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Rubens Ricupero *
Evandro Didonet **
exportações. Não deixa de ser uma comercial poderiam ser resumidos nos
curiosidade histórica especular sobre o que seguintes aspectos:
"poderia ter sido e não foi", caso o Brasil a) submeter a economia brasileira a um
tivesse perseverado em tentar um modelo "choque de competitividade", levando
mais aberto, no justo momento em que nossas empresas a buscar formas mais
países como a Coréia do Sul ensaiavam eficientes de produção - em benefício,
seus primeiros passos nesse caminho até a inclusive, de sua capacidade de
época pouco explorado. A partir dos anos exportação;
70, as mudanças de política econômica e
b) facilitar a importação de bens de capital
as conseqüências tiradas dos choques do
e de tecnologias essenciais para a
petróleo levarão a um retrocesso e à morte
modernização do parque industrial;
precoce desse primeiro intuito de reforma
comercial. c) introduzir maior grau de competição em
setores oligopolizados da economia
A abertura comercial brasileira só vai
brasileira, em benefício dos
ter início efetivo no final dos anos 80. A
consumidores e, também, como fator
constatação do esgotamento do modelo de
de contribuição aos esforços de
substituição de importações reflete-se no
controle da inflação.
fato de que a passagem a uma política de
maior exposição da economia brasileira à O fato de o Brasil abrir sua economia
competição internacional se deu sem deveria ser visto, ademais, como parte de
traumas, e sem contestação relevante por uma nova política de desenvolvimento, em
parte dos diferentes setores da sociedade que o comércio internacional - importações
brasileira. Ainda que não se possa falar em e, também, exportações - passaria a
consenso, registrou-se, desde o final dos desempenhar papel mais importante.
anos 80, amplo grau de apoio interno ao Buscava-se, na expressão já um tanto
processo de abertura comercial, que teve desgastada pelo uso, uma "maior inserção
continuidade ao longo dos governos José do Brasil na economia internacional".
Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e, A experiência do acelerado
agora, Fernando Henrique Cardoso. Seria crescimento das economias dinâmicas da
incorreto, assim, identificar a abertura Ásia contribuiu para ressaltar, a partir dos
comercial - como muitas vezes o fazem os anos 80, a importância do comércio exterior
seus críticos - a um projeto de inspiração como alavanca para o processo de
neoliberal. desenvolvimento. Não se pretende afirmar
De uma forma simplificada, os que a abertura ao exterior é, por si só,
objetivos mais imediatos da abertura elemento suficiente para explicar o "salto"
daquele grupo de economias. Ao contrário,
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outros. O erro não estaria talvez na idéia da programa de redução gradual das tarifas de
proteção, mas em como o sistema de importação.
proteção foi administrado, transformando o As barreiras não-tarifárias começaram
que deveria ser temporário e moderado em a ser marcadamente flexibilizadas já em
algo de permanente e absoluto. A 1988. Naquele ano, os pedidos de licença
tendência humana ao menor esforço se de importação passaram a ser concedidos
encarregou do resto... automaticamente sempre que não
Os comentários sobre os países implicassem perfuração do valor atual,
asiáticos de economia dinâmica tendem a previamente aprovado, do programa de
reforçar, assim, a avaliação feita no início importação de uma determinada empresa.
deste texto de que não caberia uma No mesmo ano, foi reduzida de 2400 para
condenação generalizada, de cunho 1200 itens a lista de produtos cuja
ideológico, do modelo de substituição de importação estava suspensa. Em 1990, foi
importações. A experiência parece eliminado o limite quantitativo, em dólares,
demonstrar, efetivamente, sua utilidade - por importador, extingui-se a lista de
dentro de limites razoáveis - em um produtos cuja importação estava suspensa
primeiro momento do processo de (o chamado "anexo C"); e foi suprimido o
industrialização. Ao mesmo tempo, as exame do similar nacional. As medidas
características da substituição de citadas nesse parágrafo têm, apenas,
importações na Ásia e a constatação de caráter ilustrativo em relação ao amplo
que o modelo foi sendo flexibilizado com o processo de desmantelamento das
passar do tempo reforçam, do mesmo barreiras não-tarifárias.
modo, a argumentação desenvolvida em A tarifa média nominal passou por
favor da revisão do modelo de substituição abrangente processo de reduções
de importações no Brasil. graduais: 51% em 1987; 35% em 1989;
O processo de abertura comercial no 32% em 1990; por fim, cumprida a última
Brasil, em sua vertente de facilitação a etapa do cronograma pré-fixado de
operações de importação, pode ser dividido reduções realizadas a partir de fevereiro de
em duas linhas essenciais: a) decisões 1991, 14% em julho de 1993. A tarifa
unilaterais e b) formação do MERCOSUL. máxima, que era de 105% em 1987,
reduziu-se progressivamente a 35% em
No que diz respeito às decisões
julho de 1993.
unilaterais de abertura da economia, esse
processo inclui, de um lado, a virtual As reduções tarifárias foram feitas,
eliminação de barreiras não-tarifárias e, de portanto, de forma gradual, e de modo a
outro, a implementação de abrangente permitir o ajuste das empresas brasileiras.
Além disso, a tarifa brasileira em vigor a
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partir de julho de 1993 - por meio da a essa exceção que as medidas restritivas
fixação de alíquotas mais elevadas, de brasileiras podiam ser justificadas) até a
35%, para os setores produtivos com maior graduação no Sistema Geral de
incorporação de valor agregado - refletia a Preferências e as ameaças mais sérias de
preocupação oficial em manter o equilíbrio negar a produtos brasileiros o acesso a
entre, de um lado, a necessidade de expor mercados nas nações desenvolvidas. O
a economia nacional à competição Brasil só escapou de um contencioso grave
internacional e, de outro, o propósito de com os EUA devido à decisão adotada em
evitar o risco de "sucateamento" da março de 1990 de eliminar as barreiras
indústria. não-tarifárias. Nas vésperas dessa decisão,
o Governo norte-americano já havia
O caráter unilateral da abertura
designado o Brasil como um dos alvos
comercial brasileira foi muitas vezes objeto
primordiais da lei Super 301 e tinha
de críticas no sentido de que o país não
anunciado sua intenção de pedir no GATT
teria sabido negociar nada em troca. A
um painel contra as restrições brasileiras,
esse respeito, deve-se observar que a
não obstante a invocação por Brasília do
abertura comercial decorria de um
artigo XVIII-B. Não é verdade, pois, como
interesse próprio e imediato, e não de uma
presumem os críticos, que o país
concessão a interesses externos. De resto,
dispusesse da liberdade de continuar
cabe relembrar que a contrapartida acabou
impunemente a aplicar o arsenal de
se dando no contexto da Rodada Uruguai
proteção. Ao contrário, se não tivesse
do GATT - na qual o Brasil se habilitou a
ocorrido a liberalização, é provável que os
usufruir de todos os benefícios resultantes
conflitos comerciais viessem a afetar
da diminuição de barreiras comerciais de
significativamente o desempenho comercial
terceiros países, sem ter feito em troca
brasileiro. Isso, é claro, sem mencionar o
qualquer concessão comercial além de seu
absurdo de supor que o Brasil pudesse
programa de abertura unilateral.
concluir a Rodada Uruguai e ingressar na
É preciso não subestimar igualmente OMC sem uma reforma substancial de seu
a pressão que, a partir da melhoria do regime comercial.
balanço de pagamentos, começou a ser
A formação do MERCOSUL - talvez
exercida sobre o Brasil pelos seus
até hoje o mais importante projeto em que
parceiros industrializados. Tais pressões
se envolveu, em posição de liderança, a
iam das contestações cada vez mais
nossa diplomacia econômica - constitui um
vigorosas feitas no seio do Comitê do
capítulo especial da abertura comercial
GATT incumbido de examinar como o país
brasileira. Dispondo de amplo apoio por
vinha utilizando a exceção permitida pelo
parte dos mais diferentes segmentos da
artigo XVIII-B do Acordo Geral (era graças
sociedade brasileira, o MERCOSUL tornou-
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se possível apenas no quadro mais geral chamar a atenção, neste ponto, para o fato
da abertura comercial. Ao mesmo tempo, o de que não provocou, em um primeiro
êxito do MERCOSUL viria a constituir, de momento, aumento insustentável do nível
sua parte, um impulso de fortalecimento do de importações (aspecto que será tratado
próprio processo de abertura. no item II), cabe assinar os seguintes
aspectos:
Da mesma forma que a abertura
comercial, os avanços do MERCOSUL a) o desafio representado pela abertura
decorreram do compromisso continuado e comercial impulsionou, como é
sucessivo dos últimos governos brasileiros, amplamente reconhecido, os esforços
sem distinções partidárias. O processo de das empresas brasileiras no sentido de
integração teve início na aproximação se tornarem mais competitivas. De
bilateral com a Argentina, em que se acordo com estimativa preliminar do
empenhou de forma muito especial o IBGE, a produtividade da indústria
Presidente José Sarney. A assinatura do brasileira cresceu 36% no período
Tratado de Assunção viria a ocorrer já na 1991-94 ("O Globo", 13/12/94);
presidência Fernando Collor, em março de b) a ameaça representada pela
1991. Sob o governo do Presidente Itamar concorrência externa levou as
Franco, por outro lado, cumpriu-se a etapa empresas brasileiras a uma maior
mais difícil de transformar em realidade os preocupação com a qualidade de seus
propósitos de integração sub-regional, por produtos. Essa nova atitude se refletiu,
meio da negociação da União Aduaneira entre outros desdobramentos, na
entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o multiplicação do número de empresas
Uruguai, em vigor desde 1/1/95. brasileiras que vêm obtendo o
O MERCOSUL representa um certificado de qualidade ISO-9000;
aprofundamento da abertura comercial em c) o aumento da taxa de investimentos da
pelo menos dois aspectos: a constituição economia brasileira nos últimos dois
de uma zona de livre comércio entre seus anos terá sido impulsionado, em
membros (com as exceções temporárias, alguma medida, pela necessidade de
até 1999, previstas no chamado "regime de fazer frente à concorrência externa.
adequação") e a entrada em vigor em Claramente, esse desdobramento
1/1/95 da Tarifa Externa Comum (com uma positivo está associado, em primeiro
tarifa média nominal ligeiramente inferior à lugar, a fatores tais como a retomada
tarifa de 14% que vigorava no Brasil desde do crescimento econômico a partir de
julho de 1993). 1993 ou o início da reconquista da
A abertura comercial produziu efeitos estabilidade econômica, a partir do
positivos para a economia brasileira. Sem Plano Real - mas não se deve
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Em suma: pela sua forma gradual, o "O consumidor brasileito tem motivos
processo de abertura não provocou risco para comemorar: o Governo não cedeu
de "sucateamento" da indústria nacional. às pressões e deu seqüência ao
Foi, ao contrário, um fator de incentivo à cronograma de redução de alíquotas do
realização de ganhos de produtividade e de imposto de importação. Desde que essa
novos investimentos. A imprensa brasileira política começou a ser posta em prática,
refletiu de forma muito nítida, ao longo dos houve queda nos preços reais,
últimos anos, o amplo grau de apoio interno convertidos em dólares, de uma série de
ao processo de abertura comercial. São bens de consumo. (...) E isso sem que
selecionadas, a seguir, a título meramente tivesse ocorrido uma enxurrada de
ilustrativo, passagens de três editoriais de importações. (...) A abertura comercial é
diferentes órgãos de imprensa - uma peça fundamental da estratégia de
parcela ínfima dos editoriais com a mesma integração do Brasil à economia
avaliação positiva: internacional, e o comércio exterior é,
necessariamente, uma via de duas
"(...) a sucessiva troca de Ministros da
mãos. (...) O Governo vem adotando
Fazenda não influiu sobre a política de
política correta nessa abertura,
comércio exterior, que continua a pautar-
estabelecendo maior proteção para os
se pela linha básica da liberalização
produtos finais (...)."
progressiva como expressamente
afirmou o Ministro Fernando Henrique O Globo - 5/7/93
Cardoso. (...) Não diríamos que a
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capítulo desse processo, como o foram o final dos anos 80, compreende essa
igualmente a queda do Muro de Berlim, o realidade histórica e mantém a orientação
desaparecimento das economias de de procurar promover crescente inserção
comando centralmente planificadas, o do país na economia internacional -
ingresso primeiro no FMI e no Banco resguardada, sempre que necessário, a
Mundial e depois no GATT dos antigos possibilidade de correções de rumo
países socialistas, a emergência da China temporárias.
e demais asiáticos no mercado global, a V. SUGESTÕES DE LEITURAS PARA
liberalização da Índia, até do Vietnã, e o APROFUNDAMENTO DO TEMA
aparecimento desses países como novos e AGOSIN, Manuel. Política comercial y
temíveis competidores. transformación productiva.
A redução das tarifas e a abolição das Documento CEPAL LC/R. 1293,
barreiras não-tarifárias no Brasil é um 19/agosto/93.
episódio da conclusão do que se vem CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa.
denominando de esgotamento da fase de Rio de Janeiro, Topbooks, 1994.
integração rasa (“shallow integration”), ou
CEPAL. Políticas para mejorar la inserción
seja, da liberalização econômica baseada
en la economía mundial.
apenas em medidas de fronteira (tarifas,
Documento LC/G. 1800 (SES.
cotas, etc.). Já se iniciou, na Rodada
25/3), 2/março/94.
Uruguai, a fase da integração profunda
(“deep integration”), a harmonização de EXAME. Brasil em Exame: Abertura
legislações internas, de padrões inteligente. Maio/1994.
domésticos em serviços bancários, FÓRUM NACIONAL. A nova inserção
seguros, em propriedade intelectual, em internacional do Brasil. Rio de
regras de competição. Seria, portanto, Janeiro, José Olympio, 1994.
uma ingenuidade e uma extraordinária
GATT. Trade Policy Review Mechanism:
miopia tentar isolar o que se vem passando
Brazil. Documento C/RM/S/29B,
no Brasil, em termos de abertura, desse
14/setembro/1992.
gigantesco movimento mundial com o qual
convergem nossas iniciativas de RICUPERO, Rubens. O Brasil e o futuro do
liberalização, que ao mesmo tempo comércio internacional. Brasília,
correspondem profundamente às IPRI/Coleção Relações
necessidades mais autênticas da Internacionais, 1988.
sociedade brasileira. THE ECONOMIST. The Global Economy.
O atual governo, da mesma forma que 1/outubro/1994.
as demais administrações brasileiras desde
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WORLD BANK. The East Asian Miracle. Oxford University Press, 1991, pp.
Oxford University Press, 1993. 88-108.
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Diplomata. Embaixador do Brasil em Roma. Ex-Embaixador do Brasil em Genebra e em
Washington. Ex-Ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e da Fazenda no
Governo Itamar Franco.
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Diplomata. Conselheiro, atuamente servindo em Roma.