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O REDUCIONISMO COMO BARREIRA PARA AS ANÁLISES E

COMPREENSÃO DOS SISTEMAS ENERGÉTICOS∗

Marcos Vinicius Miranda da Silva


Doutor em Energia pelo PIPGE / USP
Célio Bermann
Professor do PIPGE / USP

RESUMO

O reducionismo substitui o mundo real, dominado por elementos e inter-relações

complexos, por um mundo imaginário, onde impera a simplificação. Isso induz a erros

de interpretação sobre a realidade. Por essa razão, o pensamento reducionista tem sido

criticado e refutado. Contudo, ele ainda é freqüentemente encontrado nas diversas áreas

do conhecimento, incluindo a área de análise e planejamento da expansão dos sistemas

energéticos.

Este trabalho faz uma crítica ao pensamento reducionista presente nessa área.

Ele também procura identificar e mostrar as limitações desse pensamento. Adotando-se

essa postura, acredita-se que se está contribuindo para que o reducionismo presente nas

análises e no planejamento da expansão dos sistemas energéticos seja abandonado.

Constata-se que a tradição do pensamento reducionista é a primeira barreira a ser

transposta e que a crítica a esse pensamento é o passo inicial a ser dado em direção à

construção de um novo paradigma, onde a complexidade do mundo real não seja

negligenciada.


Citar este artigo da seguinte forma: SILVA, Marcos Vinicius Miranda da ; BERMANN, C. . O
reducionismo como barreira para as análises e compreensão dos sistemas energéticos. In: X Congresso
Brasileiro de Energia, 2004, Rio de Janeiro. A universalização do acesso à energia. Rio de Janeiro :
Chivas Produções, 2004. v. III. p. 1636-1643.
INTRODUÇÃO

De acordo com Japiassú & Marcondes (2001, p. 231), reducionismo é “toda

atitude teórica que, para explicar um fenômeno complexo, procura reduzi-lo aos

elementos simples que o constituem, ou àquilo que é mais imediatamente observável”.

Em outras palavras, o reducionismo substitui o mundo real, dominado por elementos e

inter-relações complexos, por um mundo imaginário, onde impera a simplificação. Por

essa razão, ele tem sido refutado em todas as áreas do conhecimento. Contudo, o

reducionismo ainda freqüentemente observado no pensamento científico.

Quando se afirma, por exemplo, que o atendimento elétrico de uma região

promoverá o seu desenvolvimento, uma visão reducionista está sendo utilizada, porque

o desenvolvimento não é determinado pela disponibilidade de energia elétrica. A

energia é apenas um dos elementos que podem dar suporte para que esse processo se

intensifique.

A utilização do princípio da causalidade é outra característica do pensamento

reducionista. Segundo esse princípio, todo fenômeno depende de uma causa ou várias

causas para existir. Isso leva a crer que o conhecimento da causa permite a previsão e

compreensão do fenômeno.

O planejamento da expansão do sistema elétrico brasileiro está totalmente

baseado no princípio da causalidade, uma vez que o comportamento futuro da demanda

elétrica (fenômeno) é previsto a partir de estimativas e inter-relações do crescimento do

PIB, da população, do consumo de energia elétrica, entre outros elementos (causas).

Os erros1 na previsão da demanda elétrica do país, que constam nos planos de

expansão do sistema elétrico, servem de argumentação para refutar a validade do

1
Utiliza-se a palavras erros ao invés de desvios, porque todos os planos de expansão do sistema elétrico
brasileiro têm interpretado erroneamente a realidade, simplificando-a.
princípio da causalidade. As demandas energéticas futuras não podem ser previstas,

porque seus comportamentos são aleatórios, uma vez que muitos elementos que

exercem influências sobre elas também apresentam esse tipo de comportamento, como é

o caso, por exemplo, do PIB. Por outro lado, o uso de séries históricas não tem a menor

consistência científica, porque o comportamento futuro das demandas energéticas não

tem relação com o passado.

A eliminação do pensamento reducionista das análises e do planejamento da

expansão dos sistemas energéticos torna-se necessário, porque o reducionismo induz a

erros sobre a interpretação da realidade. Portanto, suas limitações devem ser apontadas,

objetivando o seu abandono. Essa é a principal linha condutora deste artigo.

ALGUNS EXEMPLOS DO REDUCIONISMO NA LITERATURA SOBRE

SISTEMAS ENERGÉTICOS

Um dos focos de propagação do reducionismo na literatura sobre sistemas

energéticos está no uso inadequado do conceito de energia. Para a Física, energia é a

capacidade de realizar trabalho. Quando esse conceito específico é utilizado na análise

dos sistemas energéticos, a definição de trabalho tende a ser distorcida, tornando-se

sinônimo de atividade produtiva, atividade social, atividade física, atividade intelectual.

Essa distorção conceitual faz com que a energia por si só seja capaz de produzir todas

essas atividades. Desta forma, o único imperativo para que elas existam passa a ser a

disponibilidade de energia.

É provável que as afirmações de que energia promove o desenvolvimento

econômico, melhora a qualidade de vida da população, proporciona segurança, fixa o

homem no campo, sejam influenciadas por esse tipo de distorção conceitual.

A substituição do conceito de energia pelo conceito de sistema energético é

importante na batalha contra o reducionismo, porque esse conceito é mais adequado ao


novo paradigma interdisciplinar, onde a visão sistêmica e complexa do mundo real não

é negligenciada. Acredita-se que a partir do momento em que se entende que sistema

energético é uma estrutura social, aberta, constituída por diversos subsistemas

energéticos, interdependentes, onde cada qual apresenta características peculiares em

termos de aproveitamento das fontes energéticas, organização empresarial, inter-

relações com a sociedade e com o meio ambiente, e que estabelece fluxos contínuos de

energia, tecnologia, capital, com os outros sistemas sociais, além de ter a função de

ofertar energia para atender as demandas da sociedade, a distorção do conceito de

trabalho para expressar as inter-relações entre a disponibilidade de energia e o

desenvolvimento das sociedades deixa de existir.

O pensamento reducionista na literatura sobre sistemas energéticos é uma

barreira à compreensão do efetivo papel dos sistemas energéticos no processo de

desenvolvimento das sociedades. Tem-se difundido que a oferta de quantidades cada

vez maiores de energia constitui-se no único caminho que levará as sociedades para o

estágio de bem-estar social e de prosperidade econômica. Relações sem nenhuma

consistência passam a ser estabelecidas. Por exemplo, uma análise do índice de

desenvolvimento humano (IDH) e do consumo de energia comercial per capita em

vários países chegou a seguinte conclusão:

A análise estatística apresentada mostra que a energia tem uma


influência determinante sobre o IDH, particularmente nos estágios do
desenvolvimento, nos quais a grande maioria dos habitantes do
mundo, particularmente mulheres e crianças, encontram-se
(SUÁREZ, 1995, p.19).

Existem casos em que o processo de desenvolvimento econômico é

praticamente reduzido à oferta de energia. Foley (1992, p.3) afirma que o abismo entre

uma economia pouco desenvolvida e outra altamente desenvolvida "depende quase


inteiramente da disponibilidade relativa de energia nas duas sociedades". Goldemberg

(1998), embora reconheça que o baixo consumo energético não é a única causa da

pobreza e do subdesenvolvimento e que a energia isoladamente tem pouca importância

tanto para o desenvolvimento socioeconômico como para o crescimento da economia,

não consegue escapar da armadilha do reducionismo ao afirmar que:

Na maioria dos países em desenvolvimento, onde o consumo de


energia comercial per capita é abaixo de uma tonelada equivalente de
petróleo (TEP) por ano, as taxas de analfabetismo, mortalidade
infantil e fertilidade total são altas, enquanto que a expectativa de
vida é baixa. Ultrapassar a barreira de 1 TEP/capita parece, portanto,
um instrumento importante para o desenvolvimento e a mudança
social (GOLDEMBERG, 1998, p.42).

O que esses autores fazem, de fato, é transformar a oferta de energia em uma

panacéia. Cegos pelo reducionismo, alguns não conseguem perceber que a energia é

apenas um dos suportes para o desenvolvimento socioeconômico.

O mito existente entre consumos elevados de energia, crescimento econômico e

melhoria das condições sociais foi recentemente destruído quando se percebeu que

alguns países com economias pouco desenvolvidas e com baixos consumos de energia

apresentavam determinados indicadores sociais bem superiores a países com economias

mais desenvolvidas e com consumos de energia bem mais elevados (tabela 1).

É provável que os reducionistas tentem achar justificavas para explicar porque

no Brasil, onde o consumo de energia é mais elevado do que no Siri Lanka, na Armênia

e no Vietnã, alguns índices sociais são bem inferiores aos apresentados por esses países.

Porém, ao tentarem encontrar explicações, eles estarão sepultando a idéia de que

consumir enormes quantidades de energia é sinônimo de mudança social, uma vez que

eles terão utilizado outros fatores para justificar suas argumentações. Quem realmente

acredita que o Brasil, apenas por ultrapassar a barreira do consumo de 1 tep por
habitante, passará a ter uma expectativa de vida, uma taxa de alfabetização e um índice

de mortalidade infantil melhores do que aqueles observados no Siri Lanka?

Tabela 1: Consumo de energia, produto nacional bruto e alguns indicadores sociais em


alguns países em 20012.
Brasil Siri Lanka Armênia Vietnã
População (milhões)** 174 18,8 3,1 79,2
Consumo de Energia (Mtep)* 156,4 7,3 1,4 35,3
Energia per capita (tep/hab) 0,90 0,39 0,45 0,45
PNB (109 US$)** 502,5 15,9 2,1 32,7
PNB/per capita (US$)** 2915 849 556 411
Expectativa de vida (anos)** 67,8 72,3 72,1 68,6
Mortalidade Infantil** 31 17 31 30
Taxa de Adultos Alfabetizados** 87,3 91,9 98,5 92,7
Fontes: *International Energy Agency (IEA) – Energy Statistics; **United Nations
Development Programme (UNDP) – Human Development Indicators 2003.

Em nenhum momento a importância da energia no processo de desenvolvimento

socioeconômico deve ser negada, porque é notório que as sociedades contemporâneas

estão cada vez mais dependentes de energia. Porém, entende-se também que as

transformações socioeconômicas dependem da incorporação de valores elevados pela

sociedade. Entre eles está o reconhecimento de que as classes menos favorecidas

também têm o direito de ver suas necessidades essenciais atendidas e suas aspirações

concretizadas.

O REDUCIONISMO NAS AÇÕES DE PLANEJAMENTO DA EXPANSÃO DOS

SISTEMAS ENERGÉTICOS

No planejamento da expansão dos sistemas energéticos, o reducionismo faz-se

presente quando esse mecanismo utiliza métodos, fundamentados apenas em elementos

teóricos, facilmente quantificáveis. Isso leva à fragmentação da realidade, porque esta é

constituída também por elementos complexos, que apresentam comportamentos

2
Os dados sobre mortalidade infantil referem-se ao número de mortes em um grupo de 1000 crianças
nascidas vivas. A taxa de adultos alfabetizados está em percentagem.
imprevisíveis. Além disso, os métodos de previsão utilizados aprisionam o

planejamento da expansão dos sistemas energéticos às séries históricas de expansão

demográfica, de crescimento econômico, de oferta e consumo de energia, como se o

futuro repetisse o passado.

Após a Segunda Guerra Mundial, os países ricos experimentaram um

extraordinário progresso econômico. Muitos autores passaram a relacionar esse

progresso a um contexto energético, caracterizado pela oferta abundante de petróleo de

baixo custo. Por outro lado, a idéia de que desenvolvimento era sinônimo de

crescimento econômico predominava. Essas interpretações acabaram fortalecendo a

concepção de que era preciso consumir grandes quantidades de energia para

impulsionar o crescimento da economia, com o objetivo de desenvolver as sociedades.

Até o primeiro aumento do preço do petróleo, em 1973, os Estados Unidos, por

exemplo, mostravam taxas de crescimento econômico e de consumo de energia

praticamente iguais (ROSENFELD & WARD 1992, p.225-226). Depois dos aumentos

do preço do petróleo, o mundo entrou em uma grande recessão econômica. Isso

reforçou ainda mais a concepção de que quanto maior fosse a oferta de energia barata

maior seria o crescimento do PIB e o desenvolvimento da sociedade.

Fundamentados por essa concepção teórica, métodos passaram a prever a

demanda energética futura a partir de uma relação direta, baseada em observações

históricas, entre a energia consumida e o crescimento da economia. Esses métodos

geralmente têm a lógica da equação abaixo.

Ef=(Ep/Pp)xPf

Eƒ é o consumo de energia projetado para um ano "meta" no futuro;


Pƒ é o Produto Nacional Bruto (PNB) ou o Produto Interno Bruto (PIB) estimado para um ano "meta" no
futuro;
Ep é o consumo de energia observado em um ano "base" do passado;
Pp é o Produto Nacional Bruto (PNB) ou o Produto Interno Bruto (PIB) de um ano "base" no passado.
Durante a crise energética mundial das décadas de 70 e 80, o mundo começou a

perceber que era possível manter o crescimento da economia, através de uma redução

do consumo de energia. Isso foi possível devido aos avanços tecnológicos, que

proporcionaram uma maior eficiência energética aos equipamentos de produção e de

uso final da energia. Esse novo contexto serviu de argumentação para refutar a

concepção de que crescimento econômico só aconteceria se houvesse um aumento do

consumo de energia. Entretanto, essa concepção ainda pode ser encontrada nos métodos

de previsão da demanda energética.

A crítica feita aos métodos reducionistas de previsão da demanda energética,

onde as análises sustentam que o crescimento econômico tem um papel fundamental na

determinação da dinâmica dessa demanda está em sua fragilidade teórica. Várias

observações demonstram essa fragilidade, entre as quais, mencionam-se:

• É de senso comum que a produção total de bens e serviços depende de alguns fatores:

mão-de-obra, matéria-prima, energia, terra, capital. Essa produção terá um valor, que

dependerá dos tipos de bens e serviços produzidos, definidos a partir da tecnologia

utilizada no processo produtivo. Esse valor forma o PIB, que se for somado a renda

obtida a partir de investimentos externos constitui o PNB. Portanto, quando se utiliza

apenas a intensidade energética, negligenciam-se os outros fatores de produção e a

importância das tecnologias utilizadas no processo produtivo.

• A produção de bens e serviços ocorre em diversos setores, que apresentam

peculiaridades distintas em relação ao consumo de energia e ao valor agregado da

produção. Em um mesmo setor, como o industrial, é possível perceber essas

peculiaridades, quando se compara, por exemplo, uma indústria de produção de

alumínio e outra de produção de computadores ou programas computacionais. Isso


significa que as escolhas do modo de produção também exercem influências sobre a

formação do PIB e da demanda energética, sendo que elas podem mudar ao longo do

tempo.

• A intensidade energética tende a ser reduzida ao longo do tempo, devido aos avanços

tecnológicos. Como as previsões das demandas energéticas são baseadas em

intensidades energéticas históricas, há uma tendência em superestimar essas demandas,

principalmente no longo prazo, porque os métodos de previsão são incapazes de

incorporar as mudanças inerentes ao processo de desenvolvimento.

• A projeção do valor futuro do PIB ou do PNB é bastante problemática, principalmente

em economias instáveis, mesmo que diferentes tipos de cenários para a economia sejam

elaborados. De um modo geral, esses cenários não consideram períodos de recessão,

onde o PIB ou o PNB apresenta taxas negativas de crescimento, comuns em períodos de

crises econômicas. No máximo, são utilizadas baixas taxas de crescimento econômico

para os períodos de recessão. Essa tendência, relacionada tanto a uma cultura econômica

generalista, que afirma que a economia sempre cresce, como aos interesses políticos que

sempre tentam passar à sociedade uma visão otimista sobre a economia, leva

inevitavelmente a valores superestimados do PIB ou do PNB, principalmente em

períodos dominados por forte recessão econômica. A combinação entre uma intensidade

energética histórica e um PIB ou um PNB superavaliado tende a superestimar as

previsões sobre a demanda energética.

Esse conjunto de observações torna claro que o planejamento da expansão dos

sistemas energéticos pode levar, dependendo da combinação dos elementos utilizados,

tanto a estimativas superestimadas das demandas energéticas, que impedem a aplicação

eficiente dos recursos financeiros, porque haverá a construção precipitada e


desnecessária de plantas de geração de energia, como a projeções subestimadas dessas

demandas, cuja conseqüência é o aparecimento de crises energéticas, devido à

incapacidade dos sistemas energéticos ofertar energia suficiente para atender as

demandas da sociedade.

A utilização de cenários e a elaboração de planejamento de curto prazo da

expansão dos sistemas energéticos foram soluções encontradas para reduzir o grau de

incerteza, que envolve a previsão das demandas energéticas. Entretanto, elas têm

apresentado pouca utilidade.

Embora a elaboração de cenários tenha dado uma certa flexibilidade ao

planejamento da expansão dos sistemas energéticos, uma vez que cada cenário

corresponde a um contexto distinto, ela continua a simplificar a realidade, porque nem

todos os elementos que exercem influência sobre a dinâmica da demanda energética são

considerados. Por outro lado, se n-elementos exercem influência sobre a dinâmica das

demandas energéticas, a representação das combinações desses n-elementos deveria

levar à elaboração de n-cenários, porque o comportamento de cada elemento exerce

influência distinta sobre essa dinâmica. Entretanto, na prática, não é isso o que se

observa no planejamento da expansão dos sistemas energéticos no Brasil. Por exemplo,

o Plano Nacional de Energia Elétrica 1993 – 2015 (Plano 2015) está fundamentado

somente em quatro cenários de oferta de energia elétrica (CENTRAIS ELÉTRICAS

BRASILEIRAS – ELETROBRÁS 1994, p.19). No Plano Decenal de Expansão

2003/2012, tem-se um comportamento semelhante, pois são elaborados apenas seis

cenários de oferta de energia elétrica para o horizonte da previsão (MINISTÉRIO DAS

MINAS E ENERGIA - MME 2002, p. 68-73).

Considerando, por exemplo, que a combinação de dois elementos, que exercem

influência sobre a dinâmica da demanda energética, onde cada elemento apresenta dois
comportamentos distintos para o período da previsão, fornece quatro cenários

diferentes, constata-se que há também uma simplificação na elaboração do número de

cenários nos planos de expansão dos sistemas energéticos no Brasil, uma vez que as

metodologias utilizadas fazem referência a vários elementos, geralmente com mais de

um comportamento ao longo do período de previsão.

A elaboração de planos decenais de expansão dos sistemas energéticos, com

revisão anual, também apresenta alguns problemas. Em primeiro lugar, a essência

metodológica do planejamento de longo prazo é mantida. Portanto, a realidade também

é simplificada nesses planos. Isso significa que nem todos os elementos que exercem

influência sobre a demanda energética são considerados. Em segundo lugar, alguns

elementos que direta ou indiretamente exercem influência sobre a dinâmica da demanda

energética podem mudar o seu comportamento no curto prazo. Isso ocorreu, por

exemplo, durante o racionamento de energia elétrica no país em 2001. E nenhum plano

decenal de expansão foi capaz de prever antecipadamente esse evento e suas

conseqüências sobre a demanda de energia elétrica.

Uma importante questão nessa discussão deve ser ressaltada. É notório que há

um privilégio dado à geração hídrica de grande porte no Brasil. Como exemplo dessa

afirmação, cita-se o esforço que a Centrais Elétricas do Norte do Brasil

(ELETRONORTE) está fazendo para aprovar o projeto de construção da usina de Belo

Monte, no Estado do Pará, que contará com uma potência instalada de cerca de 11.182

MW. O início da construção de uma hidrelétrica desse porte precisa ocorrer vários anos

antes da entrada em operação das primeiras turbinas, porque seu prazo de construção é

longo. Essa característica diminui a margem de flexibilização do planejamento de curto

prazo da expansão dos sistemas energéticos, uma vez que os erros na previsão das

demandas só serão percebidos após o início da construção dessas hidrelétricas. Neste


caso, a única forma de corrigir esses erros consiste na paralisação ou atraso das obras de

construção das hidrelétricas, o que torna o investimento realizado improdutivo para o

país.

Diante dos erros de interpretação da realidade e da fragilidade das premissas do

pensamento reducionista, uma pergunta torna-se inevitável. Por que ele ainda se faz

presente? Três respostas satisfazem esse questionamento. O reducionismo ainda é

facilmente encontrado nas análises e no planejamento da expansão dos sistemas

energéticos, porque ele tem tradição no pensamento científico, porque ele seduz. Afinal,

compreender um fenômeno, como o comportamento da demanda energética, a partir dos

elementos mais facilmente observáveis, e quantificá-lo, fornecendo as “respostas” que a

sociedade necessita, é muito sedutor, e porque novas metodologias para trabalhar a

complexidade do mundo real ainda não foram desenvolvidas. Por essa razão, a

eliminação do reducionismo das análises e do planejamento da expansão dos sistemas

energéticas será uma tarefa árdua, porém necessária.

Para Capra (1998, p.46), a forma de superar o reducionismo envolve a crítica aos

grupos e instituições que o defendem e, principalmente, a demonstração de que ele é um

modelo de conhecimento ultrapassado. Isso levará ao abandono das atitudes

reducionistas, devido à percepção e à tomada de consciência de que elas são

insuficientes para atender aos anseios das sociedades. Portanto, a crítica ao

reducionismo e a demonstração de seus erros constituem-se no primeiro passo em

direção à eliminação do pensamento reducionista e ao estabelecimento de um novo

paradigma, compatível com a complexidade do mundo real.

CONCLUSÕES

O primeiro passo a ser dado em direção à construção de um novo paradigma

sistêmico inicia-se com a crítica ao reducionismo e com a demonstração de que sua


influência nas análises e no planejamento da expansão dos sistemas energéticos induz a

erros de interpretação do mundo real. Por outro lado, a substituição do conceito de

energia pelo conceito de sistema energético é uma ação prática que pode ser

implementada, visando uma melhor compreensão dos sistemas energéticos e de suas

inter-relações.

Deve-se ter consciência de que a eliminação do pensamento reducionista das

análises e do planejamento da expansão dos sistemas energéticos é um processo lento e

difícil, devido à tradição desse pensamento, ao seu lado sedutor e à inexistência de

metodologias capazes de representar o mundo real de forma mais fiel possível. Torna-se

necessário entender que o conhecimento é dinâmico, que nem sempre existirão

respostas para determinados questionamentos e que o comportamento de determinados

elementos não poderão ser quantificados. Por essa razão, a imprevisibilidade deve ser

levada em consideração. Neste caso, o abandono dos cenários determinísticos é

imprescindível.

Especificamente em relação ao planejamento da expansão dos sistemas

energéticos, torna-se necessário abandonar as velhas formas de prever as demandas

energéticas e tentar aperfeiçoar esse instrumento para que ele se torne mais flexível à

complexidade da realidade. Porém, essa flexibilização não pode ficar restrita apenas à

construção simplificada de cenários. Isso só mantém a essência reducionista.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
BRASIL.MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA – MME. Sumário Executivo do
Plano Decenal de Expansão 2003/2012. Comitê Coordenador do Planejamento da
Expansão dos Sistemas Elétricos – CCPE, Brasília, Dezembro de 2002, 77p. Disponível
em: http://www.mme.gov.br. Acesso: 02/04/2004.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1998
(Original Inglês).
CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS - ELETROBRÁS. Plano Nacional de
Energia Elétrica 1993 – 2015. Plano 2015. Rio de Janeiro, Relatório executivo:
síntese, v.1, 1994.
FOLEY, Gerald. The energy question. 4ed. London: Penguin Books, 1992.
GOLDEMBERG, José. Energia, Meio Ambiente e desenvolvimento. Trad. André
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JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de
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ROSENFELD, Arthur, H., WARD, Ellen. Energy use in buildings. In HOLLANDER,
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