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Porto Alegre
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Porto Alegre
2007
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Aprovado em____de______________de______.
BANCA EXAMINADORA
A Pluralidade Humana
Hannah Arendt
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
The present work’s theme is the inclusion of pawn broking in the financial
strategies of the individuals in the new credit-market context. Pawn broking is one of
the most antique forms of loaning. Currently, this credit service is being offered by the
federal savings bank and has been appointed as one of the most attractive
alternatives to the population, due to its low interest rates.
Along with the implementation of inclusion public policies, based on the
access to credit, there is a growing dispute among banks, loan offices, credit unions,
etc, in order to win over the low income clients. Even thus, pawn broking is still able
to compete as credit form due to its characteristics that differentiates it from other
financial products in the market. “Gír to pawn” is a practice that holds both economic
and symbolic specificities compared to the new forms of credit offered in the market.
In addition, in the pawn shop, the transactions involve objects, the jewelry, that are
not just things, they “hold memory”, they are a part of people’s life stories
(STALLYBRASS, 2000). Through an ethnographic study, in Porto Alegre city,
throughout the year of 2007, this investigation looked forward to identifying the social
relations involved in the search of access to credit through pawn, and to comprehend
the meaning that pawn brokers give to credit raised through financial mechanisms.
The study about pawn broking should contribute to a better comprehension of
the symbolic dimension of the incorporation of politic processes (and its effects) on
the low income population in the financial and consumer market.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14
METODOLOGIA .......................................................................................................16
CONCLUSÃO ...........................................................................................................66
REFERÊNCIAS.........................................................................................................69
ANEXOS ...................................................................................................................75
ANEXO A - 1º Roteiro de entrevista e observação para o penhor...................76
ANEXO B - 2º Roteiro de entrevista e observação para funcionários do
penhor...................................................................................................................80
ANEXO C - 3º Roteiro de observação para o penhor........................................81
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INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
mais o arranjo nativo (mas que parte dele, leva-o em conta, foi suscitado
por ele) nem aquele com o qual o pesquisador iniciou a pesquisa. Este
novo arranjo carrega as marcas de ambos: mais geral do que a explicação
nativa, presa às particularidades de seu contexto, pode ser aplicada a
outras ocorrências; no entanto, é mais denso que o esquema teórico inicial
do pesquisador, pois tem agora como referente o "concreto vivido".
1 O ESTUDO DO PENHOR
Os dados levantados pelo Banco Central mostram que entre 2005 e 2006 o
crédito expandiu de 20,7%, atingindo R$ 732,835 bilhões, equivalente a 34,3% do
Produto Interno Bruto (PIB). Os principais agentes apontados como responsáveis
por essa expansão foram o crédito consignado e as pequenas e médias empresas.
Há uma expectativa de que esse crescimento seja maior no ano de 2007:
Previdência Social, de maio de 2004 até agosto deste ano, 8,4 milhões de
pessoas recorreram aos empréstimos e os recursos liberados totalizaram
R$ 27,3 bilhões.
Somente em agosto, o valor de empréstimos foi de R$ 904,1 milhões.
Segundo a assessoria do Ministério, a taxa de juros para empréstimo com
desconto em folha na rede bancária chega até a 2,64% ao mês ou 36,66%
ao ano. A taxa é definida a cada dois meses pelo Conselho Nacional da
Previdência Social (CNPS).
Do total de empréstimos, estão ativos cerca de 13 milhões de operações,
no valor de R$ 21,1 bilhões. O total de empréstimos quitados é de quase
5,3 milhões, o equivalente a R$ 1,9 bilhão. O restante refere-se a
empréstimos cancelados ou liquidados, o que pode ocorrer quando o
segurado decide fazer um novo empréstimo antes de encerrar o primeiro
(REBELO, Jornal Agência Brasil, 2007).
Para realizar a avaliação das jóias, todos os avaliadores devem possuir curso
superior nas áreas financeira e matemática. Mas, para trabalhar nesse setor também
é necessário saber química, gemologia, etc. Segundo um dos avaliadores, que tive a
oportunidade de entrevistar, o teste do ácido junto com a pedra revela os “diversos
tipos” de ouro. São pingadas algumas gotas de ácido no metal e a jóia é raspada na
pedra para se ver a velocidade da reação. Quanto mais rápida ela for, menor será o
valor. Quanto mais devagar, mais o ouro vale.
2.1 Leilões
Para compreender melhor o funcionamento dos leilões das jóias que não
foram resgatadas, analisei as informações contidas nos editais. O leilão é uma forma
de “licitação”, para venda de jóias recebidas em garantia de empréstimo. As jóias
são dispostas em lotes numerados, conforme o catálogo. A exposição das jóias é
feita em um dia e os lances são feitos em outro. Os lances são dados nos horários
de atendimento ao público, nas salas de auto-atendimento, em qualquer Agência da
CAIXA ou, na sua impossibilidade, apresentados em formulário fornecido pela
CAIXA no local da licitação. O licitante poderá oferecer lances para todos os lotes
constantes do Catálogo de Licitação de Jóias, inclusive para os lotes que não
estejam expostos.
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retiram suas jóias. E é o momento que a gente tem mais trabalho, pois
muita gente vem resgatar as jóias.
Para quem quer dinheiro rápido a juros baixos, o penhor da Caixa é uma
opção valiosa.
Quem tem jóia em casa, tem dinheiro na Caixa. Crédito rápido, fácil e sem
burocracia.
Penhor é um negócio precioso.
instituição, em todo o Brasil, nos meses anteriores. Entre os dados fornecidos pela
instituição estão:
Mulheres 81,4%
Na faixa etária dos 30 aos 49 anos 46,3%
Donas de Casa 21,1%
Autônomo ou tem seu negócio próprio 23,8%
Funcionário dos setores público e privado 26,4%
Aposentados 18,5%
Tem renda média mensal familiar entre cinco e vinte salários 51,7%
mínimos
Tem renda média mensal familiar superior a vinte salários mínimos 4,7%
Nível de escolaridade (Ensino Superior) 32,4%
Nível de escolaridade (Ensino Médio) 49,1%
Nível de escolaridade (Somente Ensino Fundamental) 14,1%
Já utilizou esse tipo de empréstimo mais de uma vez 78%
Fonte: Caixa Econômica Federal (2006)
2.2.1 Gênero
Em seu estudo sobre famílias de classe popular, SARTI (2003) propõe que se
compreenda a família como uma instituição moral. A autora aponta para o fato de
que os homens provedores de famílias pobres sentem-se responsáveis pelos
rendimentos domésticos. Em contrapartida, as mulheres, como donas-de-casa,
administram os ganhos dos maridos, mesmo que esses sejam de pequena monta,
fazendo que o dinheiro dê para pagar os gastos com alimentação (prioridade
fundamental) e controlando as despesas da família. A autora mostra que, no seio
familiar, a obrigação mútua se estabelece através dos papéis que cada um
desempenha. Portanto, é de se supor que as mulheres, responsáveis por administrar
os rendimentos familiares, venham incorporando, na lógica do orçamento doméstico,
diferentes produtos financeiros, como cartões de crédito, cheques, carnês, etc.
Assim, utilizando esses produtos mais do que os homens.
Também podemos ver no quadro acima, que as pessoas que buscam esse
tipo de empréstimo conhecido como penhor, se concentram na faixa etária entre 30
aos 49 anos. Esse dado é um indicativo de que essas pessoas, dessa faixa etária, já
constituíram famílias e conseguiram adquirir algum patrimônio.
No quadro acima, o público se distribui de forma equilibrada entre as
ocupações de donas de casa (21,1%), autônomo/com negócio próprio (13,8%),
funcionário dos setores público e privado (26,4%) e aposentados (18,5%). Em
relação ao dado sobre a freqüência ao utilizar o penhor (78%), podemos supor que
existe uma “cultura” própria do público indicado acima.
Em minhas observações pude ver que penhor possui um atendimento
“informal”, mesmo com toda a formalidade da atividade bancária. As pessoas
chegam no setor de penhor e vão diretamente cumprimentar os caixas, chamando-
os pelo primeiro nome. Nesse instante, ocorria sempre uma pequena conversa de
descontração. Às vezes, um que outro cliente opta por ceder sua vez na ordem de
atendimento porque quer ser atendido por um funcionário específico. Um dos
avaliadores me relatou que a maioria do público é sempre o mesmo. Muitas vezes
as pessoas falam sobre seus problemas de família, puxam conversa durante a
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Pelos dados da CAIXA pode-se verificar que a maior parte do público que
utiliza o penhor pertence à classe média ou alta, tendo renda média mensal familiar
entre cinco e vinte salários mínimos (51,7%). Seria interessante tentar responder por
que razão essa classe social está buscando crédito, e em relação às outras classes
sociais, o que este fenômeno no penhor pode nos dizer? Que tipos de motivos
levam as pessoas a usar o penhor? E em que tipo de estratégia econômica o penhor
se insere?
Motivos Descrição
Imprevistos Desemprego, divórcio, doença, morte e roubo.
Independência O penhor pode servir como uma alternativa para pessoas que não
querem prestar satisfação de seus atos financeiros, para os
familiares (cônjuges, pais, filhos, etc.).
Alternativa para não O penhor pode servir como uma alternativa para que pessoas não
utilizar outros utilizem investimentos que se destinem a projetos futuros, como por
investimentos exemplo, poupança para a compra da casa própria, de um carro,
estudo dos filhos.
Diminuir o custo das O penhor pode servir como uma alternativa para as pessoas
dívidas conseguirem dinheiro para saldar dívidas adquiridas através do
cartão de crédito, do cheque especial, etc., diminuindo, assim, o
montante de juros a serem pagos.
Segurança O penhor pode servir como uma alternativa para pessoas guardarem
suas jóias, em vez de mantê-las em casa ou pagarem um cofre em
um banco.
“Quebra-Galho” O penhor pode servir como uma alternativa para cobrir os custos de
eventos especiais, como por exemplo, o aniversário do filho, viagens,
etc.
Dar utilidade às jóias Ao tomar as jóias como garantia de empréstimo, o penhor permite
que as pessoas tornem úteis as jóias que não são mais utilizadas
como peças de adorno pessoal e/ou ostentação.
Investimento no mercado O penhor serve como uma alternativa de lucro, através da compra de
de jóias jóias a baixos preços nos leilões do penhor e revenda das mesmas a
consumidores, através do uso do ouro das jóias antigas para a
confecção de novas jóias, com modelo atualizado.
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Os quadros foram elaborados conforme a descrição e classificação das situações pelos próprios
entrevistados
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A vantagem do penhor é quando tem que pagar uma conta. Não vale a
pena abrir outra forma de empréstimo. Eu sou aposentado, “e quando a
coisa aperta”, venho no penhor. Eu utilizo o penhor para resolver coisas
rápidas.
O único problema nesse negócio é o valor do carro usado, que acaba ficando
mais baixo, além disso, o dinheiro que o consumidor recebe de troco é apenas o
dinheiro que ele irá pagar com juros por ter antecipado o acesso. A troca com troco é
um bom negócio para quem tem necessidade momentânea de saldar alguma dívida.
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que dê conta de imprevistos, embora elas sejam possam ser justamente uma
alternativa ao uso das financeiras, em função de seus juros altos. Em seu
depoimento, uma cliente do penhor explica os motivos que a levaram a buscar esse
recurso:
Quando a gente passa na rua e eles vêem que a gente tem cabelo branco,
vem com aquele monte de panfletos para dar para a gente. Mas nenhuma
financeira foge à regra, todas elas têm o juro muito alto. Triste da pessoa
que pede empréstimo nestas financeiras. Eu tenho um caso de família: o
meu genro fez um empréstimo e depois fez outro para cobrir o primeiro
empréstimo, mas como não conseguiu pagar, ele se “atocaiou” em um
terceiro para tentar liquidar a dívida. Eu sei que ele está com uma dívida
muito alta e não conseguiu liquidar nenhum dos empréstimos. Eu vejo as
pessoas se arrependerem amargamente.
2.2.7 “Quebra-galho”
Eu não preciso fazer penhor, mas para meu marido não saber de meus
gastos, então venho aqui e penhoro algumas jóias. Eu ganho mesada do
marido e, às vezes, gasto demais por causa de minha filha. Como eu
não uso jóias na rua, acho que vale a pena fazer o penhor porque
preciso do dinheiro para cobrir algumas despesas. Mas não é bom fazer
sempre, pois os juros podem ir além do valor da jóia.
No caso da esposa, que não queria prestar contas de seus atos financeiros
ao marido, sua decisão foi pode ser classificada como emocional. Existia o interesse
de evitar constrangimento com o acordo conjugal nos gastos do orçamento
doméstico. Portanto, a relação com o penhor possui fenômenos não
“economicamente orientados”, segundo a teoria de SWEDBERG (2005).
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Não somente o penhor pode estar inserido nas estratégias familiares, mas
também pode servir como uma maneira das pessoas guardarem suas jóias, em vez
de mantê-las em casa ou pagarem um cofre em um banco. Os objetos ficam seguros
no cofre do banco, sendo oferecido o serviço de renovação do contrato, em que o
cliente pode optar por pagar somente os juros cobrados, evitando assim que as
peças vão a leilão. Segundo dados da CAIXA, 10% das pessoas pesquisadas
penhoram suas jóias apenas para guardá-las com segurança nos cofres. Uma
reportagem sobre como o penhor está sendo utilizado pela classe média brasileira,
da jornalista EMÍLIA (Jornal on-line AOL, 2/10/2003) ilustra bem esta situação:
Por mais inusitado que pareça, há também aquelas pessoas que deixam
as jóias no prego por segurança. Elas correspondem a 10% do total de
usuários do crédito. "Eu fui assaltada quando estava com um conjunto de
brincos e colar de ouro português. Eles me machucaram e eu jurei que
nunca mais iria ter nenhuma jóia comigo", diz Sandra Pujol da Silva. "Eu
uso o dinheiro e fico sempre renovando a cautela do empréstimo, o que é
uma vantagem, pois não preciso vender as coisas, que ficam aqui
guardadinhas no cofre" (EMÍLIA, Jornal on-line AOL, 2003).
Existe um mercado de jóias que se utiliza dos serviços prestados pelo penhor
da CAIXA. O penhor serve como uma alternativa de lucro, seja através da compra
de jóias a baixos preços nos leilões do penhor e da revenda das mesmas a
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O termo freqüentemente utilizado pelos entrevistados.
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seja, na forma como algumas pessoas estão pensando o penhor, como sendo um
recurso somente utilizado por pessoas com uma faixa etária mais avançada.
Entretanto, em minhas análises e observações percebi que o público de pessoais
com menos idade também é freqüentador do penhor. Portanto, necessita-se de
maior análises do fenômeno e aqui exposto.
O penhor também é visto como um negócio para a classe alta ou média
alta, pois os pobres, as classes populares, não teriam condições econômicas nem
interesses em adquirir jóias. No entanto, ao analisarmos dados sobre essa
questão, veremos que as jóias também se inserem na vida dos grupos populares,
através de diferentes meios, em especial, através dos rituais.
Mas, de todos os motivos que favorecem à visão negativa do penhor, o
constrangimento ainda é o mais apontado pelos entrevistados do penhor, ou seja,
precisar penhorar o bem de uso é uma demonstração de incompetência ou
descontrole moral. Em depoimento coletado na CAIXA pela jornalista Andreza
EMÍLIA (UOL, 2003), muitos clientes confessam o drama de penhorar jóias:
"É ruim vir aqui, você tem a sensação de se desfazer das coisas, um
sentimento de derrota, sabe? Mas fazer o quê, não dá para deixar a
situação ficar pior", lamenta a cliente Elizabeth. Casos como o de
Elizabeth são cada vez mais comuns (EMÍLIA, UOL, 2003).
Um dos dados fornecido pela CAIXA é o de que mais de 95% dos clientes do
penhor conseguem resgatar as jóias empenhadas. Esse dado mostra que as
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pessoas possuem estima pelos objetos preciosos. Mas, então, por que muitas jóias
chegam a ir a leilão e chegam até a ser vendidas?
Tipos Motivos
Jóias achadas Na rua ou em casa. São peças encontradas dentro de casa, na rua,
perdidas por outras pessoas. A pessoa que encontra ou acha esse tipo
de jóia pode escolher entre ficar com a peça ou procurar o penhor para
tentar obter algum dinheiro;
Jóias desatualizadas O penhor é uma forma das pessoas trocarem as jóias por outras. Para
pessoas que possuem o hábito de comprar e utilizar as jóias, o penhor
pode ser uma alternativa para trocar as peças por outras com modelos
mais atualizados;
Jóias liquidadas Joalheiros que precisam renovar os estoques. Joalheiros que precisam
renovar seus estoques e recorrem ao penhor para se desfazerem das
jóias não vendidas;
Jóias esquecidas Por falta de organização, as pessoas acabam esquecendo dos dias do
leilão, perdendo, assim, a oportunidade de resgatar suas jóias
penhoradas.
nos grupos populares, segundo a autora, as casas são de baixo custo porque são
construídas com materiais de construção recuperados.
Segundo STALLYBRASS (2000), os objetos adquirem uma aura
fantasmagórica, eles trazem recordações de pessoas que usaram esses objetos.
Recordações que magoam e trazem dor, portanto, as jóias devem ser sacrificadas,
rejeitadas, como o passado que ficou para trás.
Alguns dados coletados sobre o casamento e o divórcio dão uma idéia do
contexto dos relacionamentos conjugais no Brasil. Segundo reportagem de SPITZ
(05/12/2006), existe uma relação ente o divórcio e o aumento do índice do
casamento. À primeira vista, a relação dos dados pode ser contraditória, mas o que
a repórter chama a atenção, com os dados coletados do IBGE, é que está
crescendo no Brasil o segundo casamento. O número de casamentos no Brasil subiu
3,6% em 2005. De acordo com o IBGE, o percentual de mulheres solteiras que se
casaram com homens divorciados passou de 4,1% para 6,2%, entre 1995 e 2005. Já
o percentual de mulheres divorciadas que se uniram legalmente com homens
solteiros cresceu de 1,7% para 3,1%. Os casamentos entre cônjuges divorciados
também aumentaram de 0,9% para 2,0%.
Mesmo ocorrendo um crescimento significativo de divórcios, os índices de
casamento continuam crescendo, pois existe a segunda união conjugal. Logo, o
penhor receberia muitas alianças de divórcios e os leilões forneceriam matéria-prima
para novas demandas de casais.
Com 146 anos, o penhor continua existindo e convivendo com fatores que
tenderiam a extingui-lo; como o desenvolvimento da tecnologia (“dinheiro virtual”,
desvalorização do ouro, etc), a violência (empecilho para o consumo de jóias), as
visões negativas do serviço e a concorrência com outros produtos e instituições
financeiras. Mesmo assim, o empréstimo de penhor cresce e é cada vez mais
utilizado como uma alternativa e/ou estratégia econômica. O que faz ele ser tão
procurado nesse contexto?
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sua noiva com um anel, assim se passa do estágio de namoro para o noivado. O
anel de noivado, de costume, é usado no dedo anelar da mão direita. Na cerimônia
de casamento, a posição do anel muda, da mão direita para a esquerda, também no
dedo anelar.
A escolha dos anéis também é um acontecimento importante na vida do
casal. O valor da jóia, simbolicamente, pode significar proporcionalmente o amor que
está envolvido na relação. Jóias mais caras simbolizam um grande amor. O mercado
se aproveita dessa situação, capta e expressa esse código simbólico. As joalherias
oferecem cada vez mais diferentes modelos de jóias, com ou sem uma pedra
preciosa cravejada e tendo a possibilidade de personalizar o objeto, marcando as
letras do nome da noiva ou do noivo. No cotidiano, podemos ver algumas pessoas
com alianças enormes no dedo.
Se o mercado é uma construção social, como afirma ZELIZER (2005), o
mercado de jóias é o resultado de uma construção social que depende dos rituais
para existir. Não existe uma barreira moral para a comercialização de jóias
destinadas aos ritos, muitas vezes a preços maiores do que o de sua matéria-prima.
A comercialização das jóias entra no circuito de consumo estipulado pela própria
demanda da sociedade. Assim, o capitalismo se adapta, se mistura com a cultua. O
mercado de jóias é o resultado de relações sociais.
Para MAUSS (2001), o dom está na base de um sistema de troca recíproca
entre os sujeitos e/ou grupos. Nesta troca, material e simbólica, o ato voluntário de
presentear estabelece a obrigatoriedade de aceitar e retribuir. Portanto, a doação de
um presente não é necessariamente um ato desinteressado ou apenas generoso,
pois um vínculo entre pessoas é estabelecido, um contrato, uma dívida de honra que
não terá um prazo específico para ser saldada, mas que deverá ser honrada. Mauss
também mostra que o sujeito tem muito a perder com a dívida não saldada. Ele
perde prestígio, posição social entre os membros da comunidade a que pertence.
Na sociedade contemporânea, um ritual interessante que podemos
compreender a partir do conceito de reciprocidade está relacionado com o
nascimento de uma criança. No caso das meninas recém-nascidas, os padrinhos
costumam presentear a criança com um par de brincos. No caso dos meninos recém
nascidos o presente é cada vez mais raro, mas era de costume eles ganharem
correntes ou escapulários de ouro. Todavia, nestes casos, não é a criança que está
em dívida com os padrinhos, mas ao contrário, são eles que devem moralmente algo
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O conceito elaborado por MARX (1988) diz que o valor de uso é definido pela
utilidade das mercadorias. Usamos algum bem ou produto pela sua propriedade
porque temos alguma necessidade, física ou material. Já o valor de troca é um
conceito baseado pelo tempo de trabalho socialmente gasto para a produção de
bens. A princípio, a relação entre o tempo gasto com a mão-de-obra do trabalhador
equivaleria ao resultado do produto do trabalho. O valor de troca é a expressão
monetária. Entretanto, segundo Marx, esse resultado é uma ilusão porque oculta as
relações desiguais de trabalho. O fetiche da mercadoria é o conceito que define
essa ilusão, pois não revela nas trocas comerciais a injustiça da desigualdade na
etapa da produção. O mercado capitalista é o resultado das trocas de mercadorias,
ou seja, as relações humanas são disfarçadas nas relações entre as coisas. Marx
quer chamar a atenção para o fato de que as coisas possuem valor de troca porque
foram produzidas socialmente.
No quadro abaixo, a partir das observações no penhor, foram sintetizados os
conceitos de valor de troca e valor de uso:
Categorias Descrição
Poder, status, prestígio Jóias representam posição/classe social
Estético, beleza, elegância, glamour Jóias servem como acessório no vestuário
Romance, sedução Jóias podem significar um ato de amor e
conquista
Lembranças Jóias podem representar lembranças, ser
referência de acontecimentos do passado, da
vida das pessoas
Categorias Descrição
No momento da avaliação para a O design, forma e modelo da jóia não agrega valor no
concessão do penhor momento da avaliação para se adquirir o empréstimo. O valor
do objeto é medido por seu peso de ouro.
O penhor como fornecedor O penhor serve como uma alternativa de obtenção de lucro
para comerciantes de jóias.
Amortecedor de custos do As jóias que não são mais utilizadas são tomadas como
crédito patrimônio que pode ser usado para diminuir o custo dos
empréstimos.
Fonte de recursos para eventos O penhor pode servir como uma alternativa para pessoas
extraordinários conseguirem dinheiro para garantir diversas situações, como
por exemplo, o aniversário do filho, viagens, material escolar,
urgência médica, datas comemorativas (páscoa, natal, etc.),
etc.
(...) As roupas são, pois, uma forma de memória, mas elas são também
pontos sobre os quais nos apoiamos para nos distanciar de um presente
insuportável: o presente da infância, por exemplo, quando somos
protegidos pelos nossos pais (STALLYBRASS, 2000, p. 42).
(...) as roupas têm uma vida própria: elas são presenças materiais e, ao
mesmo tempo, servem de código para outras presenças matérias e
imateriais. Na transferência de roupas, as identidades são transferidas de
uma mãe para uma filha, de um aristocrata para um ator, de um mestre
para um aprendiz. Essas transferências são freqüentemente representadas
no teatro da Renascença em cenas em que um servo ou uma serva veste-
se como seu mestre, um amante veste-se nas vestimentas emprestadas de
outro amante, uma caveira habita as roupas que sobreviveram a ela
(STALLYBRASS, 2000, p. 38).
Além do valor simbólico, as jóias possuem uma segunda vida, aquela em que
possuem o valor de troca ou comercial. No valor de troca, as jóias possuem o poder
de adquirir crédito, transformar-se em dinheiro. No momento da avaliação para a
concessão do empréstimo, o design, forma e modelo da jóia, não agregam valor. O
valor do objeto é medido exclusivamente por seu peso de ouro. O dinheiro é
equivalente ao valor do peso do ouro.
Em suma, variam muitos os valores agregados às jóias preciosas. Poderá
haver distinção entre o valor de uso (simbólico) e o valor de troca (comercial). Em
outros casos não, as jóias podem agregar maior valor comercial por possuírem uma
característica simbólica específica. Tudo vai depender do tipo de situação e do tipo
de pessoa ou público que estão sendo negociadas as jóias.
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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ANEXOS
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