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PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME
1959
ERGUNTE
e
esponderemos
ANO ¡I
ÍNDICE
I. CIENCIA E RELIGIAO
II. DOGMÁTICA
IV. MORAL
Ano II — N' 19 —
I.
— 267 —
Evoluindo ulteriormente, o homem passou a conceber todos os
demais seres como compostos de corpo e alma; conseqüentemente
comegou a crer que todos os fenómenos da natureza sao regidos por
almas (animl) superiores ao homem. Daí se originou o culto da
Natureza: agua, bosques, animáis, trováo, fogo, astros se tornaram
divindades reverentemente obsequiadas.
Devagar, isto é, á medida que o homem íoi aprimorando seus
conceitos filosóficos, ésse «animismo» se terá desembaragado de
suas formas grosseiras para finalmente dar lugar á mais pura
modalidade de Religiáo que é o monoteísmo...
Enquanto a escola de Tylor assim reciocinava, Durkheim percoiria
processo inverso.
b) O Totemismo, como o Animismo, parte do pressuposto de
que o homem é, por si mesmo, arreligioso. Mas, ao passo que, segundo
Tylor, o individuo projeta para fora de si as suas imaginagóes,
criando a Religiáo, na teoría de Durkheim a Religiáo vem a ser
criacáo da sociedade; é esta que a incute ao individuo, o qual no
caso se comporta passivamente, sendo iludido sem o saber.
Com efeito, segundo Durkheim, a sociedade é para os individuos
o que Deus é para os fiéis: realidade transcendente, onipresente,
benfazeja, á quai devemos tudo que somos, podemos e valemos. Essa
realidade se terá imposto ao homem primeiramente sob a forma
de um símbolo chamado tótem (1) — animal (salamandra, dragao...)
ou, mais raramente, vegetal (lirio, rosa, alguma planta medici
nal...) —, com o qual o individuo, memoro de determinada tribo,
se julga aparentado. O tótem é própriamente urna fórca impessoal
e anónima, participada por um grupo de seres afins; é superior e,
ao mesmo tempo, imánente a todos estes, á semelhanga da sociedade.
Desta forma se originou o culto do tótem (animal ou vegetal). Tal
terá sido a forma primitiva da Religiáo, imposta pela sociedade ao
individuo; como se vé, é o culto da sociedade mesma (correspondente
de certo modo ao culto da Humanidade apregcado por Augusto
Comte). Essa religiosidade primordial se terá desenvolvido, segundo
Durkheim, dando formas cada vez menos grosseiras, até chegar ao
monoteísmo.
As teses de Tylor e Durkheim foram cultivadas por outros estu
diosos do sáculo passado, os quais lhes deram múltiplos matizes.
Por exemplo, o inglés Lubbock, na sua obra «The Origin of Civili-
zation and the primitive Condition of Man» (1870), estabelecia a
seguinte linha evolutiva :
Ausencia originaria de
Fetichismo
(culto de objetos mais ou menos monstruosos
tidos como portadores de fórgas sobrenaturais)
— 268 —
Totemismo
XamanJsmo (1)
(arte de dominar os poderes divinos)
Idolatría
(culto de elementos artificiáis divinizados)
Monoteísmo
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mesmo os irracionais, o fazem. Menos compreensível, porém,
ou de todo incompreensível, é que no decorrer da historia ele
jamáis se tenha contentado apenas com o que vé e apalpa;
tende a subir ácima do meramente material, procurando en
trar em relagóes com algo de invisível e transcendente, me
diante o que se chama «Religiáo». Esta ascensáo, nenhum
animal irracional a faz, ao passo que o homem, desde as suas
primeiras manifestares na térra, a tem feito. É o que se
evidencia através de rápido percurso de dados da Pré-história
e da Etnología.
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algumas tribos de aborigénes de SE da Australia (os tasmanianos,
extintos em 1877, pareciam representar o homem de Neanderthal),
algumas tribos de indios norte-americanos (algonquins e habi
tantes da California),
certos indios da Térra do Fogo (Yamanas ou Yaghas e Alakalufs),
algumas populac8es árticas do Estreito de Behring, esquimos
isolados a O. da Bala de Hudson.
Note-se bem: as manifestacSes culturáis désses povos, por muito
simples que sejam, se mostram táo afins entre si que levam a crer,
tenham ésses das em tempos remotos constituido urna única popula-
cáo, a qual se dispersou, conservando, porém, ñas mais desconexas
regidos do globo as idéias e práticas características do seu agrupa-
mente primitivo. Por conseguinte, ñas tribos ácima recenseadas
vamos encontrar as primeiras manifestacSes culturáis do homem,
anteriores mesmo á expansáo dos povos pela superficie do orbe.
E que atestam tais tribos no tocante á Religiáo?
No século passado Darwin empreendeu duas viagens de explora-
cao á Térra do Fogo: a sua primeira estada al durou de meados de
dezembro de 1832 a Janeiro de 1833, ao passo que a segunda se
estendeu de fins de maio de 1834 a 10 de junho do mesmo ano.
Após táo breves períodos de observagáo, o naturalista inglés voltava
á Europa anunciando que pela primeira vez na historia se podia
apontar um povo (os indios Yamanas) que absolutamente nao tinha
religiáo e que parecía representar a atitude mais espontánea do
homem. As afirmacóes de Darwin, dado o seu caráter ¡novador,
causaram sensagáo. Aos poucos, porém, verificou-se que o dentista
inglés nao podia ser, no caso, testemunha fidedigna: nao sómente
permanecerá exiguo tempo na Térra do Fogo, mas também (todo
ocupado com flora e fauna) nao voltara diretamente sua atencáo para
os aborígenes, cuja língua ele nem sequer conhecia.
Em conseqüéncia, de 1919 e 1924, dois etnólogos, Martín Gusinde
e Wilhelm Koppers, membros do Instituto de Etnología da Universidade
de Viena (Austria), fizeram novas viagens de estudos á Térra do
Fogo. Tendo aprendido a lingua dos aborígenes, procuraram ganhar-
-lhes a confianca e, por fim, puderam anunciar ao mundo que na
verdade, os Yamanas tém sua Religiáo,. professando um Deus
chamado Watauinewa (isto é, o Eterno, Antigo, Imutável). Deseo-
berta semelhante foi efetuada entre aborígenes da Australia Céntral
os Aruntas. Spencer e Gillen afirmaram que nao tinham religiáo: o
contrario, porém, foi minuciosamente comprovado por Strehlow.
— 271 —
b) Religiüo, fenómeno intimamente associado as realizacSes da
inteligencia e da cultura humanas.
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d) Os animáis. Também nao poucos animáis tém recebido vene-
ragao religiosa. Em varios casos a passagem do animal selvagem
para o estado de animal doméstico se fez mediante o estado de animal
sagrado. O elefante por exemplo, antes de ser animal doméstico, era
animal sagrado na india. No antigo Egito, os gatos sagrados ¿ram
numerosíssimos (descobriram-se milhares de mümias désse felino)-
]ulga-se com probabilidade que forana domesticados por constituirem
objeto de culto religioso. Outros animáis entraram no convivio do
homem, a fim de honrarem a Divindade pela sua beleza- assim
a Ibis, no Egito; o paváo, na India; o gamo, no Japáo.
o ,.e.). A industria. Nao menos profunda é a influencia benéfica da
Reugiáo no desenvolvimento da industria. A fabricacáo de laticínios
por exemplo está em grande parte a servico do culto no Oriente; nos
templos do Tibete centenas de lamparinas ardem dia e noite alimen
tadas por manteiga; os «lamas» tém o rosto, as pernas e as máos
untados com manteiga. A fabricagáo do papel e do livro tém dependido
muito das necessidades do culto é da piedade; o mesmo se dá com
os textis e a metalurgia.
í¡a- í} ?i c°mércio; Est£ claro que as aglomeragóes vultuosas de
fiéis motivadas pela religiáo acarretam intensificagáo benéfica do
comercio; as primeiras moedas eram objetos estimados por seu
caráter ritual ou seu valor religioso. A contabilidade dos bancos e
escritorios tem suas origens nos templos da Mesopotámia, onde os
sacerdotes movidos por respeito sagrado, faziam ¿inventario de
tudo que dizia respeito ao culto e a0 sustente do1 templo. •
g) Os transportes, as viás e as pontes devem grande parte do
seu incremento ao fervor religioso de peregrinos e missionários. Nao
raro a afluencia. a determinado santuario provocou a abertura de
estradas, assim como a multiplicagáo e o aperfeicoamento de veículos
— Em particular, as pontes tém sido obras de sacerdotes oü de
pessoas dedicadas a Deus. Com efeito, os romanos pagaos, por exemplo
julgando que os nos tinham algo de sagrado, reservavam. a constru
ir,?9,, P™££ a Um gruP° esPecial de sacerdotes. Entre os cristáos
da Idade Media, era a candade que levava os fiéis a formar contrarias
construtoras de pontes: havia os «Irmaos Pontífices», aos quais se
devem as pontes de Avinháo e do Espirito Santo, sobre o Ródano
^J' Por. fim, note-se outrossim que no surto das artes está em
geral a mspiragao rehgiosa; as primeiras pegas literarias das antigás
modernas civilizares sao documentos religiosos; costumam estar
redigidos em poesia, que é a forma literaria mais correspondente ao
entusiasmo sagrado (tenham-se em vista, por exemplo, as otaras de
— 273 —
equivale a impossível associacáo de contrastes ou a verda-
deiro absurdo.
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existencia cotidiana; um déles declaxou a um dos seus exploradores
recentes, o etnólogo austríaco Gusinde: «As coisas nao sao como
desecaríamos que fóssem. Os homens tém o dever de trabalhar sem
descuido... Nao há alegría sem esfdrco previo».
E qual seria o tipo de religiáo désses indios?
Já o citamos atrás. Acreditam num Ser Supremo, que nao come
nem bebe (é espirito, dir-se-ia em linguagem íilosófica) e que reslae
por cima da abobada celeste, além das estrélas; chamam-no Wataui-
newa ou também Hitapuan, «Nosso Pai», ou ainda «o Forte, o mais
Alto, o Habitante do Céu». É o tutor dos bons costumes e da iustica;
a doenca e a morte sao manifestagóes do seu desagrado. O melhor
meio de atrair a sua benevolencia é viver dignamente, ou seja respei-
tando as tradigSes moráis da tribo.
Certamente estas crengas nao lhes íoram incutidas pelos cristáos,
pois fazem questáo de as distinguir de idéias novas que lhes transmi-
tiram os missionários; o nome de Deus está ligado a antigás formas
rituais e a cerimónias de origem evidentemente local; o vocabulario
religioso consta de termos arcaicos da língua désses indios...
— 275 —
A título de exemplo, seja recordado o caso dos Yamanas breve
mente descrito ás págs. 274-5 déste fascículo.
i Ttn!jf"se ?,m yista «utrossim a tribo dos pigmeus Efés, estudada
pelo etnólogo Paulo Schebesta, o qual relata um diálogo seu com dois
dos anclaos do clá:
«Quem íéz o que nos cerca?», perguntou o europeu.
Calaram-se os aborígenes. Mas o explorador continuou-
«Porque oferecemos as primeiras frutas a Toré?>
A nova pergunta foi suficiente para provocar a manifestacáo. de
proposicñes multo caras áquela gente. Respondeu um dos interpelados:
«Tudo pertence a Toré. Toré tudo fez. Toré fez as árvores Fez
Pucopuco (o ancestral da tribo); Toré vé tudo; Toré nos vé; ouve
o que dizemos. Ele sabe de todo o mal que se comete; castiga os
culpados, e até mesmo os magos, pois Toré fez também os magos»
A seguir, o velho falou do poder de Taré sobre o raio, a morte
as almas etc. Cf. P. Schebesta, Die Bambuti, die Zwerge vom
Congo. 2.933 •
Outro episodio' significativo é narrado por M. Briault, que passou
qumze anos entre os negros Pamués, habitantes do Gabáo francés
(África). Estes aborígenes cultuam um Deus só, denominado Nzame
(da raiz bantu mba, que significa «fazer, arrumar, plasmar»). Deus
assim aparece, na espiritualidade daquela gente, como o Grande
Artífice, do qual dizem os seus devotos: «É aquéle que nos fez
nosso Pai».
Um dia Briault sugeriu a um grupo de maiorais da térra a idéia
de existirem dois deuses supremos; responderam, porém, decidida
mente:
«Dois deuses iguais, isso é coisa impossivel; fariam a guerra um
ao outro, e o mundo estaría destrocado».
Há aqui auténtica sabedoria em vestes muito simples: os con-
ceitos de dois deuses iguais pugnam um contra o outro excluindo-se
iriutuamente.
«Deus terá í¡m? Morrerá um dia?»
— «E quem colocarias em seu lugar?»
Esta resposta equivale a dizer que Deus é o Ser absolutamente
necessano.
Os selvagens acrescentavam: «Nzame nao é um homem como
nos». E como explicavam isto? Ardua questáo, sem dúvida.. Afirma-
vam sentir a presenga de Nzame em toda a parte, embora ele
permanega invisivel; comparavam-no ao ar, sem o qual nenhum ser
pode viver, o qual (ar), porém, nao tem figura sensivel. Asseguravam
também que Deus é soberanamente poderoso e bom, nao podendo
ser constrangido por encantamentos nem conjuragóes mágicas Merece
respeito e piedade. Cf. M. Briault, Polythéisme et fétichisme
París 1928.
Encontram-se em grau variável entre essas tribos primitivas
elementos de magia e supersticáo; parecem, porém, importados de
outros povos, seus vizinhos mais adiantados, com os quais os infra-
-civilizados tém que entrar em contato, para se prover dé fogo
(quando necessário) ou para realizar certo comercio. Verifica-se,
contudo, que, quanto mais rude e fechada em si é determinada tribo,
tanto mais pura e simples é a sua religiao, permanecendo fiel ao
monoteísmo.
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meeou a deturpar o seu monoteísmo inicial, caindo nos tipos
de religiáo grosseiros que os evolucionistas julgavam ante
riores á crenca num só Deus.
— 277 —
" L. H. A. (Sao Paulo) :
1. O histórico do esoterismo
— 278 —
combinac6es com teses da filosofía grega assim como da literatura
judaica e crista (ou seja, com a Biblia Sagrada).
Durante a Idade Media, o ocultismo tomou aspecto bem marcante
na chamada Cabala (cf. «P. R.» 10/1958, qu. 12); contudo no ambiente
da Europa crista era geralmente repudiado por parecer maquinagao
do demonio. Do séc. XV em diante, ou seja, com o surto do «Huma
nismo», o esoterismo tomou nova importancia; a tendencia dos renas-
centistas a cultivar os valores antigos fez que mais e mais apreciassem
as proposic5es secretas do ocultismo, tidas como ensinamentos de
veneráveis civilizagdes orientáis. Desde fins da Idade Media apare-
ceram no cenário dos eruditos alguns vultos que procuravam
combinar entre si ciencia e religiáo (ou mística) a fim de dar a
exphcacáo mais cabal possível aos misterios do mundo: tais eram
por exemplo, Cornélio Agripa (1486-1536), autor da «Filosofia oculta»
o qual reatou a tradicáo de Pitágoras e Platáo instruidos pelos «adivi-
nhos de Ménfis»; Paracelso (1493-1541), que, junto com a fama de
«saber tudo», obteve a gloria de haver descoberto o «segrédo da vida»
(por isto o seu nome originario Filipe Teofrastes Bombart foi mudado
para Aureolo Paracelso, o divino personagem); o sapateiro Jacob
Boehme (1575-1625), o marqués Claudio de S. Martinho (1743-1803),
o conde de S. Germano, José Balsamo, também chamado Cagliostro,
no séc. XVHI; particularmente famoso tornou-se Fabre d'Olivet (1767-
-1825), que na sua obra «La langue hébraique restituée» pretendeu
reconstituir as origens da linguagem, reconstruir o edificio do
idioma hebraico primitivo, e, mediante códices encontrados nos san
tuarios do Egito, penetrar^.,6 sentido profundo da cosmogonía de
Moisés (Génesis c. 1).
Finalmente é tido como pai do ocultismo contemporáneo um
certo Elifaz Levi, cujo nome verdadeiro era Alphonse-Louis Constant
(1810-1875), sacerdote apóstata (algumas fotografías o apresentam
sobre o leito de morte, trazendo um grande crucifixo sobre o peito).
Merecem aínda especial mengáo Estanislau de Guaita (1860-1899),
historiador do esoterismo, e Gérard Encausse (tl922), dito «Papus»,
que procurou exprimir os ensinamentos do ocultismo em linguagem
científica moderna.
Atualmente no Brasil o ocultismo existe em múltiplas entidades
«científico-religiosas» de caráter secreto ou semi-secreto (instituigóes
espiritas, rosa-crucianas, teosóficas, magónicas, astrológicas caba
listas, etc.).
Após estas ligeiras observagóes de historia, faz-se mister consi-
derarmos
— 279
em tudo». Estas afirmagóes de Elifaz Levi signifícam que
todos os seres visíyeis e invisíveis constituem uma única rea-
lidade, que se esmiuga e fragmenta no mundo, tomando múl
tiplos aspectos parciais.
Disto decorre ¡mediatamente que nao existe um Deus
distinto do mundo. O Deus de que fala o esoterismo, é o
eterno «Vir a ser», substancia da qual tudo procede por ema-
nagáo e á qual tudo volta: tal substancia toma no Ocidente
moderno o nome de Luz, correspondendo ao Akasa dos hindus,
ao Aor dos hebreus, ao Fluido que fala de Zoroastro, ao Te-
lesma de Hermes, ao Azoth dos alquimistas, á Fórca psíquica
de Crookes...
Ulterior conseqüéncia do monismo é que a materia sen-
sivel, revestindo diversas aparéncias, pode ser convertida de
u'a modalidade para outra. Daí, entre os ocultistas, o cultivo
da Alquimia ou da arte que tenta transformar os diversos
metáis em ouro, metal perfeito. Os metáis, alias, sao seres
vivos, ensinam os esotéricos ; os metáis inferiores se acham
numa fase de desenvolvimento incompleto, que pode ser le
vado a termo consumado; basta, para isto, encontrar um
fermento adequado ou a «pedra filosofal», que leve á matu-
ridade a natureza dos corpos. Os alquimistas tinham suas
receitas secretas para obter a pedra filosofal, mediante a qual,
diziam, era muito fácil conseguir a transmutagáo dos metáis
imperfeitos.
Da proposágáo de que só há uma substancia no mundo,
deduz-se outrossim que só há uma doenga do corpo humano e
só um remedio; o organismo constituí um só todo, cujas partes
sao solidarias entre si. Por isto, ao mesmo tempo que pro-
curayam a pedra filosofal, os alquimistas iam ao encalgo do
«elixir da longa vida» ou do «ouro potável», que assegurasse
ao corpo humano a imortalidade. Outros ocultistas, á frente
dos quais está Paracelso, visam dominar o organismo e curar-
-lhe as doengas mediante influencia sobre o pensamento do
enfermo (os esotéricos em geral consideram o pensamento
como uma das mais poderosas fórgas do universo). O pensa
mento do homem condensa em si tudo que há de divino e de
humano no mundo; por conseguinte, dirigir o pensamento de
alguém e canalizar as suas energías vem a ser, para o ocultista,
o mesmo que dominar o corpo inteiro dessa pessoa.
2. O homem, miniatura do universo. Dentro do conjunto
dos seres visíveis, toca lugar de especial realce ao homem,
pois éste é tido como compendio e análogo do grande mundo,
ou como Microcosmos dentro do Macrocosmos; existe, pois,"
estrita correlagáo entre cada elemento do homem e o seu
— 280 —
análogo no universo ; ou melhor : o homem contém em si
todas as energías dos seres inferiores ; reciprocamente cada
animal irracional nao é senáo a materializacáo de uma energia
latente no homem ; conseqüentemente éste pode apresentar
em si as reacóes típicas do trigo, da abelha, da formiga, do
boi, etc.
Conforme os" mestres ocultistas, o homem se compóe de
tres partes essenciais: o espirito (elemento espiritual), o corpo
(elemento material), o mediador ou corpo astral, perispírito,
ectoplasma, por yézes também chamado alma (elemento fluí-
dico), que participa tanto da natureza do corpo como da do
espirito. Désses tres elementos, o que mais interessa aos eso
téricos é o terceiro ou o corpo astral, pois, o corpo material,
éles o entregam ao estudo dos anatomistas, ao passo que o
espirito é o objeto das especulares da psicólogos e filósofos.
O corpo astral desempenha funcóes de máxima importancia;
com efeito, compóe-se de luz, em parte, fixa e, em parte, volátil
(fluido magnético); emite conseqüentemente irradiacóes, que
criam em torno do individuo uma atmosfera própria ou «aura
astral», a qual é o prolongamento ou até mesmo a duplicata
da pessoa ; essa aura pgde ser de simpatía, afinidade, ou de
antipatía, repulsa, para com outros individuos ; aos olhos dos
iniciados, que gozam de sentidos mais apurados, a aura se
torna perceptível ou colorida. Tal fluido magnético permite a
cada sujeito agir á distancia, movendo corpos ou influenciando
fenómenos que aos olhos do vulgo parecem ou meras coinci
dencias ou milagres ; em geral é gracas as propriedades do
corpo astral (principalmente ao magnetismo) que os ocultistas
asseveram tomar conhecimento de coisas passadas e futuras,
experimentar sentimentos e pressentímentos alheios, inter
pretar sonhos, passar pelo éxtase profético, etc.
— 281 —
os sentidos astrais. Por conseguinte tudo que se vé, há de ser
considerado como símbolo do que nao se vé, e na escola
esotérica todo conhecimento profundo se obterá por via do
simbolismo.
— 282 —
Após a exposicáo sumaria das principáis doutrinas, passemos
ímalmente a
— 283 —
teorías explicativas, que foram submetidas a exame princi
palmente por Adrien Guébhard, professor agregado de Física
na Faculdade de Medicina de París, e por Guilherme de Fon-
tenay, vice-presidente da Sociedade Universal de Estudos Psí
quicos. Os resultados do inquérito, criteriosamente levado a
éfeito, foram totalmente contrarios á teoría do perispírito:
verificou-se que parte das figuras ou fotografías era produto
de astuta mistificagáo dos respectivos operadores; outra parte
devia-se a erros de técnica fotográfica : sim, alguns sinais
(manchas brancas ou escuras em forma de nuvens, de pontos
ou de estrélas, faixas luminosas simétricas e náo-simétricas)
impressos ñas chapas fotográficas eram tidos como vestigios
do perispírito, quando na verdade deviam ser explicados como
efeitos de meras reagóes físico-químicas nao previstas ou da
intervencáo de causas mecánicas estranhas ao processo e nao
previamente removidas (Guébhard, por exemplo, averigüou
ao menos urna dezena de causas meramente físicas capazos
de produzir auréolas sobre chapas fotográficas ; também lem-
brou que se podem obter raias negras muito regulares e simé
tricas sobre urna chapa fotográfica desde que essa chapa,
durante o processo de revelagáo, seja molhada antes de ser
imergida na solugáo devida).
— 284 —
Em particular, o íato de que a cruz tenha sido estimada lora
do Cristianismo como simbolo de salvacáo, está longe de significar
dependencia da concepgáo crista em relacáo as íilosofias heterogéneas;
sabc-se que o aprego tributado pelos cristáos á cruz se deve a um íato
histórico bem determinado (a condenacáo de Jesús ao patíbulo da
ignominia), íato éste que certamente é independente das idéias
orientáis concernentes ao simbolismo da cruz.
Quanto á analogía estabelecida entre a inscricáo INRI e os
quatro elementos fundamentáis do universo, é totalmente arbitraria,
pois que INRI supóe a expressáo latina «lesus Nazarenus Rex
Iudaeorum* (Jesús de Nazaré, Rei dos Judeus), ao passo que os
vocábulos designativos dos quatro elementos do mundo seriam, no
caso, derivados da nomenclatura oriental. — Tal modo de fazer
derivacóes etimológicas é tao arbitrario quanto o que usava o humo
rista trances Touchatout no século passado; queria éste autor, por
exemplo, atribuir a origem do nome «automedonte» (automédon, em
francés), cocheiro, á invencáo (ocorrida nos inicios do séc. XIX) do
cabriolé, carro leve de duas rodas puxado por um cávalo, cujo
cocheiro ocupava a extremidade posterior da carrocería. Na verdadé,
«Automedonte» é nome proveniente da mitología grega, onde designava
o personagem condutor do carro de Aquiles...; passou a significar
todo e qualquer cocheiro, sem a pretensa relacáo etimológica com os
cabriolés!
A distribuicao dos quatro símbolos (homem, leao, boi e águia)
pelos quatro Evangelistas nao é, de modo nenhum, proposta pela
S. Escritura; deve-se exclusivamente á exegese que de Ezequiel
ele Apocalipse 4,6-8/ íizeram os escritores cristáo dos
primeiros séculos. Seria váo, por conseguinte, na base dessa inter-
pretacáo periférica (embora hoje inveterada entre os cristáos) querer
deduzir alguma afinidade entre os Evangelhos e a esfinge esotérica
do Egito.
— 285 —
logia ou a semelhanca periférica dos seres que o guia. Tal ati-
tude pseudo-filosófica poderá ser, em boa parte e de maneira
talvez inconsciente, inspirada pela megalomania que afeta o
homem ambicioso; sem dúvida, parece enaltecer-se aquéle
que, conforme os seus dizeres, foi julgado digno (pelos deuses
ou por seres invisíveis) de gozar de urna ciencia nao fran
queada ao vulgo. Colocado entáo diante dos seus textos sa
grados— «os mais antigos que existam no mundo !■...»—, o
esotérico os folheia e disseca, conta as respectivas letras e
as soma, observa e compara as formas dos caracteres, etc.,
esperando que dessa trituragáo do texto jorre a grande luz
que ilumine as trevas onde está submerso o mundo. Tal arte
ou «febre», em que a imaginacáo tem papel preponderante,
apaixona o individuo, o qual depois de certo tirocinio já se
acha «embriagado», nao aceitando em absoluto o controle da
razáo que um amigo lhe venha a oferecer. Nao é, pois, em
váo que os grandes mestres do ocultismo admoestam o jovem
discípulo a cingir os rins e fortalecer o coracáo antes de co
locar o pé na térra fatal (no setor do esoterismo); muitos, com
efeito, foram encontrar nessa térra a demencia ou o suicidio.
É, alias, assim que desmoronam os mais imponentes edifi
cios fundados sobre os sonhos da megalomania humana. Sem
dúvida, existem profundos misterios na natureza; seja, porém,
o homem sobrio em relagáo a éles e nao pretenda afirmar, a
respeito, aquilo que o Autor da natureza, Deus, nao lhe tenha
revelado!
II. DOGMÁTICA
EVANGÉLICO (Guapimirim):
L. F. S. (Rio de Janeiro) :
— 286 —
leis comuns da natureza. Dado, por exemplo, que Deus, um anjo ou
urna alma de deíunto se mostrem sob sinais sensiveis tem-se o que
se chama urna aparicao.
— 287 —
isto impóem-se á fé de todos os cristáos, desde que sejam incu-
tidas pelo texto bíblico auténticamente interpretado (neste
ponto é preciso chamar a atencáo para o estilo e as modali
dades de expressáo da S. Escritura; nem tudo que, á pri-
meira leitura da página sagrada, parece ser milagre ou apa-
ricáo milagrosa, há de ser entendido como tal; daí a ressalva:
impóem-se á fé as aparicóes que o texto bíblico, interpretado
segundo os criterios do respectivo genero literario, nos con
signa) .
_ 288 —
íacilidade as suas visSes... (cf. Institutiones theologiaé mysticae.
Paris 1848). . •
Sem diíiculdade percebe-se que alguns déstes criterios carecem
de valor. Como quer que seja, a lista ácima ao menos atesta quao
pouco os teólogos sao inclinados a admitir visoes e revelagóes
particulares.
289 —
Parece ainda importante acentuar que, mesmo quando
publicadas com o «Imprimatur» ou a licenga de um bispo, as
narrativas de visees e revelagóes particulares nao represen-
tam necesariamente o pensamento comum da Igreja; o
«Imprimatur» apenas significa que a respectiva obra a rigor
nada contém contra a fé e a moral cristas; disto, porém, nao
se segué que o magisterio da Igreja intencione recomendar
positivamente as idéias ai expressas. Compete ao leitor, em
tais casos, exercer um certo discernimento a fim de nutrir
a sua fé e a sua vida cristas ñas fontes mais ricas e puras
do depósito sagrado.
— 290 —
espirito, por nao ter tamanho nem cor..., é totalmente ina-
cessível aos nossos sentidos. Positivamente
a) julgam bons teólogos que a imagem sensível de um
homem, de urna donzela ou de um jovem mancebo... que
Deus ou criaturas espirituais suscitam nos videntes, se deve
a um agente intermediario corpóreo de que tais espíritos
puros se servem para impressionar os sentidos dos moríais;
Deus tem, sim, o poder de mover a materia a fím de que ela
produza tal efeito no órgáo visual de individuos humanos; o
mesmo Senhor pode outrossim permitir que os anjos e santos
provoquem semelhantes efeitos.
— 291 —
«As vis6es sensiveis ou corpóreas, também chamadas aparigOes,
sao aquelas em que os sentidos percebem urna realidade objetiva
por si invisivel ao homem. Nao é necessário que o objeto percebido
seja um corpo de carne e ossos; basta seja urna forma sensível ou
luminosa. Por conseguinte, admite-se geralmente, com S. Tomaz,
que Nosso Senhor, depois da sua Ascensáo, nao apareceu pessoalmente
senáo em casos muito raros; Ele em geral só aparece sob urna forma
sensivel que nao é seu verdadeiro corpo... O que dizemos de Nosso
Senhor, aplica-se á Ssma. Virgem; portante, quando ela apareceu
em Lourdes, seu corpo permanecía no céu, e no lugar da aparigáo só
havia urna forma sensivel que a representava. É o que explica como
ela aparega ora sob urna forma, ora sob outra» (Précis de Théologie
ascétique et mystique II. Paris 1924, 934).
S. Tomaz (S. Teol., Supl. qu. 69, a. 3) admite que as almas dos
defuntos, quer estejam no céu, quer estejam no purgatorio, quer no
inferno, possam por certo tempo, em virtude de especial disposigáo
da Providencia, sair do seu estado próprio para se manifestar na
térra. Adverte, porém, o S. Doutor: ao passo que os justos conseguem
isto todas as vézes que o pedem a Deus, os reprobos só com raridade
aparecem neste mundo. Em todo e qualquer caso, a finalidade dessas
aparigóes é algo de nobre: os santos, diz S. Tomaz, vém exortar e
estimular os seus irmáos peregrinos na térra; as almas do purga
torio vém pedir sufragios, e os reprobos, por designio de Deus,
vém admoestar os viventes e incutir-lhes temor salutar.
Citamos estas consideragBes únicamente á guisa de ilustragáo, pois
versam em torno de objetos que em grande parte escapam á algada
do nosso conhecimento; em tal setor só nos é possível fazer conjeturas,
abstendo-nos de afirmagSes categóricas.
O mesmo Doutor Angélico se refere em particular as aparig5es
de Cristo na Eucaristía sob a forma de crianga ou de carne viva.
Assevera que em tais casos os videntes contemplaram urna imagem
formada milagrosamente sobre as especies sacramentáis (sobre as
aparéncias do pao, por exemplo) ou formada diretamente na retina
dos videntes (cf. S. Teol. III 76, 8); como quer que fósse (e isto
é importante), a formagáo dessa imagem se devia a urna intervengáo
extraordinaria do Senhor Deus e constituía um auténtico sinal de
Cristo para avivar a fé dos videntes.
S * »
— 292 —
incandescente... (noticias colhidas na obra do Pe. Réginald-Omez:
Peut-on communiquer avec les morts? Paris 1955).
Difícil seria definir a origem désses sinais. Dever-se-áo a um
fenómeno ou acídente de índole meramente natural? Seráo, antes,
o produto de alguma arte ilusoria praticada de boa fé ou... de má fé?
Seriam, ao contrario, verdadeiros efeitos sobrenaturais provocados
por algum espirito bom (ou mau) com a permissao de Deus? —
Tais questoes e suas respectivas respostas nao tém grande importan
cia, pois a ideología e o programa de santificacáo do cristáo (coisas
estas de máximo valor) nao dependem de tais fenómenos; estes sáa
totalmente contingentes no Cristianismo.
Dado, porém, que se admita a origem preternatural das mencio
nadas marcas, tomar-se-á a cautela de nao dizer que foram produzidas
pelo fogo do purgatorio. Éste nao é elemento semelhante ao fogo
da térra, capaz de queimar os objetos mataríais ¡ livros, panos,
madeira, etc. (alguns teólogos chegam a chamá-lo «fogo espiritual»).
Os referidos vestigios das almas, caso sejam auténticos, dever-se-áo
á lntervencáo de Deus. que terá suscitado (ou terá permitido que
alguma alma do purgatorio suscitasse), em dadas circunstancias, um
elemento capaz de queimar os objetos assinalados, deixando néles
a respectiva marca, talvez como símbolo do estado em que acham
as almas do purgatorio.
Dado que se comprove ou se torne plausível alguma mensagem
de alma do purgatorio neste mundo, nao será necessário admitir que
tal alma se tenha tornado"''presente na térra; Deus em sua miseri
cordia pode ter produzido um fenómeno maravilhoso que, para os
respectivos espectadores, terá sido a expressáo da dita mensagem
(em geral, estas mensagens consistem em pedidos de preces pelos
defuntos).
Em qualquer caso, mesmo que n3o se possa definir a índole de
urna presumida mensagem de alma do purgatorio, as pessoas inte-
ressadas poderao sempre responder sufragando as almas por suas
preces e pelo S. Sacrificio da Missa; tais sufragios jamáis seráo
infrutuosos.
— 293 —
LAURO (Sao Paulo) :
— 294 —
á tona sob a forma de símbolos, quando o estado de sonó debi
lita os poderes de controle da consciéncia. Por conseguinte o
conteúdo de todo sonho, ainda que pareca indecifrável, traduz
diria de se manifestarem em estado de vigilia, mas que viriam
idéias latentes ; essas idéias latentes sao expressas em lin
guagem figurada, linguagem figurada, porém, cujo expressio-
nismo pode ser proficuamente apreendido e estudiado. - •
Conforme Freud, quatro sao as leis que regem ésse expressio-
nismo dos sonhos:
a lei da condensaba», segundo a qual idéias numerosas vém a
ser simultáneamente representadas por poucos símbolos;
a lei da deslocacao, pela qual os aíetos que em estado de vigilia
se concentram sotare determinado objeto, em estado de sonó se
aplicam a urna imagem mais ou menos conexa com tal objeto;
a lei da drainatizacáo, em conseqüéncia da qual as idéias abstraías
sao representadas por figuras concretas e até certo ponto teatrais,
á semelhanca do que se dá na linguagem oral: assim urna pessoa
que se ache em estado de dúvida aparece em sonho colocada diante
de urna encruzilhada de estradas ;
a lei da simbolizacSo: os conceitos que nao ousariamos exprimir
em estado de vigilia, sao manifestados em sonho sob a tutela de
símbolos, dos quais os mais famosos sao: a casa, representacáo do
corpo humano, principalmente feminino; a madeira, emblema de
mSe; a agua, significativa' do nascimento, etc.
— 295 —
muito vivo e impressionante. Em conseqüéncia, desde os tem-
pos mais remotos até nossos días existiram, e existem, pessoas
altamente reverenciadas por serem tidas como auténticos in
térpretes do significado dos sonhos. Como se compreende, essa
arte aparece geralmente associada a crengas religiosas, de
modo que os sonhos ainda hoje sád freqüentemente conside
rados como sinais da Divindade ou de espirites do Além aos
homens.
— 296 —
No decorrer da historia universal apontam-se, mesmo entre os
homens mais ilustres, alguns que tiveram sua íé nos sonhos. Assim
o general romano Marco Bruto (séc. I a. C.) tomou como presagio
de má sorte o fantasma ameagador que lhe apareceu na véspera
da batalha de Filipes; Benjamim Franklin (tl790), o célebre esta
dista e cientista norte-americano, acreditava nos sonhos, tomando-os
como advertencias do céu.
Doutro lado, nao faltaram eminentes vozes de protesto contra a
supersticao dos sonhos, vozes provocadas, sem duvida, pelos abusos
de nao poucos exploradores e charlatáes populares.
Aristóteles (t322 a. O, por exemplo, o maior filósoío da Grecia,
escreveu o tratado «Adivinhacáo pelo sonho», asseverando nao ser
nem verídico nem possivel que a divindade envié sonhos proféticos;
o filósofo zombava dos que se davam a tal crendice, mostrando que
o sonho nao é senáo a projegáo das impress6es colhidas pelo sujeito
em estado de vigilia e avolumadas por obra da fantasia. Dizia ainda
que, se alguns vaticinios obtidos em sonhos se cumprem, isto se
deve a coincidencias, das quais nao se poderia deduzir alguma conclu-
sáo positiva, pois, para tanto, seria preciso abstrair do fato de que
inúmeros sonhos «proféticos» nao se cumprem.
Plinio o Velho, naturalista romano (t 79 d. O, abracava o
mesmo parecer, embora se mostrasse dado a certas crendices e admi-
tisse historias de mortos redivivos sobre a térra; asseverava que em
sua época só as massas ignorantes acreditavam em sonhos e só
os charlatáes ousavam praticar a interpretacáo onírica.
— 297 —
freqüentemente o Senhor comunicava seus oráculos aos pro
fetas de Israel (cf. Núm 12,5).
Como se entenderá que o Senhor tenha dessa forma cbn-
corrido para dar autoridade á crenga no valor dos sonhos ?
O Senhor, nos episodios bíblicos citados, comunicando«se
por meio de sonhos, correspondía a urna expectativa muito
espontánea entre os judeus e orientáis. Estes eram, por sua
índole e suas tradigóes, propensos a se deixar guiar por ima-
ginagóes noturnas. Ora o Senhor dignou-se atender a tal ex
pectativa, pois a pedagogía divina toma o homem como ele é
e costuma falar-lhe segundo a linguagem e o expressionismo
do próprio homem, tratando apenas de remover erro ou con-
fusáo doutrinária. A Biblia, conseqüentemente, ao relatar epi
sodios de sonhos inspirados, faz questáo de remover qualquer
crenga supersticiosa; dá claramente a ver que o Senhor nao
se comprometeu a falar habitualmente por sonhos e que por
isto nao se podem estabelecer regras fixas para se interpre-
tarem tais fenómenos. Com efeito, nao há, conforme a Escri
tura, intérpretes profissionais ou técnicos dos sonhos, como
os havia entre os babilonios (cf. Dan 2,2 ; 4,3 ; 5,15) e os
egipcios (cf. Gen 41,8) ; ao contrario, a explicagáo dos sonhos
se deve a esporádico dom de Deus e compete a quem, como
o Patriarca José e o Profeta Daniel, possui o espirito de Deus:
— 298 —
crer que o Altíssimo recorra muitas vézes a sonhos para ma
nifestar seus designios as criaturas.
3. A quanto acabamos de dizer, porém, sera necessário
acrescentar a seguinte observagáo : os modernos conhecimen-
tos de ciencia já permitem, melhor do que na antigüidade,
perceber as causas ou os agentes provocadores de sonhos ; a
humanidade contemporánea está mais a par das leis que regem
os fenómenos conscientes e subconscientes. Por conseguinte,
os médicos e psicólogos estáo até certo ponto capacitados
para definir auténticamente o significado de um sonho e para
prever conseqüéncias ou acontecimentos futuros implicados em
tal fenómeno (quem conhece as causas de um sonho, poderá
predizer com maior ou menor seguranga outros efeitos que
essas causas desencadearáo em tempo oportuno). Essa técnica
recorre exclusivamente a criterios de ciencia, nao pretendendo
valer-se de receitas ou revelagóes religiosas ; por isto é rao-
ralmente lícita.
Assim íala-se, em medicina, de equivalentes oníricos dos acessos
nervosos e de sonhos precursores e mensageiros de doencas: Pascal,
por exemplo, o filósofo francés (tl662Í, sonhou certa vez que ídra
estrangulado por urna lita, e dois dias depois viu-se acometido por
urna «angina pectoris»; Aínaldo de Villanon sonhou haver sido
mordido em um dos seus pés, e no dia seguinte viu desenvolver-se
um abcesso em tal membro. Eram as causas de tais perturbagOes
patológicas que, já existentes no organismo dos respectivos individuos,
se manifestavam antecipadamente por meio de sonhos, provocando,
por pressáo do sangue ou de outro modo, a formacáo de imagens
correspondentes na fantasía dos futuros doentes.
Os recentes estudos do fenómeno psi-gama ou da percepcáo extra-
-sensorial tém possibilitado a explicacáo natural de fatos que até
época recente eram tidos como sobrenaturais ou religiosos.
A interpretacáo científica dos sonhos (deixando-se de parte t6da
supersticáo ou o emprégo de criterios falsamente religiosos) pode ser
clínicamente útil para curar certas neuroses. Requer-se, porém, que
o intérprete seja pessoa de idoneidade moral insuspetta.
No tocante aos vaticinios que os antigos autores pagaos e a
moderna literatura nao-católica referem ter obtido por sonhos, adml-
tir-se-á a acao de facuidades naturais latentes na alma (telepatía,
telestesía, percepgáo extra-sensorial) ou, mais raramente, a inter-
vengáo do demonio ou a do próprio Deus.
DX SAGRADA ESCRITURA
B. C. L. (Morros) :
7) «Como se pode condenar a evocacjío dos mortos, se
Deus mesmo permitiu a aparigáo de Samuel a Saúl mediante
a intervencao da pitonisa de Endor ?»
— 299 —
1. O reí de Israel, Saúl, certa vez em guerra, vendo
diante de si o acampamento armado dos filisteus, sentiu-se
receioso e consultou o Senhor sobre o que havia de fazer. Nao
tendo obtido resposta, resolveu recorrer a urna pitonisa ou
adivinha, que em seu nome evocasse o espirito de Samuel,
antigo conselheiro de Saúl. Mudou, pois, de trajes a fim de
nao ser reconhecido como rei, e á noite foi ter com a adivinha,
rogando-lhe fizesse a evocagáo; a mulher, porém, a principio
recusou-se, lembrando que o rei (o próprio Saúl) proibira se
veramente o exercício de tal arte. Tendo, contudo, insistido,
Saúl conseguiu que a pitonisa executasse seu ritual. Apareceu
entáo (como diz o texto hebraico) um elohim, isto é, um ser
de extraordinaria majestade, envolvido em um manto, o qual
subia do seio da térra (os judeus julgavam que os morios
habitavam o cheol, isto é, as regióes subterráneas ;. cf. Is
14,9s ; Ez 32,18). Ao vé-lo, a mulher prorrompeu em um grito
de espanto ; Saúl, que nao o contemplava, compreendeu entáo
tratar-se do vulto de Samuel; prostrou-se, e perguntou o que
havia de fazer diante da ameaga filistéia. O ex-conselheiro
respondeu-lhe que Saúl, na qualidade de rei, fóra definitivar
mente reprovado por Deus (cf. 1 Sam 15,28) e que, em con-
seqüéncia, no dia seguinte ele e seus filhos estariam com Sa
muel no cheol. Tendo ouvido isto, o monarca se encheu de
temor; depois que a pitonisa e os dois servos do rei o recon-
fortaram, Saúl voltou para seu acampamento e, de fato, pere-
ceu em breve sob os golpes dos filisteus.
2. Que pensar de tal aparigáo ?
Tres sao as interpretacóes que desde a antigüidade os
comentadores propóem:
a) a aparigáo e a resposta de Samuel nao seriam mais
do que produto da arte fraudulenta da pitonisa; esta teña
conseguido engañar Saúl, dando-lhe a crer que realmente o
defunto evocado aparecerá. — Tal explicagáo, porém, embora
patrocinada por S. Jerónimo, é pouco provável, pois o texto
sagrado refere que a pitonisa mesma se espantou ao verificar
o efeito de suas artes...
b) Outra sentenga diz que a pretensa aparigáo de Sa
muel era efeito direto do demonio. Éste haveria provocado
a manifestagáo de urna imagem ou de sinal sensivel que pa-
recia corresponder ao vulto de Samuel, e teria feito a pitonisa
falar em nome do defunto. — Tal opiniáo, embora mais pro
vável do que a anterior, nao satisfaz plenamente, pois o fenó
meno tem o caráter de admoestagáo dirigida a Saúl para o
incitar ao bem e á penitencia, finalidade esta que o Maligno
nao visa. Resta, pois, dizer que
— 300 —
c) de fato, o espirito de Samuel, por permissáo de Deus,
apareceu a Saúl. É o que insinúa o texto de Eclo 46,23 :
— 301 —
«Se alguém se dirigir aos que evocam os esplritos e aos adivinhos,
para se entregar as suas práticas, voltarei minha face contra ésse
homem e o afastarei do meu povo» (Lev 20,6).
«Todo homem ou toda mulher que evocar os espiritos ou se der
á adivinhacao, será punido de morte; lapidá-lo-áo; seu sangue recairá
sobre éles» (Lev 20,27).
IV. MORAL
— 302 —
b) Outros autores apelam para o seguinte tópico : o
rei Carlos IX da Franca, achando-se no castelo de Ronsillon
(Dauphiné) no ano de 1564, decretou que doravante come-
garia a I9 de Janeiro o ano civil que até entáo tivera inicio a
1* de abril. Em conseqüéncia, os presentes e votos de felici
dades de Ano Novo foram deslocados para o mes de Janeiro.
Muitos cidadáos, porém, lamentavam a troca ; para estes
entáo (dizem os mencionados autores) certos concidadáos
irónicos reservaram presentes simulados e mensagens enga
ñadoras que a 1» de abril os «consolassem» em sua amar
gura !... O uso ter-se-á generalizado com o decorrer dos
tempos. — Mais ainda : já que, conforme os astrólogos, no
mes de abril o sol deixa o signo zodiacal dos Peixes, conjetu-
ra-se que, por éste motivo, os homens foram dando a tais
presentes ilusorios o nome, ainda hoje usual, de «peixes de
abril».
c) Urna terceira teoría se baseia no fato de que o rei
Luis XIII (1610-1643), da Franga, detinha como prisioneiro
no castelo de Nancy um príncipe da Lorena. Éste, porém, con-
seguiu fugir do cárcere a^l' de abril, atravessando a nado o
rio Meurthe. Em conseqüéncia, os lorenos teráo espalhado o
rumor de que haviam entregue um «peixe» á guarda dos
franceses. E, para solenizar sarcásticamente o acontecimento,
teráo introduzido na sociedade o costume de dar presentes
«que escapam (como peixe)» ou presentes ficticios, no dia
V> de abril. — Esta explicagáo, porém, carece de probabilidade,
pois a praxe de gracejar a I9 de abril é comprovadamente
anterior ao reinado de Luis XIII.
d) Há, por fim, quem recorra á historia da Paixáo de
Cristo... Com efeito ; julga-se que o Senhor Jesús padeceu
no inicio de abril (a data mais provável da morte do Salvador
seria a de 7 de abril do ano 30). Ora, justamente por ocasiáo
do seu padecimento, Jesús foi enviado de um tribunal para
outro, ou seja, de Ana a Caifaz, de Caifaz a Pilatos, de Pilatos
a Herodes, de Herodes a Pilatos, sofrendo através dessas peri
pecias o insulto e a burla tanto das autoridades como do
poviléu. Na Idade Media, táo doloroso processo era reprodu-
zido em autos e misterios que visavam a edificacáo popular.
No séc. XVI, porém, os cidadáos haveriam tomado a liberdade
de gracejar irreverentemente, infligindo ao próximo um «jógo
de empurra» (ou um tratamento insincero, zombeteiro) seme-
lhante ao que recaiu sobre Jesús. Tal costume equivaleria, por
conseguinte, a revoltante abuso das veneráveis cenas da Paixáo
do Senhor. — Dentro desta hipótese, julgam alguns historia
dores, a expressáo «peixe de abril», usual em francés, nao
— 303 —
seria senáo a deturpagáo de «paixáo de abril» (passion
d'avril = poisson d'avril). O historiador Quitard, porém, julga
que, longe de ser deturpagáo, o apelativo «peixe» foi escolhido
intencionalmente, no caso, para designar de modo velado o
Cristo (ninguém ousaria, como se compreende, nomear explí
citamente o Senhor Jesús por ocasiáo de táo indignas brinca-
deiras) ; a escolha terá sido sugerida pelo fato de que o peixe
é realmente antigo símbolo de Cristo, pois a palavra ichthys
(peixe, em grego) se compóe das letras iniciáis dos cinco vocá-
bulos gregos seguintes : Jesous Christós, Theou Yiós Sotér =
= Jesús Cristo, de Deus, Filho, Salvador (em ordem direta :
Jesús Cristo, Filho de Deus, Salvador).
É a esta quarta explicagáo que os autores franceses mais
verossimilhanga atribuem. É também a que os escritores de
outras nagóes geralmente apresentam como a mais provável.
Alguns déstes, porém, langam aínda urna quinta hipótese:
os gracejos de 1" de abril seriam a reminiscencia de antigos
festejos pagaos, talvez de origem celta, celebrados outrora
no inicio da primavera.
Váo seria prolongar as conjeturas sobre o assunto. Faz-se
mister, ao menos por ora, renunciar á plena clareza neste setor.
— 304 —
pode ser vitima; dado, portanto, que alguém eaia mima
armadilha de I* de abril, isto se deverá talvez nao exclusiva
mente á malicia do autor da fraude, mas em parte á impru
dencia da própria vitima.
CORRESPONDENCIA MIÚDA
— 305 —
chado sem detrimento para o povo de Deus. S. Excia., ao comunicar ao
público a sua decisáo, fez questáo de realzar que, há quinze anos atrás,
quando seu venerando antecessor recusou benzer a igreja, ele mesmo,
Dom Costa, nao teria procedido de modo diferente. Circunstancias diver
sas, porém, possibilitam — até exigem — atitudes diversas !
HUMBERTO (Belo Horizonte) :
1) O bom amigo lamenta que o texto bíblico da Vulgata latina em
Gen 3,15 dé a ler: "Ipsa conteret caput tuum. — Ela há de te esmagar
a cabe;a", quando o original hebraico apresenta um pronome masculino:
Ele há de te esmagar..." ; o hebraico, portante, refere-se aqui ao re-
bento ou á descendencia da mulher, nao á mulher ou a María SSma.
Nao obstante, a Igreja conserva o pronome feminino do texto da Vul
gata e o ilustra por meio de estatuas da Virgem a esmagar a serpente !
— Para julgar devidamentc o problema, fixemos rápidamente o
sentido de Gen 3,15.
Após a alianza pecaminosa de Eva com a serpente no paraíso, o
Senhor prometeu desfazer o pacto, estabelecendo inimizade ^entre a
serpente e sua linhagem, de um lado ; a mulher e sua descendencia, do
outro lado.
Quem sao propiciamente ésses antagonistas ?
No contexto de Gen 3, a serpente significa evidentemente o- demo
nio. Por conseguinte, a linhagem da serpente vem a ser todos aqueles
— homens e anjos maus — que se filiam ao Maligno, deixando-se in
fluenciar por ele, para constituir o que S. Agostinho chama "a Cidade
do Diabo".
A ésse partido se opóem a mulher e sua linhagem... A mulher
(determinada por artigo, no texto hebraico), se se considera o con-)
texto de Gen 3, é Eva, pois sómente esta fazia parte da cena do paraíso
(em todo o cap. 3 do Gen, a mulher é sempre Eva ; cf. w. 1.2.4.6.12.
13.16.17.20.21) ; Eva, por sua penitencia, seria, para o futuro, anta
gonista do demonio. A posteridade da mulher inimiga do Maligno sao
conseqüentemente todos os homens bons, os que repelem as influencias
do demonio, constituindo "a Cidade de Deus".
É esta a interpretac.5o literal do texto. Ulterior reflexáo, porém,
leva a descobrir no mesmo um sentido aínda mais profundo : nem Eva-
nem os homens bons que déla descendem, realizaram e realizam, sem
restricto, inimizade com o demonio, pois tanto a primeira mulher como
o comum dos seus descendentes pecaram e pecam, apesar de suas in-
tengóes virtuosas. Apenas um homem e u'a mulher foram sempre alheioü
ao Maligno, pois jamáis conheceram a mancha de pecado, nem original
nem atual : Cristo e Maria SSma. Em vista disto, conclui-se : no sentido
literal imediato, o vaticinio de Gen 3,15 se refere a Eva e a todos os
justos; no sentido pleno, porém, alude a Cristo c sua MSe SSma. A
profecía se cumpriu por excelencia no Redentor e em Maria ; ela se
cumpre, em sentido menos perfeito, em Eva e em todos os homens bons,
os quais sustentaram e sustentam a.juta contra o Maligno, em virtude
da pugna vitoriosa que Cristo e Maria sustentaram.
Os tradutores antigos do texto hebraico 'enveredaram por mais de
urna interpretagáo : assim o texto grego dos LXX traz o pronome
autos, masculino, em vez de auto (neutro que correspondería a sperma,
descendencia); donde se vé que os tradutores gregos apontavam direta-
mente um varáo, o Messias, como Esmagador da serpente. A tradugáo
latina anterior a S. Jerónimo e o próprio S. Jerónimo (t 420) em sua
obra "Quaestiones hebraicae" usaram o pronome masculino ipse, segundo
— 306 —
a praxe dos LXX ; em numerosos manuscritos da Vulgata latina, porém,
entrou a forma feminina ipsa, que prevaleceu, insinuando a pessoa de
María SSma.
Esta última tradugáo é inadequada, mesrro errada, do ponto de
vista filológico. Nao contém, porém, erro teológico, podendo até ser expli
cada plausivelmente á luz da Teologia : de fato María, junto com seu
Divino Filho (embora subordinadamente a Éste), esmagou grandiosa
mente a cabega da serpente, preservada corno foi do pecado original
(naja vista a explanagáo do sentido literal ¡mediato e do sentido pleno
ácima proposta). Por isto é que o texto da Vulgata foi sendo transmi
tido tal como o confeccionou o tradutor ; a Santa Igreja o respeitou,
pois nao contém heresia ; nunca, porém, definiu ser essa tradugáo a
expressáo auténtica do teor hebraico. Nota-se até que as tradugóes cató
licas modernas da Biblia fazem ressaltar o pronome masculino Ele em
Gen 3,15.
Compreende-se outrossim que os artistas latinos, leudo o Génesis
na tradugáo da Vulgata, o tenham .ilustrado, representando a Virgem
a esmagar a cabega da serpente. A Sta. Igreja também aceitou esta
expressáo da fé crista, pois ela é genuína, contanto que nao se afirme
ser a expressáo da letra de Gen 3,15. É esta a razáo de ser da praxe
atual dos católicos.
Acontece, porém, que, consciente de que a tradugáo da Vulgata,
embora nao contenha heresia, é afetada de imperfeigóes filológicas, a
Igreja pensa em publicar nova tradugáo latina da Biblia Sagrada, tra
dugáo que corresponda fielmente ao texto original. Já saiu mesmo nova
tradugáo latina do Salterio-ordenada por Pío XII.
Como se vé, a questáo nao versa em torno de erro teológico, mas
em torno de urna falha lingüística, que os antigos tradutores cometeram
de boa fé e que os modernos váo removendo com clareza.
2) Quanto á autenticidade e ao sentido de Mt 16,17-19 (primado
de Pedro), veja "P.R." 13/1959, qu. 2. Como reconhecem os críticos
em geral, essa passagem nao falta em manuscrito alguna dos Evangelhos
nem ñas tradugóes e citacdes do texto sagrado feitas na antigüidadc.
Se o texto tivesse sido interpolado, haveria sido interpolado, sim, nos
tres Evangelhos sinóticos, e no mesmo contexto, quando na verdade ele
só aparece em S. Mateus (cf. Me 8,28-39 e Le 9,20-27) ; o silencio, pois,
de Me e Le é sinal da autenticidade do texto.
Ademáis, dado o apego dos antigos cristáos á tradigáo, teria sido
impossível dar autoridade a um texto que houvesse sido tardíamente
inserido ñas Escrituras.
V. S. (Belo Horizonte) :
1) A dúvida de V.S. se relaciona também com o texto de Mt 16,18.
V.S. leu que dezessete Padres da Igreja interpretam a expressáo "esta
pedra" como se designasse a pessoa de S. Pedro, ao passo que quarenta
e quatro optam por outra explicagáo. E pergunta : que pensar disto ?
— Sem dificuldade, pode-se verificar que tal estatística é assaz
precaria. Os Padres mencionados, ao tratar o texto de Mt 16,18, nem
sempre o faziam visando a rriesma finalidade : enquanto alguns quiserain
deduzir das palavras de Cristo as respectivas conseqüéncias dogmáticas
e, por isto, interpretaran! lógicamente o texto como sendo alusivo á
pessoa de Pedro, outros apenas infcencionaram as conseqüéncias moráis
e ascéticas do versículo citado. Com efeito, os Padres, abordando a pas
sagem de Mt em suas pregagóes ao povo, diante de taljpúblicp^inuitas
vézes focalizavam apenas o aspecto prático, aplicá^l^S-yida espiritual,
— 307 —
do 3. Evangelho. Donde se concluí que, quando alguin escritor antigo
silencia a interpretacáo petrina de Mt 16,18, nao é licito supor sim-
plesmente que a tenha recusado. Esta reflexáo póe em evidencia quao
pouco significativa é a estatística ácima. Deve-se, ao contrario, reconhc-
cer que, «quando os Padres tratam explícitamente da Jexegese de
Mt 16,18, concordam em aplicar tal texto ("esta pedra") a pessoa de
S Pedro" (cf. Buzy, Évangile selon St. Matthieu 216, em "La Sainte
Bible" de Pirot-Clamer IX. Paris 1946).
2) Em um dos próximos números de "P.R." responderemos a
questáo referente a denominasao presbiteriana.
GARCÍA (Mariana): A respeito do inferno, veja "P.R." 3/1957, qu. 5.
M C (Santa Catarina): Sobre o arrebatamento de Elias aos céus,
cf "p'r'" 2/1957, qu. 9. A propósito de Elias e S. Joáo Batista, veja
"P R " 3/1957 qu. 8. A Sagrada Escritura nao ensina que Elias vol-
tar'á a térra no fim dos tempos ; nao se poderia firmar tal hipotese no
texto de Apc 11 ; cf. E. Bettencourt, A vida que comesa com a morte,
Temos diante dos olhos varias outras perguntas, ás quais nos pro
pomos responder, em parte, nos próximos números de 'P.R._; em
parte responderíamos por carta, se nos f6sse conhecida a diregao dos
estimados consulentes. Por falta de enderecos, vemo-nos pesarosamente
.impossibilitados de entrar em contato com mais de um dos nossos dis
tintos interlocutores.
D. ESTÉVAO BETTENCOURT O. S. B.
* BIBLIOTECA CEHIRúL %
«PERGUNTE E RESPONDEREBIOS»
REDAgAO ADMENISTRACAO