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Praticando, Praticando, Praticando

Nuno Crato
Expresso de 15/03/2009

"Há em Nova Iorque muitos locais famosos dedicados à música. Mas não há
nenhum tão venerado e vetusto como Carnegie Hall. Construído em 1891, nele
residiram algumas das companhias e orquestras mais famosas do mundo. Tocar
nessa imponente sala de espectáculos é, ainda hoje, uma ambição de muitos
grandes músicos.

Conta-se que, um dia, quando Arthur Rubinstein se passeava pela Sétima


Avenida, nas redondezas do teatro, foi abordado por um transeunte perdido, que
lhe perguntou como se ia para Carnegie Hall. O grande pianista terá respondido:
Praticando! Praticando! Praticando!.

O dito ficou famoso e tornou-se uma piada predilecta de alguns educa-dores


norte-americanos. Apesar de desaconselhada por algumas correntes pedagógicas
hoje antiquadas, que consideram a prática e a memorização como
contraproducente, a importância da repetição organizada tem sido reforçada por
muitos estudos modernos sobre o funcionamento da mente humana. Henry L.
Roediger, um dos psicólogos norte-americanos que mais se têm dedicado à
investigação do sucesso das práticas de estudo, esteve esta semana em Portugal
e proferiu uma conferência sobre o tema na Universidade de Lisboa.

Roediger reconhece a importância da prática de memorização repetida. Tem


feito estudos experimentais sobre diferentes maneiras de memorizar o
vocabulário de uma língua estrangeira e sobre temas de estudo mais complexos
em sala de aula.

Uma das conclusões mais interessantes dos seus estudos é que os conhe-
cimentos ganham em ser recapitulados e reavivados, mesmo quando estão já
memorizados ou assimilados. A ideia muito comum de que, uma vez estudados
uns assuntos, o estudante deve progredir para outros, sem revisitar as matérias
aprendidas, parece ser errónea.

Alguns psicólogos, nomeadamente David Geary, que também esteve entre nós
há algum tempo, corroboram esta ideia e falam em sobreaprender, dizendo que
os estudantes não devem parar depois de terem assimilado o estritamente
necessário de determinada matéria, mas devem prosseguir, estudando mais, de
forma a reterem o máximo da própria matéria original.

Outros psicólogos e estudiosos da cognição, como Nathaniel Lasry


(Science 320, p. 1720), interpretam estes resultados no quadro das des-cobertas
recentes sobre o carácter activo e adaptável (labile) da memória. Ao contrário do
que por vezes se pensa, cada vez que um facto é relem-brado, a memória
transforma-se e reforça-se, recriando-se em novas versões.

Mas a revelação mais interessante dos estudos apresentados por Roediger é o


papel dos testes. Sendo importante que os estudantes sejam capazes de ter uma
noção do seu estado de aprendizagem, parece que essa noção é geralmente
limitada e dificilmente leva a que os estudantes reforcem o estudo no que mais
necessitam.

A avaliação organizada parece ser um factor determinante na consoli-dação dos


conhecimentos. É importante que o estudante seja avaliado de forma repetida e
espaçada. Ao testar os conhecimentos, procede-se a uma recuperação activa da
memória, que reforça os conhecimentos. Como diz Roediger "o factor decisivo
para a aprendizagem de longo prazo é a introdução de testes" (Science 319, p.
967, 2008). Estes trabalhos científicos fornecem novos argumentos aos
modernos estudiosos de peda-gogia. Reforçam o papel da instrução dirigida e
põem em causa as velhas recomendações românticas de um estudo puramente
autónomo, conduzido ao ritmo do aluno."

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