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TERCEIRA PARTE

Não se pode viver com boa saúde


em um planeta doente
David Servan-Schreiber

O urso polar vive completamente afastado da civilização. As


vastas extensões de neve e gelo de que ele tem necessidade para
sobreviver não são propícias ao desenvolvimento urbano nem às
atividades industriais. Entretanto, de todos os animais do mundo, o
urso polar e o mais contaminado pelos produtos químicos tóxicos, a
ponto de seu sistema imunológico e sua capacidade de reprodução
estarem ameaçados. Este grande mamífero se nutre de focas e de
grandes peixes, que se nutrem por sua vez de peixes menores, os
quais comem peixes ainda menores, plâncton e algas.
Os poluentes que nós despejamos em nosso rios grandes e
pequenos terminam todos dentro do mar. Muitos são persistentes,
ou seja, não se decompõem em elementos assimiláveis pela
biomassa da terra ou dos mares. Em vez disso, eles fazem a volta
do planeta em alguns anos e vão se acumular no fundo dos
oceanos. Acumulam-se também no organismo dos animais que os
ingeriram (são bioacumulativos) e têm uma afinidade especial com
as gorduras – diz-se que são lipossolúveis. São encontrados
portanto na gordura animal. Primeiro na dos pequenos peixes,
depois na dos grandes que comem os pequenos, depois na dos que
comem os grandes peixes. Quanto mais elevados na cadeia
alimentar, mais a quantidade de “POP” (poluentes orgânicos
persistentes) na gordura aumenta.62 O urso polar está no topo de
uma cadeia alimentar, que está contaminada em cada etapa.
Fatalmente, ele é o mais atingido pela concentração progressiva – a
biomagnificação – dos poluentes do meio ambiente.
Existe um outro mamífero que ocupa o lugar de honra no cimo
de sua cadeia, cujo habitat é ainda por cima claramente menos
protegido do que o do urso polar: o ser humano.
Daniel Richard é o presidente da filiam francesa da primeira
associação ecologista do mundo, o WWF (World Wildfile Fund).
Daniel ama a natureza com paixão. Ele vive há 12 anos da
Camargue, à beira de uma reserva natural muito protegida.
Quando, em 2004, o WWF lançou uma campanha – insólita – para
medir a taxa de diferentes produtos químicos tóxicos no orgnaismo
de personalidades, ele se ofereceu como voluntário. Atônito,
descobriu que carregava no corpo perto da metade dos compostos
testados (42 sobre 109). Quase tanto quanto os ursos polares... A
que ele atribui? “Eu sou um carnívoro...”, respondeu. Na mesma
pesquisa, 39 deputados europeus e 14 ministros da Saúde ou do
Meio Ambiente de vários países europeus foram testados. Eram
todos portadores de doses significativas de poluentes cuja
toxicidade para o homem é comprovada. Treze resíduos químicos
(ftalatos e compostos perflorados) foram sistematicamente
encontrados em todos os deputados. Quanto aos ministros, eles
apresentavam, entre outros, 25 traços de produtos químicos
idênticos: um retardador ode chama, dois perticidas e 22 PCB
(bifenilos policlorados).63 Esta poluição do organismo não está
reservada aos eleitos, nem aos europeus: nos Estados Unidos, os
pesquisadores do Center for Disiase Control identificaram a
presença de 148 produtos químicos tóxicos no sangue e nas urinas
de americanos de todas as idades.64

(-----)

Figura 13 – A produção de substâncias químicas sintéticas, como os


pesticidas, é um fenômeno novo, característico do final do século
XX.65

Como a explosão do consumo de açúcar e a degradação


extremamente rápida da relação ômega-6/ômega-3, o surgimento
dessas substâncias tóxicas no nosso meio ambiente – e nosso
corpo – é um fenômeno radicalmente novo. Ele data também da
Segunda Guerra Mundial. A produção anual de substâncias
químicas sintéticas passou de 1 milhão de toneladas em 1930 pasra
200 milhões de toneladas hoje.65
Quando esses números foram publicados pela primeira vez em
1979 pela pesquisadora Devra Lee Davis, esta jovem e brilhante
epidemiologista, que não poupava palavras, terminou sento tratada
como agitadora. É preciso dizer que ela tinha corajosamente dado
como título a seu artigo na revista Science: “O câncer e a
produção química industrial”. Um tema que todo mundo teria
preferido calar e que por pouco não encerrou sua carreira
principiante. Mas Davis persistiu. Depois da publicação de mais de
170 artigos ao longo dos anos que se seguiram, após dois livros
sobre o tema que causaram impacto, 12,66 chegou a se tornar a
primeira diretora de um centro de oncologia ambiental, criado por
ela na Universidade de Pittsburgh. Hoje, a relação entre câncer e
meio ambiente não é mais contestada.
O Centro Internacional de Pesquisa de Câncer da OMS montou
uma lista de produtos cancerígenos presentes no meio ambiente.
Em trinta anos, foram testados novecentos (uma ínfima proporção
das mais de 100 mil moléculas que foram espalhadas, em levas de
milhões de toneladas pro ano, pela indústria a partir de 194067).
Desses novecentos produtos que lhe forma submetidos – o mais
das vezes por organismos governamentais, sociedades médicas ou
associações de consumidores que manifestam alguma objeção –,
um único foi reconhecido como não cancerígeno; 95 foram
classificados como “cancerígenos comprovados” (ou seja, existem
suficientes estudos epidemiológicos com animais para estabelecer
uma relação formal de causa e efeito); 307 são cancerígenos
“prováveis” ou “possíveis” (os estudos com animais são
convincentes, mas os estudos humanos para apresentar a prova de
sua nocividade não foram feitos ou são insuficientes); 497 foram
etiquetados como “inclassificáveis” (o que não significam que não
sejam perigosos, mas, sim, que seus efeitos não foram
suficientemente estudados, com frequência por falta de meios).
Em numerosos casos, esses componentes continuam sendo
amplamente utilizados. Por exemplo, o benzeno, cancerígeno
estabelecido, encontrado na gasolina; alguns plásticos, resinas e
colas; alguns lubrificantes; tintas, detergentes e pesticidas.68 As
indústrias defendem argumentando que os percentuais a que os
usuários estão expostos são cem vezes inferiores às doses tóxicas
para os animais. Mas Sandra Eteingraber, bióloga especializada em
meio ambiente, mostrou que um rápido cálculo basta para varrer o
argumento: em 1995, o Programa Nacional de Toxicologia
conseguiu complementar ensaios em animais a respeito de,
aproximadamente, quatrocentos produtos químicos, uma amostra
representativa das 750 mil substâncias presentes no mercado, à
época. Conclusão dos pesquisadores: 5% a 10% deles podem ser
considerados cancerígenos para o homem; 5% a 10%, o que quer
dizer 3.750 a 7.500 dos produtos aos quais estamos expostos. Não
há como se tranqüilizar quando nos dizem que cada um tem menos
de 1/100 da dose tóxica.11 Supondo que cada produto alcance o
limiar de 1/100, o resultado seria uma carga total de 37 a 75 vezes
a dose tóxica estabelecida para os animais. Na Europa, os médicos,
pesquisadores e associações internacionais reunidos na Unesco
em 2004, chegaram a conclusões similares. Em conjunto, por
instigação do professor Dominique Belpomme, oncologista do
hospital europeu Georges-Pompidou, tornaram-se signatários da
“declaração de Paris”, que pede a aplicação de um princípio de
precaução a toda nova substância química. Ela recomenda que se
determine o potencial tóxico de cada novo composto antes de
introduzi-lo de modo descontrolado no meio ambiente. Um princípio
que espontaneamente aplicamos em relação a nós mesmos e aos
nossos filhos, mas que jamais foi imposto à indústria química.69,70
É na gordura que se acumulam numerosos cancerígenos,
inclusive os emitidos pela fumaça de cigarro – como o altamente
tóxico benzo-[A]-pireno dos aditivos, um dos cancerígenos mais
agressivos que se conhece.71 Dentre os cânceres que mais
aumentaram no Ocidente nos últimos cinqüenta anos, estão
sobretudo os cânceres de tecido que contêm ou que são cercados
de gordura: seios, próstata, cólon, sistema linfático...
Muitos desses cânceres são sensíveis aos hormônios que
circulam no organismo. Fala-se então de cânceres “hormônio-
dependentes”. É por essa razão que eles são tratados com
antagonistas dos hormônios – como o Tamoxifeno para o câncer de
mama, ou os antiandrógenos para o câncer de próstata. Por qual
mecanismo os hormônios agem sobre o desenvolvimento do
câncer? Ao se fixarem sobre certos receptores na superfície das
células, comportam-se de uma certa maneira como uma chave que
é introduzida em uma fechadura. Se essas células forem
cancerosas, os hormônios desencadearão em seu interior reações
em cadeia que têm por efeito lança-las em um crescimento
anárquivo.
Inúmeros poluentes do meio ambiente são perturbadores
hormonais. O que quer dizer que sua estrutura imita a certos
hormônios humanos. O que os torna capazes de se introduzir nas
fechaduras e ativa-las anormalmente. Muitos deles imitam os
estrógenos. Durante suas pesquisas, Devra Lee Davis batizou0os
de “xenoestrógenos” (do grego xeno para “estrangeiro”).72
Veiculados por certos herbicidas e pesticidas, são atraídos pela
gordura dos animais de criação, na qual se acumulam. Mas estão
também presentes em certos produtos de beleza e produtos de uso
doméstico68 (uma lista de produtos que devem ser evitados é
fornecida no final de cada capítulo).
O Departamento de Epidemiologia de Harvard mostrou em
2006 – em um estudo longitudinal com 91 mil enfermeiras
acompanhadas durante 12 anos – que o risco de câncer de mama
nas mulheres em pré-menopausa é duas vezes mais elevado entre
as que consomem carne vermelha mais de uma vez por dia do que
entre as que a comem menos de três vezes por semana.
Poderíamos portanto dividir por dois o risco de câncer de mama
simplesmente agindo sobre o consumo de carne vermelha. Na
Europa, o grande estudo EPIC, que segue mais de 400 mil pessoas
em dez países diferentes, chegou à mesma conclusão em relação
ao câncer de cólon: duas vezes mais riscos entre os grandes
comedores de carne do que entre os que comem menos de 20
gramas de carne por dia (sendo que o consumo de peixe – rico em
ômega-3 – divide o risco por dois73)
Não se sabe se o risco ligado ao consumo de carnes se deve
aos contaminantes organoclorados contidos na gordura dos animais
de criação, à maneira de cozinha-la (as aminas heteroclíclicas que
se formam durante o cozimento de carnes muito grelhadas, ou
compostos de conservação N-nitroso dos frios e salames, que são
também agentes cancerígenos conhecidos), ou ainda aos
xenoestrógenos dos plásticos dentro dos quais são conservados e
transportados os produtos animais. É também possível que o risco
se deva em parte ao fato de que os grandes comedores consumam
muito menos alimentos anticâncer (que são quase todos vegetais).
Sabe-se, por outro lado, que a carne e os derivados do leite
(bem como os grandes peixes que estão no alto da cadeia
alimentar) constituem mais de 90% da exposição humana a
contaminantes, os cancerígenos conhecidos como a dioxina, os
PCB ou certos pesticidas que continuam presentes no meio
ambiente apesar de sua proibição há vários anos.* Os vegetais dos
mercados franceses, por sua vez, contêm cem vezes menos desses
elementos do que os produtos animais, e o leite “orgânico” é menos
contaminado do que o leite convencional.75,76
A França é o primeiro consumidor europeu de pesticidas e o
terceiro consumidor mundial, atrás dos Estados Unidos e do Japão,
com cerca de 76 mil toneladas de matérias ativas utilizadas em
2004 (para um gasto próximo de 1,8 bilhão de euros).77 Mais uma
vez, esses produtos praticamente não existiam antes de 1930.
A União Européia é a principal produtora, e 72% das vendas
destinam-se ao mercado comunitário. Esses produtos não estão
restritos às utilizações industriais ou agrícolas. Na França, o
Observatório de Resíduos e Pesticidas estima hoje que 80% a 90%
da população estejam expostos a pesticidas e inseticidas de
utilização doméstica, com uma média de três ou quatro produtos
diferentes.77
Como no caso do DDT há quarenta anos, a atrazina é um
pesticida tão econômico que durante muito tempo se considerou,
tendo em vista o benefício que ela representava para a produção
agrícola, que os riscos para o meio ambiente – e para os humanos
– eram “aceitáveis”. Mas a atrazina é um xenoestrógeno tão potente
que é capaz de mudar o sexo das rãs dentro dos rios onde termina
sendo despejada!78,79 Somente em 2003, depois de duras batalhas
confrontando cientistas e industriais, é que ela finalmente foi
proibida na França, seguida em 2006 pela União Européia. Ela
vinha sendo maciçamente utilizada em nosso país desde 1962.
Uma outra parte dos tumores de cérebro como o meu é
sensível aos xenoestrógenos.80 De fato, os agricultores franceses
expostos aos pesticidas e fungicidas têm um risco aumentado de
tumor de cérebro.81 Entre 1963 e 1970, da idade de 2 anos à idade
de 9 anos, brinquei todos os anos em plantações de milho
aspergidas com atrazina que cercavam nossa casa de férias na
Normandia. Toda a minha vida, até o dia em que me diagnosticaram
um câncer, bebi leite, comi iogurtes, carne, ovos que provinham de
vacas, carneiros e galinhas que tinham sido alimentados com milho
tratado com pesticidas. Mastiguei – sem descascar – maçãs que
tinham recebido 15 tratamentos de pesticidas. Bebi água da torneira
saída dos rios e dos lençóis freáticos contaminados (a atrazina não
é eliminada pela maior parte dos sistemas de purificação da água).
Minhas duas primas que tiveram câncer de mama, partilharam
comigo aquelas brincadeiras na Normandia, aquela água, aquela
comida. Outras crianças são adoeceram, jamais saberemos qual foi
a contribuição da atrazina, dentre numerosos outros fatores, para
nossos cânceres respectivos. Jamais saberemos se o risco era
“aceitável”.

(trecho, páginas 97 a 102, do livro: Anticâncer : Prevenir e vencer


usando nossas defesas aturais / David Servan-Schreiber ; ilustrações
Sylvie essert ; tradução Rejane Janowitzer. – Rio de Janeiro :
Objetiva, 2008).

Adquira o livro. Leia-o! Indique-o aos seus familiares e amigos.


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Anticâncer : Prevenir e vencer usando nossas defesas


aturais / David Servan-Schreiber ; ilustrações Sylvie essert
; tradução Rejane Janowitzer. – Rio de Janeiro : Objetiva,
2008
“Cuidado com as propagandas enganosas. Não acredite que o
sol, a luz solar, faz mal à sua pele, causa câncer de pele. O
sol é vida, é energia, é saúde, é vitalidade. Não tenha medo
do sol, antes, ame-o e esteja sempre em contato com a sua
luz. Precisamos, sim, de protetores contra as propagandas
mentirosas e enganosas, e é justamente o sol que faz este
trabalho.”

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