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A FORJA DO HOMEM DE FERRO: a corporalidade nos esportes de combate Luis Gastaldo O objetivo deste a cctos do uso e percep¢ao da corporal s de um esporte de combate, o Full-Contact, em un da zona norte de Porto Alegre A pritica € consumo de produ social que transcende os do espago de jogo, quadra ou ringue. Nao apenas 0 con: condigiio de espectador, mas também a pritica das diversas mo- idades esportivas possui uma grande relevancia na compreen- (0 da sociedade complexa em que vivemos s esportivos sdo hoje um mum esporte Jo encontra ides esportivas ao pertencimento a determinadas classes soci acordo com 0 habitus de cada classe. Destarte, os dados utilizados neste trabalho fe lentes de observagiio etnogriifica ee sem um universo restrito, os alunos e professores de Full-Contact da aca- demia Tentos, no bairro Boa Vista, zona norte de Porto Alegre. Os freqtientadores desta academia so, em geral, provenientes das classes médias e superiores, com média de idade em torno de 20 anos e escolaridade variando entre o grau secundirio ¢ 0 nivel superior incompleto. Durante algumas semanas, convivi com es- tes praticantes, participando de seus treinos, observando Lutas 40 vivo e em video e realizando as entrevistas que, sistematizadas, resultaram neste trabalho. ‘As caracteristicas do uso e percepgio social do corpo re- latadas pelos praticantes de Full-Contact referem-se basicamen- te a trés aspectos: a construcdo do corpo para a luta, 0 desprezo A dor ¢ a aceitagao irrestrita das regras da luta. Estes aspectos nao se encontram apenas no Full-Contact, eles podem ser asso- ciados a muitas das técnicas de Juta geralmente chamadas de “artes marciais”, em geral de origem oriental, e que possuem_ grande influéncia mesmo sobre esportes ocidentalizados como 0 Full-Contact. Ouso e a percepgaio social do corpo Uma primeira abordagem antropoldgica a respeito do uso do corpo foi realizada por Mauss que, num esforgo de sistematizagao das por ele chamadas “técnicas corporais”, define este termo como sendo “as maneiras como os homens, sociedade por sociedade € de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” (Mauss, 1974, p.211). Segundo este autor, a semelhanga entre as diversas culturas quanto ao uso do corpo reduz-se a uma dimensio pura- mente fisiol6gica: todos os homens comem, dormem, copulam, etc A forma que cada um destes atos tomard ao longo das diferentes culturas, entretanto, é completamente determinada pelas particu- laridades de cada cultura, ndo existindo nenhuma técnica corpo- ral comum a todas as culturas. Para Mauss, a apreensio da natu- reza das técnicas corporais requer um ponto de vista que inclua, 204 n dos aspectos anatémicos e fisiolégicos, aspectos psicolé- sociais. A partir do conceito de “técnica” a incorporagio torna clara: ficaz (¢ vejam que nisto nao di bslico). FE seja tradicio- isso que o| de suas técnicas e mui 1974, p.217) Desta forma, vemos a fundamental importincia do aprendizado dleterminagao da forma de uma dada técnica corporal. Na dind- jca do aprendizado, baseada na imitaciio de condutas exitosas de e sociais de técnica corporal, prod s » caracteristicas (ef. Mauss, 1974, p.215). Outros autores assinalam essa natureza social dos fendme- 's corporais preconizada por Mauss. Rodrigues (1986) consi- io do corpo, dotando-o, sobre uma base fisiolégica, de uma cultural. O aut aeste processo de interferéncia cultural sobre corpo (ana- C0 fisioldgico, em principio) e considera “estrategicamen- s (cf. Rodrigues, 86, p.47). Outra abordagem que se refere a natureza social a fisica do corpo € dada por Douglas (1970), que profunda interagao: © corpo social determina © modo segundo 0 cebido. A experigncia fisica do corpo, wvés das quais el As representagées e pri associadas ao corpo nao riam apenas de sociedade para sociedade. Em uma sociedade complexa como a nossa, as diferentes classes sociais tendem a apresentar usos, representagdes e consumos diferenciados com Jo ao corpo. Boltanski (1984), além de, a exemplo de Mauss, agio de muiltiplos pontos de vista (anatémicos, f siol6gicos, sociais, etc.) no estudo desses aspectos associados & dimensio social da corporalidade, estabelece uma diferenciagao entre as diversas classes sociais no que se refere aos usos e con- sumos sociais referentes ao corpo, nao apenas em termos de ne- cessidade e consumo médicos, mas também em atividades de la- zer, como 0 uso do tempo de férias ea pritica de esportes (Bol tanski, 1984, p.117). Para este autor, o consumo de bens e servi gos esportivos sera diferenciado em fungao do pertencimento a diferentes classes soc Jo com 0 corpo q 984, p.171) A abordagem de Boltanski € bastante préxima a de Bour« dieu (1983), quando este afirma que existe, no campo da pratica desportiva, uma relagio do tipo “oferta e procura” entre as di versas modalidades esportivas € seus praticantes em potencial. fato de um agente escolher determinada pratica esportiva em vez de uma outra pode ser compreendido através da relagao pat Jar deste agente com o proprio corpo, de acordo com o habi- tus deste agente, que esté na origem de seu estilo de vida (cf. Bour- dieu, 1983, p. + Bourdieu (1989, p$9-73), vo", usando um termo de Bourdieu (1983, € hoje em dia muito mais importante € auténomo do que Imente era: uma pritica de lazer destinada aos filhos das es dominantes de fins do século XIX. Existe todo um merca- » de produgio e consumo de produtos esportivos, que atinge samente todos 0s segmentos da sociedade; a amplitude con- pela industria cultural aos eventos esportivos tornou o re- de reprodugio de seus valors ‘bol e as academias de arte proprio e ura widades individuais imprevidente ns natura. Destarte, pode ser percebido que uma arte marcial, a exem- o de outros esportes, é antes de tudo uma técnica corporal. As- m, do mesmo modo que cada sociedade cria e transmite, de acor- chicas corporais que determinarao sua mbém so criadas e trans- O uso do corpo como arma is orientais pratica- nos (cf. Virgilio, 1986). Hoje em dia, técnicas de combate derivaram para 0 campo esportivo, fabricado” €or ocomoe soc ada por Viveiros 207

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