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Praticando! Praticando! Praticando!

Nuno Crato
Há em Nova Iorque muitos locais famosos dedicados à música. Mas não há nenhum tão
venerado e vetusto como Carnegie Hall. Construído em 1891, nele residiram algumas das compa-
nhias e orquestras mais famosas do mundo. Tocar nessa imponente sala de espectáculos é, ainda
hoje, uma ambição de muitos grandes músicos.
Conta-se que, um dia, quando Arthur Rubinstein se passeava pela Sétima Avenida, nas
redondezas do teatro, foi abordado por um transeunte perdido, que lhe perguntou como se ia para
Carnegie Hall. O grande pianista terá respondido Praticando! Praticando! Praticando!
O dito ficou famoso e tornou-se uma piada predilecta de alguns educadores norte-americanos. Ape-
sar de desaconselhada por algumas correntes pedagógicas hoje antiquadas, que consideram a prática
e a memorização como contraproducente, a importância da repetição organizada tem sido reforçada
por muitos estudos modernos sobre o funcionamento da mente humana. Henry L. Roediger, um dos
psicólogos norte-americanos que mais se têm dedicado à investigação do sucesso das práticas de
estudo, esteve esta semana em Portugal e proferiu uma conferência sobre o tema na Universidade de
Lisboa.
Roediger reconhece a importância da prática de memorização repetida. Tem feito estudos
experimentais sobre diferentes maneiras de memorizar o vocabulário de uma língua estrangeira e
sobre temas de estudo mais complexos em sala de aula.
Uma das conclusões mais interessantes dos seus estudos é que os conhecimentos ganham em
ser recapitulados e reavivados, mesmo quando estão já memorizados ou assimilados. A ideia muito
comum de que, uma vez estudados uns assuntos, o estudante deve progredir para outros, sem revisi-
tar as matérias aprendidas, parece ser errónea.
Alguns psicólogos, nomeadamente David Geary, que também esteve entre nós há algum
tempo, corroboram esta ideia e falam em sobreaprender, dizendo que os estudantes não devem parar
depois de terem assimilado o estritamente necessário de determinada matéria, mas devem prosseguir,
estudando mais, de forma a reterem o máximo da própria matéria original.
Outros psicólogos e estudiosos da cognição, como Nathaniel Lasry (Science 320, p. 1720),
interpretam estes resultados no quadro das descobertas recentes sobre o carácter activo e adaptável
(labile) da memória. Ao contrário do que por vezes se pensa, cada vez que um facto é relembrado, a
memória transforma-se e reforça-se, recriando-se em novas versões.
Mas a revelação mais interessante dos estudos apresentados por Roediger é o papel dos tes-
tes. Sendo importante que os estudantes sejam capazes de ter uma noção do seu estado de aprendi-
zagem, parece que essa noção é geralmente limitada e dificilmente leva a que os estudantes reforcem
o estudo no que mais necessitam.
A avaliação organizada parece ser um factor determinante na consolidação dos conhecimen-
tos. É importante que o estudante seja avaliado de forma repetida e espaçada. Ao testar os conheci-
mentos, procede-se a uma recuperação activa da memória, que reforça os conhecimentos. Como diz
Roediger "o factor decisivo para a aprendizagem de longo prazo é a introdução de testes" (Science
319, p. 967, 2008). Estes trabalhos científicos fornecem novos argumentos aos modernos estudiosos
de pedagogia. Reforçam o papel da instrução dirigida e põem em causa as velhas recomendações
românticas de um estudo puramente autónomo, conduzido ao ritmo do aluno."
Jornal Expr esso (15 de Março de 2009)
<reproduzido em: http://dererummundi.blogspot.com/>

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