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DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: ABORDAGENS. PARTICIPATIVAS EM EXPERIENCIAS MUNDIAIS. Andrea Cornwall ¢ Alice Welbourn Este livro fala de ousadia, de direitos ¢ de transformagées, da discussao do nao-falado ¢ da construcao da confianga. Juntamos trabalhos inovadores € estimulantes, que comegaram a romper antigos siléncios e pavimentar no- vos caminhos, para além das fronteiras que dividiam o campo da satide se- xual ¢ reprodutiva, Estabelecendo conexies ¢ criando espagos para novas formas de didlogo, as abordagens aqui descritas apresentam estratégias para a mudanga capazes de contribuir para a concretizagéo dos d campo, pasando por transformagées mais amplas no pensamento ¢ na pri- tica, rumo a uma postura mais includente, menos preconceituosa ¢ mais OS nese compreensiva em relagio as quest6es enfrentadas por muitos de nés no dia- acdia. Concebido inicialmente como um conjunto de exemplos de como aque- les que trabalham com satide sexual e reprodutiva podem melhorar sua escu- ta e aprender mais, a partir das pessoas com quem (e para quem) trabalham, o livro surgiu a partir de uma edigio especial de PLA Notes sobre 0 assunto (Cornwall e Welbourn, Orgs., 2000). Inspiradas nesses artigos, ampliamos nossa busca de trabalhos para o livro, estimulando ativiscas e profissionais a colocar suas experiéncias no papel e a fazer contato com quem tem inovado, através de nossas redes de contatos. Quando comesamos a receber organi- zar as contribuigées, compreendemos que tratavam de questées que iam muito além da escuta ¢ da aprendizagem, sendo poucos os que utilizavam a lingua- gem dos direitos. Ainda assim, muitos abordavam as questes que esto no corago da agenda dos direitos reprodutivos ¢ sexuais (Correa 1997, Petchesky e Judd, 1998, Berer 2000). Nosso titulo, “Direitos sexuais ¢ reprodutivos: abordagens participativas em experiénciais mundiais” reflete 0 reconhecimento de que, enquanto os dircitos ao sexo ¢ a reprodugao felizes, e seguros sao consagrados nas leis internacionais, a realidade é muito diferente. Concretizé-los exige novas formas de enfrentar problemas antigos, que possam desencadear as transformagées pessoais, sociais € profissionais mais profundas, necessérias para uma mudanga real. Sao ne 10 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: EXPERIENCIAS COM ABORDAGENS PARTICIPATIVAS gias que capacitem as pessoas para que entendam os scus direitos de reco nhecer ¢ agir sobre aquilo que consideram que suas comunidades e parcei r0s, bem como o estado, devem-Ihes; da mesma maneira, é preciso construir responsabilidade ¢ capacidade de resposta A concretizagio dos direitos ao bem-estar sexual ¢ reprodutivo levanta questdes fundamentais de igualdade, incluso e controle. Concentrando-nos em abordagens “transformadoras’, destacamos a necessidade de modificar as posturas atuais e produzir estratégias que provoquem transformagGes nas re- lagdes de poder que expoem alguns homens, ¢ muitas mulheres, a uma mé situagao sexual ¢ reprodutiva (Rao Gupta, 2000). Ao fazé-lo, buscamos re- cuperar 0 potencial transformador da participagio, resgatando-a dos usos instrumentais aos quais tem sido dirigida, como um meio através do qual os que sio excluidos das decisdes e instituigdes que aferam suas vidas possam exercer os direitos de opinio e opgio. Dessa forma, enfatizamos também as transformacées necessdrias para quem presta servigos, gerando uma maior capacidade de resposta e uma responsabilizacio mais cfetiva. As varias contti- buigdes a este livro destacam a complexidade dos desafios que enfrentamos na luta pelo bem-estar sexual e reprodutivo e as possibilidades de mudanca que podem nos ajudar a concretizar nossos direitos. Estabelecendo conexdes © bem-estar sexual ¢ reprodutivo é a fonte alimentadora de todas as di- -mensGes de nossas vidas, a fisica, a material e a psicoldgica. Embora reconhe- cida em suas dimensoes mais préticas nos discursos internacionais sobre politica de side, na pritica, a énfase na “satide” em programas sobre sexo ¢ reprodugio costuma esconder muiltiplas facctas (Correa, 1997). Até pouco tempo, a satide sexual e a reprodutiva eram tratadas como tSpicos separados, © mesmo acontecendo com aqueles para quem as respectivas intervengées ceram destinadas. As intervengoes de satide sexual concentravam-se no con- trole de doengas e em “grupos de alto risco” de estreita definigio, suposta- mente os principais vetores da transmissio do HIV: trabalhadores do sexo, homossexuais masculinos, motoristas de caminhao. O “alvo" das interven- sees de satide reprodusiva eram as mulheres de uma determinada idade, de “necessidades” também mal definidas, principalmente, se nao exclusivamen- fe, com vistas ao planejamento familiar e & satide materna e infantil. As ne- cessidades de satide reprodutiva dos jovens, homens ¢ mulheres que tém atividade sexual com outros propésitos, mulheres que jé passaram pela me- ht IrRooucto. 11 nopausa ¢ aquelas com dificuldades de concepgio eram praticamente igno- rados. As “mulheres de mé conduta” contrairam doengas sexualmente transmissiveis (DSTs) € tornaram-se objeto de iniciativas de prevencao estigmatizantes; as “boas” eram esposas ¢ maes, passando a ser instrumentos do controle populacional. Muitas dessas mulheres, e a maioria dos homens, tinham suas necessidades relacionadas ao bem-estar sexual ¢ reprodutivo no apenas pouco reconhecidas, mas também sumariamente negadas. No final da década de 90, ainda havia resisténcia ao trabalho com satide sexual por parte de dirigentes de agéncias de desenvolvimento, em sua maio- ria brancos, homens, de meia idade ¢ heterossexuais que com certeza nao queriam falar sobre sexo. A definigio do HIV como uma questio de satide, que afetava tipos especificos de pessoas, ocultava a ameaga que a infecgdo apresenta- va para todo o desenvolvimento, ¢o fito de que qualquer um poderia ser afeta- do. Hoje em dia existe um reconhecimento maior dos vinculos entre a vulnerabilidade ao virus e seus efeitos, assim como outras dimensGes das vidas € dos meios de sustentagio das pessoas (Rao Grupta, 2000). O HIV rornou-se uma questo de desenvolvimento, que nao pode mais ser ignorada. A cpidemia abalou antigos pressupostos e forcou uma nova petspectiva sobre sexo. O reconhecimento da vulnerabilidade de mulheres casadas ¢ pes- soas jovens & infec¢ao vai de encontro aos tabus sobre género e poder, e uma consciéncia cada vez maior da rede de relacionamentos sexuais entre homens que nao se identificam como “gays” rompe concepcdes sobre “grupos de tis- co”. A faléncia de téticas alarmistas e mensagens moralistas expos 08 riscos de uma énfase no individuo, quando da utilizagao de imagens deprimentes da doenga e da morte. A conquista do bem-estar sexual e reprodutivo exige trans- formagoes fundamentais nas condigdes sociais que fagam vir & tona as vulnerabilidades ao HIV e &s DST, gravidez indesejada ¢ abuso sexual, que sustentam a discriminagio, a violéncia e o baixo nivel de satide. Além disso, demanda transformagGes préticas que reconhegam ¢ enfrentem as questies fundamentais de sexualidade e poder, essenciais para a melhoria da vida nes- sas esferas (Zcidenstein ¢ Moore, 1994; Petchesky ¢ Judd, 1998; Gordon, 1999; Irwin, 2000) Direitos e realidades Estimulada pelo trabalho eficaz do movimento internacional pela satide da mulher (Germain et al. 1994; Sen et al., 1994), a Conferéncia Interna- ional sobre Populacao e Desenvolvimento apresentou uma base para a trans-

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