Professional Documents
Culture Documents
55
A PARTE AMARGA
WILKIE COLLlNS
(1824-1889 - Inglaterra)
DO INSPETOR-CHEFE THEAKSTONE, DO
DEPARTAMENTO DE DETETIVES, PARA O SARGENTO
BULMER, DO MESMO DEPARTAMENTO
Londres, 4 de julho de 18 ...
Sargento Bulmer,
Esta é para informá-lo de que seus serviços são
necessários na investigação de um caso importante, que
requer atenção em tempo integral de um membro experiente
do departamento. O caso de roubo, do qual agora se ocupa,
deve ser transferido para o jovem portador desta carta. O
senhor o informará de todas as circunstâncias do caso e o
atualizará nos progressos que fez (se algum) no sentido de
descobrir o culpado, ou culpados; passando a ele a
responsabilidade total pelo caso, bem como todo crédito pelo
sucesso, que porventura ele venha a ter na solução do mesmo.
Estas são as ordens que me pediram passasse ao senhor.
Agora, em confidência, algumas palavras sobre este
novato que deve substituí-lo no caso. Seu nome é Matthew
Sharpin e, por alguma razão, devemos dar-lhe a chance de
entrar, saltando todas as etapas, diretamente em nosso
departamento, se provar sua capacidade para tal.
Naturalmente o senhor gostaria de saber por que lhe é dado
este privilégio. Tudo que posso dizer é que ele conta com o
forte interesse de algumas pessoas situadas no alto da
hierarquia; pessoas cujos nomes é melhor que nem eu nem o
senhor mencionemos em voz alta. Trabalhava num escritório
de advocacia e, apesar de seu aspecto traiçoeiro e mesquinho,
tem um ótimo conceito de si mesmo. Segundo ele, foi por sua
361
55 – A parte amarga 3 / 37
DE MATIHEW SHARPIN
PARA O INSPETOR-CHEFE THEAKSTONE
Londres, 5 de julho de 18 ...
Prezado Senhor,
Já de posse das informações que o sargento Bulmer teve
a gentileza de me fornecer, me permito lembrá-lo de minhas
instruções em referência ao relatório que deverei preparar,
para a apreciação do quartel-general.
55 – A parte amarga 4 / 37
DO INSPETOR-CHEFE THEAKSTONE
PARA MATTHEW SHARPIN
Prezado Senhor,
O senhor começa por desperdiçar tempo, tinta e papel.
Nós dois conhecíamos bem nossas posições, em relação um
ao outro, quando o mandei procurar o sargento Bulmer com
minha carta. Não havia nenhuma razão para uma descrição
por escrito. Espero que no futuro restrinja o uso de sua
pena à investigação que tem nas mãos.
55 – A parte amarga 5 / 37
DE MATTHEW SHARPIN
PARA O INSPETOR-CHEFE THEAKSTONE
Londres, 6 de julho de 18 ...
Senhor,
Sendo o senhor uma pessoa de mais idade, é, como tal,
propenso a sentir uma certa inveja de pessoas como eu, na
flor da juventude e em pleno gozo de todas as faculdades,
físicas e mentais; nestas circunstâncias, é meu dever ter
uma certa consideração para consigo, e não ser demasiado
rigoroso com suas pequenas falhas. Assim sendo, declino
de sentir-me, de alguma forma, ofendido com o tom de sua
55 – A parte amarga 6 / 37
DO MESMO REMETENTE
PARA O MESMO DESTINATÁRIO
7 de julho
Prezado Senhor,
Sem a honra de uma resposta à minha última
comunicação, ouso presumir que esta, apesar de todos seus
preconceitos contra mim, causou em sua mente uma
impressão favorável. Gratificado e encorajado, além de
qualquer medida, por esta aprovação que seu eloqüente
silêncio me transmite, passo agora a relatar os progressos
resultantes de meus esforços no decurso das últimas vinte
e quatro horas.
Encontro-me, neste momento, confortavelmente
instalado no quarto ao lado daquele do Sr. Jay, e é um
prazer comunicar-lhe que, em vez de um buraco na parede,
tenho dois à minha disposição. Meu senso de humor inato
permitiu-me a desculpável extravagância de batizá-los com
nomes apropriados. Ao primeiro chamei de "luneta", e ao
segundo de "corneta". O nome do primeiro é auto-
explicativo; o do segundo se refere a um pequeno tubo de
55 – A parte amarga 13 / 37
369
conclusões.
Falando em virtude, devo adicionar que expliquei meu
ponto de vista no caso ao Sr. e a Sra. Yatman. No início,
aquela brílhante dama teve alguma dificuldade em acompa-
nhar de perto meu raciocínio. Devo confessar que ela
também balançou a cabeça em dúvida, derramou lágrimas,
e juntou-se ao marido em prematuras lamentações sobre a
perda das duzentas libras. Mas uma cuidadosa explicação
de minha parte, somada a sua mais sincera atenção,
terminaram por fazê-la mudar de opinião. Ela agora
concorda comigo que não existe nada nesta inesperada
circunstância do casamento clandestino que nos leve a
eliminar as suspeitas contra o Sr. Jay, ou contra Jack, ou
contra a noiva fugitiva. "Mulherzinha audaciosa" - foi como
minha querida amiga se referiu a ela; mas isto não vem ao
caso. Mais importante é registrar que a Sra. Yatman não
perdeu sua confiança em mim, e seu marido promete
seguir seu exemplo e fazer todo o possivel para olhar o
futuro com otimismo e esperança.
Espero agora, devido ao rumo que tomaram os
acontecimentos, por instruções suas. Faço uma pausa nas
investigações, enquanto espero por novas ordens, com a
tranqüilidade de um homem com duas balas na pistola.
Quando segui os suspeitos até a estação, tive dois motivos
para fazê-lo. Primeiro, eu os segui por motivos oficiais e
ainda na crença de serem eles os culpados do roubo. Em
segundo lugar, para satisfazer uma curiosidade particular,
no intento de descobrir o esconderijo do casal de fugitivos e
transformar esta informação em mercadoria rentável,
oferecendo-a à família ou aos amigos da noiva. Assim,
aconteça o que acontecer, posso congratular-me
antecipadamente por não haver perdido meu tempo. Se o
departamento aprovar minha conduta, tenho meus planos
prontos para continuar com a investigação; caso seja
55 – A parte amarga 28 / 37
FRANCIS THEAKSTONE
DO SARGENTO BULMER
PARA O INSPETOR-CHEFE THEAKSTONE
Londres, 10 de julho
Inspetor Theakstone,
Sua carta e anexo chegaram bem às minhas mãos.
Dizem que um homem sábio é capaz de aprender alguma
coisa até mesmo de um tolo. Quando terminei a leitura do
relatório incoerente, que Sharpin fez da sua própria
loucura, já tinha resolvido o caso de Rutherford Street,
exatamente como o senhor previu. Em meia hora estava no
local, e a primeira pessoa que encontrei foi o próprio
Sharpin.
- O senhor veio me ajudar? - perguntou ele.
- Não é bem assim - disse eu. - Vim avisá-lo que o
senhor está suspenso até segunda ordem.
- Muito bem - disse ele, nem um pouco diminuído em
seu próprio conceito. Sabia que despertaria ciúme no
senhor. Entre e fique à vontade. Estou de saída para um
pequeno trabalho por minha conta nas vizinhanças de
Regent's Park.
Com estas palavras, desapareceu, que era exatamente
aquilo que eu desejava.
Tão logo a empregada fechou a porta, disse-lhe que
fosse informar seu patrão que precisava vê-lo. Ela me levou
a uma salinha atrás da loja, e ali estava o Sr. Yatman, sozi-
nho, lendo o jornal.
- A respeito do roubo, senhor - disse eu.
55 – A parte amarga 30 / 37
12 de julho
Prezado Senhor,
55 – A parte amarga 36 / 37