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Uma Etnografia do mundo espírita virtual: algumas aproximações

metodológicas1

CALIL JUNIOR, Alberto. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em


Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS / UERJ)
caliljr@uol.com.br

Resumo
Um dos produtos mais visíveis da chamada “era digital”, a internet vem
despertando o interesse da parte da população brasileira, cada vez mais
inserida em nosso cotidiano e servindo de arena privilegiada para toda uma
gama de acontecimentos que ganham corpo e vida no “ciberespaço”. Neste
sentido, chama atenção a emergência das “comunidades virtuais”. Com ampla
participação dos internautas brasileiros, as “comunidades virtuais” vêm
despertando o interesse dos Cientistas Sociais que descobriram um novo
espaço para o estudo da sociabilidade contemporânea. O surgimento desses
novos “locus” (virtuais?) para a realização de uma pesquisa sócio-antropológica
e para alguns, do trabalho de campo, sugere um movimento de
“estranhamento” em relação a algumas categorias comumente utilizadas nas
análises destes “mundos virtuais”. Tendo como ponto de partida a investigação
que atualmente realizo junto ao “mundo espírita virtual” pretendo discutir nesta
comunicação algumas das implicações metodológicas da pesquisa
antropológica no / do ciberespaço, procurando lançar algumas questões sobre
a natureza dos vínculos sociais que têm como arena os mundos virtuais.

Palavras-chave: ciberespaço; trabalho de campo; mundo espírita virtual.

1
Este texto é uma versão de um trabalho apresentado na XVI Jornadas sobre alternativas religiosas en
América Latina, realizado em setembro de 2007. As reflexões aqui colocadas também fazem parte de um
dos capítulos apresentados para o exame de qualificação no Doutorado em Ciências Sociais que
atualmente realizo.

1
"De que maneira pode o espiritismo contribuir para o progresso?

'Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os
homens compreendam onde se encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a
vida futura de estar velada pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do
presente, lhe é dado preparar o seu futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e
cores, ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como
irmãos2'".

Esta questão de "O Livro dos Espíritos"3 é utilizada como pano de fundo por
Antonio Leite4 em um artigo publicado no "Anuário Histórico Espírita", na
edição de 2004, dedicada à história do espiritismo na internet (Leite, 2004). Um
dos produtos mais visíveis da chamada "era digital" a internet, este "novo
espaço de sociabilidade", vem despertando o interesse de parte da população
brasileira5 De inovação tecnológica - idealizada inicialmente como um
instrumento para facilitar a comunicação entre cientistas - a um "lugar (...) por
onde vai passar toda a cultura do próximo século" (Lemos, 2002), a internet,
cada vez mais, se imiscui em nosso dia-a-dia "(...) atingindo mesmo as
modalidades do estar junto, a constituição do 'nós': comunidades virtuais,
empresas virtuais, democracia virtual..."(Levy, 1996, p.11), enfim, toda uma
gama de acontecimentos ganham “corpo” e “vida” nesses "ambientes virtuais",
ou como alguns preferem chamar, no "ciberespaço". No limiar do século XXI, o
"virtual" e todos os seus corolários parecem, cada vez mais, garantir um lugar
nas agendas e nos cotidianos. Contudo, apesar da (iminente?) "revolução
digital" que bate às nossas portas, chama atenção a preocupação de parte de
um grupo social - os espíritas - em registrar e refletir sobre a sua presença e

2
Grifos meus
3
O Livro dos Espíritos, compilado por Allan Kardec, é considerado como sendo uma das obras basilares
do Espiritismo.
4
Antonio Leite é um dos editores do Boletim GEAE, um boletim eletrônico do Grupo de estudos
Avançados Espíritas, que é tido como tendo sido o primeiro site espírita na internet.
5
Apesar de ser um "sucesso" entre as camadas altas e médias, ainda existe uma larga camada da
população brasileira sem acesso a estes "mundos virtuais". Preocupado com a “exclusão digital” em
setembro de 2003,o governo federal promoveu alterações no Comitê Gestor da Internet – CGI, cujo
principal objetivo é promover e coordenar ações para o desenvolvimento e a democratização da internet
no país. Para maiores detalhes ver Portal, 2006. http://www.inclusaodigital.gov.br/inclusao/

2
participação no "ciberespaço", ou sobre a "história do espiritismo na internet6".
Por que esse interesse em uma história que é relativamente curta?

Produto da segunda metade do século XX, a internet surge para o grande


público em finais da década de 1980. De acordo com Pierre Levy (2003), foi
por essa época que as grandes metrópoles e os campi americanos viram
nascer "um movimento sócio-cultural" que espontânea e imprevisivelmente
"impôs um novo curso ao desenvolvimento técnico-econômico" configurando a
"infra-estrutura do ciberespaço, novo espaço de sociabilidade, de organização,
de transação, mas também novo mercado da informação e do conhecimento7."
(Levy, 2003, p.32) No caso do Brasil, essa "inovação tecnológica" – ou para
alguns: essa “revolução cultural” - não chega de imediato. Em 1988, por
iniciativa de parte da comunidade acadêmica de São Paulo (FAPESP) e do Rio
de Janeiro (UFRJ / LNCC) a internet chega ao Brasil, contudo, inicialmente, o
governo brasileiro optou por monopolizar o controle da transmissão de dados
através daquela Nos primeiros anos da década de 1990, o acesso ao
"ciberespaço" só era facultado a um pequeno grupo de pessoas em alguns dos
órgãos governamentais, em particular aqueles ligados à pesquisa científica.
Com a demanda crescente, em 1995, é liberada a comercialização do acesso à
rede mundial de computadores8. Todavia, é interessante notar, que antes da

6
Essa preocupação por parte dos espíritas com a memória, vai de encontro a uma afirmação de Marcelo
Araújo Franco, citado por Junglubt (2004), ao tratar da efemeridade do ciberespaço. Segundo Franco, “a
Internet não é uma coisa estável, não é uma tecnologia pronta.(...) No Ciberespaço, o que não é presente,
o que não é novidade, é arcaico, talvez objeto da arqueologia. São tantas coisas novas que para aprendê-
las faz-se necessário esquecer. (…) Na verdade, muitos navegadores do Ciberespaço não parecem
preocupados com registro e memória histórica. São mais ligados às memórias artificiais, importantes para
o acesso e a manipulação da informação. (...) O Ciberespaço pode até reter registros históricos em suas
entranhas, mas, para seus usuários, o que é significativo é o que circula na superfície efêmera das telas:
a informação atualizada”. (Franco apud Jungblut, 1994, p. 113).

7
Castells (2003), Levy(2003), Hart(2004) realizam leituras aprofundadas do surgimento e da história dos
primeiros anos da internet.
8
Para maiores detalhes ver Semerene, 1999, a “home-page” da RNP, disponível em
http://www.rnp.br/rnp/historico.html e do Brasil-escola, disponível em
http://www.brasilescola.com/informatica/internet-no-brasil.htm

3
liberalização do acesso já era possível encontrar ambientes de temáticas
espírita nesse "mundo virtual", mesmo sendo o espiritismo uma religião cuja
quase totalidade dos adeptos são brasileiros.

No artigo acima citado Antonio Leite relata como se deu seu "encontro" com o
"mundo espírita virtual"9:

"Em meados do ano de 1994, juntamente com a minha esposa e o meu filho, decidimos
vir morar em Nova Iorque (...) Alguns meses após, adquirimos o nosso primeiro
computador e imediatamente nos conectamos a Internet. Àquela altura dos
acontecimentos nos questionávamos sobre a existência ou não de grupos espíritas
estabelecidos na internet. Um certo dia, como que intuídos pelos nossos irmãos do
outro plano, sem maiores expectativas de resultados positivos, fizemos uma tentativa e
digitamos a palavra Spiritism no browser da America online. Para a nossa satisfação
fomos surpreendidos com a localização da página do GEAE - Grupo de Estudos
Avançados Espíritas, diga-se de passagem, o único que lá encontramos àquela época."
(Leite, 2004)

Paralelamente a tentativa de demarcação do pioneirismo do GEAE10, do qual o


articulista é integrante do corpo editorial, o artigo de Antonio nos remete a uma
época em que a internet não fazia parte do imaginário da maioria e do cotidiano
de alguns dos brasileiros, restrita, como pudemos ver, a uma pequena parcela
da população. Justamente por volta dessa época - 1994 - iniciei minhas
atividades como bibliotecário em uma universidade na cidade do Rio de
Janeiro. No exercício desta função tive a oportunidade de ter meu primeiro
"encontro" com o "mundo virtual", já que estava envolvido com busca e
disponibilização da informação. Em se tratando de uma biblioteca de uma
universidade pública, tínhamos acesso à "rede mundial de computadores11".
9
Estou adotando esta categoria para me referir ao espiritismo na internet, bem como a participação dos
espíritas no ciberespaço. O termo surgiu em uma entrevista com Albino Novaes, um dos participantes
mais ativos desse “mundo” que tenho tido a oportunidade de acompanhar no trabalho de campo. É minha
intenção, refletir mais cuidadosamente sobre a trajetória de alguns desses participantes.
10
Em entrevista concedida pelo mesmo, a temática do pioneirismo do Grupo na divulgação do espiritismo
na internet reaparece, sendo que em nossa conversa, Antonio enfatizou a sua surpresa quando encontrou
a página do GEAE. Conforme o que me relatou: "Um certo dia digitei a palavra Spiritism em um dos
navegadores da internet, e qual não foi a minha surpresa ao me deparar com a homepage do grupo. Digo
surpresa porque àquela época a WWW ainda engatinhava e eu não esperava encontrar nenhum grupo
espírita com página na Web.
11
Aquela época a interface do acesso era bem distinta e menos amigável. Como relatou Antonio sobre
sua primeira experiência com a internet, acessando de um computador nos EUA, sabidamente mais

4
Como nesta mesma época estava começando a me interessar pelo espiritismo
resolvi procurar por alguma informação a respeito deste. E semelhante ao
ocorrido com Antonio nos EUA, obtive a mesma resposta - única e
exclusivamente o Boletim eletrônico do GEAE. E tal como Antonio, eu também
fui surpreendido pelo resultado, pois a experiência com o trabalho na rede de
computadores mostrava que as informações veiculadas em língua portuguesa
eram em número muito reduzido, restritas a alguns canais de notícias e
concernentes aos interesses de alguns ramos da pesquisa científica.

Dois novos "mundos" - o "espiritismo" e o "virtual" - descortinavam-se e afluíam


para um mesmo ponto - o "mundo espírita virtual". A partir do Boletim do GEAE
conheci pessoas / nicks, estive em lugares / ambientes virtuais, aprendi a
utilizar tecnologias informáticas e novos softwares e, tal como aconteceu com
muitos dos meus contemporâneos, mergulhei e fui tomado pelas dinâmicas
societárias que mais tarde viriam a ser chamadas de “Cibercultura” (Levy, 2003
Lemos, 2002). Admitindo-se o ano de 1995 - ano da liberalização do uso
comercial - como o momento em que a Internet ganha o espaço público
brasileiro, constatamos que no curto período de 10 anos o "ciberespaço"
deixou de ser estranho, pelo menos para as camadas médias urbanas. "Salas
de chats”, "comunidades virtuais”, "listas-de-discussão", "blogs", "orkut",
periodicamente uma dessas novidades virtuais entra em moda entre os
internautas brasileiros, ganhando espaço nas diversas mídias (não só
eletrônicas, mas também impressas e televisivas) e conformando o nosso
imaginário12.

avançado tecnologicamente, a World Wide Web - teia virtual em que através de um software, os
browsers, é possível percorrer, navegar pelos diversos pontos da rede - ainda engatinhava. A
"navegação" era realizada em ambiente DOS e os textos eram em ASCII puro - caracteres alfabéticos
sem acentuação que surgiam linearmente na tela com fundo preto. Os cliques dos mouses ainda estavam
restritos a poucas funções e a navegação era realizada através de comandos que precisavam ser
digitados.
12
Comparando os dados da pesquisa nacional de amostra de domicílios (PNAD) nota-se que a
percentagem de domicílios com microcomputadores com acesso à internet passou de 8,60%em 2001
para 13,7 % em 2005. A mesma pesquisa, aponta que no ano de 2005 o país contava com 32 milhões de
usuários da internet.(PNAD, 2005).

5
Nesse aspecto é emblemático o caso do "orkut". Em Janeiro de 2004, o
Google13 lança no "mundo virtual" um novo ambiente cuja proposta era "criar
um espaço na Internet para fazer amigos através de comunidades virtuais", ou
no jargão informático, um "site de relacionamentos". Inicialmente disponível
apenas em língua inglesa, cerca de um ano após o seu lançamento, o orkut
vira febre entre os internautas brasileiros, de tal modo que os administradores
do "site” , em abril de 2005, optaram por criar uma versão em português. Dois
meses depois, o orkut é disponibilizado em dez outros idiomas14. Em 2006, o
“site de relacionamentos” contava com mais de quarenta milhões de usuários
cadastrados, sendo que destes 62,92% eram brasileirosNa medida em que
ocorre esta aproximação das camadas médias urbanas brasileiras com o
ciberespaço, a participação dos espíritas neste vai crescendo
15
consideravelmente . De acordo com Antonio Leite, no artigo supracitado,

“aquela mesma tentativa feita ... há menos de dez anos atrás de digitar a palavra
espiritismo, repetida hoje, seja em que língua for e em qualquer browser, nos trará uma
impressionante quantidade de páginas disponíveis na internet, ultrapassando algumas
dezenas de milhares. Veremos que ao lado da página do GEAE, milhares e milhares de
outras aparecerão... (Leite, 2004)

Em 2007, 15 anos após o surgimento do primeiro “site” espírita e 12 anos


depois da liberação do uso comercial da internet no país, o número de
publicações, home-pages, listas de discussão, comunidades virtuais, enfim, de
"ambientes virtuais" que tem por temática principal o espiritismo ultrapassa a
casa dos milhões16. Tal volume de "ambientes virtuais" no ciberespaço sobre

13
O Google, originalmente um sistema de busca criado como parte de um projeto de doutorado, tornou-se
uma das maiores empresas “ponto com” da atualidade. Atualmente, o Google oferece além do serviço de
busca original, vários outros serviços amplamente utilizados pelos internautas, tais como: o Google News,
O orkut, o Gmail, o google talk, entre outros.
14
Para uma descrição mais pormenorizada do Orkut ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut
15
Ou será que deveríamos inverter as posições? O trabalho de campo, até agora realizado, aponta para
uma complexificação desta relação entre os lados desse triângulo imaginário - Espíritos / classe média /
ciberespaço. É preciso considerar que, a princípio,talvez o trafego nessa via não seja de mão única.
16
A título de ilustração, em pesquisa realizada no google, ao procurar por espiritismo foram recuperadas
1.470.000 Home-pages sobre o assunto. Realizando a pesquisa para Catolicismo e Protestantismo,
foram recuperadas 2.120.000 e 545.000 respectivamente. Considerando-se que conforme dados do

6
um tema específico não chega a se apresentar como um fenômeno
extraordinário. Estes são criados com a mesma facilidade que são extintos.
Contudo, em se tratando do "mundo espírita virtual" a característica é não
somente a manutenção, mas também a ampla participação nestes ambientes,
que parecem mimetizar, para os espíritas, a dinâmica da comunicação entre os
espíritos17. Acostumados a se comunicar com seres (os espíritos) que estão
em outro mundo (o mundo espiritual), a interação em um ambiente virtual, que
tem como algumas de suas características a não-presença, a
desterritorialização, a ubiquidade e a simultaneidade18, não encontra
obstáculos.

A meu ver a ampla participação dos espíritas na internet aliada a gama de


ambientes com o rótulo “espiritismo” no “mundo virtual” se apresenta como um
caso bom para pensar não somente este “novo espaço de sociabilidade”, mas
também as formas através das quais as camadas médias urbanas brasileiras
vêm se apropriando do mesmo. É preciso considerar que “Ciberespaço”,
“Cibercultura”, “Comunidades Virtuais” “Espiritismo” são práticas construídas
sócio-historicamente por indivíduos em relação e, nesta perspectiva, vale a
pena refletirmos se a apropriação destas categorias por parte dos indivíduos e
grupos se dá de forma homogênea. Que sentido atribuímos (grupos,
indivíduos, analistas) a cada um deste termos?

Olhar para esse “fenômeno” mais de perto nos abre algumas possibilidades de
reflexão. A pesquisa antropológica na/da internet coloca uma série de questões
na agenda dos debates. De acordo com Jungblut (2004), é possível identificar

censo de 2000, a percentagem da população católica é de 73,77% enquanto que a espírita é de 1,38%
(IBGE, 2000) o volume de ambientes virtuais sobre o espiritismo é significativo.

17
Ao utilizar esta categoria estou me referido não apenas as almas dos mortos. Adoto aqui, uma das
concepções corrente entre os espíritas que incluem nesta categoria, os espíritos encarnados, ou seja, os
vivos. Assim, a comunicação é entendida de forma ampla, entre vivos e mortos, mortos e mortos e entre
vivos e vivos, e não apenas entre os mortos.
18
Tomo por base as características adotados por Pierre Levy para uma definição do virtual. Para maiores
detalhes ver Levy, 1996

7
duas tendências nas análises do suposto processo de “virtualização” que ora
está em curso. De um lado, uma série de vozes que se levantam contra a
referida “virtualização” do mundo e apontam para os “malefícios” impostos por
esta “cultura do virtual”. Para estes, a “virtualização”, através da construção de
simulacros da “realidade”, promoveria uma “desrealização” do mundo e da vida
se constituindo em “uma ameaça à socialidade e à formação da consciência
democrática”. Tal processo, por sua vez, alienaria os sujeitos e envolveria-os
“em um mundo paralelo, auto-referente e idiossincrático”(Luz apud Jungblut,
2004) Por outro lado, surgiriam as vozes opostas, otimistas em relação ao
referido processo. Para estas vozes, a busca que ora assistimos pelo “virtual”,
é parte (a essência) de um movimento inexorável em direção a virtualização,
constituinte mesmo da humanidade; movimento este que potencializaria a
capacidade auto-criativa da espécie humana19. (Levy, 1996, 2003) (Lemos,
2002), (Jungblut, 2004)

Seria possível falar então, em um "mundo espírita virtual"? A preocupação de


parte dos espíritas em conduzir um debate sobre o tema sugere algumas pistas
nesse sentido. "Já não [se pode dizer] que a Internet poderá ser útil para a
difusão e o desenvolvimento do Espiritismo, hoje (...) ela já é útil. Difícil falar-se
do Movimento Espírita sem mencionar-se o intenso intercâmbio que nela
ocorre" (Boletim, 1999 ). Mas o que seria exatamente esse "mundo espírita
virtual"? O que está implicado na idéia, de parte dos espíritas, em traçar uma
"história do espiritismo na internet"? Que tipos de vínculos sociais são
construídos por estes atores nesses mundos que são tidos como virtuais? O
enfrentamento de tais questões nos sugere olhar mais de perto para este “novo

19
Jungblut ao analisar este "embate" assinala que "dentre os analistas da virtualização ou digitalização do
mundo, talvez seja Pierre Lévy (1996, 1998, 1999) o autor que menos tenha se envolvido no embate entre
defensores e detratores desse fenômeno e, ao mesmo tempo, o que mais se esforçou para compreender
analiticamente as suas reais dimensões fenomênicas". Apesar de corroborar a afirmativa de que talvez
Pierre Levy seja o autor que, nos últimos anos, mais tem se esforçado para a compreensão do "ciber" e
seus corolários, minha tendência é considerar que ao menos nas obras aqui citadas - "O que é o Virtual" e
"Cibercultura" - o autor se aproxima mais dos "otimistas" em suas análises.

8
espaço de sociabilidade”. Assim, antes de entrarmos no "mundo espírita virtual"
é necessária uma pequena digressão.

Fazendo o “campo” no mundo virtual, algumas implicações.

Em se tratando de uma pesquisa sócio-antropológica uma categoria surge de


imediato - o "campo". Ao longo do século XX, o trabalho de campo e a
etnografia foram alçados a uma posição central na Disciplina. A partir do
trabalho de campo, mas não exclusivamente, foi possível produzir o encontro
com o "outro". No bojo deste encontro, o "deslocamento" surge como um dos
cânones da pesquisa antropológica. Para o encontro com a alteridade não
basta apenas o movimento de ir até onde os "nativos" estão, é preciso outros
deslocamentos - psicológicos, culturais, sociais, etc - a fim de que esse
encontro se efetive. Contudo, há que se considerar a relevância que o
deslocamento físico ocupa junto à produção do conhecimento em antropologia.
As narrativas de entrada no campo com refinadas descrições sobre: a viagem,
a chegada ao território nativo, as sensações e percepções do primeiro encontro
com o "objeto", cores, odores, sons, paisagens; tornaram-se não somente
famosas (e famosos os seus autores) mas também, uma espécie de assinatura
da pesquisa antropológica. (Calil Junior, 2004, Silva, 2000, Pratt, 1986).

Nas trilhas do “campo” vieram os "nativos", a "etnografia", a "cultura" e mais do


que isso, todo um "mundo" esquadrinhado, retratado e delimitado, a partir de
um centro (o ocidente), por uma série de especialistas, dentre os quais a
Antropologia ocupou lugar de destaque. Segundo Fredrik Barth, "essa história
[do trabalho de campo] produziu um mundo de povos separados, cada qual
com sua cultura e organização em uma sociedade, passível de ser
legitimamente isolada para a descrição como se fosse uma ilha". (Barth, 2000,
p.28)

Analisando o papel central do par trabalho de campo/ etnografia na


Antropologia, Gupta e Fergunson assinalam que apesar da centralidade

9
ocupada pelo "trabalho de campo" nos últimos anos, o "onde" de nossas
pesquisas, têm sido deixado de lado. Conforme os autores supra-citados,

"But what of the 'field' itself, the place where the distinctive work of fieldwork may be
done, that taken-for-granted space in which an 'Other' culture or society lies waiting to be
observed and written? This mysterious place - not the 'what' of anthropology but the
'where' - has been left to common sense, beyond and below the threshold of reflexivity"
(Gupta, Fergunson, 1997, pg.2)

Admitindo-se essa naturalização do "onde" é preciso considerar que outros


"ondes" foram aparecendo e, consequentemente, tornando-se alvo do
interesse dos pesquisadores. Aquele "mundo", outrora descrito em muitas das
narrativas etnográficas, mudou radicalmente. As fronteiras foram re-delineadas,
as distâncias diminuíram, outras vozes - a dos nativos, dantes "selvagens" -
agora se fazem ouvir e, principalmente, outros "mundos" tornaram-se
possíveis. Tais mudanças nos convidam a uma re-avaliação de alguns dos
nossos pressupostos metodológicos, como por exemplo, as relações
intrínsecas entre a identidade e o território (Appadurai, 2001) Arjun Appadurai
refletindo sobre tal questão assinala que, “...la tâche de l’ethnographie consiste
maintenant à élucider une énigme: quelle est la nature du local en tant
qu’expérience vécue dans un monde globalisé et déterritorialisé?” (id., p.94)

O acima citado processo de virtualização e a criação de mundos virtuais nos


remetem a este problema. Nesta perspectiva, algumas questões se colocam:
Se o encontro com a alteridade ocorre em um "mundo virtual" como falar em
localidade? A que nos referimos quando falamos em uma "etnografia virtual"?
E voltando ao problema do "onde", "onde" fica o "onde" de uma pesquisa no
"mundo virtual"?

Uma breve visita a literatura sobre esses "novos mundos" apontaria para
possíveis respostas. Algumas delas localizando os ambientes virtuais no
chamado ciberespaço. Para muitos autores e tantos outros freqüentadores
desses ambientes virtuais, o "lugar" para o qual nos dirigimos quando vamos
ao encontro de um "mundo virtual" é o "ciberespaço". Penso ser interessante

10
olhar mais de perto para esta formulação. . Enfim, o que é o ciberespaço? A
que estamos referidos quando falamos do ciberespaço?

Chama a atenção, nas análises sobre esse "novo espaço de sociabilidade" a


remissão ao texto que deu origem ao termo. Sua primeira aparição se deu em
um romance de ficção científica, no ano de 1984. Neuromancer, de William
Gibson apresenta ao mundo

“O Ciberespaço. Uma alucinação consensual vivida cotidianamente por dezenas de


milhares de operadores em todos os países (...) Uma representação gráfica de dados
extraídos das memórias de todos os computadores do sistema humano. Uma
complexidade impensável. Traços de luz dispostos no não-espaço do espírito (...)”
(Gibson apud Lemos, 2002)

Afora este ponto de partida, com algumas variações, poucos são os analistas
que se preocupam em trazer uma definição do ciberespaço, o que parece
sugerir uma naturalização deste (Jungblut, 2004). Enfim, qual de nós,
espectadores e partícipes da atual "revolução cultural", não sabe o que é o
ciberespaço? De acordo com Jungblut, "definições com algum valor conceitual
(...) são fornecidas quase que exclusivamente por Pierre Levy e alguns outros
autores que nele se inspiram”. Para este último, o ciberespaço seria:

“Eu defino o ciberespaço como o espaço de comunicação aberto pela interconexão


mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o
conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de rede
hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações
provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Insisto na codificação
digital, pois ela condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão e tratável
em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação que é,
parece-me, a marca distintiva do ciberespaço. Esse novo meio tem a vocação de
colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de
gravação, de comunicação e de simulação. A perspectiva da digitalização geral das
informações provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e
suporte de memória da humanidade a partir do próximo século”. (Lévy, 1999, p. 92-93).

Já André Lemos, que poderíamos arrolar entre os autores que têm se inspirado
em Pierre Levy, considera que a escassez de definições estaria mais
relacionada a uma dificuldade de compreensão desse complexo que é o
ciberespaço. As definições existentes trazem uma imagem aproximada,
contudo, em se tratando da "fronteira pela qual a sociedade redefine as noções

11
de espaço e de tempo, de natural e de artificial, de real e de virtual, o
ciberespaço [se apresenta como] uma das grandes questões" (Lemos, 2002)
da contemporaneidade.

Podemos, então, chegar a algumas perspectivas que conformam os sentidos


dados ao ciberespaço na literatura sobre o tema. Primeiramente, o ciberespaço
pode ser entendido como um lugar. Não apenas como o "lugar onde estamos
quando entramos num ambiente virtual" (Lemos, 2002), mas um lugar no qual
mesmo sem estarmos fisicamente presentes, lá existimos. Voltamos as
características que Pierre Levy (1996) arrola para o virtual - não presença,
ubiqüidade, desterritorialização e simultaneidade. Ao buscar uma definição do
virtual, Levy assinala que Michel Serres ilustra o tema do virtual como "não-
presença". Para este autor "a imaginação, a memória, o conhecimento, a
religião são vetores de virtualização, que nos fizeram abandonar a presença
muito antes da informatização e das redes digitais" (id. p.20) Assim, "quando
uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se
tornam "não-presentes", se desterritorializam. Uma espécie de desengate os
separam do espaço físico ou geográfico ordinários e da temporalidade do
relógio e do calendário." (ibid, pg.21) Sentados em frente a tela de nossos
computadores, ao "entrarmos" no ciberespaço, sem sairmos fisicamente da
cadeira em que estamos, passamos a existir naquele mundo, interagindo, de
infinitas maneiras, com os outros seres ali presentes20. Enfim, um "novo espaço
de sociabilidade", um "novo espaço antropológico", "um espaço social povoado
por seres que (re)constroem as suas identidades e os seus laços sociais nesse
novo contexto comunicacional" (Silva, 2002), emergem com a atual "revolução
tecnológica".

Ao lado dessa percepção, surge a noção de rede. Parece ser consenso entre
os analistas a idéia do "ciberespaço" como o "lugar" em que as ligações em
redes seriam estendidas ao infinito. Ao "entrarmos" no ciberespaço nos ligamos

20
De acordo comPierre Levy (1996) o ciberespaço é habitado por 4 elementos: os seres humanos, as
informações, a rede física de computadores e os programas.

12
virtualmente a uma série de pontos, através de um conjunto de computadores
interligados em todo o planeta. O texto, entendido aqui em seu sentido mais
amplo (sons, imagens, palavra escrita), funciona como a porta de entrada que
nos conecta aos outros "nós" da rede, de forma que o processo de
"hierarquizar e selecionar áreas de sentido, tecer ligações entre zonas,
conectar o texto a outros documentos, arrimá-lo a toda uma memória que
forma como que o fundo sobre o qual ele se destaca e ao qual remete" (Levy,
1996, p.37), que é cognitivo21, ganha dimensões e proporções distintas
daquelas que estamos habituados fora do "ciberespaço", “novos espaços,
novas velocidades”(Id., p.22).

Uma terceira perspectiva, que parece conformar as análises sobre o


ciberespaço está relacionada a um dilema já antigo (constitutivo?) e
recorrentemente renomeado das Ciências Sociais. Falo da dicotomia conceito /
representação, realidade / imaginação, transparente / oculto, razão/ ilusão ou
nos termos que se apresenta no ciberespaço, real / virtual. Considero
emblemática a recorrência ao texto de Gibson, que parece ir além de uma
simples referência ao “Pai da matéria”. No embate, já citado entre “defensores”
e “detratores” do fenômeno da virtualização, a questão central gira em torno da
“realidade” ou não desse processo. Assim, de um lado temos aqueles mais
afinados com a idéia “Gibsoniana”, do ciberespaço como uma “alucinação
consensual”, corroborando-a. No lado oposto, aqueles outros que buscam
refutar tal idéia. Mesmo os analistas que, como Pierre Levy, parecem
transcender tal debate, trazendo “definições com algum valor conceitual”
(Jungblut, 2004), é a ele que se referem22. Como podemos ver na citação de
Rheingold:
21
Pierre Levy considera este processo como sendo independente do e anterior ao ciberespaço. Para
Levy, as tecnologias intelectuais estão relacionadas aos processos cognitivos. “Uma tecnologia
intelectual, quase sempre exterioriza, objetiviza, virtualiza uma função cognitiva, uma atividade mental (...)
O aparecimento da escrita, [por exemplo], acelerou um processo de artificialização, de exteriolização e de
virtualização da memória que certamente começou com a hominização". (Levy, 1996, p. 38) ,
22
Pierre Levy(1996) por exemplo, desenvolve a sua argumentação em torno do processo de virtualização
que ora assistimos em cima da afirmação de que o “par oposto” do virtual não é o real, mas o atual.
Entretanto, apesar de considerar a oposição entre real e virtual como “fácil e enganosa”, Levy considera

13
“Talvez o ciberespaço seja um dos lugares públicos informais onde possamos
reconstruir os aspectos comunitários perdidos quando a mercearia da esquina se
transforma em hipermercado. Ou talvez o ciberespaço seja precisamente o lugar errado
onde procurar o renascimento da comunicação, oferecendo, não um instrumento para o
convívio, mas um simulacro sem vida das emoções reais e do verdadeiro compromisso
perante os outros. Seja qual for o caso, precisamos descobri-lo o mais rapidamente
possível”. (Rheingold apud Silva, 2002, p.155)

Enfim, qual a natureza dos vínculos sociais que têm como arena o
ciberespaço? A análise da literatura, aqui contemplada, sobre o tema, sugere a
inclusão do ciberespaço no registro da “imaginação”23, que aparece sob duas
formas: A primeira ligada a noção de comunidade e uma outra relacionada a
existência de um imaginário mítico – religioso na literatura sobre ciberespaço e
cibercultura24. Concentremo-nos aqui, neste segundo aspecto. A presença de
um imaginário “mítico-religioso” nas análises sobre o ciberespaço é recorrente.
As descrições dos diversos ambientes existentes no ciberespaço são análogas

que “essa abordagem possui uma parte de verdade interessante”. (Levy, 1996, p.15) Neste sentido, vale
a pena citar também um dos parágrafos iniciais da Introdução de “O que é o Virtual”: “Deve-se temer uma
desrealização geral? Uma espécie de desaparecimento universal, como sugere Jean Baudrillard?
Estamos ameaçados por um apocalipse cultural? Por uma aterrorizante implosão do espaço-tempo, como
Paul Virilio anuncia há vários anos? Este livro defende uma hipótese diferente, não castatrófica: entre as
evoluções culturais em andamento nesta virada do terceiro milênio – e apesar de seus inegáveis aspectos
sombrios e terríveis -, exprime-se uma busca da hominização”. (id, p. 11)
23
Arjun Appadurai discorrendo sobre o peso da Imaginação na Teoria social Moderna assinala: “Àpres
tout, nous sommes désormais habitués à considérer toutes les sociétés du point de vue de leur aptitudee
à produire des arts, des mythes et des légends: autant de formes d’expression qui offraient la possibilite
de s’évader de la vie sociale ordinaire. Toutes les sociétés ont montré par ces formes d’expression,
qu’elles étaient capables à la fois de dépasser et de recadrer la vie sociale ordinaire, grace à des
mythologies de genres varies ou l’imagination se plaisait à deformer la vie sociale. Em revê, finalemente,
les individus, y compris dans les sociétés les plus rudimentaires, ont trouvé um espace ou redessiner les
contours de leur vie sociale, vivre des émotions et des sentations interdites, et accéder à des visions qui,
par la suíte, ont impregne tout ce qu”ils ressentaient dans leur vie ordinaire. En outre, toutes ces formes
d’expression ont rendu possible, dans des nombreuses sociétés humaines, um dialogue complexe entre
l’imagination et les rites qui a permis, d’une maniére ou d’une autre, d’approfondir la force des normes
effective du travail de collaboration qu’exigent de nombreuses formes de rituels pour être célébrés. Tel est
le type d’enseignement le plus ferme que nous ont légué, depuis un siècle, les meilleurs représentants de
l’anthropologie canonique”. (Appadurai, 2001)
24
Esta idéia é sugerida por Carly Machado. Para maiores detalhes ver Machado, 2003a e Machado,
2003b

14
as narrativas, etnográficas ou não, dos ambientes religiosos. Muitas delas
imprimem um caráter religioso aos “ambientes virtuais”. De acordo com Carly
Machado

“O ciberespaço vem sendo chamado pelos teóricos da área de Novo Éden, Nova
Jerusalém; Pierre Levy fala do “corpo angélico” como metáfora da Inteligência coletiva;
outros falam do anjo como metáfora do internauta e chega-se mesmo a falar de uma
tecnoreligião pela fetichização do tecnológico, tomando o ciberespaço como uma arena
coletiva, imaterial no aqui e agora, um novo espaço da alma. A idéia de religião como
re-ligação ganha força nas conexões e na coletividade possíveis no ciberespaço. Uma
cosmologia própria se estrutura, com noções de tempo e espaço, reflexões sobre a
natureza humana, onde a noção de “vida” se redefine,(...) a própria idéia de
imortalidade é suscitada pelas possibilidades criadas por esta noção de vida digital, e
ainda outras as práticas religiosas propriamente ditas surgem neste ciberespaço
(encontros religiosos rituais, comunidades, etc...). O ciberespaço se apresenta hoje
como um espaço pleno de significados religiosos”. (Machado, 2003a, p.7)

André Lemos, enfatiza esse aspecto do ciberespaço. A linguagem, os termos, a


forma de abordagem que o autor utiliza em sua etnografia do ciberespaço,
intitulada “As estruturas antropológicas do ciberespaço” guarda muitas
semelhanças com as etnografias cuja temática principal é o fenômeno
religioso. Hermes, Gnose, Noosfera, rito de passagem, magia, comunidade de
almas, hierofania são personagens centrais da argumentação de Lemos que
procurar “traçar paralelos entre o ciberespaço e a arte hermética da memória, a
criptografia demoníaca e a cosmologia gnóstica” (Lemos,2002 ). Para o autor,
a palavra chave para o entendimento do “mundo virtual” é a imaginação. Tal
como ocorria nos “tempos imemoriais” em relação aos mitos e ritos, que
ofereciam aos homens “a possibilidade de se evadir da vida social ordinária (...)
[a fim de dar conta] de suas emoções e sensações interditas” (Appadurai,
2001, p.30) nesta “era digital” o ciberespaço torna-se “a encarnação
tecnológica do velho sonho de criação de um mundo paralelo, de uma memória
coletiva, do imaginário, dos mitos e símbolos que perseguem o homem”.
(Lemos, 2002, p.4) As características do ciberespaço – ubiqüidade,
simultaneidade, não presença – são próprias à magia enquanto manipulação
do mundo, dessa forma, o ciberespaço, se constitui não apenas como um
espaço mágico, mas como “uma casa da imaginação, um lugar onde se
encontram racionalidade tecnológica, vitalismo social e pensamento mágico”.
(Lemos, 2002, p.5)

15
Seria então o ciberespaço o templo sagrado dessa era pós-moderna? O lugar
adequado para a vivência dos mitos, ritos e sonhos que não encontram campo
no mundo real? Um novo Olimpo, onde “Deuses”, “Avatares”, “Demônios”,
“Anjos” potencializaram as ações dos indivíduos? Ou ainda, uma conseqüência
natural do progresso da humanidade, que nos levaria, através do encontro
entre a racionalidade tecnológica (ciência?) e o pensamento mágico (religião?),
a um futuro por muitos almejados em que teríamos abolido da vida social “os
prejuízos de seitas, castas e cores” vivendo em plena solidariedade?

A inclusão do ciberespaço no registro da imaginação - tal como postulado pelas


Teorias da Modernidade – mesmo que com algumas variações e de forma
ambígua em alguns autores, sugere algumas implicações metodológicas. O
“ciberespaço”, com seus “novos mundos”, coloca em questão alguns do
supostos da pesquisa antropológica, na medida em que “suspende” a relação
outrora estabelecida entre pesquisadores, nativos e localidade. Afora isso é
necessário ter em mente, o tão valorado “ponto de vista nativo” e lembrar, que
no caso aqui em pauta, o “mundo espírita virtual”, apesar de poder ser
considerado como mais um elemento da “cibercultura”, é significado e re-
significado constantemente pelos seres que lá “habitam”. Nesta perspectiva,
me parece sugestiva a colocação de Arjun Appadurai, sobre o trabalho da
imaginação:

“Je montrerai que le travail de l’imagination, (...) n’est ni purement émancipateur ni


entièrement soumis à la contrainte, mais ouvre un espace de constestation dans lequel
les individus et les groupes cherchent à annexer le monde global dans leur propes
pratiques de la modernité” (Appadurai, 2001, p.30)

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