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Por que jovens negros que moram em favelas ou na periferia das grandes cidades brasileiras correm maior risco de
serem assassinados? Fatores como incremento do tráfico de armas de fogo, rentabilidade do comércio de drogas,
corrupção, violência policial, ausência do poder público, cultura machista e falta de perspectiva de acesso aos bens de
consumo são algumas explicações. Poucas iniciativas governamentais têm surgido no sentido de associar políticas
sociais preventivas a políticas de controle e modernização das polícias. As boas perspectivas ficam por conta da
aprovação do Estatuto do Desarmamento e das ações de jovens que buscam criar uma cultura alternativa ao tráfico em
áreas violentas.
Silvia Ramos e Julita Lemgruber1 A pequena queda observada entre os anos de Verificam-se importantes diferenças en-
1990 e 1992 é atribuída a um problema no tre os estados brasileiros no que se refere a
O Brasil não está em guerra, mas nossas ta- registro dos dados (Soares, 1999). Nesses taxas de homicídio. Os índices vão de 8,4
xas de mortes violentas nos principais cen- anos, teria havido um grande acréscimo de mortes por 100 mil habitantes, em Santa
tros urbanos superam as de países que vivem registros de “mortes por armas de fogo e Catarina, a 58,5 por 100 mil habitantes, em
conflitos armados. Análises comparativas intencionalidade desconhecida” que não fo- Pernambuco, o único estado que tem taxas
com países em guerra ou em situação de ram contabilizados como homicídios, concen- concorrentes com as do Rio de Janeiro, com
conflito intenso concluíram que na cidade tradamente no Rio de Janeiro. 50,5 homicídios por 100 mil habitantes (Grá-
do Rio de Janeiro, tomados os mesmos O Brasil passou de 11,7 para 27,8 ho- fico 2). É importante observar, contudo, que
períodos, morreram mais pessoas vítimas micídios por 100 mil habitantes, respectiva- a fragilidade dos dados com os quais se
de armas de fogo do que nos combates ar- mente nos anos de 1980 e 2001. Países da trabalha na área da criminalidade implica sé-
mados em Angola (1998–2000); Serra Leoa Europa Ocidental têm taxas inferiores a três rias limitações para a análise. Problemas de
(1991–1999); Iugoslávia (1998–2000); mortes por 100 mil habitantes. Os Estados confiabilidade dos dados – alguns estados
Afeganistão (1991–1999). Em todos esses Unidos encontram-se na faixa de cinco a produzem informações mais qualificadas que
conflitos, jovens são as principais vítimas. seis mortes por 100 mil habitantes, e nossa outros – sugerem que qualquer avaliação
No município do Rio de Janeiro, 3.937 ado- vizinha Argentina tem índices semelhantes definitiva sobre violência letal em cada esta-
lescentes morreram por ferimentos causa- aos dos estadunidenses. do da Federação deve ser considerada com
dos por balas entre dezembro de 1987 e
novembro de 2001. No mesmo período, nos
combates entre Israel e Palestina, 467 ado- Gráfico 1 – Homicídios no Brasil: números absolutos e taxas por 100 mil habitantes
lescentes morreram como resultado da ação de 1980 a 2001
de armas de fogo (Dowdney, 2003).
Em 2001, no Brasil, mais de 47 mil pesso-
60.000 27,8 30
as foram assassinadas. Entre os anos de 1980
e 2001, houve 646.158 homicídios dolosos 50.000 47.899 25
22,2
no país, o que equivale a mais de 30 mil as-
sassinatos por ano. Como se pode observar 40.000 20
31.989
no Gráfico 1,2 a curva de homicídios cresce,
30.000 11,7 15
sistematicamente, ao longo de duas décadas.
20.000 13.910 10
10.000 5
1 Silvia Ramos e Julita Lemgruber são, respectivamente, 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
coordenadora e diretora do Centro de Estudos de
Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade
Candido Mendes. Nº absoluto Taxa por 100 mil habitantes
Gráfico 4 – Porcentagem dos homicídios no total de mortes segundo cor e idade no Brasil – 1997 a 2000
AISP 17
AISPs 16 e 22
AISP 9
AISP 14
AISP 3
AISPs 1, 5, 13
AISP 27
AISP 39
AISP 18 AISP 2
AISPs 4 e 6
4,7 a 10 AISP 19
mais de 10 a 25 AISP 31
AISP 23
mais de 25 a 40
mais de 40 a 60
mais de 60 a 84
desconsiderada
Fonte: Musumeci (2004), com dados do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro e IPP (estimativas populacionais 2002).
processo de mobilização de jovens de favelas e Juntamente com o fenômeno de criação SOARES, Gláucio Ary Dillon; BORGES, Doriam. A cor da
morte. Ciência Hoje, out. 2004.
bairros de periferia. São projetos, programas das “ONGs locais”, identificado por analistas (ver
______. Homicídios no Brasil: dados em busca de uma
ou iniciativas locais baseados em ações cultu- Pandolfi e Grynzspan, 2003), esses projetos e teoria. Buenos Aires: Clacso, 1999.
rais e artísticas, freqüentemente desenvolvidos iniciativas – heterogêneos e não articulados en- SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de general :
e coordenados por jovens. Exemplos dessas tre si, mas que crescem consistentemente em quinhentos dias no front da segurança pública do Rio
de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
iniciativas são o grupo Olodum, em Salvador, favelas de várias cidades do país – vêm se tor-
______. Pacto pela paz: o consenso possível. 2003.
o Afro Reggae, o Nós do Morro e a Cia. Étnica nando importantes, não só como pólos de cons- Disponível em: <www.luizeduardosoares.com.br>.
de Dança, no Rio de Janeiro, além de centenas trução de uma cultura alternativa ao tráfico, mas WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência III: os
de agrupamentos locais (“posses”) mobiliza- como mediadores entre a juventude das fave- jovens no Brasil. Brasília: Unesco, 2002.