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bss iow anil © que as antropslogos mais gostam de fae 1 irl ci aactaoricamente, Mas sera que o simples Fato Ie coast ean Zanzibar garante bons resultados? Se voliarmos do, ‘ean. depois de dois meses ou de dois anos, stmplesmente ‘eit 0 que ff lito © descrto por outros méscdon, “refor- tando verdades antigas’ (Geertz, 1988), seré que os resultados lorie valida a viagem? O méodo etnogrifics fol fundado na pro- cura por alleridades: outras maneiras de ver (Sere estaP) no mun~ do, Se no levamos nossas anilises até as tltimas conseqaencis, por que — mew Deus — no usamos um meétodo mais simples? E com essa proposta, convidando a leitor a vir conosco exper smentar outros mundos, que embarcamos nesta viagem Agradecimentos Os agradecimentos que devo As pessoas que me apoiaram durante os anos dest pesquisa Sio muitos, Acs amigos dos bairos populares de Porto Alegre que, supertand com imensa paciencta © humor minha cunsidade impemtinente, guiaram meus passos, 30 CNPq, pelo apoio financeiro; aos membros do NACI (Nticleo de Antropologia ¢ Cidadania) e colegas do Programa em Poser Guacio em Antropologia da UFRGS, pelas trocas intelectuais, a ‘equipe da Raitora que lidau com nto menos de iris verdes deste manuscito, e fimmente 20 meu col:boeador etemo, © joralist, José Fonseca, que transformou minha liggua em port n Capitulo 1 FOFOCAS E VIOLENCIA. Moedas de troca no cédigo de honra 115 suns, 9 diseurea ds classes prtilgiaras sabe com: portamento dos pobres oscil entre a compaixao e 2 condenagao Indignada. Enquanto as emdlogos vo Jonge para encontear poves: ‘exéticos, cu estudo aos ensina “verdades fundamentais do ho- mem", os costumes de nosses pobres apenas sto considerados para facile intervengdes educativas (para “ajudae” ou “recupe= Far), Em nossasfavelas,raramente reconhiecemos una eur liga de interesse quaando no hid um distanciamento érrico (ciganos,, negros, et.) ou histotico (6s “quilombos" do século XVIID. Por sais que se admita que “eles", as pobres nos seus guetos,sejam nitidamenteclferentes de "ns", esta ciferenga é interpretada como forma degenerada ou patolégica de nossa organiaacao social, xt seja, a das classes dominantes. Para falar de povos fonginquos, aglizam-se conceltas tas como “tas agonistieos, “sociabidades ‘mbais" ¢ “amfias consanguiness", Chegando perio de cast, exes slo substtuidos por termos tais como "violencia", spromiscuida dle” © “familias desestraturacis".Relativizar as rita cle pests que panitham de nosso universo € questionar oss proprio va B lores € admitr as cortradigdes cle um sistema econdmico € politi ‘co que cra Subgrupos com interesses quase opostos. Nossa abor- ddagem nio deve ser confundich com um relativism simplista, Pro= cunts compreender certas dingimicas ao significa louvilas, nem advogar sua preservacio. Signfiea, antes, ollar de forma realista para as cileengas culurais que existem no seio da sociedace de classe — sejam elas de classe, gener, ett ou geracio, significa explore 6 terreno que separa um individuo do our na espera ‘cde criar vias mas fictzes de comunicaco (Geertz 1999). Com este intuito, langamo-nos na pesquisa do universo simbolico numa ‘la pororalegrense de baixt rend "Noato estudo foi realizado entre abil de 1981 e marco de 1983, na Vila do Cachorro Sentado, uma vila de invasio, de apro- ximadamente 750 moradores, que hi oito anos ocupam um ter reno baldio em wma zona de classe média, em Poro Alegre:' Se bem que haja all alguns migrantes rurais recentes, a maioria da populace mora na zona urbsina ha muito tempo, Os homens adultos, aralfabetos na sua maior, slo mestigas le origem ital na, agoriana, alemi, polonest, mas principalmente afto-bras- iy ganhem vida como papeleire:, guardas notumos, bisa teiros ¢ operirios intermitentes da constnicio civil. As mulheres, ‘quando tabalham, sao faxineitas, Alguns dos jovens completa. sas rendas com 0 roubo e as mulheres, de todas as kdades, pe ticam | mendiciincia, Em temios feorieas, essa populagio repre senla o que chamamos subproletariado, essa parcela da classe ‘operitia que, num dade momento, mio esti apéa para os empre- 0s disponiveis ou constitui um excesso, em ekugla as deman- «das da prochigha industria. ‘ko longo de 60 wntas, ou sea, em tormo de 200 horas de obsenvapio, concer: das ssbetuda. no decorer do ine de 182, pidemos ecabeleve cs “Beit 150 fantasy ssn como dene ren sees Esso Dem Cenaertes i ase da aorcigem copes. Ao pega oo 10 SES comese otace de debar ecapar aspect combate Nic de Storch osuvin, «Enlace dca 2 vince oe pean serve de contapeso 4 “case pretence expicr toc o canpontmento ds pobres ub eM (Gove ch psi ra demon “pends de ena” cde Seas proba Sedan” K Nossa proposta, neste primeizo ensaio, € demonstra ce «pi ‘modo, em uma favela, a hones figura como elemento simbice have que, ao messi0 tempo, regula o comportumento e define st idemidade dos membros do grupo. Essa aplicagio da nogio de hhonra pode chocar as leitores acostumados a associa 4 vida de reis e aristocratas, mas foi o proprio Pit-Rivers, pioneito do es- tudo da honea nas regioes meeiterraneas, que aby 9 caminho, quando sugeriu que o senso de honra € realgado entre os band dos, assim Como enive arisiocraas, li onde as pessoas extio fora fe nko necessariamente acima de Uma lei central. Assim, adota- mos © conceit de honra deste autor: “um nexo enue os ideals ca sociedade € a reproducao deste ideais no individuo através de sua aspiracan de os personificar” PitcRivers, 1973, p.13-14), F, seguindo essa linha de investigacio, desenvolvemos nosso argumento sob dois aspectos analiticos: 0 primeieo sublinha o sentimento individual, 0 orgulha pessoal, ov seja, 0 esforgo de cencbrecer a prépria imagem segundo as normas socialmente testahelecidas, 0 segundo refere-se a um “c6digo de homra”, um cédigo social de interacio, onde o prestigio pessoal é negoctado ‘como o bem simbolico fundamental de oc. ela apresentagao de um caso bastante original, espera~ mos enniquecer o lebate sobre o conceito de honra. Todos con- cordam que a honra é uma questio basicamente de poder. Mas seri que © poder sempre se reduz a0 aspecto econdmico como idem certos pesquisidores (Davis, 1977, por exemplo” do Cachorro Sentado reine pessoas paupérrimas. N20 possiem terras, nem bens, nem linhagens. De certa maneira, clas se assemelham mais a certas tnibos de cagadores/coleto” res? do que 205 povos meditesrineos normalmente associados a0 conceito de fionra, (Qualquer um que tena estudado as vendetas dos yanomami ou a fofoeagem dos kalahari reconhe- 3h comparagio dos pobres a cide instil com os cagadores/cetores r= smonta no sculo NIK et otapeada in Ane Lara sooner Po omnis 977) Naa do Caco Sento, ox petites © papers ser ‘entre, engin a ivestdasnetumas os band de ovens sre. Produ dehastate pet, senago eee no mesos 9 espe da ea 8 cert que a honra" desempenha um papel importante, funda mental até, em lugares muito variados). Contudo, estarnos con vencidos de que esse caso, exatamente por no se encaixar nos esquemas habituais, pose ver dtl para exclarecer diversas hipoteses ligadas a discussio. ‘A nogio de honra também introdus questdes intoressantes| para o estudo de populagdes urbanas de baixa rend, Recente= Inente, pesquisacones tm desmistiicado agbes policals e ais. tencis do Estado junto os desprovides (ver Foucault, 1977; Don- 2elot, 197; Meyer, 1977). No entanto, ndo se preocuparam em estacaro dinamismo cultural terior ou além do disciplinamento, (Os poueas pesquisadores que trabalharam diretamente com a “cul- {ura dos pobres’ se deixaram levar pelo desejo de desculpar (ver “reoria da vitimizacio” de Lewis, 1966). ou ent, de negar cate~ oricamente 4 existéncia de normas diferentes sas classes ope- Firias Com raras excegdes, poucos autores procuraram captar 2 coeréneia interna de uma logics altemativa, (Os historiadores tiveram maior sucesso em fundar uma es cola de andlise nestes ullimos tesmos. Nesse sentido, o argumen to de EP Thompson sobre @ mundo “visto a partir de balxo" en tte aldedes britinicas do século XVII parece altamente relevan- te para a pesquisa da Vila do Cachorro Sentado: A wea de wa paca pods igual gar em tomo do mercado ean) Uno uaoao rer das aides ca els and. Os Par conus oa cares de “pobre dvoraniades, cents posi rex pares toca por im exe ce eo tral un, embesrgoeends 2 reahdae co el cba par fejadeae «ex que pretence dlende et for exenypho, Pesan, IF), sabia er a Cateye de scbreive 2 dis clits desfavorctsdte apes sades ania plas laser mi (Ghai a alto, exabtidade lar coopersco comma) le ‘ontncn pis sexaseaca cages a, es po apse, se Pe esate dm oun pats (et le, 1978, ¢ Mag, 1904; see 3 exer fincia toric ds dchcmis "pone reapetve poe eabvengoaa a Wee Fog buns ‘Alen de Bou, 196 © Lepoue, 1997 lemmas a cops sobre 0+ fs popes no Bias mensions a woauho dover Zaaat, 1985, ine! ins, Magnani 984 Maced 179. 1B, Sat 196 6 boatos sabre roubo de aca, furtos, exeindalossenuai (.) penn fcupara aene ds pesos muito ats do qucas remot dase {dso parque A taors ra Vila nha poucts oportunades de Fr poupanga ou iveatmentos, ou de contr peso deenvolrime’ To agcol: talverseincomodassem mais com oacesso anh, tr Fase pastorasterascomumaisdo que com aottvidade das culty fas Ale pales nao se asserclhar aur “basto"- mas a umn vals to, Acina detido, podia her ma disocagao radical —e eve es um antagonism entre a colar at mesmo a “poca dos Dabber eos poderosgr (1998, p30) Mas € no trabalho de M, de Cexteau que encontramos uma manelra para operacionalizar a nogao de “cultura popular” pesquisa etnogrifica. Hle, como ads, escolhe como alvo de anilise a eriatividade nas priticas comuns da vida cotidiana, Considera estas como “operagdes multiformes fragmentiri- as, desproviis de ideologias ou de instituigoes proprias”, mas que obedecem mesmo assim a regras. Postula que "deve ha- ver una fégica dessas priticas” (1994, p.42). Esta logiea, a “formalidatle complexa que pode dar conta das operacoes’ diversas (p.42), tem pouco a ver com a nogio habitual de rogras juridicas, tampouco se reduz a meras resistencias Ou até mesmo 30s dispositivos foucaultianos que “vampirizam os ‘aparatos usuais de poder”. Nosso autor se interessa, sim, por procedimentos técnicos miniseules ¢ clandestinas, mas, em ver de dissecar a “tecnologia disciplinar” a exempla de Fou- ‘cault, elege um alvo ainda mais escorregadio — "as formas sub-repticias que sio assumidas pela criatividade dispessa, titica e bricoladora dos grupos ov dos individuos presos (.) znas redes da vigilincia" (p.i1). Em outras palavias, sem aegar 2 influéncia da cultura hegemOnica, De Certeau nos lembra {que existem dinimicas culurais, nascidas no sens pratique da ‘vida cotidiana, dignas de estudo, Usamos a nogao de honra como implemento analitico para, impondo ordem a0 material etnogrifica, aproximarmo-nos dessas dinimicas. Fat suma, usanas a noga0 de hosea para adentrar debates te6ricos e metodolégicos de grande releviincia no cenisio poli co © académico atu

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