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ESTUDO SOBRE PRESERVATIVO FEMININO JUNTO A PROFISSIONAIS

DO SEXO EM SÃO LOURENÇO DO SUL

Marcia E. S. Lisboa1

A Localidade
O município de São Lourenço do Sul, dista 300Km ao sul de Porto Alegre,
capital do Rio Grande do Sul, conta atualmente com cerca de 43 mil habitantes,
distribuídos equitativamente na zona rural e urbana. Vivendo basicamente de economia
primária – agro-pecuária- o município teve sua origem na colonização alemã
(pomerana) e portuguesa no séc. XIX, tendo sido à época, um importante porto fluvial
por onde passava a produção agrícola da região.
O Trabalho – Metodologia e Resultados
O programa de DST/AIDS de São Lourenço do Sul passou a receber
preservativos femininos – através da Política de Controle de DST/AIDS da Secretaria de
Estado de Saúde do Rio Grande do Sul - a partir de abril de 2001, e desta data até abril
de 2002, ou seja , no prazo de um ano, forneceu este material a quarenta e duas
mulheres, sendo trinta e nove profissionais do sexo ( 92,8%) e três parceiras de homens
HIV+ (7,2%). O cadastro e distribuição dos preservativos vêm sendo realizados
conforme critérios do Ministério da Saúde, que prioriza o acesso a profissionais do
sexo, usuárias de drogas injetáveis ou parceiras de homens UDIs, e mulheres HIV+ ou
parceiras de homens soropositivos, num total de dez unidades/mês, valor entretanto
negociável a partir da avaliação da demanda explicitada pela usuária .
O trabalho foi realizado exclusivamente junto a profissionais do sexo que atuam em
casas, ou seja, mulheres que trabalham na rua não constam neste estudo e a razão
principal para que isto tenha acontecido é que o trabalho na rua é disperso e sazonal,
durando cerca de dez dias no mês, período em que a população da zona rural vem até a
cidade receber as pensões de aposentadoria, por exemplo, e é realizado por um número
pequeno e flutuante de mulheres, que têm acesso a preservativos masculinos
diretamente nos Postos de Saúde. Entretanto, foram acompanhadas cinco casas de
prostituição, com visitas quinzenais no mínimo, estabelecendo boa vinculação e
aceitação por parte destas pessoas que receberam e recebem muito bem tanto o material

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Psicóloga Clínica, Esp. em Saúde Coletiva. Email: marcialisboa@via-rs.net

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distribuído como as orientações que são apresentadas . Apesar da grande rotatividade
que faz com que se passe até três ou quatro meses até que se reencontre alguma destas
mulheres na mesma casa, é possível manter a linha de união neste atendimento tendo-se
estabelecido vínculos de confiança entre as usuárias e a pessoa que realiza o trabalho.
Destas quarenta e duas mulheres acompanhadas ao longo de um ano, dezessete
(40%) não estão mais recebendo o preservativo em função de terem se mudado, ou não
terem sido mais encontradas nas casas que são visitadas, uma vez que a entrega e
acompanhamento é feito no próprio local de trabalho; no caso das parceiras de homens
HIV+, duas não estão mais mantendo estes relacionamentos, e ficamos sem saber o
nível de proteção que as eventuais atuais parceiras destes homens estão praticando .
Entretanto, continuam sendo acompanhadas 25 mulheres ( 60%) , uma parceira de
homem HIV+ e vinte e quatro profissionais do sexo.

Da população total de mulheres já atendidas podemos dizer que nove


conheciam o preservativo feminino ( 21%) , enquanto as outras trinta e três (79%)
não haviam usado/colocado ou mesmo nunca viram .

Conhecimento previo do preservativo feminino


(população total atendida 42 mulheres)

Já conheciam
21%

Não conheciam
79%

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Quanto a escolaridade, das trinta e nove profissionais do sexo acompanhadas no
período, vinte e seis (66,7%) não completaram o primeiro grau; seis ( 15,4%)
completaram o primeiro grau; quatro ( 10,3%) quatro (10,3%) fizeram parte do segundo
grau e três ( 7,6%) conseguiram completar segundo grau.

É comum a baixa escolaridade ser mencionada como causa principal da


dificuldade em conseguir emprego regular, entretanto, informalmente, nas conversas de
participamos, a maioria absoluta das mulheres admite que não deixaria de exercer como
profissional do sexo por possibilitar renda razoável, horários flexíveis, relativa
segurança quanto a violência, já que trabalham em casas, onde circulam seguranças
durante o trabalho, enfim.

E sco larid ad e

30
Número de Mulheres

25
20
15 26
10
5 6 4 3 S1
0
1º Grau Inc . 1º Grau C om p. 2º Grau Inc . 2º Grau C om p.
N iv e l de Instrução

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Uso de Preservativos com Parceiro Fixo

Mulheres com
parceiro fixo
com uso de
preservativo
21%

Mulheres com
parceiro fixo
Sem Parceiro
sem uso de
Fixo
preservativo
61%
18%

Das trinta e nove mulheres profissionais do sexo atendidas, quinze (38,5%)


mantêm parceiros fixos, e vinte e quatro não o fazem (61,5%). Das quinze mulheres que
mantêm relações permanentes com parceiro, oito referem usar sem exceção preservativo
em todas as relações sexuais ( 53,4%) enquanto que sete (46,6%) admitem que não
usam qualquer proteção com os companheiros ou maridos.mantendo a crença de terem
feito sexo sem proteção.
Pelo menos dez mulheres relataram espontaneamente que em várias
oportunidades em que utilizaram o preservativo feminino, os parceiros não o notaram,
Em duas oportunidades foi relatado desconforto na utilização do preservativo
feminino, mas após conversa, foi constatado que houve colocação inadequada por parte
das mulheres, e após nova explicação e orientação, o material foi aprovado em termos
de conforto .

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Houve uma exceção que não está computada nestes números aqui apresentados,
um rapaz, homossexual, que eventualmente faz programas, solicitou dois preservativos
femininos porque desejava muito experimentar. Após conversarmos longamente sobre a
inadequação anatômica do uso do preservativo feminino para sexo anal, foi-lhe
fornecido dois preservativos, com a condição que retornasse para relatar a experiência.
Ele utilizou o material com dois parceiros diferentes, que aprovaram a excelente
lubrificação, e ainda sentiram-se estimulados com a argola interna de borracha que –
obviamente – fica em posição paralela à parede do preservativo em função da
disposição anatômica, o rapaz solicitou mais dois preservativos, que lhe foram
concedidos. Não se pretende fazer disto uma rotina, mas pensamos que seria
interessante esta experiência para registro no trabalho, e também motivou a consulta a
médico urologista que contraindicou o uso deste preservativo para homens, alegando
que a argola de borracha pressiona a próstata intensamente, podendo causar lesões
importantes. Entretanto, a qualidade da lubrificação e conforto do material foi
unanimemente descrita como superior pelo rapaz que fez a experiência e pelos seus
parceiros .

Comentários

• Embora três das trinta e nove profissionais do sexo acompanhadas no


período de um ano admitam ‘negociar’ eventualmente o não uso de qualquer
tipo de preservativo, a partir de conversas informais com outras colegas ou
mesmo com as gerentes das casas de prostituição, ficou claro que o número
de mulheres que fazem esta negociação é bem mais elevado do que o
revelado ou admitido. Justificativas como ‘excesso de álcool’ ou o ‘embalo
do momento’ são as mais freqüentes nestes casos. Entretanto, é bem
evidente o nível de consciência que as mulheres entrevistadas dos riscos de
contrair HIV, pois a grande maioria já contraiu alguma DST em algum
momento, e percebe com clareza o significado da utilização correta e efetiva
de preservativo, seja masculino ou feminino.

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• O preservativo feminino é visto unanimemente como uma alternativa a ser
utilizada com clientes alcoolizados ou idosos ( com dificuldade de manter
ereção ) ou com aqueles que insistem em não usar por qualquer razão o
preservativo masculino, e que tendem a ficarem agressivos quando
confrontados com a exigência, isto é, fica estabelecida a questão da
autonomia da mulher neste ponto. E este é, sem dúvida, um dos mais fortes
argumentos a favor do preservativo feminino, que tem ainda como vantagem
adicional, o fato de poder ser colocado horas antes da relação sexual, dando a
mulher, amplas possibilidades de ´negociação´ .
• Fica evidenciado que embora a disponibilidade de material (preservativos
femininos e masculinos) e orientação/informação sobre DST/AIDS sejam
fundamentais no trabalho de prevenção, a efetiva mudança de
comportamento – privilegiando o auto-cuidado – passa pela sensibilização e
mobilização interna de cada pessoa. O fato de que metade das profissionais
do sexo acompanhadas, que mantêm parceiros fixos, não utilizam com eles
qualquer tipo de proteção, nos leva a considerar e refletir sobre o tipo de
mensagem sobre prevenção está sendo levada a cabo. Isto é, estamos
realmente considerando a prevenção às DST/AIDS - especificamente em
relação às mulheres – no seu aspecto integral, ou visando apenas o ‘lado
profissional do sexo’ destas mulheres? Entendemos que está sendo feita – na
prática do nosso trabalho - uma distinção inadequada e que reforça também
escolhas inadequadas por parte destas mulheres, que ‘se cuidam’ ou “não se
cuidam” a partir de critérios afetivos, emocionais, etc..que fazem com que
distingam os ‘clientes’ dos ‘parceiros não comerciais’ enquanto fonte
possível de risco de contaminação. É certo que há necessidade de se ´dividir´
os focos quando se trabalha em prevenção, até por questões de insumo, de
logística e mesmo por questões de controle epidemiológico que são mais
fáceis de observar quando se estuda populações específicas, ou facetas
específicas de uma população. Mas corre-se o risco de ratificar a dicotomia
– na prática inexistente - entre a mulher profissional do sexo e a mulher que
tem sua vida afetiva própria, independente do trabalho que exerça para
ganhar a vida. A questão da integralidade na abordagem em prevenção ou

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educação na saúde é sempre presente, e há tantas soluções quanto situações
de demanda. Isto equivale a dizer que o modelo higienista, verticalizado,
onde o técnico ou profissional da saúde orienta, dá informações, a alguém
que supostamente está ali para acatar estas orientações pura e simplesmente,
não funciona. A informação por si só não é suficiente. Mas sim, o trabalho
que contemple um discurso coerente com as práticas da população em foco,
e que atinja os objetivos de prevenção e educação em saúde num processo
coletivo de construção que respeite e abranja os conhecimentos e interesses
da população. Em outras palavras, se se obtém êxito em que profissionais do
sexo utilizem na quase na totalidade das relações sexuais comerciais algum
tipo de preservativo, é importante que se consiga fazê-la perceber que ela é
uma mulher cuja vulnerabilidade continua presente independente da relação
ser comercial, com algum cliente desconhecido, ou com seu parceiro de
cotidiano. O que está em questão é o entendimento do auto-cuidado, que
passa pela auto-estima , que são entendimentos de cada pessoa, valores
individuais que no entanto não podem se furtar às pressões culturais que nos
falam da submissão da mulher – sob as mais diversas justificativas – à
vontade do homem O papel então de qualquer trabalhador em saúde que
deseja atuar em educação e prevenção em DST/AIDS passa necessariamente
pela compreensão, ou pela tentativa de compreensão, deste modelo que
privilegia a autoridade ou autoritaritarismo masculinos, mas que também
encontra na mulher a contrapartida da submissão, e trabalhar sempre no
sentido de construir conjuntamente com esta mulher, alternativas próprias de
conduta que a levem em direção ao auto-cuidado, a sua proteção pessoal em
relação às DST/AIDS. Este ´construir conjuntamente´ implica num
estabelecimento de vínculos de confiança e também no “acolhimento
respeitoso” dos conhecimentos e da bagagem que esta mulher traz consigo,
isto é, o papel do trabalhador em saúde é de parceria, não um papel de
autoridade que tudo sabe. E a partir daí, a opção que cada mulher fizer, será
um exercício de sua vontade, mas com todo o subsídio que o serviço de
saúde puder ter lhe prestado.

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