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O Milagre da Sala-de-aula: a multiplicação de idéias no cotidiano escolar

Muito se discute sobre educação. Diversos teóricos a estudam, pesquisam a


respeito de sua importância, do seu papel na sociedade, em como trabalhar as diversas
disciplinas, etc. etc. etc. Entretanto, entre a prática de sala de aula e as teorias parece
haver um enorme abismo. Não que as teorias não estejam “certas”, mas o cotidiano, a
rotina tendem a massacrar a maior parte do que se estuda.
Trabalho em uma escola municipal de periferia de Ribeirão Preto. O bairro não é
tão pobre, apesar de enfrentar algumas dificuldades. A escola é muito boa, tem um
corpo docente incrível e a direção consegue deixar todos incentivados a fazer um bom
trabalho. Lógico que isso é exceção – nem todas as escolas públicas podem contar com
um ambiente legal de trabalho. Sou professora de Língua Portuguesa em uma 5ª, três 7ª
e uma 8ª séries do Fundamental.
Uma dessas salas, a 7ª C, é daquelas que os professores realmente pensam se
querem continuar no magistério. Alguns alunos são muito dedicados, amam estudar e
questionar tudo. Outros, em compensação, não querem (aparentemente) saber de nada –
seus objetivos parecem ser irritar o quanto possível todos os professores. Várias vezes a
direção foi chamada para conversar com eles, pois os professores não sabiam mais o
que fazer. Até aí, tudo bem... nada de muito diferente do que acontece na maior parte
das escolas atuais.
Algumas semanas atrás, resolvi fazer um trabalho diferente com eles – um
trabalho de produção textual. A atividade consistia em três partes: na primeira, eles
escutaram trechos de diversas músicas, das mais comuns às mais bizarras, e fizeram um
desenho de seus sentimentos para cada uma delas; na segunda, os alunos pensaram em
tudo o que sentiram ao escutar aquelas músicas, refletiram sobre seus desenhos e, então,
começaram a escrever tudo o que viesse à mente – sem pontuação, sem orações
completas, sem nada – apenas escrever o pensamento; na última parte, eles circularam
várias palavras do texto e, com elas, montaram um poema – cada um do seu jeito, com
seu estilo, conforme suas vontades e sentimentos.
Como já tinha trabalhado esta atividade em outras salas, imaginei que alguns,
como de costume, iriam passear pela sala, não fazer a atividade e coisas do tipo. Mas,
não. O “milagre” aconteceu. Todos eles se sentaram e se concentraram na atividade.
Não havia conversa na sala. Os quietos, quietos, os bagunceiros, quietos também. Havia
um silêncio envolvente, um clima contagiante de seriedade no que faziam. Eu
desacreditava... Tirei fotos, porque sabia que os colegas talvez não acreditassem.
Quando terminaram a segunda parte, expliquei o passo seguinte e o milagre foi se
multiplicando: gente que nunca tinha copiado uma linha sequer em todos esses meses
me trazendo poemas e poemas. A sala se encheu de poesia. E de poesia também os
alunos se preencheram, quem terminava ajudava os que tinham dificuldade, os que
faziam bagunça pediam ajuda para os quietos.
Quando li as poesias, chorei (talvez pareça exagero). Chorei porque eu já tinha
perdido aquela empolgação de quando começamos a lecionar. Chorei porque vi que,
sim, era possível acontecer o “milagre”. Chorei porque, sim, todos são capazes e podem
ir além...
Minha relação com esta sala mudou completamente. Não, eles não deixaram de
ser quem eram. Mas meu olhar mudou. A minha empolgação mudou. E o “milagre”, que
eu acreditava ter acontecido neles, aconteceu em mim. As aulas agora fluem com muito
mais energia, com muito mais vontade. Talvez, por eu ter mais vontade, eles me
escutam mais, participam mais e os milagres continuam a acontecer...
Hoje, eles apresentaram trabalhos sobre países do oriente. Dentre as três 7ª
séries, a deles foi a mais criativa, foi a que apresentou os melhores trabalhos. A grande
maioria se dedicou muito para que apresentassem o melhor de si. Isso não é
maravilhoso?
Alguns desses alunos participam do Overmundo e vivem publicando seus textos
por aqui. O Carlos publicou o texto q fez em sala de aula – chama-se Sonho
Inesquecível. O José Bruno está para publicar o dele. Pedi a eles que fizessem um texto
coletivo sobre a experiência de hoje para publicarem aqui também.
Não sei dizer exatamente o que tudo isso significa. Sei falar que nossa postura
determina muito da postura do outro. Sei também dizer que todos nós somos
educadores, inclusive o Overmundo e seus colaboradores, pois os alunos têm se sentido
muito incentivados a escrever mais e melhor com a participação por aqui. Obrigada a
todos por participarem da minha sala de aula e por fazerem com que as colaborações de
vocês colaborem também em minhas aulas.

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