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xer tinha recebido em troca um tratamento das por Charles Boxer foram os prefácios pa- feito. Desejava que me tratassem como um sa: António da Silva Rego, José Pereira da
preferencial. Foram publicadas no mesmo ra a versão portuguesa dos meus livros Goa novo Fernão Mendes Pinto, sem nutrir sen- Costa, Luísde Albuqoerque, LuísFilipeTho-
jornal várias e fortes contestações desta inter- Medieval (Lisboa, Editorial Estampa, 1993)e timentos negativos, e referia-se ao Jesuíta maz. Outros do estrangeiro incllÚam Char-
pretação e em defesa de Charles Boxer. O tra- Goa to Me (Nova Deli,1994),um livro-adeus Maffei, que entrevistou Fernão Mendes Pin- les Boxer,G.V Scammell e Pierre Yves-Man-
tamento preferencial era devido à rara habi- quando decidi sair de Goa e recuperar a na- to antes de ele morrer. Numa outra carta do guino Silva Rego e Boxer voltavam a
lidade que Charles Boxer tinha demonstrado cionalidade portuguesa. Como referi na in- dia de São Pedro e São Paulo, avisava-!l'eso- encontrar-se em Goa depois do seu primei-
em comunicar-se com os japoneses na sua trodução, o título desse livro foi inspirado bre a política do presente Papa de dificultar ro encontro nos arquivos de Goa em 1951.
língua e respeitaras seus costumes. Como se por China to Me, de Emily Hahn. a concessão de dispensa aos padres para se ca- Escrevia-me o Professor Charles Boxer a
pode ler na autobiografia parcial de Emily Embora já o tenha dito implicitamente, sarem. Descrevia a burocracia doVaticanoco- seguir a esse 1.°encontro dos Seminários de
Hahn (mãe da sua filha Carola e mais tarde a maior parte da correspondência do Profes- mo muito lenta nessas matérias, salvo em ca- História Indo-Portuguesa [realizou-se em
sua esposa), intitulada China to Me (.944), sor Charles Boxer é-me dirigida durante a sos privilegiados, como o da bigamia ou 21-25de Setembro último em Goa o 11.°en-
Oda e Hattori, oficiais dos negócios estran- minha vivênciana Companhia deJesus (.967- relações de incesto de D. Pedro II de Portu- contro, completando 25 anos de trabalhos
geiros japoneses estacionados em Hong- 1994).É sobejamente conhecida a admiração gal com a sua cunhada francesa em 1667-68. de colaboração verdadeiranlente internacio-
Kongdurante o período da ocupação japone- que Charles Boxer sempre nutriu pela Com- E acabava o resto da carta em português: nal]:"Gostei imenso do evento em Goa e es-
sa, nutriam uma grande admiração por Charles panhiadeJesus. Explica-sepelos seus conhe- "Paciência, pois que não há outro remédio." pero que haja outro igual em breve.
Boxer, e o último governador japonês de cimentos e pela sua contribuição para a his- Servi-me destas breves passagens na corres- Achei que as duas melhores comunicações
Hong-Kong, general Suginami, já tinha conhe- tória do Japão e de Macau. A sua obra The pondência para ilustrar o interesse e preocu- eram de Ashin Das Gupta e de Pierre-Yves
cido Boxer no Reino Unido. Charles Boxer Christian Century of Japan (1951)tornarao pações humanas do Professor Charles Bo- Manguin. A terceira melhor era a de Teotá-
não precisava de fazer qualquer jogo sujo. mundialmente conhecido, e a Companhia xer pelos seus amigos. Correspondem à sua nio de Souza. Não estou de acordo com a
Não há dúvidas que Boxer alargara o âm- de Jesus sentiu-se endividada para com ele. maneira de fechar a maioria das cartas que me crítica que Scanlmel teceu, e acho que a sua
bito das suas investigações. De historiador re- Desenvolveu outras pesquisassobre a Or- dirigia "com um abraço apertado do amigo e foi a contribuição mais original. Palavra!"
gionalista, e algo amador até então, passara dem no Oriente e na América Latina. Char- admirador fideIíssimo". Quando recebeu o exemplar da minha
a ser um historiador do império. É quando co- les Boxer mantinha contactos pessoais e ad- Na correspondência que cobre o período tese de doutoramento, escrevia:'~cabei de fa-
meça a dcspender mais tempo nos arquivos mirava as pesquisasdos historiadores jeslÚtas, 1977-1993,eu estava sempre informado acer- zer uma recensão do seu excelente livro Goa
internacionais. Já se nota este novo papel na como Schurhammer, w,cki, Sebes, Schutte, ca dos projectos, conferências e viagens do Medieval.Já entreguei o textO para dactilo-
sua obra The GoldenAge ofBrazil (.960), on- todos eles pertencentes ao Instituto Histó- Professor Charles Boxer. Procurava sempre grafar. Segue em breve para a revista Indi-
de aparecem os prenúncios da crítica, que rico dosJesuítas em Roma, e autores I edito- ter o mesmo tipo de informações acerca das ca." [XVII, n.o I, 1980,pp. 87-89] Dizia nu-
reaparece na sua pré-síntese Four Centuries res de montes de documentação sobre osle- minhas actividades. Há referências às publi- ma outra carta: "Goa Medieval tem um
ofPortuguese Expansion, 1415-1825 (1961), e suítas no Oriente. Para Boxer a Companhia cações importantes que tivessem saído e da- aspecto inovador: Trata pela primeira vez de
que ganha força e consistência na polémica deJesus representava o que o Padmado por- va a sua apreciação delas. Sempre quc tinha aspectos da sociedade local que até agora es-
obra Race Relations, em 1963. tuguês tinha introduzido de melhore dequa- uma oportunidade e descobria talento e se- tiveram ausentes na historiogra/ia indopor-
Boxer recusava aceitar as declarações po- lidade no Oriente. RefIectem-se estes senti- riedade de esforços, tinha uma palavra de en- tuguesa."
líticas que não correspondessem à realidade mentos na correspondência que guardo. Era corajamento. Não tolerava era qualquer tipo A carta de 9 de Setembro de 1979trazia
histórica das colônias portuguesas. uma admiração pela instituição, mas nem de pretensões. o seu convite para visitá-Ia no decurso da mi-
Enquanto não tinha havido reacções ofi- por isso falhou na sua amizade pessoal quan- Não posso deixar de registar aqui a orga- nha viagem para Lisboa: "Fico contente em
ciais às publicações anteriores que também se do lhe manifestei a minha decisão para sairda nização em Goa (27-30de Novembro de 1978) saber que vai passar por aqui em Outubro.
referiam ao mesmo assunto, desta vez foi a re- Companhia deJesus. de um seoúnário que juntou pela primeira Quero que reserve um dia para estar comigo
ferência a Salazar logo no primeiro parágrafo Escrevia-me no dia de Santa Úrsula e as vez, depois da restauração das relações di- e ver os meus manuscritos sobre Ásia portu-
do livro que fez toda a diferença. -Iàm bém o Onze Mil Virgens (com raras excepções, era plomáticas entre Portugal e Índia (1974),os guesa e algunslivrosraros da minha colecção.
último parágrafo não deixava de ser provoca- seu hábito utilizaro calendáriolitúrgico na sua historiadores dos dois países, e de muitos ou- Pode ser em 11ou 12de Outubro. Ligue-me
dor: "Os opositores de toda a vida do Dr. Sa- correspondênciapara comigo):"I certainlywilI tros, para fazerem um ponto da situação e ini- quando chegara Londres para 044-284-2219.
!azar, como o Df. Armando Cortesão, alinham remain your firrnfriend and admirer,whether ciar um processo de actualização da historio- Há comboios de (e para) Euston com inter-
com ele no que respeita à permanência de you remain in or out of the Society" [Conti- grafia indo-portuguesa. Foi uma iniciativa valos de meia hora. É fácilchegar aqui". Des-
Portugal em África. Apesar do que quer que nuarei a ser seo amigo dedicado e admira- do PadreJohn Correia-Afonso,Jesuítagoês de então até 1994,passar um dia em casa de
possam sentir os trabalhadores e camponeses dor, seja dentro da Companhia, seja fora de- da Província de Bombaim. Fui seu colabora- Charles Boxer, sempre que eu passasse por
portugueses acercado passado, do presente e la]. Mas revela noutras cartas as suas dor priricipal na organização desse seoúnário Londres, com sherry e almoço de trabalho à
do futuro de Portugal como poder colonial, a preocupações, desejando que os jesuítas de e também um participante activo com uma espera, e com oportunidade de actualizar os
grande maioria das classes cultas tem orgulllO .Goa continuem a aproveitar-se dos meus ser- comunicação. Estiveram presentes algumas meus conhecimentos, era a melhor parte das
do passado histórico e das realizações pre- viços e apreciar a contribuição que eu tinha figuras distintas da historiografia portugue- minhas excursões internacionais.
sentes no ultramar, e estão resolvidas a não ab- Houve troca de muitas cartas quando eu
dicarvoluntariamente no futuro previsível." decidi publicarem Goa,João de Barros: Por-
Para além da troca de nomes pouco corteses tuguese Humanist and Historian of Ásia (No-
e outros galhardetes no Diário Popular de va Deli, 1981),uma das suasúltimas obras que
Lisboa, em Dezembro:1aneiro de 1963-1964, o próprio Boxer considerava importante, e
o governo de Salazar pediu ao governo britâ- assim o con/irrnao seu biógrafo Alden Dau-
nico a exclusão de Boxer da Comissão Con- ru. Para Charles Boxer,João de Barrosera um
junta Anglo-Lusa. Quando isto não foi acei- modelo para a sua inspiração pessoal, não só
te pelo governo britânico, Portugal decidiu como um historiador "seguro"nautilizaçãodas
suspender a Comissão, que só voltaria a reu- fontes, mas principalmente um escritOrcapaz
nir-se após a morte de Salazar- Apesar de tu- de informar sobre o vasto império português
do o que acontecera, quando Boxer fez sair a desde o Maranhão até às Malucas. Asua car-
segunda edição de Fidalgos in the Far East, em ta do dia de São Mateus ApóstOlo mostra-se
1968, ele manteve a dedicação da obra a Ar- contente com a excelente recensão feita por
mando e Carlota Cortesão! Mas dez anos mais A. Coimbra Manins na revista Portugal
tarde Armando Cortesão reeditava a sua Su- Hoje, de 4 de Setembro de 1981.Refere
ma Oriental omitindo a dedicatória a Char- também à impressão muito positiva de Pina
lesBoxer, "a quem a história dos portugueses Martins.
no Oriente deve tanto" na primeira edição! Mas Para prestar a melhor homenagem que eu
entre os portugueses, Carlos Estorninho e Charles Boxer acompanhou com particular atenção podia ao meu mestre-amigo historiador por
Carlos deAzevedo mantiveram-se manifesta ocasiãoda comemoração do centenário do seu
e incondicionalmente fiéis amigos de Charles a política que afectava a escrita da história em nascimento, decidi antecipar o evento com
Boxer durante a tempestade, enquanto al- a publicação da 1.'versão portuguesa da obra
guns outros, como António da Silva Rego, Portugal efez regularmente epublicou os seus que acabei de mencionar. João de Barros:
Luís Ferrand deAlmeida, Manuel Lopes deA!- Humanista Português e Historiador da Ásia
meida, assumiram uma postura critica, mas res- balanços críticos da historiografia portuguesa. foi lançado na Sociedade de Geografia de
peitosa. LisboaemJaneiro de 2002 com a chancela do
Querendo voltar para o aspecto pessoal Não pactuava com a instrumentalização do passado, Centro Português de Estudos do Sudeste
desta minha evocação, além de memórias Asiático (CEPESA) e com o apoio da Funda-
pessoais de vários encontros com o Professor nem para o glorificar, nem para o denegrir como ção CaIouste Gulbenkian.1
Charlés Boxer em sua casa de Ringshall End;
"I,
que não distava muito da residência da minha estratégia para Justificar ou 'condenar 'as opções: Professor Doutor Teotónio R. de Soir:'a
irmã, casada e estabelecida em Dunstable . [Universidade Lusófona
(Luron) há 25 anos, guardo algumas dezenas
de cartas recebidas do Professor Charles Bo-
políticas da actualidade. de Humanidades e Tecnologias]
Sócio Correspondente
xer. Agrande parte da correspondência é dos da Academia Portuguesa de História
anos 1979-1985, mas continuou até 1995. As Sócio Efectivo da Sociedade
últimas missivas escritas à máquina e assina- de Geografia de LIsboa