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Entrando no Bosque
Ao iniciar sua conferência, Umberto Eco fala sobre a comparação entre uma de
suas obras, Lector in fabula, e a narrativa de Italo Calvino, pois em ambas as obras, e
também nas conferências que Eco apresentaria, trata-se da presença do leitor na história
que é contada. Segundo o conferencista, sempre há um leitor em uma história, e esse
leitor é um ingrediente fundamental não somente para que se conte essa história, mas
também é parte da própria história.
Pretendendo prestar homenagem a Calvino, Eco diz ter escolhido como ponto de
partida para suas conferência a segunda das apresentações que Calvino havia escrito
para apresentar oito anos antes também nas Charles Eliot Norton Lectures, embora
tenha falecido antes de escrever a última de suas Seis propostas para o próximo milênio.
Em sua segunda palestra, Calvino abordaria a questão da rapidez, enaltecendo o caráter
veloz de uma narrativa ao mesmo tempo em que afirma que “esta apologia da rapidez
não pretende negar os prazeres da demora”.
Depois de pontuar que a questão da demora será tema de sua terceira
conferência, Umberto Eco afirma que as narrativas de ficção são necessariamente
rápidas devido ao fato de que durante a construção de um mundo que inclui uma grande
quantidade de acontecimentos e personagens, não se pode dizer tudo sobre ele. O autor
deixa uma série de lacunas no mundo, que o próprio leitor preenche.
Eco afirma que, ao tentar falar demais, o autor pode acabar se tornando “mais
engraçado que suas personagens”, e dá o exemplo de Carolina Invernizio, escritora
italiana do século XIX que introduziu na literatura italiana a linguagem da pequena
burocracia do recém-criado Estado italiano. Segundo Eco, os leitores de Invernizio, que,
em suas obras, explicava cada detalhe do mundo, não conseguiriam acompanhar a
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Idem.
rapidez, por exemplo de Metamorfose- de Kafka. Em contrapartida, o conferencista
conta como Eintein, segundo Kazin, teria afirmado não conseguir ler a obra de Kafka
por achar que a mente humana não é tão complexa, o que pode ser explicado pelo fato
de a velocidade do texto ser lenta demais para ele. Assim, Eco conclui que nem sempre
o leitor sabe colaborar com a velocidade do texto.
Uma história pode ter uma velocidade maior ou menos, isto é, pode ter mais ou
menos omissões (ou elipses), de acordo com o tipo de leitor a que se destina. Para
exemplificar a força de tal afirmação, Eco faz uso de uma história de Roger Schank
publicada no livro Reading and understanding:
“ ‘John amava Mary, mas ela não queria casar com ele. Um dia, um
dragão roubou Mary do castelo. John montou em seu cavalo e
matou o dragão. Mary resolveu se casar com ele. Depois isso, os
dói foram felizes para sempre.’
O leitor-modelo não é aquele que de fato lê a obra, isto é, as pessoas que têm a
liberdade de ler o texto da forma que quiserem, movidas por seus conhecimentos e
sentimento próprios, sejam eles provocados pelo próprio livro que leem ou não. O
leitor-modelo é aquele que os autores tinham em mente quando escreveram, ou seja, um
leitor que o texto prevê como colaborador e, ao mesmo tempo, tenta construir.
Para orientar seu leitor-modelo, o autor faz uso de sinais de gênero específicos,
dos quais é exemplo a expressão “Era uma vez...”, que sinaliza o princípio de histórias
infantis, contos de fada. No entanto, Eco pontua que com frequência esses sinais podem
ser muito ambíguos, como no caso de Pinóquio, cujo princípio gera uma quebra de
expectativas que pode levar a dúvidas se a obra foi realmente criada apenas para
crianças.
De modo simétrico ao leitor-modelo, existe o autor-modelo, que não é o autor da
obra, nem alguma personagem que a possa estar contando, mas sim a “voz” de quem
nada sabemos, exceto aquilo que está entre o começo e o fim da história que conta, isto
é, aquilo que, ao fim da história, poderemos entender, de forma simplificada, como o
“estilo”.
De acordo com Eco, em seu Lector in fabula, tanto o leitor-modelo como o
autor-modelo são estratégias textuais. O autor escolhe as estratégias como modo de
operação textual, tendo a possibilidade de escolher ser genérico, reportando-se a um
conjunto de códigos e subcódigos que os leitores aceitam. Nesse nível encontra-se o
estatuto das interpretações sociológicas ou psicanalíticas dos textos, que unidas com a
intenção do autor, faz com que o leitor tome conhecimento do mundo4. O pesquisador
faz uma advertência:
Bibliografia