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Introdução
A partir da segunda metade do século passado os evangélicos saíram dos
templos e foram para os meios de comunicação. Não existe um levantamento
oficial sobre o número de emissoras e programas evangélicos nacionais, no
entanto basta passear na sintonia do rádio, ou nos canais de TV para certificar-se
de que este é um fenômeno incontestável. Este estudo, no entanto, focaliza-se na
utilização que a Primeira Igreja Batista (PIB) de Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, faz do meio audiovisual em sua comunicação interna, como parte integrante
de sua manifestação de culto. A igreja, conservadora em suas raízes, apropriou-
se da produção de uma comunicação audiosvisual periódica a partir de 1998 e,
desde então, seu crescimento numérico tem sido notável.
Uma das hipóteses aqui defendida é que, mais do que contribuir para o
crescimento do número de membros, a inserção da comunicação audiovisual no
culto permite que se construa um novo imaginário a respeito da identidade
daquela comunidade, a respeito de sua condição enquanto cristão evangélico na
contemporaneidade.
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Trabalho apresentado na 6ª Conferência Internacional Mídia, Religião e Cultura
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Aluno do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (Mestrado) da Universidade Metodista de
São Paulo. Email: andre_mazini@hotmail.com
à multiplicidade, e toda a complexidade de doutrinas e liturgias, das
denominações protestantes que hoje congregam no Brasil.
A Reforma Protestante eclodiu no século XVI e rapidamente se espalhou
pela Europa. Isso só pôde ser viabilizado com eficácia por causa de um fator
tecnológico fundamental: a recente invenção da imprensa. Por volta de 1450,
Gutenberg imprimia o primeiro livro da história, a bíblia. A primeira edição, em
latim teve cerca de 150 exemplares, nos anos seguintes à invenção da imprensa
já circulavam milhares de bíblias impressas, primeiro em latim, mas também em
Grego, e depois em Inglês, Alemão, Francês, e demais línguas. A imprensa não
se mostrava apenas um salto tecnológico, representava uma importante
ferramenta para as reviravoltas sociais que se seguiram à sua invenção. Uma
dessas foi o próprio movimento protestante. As 95 teses de Martinho Lutero que é
um dos marcos desse movimento, por exemplo, foram imediatamente impressas
e distribuídas por todas as regiões de língua alemã, divulgando a Reforma e
arrebanhando fiéis aos seus ideais. Percebemos que, desde o inicio, os
protestantes se valeram da imprensa e das ferramentas tecnológicas que
pudessem ser úteis a divulgação de suas idéias.
Magali do Nascimento Cunha contextualiza que o protestantismo (século
XVI) depois de ser difundido por toda a Europa, estabeleceu-se nos Estados
Unidos no século XVII através dos ingleses que colonizavam aquele país.
Considerando que o protestantismo americano ainda levaria um tempo para se
consolidar, podemos considerar que se formavam, na época, os dois principais
pólos difusores das doutrinas nascidas do movimento protestante: a Europa e os
Estados Unidos. No Brasil, os ideais da reforma chegariam somente no século
XIX, em um primeiro momento, vindos do velho continente, mais especificamente
a partir de 1808 quando o príncipe regente Dom João promulgou o Decreto de
Abertura dos Portos às Nações Amigas, em que as nações amigas Portugal
poderiam estabelecer relações comerciais com o Brasil. Nessa primeira “leva”
desembarcaram em solo tupiniquim os Anglicanos (Inglaterra) e Luteranos
(Alemanha). Posteriormente, ainda no mesmo século foi a vez dos missionários
americanos chegarem trazendo os Batistas, ou Anabatistas, os Metodistas, os
Presbiterianos, os Congregacionais e os Episcopais. Já no início do século XX, os
pentecostais se estabeleciam também no Brasil.
Para auxiliar no entendimento de como os evangélicos se organizam no
Brasil, segue abaixo um quadro construido por Magali N. Cunha em sua tese de
doutoramento:
a) Protestantismo Histórico de Migração, que tem raízes na Reforma do século
XVI, chegou ao Brasil com o fluxo migratório estabelecido a partir do século XIX,
sem preocupações missionárias conversionistas. É representado pelas igrejas
Luteranas, Anglicana e Reformada;
(CUNHA, 2004)
O papel da comunicação
As ações de comunicação interna constituíram uma etapa fundamental
nesse processo de tornar a PIB uma igreja interativa. A primeira ferramenta
utilizada nesse sentido foi a reformulação do folheto informativo dominical, por
volta de 1994, e, quatro anos mais tarde, implantou-se no mesmo prédio, uma
produtora de áudio e vídeo. “A produtora foi criada para estabelecer uma
comunicação de alto nível com a igreja”, Gilson Breder. Ele destaca ainda a
função da produtora no sentido de prestação de contas junto ao corpo de
membros. Através do informativo audiovisual, produzido semanalmente, os
membros são informados sobre como o dinheiro dos dízimos e ofertas estão
sendo empregados, quais ações sociais a igreja tem participação e os
missionários sustentados pela igreja – 25 ao todo, distribuídos no Brasil e em
mais nove países – mandam, eventualmente, notícias que são transmitidas à
igreja local, sobre as ações que vêm realizando no campo missionário,
necessidades e pedidos de auxilio financeiro e espiritual, tudo isso também
através do informativo.
Estrutura e estilo da produtora de vídeo
A produtora da Pib de Campo Grande, conta, hoje, com a seguinte estrutura:
são duas ilhas de edição de vídeo, estúdio para chroma key, uma ilha de
tratamento de áudio, uma estação para fornecimento de cópias de dvd’s das
gravações dos cultos, três câmeras e duas mesas de corte de vídeo ao vivo. Os
programas de edição e tratamento das imagens são Premiere, After e Photoshop
A produtora emprega cinco pessoas, responsáveis por toda a produção
audiovisual da igreja.
De acordo com o editor de vídeo, diretamente responsável pela parte técnica
das produções, Marcos Vinicius de Melo, “os vídeos de Igreja têm que ser cheios
de luz, vida, cores e movimento. As cores são sempre frias e brilhantes, pela
ligação que estabelecem com céu, sol e paz. Os movimentos de câmera são
rápidos e objetivos Uso muito o movimento de slide e zoom para GC (gerador de
caractere) O corte é seco, mas com variação de dissolve dependendo da situação
e do assunto, porque tenho que ter cuidado, pois o vídeo sobre oração, por
exemplo, não pode ficar maçante, tenho que deixá-lo chamativo, transmitindo paz,
tranqüilidade e esperança. A dinâmica é deixar sempre o membro informado,
interessado no assunto, esperançoso e feliz”. Questionado sobre a função do
vídeo inserido no momento de culto, Marcos responde que “o objetivo do vídeo
dentro de uma igreja tem muitas funções: informar, incentivar, convocar e
emocionar, pois dentro de uma igreja é trabalhado muito com o emocional onde
se fala muito sobre amor, paz e esperança”.
O VT informativo semanal é o principal produto realizado pela produtora de
vídeo. Através dele todos os departamentos, ministérios, através de seus líderes
podem anunciar suas programações. Os líderes produzem os textos a serem
anunciados no VT, esse passa pela revisão de um responsável jornalista que o
encaminha ao presidente Gilson Breder que aprovará ou não o anúncio. As
solicitações de inserção de informação no VT são feitas através de um sistema
informatizado exclusivo da igreja e devem ser feitas num prazo superior a uma
semana. Na ficha que solicita a inserção o responsável deve responder aos
seguintes tópicos:
Proposta da comunicação:
a) Relatar
( ) Prestar contas ( ) Reportar ( ) Divulgar ( ) Cobrir Eventos
b) Informar
( ) Oferecer Serviço ( ) Esclarecer ( ) Formar opinião
c) Mobilizar
( ) Fazer Propaganda ( ) Convidar ( ) Conseguir Mobilização
Público Alvo
a) Sexo:
( ) Masculino ( ) Feminino
b) Estado Civil
c) Faixa Etária
( ) Crianças ( ) Juniors ( ) Adolescentes ( ) Jovens ( ) Adultos ( ) 3ª idade
d) Situação religiosa
( ) Membros ( ) Congregados ( ) Visitantes ( ) Novos decididos ( ) Não crentes
Mídia/Veiculação
Veiculação
( ) Mural / Banner / Display ( ) Jornal Secular ( ) Cartaz / Folder ( ) Boletim
( ) Site ( ) Telão, DVD ( ) Jornal Evangélico ( ) Televisão ( ) Rádio
Expectativas
Texto livre
Roteiro
Texto livre
Áudio
Sugestão do texto que será lido pelo(a) apresentador(a) do VT
Vídeo
Sugestão de imagens para incrementar a informação
O uso que a PIB de Campo Grande faz dos meios de comunicação permite-
nos identificar em suas manifestações de culto a co-presença de dois tipos de
interação. A) A face a face, considerando a presença física dos condutores do
culto (pastor, responsáveis pelas boas-vindas, músicos, etc,) relacionando-se com
os ouvintes; e a relação que se estabelece diretamente de ouvinte para ouvinte;
B) A quase interação mediada, considerando o informativo audiovisual produzido
durante a semana e exibido no domingo; e finalmente a própria filmagem e
transmissão do culto no telão principal do templo, nos monitores auxiliares
situados fora do templo, na produção do DVD comercializável e finalmente na
divulgação na internet.
Quando a igreja se propõe a interagir entre si em um padrão, também,
mediado, ela faz uso – de uma forma mais incisiva – das ferramentas simbólicas
que lhe são disponíveis. No caso aqui estudado a principal fonte na mediação, ou
mesmo de fornecimento desses símbolos se dá através da comunicação
audiovisual, que por essência se sustenta através dos símbolos que se apropria.
O filósofo Cornelius Castoriadis pontua essa apropriação dizendo que, “o
imaginário deve utilizar o simbólico não somente para ‘exprimir-se’, o que é obvio,
mas para ‘existir’, para passar do virtual a qualquer coisa a mais” (154)
Castoriadis ressalta a função representativa do imaginário, ou seja, o
imaginário, segundo ele, não é um todo irracional, abstrato, ele normalmente
guarda a função de representar o conteúdo em que se apóia originalmente.
Últimas considerações
Se não é possível cogitar na hipótese de generalização das conclusões de
um estudo de caso, é possível traçar alguns apontamentos peculiares ao caso
estudado. A PIB de Campo Grande conseguiu vem, desde 1998, desenvolvendo
uma apropriação madura da comunicação audiovisual. Tal comunicação tem tido
destaque como uma importante ferramenta de comunicação interna, efetuando
prestação de contas, fornecendo informações regionais e globais sobre a
condição dos missionários sustentados por esta igreja, convocando, divulgando
seus eventos, etc. Essa comunicação, no entanto, não se restringe a tais
funcionalidades técnicas, ela fornece a matéria-prima simbólica para a construção
de uma nova consciência identitária sobre a condição dos cristãos daquela
comunidade.
A comunicação audiovisual, no contexto da igreja estudada, não exerce
como principal função, a evangelização de novos membros. Ela se volta para a
consolidação das estruturas locais de organização e, principalmente, de interação
entre seus atores. Ao fornecer uma grande quantidade de material simbólico,
coerentemente com Thompson, a igreja permite que, relexivamente, estabeleça-
se uma identidade própria da comunidade, sem suprimir valores antigos, mas
remoldurando-os ao contexto da idade mídia em que vivemos.
Bibliografia
______ Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995, p.80.