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Marilena Chauí inicia seu livro Convite à Filosofia numa comparação entre Neo, o personagem

principal do filme Matrix, e Sócrates. Segundo a autora, a Matrix não é só o útero, onde a vida
dos seres humanos é “uterina”, mas também é a peça que escraviza a mente humana ao criar,
através de circuitos de codificadores e decodificadores de sons e cores pelas redes de guias de
entrada e saída de sinais lógicos, uma falsa realidade na qual todos acreditam e que tem como
objetivo usar e controlar a inteligência do homem para dominar o mundo. No filme, Neo recebe
o título de “escolhido”, porque é o único capaz de interpretar códigos da Matrix e de criar
programas de realidade virtual, sendo assim, o único capaz de rivalizar contra ela. Nesse ponto
a comparação se mostra bastante clara, Sócrates seria o Neo da vida real. Foi ele quem disse:
“Só sei que nada sei” e, a partir disso, teve consciência da sua condição nesse momento.
Sócrates se torna grande ao admitir que é limitado e, assim como Neo, era o único que podia
ver além das aparências. Portanto, poderia travar combates mentais para trazer a verdade aos
atenienses, o que é evidenciado em sua história por Atenas. Ele não aceitava opiniões
estabelecidas, com os preconceitos de sua sociedade, com as cresças inquestionadas dos
seus conterrâneos, além de questionar os atenienses pelas ruas, fazendo-os refletir sobre o
que sabiam para quem pudessem se libertar dos pensamentos prontos e da realidade
inventada pela sociedade da época. Neo, foi perseguido pela Matrix, e com Sócrates não foi
diferente, ele também foi perseguido e acabou sendo condenado à morte, acusado de espalhar
dúvidas sobre as idéias e valores atenienses, corrompendo a juventude. Além dos aspectos
comuns atribuídos aos dois, a autora mostra mais uma semelhança em uma passagem escrita
por Patão, discípulo de Sócrates, chamada “O Mito da Caverna”. Nessa obra Platão descreve a
estória de uma população que vive aprisionada em uma caverna escura, onde tudo o que vêem
do mundo de fora, são sombras. Certo dia, um de seus membros consegue se libertar e ir ao
mundo exterior, no princípio era doloroso porque seus olhos não estavam acostumados com
tamanha luminosidade, e após se acostumar à claridade, ele vê as formas e as cores. Ao voltar
à caverna na tentativa de libertar a população e dizer como era o mundo de fora, as pessoas
resolvem calá-lo, por fim o matam. A caverna seria a Matrix ou o mundo de aparências. Os
grilhões são a crença de que nossas percepções de mundo não podem mudar. O prisioneiro é
o filósofo, Neo e Sócrates. A luz do Sol é a verdade. O mundo iluminado pelo Sol é a realidade.
O instrumento que liberta o prisioneiro e com o qual ele deseja libertar os demais é a Filosofia.
A autora relata ainda, que somos dominados por um senso comum, que vem embutido na
nossa formação, ou seja, absorvemos conceitos sem filtrar, assim que iniciamos os nossos
primeiros contatos sociais, e tornamos esses conceitos verdades. Ao estabelecer uma crença
relacionamos fenômenos de causa e efeito sobre ações cotidianas, pois uma vez que se
acredita em algo existe um motivo para o qual se acredita e motivos são razões e as razões
levam a percepções e deduções de fatos. Acreditamos, portanto que a realidade é feita de
casualidades, que as coisas, os fatos e as situações se encadeiam em relações de causa e
efeito que podem ser conhecidas por nós e, até mesmo, serem controladas por nós e para
nossas vidas. Quando comparamos características, julgamos que as qualidades e as
quantidades existem e que podemos conhecê-las e usá-las em nossas vidas. Sabemos que a
visão dos tamanhos e formas de objetos pode ser diferente a depender do referencial,
distância, ângulo que se considera o observador ou da localização e movimentação dos
objetos. Dessa forma, percebemos que nossa visão pode ver as mesmas coisas diferentes do
que elas são, mas nem por isso devemos acreditar que estamos loucos ou sonhando. Nós e os
objetos que vemos ocupamos lugar no espaço e que, a depender dos lugares que eles ou nós
nos encontramos, as nossas percepções quanto a eles vão variar. Concluímos assim que o
espaço existe e que pode ser diferenciado (perto,longe,alto,baixo) e medido (comprimento,
largura, altura). Temos a percepção de mentira ou verdade, sabemos que quando alguém
mente é diferente de sonhar ou de estar louco, pois a mentira é uma ilusão fundamentada na
ação voluntária de deformar os fatos. Já o louco não sabe identificar a realidade, não sabendo,
portanto, distinguir verdade e mentira. Mentira e erro são falsidades, mas são diferentes, pois
somente na mentira há a decisão de falsear.

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