas, dependendo
de uma série de fatores.

Em geral, um ciclo é composto de várias fases, como


mostra a figura abaixo:

As Fases do Ciclo Econômico

Auge
Nível de atividade

Prosperidade
econômica

Recessão Recuperação

Depressão

Tempo (anos, meses)

199
Essas fases são denominadas “recuperação”, “pros-
peridade”, “desaquecimento”, “contração”, “recessão”.

Quando a economia está atravessando um período


de desaquecimento ou de recessão, época em que em
geral existe muito desemprego não apenas de pessoas,
mas também de matérias-primas encalhadas e de má-
quinas idem, seus preços caem. Muitos empresários, para
fazer caixa, queimam seus estoques com liquidações.

Os preços podem cair tanto que alguns empresários


— compradores desses produtos — vislumbram opor-
tunidades de ganhar dinheiro comprando fatores a
preços tão reduzidos. Os preços de venda de seus pro-
dutos são também baixos, mas sua lucratividade pode
retornar em função de custos mais baixos ainda.

A produção pode começar a crescer. No início, len-


tamente. Mas se essas decisões forem acompanhadas
por outras no mesmo sentido, uma onda de otimismo
se inicia entre os empresários e a produção pode co-
meçar a aumentar de forma consistente, e não espas-
módica.

Se meu jovem vizinho estivesse ouvindo essa expli-


cação, poderia perguntar com sagacidade: se os em-
presários começarem a demandar mais fatores de pro-
dução (matérias-primas, máquinas, mão-de-obra etc.),
os preços não vão aumentar, elevando os custos e aca-
bando com a festa rapidamente?

A resposta é: não necessariamente, porque se esti-


vermos saindo de uma fase de recessão, existirão mui-

200
tos estoques de matérias-primas, muita mão-de-obra
desempregada, e as empresas terão parte de sua ca-
pacidade instalada (máquinas, equipamentos etc.) com
certa ociosidade. E o que significa “capacidade ocio-
sa”? Se uma empresa possui máquinas com capacida-
de para processar cem unidades/mês, mas só produz
setenta unidades, pois essa é a quantidade máxima
que pode ser vendida a cada trinta dias, dizemos que
existe uma capacidade ociosa de trinta, que é a dife-
rença entre a capacidade instalada e a efetivamente
utilizada.

A oferta poderá responder ao aumento da demanda,


pelo menos na fase inicial, sem aumento de preços, e
portanto sem pressões inflacionárias.

Ou melhor, a existência de matérias-primas em es-


toques, máquinas e equipamentos parados parte do
tempo e muito desemprego entre os trabalhadores atua
como uma fonte que atende prontamente ao aumento
da demanda.

Nesse caso a produção pode aumentar sem impacto


nos custos, garantindo ao empresário sua margem de
lucro. Além disso, num mercado cada vez mais glo-
balizado, com fornecedores espalhados por todo o
mundo, se um produtor local não encontrar a maté-
ria-prima desejada em seu país, poderá recorrer a ou-
tras partes do mundo e importar o que necessita.

Os empresários têm também uma outra vantagem


durante os períodos de recessão. Temendo perder seus

201
empregos, os trabalhadores, além de aceitarem salários
mais baixos, trabalham com mais “afinco”.

Os operários industriais de São Paulo costumam di-


zer que basta uma ameaça de “passar o facão” (gran-
des cortes de trabalhadores nas empresas) para que a
“peãozada comece a trabalhar mais rápido”.

Em outras palavras, nos períodos de desemprego,


o grau de exploração sobre a força de trabalho au-
menta, o que em termos monetários significa redução
de custos e aumento da “produtividade”. Nos am-
bientes onde a concorrência entre empresários é muito
intensa, essa redução de custos com a mão-de-obra
pode permitir rebaixamento de preços e sobrevivência
no mercado até que “as coisas voltem ao normal”.

O importante é que durante algum tempo a deman-


da pode crescer sem que os preços se elevem, pois se
o fornecedor nacional quiser aumentar seus preços,
o comprador pode obter o mesmo produto mediante
importações.

Se os empresários vendem a produção adicional ob-


tendo lucros satisfatórios, haverá crescimento econô-
mico e o nível de emprego aumentará, criando-se um
clima favorável para uma expansão ainda maior no
momento seguinte.

Um ciclo de expansão econômica pode estar se ini-


ciando. O otimismo é contagiante e parte do cresci-
mento pode ser creditada a ele. Quando essa trajetória

202
mostra-se fortalecida e consistente, os bancos, que an-
tes estavam meio ressabiados em relação ao futuro,
começam a acreditar mais na capacidade dos empre-
sários de ganhar dinheiro.

Na linguagem dos banqueiros (o javanês misturado


com o esperanto), isso significa: capacidade de pagar
juros e devolver o principal. A lingüiça começa a correr
atrás do cachorro... Os banqueiros passam a procurar
clientes. Seu dinheiro, que se encontrava esperando
melhores oportunidades, entra em cena em grande estilo.

De fato, os empresários raramente desenvolvem sua


produção exclusivamente com capital próprio. Em ge-
ral recorrem ao crédito, tomando certa quantia de di-
nheiro emprestado dos bancos. Além disso, muitas
pessoas têm apenas boas idéias, conhecimento do mer-
cado e capacidade administrativa para gerir um ne-
gócio, e não o dinheiro para fazer os investimentos
necessários.

Em 1907, um senhor chamado Owen inventou nos


Estados Unidos uma máquina revolucionária para
produzir garrafas. Como não possuía os fundos sufi-
cientes para explorar seu invento em grande escala,
associou-se a um capitalista que levantou junto a um
banco os recursos indispensáveis e fundou uma em-
presa, a Owen Illinois Glass Co., que posteriormente
se transformou numa grande multinacional.

Mas se a criação de novas empresas e/ou a expansão


das já existentes prosseguir, a demanda de crédito será

203
cada vez maior. Se a “capacidade ociosa” dos bancos
em matéria de empréstimos se aproximar do esgota-
mento, a possibilidade de fornecer crédito à praça che-
gará ao seu limite.

A mesma regra vale para as matérias-primas, má-


quinas, e mesmo para a mão-de-obra: se os estoques
se aproximam da exaustão, isto é, se a oferta não con-
segue dar uma resposta imediata ao crescimento da
demanda, o preço do fator tende a aumentar.

No caso do capital financeiro, este preço denomi-


na-se taxa de juros. Ou melhor, para que um banco
forneça crédito adicional além de certos limites, quan-
do os empresários disputam a tapas um melhor lugar
na fila para conversar com o gerente do banco, o re-
sultado quase sempre é a cobrança de uma taxa de
juros maior.

É verdade que, da mesma forma que acontece quan-


do há escassez de matérias-primas, os empresários po-
dem apelar para as importações: em lugar de tomarem
dinheiro emprestado no mercado interno, apelam para
instituições de crédito internacional para garantir a
expansão dos seus negócios.

Nesse caso existem dois problemas quando se trata


de um país em desenvolvimento como o Brasil:

a) se a conjuntura internacional for de expansão das


principais economias mundiais, especialmente dos Es-
tados Unidos, estas atuarão como bombas de sucção

204
dos empréstimos, pois trata-se de lugares muito mais
seguros. Haverá então certa dificuldade em atrair re-
cursos para cá;

b) se a situação nacional estiver se deteriorando em


relação a seus fundamentos, como o déficit público e
o déficit em transações correntes, o número de credo-
res dispostos a emprestar diminuirá e as taxas de juros
internas terão de subir para compensar o aumento do
risco.

Mas suponhamos que os credores internos e exter-


nos estejam dispostos a emprestar para os empresários
brasileiros. Neste caso e durante certo tempo estes úl-
timos contarão também com esta condição básica para
o aumento da produção.

Enquanto existirem fontes de financiamento a juros


baixos, oferta elástica de matérias-primas e máquinas
e equipamentos, mão-de-obra brigando por empregos,
além de mercado consumidor, a produção pode con-
tinuar crescendo indefinidamente.

Mas nós sabemos que isso não acontece. Em deter-


minado ponto do crescimento, um desses fatores co-
meça a escassear e seus preços iniciam uma escalada.

Às vezes é a oferta de matérias-primas que não


acompanha mais o ritmo de crescimento da demanda;
às vezes são as máquinas, equipamentos e até a mão-
de-obra que começam a faltar; são momentos raros e
fugazes. São os empregadores que correm atrás dos
empregados.

205
Mas, em geral, quem começa a refletir primeiro essas
tensões é o mercado financeiro: os credores podem
considerar que o ciclo de expansão da economia che-
gou ao fim e que é o momento de começar a retirar
o time de campo, só emprestando para clientes muito
especiais, e mesmo assim cobrando uma taxa de juros
mais elevada.

Se, além dos custos financeiros, o preço das maté-


rias-primas e da mão-de-obra começa a crescer, certos
empresários podem concluir que dessa forma suas
margens de lucro estarão ameaçadas e tendem a re-
duzir seus investimentos.

Isso pode iniciar uma reação em cadeia, pois os for-


necedores desses empresários que estão cortando in-
vestimentos venderão menos do que esperavam, terão
seus lucros reduzidos ou eliminados, e investirão me-
nos também no momento seguinte.

Se a redução dos investimentos se generalizar, a eco-


nomia sofrerá um desaquecimento que poderá resultar
numa recessão ou mesmo, se esta se aprofundar, numa
depressão, como aconteceu em 1929.

Os camponeses das terras altas da Colômbia costu-


mam dizer nos dias de chuva que “está batendo sol”,
e quando o sol é abrasador, que “está chovendo”. Essa
aparente incongruência se explica, pois quando faz sol,
a seca ameaça as colheitas, o que significa desgraça e
fome; ao contrário, quando chove, embora o ambiente

206
fique meio tristonho, é a garantia de boas colheitas e
prosperidade para todos.

Depois da crise de 1929, os empresários, e especial-


mente os governos, escaldados com uma depressão
que durou quase uma década e que veio depois de
um período de euforia e prosperidade, ficam muito
preocupados quando os negócios começam a se ex-
pandir de maneira muito acentuada, pois é sinal de
que a queda poderá ser proporcional à euforia anterior.

De fato, durante a depressão dos anos 30, o desem-


prego atingiu quase a metade da população trabalha-
dora norte-americana, e foram necessários alguns anos
e importantes acontecimentos internacionais para tirar
os Estados Unidos do fundo do poço, além da acei-
tação de um intervencionismo estatal impensável du-
rante o liberalismo reinante nos anos 20.

Os governos aprenderam também a lidar com a cri-


se, desenvolvendo ferramentas para impedir que ela
se pronunciasse muito, abortando a fase de prosperi-
dade e provocando uma desaceleração mais suave.

Ou melhor, nos momentos em que a fase de pros-


peridade se prolongava e ameaçava uma nova queda
no abismo da depressão, os governos abortavam o
crescimento antes que ele alcançasse seu ponto máxi-
mo. Como? Elevando a taxa de juros e, por meio disso,
jogando um balde de água fria nos investimentos e
no consumo, provocando um desaquecimento na eco-
nomia. Evitava-se a depressão, ou seja, uma queda

207
muito brusca e descontrolada, embora a economia en-
trasse num período de desaquecimento.

Se o desânimo se prolongasse além da conta, o go-


verno além de baixar os juros estimularia a economia
investindo por sua própria conta em obras públicas.
Essa política intervencionista de expansão e contração
comandada pelo governo ao mexer nas alavancas das
taxas de juros e do investimento passou a ser deno-
minada stop-go, ou seja, brecar e soltar.

Este mecanismo pode ser entendido se examinarmos


o que aconteceu com nossa própria economia.

Se a economia inicia uma fase de desânimo, quando


o produto encolhe e nenhuma empresa privada está
disposta a arriscar seu rico dinheirinho na produção,
pois a possibilidade de não vender o produzido é mui-
to grande, cabe ao Estado fazer investimentos que
atuem como o motor de arranque da recuperação.

Se aparecerem sinais de que a depressão alcançou


seu ponto máximo e uma discreta recuperação tem
início, esse arranque pode colocar em movimento o
motor maior dos investimentos, que são aqueles do
setor privado.

Se um governo resolve fazer investimentos, como


foi o nosso caso quando construímos Brasília (mas não
por estarmos numa depressão), empresas situadas a

208
centenas de quilômetros de distância acabam sendo
beneficiadas.

As empreiteiras de São Paulo, Minas Gerais e Bahia


foram contratadas para a construção da própria cida-
de, das estradas ligando a nova capital aos grandes
centros etc. A demanda de mão-de-obra atraiu migran-
tes do Nordeste — os candangos —, mas também de
outras regiões do país. Os salários recebidos por esses
trabalhadores eram enviados em parte para seus fa-
miliares, que permaneciam nos lugares de origem, e
em parte irrigavam o comércio local, estimulando os
investimentos e o emprego também em regiões muito
afastadas da nova capital.

Os investimentos em Brasília multiplicavam tam-


bém o emprego em outros pontos do país, onde eram
produzidos as matérias-primas, as máquinas e os equi-
pamentos ali utilizados. O aumento da demanda de
cimento exigiu maiores investimentos em sua produ-
ção, e o nível de emprego cresceu, por exemplo, em
Santa Catarina.

Centenas de outros exemplos poderiam ser lembra-


dos. Mas o importante é que esse megaprojeto esti-
mulou a economia brasileira como um todo, contri-
buindo para o seu intenso crescimento nos últimos
anos da década de 50, embora um humorista tenha
dito com razão que Brasília é uma desnecessidade que
se tornou irreversível.

O grande problema desses investimentos públicos


é que em geral eles são feitos sem que o governo conte

209
com os devidos recursos orçamentários. Ou melhor,
para realizar esses investimentos os governos acabam
gastando mais do que arrecadam, e o resultado é um
déficit público de bom tamanho, que deverá ser co-
berto por emissões ou financiado pelo crescimento da
dívida interna.

As conseqüências disso nós já vimos em capítulos


anteriores: ou a inflação cresce — foi o que aconteceu
nos últimos anos do governo Juscelino Kubitschek no
Brasil —, ou a taxa de juros tende a aumentar pelo
crescimento da dívida interna, provocando uma pres-
são recessiva na economia.

Depois da tempestade... vem a inundação. É como


se os investimentos governamentais representassem
uma imensa bomba de sucção de recursos e não sim-
plesmente o motor de arranque que põe em movi-
mento a grande máquina da economia.

Embora inicialmente a construção de Brasília tivesse


exercido um importante papel de estímulo à economia,
a conta acabou sendo paga com uma forte inflação, e
no início dos anos 60 a recessão bateu a nossa porta.

210
CAPÍTULO 9

CONTROVÉRSIAS ENTRE A
TEORIA E A PRÁTICA

1. As Teorias Existem para Serem Contrariadas pela


Prática

Essa política intervencionista, também denominada


“anticíclica” ou “keynesiana”, isto é, aplicada quando
o ritmo da economia está muito acelerado, ou para
animá-la quando está quase parando — ou andando
a ré —, foi aplicada com relativo êxito durante os anos
30, e especialmente depois da Segunda Guerra Mun-
dial, nos países mais desenvolvidos.

No entanto, durante os anos 90 as coisas têm sido


surpreendentes. Se considerarmos as duas maiores po-
tências econômicas mundiais, os Estados Unidos e o
Japão, essas políticas anticíclicas não têm surtido o
efeito esperado. Ou então a dosagem não encontrou
seu ponto certo.

O Japão, depois de atravessar um período de ex-


pansão econômica extraordinário entre 1950 e 1980,

211
sofreu um processo de desaceleração no início dos
anos 90 que se transformou numa recessão que se pro-
longa até hoje, no ano 2000.

A redução das taxas de juros de curto prazo prati-


camente a zero não foi suficiente para retirar o país
da recessão. O consumo e os investimentos não res-
ponderam como se esperava: continuaram apáticos.
E, como já vimos anteriormente, os banqueiros japo-
neses, com capitais ociosos, lançaram-se a financiar os
déficits em transações correntes das jaguatiricas asiá-
ticas, com os desastrosos resultados conhecidos.

As políticas de investimentos públicos ensaiadas de-


pois da crise asiática de 1997 trouxeram apenas uma
ligeira recuperação espasmódica, isto é, um pequeno
crescimento durante dois trimestres em 1999.

Mas esses investimentos a fundo perdido não che-


garam a ser o motor de arranque que coloca em mo-
vimento o grande motor do investimento privado.

É como se o carro fosse ligado engrenado e desse


aquele pequeno salto brusco para a frente, mas o motor
morresse logo depois.

Os economistas chamam essa situação de “armadi-


lha da liquidez”, isto é, mesmo que as taxas de juros
se aproximem de zero (ao ano, pessoal!), o público
continua preferindo a liquidez do dinheiro em vez de
utilizá-lo no consumo ou no investimento.

212
Diante desse quadro desalentador, alguns economis-
tas apregoam que a única saída é provocar uma in-
flação para que o público gaste o dinheiro, no consumo
ou no investimento, com medo de que ele se desva-
lorize. Se essa medida extrema não der certo, a única
coisa que resta é pedir ao paciente que diga “trinta e
três”...

Enquanto a economia japonesa não dá sinais de re-


cuperação, o fluxo de dekasseguis brasileiros para o
Japão diminuiu e muitos que foram para lá na época
das vacas gordas estão voltando, cansados, doentes e
desiludidos.

Nos Estados Unidos acontece o fenômeno contrário.


Depois da forte baixa da Bolsa de Valores de Nova
York em 1987, quando a queda num só pregão foi
comparável à ocorrida na quinta-feira negra de 24 de
outubro de 1929, muitos achavam que os anos 90 se-
riam muito difíceis para a economia norte-americana.

Em 1989, um autor chamado Ravi Batra escreveu


um livro que se transformou num campeão de vendas
nos Estados Unidos, vaticinando uma grande depres-
são naquele país durante os anos 90.

O equívoco só perde para aquele de um proprietário


de gravadora que teria recusado as músicas dos Beatles
afirmando que o conjunto era desafinado e não tinha
nenhum futuro comercial.

O fato é que a economia norte-americana vem cres-


cendo continuamente há quase dez anos, reduzindo

213
o desemprego, expandindo o consumo, atraindo so-
mas crescentes de investimentos (internos e externos)
e batendo recordes nos índices das Bolsas de Valores.

A Bolsa de Valores de Nova York transformou-se


no templo de adoração da expansão da riqueza, e
quando o índice Dow Jones ultrapassa marcas místicas
como os 10 mil pontos, chama mais a atenção do que
noite de estréia de peça de sucesso na Broadway.

As comparações com a época de prosperidade que


antecedeu a crise de 29, preocupantes no início, co-
meçaram a ser neutralizadas depois que inúmeros va-
ticínios prevendo o início da crise “para segunda-feira”
foram derrubados pelos fatos na terça.

Para adicionar maior otimismo ainda, nem as ele-


vações das taxas de juros pela Reserva Federal (o Ban-
co Central dos EUA), anunciadas e efetuadas por seu
presidente, o poderoso e cauteloso Alan Greenspan,
têm causado o efeito esperado. Depois de um momen-
to de vacilação, consumo e investimento continuaram
a pleno vapor, como se nada tivesse acontecido.

Inclusive o chamado “efeito Greenspan”, isto é, a


queda nas cotações das ações nas Bolsas logo depois
de um discurso do defensor da moeda avisando sobre
uma provável elevação das taxas de juros básicas nos
Estados Unidos (a chamada prime rate), já deixou de
ser um “efeito”. As Bolsas de Valores tornaram-se apa-
rentemente indiferentes: depois de uma pequena que-
da, como se fosse uma reverência ao dr. Greenspan,

214
o frenesi retoma seu lugar e o índice Dow Jones pros-
segue em níveis elevados, embora tenha caído abaixo
da marca mística dos 10 mil pontos em fevereiro de
2000.

O próprio Greenspan tem insistido que grande parte


desse crescimento deve-se a um notável ganho de pro-
dutividade que se espalhou por toda a economia nor-
te-americana durante os anos 90.

De fato, um aumento contínuo de produtividade,


isto é, cada trabalhador produzindo em média cada
vez mais, pode resultar numa demanda moderada de
mão-de-obra mesmo nos momentos de prosperidade.

Em outras palavras, a elevação de salários — a gran-


de preocupação do dr. Greenspan —, que normalmen-
te surge com o crescimento do nível de emprego e
anuncia o esgotamento dos fatores de produção, não
se faz sentir com tanta força; o aumento da produti-
vidade neutraliza um pouco esse crescimento da de-
manda de mão-de-obra. A demanda cresce, mas em
proporção menor, retardando os efeitos inflacionários
de eventuais aumentos salariais.

Mas, se a demanda prosseguir se expandindo, po-


derá ocorrer uma elevação de salários que inicie uma
pressão inflacionária indesejável. Provavelmente o dr.
Greenspan atuará com maior severidade alavancando
ainda mais os juros, para que a inflação não aumente.

Outro fator favorável aos Estados Unidos é que o


término da Guerra Fria, com a desagregação da União

215
Soviética e a transformação do urso siberiano num
panda que adora bebidas alcoólicas, liberou o governo
norte-americano de muitos gastos com o armamentis-
mo e a manutenção de tropas. Isso contribuiu também
para o equilíbrio orçamentário, feito que os Estados
Unidos não conseguiam havia mais de trinta anos.

As despesas governamentais diminuíram e as recei-


tas tributárias aumentaram com o próprio crescimento
econômico. O déficit público foi zerado, o que forta-
leceu bastante a confiança no dólar. Ou melhor, a se-
gurança, aliada ao aumento da rentabilidade propor-
cionada por uma taxa de juros mais alta, valorizou a
moeda norte-americana em relação às demais moedas
fortes como o marco, o franco, o iene e a libra esterlina.

Esse fortalecimento do dólar e a intensificação do


comércio internacional, com a integração da China e
de todo o antigo bloco socialista, vêm propiciando tam-
bém aos norte-americanos uma fonte externa de abas-
tecimento de matérias-primas e de produtos de con-
sumo final a preços baixos aparentemente inesgotável.

Uma clara demonstração disso são os megadéficits


comerciais norte-americanos, que embora ajudem a se-
gurar a inflação internamente, talvez constituam um
outro ponto vulnerável de sua fase de expansão.

Mas a economia dos Estados Unidos pode ser com-


parada a um tipo de avião que, mesmo lotado de pas-
sageiros e bagagens, continua voando muito bem, ape-
sar de um dos seus dois motores (o enorme déficit

216
comercial) se encontrar em pane. O outro, que está
em boas condições — o déficit público zerado —, é
suficiente para conduzi-lo ao seu destino sem maiores
turbulências.

Mas é sempre bom colocar as barbas de molho: no


início de 2000 os jornais brasileiros repercutiam notí-
cias vindas dos Estados Unidos sobre os efeitos que
um excelente desempenho da economia no final de
1999 havia produzido nos mercados financeiros. A
manchete era a seguinte:

“Economia dos EUA cresce 5,8% e abala mercados”

E a notícia trazia a seguinte informação:

“O PIB norte-americano cresceu 5,8% no último tri-


mestre de 99 (taxa anual), reforçando os temores de
que uma alta inflação obrigue os EUA a elevar os juros
acima do previsto (0,25 ponto percentual). A expansão
da soma das riquezas produzidas nos EUA e a alta
de 1% no custo do trabalho no país, a maior em seis
meses, derrubaram as Bolsas; a de Nova York recuou
2,68% e a de São Paulo teve queda de 2,03%. A pro-
vável alta dos juros norte-americanos, que será deci-
dida na próxima semana (de fato os juros subiram,
mas os exatos 0,25% previstos e não mais), afetará o
Brasil porque tornará os títulos dos EUA mais atraen-
tes para os investidores que hoje aplicam em países
emergentes”.

Porém, apesar desses temores que de tempos em


tempos aparecem nos noticiários prevendo que a festa

217
acabou, o fôlego de expansão econômica norte-ame-
ricana prossegue.

E talvez tenha sido a boa saúde da economia dos


EUA, acompanhada da disciplina da política econô-
mica dos onze países que lançaram uma moeda uni-
ficada, o euro, criando outra área de estabilidade, que
evitou a globalização da crise financeira iniciada na
Ásia em 1997.

Apenas as economias periféricas desse sistema e de-


bilitadas em função de seus problemas específicos,
como a Rússia e o Brasil, foram vitimadas pela epidemia.

Além disso, o crescimento da economia norte-ame-


ricana, com sua forte demanda de importações, con-
tribuiu para a recuperação daqueles países da Ásia
que necessitavam a todo custo exportar para estimular
suas economias em recessão e precisavam que, do ou-
tro lado do balcão, existissem clientes com dinheiro
na mão e vontade de comprar.

2. A Terrível Armadilha das Dívidas

Creio que já estamos preparados para dirigir nossas


atenções outra vez para os fundamentos do desenvol-
vimento recente da economia brasileira. Voltemos à
questão das dívidas.

Existem devedores que consideram suas dívidas sa-


gradas. Quando devem a alguém, dizem com toda a
solenidade: “Que Deus lhe pague!”.

218
Embora na vida real algum devedor acuado possa
apelar para essa solução mágica, nenhum credor que
eu conheça aprecia mais os sons dos cânticos religiosos
do que as maravilhosas harmonias do tilintar das moe-
das, especialmente das de ouro.

Em outras palavras, os credores não costumam ser


misericordiosos com os devedores, embora hoje em
dia não arranquem mais pedaços de carne dos faltosos
no melhor estilo das peças de William Shakespeare.

De qualquer forma, o devedor insolvente sofre outro


tipo de castigo. Tratando-se de um país, o respectivo
governo submete sua população a uma série de cons-
trangimentos que em geral resultam na queda do cres-
cimento econômico, no aumento do desemprego e da
pobreza.

Quando um país encontra-se endividado, tanto in-


terna como externamente, a adoção de políticas de es-
tímulo ao crescimento sofre sérias restrições. Ainda
mais quando esse endividamento é de curtíssimo pra-
zo e as taxas de juros são relativamente elevadas.

O leitor há de estar lembrado do episódio do tanque


de álcool que eu poderia pagar em setenta dias. Ou
melhor, uma dívida de longo prazo não cria grandes
preocupações. Mas se ela tem de ser paga no dia se-
guinte, o devedor provavelmente passará a noite em
claro procurando uma maneira de solucionar o pro-
blema... ou de dar no pé.

219
Para que a dívida seja rolada, ou seja, as datas de
vencimento empurradas um pouco mais para adiante,
os credores exigirão taxas de juros mais elevadas, pois
se o devedor não pagou na data combinada passa a
ser menos confiável.

Além disso, se intrometerão na vida deste último:


como a fonte que alimenta uma dívida são os déficits,
seja nas contas do governo seja nas contas externas
— no Balanço de Pagamentos —, o credor exigirá
que esses déficits sejam controlados, reduzidos ou
até eliminados.

Tal ajuste provoca fortes dores no organismo eco-


nômico.

Esse mecanismo pode ser melhor entendido se con-


siderarmos um exemplo.

Suponhamos um sujeito que tenha uma conta no


armazém da esquina, e todo mês pague a conta cor-
retamente, sem problemas. Em determinado mês, no
entanto, ele deu uma festa e suas despesas natural-
mente aumentaram.

Como seu salário permaneceu o mesmo, na hora de


pagar a conta ele teve dificuldades e empurrou parte
da dívida para o mês seguinte. O dono do armazém
fez cara feia, mas, como o freguês tinha sido um bom
pagador até aquela data, concordou.

Durante o mês seguinte, além das despesas normais


ocorreu um outro fato digno de comemoração: o time

220
de futebol do nosso amigo foi campeão por antecipa-
ção, e ele convidou uma grande “corriola” para assistir
à partida final em sua casa, tendo alugado um telão
e detonado várias caixas de cerveja e pacotes de sal-
gadinhos obtidos no mesmo fornecedor.

Por incrível que pareça, chamou até o próprio dono


do armazém, que cortesmente recusou o convite (para
não criar nenhuma ilusão de que perdoaria parte da
dívida). No final do mês, além da dívida anterior, as
despesas correntes tinham sido elevadas e nosso amigo
outra vez não conseguiu liquidar a totalidade da conta.

Inclusive deu um cheque do tipo borracha, que foi


e voltou; o aluguel do telão tinha provocado também
um rombo nas contas do nosso amigo.

Enfurecido, o dono do armazém se recusou a con-


tinuar fornecendo mercadorias enquanto o devedor
não acertasse suas contas, e, além disso, passou a co-
brar juros sobre a dívida ainda não paga. Como o
fornecimento do armazém era indispensável para a
manutenção da família, o devedor não teve outra saída
senão tomar dinheiro emprestado para pagar o que
devia.

O problema foi obter o empréstimo. Como nenhum


banco queria fazê-lo e para não cair nas mãos de um
agiota, muito a contragosto o nosso amigo aceitou di-
nheiro de um cunhado que, além de torcer para um
time rival, impôs por intermédio da irmã (esposa do
devedor) duras condições: que o casal gastasse menos.

221
Não apenas estavam proibidas festas, especialmente
as relacionadas com vitórias no futebol, como qualquer
outra comemoração, por exemplo do tipo aniversário
dos filhos. E quanto a estes últimos, nada de sorvetes,
iogurtes e outras guloseimas.

Se o infeliz seguir essa receita de ajuste, de fato gas-


tará menos a cada mês e poderá pagar a dívida dentro
de algum tempo. Mas as desavenças domésticas virão
com certeza, pois vai ser difícil agüentar um regime
tão duro.

Nosso infeliz herói poderá permanecer nesse regime


de “ajuste” durante muito tempo só para pagar os
juros da dívida.

É a pior situação possível. O chefe da família impõe


um regime draconiano aos seus em nome do paga-
mento de uma dívida que em lugar de diminuir au-
menta, por causa dos juros incidentes sobre ela.

É só mudar o nome dos personagens para que en-


tendamos o que aconteceu com a economia brasileira,
sobretudo depois do empréstimo pactuado com o FMI
no final de 1998 e da megadesvalorização cambial de
janeiro de 1999.

3. A Dívida Interna e Seu Acompanhante Inseparável: o


Déficit Público

Quem está com a casa pegando fogo não se importa


com a qualidade da água que está lançando para apa-

222
gá-lo. Se alguém, no meio da ação, disser que se trata
de água contaminada e que vai arruinar as manguei-
ras, o dono da casa em chamas dificilmente o escutará,
mesmo que registre o fato. O problema urgente é apa-
gar o fogo. O resto se resolve depois.

Foi isso mais ou menos o que aconteceu nos pri-


meiros anos posteriores ao Plano Real, em 1994. Era
necessário atrair dólares sem perguntar sobre sua pro-
cedência e intenções. Sobretudo depois da crise do Mé-
xico no final de 1994, cujas repercussões chegaram ao
Brasil no início de 1995: temerosos de que ocorresse
uma crise também aqui, os investidores financeiros
começaram a sair em desabalada carreira.

Foi necessária uma brusca elevação das taxas de ju-


ros, isto é, a garantia de um belo aumento da remu-
neração para que esse dinheiro permanecesse, refor-
çando nossas reservas, e até atraísse mais uma onda
de novas aplicações.

Aliás, o ano de 1994 foi atípico, pois teve dois se-


mestres completamente diferentes: no primeiro, a in-
flação ainda se expandia com rapidez, e no segundo
já havia estabilidade de preços.

A valorização do câmbio, isto é, o dólar barato, só


inverteu a situação de superávit para déficit na balança
comercial nos últimos meses do ano, de tal forma que
ainda tivemos, nos doze meses de 1994, um superávit
comercial de mais de US$ 10 bilhões.

223
Somados aos dólares que entravam pela conta de
capital, foram mais do que suficientes para cobrir o
déficit de serviços mais as amortizações, e o resultado
final foi superavitário! Isto é, o Balanço de Pagamentos
fechou com um saldo positivo que serviu para engor-
dar as reservas.

As contas do governo também estiveram em lua-


de-mel com o superávit. O ano do lançamento do Pla-
no Real — 1994 — foi um dos únicos da década em
que em vez de déficit nominal tivemos superávit, isto
é, as receitas superaram todas as despesas, inclusive
as realizadas com os juros. O outro ano de superávit
foi 1990, por ocasião do lançamento do Plano Collor.

Essa verdadeira mágica numa economia que atra-


vessava tantas penúrias deveu-se a expedientes que
geralmente só podem ser aplicados de tempos em tem-
pos, isto é, não podem ser repetidos todos os anos.
São expedientes do tipo ounce and for all, que significa
“de uma vez por todas” ou “onça e forró!”, como se
diz no Nordeste.

No caso do Plano Collor, o que aconteceu foi um


violento bloqueio, durante dezoito meses, das aplica-
ções financeiras, inclusive contas correntes, e sua de-
volução posterior em doze parcelas sucessivas.

No fundo, o que o governo estava conseguindo era


alongar o perfil de sua dívida à força, pois essas apli-
cações eram em geral em títulos da dívida pública de
curtíssimo prazo. Durante um ano e meio o governo

224
não se preocupou com o pagamento dos juros e com
a rolagem da própria dívida.

É claro que fez isso sem consultar os credores, que


até hoje rangem os dentes quando ouvem o nome da
ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, ser
pronunciado. Mas talvez ninguém se lembre da frase
do próprio Collor, “que deixaria a esquerda perplexa
e a direita indignada...”.

Além disso, lançou um congelamento de preços que


segurou a inflação por algum tempo. Aliás, a falta de
dinheiro vivo — pois as contas correntes também fo-
ram bloqueadas — era tamanha, ou melhor, a liquidez
era tão baixa que os preços caíram por falta de con-
sumidores com dinheiro vivo na mão.

Inclusive a taxa de câmbio ficou bem-comportada


por uns tempos, pois não havia cruzeiros — denomi-
nação da unidade monetária brasileira na época —
para trocar pelos dólares.

Uma cena pitoresca aconteceu com a corrida do cir-


cuito da Fórmula 1, que havia sido transferida de Ja-
carepaguá, no Rio, para o Autódromo de Interlagos,
em São Paulo, em março de 1990, alguns dias depois
do lançamento do Plano Collor.

Todos os estrangeiros que haviam chegado antes


para instalar o circo, e estavam acostumados a trocar
seus dólares no câmbio negro por montanhas crescen-
tes de dinheiro nacional, viram-se numa situação di-

225
fícil: ninguém tinha moeda local para trocar pelos
dólares.

O resultado foi que mecânicos indignados chegaram


a ter de pagar US$ 10,00 por um reles sanduíche de
tilápia, e US$ 5,00 por uma água mineral do tipo “Bil-
lings”, o dobro do valor de uma Perrier.

Além da redução dos encargos financeiros com um


endividamento interno bloqueado, o governo teve ou-
tra oportunidade de aumentar suas receitas não tri-
butárias. Essa ampliação aconteceu por meio de um
mecanismo que já explicamos anteriormente, chamado
senhoriagem. Ou melhor, mediante a oportunidade de
emitir moeda e utilizá-la para pagar contas e... sem
causar inflação.

Como isso é possível?

A própria inflação, quando cessa bruscamente, ofe-


rece essa oportunidade. O truque está relacionado com
uma coisa denominada “velocidade de circulação da
moeda”.

Quando um governo emite e lança moeda em circu-


lação, obtém um ganho correspondente à diferença entre
o custo de produção e o valor de face da moeda. No
Brasil, como já vimos anteriormente, à exceção da moeda
de um centavo, essa diferença é positiva em todas as
demais, sejam moedas ou notas. É máxima na nota de
R$ 100,00, cujo custo de produção é de aproximada-
mente 10 centavos. O ganho nesse caso é extraordinário:

226
R$ 99,90. O governo paga uma conta de R$ 100,00
desembolsando apenas 10 centavos. Que maravilha!

Mas nós sabemos que se fizer isso repetidamente


amplia a quantidade de moeda em circulação e o re-
sultado inevitável é a elevação geral de preços, fenô-
meno também conhecido como inflação.

Quando esta última atinge níveis muito altos, ou


quando uma inflação maneira transforma-se numa in-
flação galopante, as pessoas procuram se livrar o mais
rapidamente possível do dinheiro que se desvaloriza,
aplicando-o ou realizando todas as compras necessá-
rias antes que os preços subam mais ainda.

Na medida em que todos se comportam assim, a


velocidade de circulação da moeda aumenta, e cada
nota é utilizada para fazer um número de operações
muito maior do que nos momentos de estabilidade
de preços. Nesse caso, é como se houvesse mais moeda
em circulação, pois cada uma de suas unidades troca
de mãos ou gira um número de vezes maior do que
antes.

Por intermédio de uma imagem isso pode ficar mais


claro.

Suponhamos que dez ônibus realizem uma viagem


por dia transportando cinqüenta passageiros cada um.
No total teremos quinhentos passageiros transporta-
dos. No entanto, poderíamos obter o mesmo resultado
diminuindo a frota para um ônibus, desde que ele

227
fizesse dez viagens durante o dia. O resultado é o
mesmo, pois aumentamos a velocidade de circulação
dos ônibus de um para dez.

Com o dinheiro acontece a mesma coisa. Uma quan-


tidade de notas pode realizar dez vezes mais transa-
ções se sua velocidade de circulação aumentar de um
para dez. Ora, esse aumento de velocidade também é
responsável pelo aumento da própria inflação, e po-
demos ter situações nas quais os preços crescem mais
pelo aumento da velocidade de circulação do dinheiro
do que pelo aumento das emissões de novas notas!

É essa a brecha que permite a um governo emitir


e obter enormes ganhos de senhoriagem para pagar
suas contas. Se a inflação cresce em ritmo acelerado
e o mesmo acontece com a velocidade de circulação
da moeda, se houver uma brusca estabilização dos
preços — via congelamento, por exemplo —, a veloci-
dade com que o dinheiro circula baixará imediatamente.

Se isso acontecer, os preços tenderão a cair drasti-


camente, isto é, haverá uma enorme deflação, pois fal-
tará dinheiro vivo para realizar as transações. Além
disso, se os negócios forem paralisados por falta de
dinheiro, a economia terá de enfrentar uma senhora
recessão.

É nesse momento que o governo faz a “mágica”.

Abastece a economia com dinheiro vivo, recém-saí-


do do forno, isto é, das rotativas da Casa da Moeda,

228
ocupando apenas o espaço deixado pela drástica re-
dução da velocidade de circulação da moeda. Com
essa manobra o governo evita que os preços caiam,
por falta de meio circulante para movimentar os negó-
cios. Enche o seu cofre de dinheiro sem provocar inflação!

Como essas emissões representam receita para o go-


verno, pois desde que saem da Casa da Moeda são
utilizadas para pagar contas, pode-se evitar um déficit,
e até, se outras condições forem satisfeitas, obter um
superávit, como de fato aconteceu em 1990 e 1994.

Entre um pigarro e outro, ou talvez assustada com


o que estava dizendo, a ex-ministra da Economia, Zélia
Cardoso de Mello, por ocasião do lançamento do Plano
Real, dizia que a meta do governo era sair de um
déficit de 8% do PIB em 1989 para um superávit de
2% em 1990.

Ou melhor, o esforço de redução de despesas e au-


mento de receitas deveria ser da ordem de extraordi-
nários 10% do PIB!

O superávit alcançou 1,5% do PIB em 1990, um pou-


co abaixo do previsto.

Embora à custa de uma senhora recessão e de uma


arbitrariedade contra os poupadores, esse pilar da es-
tabilização foi fincado.

Mas o Plano Collor fracassou. Entre outras coisas,


em virtude da ausência de uma âncora cambial, isto
é, de reservas que pudessem estabilizar a taxa de câmbio.

229
Na época em que o Plano foi lançado nossas reservas
não alcançavam US$ 8 bilhões, quantia que mal daria
para sustentar três meses de importações.

Os investidores estrangeiros se assustaram sobretu-


do com o bloqueio das aplicações financeiras, uma
medida considerada extemporânea e ameaçadora. É
como se tivessem cortado o oxigênio desses investi-
dores, que amam tanto a rentabilidade quanto a mo-
bilidade de seus capitais. Mas não foram só eles.

Fidel Castro, que viera para a solenidade de posse


do novo presidente e esticara sua estadia no Brasil,
perguntado sobre o Plano, considerou o bloqueio dos
ativos financeiros e contas correntes uma violência.
Nem em Cuba uma medida semelhante havia sido to-
mada nos primeiros tempos do governo revolucionário...

Apesar de todos os movimentos de abertura comer-


cial, privatizações e desregulamentação do governo
Collor, os temores dos investidores estrangeiros sobre
o futuro da economia não foram dissipados.

Além disso, o acerto da dívida externa — nos moldes


do Plano Brady — ainda não havia começado: não
era possível ainda estabilizar a taxa de câmbio, crucial
no combate à inflação.

O Plano Collor naufragou, desembocando numa


enorme recessão acompanhada da volta da inflação,
e isso certamente contribuiu para que o processo de
impeachment tivesse êxito em 1992.

230
A partir de 1991, o déficit retornou. Em setembro,
a devolução do dinheiro bloqueado dezoito meses an-
tes começou a ser feita, o que contribuiu não apenas
para elevar as despesas do governo mas também para
acelerar outra vez a inflação.

Como sabemos, os déficits deságuam no imenso re-


servatório denominado dívida interna, e esta começou
a crescer também. O problema do endividamento não
havia sido resolvido; ele simplesmente se agravara.

4. O Plano Real e o Perigo da Hiperinflação

A inflação existente entre julho de 1993 e junho de


1994 foi com certeza a maior que o Brasil já teve desde
abril de 1500. Os preços aumentaram mais de 5.000%
no período.

Impedir que a inflação galopante se transformasse


numa hiperinflação descontrolada, e a crise econômica
desaguasse numa crise política, foi a principal façanha
do Plano Real.

O Plano teve esse mérito em função de três condi-


ções que ocorreram no período imediatamente ante-
rior. Em primeiro lugar, a renegociação da dívida ex-
terna nos moldes do Plano Brady se acelerou e foi
praticamente concluída antes do seu lançamento.

Em segundo, as reservas brasileiras começaram a


aumentar, pois cada avanço conquistado nessa rene-

231
gociação abria uma porta por onde os investidores
internacionais retornavam ao Brasil. Quando o Plano
Real foi lançado, as reservas já superavam US$ 35 bilhões.

Em terceiro, e já como um dispositivo do próprio


plano, foi criada a URV (Unidade Real de Valor), cuja
missão principal foi dar visibilidade ao que se poderia
chamar de alinhamento de preços, e preparar o terreno
para o lançamento ulterior do real.

Essa moeda de transição utilizada só para efeitos


de cálculo, pois não tinha uma existência material —
em papel ou metal (o governo não emitia URVs) —,
serviu para que os preços, que cresciam alucinada-
mente em cruzeiros reais, permanecessem estáveis em
URVs.

Quando as pessoas já estivessem acostumadas com


a operação de ambas, bastaria ficar com a unidade
estável chamando-a de real, e abandonando a que se
desvalorizava, para que a transição se completasse.

A concepção que levou à adoção da URV é que a


inflação acelerada no Brasil tinha uma forte compo-
nente “inercial”. Ou melhor, que a inflação de hoje é
decorrente da de ontem, e determinará a de amanhã.
A inflação se acelera porque todos os agentes econô-
micos repassam para seus preços os aumentos que
sofreram no momento anterior, de tal maneira que
todos os preços vão sendo remarcados ou indexados.

Se os preços estiverem alinhados ou reajustados nas


mesmas proporções e ao mesmo tempo, e se em de-

232
terminado momento esse processo for interrompido,
as posições relativas serão mantidas.

Em seguida, com pequenos ajustes — de preços que


não puderam ser convenientemente alinhados antes
— alcança-se uma relativa estabilidade.

Nos antigos parques de diversões existia um brin-


quedo muito perigoso chamado carrossel, constituído
de uma roda de onde pendiam umas correntes com
barras de ferro na ponta para que as pessoas se agar-
rassem. A idéia é que todas ao mesmo tempo come-
çassem a correr e ganhar velocidade até que estivessem
girando no ar impulsionadas pela força centrífuga. En-
quanto durava até que era gostoso.

O problema era o momento de terminar a brinca-


deira. Todos tinham de largar as barras de ferro ao
mesmo tempo, ou então irem desacelerando aos pou-
cos até que a roda parasse. Se alguém largasse pre-
maturamente, a barra de ferro solta poderia atingir
quem ainda estivesse na “linha de fogo”.

Nos planos de estabilização anteriores, como foi o


caso do Plano Cruzado e do Plano Collor, o conge-
lamento havia ocorrido de forma abrupta, não dando
tempo nem permitindo adaptação para o alinhamen-
to gradual de preços. Muitos preços foram congela-
dos no contrapé. Os participantes da brincadeira do
carrossel não foram avisados de que a roda iria parar:
alguns soltaram as barras de ferro no tempo devido,
mas outros ainda permaneceram girando e foram
atingidos.

233
Os congelamentos atuaram como uma camisa-de-
força dentro da qual os preços comprimidos ficaram
esperando a primeira oportunidade para escapar ou
para se vingar.

Com a adoção da URV antes do lançamento do Pla-


no Real, esse problema foi superado, pois a economia
teve cerca de quatro meses para se adaptar. É como
se o carrossel fosse desacelerando até parar. A URV
tornou-se a principal unidade de conta do sistema eco-
nômico, e quando de sua transformação em reais (2.750
cruzeiros reais = 1 URV = 1 real), a medida foi assi-
milada naturalmente, e o mais importante, sem a ne-
cessidade de congelamento de preços.

A grande ameaça eram as oscilações que poderiam


vir da taxa de câmbio. Se isso ocorresse, a vida pacata
que os preços internos estavam levando poderia sofrer
fortes perturbações.

Quando o Plano Real foi lançado, a taxa de câmbio


foi fixada inicialmente em US$ 1,00 = R$ 1,00. Mas a
enxurrada de dólares aumentando bastante a oferta
da moeda norte-americana provocou um efeito curio-
so: o real se valorizou consideravelmente, chegando
a ser cotado em inacreditáveis 85 centavos para cada
dólar. A moeda norte-americana tornou-se muito ba-
rata, abrindo a temporada de caça às importações.

A outra face dessa medalha foram os aumentos das


reservas (desaguadouro dessa enxurrada de dólares),
que atuavam como verdadeira âncora da estabilidade

234
de preços, pois permitia que a taxa de câmbio perma-
necesse até valorizada.

Além disso, as safras agrícolas muito boas, especial-


mente de grãos, também contribuíram para a estabi-
lidade de preços. A oferta adequada de alimentos per-
mitia que não ocorressem manobras especulativas de
elevação de preços que molestassem o custo de vida.

Se meu vizinho aparecesse outra vez em busca do


seu gato, talvez me fizesse uma pergunta cheia de
lógica: se as coisas iam tão bem, por que terminaram
na crise de 1999? Por que o desemprego aumentou, a
miséria apareceu com mais força e os preços, que es-
tavam tão bem comportados, deram uma desagradá-
vel pirueta em 1999?

235
CAPÍTULO 10

O FUTURO DE UM PRESENTE
MAL PASSADO

1. Por Que Deu no Que Deu?

O leitor deve estar lembrado, se teve a paciência de


chegar até aqui, começando do começo, de que o ponto
de partida do nosso relato foram duas manchetes de
jornal que prenunciavam a crise. Ambas relacionadas
com déficits e dívidas.

O déficit em transações correntes — mostrando que


o setor externo apresentava grande desequilíbrio — e
a elevação dos juros, provocando um inchaço na dí-
vida interna e causando déficits públicos crescentes.

Inicialmente, no entanto, esses dois problemas ainda


não haviam surgido na linha do horizonte. Ao con-
trário, quem olhasse os fundamentos da economia bra-
sileira em 1994 como quem admira uma fotografia só
teria razões para se acalmar.

237
No front externo as coisas marchavam bem. Já vimos
que em 1994 o déficit em transações correntes do Ba-
lanço de Pagamentos havia alcançado apenas US$ 1,6
bilhão. Mesmo considerando as amortizações, o resul-
tado final foi superavitário: o crescimento dos emprés-
timos e financiamentos, dos investimentos diretos e
dos capitais de curto prazo permitiram que o governo
engrossasse ainda mais as reservas.

No front interno, embora sem apelar para o conge-


lamento, os preços se estabilizaram a partir de julho
de 1994. O governo aplicou a mesma mágica dos ga-
nhos de senhoriagem já esclarecida quando comenta-
mos o Plano Collor de 1990, pois a velocidade de cir-
culação da moeda caiu até mais violentamente, uma
vez que a inflação havia ultrapassado os 50% ao mês.

A emissão de moeda, no vazio deixado pela queda


da velocidade de circulação, chegou a alcançar cerca
de 1,5% do PIB!

É como se o governo tivesse arrecadado R$ 14 bi-


lhões em cerca de seis meses, sem criar impactos in-
flacionários ou recessivos na economia.

Esse ganho de senhoriagem permitiu que o governo


anunciasse um superávit nominal de cerca de 0,5%
do PIB em 1994. É claro que outras coisas contribuíram
também para um resultado tão promissor: como sem-
pre acontece na passagem de um governo para outro,
muitas despesas de um ano são empurradas para o
seguinte.

238
São os chamados “restos a pagar”, que às vezes re-
presentam somas vultosas, as quais, se fossem com-
putadas devidamente, talvez os resultados finais
fossem diferentes.

Se alguém tirasse uma segunda fotografia no come-


ço de 1995 diria que as coisas haviam sido definitiva-
mente acertadas no Brasil, embora uma olhada mais
atenta com certeza vislumbraria a silhueta do Man-
drake por trás desses números.

Mas lembra-se dos russos? Daquela frase “tudo seria


tão bom se não fosse tão ruim...”? Pois então, o pro-
blema é que havia um enorme ponto fraco em toda
essa política de estabilização.

Embora os estrategistas digam que sempre é bom


deixar um ponto fraco, pois pelo menos se sabe por
onde o inimigo vai atacar, em políticas de estabilização
isso não tem cabimento. Na maioria dos casos esse
ponto vai se tornando cada vez mais frágil. Acaba
enfraquecendo outros e por fim compromete toda a
estratégia de defesa.

Qual era o ponto fraco?

O problema se resumia no seguinte: era imperioso


que o governo atraísse investimentos externos, seja para
o setor produtivo seja para o especulativo-financeiro.

Tornara-se indispensável não apenas cobrir os dé-


ficits em transações correntes, como obter um saldo

239
positivo para reforçar as reservas. A taxa de juros,
principal atrativo dos investimentos financeiros exter-
nos, não poderia portanto ser fixada em níveis baixos
mesmo que isso comprometesse o dinamismo da de-
manda e o crescimento econômico.

Em outras palavras, aos olhos dos investidores ainda


éramos vistos como um cabaré colombiano. A taxa de
juros deveria ser “compensadora”. Ou pelo menos a
diferença entre a taxa de juros no Brasil e aquela paga
para quem estava “dançando com a irmã”, isto é, apli-
cando nos títulos do Tesouro norte-americano, deveria
ser suficientemente grande para compensar o risco que
a economia brasileira representava.

Os problemas não terminavam aí, pois uma vez que


entrassem em território nacional, esses dólares deve-
riam ser trocados por reais. Só então poderiam ser
aplicados no mercado financeiro.

Ora, como já vimos, o governo estava atrás desses


dólares para fortalecer suas reservas. Para consegui-los
deveria entregar a seus possuidores os respectivos
reais, que voltariam ao poder do governo, pois boa
parte era aplicada na aquisição de títulos da própria
dívida interna.

Ocorria então uma transferência interessante: o go-


verno aumentava suas reservas em dólares, mas em
compensação sua dívida interna ia crescendo, pois no
fundo esses dólares transformados em reais estavam
aplicados nos títulos dessa mesma dívida.

240
A estabilidade da taxa de câmbio, indispensável
para a estabilidade de preços, passava então a depen-
der do estoque de reservas, que por sua vez provocava
o aumento da dívida interna, que ia se expandindo,
pois as taxas de juros eram elevadas para atrair os
investimentos estrangeiros, que alimentavam as reser-
vas, e assim por diante... Uma ciranda infernal.

Essa dependência da entrada de capitais estrangei-


ros aumentou a partir de 1995 por duas razões:

a) como a taxa de câmbio tornou-se valorizada (o


dólar barato), o superávit da balança comercial de US$
10 bilhões em 1994 desapareceu em 1995, dando lugar
a um déficit de mais de US$ 3 bilhões. E em 1995 o
déficit em transações correntes saltou de US$ 1,6 bilhão
para US$ 18 bilhões!

b) a crise do final de 1994 no México tornara o Brasil


uma área de maior risco, e muitos investidores trans-
feriram suas aplicações para outros mercados.

Portanto, nossa dependência da entrada de capitais


externos (quaisquer que fossem) para fechar esse rom-
bo aumentara. Se não viessem, teríamos de lançar mão
de nossas reservas para fazê-lo, e se estas diminuíssem
muito, a taxa cambial não poderia ser mantida e adeus
estabilidade de preços. O Plano Real morreria logo
depois de ter nascido.

Para agravar ainda mais a situação, os déficits na


balança comercial foram crescendo durante os anos

241
seguintes, o mesmo sucedendo com o déficit em tran-
sações correntes, como pode ser observado no quadro
abaixo:

Quadro 18
1994 1995 1996 1997
Transações Correntes –1,6 –17,9 –24,3 –33,4
Transações Correntes 0,27 2,48 3,10 4,2
(% do PIB)
Balança Comercial 10,4 –3,1 –5,5 –8,7
Fonte: Banco Central do Brasil; valores em bilhões de dólares.

É fácil observar como o déficit em transações cor-


rentes disparou entre 1994 e 1997. Neste último ano
alcançou mais de US$ 33 bilhões ou cerca de 4,2% do
PIB.

O leitor deve estar lembrado de que iniciamos a


presente tradução do economês com aquela notícia de
novembro de 1998, alertando que o déficit em transa-
ções correntes havia alcançado 4,4% do PIB. Isto é,
havia crescido em relação a 1997.

Embora o crescimento tivesse sido pequeno, o preo-


cupante era que contrariava as previsões e promessas
do governo de que ele seria reduzido para 3,0% do
PIB. Em síntese, além de grande, o déficit estava em
rota ascendente, e o governo passava um sintomático
recibo: não tinha controle sobre ele.

242
Em outras palavras, apesar de promover pequenas
desvalorizações do real depois da crise asiática em
1997, tentando estimular as exportações e frear um
pouco as importações, a ligeira queda do déficit co-
mercial em 1998 não foi suficiente para reverter a ten-
dência ascendente do déficit em transações correntes.

Para atrair os capitais externos e impedir que aque-


les já aplicados aqui se mandassem, as taxas de juros
foram elevadas bruscamente em dois períodos: entre
outubro e novembro de 1997 as taxas saltaram de 19,75
para 39,75%; e em outubro do ano seguinte se eleva-
ram primeiro de 19,50 para 29,75%, e em seguida para
os estratosféricos 49,75%.

No primeiro momento o governo elevou as taxas


para defender-se contra o ataque especulativo origi-
nado na crise asiática, e um ano depois em decorrência
de um ataque semelhante cuja raiz foi a crise russa.

As taxas de juros chegaram a situar-se próximas dos


50% ao ano no final de 1998, e mesmo assim isso não
foi capaz de impedir a fuga maciça de capitais, o que
tornou inescapável a megadesvalorização do real em
janeiro de 1999.

Mas a elevação dessas taxas de juros provocava uma


verdadeira explosão na dívida interna. Imagine uma
taxa de 50% ao ano mesmo vigorando apenas alguns
meses, incidindo sobre uma dívida interna de R$ 400
bilhões.

243
Supondo que na média essa taxa fosse de 25%
durante todo o ano, a conta juros devoraria cerca de
R$ 100 bilhões, e seria muito difícil evitar um monu-
mental déficit público.

Embora o governo tivesse cortado despesas que dei-


xaram ao relento setores como a saúde, a educação e
os transportes, e aumentado receitas por meio de mais
e maiores impostos, obtendo um superávit primário
de cerca de R$ 31 bilhões, este foi literalmente engolido
pela estratosférica despesa de R$ 127 bilhões com juros.

Ou seja, o superávit primário foi devorado com cas-


ca e tudo, e não aplacou a fome da taxa de juros: o
resultado operacional ou nominal das contas públicas
foi um déficit de R$ 96 bilhões (127 – 31 = 96), o que
significa cerca de 10% do PIB!

A grande vilã, a dívida interna, já vinha crescendo


também por outras razões. Nós já assinalamos que
muitas despesas de 1994 foram “empurradas” para
1995 nos restos a pagar. Além disso, e embora o go-
verno tivesse obtido ganhos expressivos de senhoria-
gem logo depois de lançado o Plano Real, compen-
sando o que deixou de ganhar com o “imposto infla-
cionário”, o mesmo não aconteceu com os bancos, que
também ficavam com uma fatia desse imposto.

O princípio básico, como já vimos, é: quem emite


moeda ou ganha a senhoriagem ou arrecada o imposto
inflacionário. Ora, os bancos também emitem uma
moeda denominada escritural, que não significa outra

244
coisa que o crédito que fornecem à praça. Nesse sen-
tido, os bancos também arrecadam parte desse impos-
to inflacionário.

Na época de inflação galopante, os maiores ganhos


dos bancos tinham essa origem. Esses ganhos eram
tão grandes que os bancos não cobravam pelos servi-
ços que prestavam a seus clientes, como o fornecimen-
to de talões de cheques, consultas de saldos, envio de
dinheiro etc. O que importava era ter mais clientes
para ampliar a capacidade de emitir crédito e arreca-
dar o imposto inflacionário.

Os bancos chegaram a instalar um amplo, sofistica-


do e caro sistema informatizado, tecnologia indispen-
sável para usufruir ganhos cada vez maiores numa
conjuntura de forte inflação.

Com a brusca interrupção do processo inflacionário,


esses ganhos desapareceram. A quebradeira de bancos
que não conseguiam sobreviver sem tais ganhos co-
locou em xeque a estabilidade do sistema financeiro.
Bancos nacionais de pequeno e médio porte que iam
mal das pernas foram comprados por poderosas or-
ganizações financeiras internacionais.

Mas os primeiros que realmente “quebraram” foram


aqueles controlados pela União: o Banco do Brasil e
a Caixa Econômica Federal. Sem o imposto inflacio-
nário, essas entidades mostraram toda a fragilidade
de suas carteiras, ou, como preferem chamar alguns,
a quantidade de créditos podres que possuíam.

245
Ao acabar com a inflação, o governo ganhou por
um lado mas perdeu por outro. Foi obrigado a salvar
suas próprias entidades financeiras e o sistema como
um todo na medida em que essas operações de socorro
se estenderam também ao setor privado. Boa parte
dos recursos necessários foi obtida graças ao cresci-
mento da dívida interna.

Com os juros crescentes que incidiam sobre ela, a


ampliação do déficit público foi então inevitável. De
um superávit “mandrake” em 1994, passamos para a
situação oposta: déficits sucessivos e crescentes a partir
de 1995, como mostra o quadro abaixo:

Quadro 19
1994 1995 1996 1997 1998
Saldo das Contas do
Governo (% do PIB) +1,5 –4,8 –3,7 –4,3 –7,5
Fonte: Banco Central do Brasil

O problema do déficit público foi não apenas a sua


magnitude, mas a sua trajetória crescente a partir de
1996.

O déficit público teve também uma outra força pro-


pulsora representada pela Previdência Social. A co-
bertura do seu déficit também contribuiu bastante para
a expansão do desequilíbrio entre receitas e despesas.
E esse desequilíbrio em parte também deveu-se a fe-
nômenos que ocorreram bem antes e cujas conseqüên-
cias se fizeram sentir alguns anos depois. Como numa
luta de boxe na qual um dos lutadores recebe um golpe

246
no primeiro assalto e apenas sentirá seus efeitos de-
vastadores no quarto ou quinto.

A partir de 1997, o sistema se desequilibrou: os be-


nefícios pagos pela Previdência no setor privado su-
peraram as contribuições. Na verdade, a partir de 1994,
receitas e despesas haviam emparelhado, mas a partir
de 1997 a diferença tornou-se crescente. Qual a razão
desse desequilíbrio?

Uma das causas, e talvez a principal, apontadas por


especialistas é que o nível de emprego aumentou mui-
to durante os anos 70, o mesmo acontecendo com as
contribuições previdenciárias. O sistema funcionava
com boa margem, isto é, as contribuições superavam
os benefícios, e com essa diferença era possível finan-
ciar parte do sistema de aposentadorias dos servidores
públicos, este estruturalmente deficitário.

No entanto, o aumento do desemprego e o encolhi-


mento relativo do setor formal da economia durante
os anos 90 fizeram com que as contribuições come-
çassem a diminuir exatamente no momento em que
amadureciam as aposentadorias daqueles que haviam
ingressado no sistema formal três décadas antes.

Além disso, como a expectativa de vida aumentou


no Brasil, a permanência dos aposentados no sistema
recebendo seus benefícios também se prolongou. A
esperança de vida ao nascer aumentou de um patamar
de 54 anos em 1950 para 66 anos em 1991, ou seja,
uma expansão de doze anos, ou 22% num período de
quarenta anos.

247
A crise se acentuou com o dispositivo da Constitui-
ção de 1988 concedendo a todos os servidores públicos,
mediante o chamado regime jurídico único, aposen-
tadoria com o salário integral mesmo que as contri-
buições fossem insuficientes para custear tal benefício.

A cobertura do rombo da Previdência tornou-se um


dos impactos mais importantes nas contas do governo,
e, em conjunto com os juros, talvez seja o principal
responsável pelos déficits públicos a partir da segunda
metade dos anos 90.

Os números são eloqüentes:

Quadro 20
1997 1998 1999
Regime Geral INSS 44 45 47
(setor privado)
Contribuições
Benefícios 46 53 59
Déficit 32 38 12
Servidores Públicos 36 37 38
União, Estados e Munic.
Contribuições
Benefícios 37 41 42
Déficit 31 34 34
Déficit Global 33 42 46
Fonte: Cálculos feitos a partir de dados do INSS e do Orçamento
Federal. Os dados estão arredondados.

248
Embora os dados para 1999 sejam previsões, não
resta dúvida de que a situação é explosiva porque
a diferença entre contribuições e benefícios tende a
aumentar.

Todas essas forças somadas exerceram enorme pres-


são sobre as contas públicas, e o resultado foram enor-
mes déficits, não apenas no setor externo como no
âmbito interno.

São os chamados déficits gêmeos. Se apenas um já


dá um enorme trabalho para evitar uma crise, imagine
dois...

Qualquer analista econômico sabe, e mesmo qual-


quer pessoa de bom senso percebe, que uma situação
como essa não pode durar indefinidamente.

É como se as duas colunas que sustentam um edi-


fício fossem se enfraquecendo, ao mesmo tempo que
seus moradores colocassem mais peso dentro dos apar-
tamentos... e o morador da cobertura insistisse em
construir uma piscina em sua varanda.

Essa situação já havia surgido na linha do horizonte


em 1996. Dois anos depois encontrava-se a pino, es-
turricando o crânio de todos nós. Os jornais divulga-
vam dados e análises que mostravam a economia bra-
sileira prisioneira de uma descomunal inconsistência.
As duas manchetes com as quais iniciamos este relato
são bons exemplos: se colocadas uma ao lado da outra,
mostrariam que não faltava muito para a crise cambial.

249
2. O Naufrágio do Wasa: na Suécia Tudo Acabou em
Smorgasbord

Em 1626, o rei Gustavo, da Suécia, desejando obter


a completa hegemonia militar sobre o mar Báltico,
mandou construir os maiores navios de guerra até en-
tão lançados ao mar.

Nos estaleiros próximos de Estocolmo iniciou-se a


frenética construção do navio de guerra Wasa, com
três andares de canhões, sendo o terceiro instalado
num nível bem elevado, próximo do convés superior
para aumentar o alcance de seus tiros. Só de olhar, o
Wasa metia medo e impunha respeito.

No entanto, como havia sido construído sob ordens


diretas do rei Gustavo, ninguém se atreveu a dizer
abertamente — embora corresse à boca pequena —
que, por manter muito peso na parte de cima e ser
mais estreito do que o recomendável, o navio não tinha
estabilidade.

Lançado ao mar numa calma tarde de agosto de


1628 para sua viagem inaugural, foi apanhado primei-
ro por uma leve brisa, que já o fez balançar bastante,
embora as velas não estivessem totalmente enfunadas.
Um pouco mais adiante, ao ultrapassar a primeira ilha,
foi colhido por um vento mais forte, e começou a adernar.

Estranhamente, não voltou ao prumo, e a água co-


meçou a entrar pelas janelas dos canhões situados nos
conveses inferiores. O navio afundou diante de mi-

250
lhares de pessoas que tinham ido se despedir, levando
para o fundo do porto de Estocolmo todos os seus
canhões e afogando mais de duzentos marinheiros.

Foi um dos maiores naufrágios da história da na-


vegação até o desastre do Titanic.

Furioso, o rei Gustavo mandou realizar uma inves-


tigação para punir os culpados (uma espécie de CPI
da época), mas da mesma forma que num certo país
que todos conhecemos, o caso também terminou em
pizza, ou melhor, em smorgasbord...

Todos os interrogados afirmaram que haviam seguido


as instruções dos armadores da época, que por sua vez
teriam cumprido à risca as ordens do próprio rei.

Ninguém foi decapitado. Houve apenas a interrup-


ção dos contratos com os armadores, e a ordem do
dia foi tentar resgatar as peças mais valiosas do navio
— os canhões —, pois este encontrava-se muito pró-
ximo do porto e em águas pouco profundas.

Com o Plano Real aconteceu algo parecido. Ainda


no final de 1994, a crise do México mostrou a grande
vulnerabilidade das linhas de defesa da política eco-
nômica brasileira, e muitos comentaristas afirmavam
que, se houvesse um vento mais forte, o navio afundaria.

A crise mexicana teria sido como aquela primeira


brisa que balançou o Wasa, pois teve como razão cen-
tral os crescentes déficits em transações correntes de

251
seu Balanço de Pagamentos, caminho que começava
a ser trilhado pelo Brasil pilotado pelo Plano Real.

No primeiro semestre de 1995, para enfrentar essas


brisas ameaçadoras, o que se fez foi criar um sistema
chamado de “bandas cambiais”. A intenção era dar
mais estabilidade ao navio que começava a balançar.

Dentro dessas bandas, a taxa de câmbio poderia va-


riar. O dólar poderia flutuar entre um piso (valor mí-
nimo) e um teto (valor máximo) que constituíam os
pontos extremos da banda cambial. Se atingisse o valor
mínimo, o Banco Central entraria comprando dólares
para erguer sua cotação; se atingisse o teto, ele entraria
vendendo para fazer sua cotação cair.

A nau balançava, mas voltava sempre ao seu ponto


de equilíbrio. E ia singrando os mares ao encontro do
seu grande destino: a inflação zero. No entanto, havia
uma condição para que essa engenhoca funcionasse:
o Banco Central deveria dispor de uma quantidade
de dólares suficiente para vender no mercado se a
taxa permanecesse muito tempo no “teto” da banda.

Mas embora o Banco Central inundasse o mercado


com dólares, vendendo-os a quem quisesse converter
seus reais, e a taxa não desgrudasse do teto em direção
ao piso, as coisas se complicavam, pois as reservas
podiam se esvair e alcançar o perigoso ponto que an-
tecede o esgotamento. Como de fato aconteceu algum
tempo depois, nos primeiros dias de 1999.

252
No momento foi uma forma de dar mais flexibili-
dade à taxa de câmbio e margem de manobra para a
embarcação. Mas, embora o sistema de bandas reajus-
tasse pouco a pouco a taxa de câmbio, não resolveu
o problema da falta de estímulo aos exportadores.

O governo preferiu estimular estes últimos com me-


didas relacionadas com taxas de juros subvencionadas
para seus financiamentos e isenções tributárias via Lei
Kandir. Esta lei, cuja finalidade era incentivar as ex-
portações retirando dos respectivos produtos tributos
como o ICMS, provocou grande controvérsia desde o
seu nascimento em 1996. Isso porque, embora os ex-
portadores tenham sido beneficiados, os governos es-
taduais sentiram suas finanças afetadas pela queda de
arrecadação e buscaram compensações.

O déficit comercial diminuiu um pouco, mas ainda


permaneceu num patamar muito elevado. Como me-
xidas mais fortes na taxa de câmbio poderiam trazer
pressões inflacionárias, e isso era o que o governo mais
temia, o problema do déficit em transações correntes
ficava à espera de um milagre. Que não ocorreu...

3. Um Plano Marcado para Morrer: Réquiem para a


Âncora Cambial

Dizia um grande escritor franco-argelino, Albert Ca-


mus, que o que a gente mais teme acaba sempre acon-
tecendo. Não estou bem certo se ele se referia à morte,
mas um colega seu, latino-americano com alma cari-

253
benha, Gabriel García Márquez, escreveu uma bela his-
tória chamada Crônica de uma Morte Anunciada, na qual
os personagens, embora conhecedores do que o futuro
lhes reserva, marcham estóicos para o trágico destino.
No Brasil, a história transformada em filme, Cabra Mar-
cado para Morrer, tem um fio condutor parecido.

Na verdade, a inescapável crise cambial brasileira


amadureceu rapidamente entre setembro e outubro de
1998, depois do colapso da Rússia. Bastava fazer al-
gumas contas simples para perceber que o Brasil, mes-
mo alargando a banda cambial, não teria reservas su-
ficientes para cobrir seu déficit no Balanço de Paga-
mentos, a não ser que recebesse forte ajuda externa.
E não era apenas isso.

Além do déficit no setor externo, o que agravou


ainda mais a situação foi a escalada do déficit público,
que se aproximava dos 8% do PIB em 1998.

É certo que dois acontecimentos contribuíram para


melhorar, aos olhos dos credores, a situação brasileira.
No plano político-eleitoral e graças à adesão anacrô-
nica de um candidato à construção da bomba atômica,
que reduziu a soma dos votos dos candidatos de opo-
sição, o presidente Fernando Henrique Cardoso con-
seguiu ser reeleito por uma estreita margem no pri-
meiro turno, garantindo a continuidade da política eco-
nômica e afastando a ameaça de vitória da oposição.

Ao mesmo tempo um esforço concentrado, que reu-


niu o presidente Clinton, seu então secretário do Te-

254
souro, Robert Rubin, o então diretor-geral do FMI, Mi-
chel Camdessus, o governo japonês e a União Européia
(até Portugal se comprometeu com uma graninha), re-
sultou na reunião de US$ 41 bilhões para ajudar o
Brasil a se defender da crise.

Embora esses fatos acalmassem um pouco o mer-


cado, o enfraquecimento das colunas de sustentação
do edifício falou mais alto e as reservas continuaram
em queda. Os investidores consideravam que a des-
valorização do real era inevitável e queriam sair antes
que isso ocorresse.

Foi nesse momento que o governo brasileiro tomou


uma decisão desesperada, pois já havia elevado a taxa
de juros a um patamar máximo de quase 50% ao ano
e não dava mais para continuar esticando esta corda:
para tranqüilizar o mercado, emitiu títulos da dívida
pública com correção cambial. O que significa isso?

Se alguém tivesse investido reais em títulos da dí-


vida pública e, temendo uma desvalorização cambial,
quisesse transformá-los em dólares e retirar-se do país,
ao fazê-lo reduziria as reservas brasileiras, o que po-
deria precipitar a crise cambial. O governo, então, ten-
tou restaurar a confiança no real para aqueles inves-
tidores que permanecessem, mas isso a um custo muito
alto. O governo oferecia uma alternativa: a aplicação
levaria em conta não a taxa de juros, mas sim a va-
riação cambial.

Dessa forma, se alguém aplicasse R$ 100,00 e estes


reais equivalessem a US$ 100,00 (vamos lembrar dos

255
velhos tempos quando 1 real = 1 dólar), ou seja, quan-
do essa taxa de câmbio fosse na base do 1 x 1, se o
real fosse desvalorizado em 50% e a taxa de câmbio
fosse elevada para R$ 1,50 = US$ 1,00, o aplicador
receberia uma correção de sua aplicação em reais, que
passaria de R$ 100,00 para R$ 150,00. Isto é, ele ga-
nharia em poucos dias 50% sobre o investimento feito.

Se a desvalorização fosse de 30%, ele ganharia “ape-


nas” 30% sobre o capital investido; e se o governo
conseguisse manter a mesma taxa de câmbio, isto é,
não desvalorizasse o real, o investidor não ganharia
nada.

O governo estava na realidade criando um “seguro”


contra a eventualidade de uma desvalorização cam-
bial. Como as colunas do edifício mostravam grandes
rachaduras, muitos fizeram esse seguro, que no jargão
financeiro denomina-se uma operação de hedge.

O mecanismo é mais ou menos parecido com o do


comportamento do torcedor que aposta dinheiro con-
tra o seu time, pois qualquer resultado lhe trará com-
pensação: se ganhar, embora perca dinheiro, ficará sa-
tisfeito pela vitória; se perder, terá a compensação mo-
netária, apesar da tristeza da derrota...

Uma operação de hedge é precisamente uma mano-


bra de salvaguarda diante do risco. E mais de R$ 150
bilhões haviam migrado para aplicações “hedgeadas”,
ou com garantias cambiais, quando, numa bela sexta-
feira do início de janeiro de 1999, o governo ajoelhou.

256
É claro que quanto mais garantias oferecia aos cre-
dores, mais demonstrava que se encontrava debilitado.
E depois de oferecer quase 50% de taxas de juros e
operações quase ilimitadas com correção cambial, ve-
rificou com desânimo que o mercado não havia se
acalmado e que os investidores continuavam saindo
com seus dólares. Não havia mais salvação para a taxa
de câmbio: estava marcada para morrer.

Mas o governo ainda fez uma última tentativa para


salvá-la. Num gesto tão confuso quanto desesperado,
decidiu alargar as bandas cambiais de flutuação e tro-
car o presidente do Banco Central. Isto é, o teto e o
piso da taxa de câmbio, que variavam numa faixa es-
treita de uns 2%, passariam a oscilar numa faixa mais
ampla de 8%.

Ao ser anunciada a nova banda, a taxa de câmbio


saltou imediatamente para o teto e lá ficou grudada,
enquanto o mercado entrava em pânico e as saídas
de dólares se acentuavam. Para todos os efeitos, o real
sofrera uma desvalorização de 8%: saltara de 1,22 para
1,32 por dólar.

O então presidente do Banco Central tentava expli-


car o conceito de “banda diagonal endógena”, o mer-
cado não entendia e os números do paralelo sinaliza-
vam uma desvalorização muito maior.

O alargamento das bandas funcionou como se hou-


vessem aberto um pouco a porteira de um curral onde
a pressão da boiada nervosa já era quase insustentável.

257
E para manter a taxa de câmbio dentro da banda, o
governo gastava suas preciosas reservas em dólares, por-
que só havia compradores da moeda norte-americana.

Diante da alternativa de ter suas reservas esgotadas


em poucos dias, pois a fuga de capitais se acelerava
e a manada ameaçava derrubar todas as cercas, o go-
verno resolveu abandonar o sistema de bandas e dei-
xar a cotação do dólar flutuar livremente no mercado.

A vantagem do novo sistema era que o governo


não necessitava mais intervir no mercado vendendo
dólares para manter uma determinada cotação. Ou
melhor, não perdia reservas.

A desvantagem era que a taxa de câmbio disparava


rapidamente rumo à mágica cotação de R$ 2,00 por
US$ 1,00, provocando uma forte elevação de preços
dos produtos importados e deixando todos na expec-
tativa de um choque inflacionário.

Ninguém sabia até aonde iria tal disparada, e o clima


de incerteza provocou estragos em todos os setores
da economia brasileira. O único setor que se beneficiou
foi o exportador: a desvalorização cambial restaurava
a rentabilidade de muitas empresas cujos clientes eram
estrangeiros.

Além disso, a agricultura não recebeu um golpe tão


forte, pois a boa safra de 1999 foi semeada antes da
desvalorização e, portanto, a agricultura acabou sendo
duplamente beneficiada: pelas boas safras e pela des-

258
valorização cambial, que estimulou a exportação de
produtos agrícolas, embora o preço em dólares destes
tivesse caído um pouco no mercado internacional.

Se examinarmos o que aconteceu com o PIB brasi-


leiro em 1999, veremos que o resultado teria sido real-
mente desastroso não fosse o bom desempenho da
agricultura. Esta acusou um crescimento de 8,0%, neu-
tralizando o resultado negativo da indústria, que re-
trocedeu quase 2% e possibilitou um crescimento po-
sitivo do PIB de 0,85%, um dos menores de nossa história.

A crise cambial de janeiro de 1999 “matou” o ano


em matéria de crescimento econômico. Infelizmente,
algumas esperadas “compensações” não ocorreram.
Por exemplo, acreditava-se que uma desvalorização
cambial tão forte provocasse um intenso crescimento
das exportações e um freio nas importações, resultan-
do num megassuperávit comercial de cerca de US$
11 bilhões.

Isso não aconteceu. Na medida em que o ano avan-


çava, as previsões iam sendo revistas, e em dezembro
os números mostravam que, ao contrário, o superávit
havia se transformado num déficit de cerca de US$
1,5 bilhão.

Mas não resta dúvida de que o déficit em transações


correntes no Balanço de Pagamentos baixou e a ne-
cessidade de atrair dólares diminuiu um pouco em
função dessa queda.

259
Na verdade, não apenas houve redução nas impor-
tações devido à elevação cambial como também con-
tração na compra de determinados serviços, como
aquele tópico que destacamos anteriormente: das via-
gens internacionais ou do turismo de classe média.

O dólar, que chegou a estar quase duas vezes mais


caro, afugentou muita gente das viagens ao exterior
durante 1999. Houve um deslocamento para o turismo
interno: nos hotéis das cidades litorâneas brasileiras
ouvia-se mais o português do que o inglês ou o cas-
telhano.

Mas talvez o fluxo mais importante tenha sido o


dos investimentos diretos. Como já assinalamos ante-
riormente, os capitais que saíram antes da desvalori-
zação voltaram depois com um poder de compra em
média 50% maior! O equivalente da desvalorização
cambial.

Essa violenta entrada de investimentos diretos deu


ao Balanço de Pagamentos do Brasil uma aparente con-
sistência, pois o superávit final, e o conseqüente re-
forço das reservas, não se deveu apenas aos voláteis
capitais de curto prazo.

O problema é que a entrada maciça em determinado


ano desse tipo de capital dá lugar a uma saída cres-
cente de lucros e dividendos nos anos seguintes. E
isso pode contribuir para um crescimento do déficit
na conta de serviços e, portanto, das transações cor-
rentes nos anos vindouros.

260
Já vimos esse filme anteriormente e sabemos que
para não termos novas ameaças à taxa de câmbio, de-
veremos obter um expressivo superávit na balança co-
mercial. Se não for possível obter tal resultado aumen-
tando exportações, as importações deverão ser sacri-
ficadas, e isso representa um obstáculo ao crescimento
econômico. Ou melhor, o crescimento do PIB está as-
sociado ao aumento das exportações, mas também re-
quer uma expansão das importações.

Além disso, é preciso ter sempre em mente a questão


dos preços. Se os preços das importações aumentarem
— como tem acontecido nos últimos meses de 1999 e
primeiros de 2000 com o petróleo —, o valor das im-
portações pode crescer sem que o volume adquirido
aumente. E também haverá pressões inflacionárias
internas.

A conta a pagar cresce pelo preço e não pela quan-


tidade comprada. Se os preços de nossas exportações
aumentassem também, uma mão lavaria a outra.

Ou seja, se a “relação de trocas” permanecesse mais


ou menos a mesma, a desvantagem nas importações
seria anulada por vantagens nas exportações.

Mas é pouco provável que isso aconteça. O mais


realista seria considerar que a “relação de trocas”, ou
seja, a relação entre os preços das exportações e das
importações, piore um pouco, ou na melhor das hi-
póteses se mantenha no mesmo patamar.

261
É preciso lembrar também que o aumento das ex-
portações, especialmente de produtos semimanufatu-
rados e manufaturados, depende muito da situação
de outros países exportadores. Praticamente todo o
Sudeste e Nordeste asiáticos, o México e a Rússia des-
valorizaram suas moedas antes do Brasil.

A desvalorização do real apenas reequilibrou as coi-


sas, sem que significasse uma vantagem cambial com-
petitiva a ser desfrutada durante algum tempo. Por-
tanto, o aumento das exportações dependerá da pro-
dutividade alcançada pelos empresários brasileiros em
face dos concorrentes.

Nesse ponto existem alguns dados animadores. Par-


te considerável da farra das importações que o dólar
barato permitiu a partir de 1994 e que provocou dé-
ficits na nossa balança comercial aconteceu em relação
a bens de capital.

A participação no valor das importações desses pro-


dutos passou de 28 para 32% do total entre 1994 e
1998. Em termos absolutos, passamos de US$ 9 bilhões
em 1994 para US$ 20 bilhões em 1998. No acumulado
de cinco anos, foram quase US$ 80 bilhões em impor-
tações de bens de capital, que permitiram ao setor
produtivo renovar e ampliar sua base tecnológica, au-
mentando bastante sua produtividade.

Mas nossos concorrentes também avançaram em ter-


mos de produtividade. E embora o custo de nossa
mão-de-obra se reduzisse mediante a queda nos salá-
rios reais provocada pela recessão, a luta pela con-

262
quista de mercados externos continuará sendo acirra-
da. Não se pode esperar um megassuperávit a partir
de 2000, como aconteceu em 1984 depois da maxides-
valorização de 1983.

É verdade que o grande temor de que uma mega-


desvalorização cambial causaria uma forte onda infla-
cionária não se justificou. A inflação foi relativamente
pequena, e isso requer uma explicação especial.

Vários fatores contribuíram para que a desvalorização


cambial de 1999, talvez a maior de nossa história, não
desembocasse numa monumental onda inflacionária.

Em primeiro lugar, devemos destacar a safra agrí-


cola de 1999, que garantiu uma oferta interna razoa-
velmente boa de grãos. Caso fôssemos obrigados a
importar alimentos em grande escala, o impacto no
custo de vida seria bem maior.

Em segundo lugar, a taxa de juros mantida em níveis


muito altos durante vários meses e as incertezas sobre
o futuro dos negócios deram uma freada brusca no
consumo. A retração da demanda conteve os ímpetos
remarcatórios de muitos empresários.

Em terceiro lugar, no momento em que a concor-


rência se acirrou no mercado interno, até os mercados
controlados por oligopólios vacilaram em aumentar
muito seus preços para evitar perda de clientela.

Em quarto lugar, o governo atuou via Petrobrás


para atenuar o repasse da elevação tanto da taxa

263
de câmbio como do preço do petróleo em dólares para
os seus derivados, o que diluiu um impacto mais forte
na inflação.

Em quinto lugar, os empresários reduziram seus


custos rebaixando salários. Ou melhor, numa conjun-
tura recessiva, muitas categorias de trabalhadores con-
tiveram suas reivindicações e até aceitaram salários
mais baixos para manter seus empregos.

A elevação do custo de vida em cerca de 10% foi


causada sobretudo pelas produtos vinculados às im-
portações, como os remédios, os transportes e os ser-
viços de saúde. Aparentemente, todos os aumentos
de preços decorrentes da desvalorização cambial em
1999 já foram assimilados. A própria taxa de câmbio
se estabilizou nos últimos meses em torno de R$ 1,75
por dólar.

A safra de grãos deverá aumentar no ano 2000, e


se o preço do petróleo cotado em dólares no mercado
internacional não atrapalhar, a inflação medida pelo
custo de vida deverá ser menor em 2000 do que foi
em 1999.

Mas o crescimento econômico ficará sempre para o


ano que vem?

4. O Futuro do País do Futuro

Antes de iniciar este último tópico, devo dizer que


finalmente entendi por que o gato da vizinha gosta

264
tanto da minha varanda. Pilhei outra vez o simpático
animal acompanhado de uma bela gata. Esta parecia
um filhote de jaguatirica, o que me fez lembrar da
crise asiática... O casal tinha uma postura de quem
examinava um apartamento recém-comprado. Esta-
vam tão tranqüilos e à vontade que resolvi deixá-los
em paz.

Espero que tudo corra bem entre os dois e que se


mantenham silenciosos como tem acontecido até ago-
ra... Meu único temor é o que acontecerá com a pro-
vável ninhada, pois há quem diga que o futuro é o
presente malpassado.

Se isso estiver correto, nossa situação econômica não


deverá melhorar muito: em 1999 o desempenho da
economia brasileira foi um dos piores da década.

Convivemos com uma recessão e tudo o que ela


traz de ruim: desemprego, baixos salários, queda na
produção industrial e desagregação social nas cidades
e no campo.

Mas levando-se em conta um patamar tão baixo,


será muito fácil termos um desempenho melhor se
tomarmos 1999 como referência. No entanto, mesmo
para assegurar um crescimento econômico pequeno
como aquele que está sendo prometido pelo governo
— entre 3 e 4% do PIB —, algumas condições têm de
ser satisfeitas.

Em primeiro lugar, é imperioso que o valor das ex-


portações cresça. No momento, esta expansão não de-

265
pende mais da desvalorização cambial, pois a que so-
fremos em 1999 está de bom tamanho. Creio que o
fator fundamental será a continuidade da expansão
econômica dos Estados Unidos, associada com a re-
cuperação do Japão e dos países da União Monetária
Européia. E a própria capacidade competitiva em ter-
mos de produtividade de nossos exportadores.

O que poderá atrapalhar?

Em primeiro lugar, se a fase de prosperidade dos


Estados Unidos terminar, esse objetivo dificilmente
será conseguido. Não apenas porque nossas exporta-
ções diminuirão para lá, como também porque a Ásia
e a Europa, dependentes do mercado norte-americano,
reduzirão as importações de nossos produtos. De que-
bra, se a Argentina promover algum tipo de desvalo-
rização de sua moeda, nossas exportações acusarão
mais um golpe.

A elevação dos preços dos produtos que importa-


mos, como o petróleo, também poderá interferir com
outro objetivo associado ao aumento das exportações:
a obtenção de um grande superávit comercial, para
reduzir o déficit em transações correntes e a depen-
dência da entrada de capitais, que torna menos ins-
tável a taxa de câmbio.

A elevação da taxa de juros nos Estados Unidos,


além de desaquecer a economia e por tabela afetar
nossas exportações para aquele mercado, terá um efei-
to negativo sobre a nossa balança de serviços em fun-

266
ção da nossa dívida externa: a conta juros será mais
elevada.

Além disso, como a maioria dos investidores toma


decisões em função das diferenças de taxas de juros
nos diversos mercados, se estes se elevarem em um
mercado financeiro seguro como é o dos Estados Uni-
dos, muitos preferirão investir lá a fazê-lo em áreas
de grande risco como é o mercado brasileiro.

Nesse caso teremos que oferecer maiores vantagens


para atrair esses investidores, e uma das mais convin-
centes é uma taxa de juros interna mais elevada. É
bom lembrar que, mesmo dependendo menos de re-
cursos externos, as reservas não podem cair muito,
pois isso colocaria outra vez em perigo a estabilidade
do câmbio. Em outras palavras, a elevação da taxa de
juros nos Estados Unidos retardará a redução da taxa
de juros no Brasil.

O nível dos juros no mercado interno brasileiro é


também um fator decisivo para a volta do crescimento
econômico. Como a taxa de câmbio agora é mais fle-
xível, isto é, pode flutuar sem que o Banco Central
tenha de intervir perdendo reservas, a pressão exer-
cida sobre a taxa de juros é menor.

Em outras palavras, a equipe econômica tem mais


liberdade para reduzir a taxa de juros do que tinha
antes da desvalorização cambial. E essa redução será
benéfica para reduzir os custos da própria dívida in-
terna. É bom lembrar que em 1999 essa conta se elevou

267
a R$ 127 bilhões, provocando não apenas um enorme
déficit público, como também o crescimento da própria
dívida pública, que ultrapassou os R$ 500 bilhões.

A redução da taxa de juros depende também da


inflação interna. Quanto menor for esta última, maio-
res serão as condições para reduzir a taxa de juros.

E os indicadores do primeiro bimestre mostram que


a inflação será pequena em 2000.

Se as despesas do governo se reduzirem (sem con-


siderar os juros) e as receitas aumentarem por conta
do êxito de reformas como a previdenciária, a admi-
nistrativa e a tributária, é possível que o superávit
primário seja alcançado, conforme o prometido na carta
de intenções enviada ao Fundo Monetário Internacional.

No entanto, o mais provável é que os avanços sejam


muito pequenos nessas questões. E considerando que
o governo já esticou a carga tributária ao máximo du-
rante os últimos anos, não haverá muita sobra orça-
mentária para investimentos públicos.

Todos esses elementos indicam que em 1999 atin-


gimos o fundo do poço. Aliás, já vínhamos escorre-
gando desde 1998. É provável portanto que haja uma
certa recuperação a partir do ano 2000. Mas tudo indica
também que ela será lenta e modesta, como um avião
que decola raspando na copa das árvores.

268
Encontrei minha vizinha no elevador. Pensei que
ela fosse fazer algum comentário sobre as bodas do
gato. Engano. O filho está se preparando para o ves-
tibular e ela me perguntou o que eu achava do curso
de economia...

269
Dicas

Se você ouvir falar em:

AFTER MARKET. Expressão em inglês que signi-


fica, literalmente, “depois do mercado”, consiste nas
operações realizadas pela Bolsa de Valores de São Pau-
lo (Bovespa) e as corretoras credenciadas, depois do
encerramento do pregão normal (entre 11:00 e 18:00).
Os negócios são realizados pela Internet e têm início
às 19:00, prosseguindo até as 22:00. Existem restrições
para a operação no after market: os negócios não podem
superar os R$ 50 mil por operador e as cotações não
podem variar mais de 2% para mais ou para menos
daquelas registradas no fechamento do pregão regular.
Para os dirigentes da Bolsa de Valores, o também cha-
mado Pregão Noturno tem mais o efeito de iniciação
ou de treinamento do que de uma fórmula que subs-
titua o pregão normal.

AGÊNCIAS DE CRÉDITO (RATING). São agên-


cias internacionais de avaliação de crédito que depois
de examinar a situação econômica e financeira de paí-
ses, empresas, instituições etc. aconselham seus clien-
tes a investir ou não nesses mercados, ou avisam sobre

271
o risco existente nos investimentos. As empresas de
avaliação de risco mais conhecidas são as norte-ame-
ricanas Standard & Poor’s e a Moody’s Investors Ser-
vice. Ambas rebaixaram os índices do Brasil depois
da crise asiática e da crise russa entre 1997 e 1998.

AGENDA 21. Denominação dada a um documento


assinado entre os governos de 170 países que se reu-
niram na Conferência Mundial do Meio Ambiente, rea-
lizada no Rio de Janeiro em 1992, com o objetivo de
promover o desenvolvimento sustentável no mundo
a partir do século XXI. Isso significa que cada um dos
seus signatários, dentro dos prazos definidos, adotará
um conjunto de atitudes e procedimentos incorpora-
dos às suas políticas visando melhorar a qualidade de
vida no planeta.

ÁGIO. De origem italiana, este termo foi usado an-


tigamente em Veneza para designar a diferença na
troca entre moedas depreciadas e o metal do qual eram
constituídas. Essas trocas eram efetuadas pelos bancos
de Veneza, de Hamburgo, de Gênova, de Amsterdã
e de outras cidades comerciais e financeiras; e esses
bancos fixavam o ágio em cada caso. De forma gené-
rica, o ágio significa um prêmio resultante da troca
de um valor (moedas, ações, títulos etc.) por outro.
No comércio internacional de moedas é a diferença
entre o valor nominal e o real da moeda negociada.
O ágio pode surgir também quando o preço oficial de
um produto (ou preço de tabela) está fixado num nível
muito baixo e sua compra só se concretiza se o inte-
ressado estiver disposto a pagar mais por essa tran-

272
sação. A diferença entre o preço oficial e o que o com-
prador realmente paga é considerada o ágio daquela
transação. Esse tipo de fenômeno ocorre quando há
tabelamento ou congelamento de preços, como acon-
teceu durante os planos econômicos de estabilização
no Brasil durante os anos 80 — sobretudo durante o
Plano Cruzado, em 1986, e no início dos anos 90 com
o Plano Collor. O ágio pode aparecer nesse contexto
também quando, embora não haja congelamento, exis-
te uma forte descompensação entre oferta e demanda,
como aconteceu durante os primeiros meses do Plano
Real com a aquisição de automóveis populares. Quan-
do em vez de um preço maior paga-se um preço menor
por um título, uma ação ou uma moeda, ocorre um
“deságio”.

AJUSTE FISCAL. É a ação de governo voltada para


a criação de mecanismos e políticas que reduzam ou
eliminem o déficit público. O ajuste fiscal passa ne-
cessariamente pelo aumento da receita (em geral pelo
aumento dos impostos e contribuições) e pela redução
das despesas, geralmente cortando recursos das ativi-
dades governamentais como saúde, educação, trans-
portes, pessoal etc.

BRADIES. São os títulos da dívida externa brasi-


leira. Eles foram apelidados de bradies logo após a ade-
são do Brasil ao Plano Brady em 1994 e o seu lança-
mento no mercado. O Plano Brady foi idealizado por
Nicholas Brady, ex-secretário do Tesouro dos EUA.
Ele conseguiu refinanciar vários países endividados
ao propor aos bancos credores que abrissem mão de

273
uma parte dos créditos a receber em troca de novos
títulos lastreados por papéis do Tesouro dos EUA, con-
siderados de risco zero pelo mercado. O Brasil emitiu
cerca de US$ 50 bilhões de bradies. No mercado inter-
nacional da dívida externa brasileira há oito tipos de
papéis conhecidos por nomes diferentes e que se di-
videm em várias modalidades, sendo o mais conhecido
o C-BOND (Front-Loaded Interest Reduction with Ca-
pitalization Bond).

CAPACIDADE OCIOSA. É a diferença existente


entre o volume efetivo da produção e o que seria pos-
sível produzir com a capacidade instalada. Se, por
exemplo, uma indústria de televisores possui equipa-
mentos capazes de produzir mil aparelhos por mês,
mas só fabrica oitocentos, sua capacidade ociosa é de
20%. O conceito é geralmente aplicado nas atividades
industriais, mas vale também para outros setores. Nos
países altamente industrializados, o aumento da ca-
pacidade ociosa é sintoma de recessão econômica e
de desemprego. Nos países em desenvolvimento re-
flete também um planejamento inadequado, um su-
perdimensionamento da maquinaria, escassez de ma-
térias-primas e estreiteza do mercado, ou ainda a exis-
tência de outros tipos de gargalos; pode ainda fazer
parte de manobras monopolistas visando aumentos
de preços ou a manutenção de preços altos pela con-
tração artificial da oferta.

CIMEIRA. Significa uma reunião de cúpula ou do


mais alto nível entre representantes de governos ou
de instituições políticas ou econômicas. O termo —

274
de uso corrente em Portugal — passou a ser utilizado
no Brasil a partir da Cimeira América Latina-Caribe-
União Européia, realizada no Rio de Janeiro em junho
de 1999, na qual foram discutidas várias questões re-
lacionadas com uma maior integração entre o Merco-
sul e a União Européia e uma ação conjunta dos 48
países representados nessa reunião em face da OMC
(Organização Mundial do Comércio).

COMMODITY (COMMODITIES). Em inglês, este


termo significa, literalmente, “mercadoria”. Nas rela-
ções comerciais internacionais, o termo designa um
tipo particular de mercadoria em estado bruto ou pro-
duto primário de importância comercial, como é o caso
do petróleo, da carne, do café, do chá, da lã, do algo-
dão, da juta, do estanho, do cobre etc. Alguns centros
se notabilizaram como importantes mercados desses
produtos (commodity exchange). Londres, pela tradição
colonial e comercial britânica, é um dos mais antigos
centros de compra e venda de commodities, grande par-
te das quais nem sequer passa por seu porto.

CONSENSO DE WASHINGTON. Foi a denomi-


nação dada ao conjunto de trabalhos e resultados de
reuniões de economistas do FMI (Fundo Monetário
Internacional), do Bird (Banco Internacional para a Re-
construção e o Desenvolvimento, também chamado
de Banco Mundial) e do Tesouro dos Estados Unidos
realizadas em Washington no início dos anos 90. Des-
sas reuniões surgiram recomendações dos países de-
senvolvidos para que os demais, sobretudo aqueles
em desenvolvimento, adotassem políticas de abertura

275
de seus mercados e o Estado Mínimo, isto é, um Estado
com um mínimo de atribuições (privatizando as ati-
vidades produtivas) e portanto com um mínimo de
despesas, como forma de solucionar os problemas re-
lacionados com a crise fiscal: inflação intensa, déficits
em transações correntes no Balanço de Pagamentos,
crescimento econômico insuficiente e distorções na dis-
tribuição da renda funcional e regional. O resultado
mais importante dessas políticas (pelo menos no que
se refere aos países latino-americanos) tem sido o bem-
sucedido combate à inflação durante os anos 90. Além
disso, o livre funcionamento dos mercados, com a eli-
minação de regulamentações e intervenções governa-
mentais, também tem sido uma das molas mestras des-
sas recomendações. Embora os países que seguiram
tal receituário tenham tido sucesso no combate à in-
flação, no plano social as conseqüências foram desa-
lentadoras: um misto de desemprego, recessão e baixos
salários revela a outra face dessa moeda. Na medida
em que alguns países como a China, por exemplo,
têm combinado inflação baixa com crescimento eco-
nômico acelerado, sem haver seguido a cartilha do
Consenso de Washington, alguns autores vêm criti-
cando ultimamente a rigidez dessas políticas e tentan-
do encontrar alternativas de tal forma a combinar um
vigoroso combate à inflação com o desenvolvimento
econômico e social nos países emergentes. Esta última
tendência vem sendo denominada de Pós-Consenso
de Washington.

CORE INFLATION. Trata-se de uma expressão em


inglês que significa “núcleo da inflação” e é utilizada

276
quando os índices inflacionários são expurgados de
preços de produtos ou serviços de elevada volatilida-
de, isto é, que podem sofrer grandes variações devido,
por exemplo, a fatores climáticos, como é o caso das
verduras e legumes. A core inflation tende a ser utili-
zada quando um governo estabelece metas de inflação
(target inflation) e deseja evitar que essas metas sejam
ultrapassadas por fatores acidentais relacionados com
fortes oscilações de determinados preços. Por outro
lado, essa forma de apuração da inflação permitiria
antever a inflação — sobretudo o custo de vida — a
médio e longo prazo.

CRISE DE INSOLVÊNCIA. É uma situação na qual


um país deixa de pagar suas dívidas. Isto é, encon-
tra-se impossibilitado de pagar seus compromissos ex-
ternos, tais como as amortizações da dívida externa,
as remessas dos respectivos juros, os contratos de im-
portações etc., por não dispor de moedas fortes (dó-
lares, marcos, ienes etc.) para fazê-lo. Dessa maneira,
a economia entra em crise, geralmente acompanhada
de uma forte desvalorização cambial.

DÉFICIT. Em linguagem corrente, é um excesso de


despesas em relação às receitas. Em linguagem con-
tábil, é um excesso de passivo em relação ao ativo,
isto é, as despesas e pagamentos são maiores que o
faturamento e o total de crédito. Nas finanças públicas,
fala-se em déficit orçamentário quando as despesas
são superiores à arrecadação, e em déficit da balança
comercial quando o valor total das importações é su-
perior ao total das exportações. Nas contas do governo,

277
o déficit pode ser considerado déficit primário quando
inclui todas as receitas e todas as despesas do governo
menos os juros, e déficit nominal (ou operacional)
quando são incluídas as despesas com juros das dívi-
das interna e externa do setor público.

DÉFICIT EM TRANSAÇÕES CORRENTES. É


também denominado déficit em conta corrente, e cons-
titui aquele que ocorre quando a soma das balanças
comercial, de serviços e de transferências unilaterais
do Balanço de Pagamentos mostra um resultado ne-
gativo, isto é, deficitário. Quando os jornais anunciam
um déficit no Balanço de Pagamentos, estão se refe-
rindo geralmente ao déficit em transações correntes,
e não ao resultado final desse balanço.

DERIVATIVOS. São operações financeiras cujo va-


lor de negociação deriva (daí o nome derivativos) de
outros ativos, denominados ativos-objeto, com a fina-
lidade de assumir, limitar ou transferir riscos. Abran-
gem um amplo leque de operações: a termo, futuros,
opções e swaps, tanto de commodities quanto de ativos
financeiros, como taxas de juros, cotações futuras de
índices etc. A utilização ampliada dos derivativos no
mundo todo tem gerado uma preocupação crescente
por parte dos bancos centrais, autoridades monetárias
e de supervisão bancária, dada a dificuldade de ava-
liação de sua dimensão e suas conseqüências em ter-
mos de riscos, na medida em que as atividades finan-
ceiras tornam-se cada vez mais globalizadas.

DESCENTRALIZAÇÃO DE RECURSOS E FUN-


ÇÕES. Esta expressão está ligada à divisão dos recur-

278
sos e funções entre a União, os Estados e os municípios.
A Constituição de 1967 foi centralizadora desses re-
cursos e funções em favor da União e em detrimento
de Estados e municípios, enquanto a de 1988 foi des-
centralizadora, isto é, criou dispositivos restaurando
a situação anterior a 1967. Por exemplo, a partir de
1988 algumas funções na esfera da educação e da saú-
de foram descentralizadas. Ao mesmo tempo alguns
tributos antes apropriados pela União passaram à es-
fera estadual e municipal, como, por exemplo, aqueles
sobre combustíveis, eletricidade, minérios e telecomu-
nicações. A idéia que justificaria a descentralização é
que o município ou o Estado administram melhor os
recursos destinados a serviços diretamente associados
com a vida dos cidadãos, como é o caso da saúde e
da educação.

DOW JONES. Denominação de um índice utilizado


para o acompanhamento da evolução dos negócios na
Bolsa de Valores de Nova York. Seu cálculo é feito a
partir de uma média das cotações entre as trinta em-
presas industriais de maior importância, as vinte com-
panhias ferroviárias mais destacadas e as quinze maio-
res empresas concessionárias de serviços públicos. A
elevação ou queda desse índice repercute em toda a
economia norte-americana e, portanto, no mundo in-
teiro, sinalizando um momento de prosperidade ou
de desaquecimento, e provocando movimentos seme-
lhantes em outras Bolsas de Valores como, por exem-
plo, a de São Paulo.

EFEITO GREENSPAN. Originado do sobrenome


do presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos

279
(o Banco Central norte-americano), é o efeito de queda
nas Bolsas de Valores quando Alan Greenspan anuncia
elevações das taxas de juros para desaquecer a eco-
nomia e segurar eventuais surtos inflacionários.

EFEITO RIQUEZA. Denominação dada ao compor-


tamento dos consumidores nos Estados Unidos, os
quais, verificando uma elevação contínua de suas ações
nas Bolsas de Valores causada pelo aumento da pro-
dutividade e dos lucros, sentem-se mais ricos e ex-
pandem seu nível de consumo, contribuindo para um
ulterior crescimento dos lucros, que sustenta a eleva-
ção das cotações das ações nas Bolsas de Valores e
assim sucessivamente.

FUNDO SOCIAL DE EMERGÊNCIA. É um fundo


aprovado em 23/2/1994 pelo Congresso para vigorar
inicialmente em 1994 e 1995. Em 1995 foi prorrogado
por mais 18 meses, vigorando portanto até junho de
1997. Em 1997 foi prorrogado outra vez até o final de
1998. Seu objetivo é financiar projetos da área social
considerados prioritários pelo governo. Os recursos
do fundo se originam na retenção de uma parcela das
seguintes receitas federais: a) 20% dos gastos consti-
tucionais com educação; b) 20% da arrecadação da
CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações
Financeiras), parcela esta destinada a programas de
habitação popular; c) adicional de 3% sobre o lucro
dos bancos; d) PIS dos bancos, isto é, 0,75% sobre sua
receita operacional bruta; e) Imposto de Renda do fun-
cionalismo público (agora exclusivamente destinado
ao FSE). Na realidade, a finalidade do FSE foi desblo-

280
quear recursos que antes tinham destinação mais
amarrada (dinheiro carimbado) do que atualmente.
Com o FSE, o governo federal ganhou flexibilidade
para realizar suas despesas, tendo sido arrecadados
quase R$ 20 bilhões em 1998. Na ausência do FSE,
pode ocorrer uma situação paradoxal: o governo tem
dinheiro em caixa, mas como se trata de dinheiro
“carimbado” (com destinação predeterminada), não
po-de utilizá-lo para outro fim, dificultando a exe-
cução orçamentária e o desenvolvimento das funções
governamentais.

GRUPO DE CAIRNS. É um grupo formado em


1986, na cidade australiana do mesmo nome, por quin-
ze países exportadores de produtos agrícolas, com o
objetivo de colocar na agenda de discussões do Gatt
(General Agreement on Trade and Tariffs), e poste-
riormente na OMC (Organização Mundial do Comér-
cio), a liberalização do comércio multilateral de pro-
dutos agrícolas. Esse grupo teve grande importância
na Rodada Uruguai do Gatt e posteriormente na OMC
nas medidas adotadas de liberalização do comércio.
Os países que fazem parte desse grupo são: Argentina,
Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Ilhas Fiji,
Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Filipi-
nas, África do Sul, Tailândia e Uruguai.

GRUPO DOS SETE. Também conhecido pela abre-


viatura G-7, é o grupo internacional formado pelos
dirigentes das sete mais importantes potências econô-
micas, e que se reúnem anualmente para coordenar a
política econômica, monetária e financeira mundial.

281
Compreende a Alemanha, Japão, Itália, França, Grã-
Bretanha, Canadá e Estados Unidos. Devido à impor-
tância política e militar da Rússia, esta vem sendo con-
vidada a participar das reuniões, dando lugar à de-
nominação G-7+1, que passou a denominar-se Grupo
dos Oito. Quando o Grupo dos Sete se reúne sem a
presença da Itália e do Canadá, passa a denominar-se
Grupo dos Cinco ou G-5.

GRUPO DOS VINTE. É a denominação dada ao


grupo formado pelo G-7 (Estados Unidos, Alemanha,
França, Japão, Canadá, Itália e Grã-Bretanha), mais
Brasil, Argentina, Austrália, China, Índia, Indonésia,
Coréia do Sul, México, Arábia Saudita, África do Sul,
Turquia, Rússia e também o FMI. A primeira reunião
do grupo ocorreu no final de 1999 em Berlim, na Ale-
manha. Trata-se de um grupo informal criado para
discutir a situação de países emergentes no sentido
de estabelecer políticas para que as crises regionais
não se alastrem atingindo o mundo como um todo.

ÍNDICE BIG MAC. É um indicador do poder de


compra das principais moedas mundiais, baseado
no preço do sanduíche produzido pelas lojas McDo-
nald’s com as mesmas matérias-primas e vendido pra-
ticamente em todo o mundo. Criado pela revista The
Economist, de Londres, suas variações mensais podem
refletir alterações de custos e aumentos ou perdas de
eficiência em cada economia na produção dos com-
ponentes que entram na produção desse sanduíche.
A União dos Bancos Suíços tem uma versão do índice
relacionada com o poder de compra, comparando

282
quanto tempo de trabalho necessita o assalariado mé-
dio para comprar um Big Mac. Em 1997 os pontos
extremos eram: duas horas para o caso de um assa-
lariado em Caracas (Venezuela), e nove minutos para
um trabalhador em Tóquio (Japão).

ÍNDICE BOVESPA. Também denominado Iboves-


pa (Índice da Bolsa de Valores de São Paulo), é o nú-
mero que exprime a variação média diária dos valores
das negociações, na Bolsa de Valores de São Paulo,
de uma carteira de ações de cerca de cem empresas
selecionadas. O crescimento ou diminuição desse nú-
mero — que é expresso em unidades chamadas “pon-
tos” — representa a tendência geral dos preços das
ações negociadas na Bolsa. Os critérios para a escolha
das ações que compõem a carteira se baseiam sobre-
tudo na participação delas no volume de negócios e
em sua presença nos pregões. Quando alcança núme-
ros muito elevados (50 mil pontos), o índice é ajustado
para um número-base (cem pontos), para facilitar os
cálculos.

JUROS SUBVENCIONADOS. É a denominação


dada a uma taxa de juros cobrada por uma dívida
quando esta é inferior às taxas praticadas no mercado.
Quando isso acontece, o credor está subvencionando
o devedor. Essa ajuda pode estar relacionada com vá-
rias razões: ou porque o credor reconhece que o de-
vedor encontra-se em situação difícil e essa é a única
forma de a dívida ser paga, ou porque as taxas de
juros de mercado estão artificialmente e/ou tempora-
riamente elevadas, ou mesmo porque interessa ao cre-

283
dor que o devedor desenvolva atividades considera-
das prioritárias mas de baixa lucratividade.

JUST IN TIME (JIT). É também denominado Sis-


tema de Produção Toyota, ou Sistema Kanban, e tam-
bém traduzido como “Produção Apenas-a-Tempo”.
Trata-se de um sistema de controle de estoques de-
senvolvido pela Toyota, no qual as partes e compo-
nentes são produzidos e entregues nas diferentes se-
ções um pouco antes de ser utilizadas. A definição
mais sintética desse sistema seria “a peça certa, no
lugar certo, no momento certo”. Esse sistema torna os
estoques mínimos e os fluxos máximos dentro e fora
das empresas.

LEI KANDIR. É uma lei que, desde o seu nasci-


mento em 1996, provocou grande controvérsia. Leva
o nome do ex-ministro do Planejamento e atual de-
putado federal pelo PSDB de S. Paulo, Antônio Kandir.
Sua finalidade era incentivar as exportações retirando
dos respectivos produtos tributos como o ICMS. Os
exportadores foram incentivados, mas os governos es-
taduais sentiram suas finanças afetadas e buscaram
compensações. Esta lei foi aprovada, entre outras coi-
sas, para que o governo não precisasse desvalorizar
o real naquele momento para estimular os exportado-
res. Com a enorme desvalorização do real no início
de janeiro de 1999, os exportadores não necessitam
mais de incentivos fiscais e, portanto, a Lei Kandir
poderá ser revista.

MOODY’S INVESTORS SERVICE. É uma empre-


sa norte-americana especializada em avaliação de risco

284
e em aconselhamento para investidores, subsidiária da
Dun & Bradstreet Inc., que pública informes financei-
ros — Moody’s Bond Rating — analisando a situação
de títulos vendidos ao público. As qualificações das
ações e títulos emitidos por corporações variam de
Aaa (mais alta qualidade) a Caa (qualidade mais bai-
xa); os títulos classificados como Baa para cima são
aqueles considerados adequados para investimento.

MORATÓRIA. É uma declaração unilateral do de-


vedor anunciando que não pagará uma dívida nos
prazos, taxas de juros e demais condições estipuladas
nos contratos. Trata-se de medida extrema que em ge-
ral bloqueia novos empréstimos externos para o país
que toma atitude semelhante. Ou melhor, os fluxos
financeiros internacionais se reduzem drasticamente
em relação ao país que declara a moratória. Logo de-
pois do Plano Cruzado, em 1987, o governo Sarney
defrontou-se com a impossibilidade de honrar seus
compromissos externos (pagar sua dívida externa) e
declarou a moratória. O crédito externo brasileiro pra-
ticamente desapareceu e a recuperação ocorreu apenas
a partir de 1993.

NASDAQ. Iniciais de National Association for Se-


curity Dealers Active Quotations, que é um sistema
de informações computadorizadas que abastece cor-
retores em todos os Estados Unidos com as cotações
de preços transformados em índice de um grande nú-
mero de ações. Inclui tanto títulos negociados nas Bol-
sas de Valores de Nova York como aqueles transacio-
nados over-the-counter, isto é, títulos de empresas não

285
listadas ou não registradas nas Bolsas de Valores. O
Nasdaq é o principal meio de transações over-the-coun-
ter nos Estados Unidos. Como inclui ações de empresas
que atuam via Internet, sua variação é bem maior do
que o índice Dow Jones.

NEOLIBERALISMO. Doutrina político-econômica


que representa uma tentativa de adaptar os princípios
do liberalismo econômico às condições do capitalismo
moderno. Estruturou-se no final da década de 30 por
meio das obras do norte-americano Walter Lippmann,
dos franceses Maurice Allais, Jacques Rueff e L. Baudin
e dos alemães Walter Eucken, W. Röpke, A. Rüstow.
Como a escola liberal clássica, os neoliberais acreditam
que a vida econômica é regida por uma ordem natural
formada a partir das livres decisões individuais e cuja
mola mestra é o mecanismo dos preços. Entretanto,
defendem o disciplinamento da economia de mercado,
não para asfixiá-la, mas para garantir-lhe sobrevivên-
cia, pois, ao contrário dos antigos liberais, não acre-
ditam na autodisciplina espontânea do sistema. Assim,
por exemplo, para que o mecanismo de preços exista
ou se torne possível, é imprescindível assegurar a es-
tabilidade financeira e monetária: sem isso, o movi-
mento dos preços tornar-se-ia viciado. O disciplina-
mento da ordem econômica seria feito pelo Estado,
para combater os excessos da livre-concorrência, e pela
criação dos chamados mercados concorrenciais, do
tipo do Mercado Comum Europeu. Alguns adeptos
do neoliberalismo pregam a defesa da pequena em-
presa e o combate aos grandes monopólios, na linha
das leis antitrustes dos Estados Unidos. No plano so-

286
cial, o neoliberalismo defende a limitação da herança
e das grandes fortunas e o estabelecimento de condi-
ções de igualdade que possibilitem a concorrência.
Atualmente, o termo vem sendo aplicado àqueles que
defendem a livre atuação das forças de mercado, o
término do intervencionismo do Estado, a privatização
das empresas estatais e inclusive de alguns serviços
públicos essenciais, a abertura da economia e sua in-
tegração mais intensa no mercado mundial.

OMC. São as iniciais de Organização Mundial do


Comércio, organismo que substituiu o Gatt (General
Agreement on Trade and Tariffs, Acordo Geral sobre
Comércio e Tarifas), que esgotou suas atividades de
acordo provisório na reunião de Marrakesh (Marro-
cos), onde 97 países assinaram um acordo para a sua
constituição a partir de 1995. À diferença do Gatt, a
OMC terá caráter permanente, tendo entrado em fun-
cionamento em 1999. A OMC é o foro onde são tra-
tados e decididos assuntos relacionados ao comércio
de mercadorias e serviços entre os países que com-
põem este organismo. Embora sejam partícipes apenas
representações de governos, países como os Estados
Unidos admitem a presença do setor produtivo pri-
vado e de representantes dos trabalhadores em suas
missões oficiais. Nos dias 1º e 2 de dezembro de 1999
realizou-se em Seattle, nos Estados Unidos, a Rodada
do Milênio da OMC, que se estenderá até 2002, com
o objetivo de revisar o Gatt 95.

OPÇÃO. Significa um direito negociável de compra


de mercadorias ou títulos, ações etc., com pagamento

287
em data futura e preços predeterminados. A opção é
largamente utilizada no mercado de commodities (café,
açúcar, cacau, soja etc.) e no mercado futuro de ações.
Nas operações de câmbio, a opção decorre do acordo
entre as partes — operadores e banco ou financeiras
—, em termos contratuais, pelo qual uma delas fica
com o direito de escolha do dia que mais lhe convier
para fazer a entrega e a liquidação do câmbio dentro
dos dispositivos estabelecidos no contrato.

PIB. Sigla constituída pelas iniciais de Produto In-


terno Bruto, é a soma dos valores de todos os bens e
serviços produzidos num determinado país durante
um ano. É por meio do aumento ou diminuição do
PIB que se conhece a situação de uma economia, isto
é, se houve ou não crescimento em determinado ano.
O resultado final é dado em termos absolutos (tantos
bilhões de dólares, por exemplo) ou relativos, quando
aparece uma porcentagem de crescimento (ou de de-
créscimo) em relação ao ano anterior.

PRIVATIZAÇÃO. Este termo tem origem no fato


de tanto a União como Estados e municípios serem
acionistas majoritários de empresas denominadas em-
presas estatais. A partir de 1991 o governo federal ini-
ciou um agressivo programa de venda das ações e do
controle acionário dessas empresas, passando para o
setor privado da economia uma série delas, como, por
exemplo, as siderúrgicas, a Vale do Rio Doce, as do
setor energético, as de telecomunicações e algumas em-
presas do setor financeiro. A intenção era utilizar tais
recursos no abatimento da dívida interna. Mas não

288
apenas esses recursos foram insuficientes, dado o in-
tenso crescimento da dívida interna a partir daquela
data, como também não entraram nos cofres públicos
no tempo certo para tal abatimento.

RECEITA FISCAL. Receita obtida por um governo


mediante a cobrança de impostos.

RENÚNCIA FISCAL. Iniciativa governamental de


renúncia à cobrança de impostos de atividades que se
deseja estimular, proteger ou atrair durante um de-
terminado período. A renúncia fiscal pode ser com-
plementada pela concessão de juros subsidiados às
empresas ou atividades que se deseja atrair.

RODADA DO MILÊNIO. Denominação dada ao


conjunto de sessões da OMC (Organização Mundial
do Comércio) levadas a cabo em dezembro de 1999
em Seattle, nos Estados Unidos, visando obter acordos
sobre uma série de problemas pendentes do comércio
internacional. Existe uma impressão generalizada de
que esta reunião não alcançou seu objetivo, tendo sido
considerada por muitos participantes um fracasso.

SECURITIZAÇÃO. Este termo origina-se da pala-


vra inglesa security, que significa o processo de trans-
formação de uma dívida com determinado banco cre-
dor em dívida com compradores de títulos emitidos
por esse banco. Na realidade, trata-se da conversão
de empréstimos bancários e outros ativos em títulos
(securities) para a venda a investidores que passam a
ser os novos credores dessa dívida. Tem sido a forma

289
que países com elevadas dívidas externas encontraram
para renegociá-las. Por exemplo, a dívida externa bra-
sileira com determinados bancos privados estrangeiros
foi securitizada, isto é, esses bancos venderam títulos
baseados nessa dívida para tomadores que compram
estes títulos — evidentemente com deságio — e pas-
saram a ser os novos credores dessa parte da dívida
externa brasileira.

STANDARD & POOR’S. É uma empresa de con-


sultoria de investimentos (classificação de créditos),
subsidiária da McGraw Hill, controladora da revista
Business Week, que fornece indicadores, coeficientes etc.
sobre ações, títulos, securities para os investidores por
intermédio do Standard & Poor’s Bond Rating. A em-
presa também realiza a compilação de índices do mer-
cado, dos quais o mais importante é o Standard &
Poor’s Index das quinhentas maiores empresas indus-
triais dos Estados Unidos. Em conjunto com a Moody’s
Investors Service, é a mais importante empresa de con-
sultoria para investidores dos Estados Unidos.

STOP-GO. Expressão em inglês que significa, lite-


ralmente, “parar e prosseguir”, mas que consiste numa
política econômica de fomento ao crescimento da eco-
nomia sem que ela atravesse grandes turbulências de
crises pronunciadas ou taxas de crescimento exagera-
das. Isto é, busca-se o crescimento num ritmo mais
lento, mas com menores oscilações. O primeiro termo,
stop, significa o momento em que o Banco Central ou
a Reserva Federal, nos EUA, provocam uma elevação
das taxas de juros, inibindo o investimento e o con-

290
sumo e cortando o ritmo de crescimento da economia.
O segundo termo, go, significa o momento em que o
Banco Central ou a Reserva Federal fazem exatamente
o oposto, isto é, promovem uma redução das taxas
de juros, estimulando os investimentos e o consumo
e fazendo com que a economia retome seu ritmo de
crescimento.

TAXA DE JUROS REAL. É a taxa de juros corrente


ou nominal da qual foi descontada a inflação.

TAXA DE JUROS SELIC. Selic são as iniciais de


Sistema Especial de Liquidação e Custódia e significa
que as taxas de juros cobradas por esse organismo
são as taxas básicas do sistema financeiro brasileiro,
uma vez que são garantidas por títulos da dívida pú-
blica federal.

TESOURO NACIONAL. Secretaria do Ministério


da Fazenda que centraliza a administração dos negó-
cios financeiros da União, especialmente no que se
refere às receitas e despesas públicas. Tem jurisdição
em todo o território nacional e é representado, em
cada Estado, por uma delegacia fiscal que executa os
serviços fazendários. Ao Tesouro Nacional compete
centralizar as receitas e realizar as despesas governa-
mentais. As relações financeiras de receitas e despesas
entre a União e Estados e municípios são administra-
das por intermédio do Tesouro Nacional.

291
Sobre o Autor

Paulo Sandroni nasceu em 1939, em São Paulo, ca-


pital. Formou-se em Economia pela Faculdade de Eco-
nomia e Administração da Universidade de São Paulo
em 1964. Entre 1965 e 1969 lecionou na Faculdade de
Economia da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Rio Claro (SP). A partir de 1970 trabalhou na Uni-
versidade do Chile e na Universidade de Los Andes,
na Colômbia. É autor de Questão Agrária e Campesinato:
a Funcionalidade da Pequena Produção Mercantil; Intro-
dução à Economia: Mercantilistas, Smith, Ricardo e Marx
em Sala de Aula; Balanço de Pagamentos e Dívida Externa;
Novo Dicionário de Economia (Prêmio Jabuti 1995); No-
víssimo Dicionário de Economia; e, em colaboração com
Luís Alberto Marão Sandroni, de Karoshi: o Jogo da Qua-
lidade. Participou da equipe de consultores da coleção
de livros Os Economistas, tendo traduzido para o por-
tuguês a obra Princípios de Economia Política e Tributa-
ção, de David Ricardo. Foi presidente da CMTC (Com-
panhia Municipal de Transportes Coletivos) entre 1990
e 1992, e secretário adjunto da SAF (Secretaria de Ad-
ministração Federal), em 1993. É professor da Facul-
dade de Economia e Administração da Pontifícia Uni-

293
versidade Católica de São Paulo e da Escola de Ad-
ministração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas
de São Paulo.

294
Bibliografia

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