You are on page 1of 5

39

ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA


DE TRANSPORTE MARÍTIMO,
FLUVIAL OU AÉREO

____________________________

39.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O art. 261 do Código Penal contém o seguinte tipo: “expor a perigo embarcação ou
aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar
navegação marítima, fluvial ou aérea”. A pena é reclusão de dois a cinco anos.

O bem jurídico tutelado é a incolumidade pública, a segurança e a tranqüilidade da


coletividade.

Sujeito ativo é qualquer pessoa que realizar uma das condutas típicas, inclusive o
proprietário da embarcação ou da aeronave colocada em perigo. Sujeito passivo é o Estado.

39.2 TIPICIDADE

No caput do art. 261, está descrito o tipo básico. No § 1º está definido, como
resultado qualificador do tipo fundamental, o sinistro decorrente da conduta. O § 2º
contém norma que manda aplicar as penas cumulativamente, quando o crime é praticado
com o fim de lucro. O § 3º descreve o crime culposo causador de sinistro. Incide, sobre o
sinistro doloso ou culposo, a regra do art. 258, por determinação da norma do art. 263 do
Código Penal.

39.2.1 Conduta e elementos do tipo

Uma das duas condutas incriminadas é a de expor a perigo embarcação ou


aeronave. Expor a perigo é criar uma situação de perigo. É colocar uma coisa em perigo de
2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

lesão. Cuida-se de perigo concreto, real, que deve ser demonstrado.

Embarcação é o veículo construído para navegar sobre a água, sobre o mar ou sobre
os rios: navio, barco, lancha etc. Aeronave é o aparelho manobrável em vôo, apto a
sustentar-se, a circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas e capaz de
transportar pessoas ou coisas (art. 106 da Lei nº 7.565/86). É o avião, o helicóptero, o
balão etc.

Diz a Doutrina que, para que se realize o tipo, é necessário que a embarcação e a
aeronave sejam destinadas ao transporte coletivo de passageiros. É que, sem esse fim, não
haveria o perigo comum. Todavia, não há essa exigência no tipo e é de ver que, criado o
perigo para a embarcação ou para a aeronave, há também perigo para pessoas e bens
patrimoniais que estiverem, no espaço terrestre, em suas imediações ou nas de sua rota.
Assim, penso que a norma alcança também a embarcação ou aeronave destinada ao
transporte de cargas.

Pode ser objeto da conduta também a embarcação ou a aeronave do próprio agente.

A conduta poderá ser realizada por ação ou omissão e através de qualquer meio,
direto ou indireto: danificar partes da embarcação ou da aeronave, modificar seu
funcionamento, desmontar mecanismos, adulterar o combustível, deixar de corrigir defeito
mecânico ou de abastecê-la, enfim, qualquer conduta que a coloque em perigo quando da
navegação.

A outra conduta incriminada é a de praticar qualquer ato tendente a impedir ou a


dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea. Impedir é fazer com que não aconteça, é
impossibilitar a navegação. Dificultar é criar empecilho, é atrapalhar, tornar difícil sua
realização. Ocorrerá por qualquer meio de execução, como expressamente prevê a norma.
Basta que o ato seja daqueles que tendam a impedir ou a dificultar a navegação, não sendo
necessário que efetivamente a impeça ou a dificulte.

O tipo emprega o verbo praticar, tendo como objeto um ato capaz de impedir ou
que possa dificultar a navegação. Não empregou os verbos impedir ou dificultar a
navegação. Se o ato praticado tem potencial para impedir ou dificultar a navegação,
realiza-se o tipo.

Navegação marítima é o trânsito de embarcação pelo mar ou pelos rios e lagos.


Navegação aérea é a circulação de aeronaves pelo espaço aéreo.

Discute-se, na Doutrina, acerca da natureza dessa modalidade típica, alguns


Atentado Contra a Segurança de Transporte Marítimo, Fluvial ou Aéreo - 3

mestres defendendo que se trata de crime de perigo abstrato, outros defendendo que é de
perigo concreto.

Penso que a razão está com os primeiros. Na segunda parte da norma, não há
qualquer exigência de que o ato praticado pelo agente venha expor a perigo a navegação
marítima, fluvial ou aérea.

Na primeira modalidade prevista no tipo, entretanto, o agente deve atuar com


consciência de que sua conduta é causadora de perigo para a embarcação ou aeronave e
com vontade livre de criá-lo, ou seja, tem a intenção de expor a coisa ao perigo de lesão.
Perigo concreto, que deve ser provado.

Na segunda parte do tipo, basta que o agente tenha consciência de que sua conduta
é apta a impedir ou dificultar a navegação e a vontade livre de praticar o ato, sem qualquer
outra finalidade. Não há punição a título de culpa, a não ser quando do fato resultar
sinistro, como se comenta adiante.

Se, nas duas modalidades típicas, agir o sujeito ativo com o fim de obtenção de
vantagem econômica, incidirá a norma do § 2º do art. 261, adiante analisada.

39.2.2 Consumação e tentativa

Na primeira modalidade típica, de expor a perigo embarcação ou aeronave, a


consumação ocorre quando se instala o perigo. A tentativa é possível.

Na segunda, a consumação acontece quando o agente pratica o ato capaz de


impedir ou dificultar a navegação marítima, fluvial ou aérea, não se exigindo que
efetivamente seja prejudicada a navegação. Também é possível a tentativa.

39.2.3 Sinistro doloso e sinistro preterdoloso

Dispõe o § 1º do art. 261: “Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de


embarcação ou a queda ou destruição de aeronave: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12
(doze) anos.”

Do perigo criado para a embarcação pode decorrer naufrágio, submersão ou


encalhe. Naufrágio é a perda da embarcação, em virtude dos danos que sofre, os quais são
de tal monta que ela é abandonada ou deixada à deriva. Submersão é seu afundamento.
4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

Pode haver naufrágio com submersão, mas à toda submersão não corresponde o naufrágio,
se a embarcação, tendo submergido, vem a ser recuperada. Encalhe é a retenção da
embarcação por obstáculo natural, impeditiva de sua normal flutuação.

O perigo criado para a aeronave pode causar sua queda ou destruição. Queda é sua
precipitação no solo ou na água, quando em vôo. Não se confunde com o pouso. Destruição
é sua inutilização completa, a danificação total. Pode haver queda sem destruição e
destruição sem queda, como ocorre quando a aeronave encontra-se no solo ou na água,
pousada.

Esses resultados – naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação, queda e


destruição de aeronave – são denominados sinistros. O sinistro é o gênero, do qual é
espécie cada resultado mais grave, que qualifica o crime definido no art. 261.

O sinistro pode ter sido previsto e pretendido ou pelo menos consentido pelo agente
quando da realização da conduta. Nesse caso, será um crime integralmente doloso.

Criada a situação de perigo para a embarcação ou aeronave ou praticado o ato capaz


de impedir ou dificultar a navegação e do fato derivar o sinistro por ter o agente se
comportado com negligência, imprudência ou imperícia, numa situação de previsibilidade
objetiva, o crime será preterdoloso.

A pena cominada é a mesma, nas duas situações, mas o juiz deverá atentar, no
momento da aplicação da pena, para o elemento subjetivo, a fim de considerar mais
reprovável a conduta daquele que, desde o início, pretendia ou aceitava a ocorrência do
sinistro.

39.2.4 Forma qualificada

Quando o agente tiver realizado qualquer das condutas descritas no tipo com a
finalidade de obter qualquer vantagem de natureza econômica, para si ou para outra
pessoa, o juiz deverá aplicar, além da pena de reclusão, a pena de multa. Basta o
reconhecimento do elemento subjetivo, não sendo indispensável que o agente tenha,
efetivamente, obtido a vantagem econômica.

Esta norma está no § 2º do art. 261.

39.2.5 Sinistro culposo


Atentado Contra a Segurança de Transporte Marítimo, Fluvial ou Aéreo - 5

O § 3º do art. 261 descreve o crime culposo, apenas quando ocorrer sinistro:


naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação, queda ou destruição de aeronave. A pena
é detenção, de seis meses a dois anos.

Deve haver nexo causal entre o perigo criado pela conduta e o sinistro. Aquela deve
ser a causa do sinistro. Além disso, este deve ter sido previsível para o agente que,
necessariamente, terá atuado com negligência, imprudência ou imperícia. O piloto ou
proprietário da aeronave que se esquece de abastecê-la de combustível, antes do vôo, age
com negligência e, se dessa conduta resultar a queda do avião, comete o crime de sinistro
culposo.

39.2.6 Formas qualificadas pelo resultado

Determina o art. 263 do Código Penal que, se do sinistro doloso ou do sinistro


culposo resultar lesão corporal ou morte, será aplicada a norma do art. 258.

Por isso, se do sinistro causado pela conduta dolosa do agente decorrer lesão
corporal de natureza grave, a pena será aumentada de metade. Se resultar morte, será
aplicada em dobro.

Se do sinistro culposo decorrer lesão corporal – leve, grave ou gravíssima –, a pena


será aumentada de metade. Se sobrevier morte, será aplicada a pena do homicídio culposo,
aumentada de um terço.

39.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. A suspensão condicional do


processo penal só será possível quando se tratar de sinistro culposo, inclusive quando
qualificado pelo resultado lesão corporal.

You might also like