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nira ucuictuai, ae u n o mana

( ai]nau. - entrcgamli)
nossos leitores o Volume
VI dessa monumental obra.
0 Volume I tem esta di\i-
sao: A HERANÇA {A Literatura
Crcga; O Mundo Romano:
História do Humanismo c dai
Renascenças; O Crutíanism
o Mundo). A segunda parte
do volume é intitulada o
MUNDO CRISTÃO e abrange es-
tudos sobre A Fundação da
Europa; O Universalismo Cris-
tão; A Literatura dos Castelos
e das Aldeias; Oposição Bui-
I de Eclesiástica.

O Volume I-A, iniciando-se


com o estudo do período in-
titulado A TRANSIÇÃO, com-
preende O "Trecento''; Rea-
lismo c Misticismo; O Outono
i/a Idade Média. Segue-se o
• -indo sobre a RENASCENÇA E
IÍIIORMA, com capítulos sobre
0 Quatlrocento"; o "Cinque-
cento"; Renascença Interna-
/; Renascença Cristã.

O Volume I I , dedicado ao
estudo do BARROCO E CLASSI-
CISMO, abrange capítulos so-
bre O Problema da Literatura
Barroca; Poesia e Teatro da
C ontr a-Rejorma; Pastorais,
Epopeias, Epopeia Herói-Cô-
mica e Romance Picaresco; 0
Barroco Protestante; Misticis-
mo <• Moralismo; Anti
t< ~ " T O deve ser devolvido na última
data carimbada O Volume I I I é dedicado ao

«2: f
— i
Bttado do período intitulado
ILUSTRAÇÃO E REVOLUÇÃO, u n i
capítulos sobre Origens Neo-
barrocas; Classicismo Racio-
:
nalista; O Pri-Romantismo;
* O Último (Classicismo.
0 Volume IV, consagrado
ao estudo do período intitula
ilu 0 ROMANTISMO, abrange
capítulos sobre Origens do
Romaàtismo; Romantismo de
Evasão; Romantismo em Opo-
sição; 0 Fim do Romantismo.
0 Volume V compreende o
:_0 UNIVERSIDADE ido do período intitulado
I <VL DE MARINGÁ A ÉPOCA DA CLASSE MÉDIA, COII1
'
fHoteca Central capítulos sobre Literatura Bur-
guesa; 0 Naturalismo; A Con-
versão do Naturalismo.
Volume VI, dedicado
ao estudo do " F I N DU SIÈCLE"
E DEPOIS, abrange capítulos
'
>olire 0 Simbolismo e A Épo-
ca do Equilíbrio Europeu.

Prc e que Dvbe honrar os seus Como nos volumes anterio-


cor iromisnip devolvendo com res, Otto Maria Carpeaux se-
antualiptde este livro à
gue neste tomo agora entre-
E ilioteca
gue ao público a mesma li-
nha de informações completas
i- precisas, de agudeza e equi-
'a'niv«l de Maringá Ifbrio na apreciação crítica de
flSItft*- BCE
numes expressivos de escrilo-
res que marcaram indelevel-
mente um dos períodos mais
17 :)51 ricos da história literária —
o Simbolismo.
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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

VI
,

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL

VI
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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL
OTTO MARIA CARPEAUX
PubUcados:
VOIUME I

A HERANÇA
A Literatura Grega / O Mundo Romano / História do Humanismo e
das Renascenças / O Cristianismo e o Mundo

O MUNDO CRISTÃO
A Fundação da Europa / O Universalismo Cristão / A Literatura dos HISTÓRIAS
Castelos e das Aldeias / Oposição, Burguesa e Eclesiástica
VOUJMK i - A
A TRANSIÇÃO
LITERATURA
O "Trecento" / Realismo e Misticismo/O Outono da Idade Média
RENASCENÇA E REFORMA
OCÍDENT \ I
O "Quattrocento" / O "Cinquecento" / Renascença Internacional /
Faculdade Estadual de Dinto
Renascença Crista de Maringá
VOLUME II
BARROCO E CLASSICISMO
O Problema da Literatura Barroca / Poesia e Teatro da Contra-Re-
forma / Pastorais, Epopeias, Epopeia Herói-Cômica e Romance Picares-
c o / O Barroco Protestante / Misticismo e Moralismo / Antibarroco VI
V O L U M E 111
ILUSTRAÇÃO E REVOLUÇÃO
Origens Neobarrocas / Classicismo Racionalista / O Pré-Romantismo /
O Ultimo Classicismo

VOLUME IV
O ROMANTISMO
Origens do Romantismo / Romantismo de Evasão / Romantismo em
Oposição / O Fim do Romantismo
NOI.I.lME V

A ÉPOCA DA CLASSE MÉDIA


Literatura Burguesa / O Naturalismo / A Conversão do Naturalismo.
VOLUMIi VI
"FIN DU SIÈCLE" E DEPOIS
O Simbolismo / A Época do Equilíbrio Europeu J
^ „ EDIÇÕES O CRUZEIRO
•vJ
^>

ÊSTB LIVRO FOI COMPOSTO B TMPRR8SO NAS OFICINAS


DA EMPRESA GRÁFICA 0 CRUZEIRO S. A...
NA R U A DO LIVRAMENTO. 203, Rio D E JANEIRO,
PARA AB lilHÇÕES O CRUZEIRO. JUNHO DE 1 9 6 4 .

Capa de

r» AMÍLCAR DE CASTRO
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HCHDillf ESTIDJIL OE CISEITO DE HIlIMGá


BIBLIOTECA
Volume Q g b ~ Etíntod2tJÍâd£\
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FDND. UN: • r.DSMARWGA PARTE IX

//«e$ y/*?/^. «FIN DU SIÈCLE" E DEPOIS


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Universidade Estadual de Maringá
sistema de Bibliotecas - BCE

0 CRUZEIRO

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HERBERTO SALES

DIREITOS AUTORAIS ADQUIRIDOS PEIA EMPRESA


GRÁFICA O CRUZEIRO S. A... Q U E HB RESERVA A

II i
PROPRIEDADE LITERÁRIA DA PHE8ENTB EDIÇÃO.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2575
2574 OTTO M A R I A CARPEAUX
ao ponto de se proclamarem "poetas da Decadência", fa-
bolistas dispunham de fortes razões para considerarem
lando de "Fin du Siècle" como se fosse o Fim do Mundo.
Baudelaire, Rimbaud e Laforgue como os seus precurso-
Esse decadentismo, que só é um aspecto parcial do
r e s : de um movimento que incluía os nomes de Mallarmé,
movimento simbolista, foi, mais tarde, o motivo de muita
Verlaine, Moréas, Henri de Régnier, Samain, Dujardin,
aversão e hostilidade contra o simbolismo. Na França, os
Stuart Merrill e Vielé-Griffin, além dos belgas Maeter-
poetas "modernistas" de 1910 e 1920, desde Apollinaire, re-
link e Georges Rodenbach, e cujo crítico "oficial" era
conheceram no decadentismo a falta de vitalidade, a inca-
Gourmont. Tinham motivos para se julgarem criadores de
pacidade da poesia simbolista de servir como expressão do
um novo mundo poético, caracterizado pela musicalidade
mundo moderno. E n t r e os anglo-saxões, alguns críticos
do verso, pelo preciosismo da expressão, pela suntuosida-
deram interpretação sociológica ao decadentismo, explican-
de verbal, o sincretismo religioso, a evasão da realidade co-
do o evasionismo dos simbolistas como fuga da realidade
mum. Mas essas características não são muito de um mun-
•ocial. Daí os julgamentos severos de um Edmund Wil-
do novo, antes de um Fim do Mundo. A "musicalidade do
son, ou David Daiches, censurando a mesma atitude "rea-
verso", as expressões vagas e preciosas pareciam atenta-
clonária também nos herdeiros do simbolismo, em Valéry
dos contra a suprema conquista do espírito francês, a clarté;
com efeito, os simbolistas eram antiintelectualistas, inimi- Ma* esses nomes, aos quais
gos da Razão discursiva, essa deusa do liberalismo e do ra- lido e Juan Ra-
dicalismo. O interesse dos simbolistas pela religião, ou, IIII J ok e Ady, bastam para
antes, por todas as formas, por mais esquisitas que fossem, ollsmo deixou. Não se "cen-
da religiosidade e do misticismo, era outro atentado contra i movimento de tão grandes con-
a indiferença do liberalismo em matéria religiosa e contra PHKòrleas; pois o simbolismo é a base de toda
o ateísmo dos naturalistas. Não se tratava, com algumas BRÍa moderna, inclusive daquela que depois o hostili-
exceções, de um sentimento comparável à angústia reli- IOU. O simbolismo não foi mera "reação" contra o natu-
giosa dos russos e escandinavos, mas de certo esnobismo, ralismo. Para provar isso, basta considerar o fato de que
simpático aos aspectos pitorescos das cosmogonias e das na França de 1880 e 1890 surgiram mais outras reações
liturgias; daí o sincretismo religioso do qual o Huysmans antlnaturalistas, como o tradicionalismo de Brunetière e
de Là-bas e Strindberg, em sua última fase, forneceram Bourget e o esteticismo de Anatole F r a n c e ; e a atitude
outros exemplos. Em todo caso, isso era "reação", assim desses outros antinaturalistas era de franca hostilidade
como o evasionismo e a ênfase sobre os aspectos aristo- contra o simbolismo.
cráticos do T a r t pour Tart". Enfim, a pretensão dos sim- A reação tradicionalista e esperitualista contra o na-
bolistas de trazer ao mundo uma poesia nova não harmo- turalismo foi iniciada pela crítica violenta do católico Ber-
nizou bem com o sentimento de fadiga reinante entre eles, bey d'Aurévilly e encontrou bases doutrinárias mais firmes
na erudição de Brunetière ( 2 ). Esse ditador da crítica

1) Ferdinand Brunetière. 1849-1906.


Êtudes critiques sur Vhistoire de la littérature française (1880/
Sv. Jolumsen: Le symbolixme. Êtude tur le style des symbolistes. 1B07); Le roman naturaliste (1883); Êvolution de la poésie lyrique
KJoebenhavn, 1945. (1894); La science et la religion (1897); Discours de combat (1900/
G. Michayd: Le message poétique du $ymbolisme. 4 vols. Paris, 1947. i 11)07) etc.
K. Cornelh The Symbolist Movcment. New Haven, 1952.

:
í - m
2576 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA LA LITERATURA OCIDENTAL 2577

veio, ele mesmo, do naturalismo, se bem que em outro sen- tadores no estrangeiro, como do espanhol Ricardo León ( 4 ),
tido. Partidário do cientificismo e de um positivismo mo- que confundiu os privilégios da Casta de hidalgos com a
derado, pretendia transformar a crítica e a história literá- tradição espanhola. Essa "reação" não tem nada que ver com
ria em verdadeiras ciências, aplicando o critério evolucio- a poesia simbolista, da qual também Bourget sempre foi
nista de Darwin, "descobrindo" a "lei da evolução dos gé- inimigo. Nem toleravam esses tradicionalistas um poeta
neros". O senso bem francês da ordem hierárquica das coi- autêntico como o elegíaco Charles Guérin (°), porque
sas e certo puritanismo inato impediram-no, porém, de acei- aprendera nos simbolistas certas fórmulas e um gosto apu-
tar a transição de Balzac para Zola. Tornou-se o crítico rado da expressão. Guérin parecia simbolista porque se
mais hostil ao naturalismo, opondo-lhe o "verdadeiro na- dizia partidário do "l'art pour 1'art".
turalismo" dos clássicos do século X V I I . Daí o tradiciona- " A h ! fermez la fenêtre ouverte sur la vie!"; — e por-
lismo literário de Brunetière; depois, seu tradicionalismo que era triste como os decadentistas, convertendo-se enfim
filosófico e social; enfim, a conversão ao catolicismo e a ao catolicismo. Acreditava na força mágica das palavras,
proclamação da "bancarrota da ciência". Nesse último mo- atribuindo-lhes, porém, um efeito em que os simbolistas
mento, Brunetière parece encontrar-se com o antiintelectua- não pensaram:
lismo dos simbolistas; mas como bom académico, não gos- " . . . Savoir au moins les mots divins qui font pleu-
tou da poesia nova, chegando a lançar insultos contra Bau- rer." Esse romantismo algo choroso também caracteriza o
delaire, e a achar pouca coisa nos outros simbolistas. Con- cristianismo do poeta, que parece aos críticos católicos me-
tudo, não é conveniente confundir a crítica de Brunetière nos dogmático que sentimental. Na poesia "Bien que mort
com a poligrafia de Faguet e o impressionismo leviano d t à la foi", Guérin, confessando dúvidas invencíveis, refere-
Lemaitre, dois outros tradicionalistas e grandes inimigos se ao cristianismo tradicional dos seus antepassados, che-
do simbolismo Brunetière foi incapaz de compreender os gando à conclusão:
contemporâneos; mas tinha conhecimento profundo do
" J e veux, quand le moment viendra, mourir aux
grande passado literário da França. Apenas, não podia
[pieds
ser guia para o futuro. Foi magro o resultado imediato da
Du crucifix qui m'a vu naitre."
sua atividade e combatividade. Bourget ( 8 ) continuou a
defender teses parecidas; mas com nenhum dos seus roman- Depois disso, já não há dúvida quanto às origens da
ces alcançou outra vez a importância histórica do Disciple. poesia de Charles Guérin: é o último descendente de La-
Virou o romancista dos bien pensants da alta sociedade. martine. Guérin nunca foi "modefno".
Acompanharam-no outros tantos vencedores de sucessos de
livraria com lugar garantido na Académie e fora da literatu- 4) Ricardo León, 1877-1943.
ra, como Henry Bordeuax. Nem vale a pena falar dos imi- Casta de hidalgos (1908); El hombre nuevo (1925) etc.
A. Maura: Discurso de contestación ai ingreso de Ricardo León en
Real Academia EspaUola. Madrid. 1915.
J. Casares: Crítica profana. Madrid. 1916.
5) Charles Guérin, 1873-1907.
V. Glraud: Brunetière. Paris. 1932. Le Coeur solitaire (1898); Le semeur de cendres (1901); Uhomme
intérieur (1905).
J. Nanteull: Ferdlnand Brunetière. Paris, 1933. A. de Bersancourt: Charles Guérin. Paris, 1912.
3) Cf. " A conversão do naturalismo", nota 81. B. Hanson: Le poete Charles Guérin. Paris, 1935.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2579
2578 OTTO M A R I A CARPEAUX
steticistas exigiram a irresponsabilidade moral da arte,
O tradicionalismo, combatendo as fealdades antiestéti-
para fugir às responsabilidades sociais. Assim os esteti-
cas do naturalismo, explicou-as pela separação entre a arte
cistas pretendem quebrar o poder do determinismo social,
e a vida nos tempos modernos; procurava o remédio nas
do qual o naturalismo é a expressão. A arte é, para os es-
tradições do passado em que a arte e a vida se confundiram
teticistas, a atmosfera do relativismo ético; e para alcan-
harmoniosamente no sistema dos princípios morais. O tra-
çar essa esfera servem-sexle mais outros instrumentos, afins
dicionalismo quis ter fé nesse princípio; mas a sua fé não
ou fora das atividades artísticas de escrever, pintar e fa-
era muito firme. Charles Guérin, mesmo na fase católica,
zer música; colecionar objetos de arte, biblíofilia, dandis-
não conseguiu esconder as dúvidas; o próprio Brunetière,
mo, prazeres da cozinha e outros prazeres, sejam legítimos
darwinista convertido ao catolicismo, defendeu as suas no-
ou até proibidos pelo Código Penal. A fé na arte não é
vas convicções religiosas com argumentos do pragmatismo
o elemento essencial do esteticismo; antes, essa fé só na
que, no ano seguinte ao da sua morte, foram condenados
arte é a última consequência da indiferença moral ou até
pelo Vaticano como teses do "modernismo" teológico. O tra-
do imoralismo consciente dos esteticistas. Isso, evidente-
dicionalismo não era capaz de extirpar em si mesmo a men-
mente, não tem nada que ver com a tentativa dos simbo-
talidade da época, o naturalismo científico.
listas de renovar a poesia. Com efeito, Walter Pater não é
Os esteticistas, encontrando-se na mesma situação, mas responsável pelo fato de que alguns simbolistas ingleses,
sem dispor dos "antepassados católicos" dos quais Char- depois da sua morte, se referirem a êle; o seu discípulo le-
les Guérin falara, não se preocupavam com a salvação da lítimo é Oscar W i l d e ; e este não foi simbolísta. E Anato-
sociedade pela propaganda dos "bons princípios". Con- le France, após ter hostilizado o simbolismo, saiu da torre
sideravam os tempos modernos como irremediavelmente de- de marfim, tornando-se socialista. Os esteticistas são alia-
cadentes ; e pretendiam evadir-se para outras épocas, menos dos natos de todos os movimentos que prometem enfraque-
cinzentas, mais artísticas. Mas não se iludiam, como os ro- cer ou quebrar o domínio do absolutismo ético. Não são
mânticos, quanto à harmonia perfeita entre a arte e a reli- simbolistas; são dândis ou radicais. Não renegam o paren-
gião no passado. Detestavam tanto o "obscurantismo" me- tesco com o Parnasse do dândi Gautier e do ateu Leconte
dieval, precursor do clericalismo moderno, como o pode- de Lisle.
ria detestar qualquer radical da esquerda. Mas acredita-
vam na possibilidade de aceitar a arte das catedrais sem O maior dos esteticistas, talvez o único que ficará para
aceitar a fé que as tinha construído, assim como se interes- sempre, é o inglês Walter Pater ( e ) , porque encarna um
savam vivamente pela arte indiana ou chinesa sem exigir tipo humano permanente. Compararam o "fellow" no seu
a profissão d e fé bramânica ou confuciana. Não acredita- gabinete de trabalho no Brasenose College da Universi-
vam em religião nenhuma, senão a da arte, "última deusa
6) Walter Horatio Pater, 1839-1894.
da humanidade". Apreciavam o 'Tart pour 1'art". Não pre- Studies in the History of the Renaissance (1873); Marius the Epi'
tendiam, como os tradicionalistas, educar a nação; e à arte curean (1885); Imaginary Portraits (1887); Appreciations (1889);
proibiram os efeitos persuasivos da retórica. Tudo isso — Plato and Platonism (1893).
Edição: New Library Edition, 10 vols., London, 1910.
decadentismo, evasionismo, "1'art pour 1'art", anti-retóri- A. C. Benson: Walter Pater. London 1906.
ca — também são traços do simbolismo. Mas o objetivo é P. E. Thomas: Walter Pater, a CrWcal Study. London, 1913.
Oh. Du Bos: Sur Marius VEpicuréen, de Pater (In: Approximations.
diverso: é de ordem moral, ou, antes, de ordem imoral. Os vol. IV, Paris, 1930).
2580 OTTO M A B I A CABPEAUX
HISTÓRIA DA LITKBATUBA OCIDENTAL 2581

dade de Oxford a um mongje medieval na sua cela, iluminan- compatível com a sua fome de sensações sempre novas.
do com devoção ingénua os pergaminhos preciosos de um " T o b u m always with this hard, gemlike flame, to main-
livro sagrado. As comparações sempre claudicam; e esta tain this ecstasy, is success in life", dizia Pater no pos-
mais do que qualquer outra. Pater era tudo, menos ingé- fácio de The Renaissance, concluindo: "Art comes to you
nuo; mas da fé de um monge medieval guardava realmente proposing frankly to give nothing but the highest qua-
o ardor, se bem que não o objeto. "The strongest part of lity to your moments as they pass, and simpli for those mo-
our religion to-day is its unconscious poetry", dissera Ma- ments) sake." É uma teoria do extremo aproveitamento das
tthew Arnold; Pater inverteu a frase, fazendo da poesia a
sensações artísticas, sem consideração de limites morais.
sua religião. Sabia que isso era a última das possibilida-
A religião desse estranho monge de Oxford é um epi-
des de crer; mas pouco o incomodava o fato de viver num
cureismo estético; é hedonística. Evidentemente, o hedo-
mundo que julgava decadente, porque a arte lhe garantia
nismo de Pater não tem nada de materialismo, não tem mes-
visivelmente a existência permanente das ideias — e só
mo quase nada de material. É o hedonismo de um scholar in-
isso importava ao platónico de Oxford, que dedicava um
glês que vive entre livros e em livros. Mas as páginas se re-
livro a Plato and Platonism. Frustraram-se-lhe as tentati-
vificam nas mãos desse leitor como nas de um necromante,
vas de se reaproximar do cristianismo — o romance Marins
evocando os espíritos do passado. Às vezes, o professor até
the Epicurean dá testemunho comovido disso; na arte en-
controu as verdades religiosas que em outros séculos a ex- se sente capaz de criar ou recriar personagens do passado:
periência mística lhe teria revelado. Não podia atribuir assim, nos Imaginary Portraits, cria as vidas imaginárias de
essas revelações, as únicas que dão valor à vida humana, a um pintor da época de Watteau, de um organista medieval,
força supranaturais, e sim ao próprio espírito humano: a de um herói naval holandês, de um príncipe alemão do sé-
arte é a expressão da personalidade, do indivíduo conscien- culo X V I I I . Outra vez, Pater dá nova vida a personagens
te que vê as ideias eternas, enquanto os outros dormem. poéticos esquecidos ou mal conhecidos, como Aucassin e
Esse conceito da arte é tradução moderna da anamnese, de Nicolette, os amantes românticos do século X I I , mais vivos
Platão. Por outro lado, a imagem do indivíduo vivo entre pela imaginação criadora do poeta desconhecido do que
os que dormem, é de Heraclito. Mas Platão, com sua fé todos os amantes reais. Ou então, a figuras históricas: Pico
na eternidade das ideias, e Heraclito, com sua fé no fluxo delia Mirandola, o polígrafo angustiado; Botticelli, que
permanente e irreversível das coisas, são incompatíveis. foi "engelifiçado" demais pelos pré-rafaelitas; Miguel Ân-
Significa isso que Pater acompanhou o platonismo só até gelo, poeta herético; a Gioconda de Leonardo, revelando
certo ponto; pois a identificação platónica dos supremos segredos abismais do sexo; Du Bellay, antecipando o "na-
valores estéticos com os supremos valores éticos não era turalismo" de Rousseau; e Winckelmann, o esteticista imo-
ralista. Pater deu ao volume desses ensaios de evocação o
título: Studies in the History of the Renaissance. É claro
que "Renaissance" tem para êle sentido diferente da acep-
A. Symons: A Study of Walter Pater. London, 1932.
J. G. Faker: Walter Pater, a Study in Methods and Effects. Jowa ção comum. Não significa "renascimento da Antiguidade",
City. 1933. senão naquele sentido em que o seu contemporâneo Morris
R C. Chlld: The Aesthetic of Walter Pater. New York. 1940.
Dav. Cecil: Walter Pater, the Scholar Artist. Cambridge, 1955. contou lendas gregas em estilo de menestréis medievais.
G. d*Hougcst: Walter Pater. 2 vols. Parla, 1962. "Renaissance", para Pater, é "modernismo" anticristão,
«•

25í!2 OTTO M A R I A CARPFAUX HISTÓRIA CA LITERATURA OCIDENTAL 2583

imoralista e amoralista. A obra de Pater é um grande pro- isso, a maior parte das suas obras são "period pieces", cheias
testo contra a estética moralizante de Ruskin, mas tam- de esprit ou, melhor, de wit; mas apenas significativas
bém contra a tentativa de Arnold de educar a nação. Pater como expressões do espirito da sua sociedade e da sua épo-
não acredita nisso: a arte não é nem será nunca de todos ca; só têm importância histórica. Sua vida, porém, foi
nem dos muitos. Poucos é que têm o direito de vivê-la obra de génio; e ao génio a sociedade sempre faz pagar
plenamente, embora sob a condição de renunciar aos ou- caro a singularidade da sua natureza.
tros prazeres da vida. E i s o imperativo moral do monge Wilde só foi tolerado na alta sociedade como espécie
Pater; eis seu relativo espiritualismo que manifestou em de bobo da corte, divertindo os nobres lordes e ladies com
Marius the Epicurean. Por isso suprimiu em edições pos- paradoxos subversivos, sobretudo quando insertos em co-
teriores aquele posfácio de Renaissance, para excluir o
médias hábeis à maneira da Sm essai comédias, por
equívoco de um imoralismo. Mas, afinal, restabeleu a pá-
sua vez, renderam ao ira pagar os alfaiates
gina perigosa; não se sentiu responsável pela interpretação
a mais outras despesas, manos confasiávois. Quando Wil-
delas por Oscar Wilde.
de, em The inif eat, revelou com in-
Pater é mais do que um grande estilista; é um poeta,
« sua natureza de blagueur,
nascido da harmonia entre seu "caso" de inadaptado à vida
n*ci / 'icttirc of Dorian Gray,
e sua nobre natureza artística. O "caso" sem a nobreza, eis
nxlitêncla, compreenderam,
Oscar W i l d e . É comum a explicação do "caso" Wilde como
•i" o escândalo do processo con-
consequência funesta dos perigosos princípios teóricos de
P a t e r ; outros, porém, chamam a atenção para a co-in- ilgou a acreditar, então rejeitaram
fluência das lições de Matthew Arnold ( 7 ), para o qual ••nos De Profundis, essa efusão de senti-
a arte já era a última religião; pois nesse caso o artista 'Idoso. A glória imensamente exagerada de
tem o direito e o dever de transformar em obra de arte sua 'ifguiu-sa um declínio tão forte que já parecia es-
própria vida. tuo. Mas depois, o mundo deu mais uma volta. E
Wilde ( 8 ) colocou, conforme sua própria confissão, Wilde também voltou: não só no estrangeiro, onde sempre
"seu talento nas suas obras e seu género na sua vida." Por guardara admiradores, mas também, e sobretudo, na In-
glaterra. Hoje em dia, já é possível proceder a uma revi-
aio dos valores. Wilde não foi grande dramaturgo, apenas
7) E. Bendz: The Influence of Pater and Arnold in the Prose Writings playwright muito hábil; não foi "grande poeta, maa espí-
oj Oscar Wilde. Goeteborg, 1914.
J. Mainsard: "L. esthétisme de Pater et de Wilde". (In: Êtudes,
CXCIV, 1928.)
8) Oscar Wilde, 1856-1900. F. Ohoisy: Oscar Wilde. Paris, 1926.
Poems (1881); The Happy Prince (1888); InUntions (1891); The O. J. Renler: Oscar Wilde. London. 1933.
Picture of Dorian Gray (1891); The Duchess of Pádua (1891): A. Zanco: Oscar Wilde. Génova, 1934.
Lady Windermere's Fan (1893); Salomé (1894); A Woman of No
l i Pearson: The Life of Oscar Wilde. London, 1946.
Importance (1894); An Ideal Husband (1895); The Importance of
Being Earnest (1895); The Ballad of Reading Gaol (1898); De Pro-
funda (1905).
Ediçáo por R. B. Ross, 14 vols., Boston, 1911.
Fr Harris: Oscar Wilde. 2 vols., New York, 1918.
à I . Roditl: Osca* Wilde. Norfolk, Oonn., 1948.
R. Meile: Oscar Wilde, appréciation d'une oeuvre et d'une detti-
Paris, 1948.
O. Woodcock: The Paradox of Oscar Wilde. London, 1949.
2584 OTTO M A R I A CARPKAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2585

rito muito poético. Esta última qualidade revela-se nos mente por isso não têm a mesma importância histórico-
seus graciosos contos de fadas e, sobretudo, na crítica li- crítica os subWildes do continente europeu, onde não ha-
terária, no volume Intentions; raramente se falou melhor via aquela hostilidade antiartística. Na França, ninguém
— e em prosa melhor — da autonomia da arte em face da combateu assim um personagem parecido como Pi erre
realidade. Como poeta propriamente dito, Wilde superou Louys (°), cuja obra interessa principalmente como varian-
só ocasionalmente o epigonismo da "excellent scholar's poe- te grecizante do esteticismo; algumas poesias suas sobre-
t r y " ; mas " T h e Harlot's House" é um poema sugestivo e viverão pela música de Debussy. Foi mais sério o quase es-
comovente; e The Ballad of Reading Goal nunca poderá quecido Mareei Schwob ( , 0 ) , estilista nobre e alma inquieta,
faltar numa antologia da poesia inglesa. A s comédias tal- admirador apaixonado do teatro elizabetano e bom conhece-
vez não cheguem a constar permanentemente do repertório; dor de Villon. O autor das Viés imaginaires è o "missing
e Salomé sobreviverá só pela música de Richard Strauss. link" intercontinental entre Walter Pater e Anatole France.
Mas The Picture of Dorian Gray é um bom romance, em- Anatole France ( u ) , se fosse scholar, seria o Pater
bora não dentro da tradição novelística inglesa. Pensando francês: muito mais espirituoso, assim como um "homme
bem: fica bastante coisa. de lettres" parisiense é mais espirituoso do que ura "fellow"
Como se explica essa revalorização? Talvez por que
na Inglaterra de hoje já não subsistem os preconceitos ran-
9) Pierre Louys, 1870-1925.
corosos contra o infeliz? Mas assim só se explica a atitude Astartè (1891); Les Chansons de Billtis (1894); Aphrodtte (1896);
mais humana em relação ao autor, e não a valorização mais La femme et le pantin (1899); Le roi Pausole (1901); Poésies
(1927).
positiva da sua obra, tão remota, afinal de contas, do gosto T. Lachèvre: Pierre Louys et 1'hlstoire lltéraire. Pari-3, 1928.
literário da nossa época. Na verdade, o esteticismo de R. Cardime-Petit: Pierre Louys. 2 vols. Paris, 1944/1949.
W i l d e devia fatalmente cair em desprezo e esquecimento 10) Mareei Schwob, 1867-1906.
durante uma época que preconizava os fins sociais da a r t e ; Le livre de Monelle (1894); La croisade ães enfants. Spicilège
(1896) ;Les viés imaginaires (1896); Lo lampe de Psyché (1903)
o ensaio " T h e Soul of Man under Socialism" não foi leva- etc.
do a sério. Mas a obra de Wilde apresenta problemas atuais P. Champion: Mareei Schwob et son temps. Paris, 1927.
e inelutáveis. Aquela teoria dos fins sociais da arte chegou 11) Anatole France (pseudónimo de François-Anatole Thibault) 1844-
1924.
a ameaçar a própria existência da arte e do artista. Wilde Le crime de Sylvestre Bonnard (1881); Thals (1890); La rõtisserie
voltou a ser nosso companheiro na luta pela autonomia es- de la reine Pédauque (1893); Les opinionos de Jéròme Coignard
(1893); Le lys rouge (1894); Histoire Contemporaine (L'Orme du
piritual do indivíduo; e, nesse sentido, muitas linhas suas mail, 1896); Le mannequin d'osier, -1897; Uanneau d'améthyste,
continuam atuais e preciosas. 1899; M. Bergeret à Paris, 1901); Clio (1900); UAfjaire Crainque-
bille (1903); L'ile des pingouins (1908); Les dieux ont soif (1912);
J á é diferente o problema que discute se Wilde esco- La revolte des anges (1914) etc.
Edição por L. Carias e G. Le Prat, 25 vols., Paris, 1925/1935.
lheu, naquela luta, as armas mais eficientes. Seu grande O. Truc: Anatole France, Yartiste et le penseur. Paris, 1924.
crime não foi a perversão sexual que levou o infeliz para J. Roujon: La vie et les opinions d'Anatole France. Paris, 1925.
A. Bédé e J. Le Bail: Anatole France, vu par la critique d'au-
a casa dos trabalhos forçados, mas a ostentação dessa per- jourd'hui. Paris, 1925.
versão e do dandismo imoralístico: Wilde forneceu à so- H. B. Smith: The Skepticism of Anatole France. Paris, 1927.
J. Suffel: Anatole France. Paris, 1946.
ciedade inglesa argumentos para hostilizar a arte e os ar- L. Carias: Anatole France. Paris, 1931.
tistas, como se fossem uma escola de imoralidade. Exata- N. Addamiano: Anatole France, 1'uomo e Vopera. Padava, 1947.
2586 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2587

de Oxford; mas menos nobre. France era um pequeno- As obras de Anatole France apresentam aquele colo-
burguês de Paris, quer dizer, distante do ambiente vito- rido mundo histórico assim como um homem muito viaja-
riano em que um professor de Universidade ou um jorna- do conta de coisas esquisitas e interessantes que viu em ou-
lista e dramaturgo como W i l d e nunca pôde conquistar tras terras. As experiências de France eram de viagens
a igualdade com qualquer lorde bem-nascido; ao francês pelas bibliotecas; mas era um grande causeur, com o supre-
estava aberto, na Terceira República, o caminho para cima, mo recurso do sorriso céptico. Assim, France sabia escre-
através de uma carreira que os ingleses não admitiram como ver excelentes novelas. Quando a obra ultrapassou os li-
profissão útil e oficial: a literatura. A França de 1880, mites do que se pode contar em uma noite de conversa en-
na qual Anatole France estreou, era a de Gambetta, dos tre amigos, o resultado foi menos feliz. La rôtisserie de la
princípios de 1789 restabelecidos. France é cidadão de reine Pédauque não é um romance; é uma causerie prolon-
uma democracia (não, como Pater, súdito de uma aristo- gada, espirituosa; mas depois da leitura, que é uma delí-
cracia) ; tinha liberdade de escolher, à vontade, costume, cia, não fica nada. Le lys rouge é um bom romance, sem
barba e profissão. Escolheu diversos costumes históricos, superar em qualidade os melhores romances de Bourget.
a barba de um marquês do Rococó e a profissão de céptico. A maior parte das obras de France carece, por assim dizer,
de peso específico; não são levianas, como afirmavam os
E r a um parnasiano. Foi Anatole France quem, editando
seus inimigos, mas leves. Menos os quatro romances da
em 1876 o terceiro volume do Parnasse contemporain, ex-
Histoire contemporaine. Ali, também, os personagens são
cluiu Verlaine como pouco "decente" e Mallarmé como
ligeiramente caricaturados, como numa anedota maliciosa,
pouco "claro". Sendo parnasiano, Anatole France preo-
mas a apresentação do ambiente é digna de Balzac. Ali
cupava-se mais com a forma do que com as ideias. Era pen-
France está dentro da realidade da Terceira Repúbli-
sador de segunda mão, escrevendo uma prosa das mais
ca. Houvera o caso Dreyfus, a tentativa de revogar os
"claras", mais "mediterrâneas": as ideias de Leconte
princípios de 1789; então, o burguês parisiense, ameaçado
de Lisle no estilo de Renan, e as ideias de Renan num es-
na sua liberdade democrática de ler e escrever à vontade,
tilo quase como de Renan. Assim se explica a aversão se revoltou. Voltou ao jacobinismo dos seus antepassados;
do céptico France às atitudes pseudo-religiosas e à lin- e como o jacobinismo francês tem a tendência de evoluir
guagem sugestivo-musical dos simbolistas, que hostilizou, cada vez mais para a esquerda, o parnasiano tornou-se ra-
enquanto não zombou deles, concedendo só ao pobre Ver- dical, socialista e, enfim, comunista. Na obra literária, essa
laine os benefícios da sua "ironie et pitié". Deste modo, evolução reflete-se menos do que. se pensa. Até a magní-
France não tinha relações com o simbolismo. Mas os sim- fica Affaire Crainquebille, a obra-prima de "ironie et pitié",
bolistas podiam gostar da sua prosa evocativa, porque apre- é menos expressão da revolta de socialista contra a opres-
sentou um calidoscópio de imagens da Grécia, do Oriente são policial do proletário do que indignação de um burguês
antigo, de todos os séculos da história francesa, de tudo, parisiense, de instintos anarquistas, contra qualquer opres-
enfim, de que a poesia simbolista, evadindo-se do mundo são policial, contra a própria máquina administrativa do
das responsabilidades sociais, precisava como refúgio. O Estado. É, doutro lado, o protesto do parnasiano pacífico,
evasionismo é o elemento comum da poesia simbolista e perturbado nos seus sonhos de evasão pela realidade so-
do esteticismo de France; pelo menos, do France da "pri- cial. O autor do Crime de Silvestre Bonnard já revelara
meira fase".
2588 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATUPA OCIDENTAL 2589

tanta "pitié' como "ironie"; e o socialista militante Ana- ro ( Kl ) do qual os leitores da ápoca pós-naturalista preci-
tole France não deixou de ser um leitor céptico de livros savam, evidentemente, se bem que a história literária não
raros e curiosos. Na sua obra, em conjunto, não há solu- tenha motivos para ocupar-se dos Claude Farrère, Pierre
ção da unidade. Benoít e "tutti quanti": literatos fora da literatura.
Mais do que Pater, é France principalmente um esti- As afinidades do simbolismo com o tradicionalismo e
lista. Foi o autor mais admirado da época entre o sim- o esteticismo eram só aparentes, produzidas pela hostili-
bolismo e o modernismo; de uma época menos dedicada à dade comum contra o naturalismo. Isso não exclui certas
poesia. Depois, foi eclipsado e hostilizado: as censuras influências dos dois outros movimentos sobre o simbolis-
violentas contra o seu cepticismo irresponsável não eram mo, que aceitou o espiritualismo antimaterialista dos tra-
dicionalistas e o evasionismo estilizado dos esteticistas;
justas; e a maioria dos seus inimigos de então acabou de-
mas não aceitou o dogma da tradição nem o cepticismo es-
pois em dogmatismos políticos inadmissíveis. Mas a fal-
tético. Os simbolistas não eram crentes nem descrentes;
ta de poesia, é isso o que não se pode perdoar a Anatole
não tinham ideologia filosófica ou religiosa. Aos documen-
France e o que explica a sua falta de influência na evolu-
tos dos naturalistas, que pretendiam provar teses, opuse-
ção da literatura francesa. O estilo de France, inimitável e
ram evocações, que pretendiam sugerir sensações. Mal-
já ligeiramente anacrónico na época da poesia modernista,
larmé definiu essa pretensão, respondendo à Enquête sur
acabou com êle. Do esteticismo de France ficaria, sem o seu
Vévolution Jittéraire, de Jules H u r e t : "La contemplation
estilo, só um evasionismo barato.
des objets, 1'image s'envolant de rêveries suscitées par eux,
O género preferido desse evasionismo menor é o ro- sont le chant; les Parnassiens, eux, prennent la chose en-
mance colonial. É um fato significativo:.por volta de 1890 tière et la montrent; par là, ils manquent de m y s t é r e . . .
elogiou-se como antídoto eficiente contra o naturalismo o Nommer un objet. c'est supprimer les trois quarts de la
romance de Pierre Loti ( , 2 ) , cuja melancolia monótona, em jouissance du poème qui est faite du bonheur de deviner
face de desertos africanos e lagos japoneses, foi considerada peu à peu; le suggérer, voilà le rêve". Aí se revela a única
como poesia igual à dos simbolistas. Hoje já não é pre- base intelectual do simbolismo que se pode verificar: o
ciso denunciar a fraqueza desse marinheiro da decadência. antiintelectualismo. Daí as suas afinidades com o roman-
J á não se lê esse Bourget colonial, talvez com exceção dos tismo, sugerindo a muitos críticos a definição do simbo-
Pêcheurs d'Islande, que é um bom romance regionalista. lismo como "neo-romantismo". E com efeito, os simbolis-
Mas Loti tem sua importância histórica: criou um gêne- tas, inimigos mortais de Leconte- de Lisle, não se afasta-
ram tanto com oparece de Victor H u g o ; até a métrica sim-
bolista, ligando os alexandrinos "détachés" a "melodias
contínuas", retomou o caminho das reformas métricas de
12) Pierre Loti (pseudónimo de Julien Viaud), 1850-1923.
Aziyadé (1879); Le roman d'un spahi (1881); Pêcheurs d'Islande Hugo. Mas as afinidades do simbolismo com o romantismo
(1886); Madame Chrysanthème (1887); Ramuntcho (1897); Les têm limites certos.
Dèsenchantés (1908) etc.
N. Serban: Pierre Loti, sa vie et son oeuvre. 2.' ed. Paris, 1924.
P. E. Briquet: Pierre Loti et VOríent. Neuchatel, 1945.
R. de Traz: Pierrez Loti. Paris. 1949. 13) M. A. Leblond: Le roman colonial. Paris, 1926.
2590 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2591

Assim como o romantismo, o simbolismo foi uma re- ceu a normas especiais, estabelecidas pelo parnasiano Bau-
volta: contra o rigorismo métrico dos classicistas, respec- delaire. Considerado dentro da literatura europeia, o sim-
tivamente dos parnasianos; contra a tirania duma cultu- bolismo francês continua o romantismo anglo-germânico.
ra formal, obsoleta. Entre os primeiros simbolistas já sur- Mas, considerado dentro da literatura francesa, o simbo-
gem revolucionários contra o próprio conceito "literatura", lismo francês é — por mais estranho que pareça isso —
preferindo à poesia a vida poética, como Rimbaud. Mas os continuação imediata do parnasianismo odiado ( 1 B ): no
românticos, pelo menos os românticos franceses, preten- simbolismo de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud continuam,
diam inaugurar um mundo novo, enquanto os simbolistas embora essencialmente modificadas, as três formas prin-
se sentiam representantes dum mundo em decadência. O cipais do Parnasse: o ' T a r t pour l'art", a poesia intimista
sentimento da decadência encontra-se em quase todos os e a poesia pessimista-ateísta. Se as aproximações — que só
simbolistas da primeira hora: em Verlaine que declarou — têm sentido exclusivamente histórico — não fossem quase
insultuosas, citar-se-iam os nomes de Leconte de Lisle,
" J e suis 1'Empire à la fin de la d é c a d e n c e . . . " — Coppée e Sully Prudhomme. Mas onde fica a fronteira
entre parnasianismo e simbolismo? Anatole France excluiu
mas também em Mallarmé ( , 4 ) . O sentimento da decadên- o parnasiano Mallarmé do terceiro volume do Parnasse con-
cia, que é mais uma maneira de fugir da realidade, é for- temporain porque não o considerava bastante "claro".
talecido pelos muitos naturalistas-apóstatas que se asso- Deste mesmo ano de 1876 é o Après-midi d'un Faune. Aí
ciam aos simbolistas: Huysmans, Garborg, Hansson — to- está a fronteira entre as poesias parnasianas e as poesias
dos eles frustrados na luta pela realidade. Essa reação simbolistas de Mallarmé, que já conhecera Poe e traduzira
psicológica é tão forte que simbolismo e decadentismo se The Raven. Poe, porém, é a grande descoberta de Baude-
confundem no conceito da poesia e mentalidade do "fin du laire; e este é o único parnasiano — enquanto pode ser
siécle". É um sentimento de bancarrota coletiva. Uma ci- chamado parnasiano — que os simbolistas admitiram; êle
vilização demite-se dos seus próprios fundamentos intelec- já não fora "claro".
tuais para submergir no antiintelectualismo. Essa falta de "clareza" foi, aos olhos dos contempo-
Isso não é próprio do romantismo francês. Mas é pró- râneos, o f grande pecado do simbolismo: não conseguiram
prio daqueles outros romantismos que excerceram influên- entender os símbolos. A posteridade antes afirmava o con-
cias sobre o romantismo francês: do inglês e do alemão. trário: julga entender também aqueles símbolos que não
Com efeito, as influências estrangeiras são muito fortes no compreende, às vezes, a pretensão dos simbolistas de te-
simbolismo francês, até predominantes. O simbolismo fran- rem sido mensageiros de uma poesia inteiramente nova.
cês está mais perto de Novalis e Keats do que de Lamartine Opõe-se a essa pretensão a tese incontestável de que toda
e H u g o ; o seu único precursor autêntico na França é Ner- poesia autêntica, de todos os tempos, maneja símbolos e é
val. Mas a escolha daquelas influências estrangeiras obede- simbolista. É realmente assim. Mas essa afirmação não
desvaloriza a poesia simbolista de 1880; só não compreende

14) R de Gourmont: "Stéphane Mallarmé et 1'idée de la décadence".


(In: La culture des idées. 7.» ed. Paris, 1946.) 15) P. Martino: Parnasse et Synibolisme. Paris, 1925.
««

2592 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2593

o papel histórico do simbolismo; isto é o motivo por que Em Baudelaire aprenderam os simbolistas certo idealismo
justamente esse movimento, justamente essa poesia de 1880, filosófico ou teosófico como base da poesia autêntica. Ad-
mereceria mais do que qualquer outra o apelido de "sim- mitia-se como poesia só aquilo que se baseava nesse idea-
bolista". lismo, quer dizer a poesia de Novalis e Poe ao lado da mú-
Para compreender esse motivo e aquele papel histórico, sica de W a g n e r e da teosofia de Swedenborg; não é acaso
basta considerar que, depois do esgotamento do romantis- que são quatro preferências de Baudelaire. Mais tarde, os
mo, a poesia imediatamente anterior ao simbolismo tinha simbolistas chegaram a apreciar Keats e conhecer Nietzs-
deixado de manejar símbolos, contentando-se com os "obje- che, dos quais Baudelaire também teria gostado. E quase
t o s " : a poesia parnasiana. Neste sentido, a poesia parna- todos esses elementos já se encontraram reunidos em Vil-
siana não é poesia. E, nesse mesmo sentido, foi o papel liers de L/Isle Adam.
histórico do simbolismo o restabelecimento da verdadeira Villiers de L l s l e Adam ( u ) , descendente de cruza-
poesia. O nível em que os grandes simbolistas, Mallarmé dos, orgulhoso da sua estirpe milenar, vivendo na extrema
sobretudo, realizaram essa sua missão é bem definido pela miséria da boémia profissional, passou pela história lite-
comparação com a poesia de Poe, que só lhes forneceu re- rária francesa como personagem fantástico de um sonho.
cursos técnicos: entre Poe e Mallarmé há toda a diferença Figura anacrónica do último romântico na época do Co-
de nível entre o talento inventivo e o génio criador. Mas mité des Forges e dos sindicatos socialistas, lançou contra
a teoria estética de Poe já estava naturalizada na França: o século da técnica a sátira poderosa de Tributei Bonhomet.
pelo génio solitário que a adotara, o de Baudelaire ( 1 5 A ). A admiração de Mallarmé não lhe melhorou a situação. T i -
A estética de Baudelaire exercia influência profunda nha sucesso de livraria só os seus Contes cruéis, que não
sobre o simbolismo ( , 6 ) . Substituiu os objetos, a "chose en- passam de uma versão francesa da arte novelística de Poe.
tière", do parnasianismo pelas correspondências misterio- Essa preferência pelo poeta predileto de Baudelaire é sig-
sas de swedenborgiano Poe. nificativa: Villiers de L'Isle Adam, católico pitoresco e
dândi decadente, é como uma mistura de Marius, de Pater,
".. . I / h o m m e y passe à travers des forêts de symboles" e do Des Esseintes de Huysmans, vivendo nos sonhos fan-
tásticos de P o e ; a sua obra póstuma Axel, tragédia do aris-
leu-se no soneto "Correspondances", de Baudelaire — e a tocrata que prefere o suicídio à traição do seu tesouro se-
poesia simbolista pretende ser "comme de longs échos" des-
sas correspondências. "Quant aux phénomènes, ils ne sont
que les apparences sensibles destinées à représenter leurs 17) Phlllppe Auguste Villiers de Llsle Adam, 1840-1889.
affinités ésotériques avec les Idées primordiales", dizia Mo- Contes cluels (1883); UEve future (1888); Tribulat Bonhomet
(1887); Nouveaux contes cruéis (1888); Axel (1890).
réas no manifesto de 18 de setembro de 1886, no Fígaro. Edição por M. Longuet, 11 vols., Paris, 1919/1931.
E. de Rougemont: Villiers de Ulsle Adam. Paris, 1910.
M. Dalreaux: Villiers de Ulsle Adam, Vhomme et Voeuvre. Paris,
1936.
15A)J. Chiari: Symbolisme from Poe to Mallarmé. The Growth of E. Wilson: Axel and Rimbaud. (In: AxeVs Castle. 2.» ed. New York,
a Myth. London, 1956. 1943).
A. Lebois: Villiers de Ulsle Adam. Révéteur du Verbe. Neuchatel,
16; Cf. "Advento da burguesia", nota 109. 1952.
**

2594 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2595


creto, é um símbolo da atitude estética. Mas Pater, Huys- Lautréamont. O Parnasse não está inteiramente esquecido:
mans, Poe — esses nomes não se enquadram bem no con- quanto ao 'Tart pour 1'art", lembra-se a admiração de Bau-
ceito de um último romântico à maneira francesa; e com delaire por Gautier; quanto ao intimismo, alguns ainda ad-
efeito, Villiers não tinha nada da eloquência de Hugo nem miram Coppée; e até os revoltados não podem odiar o cris-
do sentimentalismo de Lamartine, mas muito de Nerval. É tianismo com fúria maior do que Leconte de Lisle. Mas os
o Nerval da prosa artística, o criador da prosa simbolista. novos nomes são Mallarmé, Verlaine, Rimbaud; é realmen-
Muito já se especulou sobre as origens desse seu roman- te um novo mundo de poesia.
tismo particular; e um crítico apontou as origens célticas Em torno de Mallarmé ( 1 8 ) formou-se uma lenda, alta-
do aristocrata bretão, lembrando analogias no misticismo mente proveitosa à multiplicidade das interpretações e à
de Yeats. O fato de Yeats ter recebido influências profun- repercussão de sua poesia, mas prejudicando a compreen-
das de Villiers de L'Isle Adam desvaloriza um pouco essa são. O salão da Rue de Rome, no qual o mestre recebeu os
hipótese racista, tornando-a dispensável. Mas revela com discípulos extáticos, tornou-se símbolo da famosa "torre
clareza maior a grande importância histórica de Axel, uma de marfim" dos inimigos da realidade social, laboratório
das obras mais significativas da literatura francesa do "fin de experimentos poéticos inéditos e estéreis. Os contem-
du siècle". É um grande símbolo, o símbolo mais denso porâneos viram em Mallarmé antes o poeta da última deca-
do evasionismo. Edmund Wilson chega a apreciar Axel dência romântica —
como ponto crítico da história literária moderna. Villiers
de L'Isle Adam é o poeta em que o "l'art pour 1'art", o in- La chair est triste, hélas! et j'ai lu tous les livres":
timismo e o pessimismo do Parnasse se transformam em um dândi do "verbo mágico", assim como Baudelaire fora
esteticismo, evasionismo e misticismo dos simbolistas; está um dândi da devassidão; um poeta experimental, de ex-
entre Baudelaire, Laforgue e Lautréamont, de um lado e,
de outro lado, Mallarmé, Verlaine e Rimbaud, ou Valéry, 18) Stéphane Mallarmé, 1842-1898.
Yeats e Joyce. É uma das grandes testemunhas da impor- Vaprès-midi d'un Faune (1876); Poésies completes (1887); Di~
tância histórica do simbolismo. vaqations (1897); Poésies completes (1899); Un coup de dés
jamais n'abolira le hasard (1914); Vers de circonstance (1920).
O simbolismo não é um movimento homogéneo. Havia Edição da Plêiade, 1 vol. Paris 1940.
J. Royére: La poésíe de Mallarmé. Paris, 1920.
vários simbolismos, quase tantos quantos eram os poetas A. Thibaudet: La poésie de Stéphane Mallarmé. 3." ed. Paris, 1927.
simbolistas. Distinguem-se, porém, principalmente três J. Royère: Mallarmé. 2.» ed. Paris, 1931.
D. A. K. Aish: La métaphore dans Voeuvre de Stéphane Mallarmé.
correntes: a do ' T a r t pour Tart", que não tem nada com o Paris, 1938.
esteticismo de Anatole France, mas muito com a estética E. Noulet: Voeuvre poétique de Mallarmé. Paris, 1940.
H. Mondor: Vie de Mallarmé. Paris. 1942.
de Baudelaire; a corrente de poesia intimista, de confissões C. Bo: Mallarmé. Milano, 1951.
pessoais e preocupações decadentistas, com inclinações ao J. Schérer: Uexpression littéraire dans Voeuvre de Mallarmé. Pa-
ris, 1947.
catolicismo, mas que não tem nada com o catolicismo de O. Delfel: VEsthétique de Stéphane Mallarmé. Paris, 1951.
Bourget, e sim muito com o pessimismo de Laforgue; e W. Fowlie: Mallarmé. Chicago, 1952.
K. Wais: Mallarmé. Dichtung, Weisheit. Haltung. Muenchen, 1952.
enfim uma corrente, antes rara, de poetas revoltados, sem O. Michaud: Mallarmé, Vhomme et Voeuvre. Paris, 1953.
pontos de contato com a revolta racionalista dos radicais Cl. Roulet: Traité de Poétique Supérieure. Un Coup de Dés jamais
n'abolira le Hasard. Neuchatel, 1956.
do naturalismo, mas com a revolta antiintelectualista de J. P. Rlchard: VUnivers imaginaire de Mallarmé. Paris, 1962.
2596 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2597

travagâncias incompreensíveis e inúteis. Gerações poste- téticos em geral. Mas não se pode afirmar com sinceridade
riores preferiram condenar o hermetismo de Mallarmé por- que desde então seja melhor compreendido o sentido de
que só poucos eleitos são capazes de penetrá-lo; porque "Le vierge, le vivace et le bel aujourd'hui" ou "O rêveu-
Mallarmé, como se fosse parsaniano até os limites do de- se, pour que je plonge". A maior parte das poesias de Mal-
lírio, substituiu a realidade social pela realidade imaginá- larmé fica incompreensível; e se às vezes se decifra o sen-
ria da arte pura, desprezando a multidão — "Mais, hélas! tido filosófico de um verso, então, surge a dúvida de que
Ici-bas est maitre" — e fazendo da poesia uma arma da se valia a pena atravessar tantos mistérios verbais para che-
"reação", um narcótico dos intelectuais, uma evasão para gar a um resultado tão magro. Resta só uma alternativa:
"une Inde splendide et trouble". E n t r e esses dois extre- Mallarmé reside num sétimo céu da poesia, inacessível
mos encontram-se os admiradores de Mallarmé, que são para nós outros; ou então, seria um poeta de segunda or-
sempre interpretadores. dem, frustrado nas tentativas de descobrir um novo con-
A poesia de Mallarmé não tem calor humano; parece tinente poético, voltando da viagem perigosa com algumas
notícias indecifráveis, talvez sem importância. Um Vasco
antes exercício das capacidades poéticas a serviço de uma
da Gama, voltando sem tesouros da índia —
grande inteligência, de modo que a dificuldade do poeta
só seria prova da insuficiência intelectual dos leitores.
Não se esperam emoções sentimentais de um soneto como "Son chant reflété jusqu'au
"Le vierge, le vivace et le bel a u j o u r d ' h u i . . . " , que con- Sourire du pâle Vasco."
tinua até hoje, depois de inúmeros comentários, a "crux" Místico profundo ou poetastro fracassado? Os Vers de
dos interpretadores; mas afirma-se que essas poesias her- circonstance provam que Mallarmé era capaz de usar to-
méticas seriam vasos de profundos conceitos filosóficos. das as graças do verso francês; as poesias da sua primeira
Extraí-los, eis o que fizeram todos os comentadores, desde fase, parnasiana, são de clareza perfeita, até claras demais,
Thibaudet. Esse trabalho não foi em vão, apesar de ter de modo que toda crítica imparcial preferirá o encanto in-
havido muitos erros. Teria sido exagero interpretar a iden- definido e inconfundível dos seus sonetos herméticos, tão
tificação do "logique" e do "réel" na poesia de Mallarmé perfeitos, formalmente, como qualquer grande soneto de
como filosofema hegeliano, exagero no sentido de atribuir Keats. Mallarmé era bem capaz de fazer poesias compreen-
a Mallarmé um sistema filosófico. Também parece frus- síveis de primeira qualidade; e não existe, a seu respeito,
trada a tentativa de Roulet, de descobrir em Un coup de lenda mais perigosa do que esta: êle teria intencionalmen-
dés jamais n'abolira o Hasard um sistema do gnosticismo. te encoberto o sentido das suas poesias. Se fêz assim, não
Mas esses equívocos também servem para compreender me- obedeceu a um dandismo ridículo, para distinguir-se dos
lhor o evasionismo poético, que não é fuga do mundo, e outros, e sim a uma imposição inelutável de usar reticên-
sim, antes, arrogância prometéia, tentativa audaciosa de cias.
exorcizar o caos por fórmulas mágicas, criando-se, por meio
da poesia, uma ordem, se bem imaginária, da qual o mundo "Je suis hanté! L'Azur! LVAzur! L'Azur! L ' A z u r l "
caótico carece e precisa.
A s várias interpretações de Mallarmé contribuíram Ninguém desconhecerá a emoção angustiosa desse " J e
para esclarecer e aprofundar certo número de conceitos es- iuis hanté"; e as quatro repetições da palavra "azur" pa-
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2599
2598 OTTO M A R I A CARPEAUX

recém realmente abrir horizontes sobre um novo continen- "Exclus-en, si tu commences,


te poético. As metáforas de Mallarme não têm sentido tão Leréel..."
exato, tão decifrável como as de Góngora; não representam
correspondências materiais, mas espirituais. A sua técnica É precisamente aquilo a que Husserl chamava "colocar
poética é gongorista; o resultado é parnasiano com uma entre parênteses a realidade", para chegar às essências, às
arrière-pensée oculta. Contudo, Mallarme não é um Bau- "ideias platónicas" que não se reconhecem na língua quoti-
delaire; é menos inteligente e — por mais estranho que pa- diana desse mundo caótico, mas que, no entanto, estão es-
reça — mais espontâneo. Leu todos os livros, e tem no condidas nessas palavras tão gastas. Eliminando a "anedo-
entanto a coragem de adivinhar atrás das palavras, mil ve- ta", o nao-essencial, Mallarme eliminou as contingências,
zes pronunciadas, sentidos novos, nunca descobertos. Como voltando ao sentido das palavras antes do pecado original
bom conhecedor da poesia inglesa, notou nela certos encan- da poesia. A eliminação de todo elemento narrativo, didá-
tos vagos que a poesia francesa ignorava; mas tem uma fé tico, teórico — assim como Poe a preconizara — leva ao
inabalável, fé dum semanticista, nas possibilidades da lín- sentido absoluto da língua, tão absoluto como o da música
gua francesa. Por isso resolveu "ceder 1'initiative aux sinfónica sem palavras e sem programas. Eis a musicali-
mots", frase que não se deve interpretar no sentido do au- dade que Mallarme descobriu na língua francesa. O resul-
tomatismo surrealista. Não pretende sonhar, mas ver, des- tado foi uma música que não tem nada que ver com a mú-
cobrir. Não assume as atitudes órficas de um Poe, um Bau- sica emocional dos italianos e alemães. A música de Mal-
delaire, um Villiers de L'Isle Adam, nos quais admirava larme é intelectual e classicista como a língua francesa, é
mais os resultados do que o método. Admitiu o sonho ape- tão francesa como a música de Debussy. Neste sentido é
nas assim como o geógrafo sai temporariamente do gabi- Mallarme o sucessor de Racine; a sua poesia é a música da
nete de trabalho para empreender uma viagem de explora- Ile-de-France. Não há possibilidade de imitá-la emjing.ua
ção científica. "Cedeu às palavras", para depois servir-se estrangeira. Mas ao mundo inteiro deixou Mallarme um
das revelações semânticas. Não sofreu a derrota de um grande ideal: o de uma poesia lírica, nitidamente separa-
megalómano que pretendera dominar o mundo por meio da de toda "anedota" e eloquência, das baladas, fábulas,
de palavras grandiloquentes. No entanto, teve medo per- discursos poéticos de outrora. Mallarme talvez não esteja
manente de "déchet". Tinha lido todos os livros, e sabia na mesma altura dos maiores poetas da literatura universal;
que uma palavra nova, por mais insignificante que pareça, mas em face da sua poesia, dois terços da poesia antes de
já era um triunfo. Mallarme era modesto. Estava satisfeito Mallarme desaparecem como apoéticos ou antipoéticos.
com algumas pequenas poesias, dignas de serem transfor- Não é apenas o mestre da "poésie puré" de Valéry; foi o
madas por Debussy em música de câmara. mestre da poesia moderna inteira, de influência incomen-
surável, sobretudo no hermetismo dos italianos Erdarelli,
Mas isso seria poesia filosófica? A filosofia consiste
Ungaretti, Montale, Quasimodo, dos espanhóis, dos ingle-
menos nos teoremas do que nos métodos. Poesia filosó-
ses e de todos, enfim; é o mestre de uma nova sensibilida-
fica não é versificação de filosofemas, e sim uma deter-
de poética, que é a nossa. Despede-se de nós só para di-
minada atitude em face do material poético, da língua. O
zcr-nos como seu " F a u n e " :
método de Mallarme poderia ser chamado fenomenológico.
2600 OTTO M A R I A CARPEAUX
HiSTÓBiA DA L I T E R A T U R A O C I D E N T A L 2601
*'... adieu, j e vais voir 1'ombre que tu devins."
"Prends 1'éloquence et tords-lui son cou!"
Mas também nos deixou o grave problema da relativa inco-
— não tem nada que ver com o romantismo francês. La-
municabilidade da poesia: o problema de toda poesia her-
forgue, conhecendo a língua e poesia dos alemães, repre-
mética, e enfim, de toda a r t e .
senta caso parecido; e Verlaine nasceu perto da fronteira
Verlaine ( 10 ) não apresenta os problemas hermenêuti- alemã. O céu sobre a sua poesia não é o de Mallarmé e
cos de Mallarmé. Conforme a observação de um crítico Debussy, mas antes o céu de Eichendorff e Shumann. É
moderno, Verlaine não tem "message". E m vez disso, é um poeta "popular", embora no sentido literário da pala-
um poeta todo pessoal, falando só dos seus próprios sofri- vra, isto é o contrário do antipoeta popular Béranger.
mentos que eram às vezes tão indecentes como os seus pra- Aquelas críticas modernas não permitem compreender o
zeres. É um intimista sentimental ("II pleure dans mon êxito enorme de Verlaine, talvez o sucesso mais universal
c o e u r . . . " ) , um poeta para adolescentes que costumam an- que jamais teve um poeta lírico (com exceção de H e i n e ) :
tecipar mentalmente as derrotas futuras na vida: traduzido para todas as línguas, imitado em todas as lín-
guas. A todas as nações que ainda possuem uma poesia po-
" . . . E t que tristes pleuraient dans^les hautes feuillées pular autêntica, em primeira linha às germânicas e esla-
esperances noyés!" vas, Verlaine parecia a própria voz poética da natureza,
falando pela primeira vez em língua francesa. Os france-
Verlaine não é poeta de angústias keikegaardianas nem de ses, em geral, não pensavam dessa maneira. Na França,
sutilidades semânticas^ nem de reivindicações sociais. assim como na Itália e na Espanha, imitaram-no só os
Continua muito lido; mas certa crítica já lhe nega o papel decadentistas. Verlaine foi eleito "prince des poetes" no
histórico, a influência na evolução da poesia moderna, en- momento em que a poesia decadentista dominava. Quer
fim, a "présence". É um romântico. Acontece, porém, que dizer, a crítica francesa reconhecia na sua música verbal
Verlaine, grande inimigo da retórica hugoniana — um artifício sutilissimo. Admiravam essa arte sobretudo
porque quem a produziu foi um mendigo, vagabundo, al-
coólico. A glória de Verlaine baseava-se, pelo menos em
19) Paul Verlaine, 1844-1896.
parte, no escândalo da sua vida: abandono da mulher re-
Poèmes saturniens (1866); Fêtes galantes (1869); La Bonne Chan- cém-casada, fuga com o amante homossexual Rimbaud, aten-
son (1870); Romances satis paroles (1874); Sagesse (1881); Jadis tado contra o amigo, dois anos de prisão na Bélgica, men-
et Naguère (1884); Amour (1888); Dédicaces (1889); Parallèlement;
(1889); Mes Hôpitaux (1891); Mes Prisons (1893) etc. digo sujo, bebedor de absinto, frequentando os bordéis e
Edições: Messein, 5 vols. Paris, 1911/1913, e par A. Fontainas, 8 hospitais. Homem patológico, todo decadente, assim foi o
vols. Paris, 1931/1932.
Edição critica das poesias por Y.-G. Le Dantec, Paris, 1938. "prince des poetes". O fim natural das suas aventuras foi
E. Delahaye: Verlaine. Paris, 1922. a declaração de falência espiritual, salvou-se pela conver-
E. Lepelletier: Paul Verlaine, sa vie, son oeuvre. 2.' ed. Paris,
1923. são ao catolicismo, e os leitores e críticos católicos conser-
P. Martlno: Verlaine. Paris, 1924. (.» ed„ 1951.) vam até hoje a maior fidelidade ao autor de Sagesse. As
H. Strentz: Paul Verlaine. Son Oeuvre. Paris, 1925.
A. Fontainas: Verlaine, Rimbaud. Paris, 1932. blasfémias que proferiu mesmo depois, a exploração da ca-
C. Morice: Verlaine, poete maudit. Paris, 1947. ridade católica pelo parasita insolente, tudo isso não diz

i
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2603
2602 OTTO M A B I A CABPEAUX
— esta poesia "verlainianíssima" está nos Poèmes satur-
nada contra a sinceridade de sua fé. Mas Sagesse não é o niens parnasianos. E continua:
melhor livro de Verlaine. Com certa razão, um crítico fala
de "music-hall celeste"; e outro, de "mistura incoerente de " E t je m'en vais
Baudelaire e madame Desbordes-Vaimoré". O grande li- Au vent mau vais
vro de Verlaine, aquele em que se encontram os seus ver- Qui m'emporte
sos mais permanentes, é Romances sans paroles, título fe- Deçà, dela,
liz para sugerir a música romântica. O que há de bom em Pareil à la
Sagesse é aquilo que é melhor em Romances sans paro- Feuille morte." —
les: o romantismo autêntico. E aí está o motivo do des-
prezo dos modernistas, pela poesia de Verlaine. versos que lembram o

Vida e personalidade de Verlaine continuam a pertur- "Puis ça, puis la, comme le vent varie"
bar quem pretende apreciá-las. Vê-se em Verlaine um par-
nasiano-apóstata, um revoltado contra a falsa disciplina do de Villon. H á muita coisa que lembra a Villon, na vida e
Parnasse; mas, em vez de chegar à nova ordem da poe- na poesia de Verlaine: a indisciplina e o crime, a conver-
sia moderna, teria abandonado toda disciplina, entregando- são e a blasfémia, a expressão toda pessoal sem retórica, a
musicalidade popular. Mais tarde, Verlaine tornou-se cons-
se à anarquia mental do romantismo. E nem chegou ao
ciente do parentesco; e parte das suas últimas poesias é má
anarquismo completo de Rimbaud, porque Verlaine ficou
imitação de Villon. Mas isso não se pode afirmar com res-
sempre um pequeno-burguês sentimental, "falsamente po-
peito às Romances sans paroles nem às melhores peças de
pular". À impureza da sua vida corresponderia a "impu-
Sagesse. Assim como Mallarmé pertence à tradição Ron-
reza" da sua poesia. É preciso notar que esse julgamento
sard-Chénier, levando a Valéry, assim Verlaine pertence à
severo, da parte de críticos modernistas, se baseia em cri-
tradição de Villon, levando a Apollinaire, sem renegar de
térios parnasianos. É como um eco longíquo do susto dos
todo as reminiscências de Lamartine. Assim como este últi-
parnasianos que encontraram o colaborador do Parnasse
mo, Verlaine também não tem "ideias". As suas ideias es-
contemporain e sonetista do volume Poèmes saturniens na
tão, como na poesia popular, nas sensações musicais;
prisão, no bordel e no hospital dos pobres. É preciso ad- são temas como de uma sonata escrita por composi-
mitir que Verlaine não apostatou de todo do Parnasse. tor impressionista; ou como o quarteto para cordas, de
Mas sempre foi romântico à sua maneira. Debussy. De modo que fica só a evocação por sugestão mu-
sical: sua poesia é, assim como êle mesmo exigia, "de la
"Les sanglots longs musique avant toute chose". Ponto de partida e resultado
• i o romântico-populares; só o método é simbolista. Ver-
Des violons
laine realiza, nem sempre mas muitas vezes, o milagre de
De 1'automne
uma poesia que -é popular e " p u r é " ao mesmo tempo.
Blessent mon coeur
O homem Verlaine era "decadente"; a sua poesia, não.
D'une longueur
Talvez não corresponda ela ao gosto de todos os tempos;
' Monotone..."
1*.

2604 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2605

mas a natureza humana é permanente, e em todos nós exis ca; e durante todo esse tempo, até a morte, êle, um dos
te um pedaço da franqueza de Verlaine. maiores poetas franceses, nunca mais escreveu um só verso.
Quer dizer: a poesia de Rimbaud não tem nada que ver
"Cette âme qui se lamente com a sua vida. Desprezando esse fato, quase todas as
En cette plaine dormante, interpretações tomam como base a vida de Rimbaud: seja
C e s t la nôtre, n'est-ce pas? o começo, a fuga do jovem poeta em companhia de Verlaine
La mienne, dis, et la tienne ao qual arruinou a existência; seja o fim, o regresso do mo-
Dont s'exhale l'humble antienne ribundo para a Europa, a morte no hospital de Marselha,
Par ce tiède soir, tout bas?" depois de uma conversão que não está, aliás, plenamente
provada. Mas o fato único que caracteriza Rimbaud está
Às vezes, darão a essa pergunta resposta negativa. Mas colocado entre a sua poesia e a sua vida: não é a atividade
Verlaine é dos poetas que nunca morrem de todo, ressus- poética de poucos anos nem o silêncio de muitos anos e
citando sempre de novo. sim o próprio gesto de emudecer.
Rimbaud ( 2 0 ), de maneira paradoxal, realizou o ideal Interpretando-se Rimbaud do ponto de vista de 1870, é
parnasiano: não há outro poeta em que vida e poesia este- êle o "missing link" entre Baudelaire e os simbolistas, ou
jam tão rigorosamente separadas. Todos os seus versos antes uma antecipação do simbolismo. O soneto conhecidís-
foram escritos antes de ele chegar aos vinte anos de idade, simo Les voyelles é elaboração da teoria baudelairiana das
quer dizer, antes de iniciar a vida. Depois seguiram-se os "correspondences", fornecendo o primeiro exemplo de uma
anos de vagabundagem, das aventuras comerciais na Áfri- poesia alógico-sugestiva. As peças propriamente baudelai-
rianas de Rimbaud — Les eifarés, Les pauvres à Véglise,
Les premières communios, Les chercheuses de poux — es-
20) Arthur Rimbaud, 1854-1891. tão entre as "primeiras poesias"; são responsáveis pela de-
Une Saison en Enfer (1873; edic&o perdida); Les Illuminations finição de Rimbaud, durante quase cinquenta anos, como
(publ. por P. Verlaine, 1886); Les Iluminations, Une Saison en pré-simbolista. O mesmo conceito aplica-se a várias poesias
Enfer (publ. por P. Verlaine, 1892).
Edições por P. Berríchon (prefácio de P. Claudel), 2.* ed., Paris, das Illuminations. Mas seria interessante comparar um poe-
1924, e por R. de Renéville e J. Mouquet, Paris, 1947. ma como "Bruxelles" com as poesias belgas de Verlaine:
E. Delahaye: Les Illuminations et Une Saison en Enfer de Rim-
baud. Paris, 1927. não apenas desapareceu o último vestígio da realidade que
M. Coulon: La vie de Rimbaud et de son oeuvre. Paris, 1929. ocasionou o poema, mas ela é substituída pela imagem de
F. Ruchon: Jean-Arthur Rimbaud, sa vie, son oeuvre, son in-
fluence. Paris, 1929. outra realidade, alheia, reflexo da alma funesta do poeta.
R. Renéville: Rimbaud le voyant. Paris, 1929. Isso já não é simbolismo. Isto já é inexplicável, assim
B. Fondane: Rimbaud de voyou. Paris, 1933.
A. Fontaine: Génie de Rimbaud. Paris, 1934. como o Bâteau ivre não pode ser definitivamente interpre-
E. Starkle: Rimbaud. 2.» ed., London, 1947. tado, porque não reduzido em termos lógicos. Antecipa o
P. Petitlils: Voeuvre et le visage d'Arthur Rimbaud. Paris, 1949.
C. Fusero: Vita e poesia di Rimbaud. Milano, 1951. pós-simbolismo dos modernistas, a poesia do subconsciente.
Etiemble: Le mythe de Rimbaud. Structure du mythe. Paris, 1952. Do ponto de vista de 1870 é Rimbaud um romântico radi-
A. Dhotel: Rimbaud et la revolte moderne. Paris, 1952. calíssimo, levando aos extremos o conceito de vate visioná-
• W. Fowlie: Rtmbaud's Illuminations. A Study in Angelism. New
York, 1953. rio de H u g o : "Le poete se fait voyant par un long, immen-
H. Mondor: Rimbaud et le génie impatient. Paris, 1955.
:>

2606 OTTO M A R I A CARPEAUX


HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2607
se et déraisonneé dérèglement de tous les sens." Esse
poesias baudelairianas, tampouco é êle o convertido de
"voyant" é algo como um Hugo, visto através de Nerval;
Marselha nem o surrealista de 1920. O místico passa pela
todos os três — Hugo, Nerval e Rimbaud — gostavam,
"noche escura" da afasia, isso é verdade. Mas Rimbaud não
aliás, do ocultismo. O fato novo em Rimbaud é a revolta
passou; ficou lá. A sua conversão final, não acompanhada
do "satan adolescent". Uma revolta tão radical que já não
de nenhum verso, pode inspirar respeito ao homem Rim-
tinha nada que ver com o satanismo dos românticos nem
baud; mas não conta para interpretação do poeta, então já
com a revolução socialista da Commune de 1871, à qual
"morto" havia quase vinte anos. A poesia conservada de
Rimbaud dedicou, aliás, mais do que uma poesia. Foi uma
Rimbaud só fala em revolta. Os poemas em prosa como
violentíssima crise de adolescência: uma revolta, a de Rim-
"Après le Déluge", "Mystique", "Angoisse', " P a r a d e " são
baud, contra todas as formas da sociabilidade entre os ho-
as coisas mais terríveis que já se escreveram desde os dra-
mens e entre os homens e Deus. Uma revolta anarquista-
maturgos elizabetanos; "Un rayon blanc, tombant du haut
ateísta: primeiro, contra a religiosidade burguesa que o
du ciei, anéantit cette comédie". Versos como —
martirizara na casa materna; depois, contra toda e qualquer
religião, contra Deus e a sua criação, contra a condição
humana, até contra o meio mais elementar da convivên- "O saisons, ô châteaux,
Quelle âme est sans défauts?
cia: contra a língua. Rimbaud sempre fora hermético,
J r ai fait la magique étude,
embora por motivos diversos dos de Mallarmé, não por
Du bonheur, qu'aucun n'élude." —
dificuldades verbais, mas pela extrema condensação das
metáforas e a eliminação dos "missing-links" lógicos. "J'ai
põem o ponto final da poesia negativa, mostrando como
seul la clef de cette parade sauvage." Rimbaud resolveu
num raio o mundo passado e fixando-se depois na felici-
guardar esse seu mistério; e a maneira mais segura de não
dade indestrutível do Nada. Daí a alegria radiante do —
ficar entendido, foi esta: não dizer nada. Acabou com a
literatura, abandonando a poesia e desaparecendo da Fran-
ça e da Europa. O silêncio misterioso de Rimbaud ex- "Elle est retrouvée.
cluiu os seus poemas de qualquer influência sobre os sim- Quoi? réternité."
bolistas, que só o apreciaram como baudelariano extrema-
Daí em adiante já não existem, já não podem existir ver-
do. Quando a figura de Rimbaud reapareceu no horizonte,
sos, poesias, literatura. "Table rase. J'ai tout balayé. C e n
Baudelaire já não era considerado como satanista e sim
est fait", explica Gide. Depois, só existe "vida", no sentido
como católico angustiado. Agora, a conversão final em
mais "existencial", mais primitivo, até sem fala, também
Marselha parecia coerente; e a nova interpretação de Rim-
•em fala revolucionária. Se isto é "angelismo", como acha-
baud, inaugurada por Claudel, reconheceu no seu silêncio
va Claudel, então é o do homem caído que pretende pela
a afasia do místico em face das coisas divinas, inefáveis.
revolta aprender a língua dos anjos que ninguém entende.
Daí era só um passo para o Rimbaud ocultista e poeta do
Pense-se em "angelismo" no sentido de Maritain. O radi-
subconsciente, assim como o entendiam. Os surrealistas, re- calismo de Rimbaud é mais radical do que o de Baudelaire
voltados como êle contra Deus e a sociedade. Mas, assim • Lautréamont, que não se cansaram de protestar; para não
como o verdadeiro Rimbaud não é o pré-simbolista daquelas et nada dos radicais que limitam o protesto à ação po-
«.->

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2609


2608 OTTO M A R I A CARPUAUX

"Et l'Homme saigné noir à ton flanc souverain.. ."


lítica e social. A vitória de Rimbaud é o fim da poesia,
seria o fim da civilização humana, para dar lugar à exis-
tência desumana que êle levou na África. Uma poesia su- Ecce Poeta; eis o Rimbaud que nunca foi imitado, nem
tilíssima como prelúdio de uma vida bárbara. por êle mesmo, o Rimbaud clássico.
Mas não é possível explicar-lhe a poesia pela vida que Rimbaud não se tornou conhecido antes de 1886; e
começou precisamente quando a poesia acabou. A poesia mesmo depois não tinha, durante muito tempo, repercussão
e a vida de Rimbaud, tão rigorosamente separadas na rea- considerável. O papel da revolta foi só representado pelos
lidade, têm significações diferentes. O homem Rimbaud "fantasistes", mais jocosos do que perigosos. Os evasio-
fugiu do mundo, quer dizer, da realidade social, da qual não nistas seguiram Mallarmé, os decadentistas seguiram Ver-
quis participar, sem ser capaz de destruí-la. É maior dos laine; e, apesar do susto de Brunetière e as mofas de Le-
evasionistas e mostrou o último fim das evasões: o primi-
maitre, a vitória do movimento simbolista estava garantida.
tivismo em que o homem civilizado volta a encontrar-se
Trata-se até do maior e mais intenso movimento poético
com a natureza bárbara. O poeta Rimbaud, um dos mais
que o mundo já viu, repercutindo na Holanda e na Rússia,
geniais de quantos se guarda a memória, malogrou nos seus
na Espanha e na Escandinávia, na Áustria e na América La-
intuitos; prova disso é a destruição das Illuminations, o
silêncio, a afasia. Quando se fala em decadência da poe- tina, fazendo de Paris, mais uma vez, a capital literária do
sia que se separa da vida, não se deve esquecer o exemplo continente euro-americano. Teatro desse movimento eram
de Rimbaud, perdendo a vida — as pequenas revistas. O crítico Charles Morice, entusias-
ta da primeira hora, fundou em 1884 a Lutèce; em 1885,
apareceram Éduard Dujardin com a Revue indépendante,
"Par délicatesse
e Anuatole Baju, com o Décadent, grito ou, antes, gemi-
J'ai perdu ma vie" —
do de batalha da melancolia aristocrática. 1886 foi mais
um grande ano, o ano do manifesto de Jean Moréas no
separando-a da poesia. A derrota do poeta Rimbaud era
Fígaro, o ano de Vogue e do Symboliste, as duas revis-
toda pessoal. Não podia ter consequência nem repercussão.
tas de Gustave Kahn, e da Plêiade de Saint-Pol-Roux e
Nesse sentido, todos os que pretenderam seguir o cami-
nho de Rimbaud estavam equivocados, inclusive e sobre- Pierre Quilard. Todas essas revistas tinham vida efémera,
tudo os surrealistas. A tentativa de Etiemble de destruir circulando só entre os boémios do "Chat Noir" e do Café
"o mito em torno de Rimbaud", só pode ter esse sentido: o Vachette. A batalha definitiva foi travada e vencida nas
de barrar o caminho aos que, idolatrando-o, pretendem páginas do Mercure de France, fundado em 1889 e publi-
imitá-lo. Pois a única maneira possível de imitar Rimbaud cado desde o 1.° de janeiro de 1890 sob a direção de Alfred
é a seguinte: deixar, como êle, de fazer poesia. Ninguém Vallette, logo reconhecida como a primeira revista lite-
imita essa crise de puberdade de um génio. Produto dessa la do mundo. E n t r e os colaboradores esteve, ao lado de
crise singular foi sua poesia, na qual há muita belíssima Albert Samain e Ernest Raynaud, o naturalista Jules Re-
poesia romântica e quatro versos de solitária beleza clás-
sica: aquele misterioso "Quatrain", único exemplo de uma !. O Mercure de France tornou-se órgão principal da
poesia simbolista como expressão objetiva: "••cola" simbolista pela colaboração decisiva do crítico
2610 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2611

Remy de Gourmont ( 2 1 ), poeta medíocre mas prosador de


movente. Sucesso não coube a nenhum dos mallarmeanos
primeira ordem, amigo de Huysmans que lhe prefaciou Le
ortodoxos; mas alcançou, pelo menos um triunfo tardio,
Latiu mystique, conhecedor curiosíssimo das literaturas
histórico, o misterioso Edouard Dujardin ( 2 4 ), um dos pri-
medievais e estrangeiras, espécie de Anatole France do
meiros cultores do verso livre, um dos primeiros que fi-
simbolismo. O seu primeiro Livre des Masques, retratos
zeram representar no palco uma peça simbolista. E trinta
críticos dos poetas simbolistas, conquistou o mundo. Os
anos depois descobriu-se*-lhe mais uma prioridade crono-
retratados — Maeterlinck, Verhaeren, Henri de Régnier,
lógica: no romance Les Lauriers sont coupés, Dujardin,
Vielé-Griffin, Mallarmé, Samain, Rimbaud, Laforgue, Mo-
já em 1888, havia empregado o "monólogo interior", o fa-
réas, Merrill, Saint-Pol-Roux, Verlaine e outros — tam-
moso recurso novelístico de J o y c e . Mas naquele tempo
bém apareceram, em 1900, na primeira edição dos Poetes
Dujardin já viveu principalmente para os estudos de his-
d'A\ijo\iT$hui, de Adolphe Van Bever e Paul Léautaud (—)
tória das religiões, assunto que o simbolismo herdara do
uma das antologias mais belas que existem. Contudo, a se-
Parnasse cultivando-o no mesmo sentido anticristão. Disso
gunda edição de 1906 já revela certa estagnação; e a ter-
só fêz exceção o mais puro dos mallarmeanos, Milosz ( 2 5 ),
ceira, de 1929, já é uma antologia da poesia francesa moder-
aristocrata lituano, católico fervoroso, decadentista, depois
na, apenas excluindo com teimosia alguns anti-simbolistas
místico, altissimamente apreciado por um pequeno grupo de
marcados. O movimento simbolista na França esgotou-se
conhecedores. Parecia, enfim, como se o grupo mallar-
com rapidez. Mas havia uma plêiade de bons poetas: mal-
meano tivesse desaparecido; assim como desaparecera da
larmeanos, verlainianos, "fantaisistes".
literatura o discípulo predileto do mestre, Paul Valéry ( 2 0 ),
Entre os mallarmeanos do mais rigoroso 'Tart pour do qual só se conheciam algumas poesias esparsas antes de
Tart", o mais respeitado foi Saint-Pol-Roux ( 2 3 ), que vi- êle dedicar-se aos negócios da publicidade e da engenharia.
via na solidão dos campos, dedicado exclusivamente ao ne- Vinte e cinco anos depois, com Valéry, o mallarmeanis-
gócio de inventar metáforas engenhosas. Esse "Góngora mo reaparecerá, iniciando-se o neo-simbolismo.
francês" não deixou obra definitiva que lhe sobreviva, mas
Os decadentistas seguiram o caminho de Verlaine;
a coragem poética do octagenário tinha afinal algo de co-
mas não seria exato chamá-los de "verlainianos". Verlai-

21) Remy de Gourmont, 1858-1915.


Sixtine (1890); Le Latin mystique (1892); Le Livre des Masques 24) Edouard Dujardin, 1861-1949.
(1896/1898); Le Songe d'une femme (1899); Promenades littéraí- Les Lauriers sont coupés (1888); Pour'la Vierge du roc ardent
res (1904/1927); Promenades philosophiques (1905/1909) etc. (1888); Antónia (1891); Le Chevalier du Passe (1892); La Fin
P.-E. Jacob: Remy de Gourmont. Paris, 1932. d'Antónia (1893); Poésies (1913); Le Mystère du Dieu mort et
G. Rees: Remy de Gourmont. Essai de biographie intellectuelle. ressuscite (1923) etc.
Paris, 1939.
22) A. Van Bever e P. Léautaud: Poetes d'Aujourd'hut. (1900; 2.» ed., 06) Oscar Venceslas de Lubicz-Mílosz. 1877-1939.
1906; 3.» ed., 1929.) Poème des Décadences (1899); Sept Solitudes (1906); VAmoureuse
Initiation (1910); Miguel Manara (1912); Mephisobeth (1913);
23) Saint-Pol-Roux (pseudónimo de Paul Roux), 1861-1940. Psaume à YÊtoile du Matin (1937).
Les Reposoirs de la Procession (1893); La Rose et les Êpines du Edição completa (prefaciada por E. Jaloux), Frlbourg, 1945 sg.
Chemin (1901); De la Colombe au Corbeau par le Paon (1904); A. Godoy: Milosz, poete de Vamour. Fribourg, 1944.
Les Féeries intérieures (1907). J. Rousselot: Milosz. Paris, 1949.
T. Briant: Saint-Pol-Roux. Paris, 1952.
II) Cf. "O Equilíbrio europeu", nota 20.
2612 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2613

nianos autênticos havia na Itália e na Alemanha, na Suécia não era um "maudit", e sim só um intelectual infeliz que
e na Rússia; em toda a parte, enfim, menos na França, onde acabou no suicídio; a desgraça pessoal não basta para
os decadentistas preferiram o Verlaine parnasiano dos Poè- autenticar um poeta, e Léon Deubel, embora que homena-
mes saturniens e Fêtes galantes. Daí era só um passo gens póstumas o cercassem, deixou só uns versos bonitos
para o decadentismo meio romântico, meio classicista de e tristes.
Samain ( 2 7 ), que cantara O grupo dos "fantaísistes" jocosos não era muito forte
enquanto imperava a triste "décadence". Entre os "fan-
" . . . 1'indécis, les sons, les couleurs freles,
taísistes" e os revoltados situa-se o americano Stuart Mer-
E t ce qui t r e m b l e . . . " ;
rill ( 2 9 ), escrevendo versos franceses de uma frescura im-
mas era um mestre do soneto e de todas as formas tradi- pressionante e militando ao mesmo tempo nos círculos re-
cionais. Samain encontra-se hoje em completo ostracismo; volucionários dos operários socialistas de Nova Iorque.
nenhum crítico lhe pode ouvir o nome sem zombar do sen- Duma geração algo mais nova o belga Fagus (:1°), o Banville
timentalismo tísico do poeta que "a mis le symbolisme à do simbolismo, virtuose do verso ligeiro, capaz de imitar
la portée des pharmaciens et des petites bourgeoises de com mestria o tom de Villon e de canções religiosas me-
sous-préfecture". O desgosto explica-se, em parte, pelo su- dievais; mas uma poesia como "Pâques f l e u r i e s . . . " , em-
cesso: a pior característica de Samain contaminou inúmeros bora sendo pastiche, tem seu valor. Fagus e Tristan
poetastros e foi imitada no mundo inteiro. Até grandes Klingsor, o autor do Valet de couer (1908); foram os mes-
poetas, como Annenski, na Rússia, e Dário, na América, tres da nova boémia de Montmartre, dos Francis Carco e
foram seduzidos pelo cantor dos cisnes nos parques de Tristan Derême, e, afinal, de Toulet e de Apollinaire.
Versalhes e das pálidas infantas da coroa de Espanha. Mas O declínio do simbolismo deu ocasião para várias apos-
a tuberculose de Samain não era imaginária, e a sua me- tasias espetaculares, sobretudo a de Jean Moréas ( 3 1 ), que
lancolia sincera; e só na melancolia reside o decadentismo fora o autor do manifesto simbolista de 1886. J á em 1891
frágil do parnasiano Samain, poeta menor, mas autêntico e
muito francês; quem é capaz de esquecer as imitações não
deixará de achar belos os seus sonetos sobre Versalhes. 29) Stuart Merrill, 1863-1915.
Mais verlainiano, no sentido de "poete maudit", foi Deu- Les Gammes (1887); Poèmes, 1887-1897 (1897); Les Quatre Sai-
sons (1900).
bel ( 2 8 ), talvez o último dos verlainianos franceses. Mas M. L. Henry: Stuart Merrill. La contribution d'un Américain au
symbolisme français. Paris, 197.
MO) Fagus (pseudónimo de Georges-Eugène Fayet), 1872-1933.
27) Albert Samain, 1858-1900. Ixion (1903); Danse macabre (1920); La Guirlande à Vépousée
Au jardin de VInfante (1893); Aux flancs du vase (1898); Le (1921); Frère Tranquille (1922).
choriot d'or (1901). "Hommage à Fagus". Le Divan, XVII/10O, Maio de 1925.)
Edição do Mercure de France, 3 vols., Paris, 1911/1919. 1) Jean Moréas (pseudónimo de Joannis Papadiamantopoulos), 1856-
F. Gohin: Uoeuvre poétique d'Albert Samain. Paris, 1919. 1910.
A. de Bersancourt: Albert Samain, son oeuvre. Paris, 1924. Les Syrtes (1884); Les Cantilènes (1886); Le Pélerin passionné
G. Bonneau: Albert Samain, poete symboliste. Paris, 1925. (1891); Poésies, 1886-1896 (1898); Les Stances (1899/1901); Iphigé-
C. Cordie: Due epigoni dei simbolismo francese: Albert Samain nie (1903).
e Louis Le Cardonnel. Arona, 1951. K. Raynaud: Jean Moréas et les Stances. Paris, 1929.
28) Léon Deubel, 1879-1913. R. Georgin: Jean Moréas. Paris, 1930.
Le chant des routes et des déroutes (1901); Ailleurs (1911). K Nilclaus: Jean Moréas, poete lyrique. Parte, 1936.
L. Bocquet: Léon Deubel. Paris, 1930.
A. Embrirlcos: Les étapes de Jean Moréas. Lausanne, 1949.
}

2614 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2615

fundou um grupo dissidente, a École Romane, desistindo " A h ! passe avec le vent, mélancolique feuille
da musicalidade neo-romântica e exigindo a volta à disci- Qui donnais ton ombre au j a r d i n !
plina clássica, ao latinismo de Ronsard. Havia nessa exi- Le songe ou maintenant mon âme se recueille
gência uma porção de equívocos quase inextricáveis. Mo- Ouvre les portes du destin."
réas, amigo íntimo de Charles Maurras — que estreou aliás
nas letras como propagandista da École Romane — deseja- A poesia de Moréas é pos-romantismo em formas classicis-
va estabelecer uma nova disciplina francesa, uma poesia t a s : mas isso é uma das definições possíveis do parnasia-
neo-romana como base literária do neonacionalismo fran- nismo. Os contemporâneos admiravam com razão essa
cês. Mas Ronsard, proclamado por êle poeta nacional da poesia —
França, não era latinista e sim grecista, de modo que Mo-
réas estava obrigado a dar uma definição muito ampla do "Et dites: c'est beaucoup et c'est Tombre d'un rêve"
"romanismo", que seria a poesia mediterrânea em geral,
cheia de luz exuberante, mas disciplinada pelo génio la- — mas sua glória também se desvaneceu como "l'ombre
tino. Talvez tudo isso fosse só para ocultar a pouca voca- d'un rêve". Moréas foi muito prejudicado pela propaganda
ção de Moréas para profeta do génio latino: esse naciona- barulhenta de Maurras, marcando o amigo como reacioná-
lista francês era natural da Grécia, um neo-grego de nome rio, pelo menos em sentido literário. Depois, a desgraça se
Papadiamantopoulos. Mas pela índole nem sequer era gre- completou pela hostilidade aberta dos modernistas, abor-
go, e sim um triste decadentista, meio nórdico, da estirpe recidos com o pessimismo decadente do poeta. Um crítico
de Verlaine, embora preferindo o esnobismo literário-aris- explicou o esquecimento do poeta, que continua, no entan-
tocrático à vagabundagem plebeia. Apesar de tudo isso, era to, a figurar nas antologias, por uma frase feliz: da poesia
Moréas um poeta autêntico, embora livresco. Como filó- de Moréas ainda gostam os que foram jovens quando êle
logo erudito — essa qualidade tampouco se lhe pode negar era jovem. Mas esse conceito obriga a uma revisão parcial
— sabia realizar plenamente o programa da École Romane: do julgamento do Tempo. Moréas era um romântico que,
a sua Iphigénie, versão livre de Eurípides, é uma bela obra acompanhando o trend entre os intelectuais da época, quis
de arte de poesia franco-grega. Como poeta estava longe impor a si mesmo uma "ordem". O seu romantismo inato
de realizar o seu ideal teórico. Os seis livros de Les Stan- nio morreu, porém, e não morrerá, provavelmente. Não
ces evocam a atmosfera de é i ó a poesia dos que foram jovens naquela época, mas de
todos os que foram jovens e se lembram disso com melan-
colia. A poesia de Moréas —
"Quand reviendra 1'automne avec les feuilles
mortes...",
" . . . n'est plus qu'un écho qui s'éteint" —
poema bem verlainiano, algo monótono porque longo de
mais, tocando um só acorde, "une corde vouée à la Mélan- Itve vários ecos, até nos Cors de Chasse de Appolinaire.
colie". A forma classicista, harmonizando mal com a tris- Foi boa poesia, e Les Stances são um livro notável.
teza do decadentista, produz versos de bela eloquência A École Romane não viveu por muito tempo. Mas a
poética: rticinuva de criar um neoclassicismo, como resultado do
2616 OTTO M A R I A CARPEAI \ HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2617

simbolismo tranquilizado, encontrou muitos partidários: bolistas empregaram com tanta mestria como êle o verso
seja na pretensão de poetar a luz mediterrânea; seja na livre, manejando-o quase como se fosse um metro consa-
pretensão de criar um simbolismo especificamente francês, grado pela tradição. Régnier era virtuose da forma. Escre-
para aclimatar melhor na terra de Ronsard e Chénier aque- veu, ao mesmo tempo, graciosas odelettes, assim como nos
la poesia nebulosa de origens estrangeiras. A primeira seus contos imitou com felicidade o estilo irónico do Ro-
pretensão, quis realizá-la o malogrado poeta Emanuel Sig- cocó. Sabia cantar a "Cite des Eaux" —
noret ( a 2 ), verbalista entusiasmado do "peuple ardent de
lampes", dos "sacrés oliviers d'or". A admiração do seu ca- "J'entends longuement ta dernière fontaine,
marada Gide sobreviveu à sua poesia; e sobreviveu-lhe, se O Versailles, pleurer sur toi, Cite des E a u x ! " —
bem que só cronologicamente, a poesia livresca de Gas-
sem cair no sentimentalismo de Samain; sabia "ronsardi-
quet ( 3 3 ), cantor do neolatinismo provençal:
ser" sem as pretensões programáticas de Moréas, e reali-
zar, enfim, o sonho de um simbolismo "clássico" à ma-
"Nul, s'il ne Ta courbée au rytme de sa race,
neira francesa: basta lembrar os títulos dos seus volumes
Ne connaitra vraiment sa vie; et 1'univers
de versos — Les Jeux rustiques et divins, Les Médailles
N'est rien que flamme au vent et cendre, hors du
d'argile, La Cite des Eaux, La Sandale ailée, Le Miroir
vers."
des heures — para notar a ideia da Antiguidade clássica,
vista pelos olhos de um francês altamente cultivado de
Desses meridionais apaixonados distinguiu-se agrada-
1900. Régnier, nobre de mais para se impor ao barulho das
velmente o "simbolista francês" por excelência, Henri de
"escolas", tinha, no entanto, ambições:
Régnier ( 3 í ) , destinado a tornar-se neoclassicista pelo ca-
samento com uma das filhas de Heredia, o autor das Tro- " J e veux nVasseoir du moins à 1'ombre que peut faire
phées. Régnier principiou forte e audacioso. Poucos sim- La branche du laurier."

E não malogrou. E r a o único poeta da época cujos livros


32) Emmanuel Signoret, 1872-1900. foram lidos pelo grande público. No momento em que
La Sou/Jrance des Eaux (1889); Le Premier Livre des Élégies
(1900) etc. saiu do simbolismo, foi proclamado pelos menos dogmá-
Edição completa por A. Gide, Paris, 1908. ticas dos críticos como o maior poeta simbolista; e, em
A. Gide: Prefácio da edição citada.
1911, foi eleito membro da Academia francesa, honra que
33) Joachlm Gasquet, 1873-1921.
Chants séculaires (1903); Le Paradis retrouvé (1911); Les Heymnes nenhum outro simbolista recebera, homenagem oficial que
(1919); Les chants de la forêt (1922). marcou o fim do simbolismo. Havia, na suite de Régnier,
34) Henri de Régnier. 1864-1936. vários "neoclassicistas": Pierre de Nolhac, petrarquista
Poèmes anciens et romanesques (1890); Tel qu'en Songe (1892);
Les Jeux rustiques et divins (1897); Les Médailles d'Argile (1900); erudito; Auguste Angellier, que cantou Le chemin des sai-
La Cite des Eaux (1902); La Sandale ailée (1906); Le Miroir des sons (1903); François Fabié, ronsardiano das Voix rusti-
Heures (1901) etc.
Edição pelo autor, 6 vols., Paris, 1913/1929. ques (1894). Eram, antes, os últimos parnasianos.
P. Léautaud: Henri de Régnier et son oeuvre. Paris, 1908. Os resíduos do parnasianismo — "1'art pour 1'art", in-
H. Berton: Henri de Régnier, le poete et le romancier. Paris, 1910.
R. Honnert: Henri de Régnier, son oeuvre. Paris, 1923. smo, pessimismo decadente — constituíam a parte fran-
2618 OTTO M A B I A CARPEAUX HISTÓBIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2619

cesa do simbolismo, que foi realmente uma planta exótica verso livre de Laforgue; e este já tinha traduzido a W h i t -
na terra de Racine. Já se mencionaram as influências es- man. Depois veio, em 1890, um órgão próprio do whitma-
trangeiras. E m primeira linha: Wagner, já admirado por nismo, os Entretiens politiques et Iittéraires, editados por
Baudeleire e Villiers de 1'Isle Adam. E m Wagner aprendeu Bernard Lazare e Paul Adam em companhia com Vielé-
Mallarmé a ideia de lingua-música; e Dujardin fundou para Griffin, poeta simbolista americano por nascimento.
o seu culto, em 1885, a Revue Wagnérienne, um dos órgãos Vielé-Griffin ( 8B ) eslá hoje quase esquecido. É injus-
principais do movimento simbolista. Depois, os ingleses, tiça porque foi realmente poeta. O mais secundário dos as-
Keats, Rossetti, Swinburne, nos quais os simbolistas fran- pectos da sua obra é a melancolia que parece decadentista:
ceses aprenderam o uso das maiúsculas, para personificar
termos abstratos; também influiu Ruskin, do qual Robert "Rester! il ne reste rien
de la Sizeranne (autor de Ruskin et la religion de la beauté, Des rires, des rêves, de 1'été...
1901) foi o apóstolo, sugerindo traduções do inglês ao jo- Ils s'en furent par d'autres chemtns.
vem Proust. Enfim, e esta influência é a mais surpreen- J e suis las d'avois été."
dente de todas, a americana: Poe, o poeta do sonho, e
Whitman, o inventor do verso livre. A França literária de Mas isso não era a melacolia obrigatória dos adolescen-
1885 é como um centro de atração de poesias "marginais" tes; tais versos estão num volume tardio do autor da Clarté
ao seu redor. de Vie, que tinha vivido uma vida clara e plena. Quase
O simbolismo inteiro é, geograficamente, um fenó- todos os simbolistas são poetas livrescos, passando a vida
meno marginal. Floresce na Bélgica, às margens da França. no gabinete de trabalho, fabricando paisagens imaginárias
É fraco na Inglaterra, mas forte na "orla céltica", na Ir- da alma. Vielé-Griffin era, entre eles, o poeta da natureza
landa. Não é muito forte na Alemanha, mas tem um cen- em "plein air", vista como se fosse pela primeira vez.
tro às margens dela, na Áustria. E n t r a na Espanha não
diretamente da França, mas através da América espanhola. "Le silence des rayons oblique et glisse
Muitos entre esses poetas "marginais", confluindo para a Furtif entre les c h ê n e s . . .
França — Dário, D'Annunzio, Yeats, Rilke estavam em La brise meurt."
casa em Paris — sentiam irresistivelmente a força de atra-
ção da língua francesa. E n t r e os simbolistas franceses é Vielé-Griffin fala da "ombre bleue" e do "halo violet des
grande o número dos estrangeiros: os flamengos consti- meules" no fundo da "plaine rose";-a sua poesia correspon-
tuem verdadeira Plêiade; Moréas é grego; Milosz é lituano; de à pintura paisagística de Claud Monet. À maneira "li-
Stuart Merrill e Vielé-Griffin são americanos; e com eles vre" de pintar dos impressionistas também corresponde o
volta ao debate a questão do verso livre. Nem todos os
simbolistas o empregaram, e nem sempre; mas era grande
35) Francis Vielé-Griffin, 1884-1937.
o efeito dessa inovação, destruindo por completo a estru-
Poèmes et Poésies (1895); La clarté de Vie (1897); Plus loin (1906)
tura tradicional do verso francês. Vários foram os que re- etc.
clamaram a honra do feito herostrático; Gustave Kahn vi- Edição pelo autor, 3 vols., Paris, 1924/1927.
J. de Cours: Francis Vielé-Griffin, son oeuvre, sa pensée, son
veu e morreu nessa ilusão. Mas ai já estava o audacioso art. Paris, 1930.
2620 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2621

verso livre de Vielé-Griffin. O que é artifício mal reali- momento, os horizontes europeus já não eram naturalistas,
zado nos "vers-libristes" franceses é harmonia espontânea mas simbolistas. A serviço do simbolismo fundou o crítico
nos poemas franceses desse americano. Albert Mockel, o Gourmont da Bélgica, em 1884, a re-
Parece mesmo que o verso livre, tão adverso às leis na- vista La Wallonie; e em Paris tornou-se o próprio Gour-
turais da versificação francesa, foi importação germânica, mont propagandista dos poetas belgas; a êle, em primeira
assim como a "música" de Verlaine. Os críticos reacioná- linha, deviam Maeterlinck e Rodenbach a repentina gló-
rios não se enganaram tanto, ao denunciar o "atentado con- ria mundial. Hoje, essa glória é uma lembrança remota.
tra a majestade da poesia latina". Pela segunda vez, de- Os simbolistas belgas, após terem encantado o mundo in-
pois do caso do suíço Rousseau, a língua francesa recebeu teiro, desgostaram a todos pela obstinação da sua melan-
"du vert" de além das suas fronteiras. E m relação muito colia decadentista; representam, por assim dizer, o sim-
nítida com isso está a presença de tantos belgas entre os
bolismo simplista, o simbolismo para todos; e o gosto de
simbolistas franceses; porque esses belgas — nome como
todos era, então, a decadência. O "fantaisiste" entre os
Maeterlinck, Rodenbach e Van Lerberghe o provam —
belgas, Fagus, tornou-se francês, parisiense. O 'Tart pour
eram de raça flamenga.
1'art" mallarmeano está mal representado na Bélgica, ape-
A literatura belga de expressão francesa, quase inexis- nas pelo fraco André Fontainas; e na obra deste mesmo
tente por volta de 1850, nem sequer pelo génio isolado de não falta uma obra intitulada Crépuscules (1897). Eram
Charles de Coster conseguiu levantar-se. O seu ideal de todos eles decadentistas.
uma literatura flamenga em língua francesa só se realizou
sob o impacto do simbolismo: a "Renaissance" surpreen- O único simbolista belga em que havia algo da fres-
dente e efémera da literatura belga ( 3 6 ). Em 1881, um estu- cura germânica de Vielé-Griffin e até algo de luz medi-
dante da Universidade de Louvain, Max Waller, jovem re- terrânea, foi Charles Van Lerberghe ( " ) ; o seu amigo
voltado com a cara angélica de um Ariel, destinado a mor- Albert Mockel não se cansou de atribuir-lhe a primazia
te prematura, fundou com alguns companheiros a revista entre os belgas. Com efeito, há muita luz nas Entrevisions
La Jeune Belgique. Os intuitos eram nacionalistas: tornar e, sobretudo, no poema La Chanson d'Êve, escrito em Flo-
as letras belgas independentes da tirania parisiense, criar rença. Mas o próprio Mockel, embora falando em Botti-
uma literatura regionalista de horizontes abertos, europeus. celli, não nega, quanto ao paganismo místico de Van Ler-
O grande regionalista da "jeune Belgique" era Camille berghe, a influência da arte mórbida de Dante Gabriel Ros-
Lemonnier. Mas o seu método de representar a realidade setti. Van Lerberghe também é autor dum sombrio drama
belga foi o naturalismo "parisiense" de Zola. Naquele simbolista, Les Flaireurs, a primeira peça do teatro sim-
bolista belga, o modelo do Intruse, conforme a confissão do

36) P. André: Max Waller et la Jeune Belgique. Bruxelles, 1905.


A. Heumann: Le mouvement littéraire belge d'expression française 37) Charles Van Lerberghe, 1861-1907.
depuis 1880. Paris, 1913. Lei Flaireurs (1889); Entrevisions (1898); La Chanson d'Eve
R. de Gourmont: La Belgique littéraire. Paris, 1916. (1904).
V. Gille: La Jeune Belgique. Bruxelles. 1943. A. Mockel: Charles Van Lerberghe. Paris, 1904.
A. J. Mathews: La Wallonie; the Syníbolist Mouvementin Belgium.
New York, 1947. F. Severin: Charles Van Lerberghe. Bruxelles, 1922.
L. Christophe: Charles Van Lerberghe. Bruxelles, 1943.
2622 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2623

próprio Maeterlinck, feita no momento em que Van Ler- "O ville, toi ma soeur à qui je suis pereil.
berghe submergiu na noite da loucura. Ville déchue, en proie aux c l o c h e s . . . "
Salvou-se desse desastre, a que também parecendo des-
Na poesia de Rodenbach estão presentes "les béguinages
tinado, o mais estranho dos simbolistas belgas, Albert Gi-
avec ses clochers noirs", onde "tinte le carillon" e cai con-
raud ( 3 7 _ A ), poeta fantástico que conseguiu dissciplinar-se
tinuamente uma chuva fina, melancólica, até a
chegando a um classicismo mediterrâneo. Mas sua fama
póstuma apóia-se, no entanto, na obra fantástica de sua mo- "Douceur du soir! Douceur de la chambre sans
cidade, naquele ciclo lírico Pierrot lunaire cuja letra Ar- lampe!
nold Schoenberg usará para iniciar uma nova época da Le crépuscule est doux comme une bonne m o r t . . . "
música.
O levantamento estatístico dà frequência das palavras "si-
Georges Rodenbach ( 88 ) é o tipo completo do deca- lence", "mort", "pluie", "soir" e "langueur" em Rodenbach
dentista belga, o mais famoso entre eles. Infelizmente, daria resultado assustador. Rodenbach é monótono. É um
essa glória é devida ao romance Bruges-la-Morte, em que pouco menos do que poeta menor, mas é inimitável, único;
as belas descrições da cidade morta se perdem entre pá- poeta fraco e, no entanto, autêntico.
ginas de horror melodramático e involuntariamente có- O Rodenbach da Antuérpia é Elskamp ( 3 9 ) ; não do
mico; como romance, é um dos piores da literatura uni-
porto internacional, do grande comércio, nem do proleta-
versal, de atração irresistível para a multidão dos leito-
riado, mas de "vieux Anvers", das velhas ruas flamengas,
res. Continua a ser lido avidamente; criou uma imagem
iguais às de Bruges, nas quais o poeta católico, comovido,
pseudopoética da cidade de Bruges, fazendo esquecer a
encontra mendigos e músicos cegos, irmãos flamengos de
poesia do grande poeta brugense Gezelle e a poesia do
São Francisco. Enfim, o Rodenbach de Gand é Maeter-
próprio Georges Rodenbach. Toda a literatura do poeta
linck (*°); mas neste já se amplia o horizonte estreito da
está dedicada àquela cidade do Règne du Silence, tão es-
plêndida em séculos passados e hoje a pobre prisão das
39) Max Elskamp, 1862-1931.
Viés encloses dos "léguines". Na poesia de Rodenbach,
La Louange de la Vie (1898); La Chanson de la Rue Saint-Paul
muito mais do que no seu romance, vive (1922).
L. Piérard: Max Elskamp, un poete de la vie populaire. Bru-
xelles, 1914.
40) Maurice Maeterlinck, 1862-1949.
37A) Albert Giraud. 1860-1929. Serres Claudes (1889); La Prince&se Maleine (1889); VIntruse
Les aveugles (1890); Pelléas et Mélisande (1892); Trois petits
Pierrot lunaire (1884); Guirlande des dieux (1910); La Frise drames pour marionnettes (Alladine et Palomides, Intérieur, La
empourprée (1912). Mort de Tintagiles (1894); Le Trésor des Humbles (1896); Agla-
H. Llebrecht: Albert Giraud. Bruxelles, 1946. vaine et Sélysette (1896); Douze chansons (1896); La Sagesse et
38) Georges Rodenbach, 1855-1898. la Destinée (1896); La Vie des Abeilles (1901); Le Temple ense-
Le Règne du Silence (1891); Bruges-la-Morte (1892); Les Viés en- veli (1902); Monna Vanna (1902); L'Oíseau bleu (1909) etc.
closes (1896); Le Miroir du ciei natal (1898). Edição do Teatro pelo autor, 3* ed., 3 vols. Paris, 1918.
Edição das poesias pelo Mercure de France, 2 vols., Paris, 1924/ M. Jacobs: Maurice Maeterlinck. Berlin, 1904.
1925. E. Thomas: Maurice Maeterlinck. London, 1911.
E. Pvévoil: Georges Rodenbach. Bruxelles, 1909. A. Bailly: Maeterlinck. Paris, 1931.
G. Ramaeckers: Georges Rodenbach. Bruxelles, 1920. G. Herry: La vie et Voeuvre de Maurice Maeterlinck. Paris, 1932.
J. Mirval: George Rodenbach. Bruxelles, 1943. A. Aniante: La double vie de Maurice Maeterlinck. Paris, 1951.
W. D. Hall: Maurice Maeterlinck. Oxford, 1960.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2625
2624 OTTO MARIA CARPEAUX
il y a une grande salle éclairée d'une petite lampe, et dans
velha cidade, aparecendo sob o céu noturno a imagem mais
la grande salle il y a des gens qui attendent. Ils attendent
completa da melancólica Bélgica mística, imagem, como
quoi? Ils ne savent pas. Ils attendent que l'on frappe à la
por acaso, de todos os sonhos poéticos da Europa do "fin
porte, ils attendent que la lampe s'éteigne, ils attendent la
du siècle". Maeterlinck talvez não tenha sido um poeta
Peur, ils attendent la Mort." Eis Vlntruse, Les aveugles,
muito maior do que Van Lerberghe e Rodenbach; mas
as sombras pálidas de Pelléas et Mélisande, os coros místi-
disse na hora certa a palavra certa que o mundo inteiro
compreendeu porque era uma palavra muito vaga, intensa- cos, cantados em voz baixa, perante os altares meio ilumi-
mente poética sem chegar a ser grande poesia. Assim, não nados, em boa Princesse Maleine, atmosfera de sonho, cheia
foi injustiça para a literatura belga receber, na pessoa de de acasos misteriosos e crueldades sinistras — falou-se bem
Maeterlinck, a suprema homenagem da Europa burguesa: em "Flandres apocalíptica". Lemaitre definiu a Maeter-
o premio Nobel. linck como "Esquilo dos bonecos". São tragédias fata-
Maeterlinck está hoje meio esquecido como dramatur- listas, menos shakesperianas, como proclamou Mirbeau, do
go ; Pelléas et Mélisande sobrevive graças à música de De- que de um Ibsen simbolista, "diálogos mudos" entre víti-
bussy. Não merece, porém, o mesmo esquecimento a poe- mas de um destino místico. A arte de Maeterlinck resiste
sia lírica de Maeterlinck; menos a poesia simbolista de às definições. O próprio Maeterlinck não sabia definir
Serres chaudes do que as Douze chansons, uma das obras nem a sua dramaturgia nem o seu misticismo. Não foi um
mais estranhas da poesia francesa: parecem baladas, mas poeta consciente dos seus notáveis recursos e dos seus li-
são canções populares de tipo medieval, cheias de angús- mites. Chegou à banalidade sardouiana de Monna Varina.
tia mística, tipicamente germânicas, numa língua francesa Como ensaísta, não ultrapassou os bonitos exercícios esti-
algo diferente. lísticos do Trésor des humblès, acabando numa mistura de-
sagradável de Ruysbroeck, Novalis e Emerson. Numa pá-
"Et s'il revenait un jour, gina inesquecível tinha celebrado o "silêncio"; a sua pró-
Que faut-il lui d i r e ? . . . " pria arte submergiu no silêncio; e com Maeterlinck ter-
minou a "Renaissance belge", tão de repente como princi-
O " E t " abrupto do início é tão característico como o ponto piara.
de interrogação sem resposta. Não é possível resumir o Os motivos do declínio rápido do simbolismo belga são
"conteúdo" de baladas como "J'ai cherché trente ans, mes complexos. Em primeira aproximação pode-se alegar o
s o e u r s . . . " , "Les sept filies d'Orlamonde.. .", "Elle l'en- artifício da expressão francesa da alma flamenga, germâ-
chaina dans une g r o t t e . . . " , "Ils ont tué trois petites fil- nica. Depois, lembrar-se-á a industrialização fortíssima da
ies. . . " São de incoerência extrema, e contudo acreditamos
Walloinie, que é de língua francesa, naqueles mesmos anos,
assistir a tragédias completas, cujo enredo é, como no In-
enquanto a Flandres agrária conservou a atmosfera medie-
truse, o "attendre" angustioso a uma força misteriosa que
val, "esperando" um fim qualquer, apocalíptico; fim que
nos esmagará. Num trecho extraordinário do seu livro La
veio em 1914. Ali, pela primeira vez, nota-se, ainda vaga-
Belgique littéraire, Gourmont caracterizou os dramas de
Maeterlinck todos: II y a une ile qualque part dans les mente, uma significação social do estilo simbolista. A ex-
brouillards, et dans Tile il y a château, et dans le château pressão mais nítida daquele horror de transição é a poesia
2626 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2627

de Gilkin ( 4 1 ), baudelairiano exacerbado, cantando a cida- lismo conquista o mundo. Música verbal, misticismo, de-
de de Bruxelas em transformação: a cidade moderna afi- cadentismo são os elementos característicos do simbolis-
gura-se-lhe nas cores do Inferno dos místicos flamengos mo internacional; e é possível distinguir, assim como na
medievais, conforme a definição de Lemonnier. Mais tar- França, esteticistas do 'Tart pour l'art", decadentistas e
de, Gilkin recuperará o equilíbrio mental, em dramas his- "fantaisistes" mais ou menos revoltados. Na maioria das
tóricos de valor ainda não bastante reconhecido. Mas so- literaturas europeias de então, petrificadas pelo epigonis-
mente Verhaeren é quem vencerá o demónio da industria- mo pós-romântico, a cultura da forma dos simbolistas, ain-
lização belga, saindo do inferno das "campagnes halluci- da meio parnasiana, é coisa inédita. Daí o fato paradoxal
nées" e "villes tentaculaires", abrindo os novos horizontes de que esses profetas da decadência iniciam às vezes ver-
dos "rhythmes souverains" e da "multiple splendeur" do dadeiras renascenças nacionais da poesia.
século X X ; em sua obra, então, representar-se-á Toute la Os próprios esteticistas preferiram a prqsa; são, as
Flandre — antes do desastre. mais das vezes, romancistas, participando deste modo da
Os belgas e os outros estrangeiros afrancesados do- reação antinaturalista dos Bourget e Anatole France. Mas
minaram, com o apoio eficiente de Gourmont, o Mercure se caracterizam justamente por aquilo que os distingue
de France. Este e a antologia de Van Bever e Léautaud destes últimos. Não têm nada da curiosidade psicológica,
conquistaram ao simbolismo o mundo inteiro, sobretudo o analística, de Bourget, e, em vez de situar os seus romances
mundo neolatino. Foi uma invasão pela luz escura da nova nos círculos grã-finos da Europa de 1880, preferem ambien-
poesia, assim como, ao mesmo tempo, a pintura impressio- tes histórico-exóticos. São historicistas da superfície pi-
nista dos Monet, Pissarro, Sisley, Degas, Renoir inundou toresca, são estilistas como Anatole France. Mas não têm
de luz da Ile-de-France a vida cinzenta da "fin du siécle". a ironia céptica deste último nem a clarté latina; são espí-
Assim como na época do primeiro romantismo, o "neo-ro- ritos inquietos, às vezes angustiados, estilistas sugestivos,
mantismo" simbolista propagou-se por uma voga de tradu- poéticos, enfim; são simbolistas.
ções: Arthur Symons deu, em Silhouettes (1896), tradu- Chegamos então a George Moore (*2), autor de Esther
ções inglesas de Mallarmé e Verlaine — as quais, decénios Waters, e primeiro naturalista da literatura inglesa. Saindo
depois, Yeats achará insuperáveis; em 1905, Stefan George logo desse estilo, ficou sempre naturalista e radical com
deu a conhecer ao público alemão os Zeitgenoessische Di- respeito às questões sexuais e ao anticristianismo decidido.
chter — (Poetas Contemporâneos) — Baudelaire, Mallar-
mé, Verlaine — numa língua alemã, inteiramente reno-
vada; na Rússia, Annenski traduzirá Verlaine, Baudelaire, 42) George Moore, 1852-1933. (Cf. "Do Realismo ao Naturalismo",
Rimbaud; haverá Mallarmé e Verlaines holandeses e por- nota 119).
A Mummer's Wife (1885); Conjessions of a Young Man (1888);
tugueses, suecos, poloneses e latino-americanos. O simbo- Esther Waters (1894); Evelyn Innes (1898); Sister Teresa (1901):
The UntiUed Field (1903); The Lake (1905); The Brook Kerith
(1916); Héloise and Abélard (1921) etc.
Edição: Ebury Edition, 20 vols., London, 1936/1938.
J. Freeman: ^ Portrait of George Moore in a Study of His Work.
41) Iwan Gilkin. 1858-1924. London, 1922.
Ténèbres (1892); La Nuit (1897); Prométhée (1899); Sovonarole W. Gilomen: George Moore. Zuerich, 1933.
(1906); Egmont (1925). J. M. Hone: The Life of George Moore. London, 1936.
H. Liebrecht: Iwan Gilkin. Bruxelles, 1942. M, Brown: George Moore, a Reconsideration, Seattle, 1956.
2628 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2629

Denunciou asperamente o clericalismo como fonte de todos de Moore. No século XX, já além do simbolismo, será
os males que devastavam a sua terra, a Irlanda. Mas Geor- Barres a última grande figura do esteticismo europeu.
ge Moore não fora feito para ser regionalista. Levando Entre os esteticistas "historizantes", o mais fino foi o
uma existência fantástica de grande dandy literário, ora em sueco Oskar Levertin ( 4 4 ), poeta lírico e excelente contis-
Paris entre pintores e cantoras de ópera, ora em Londres ta, evocando o rococó sueco, ao qual também dedicou o seu
como personagem principal entre os estetas e decadentes grande talento de historiador literário e crítico impres-
de 1890, foi uma espécie de D'Annunzio ocidental, menos sionista. Ao naturalismo brutal do seu inimigo Strindberg,
espetacular e mais inquieto. É documento daqueles anos Levertin opôs o panorama encantador da corte do Rei Gus-
seu romance Evelyn Innes continuado em Sister Teresa, tavo III, lustres venezianos iluminando conversa francesa
história de uma grande cantora heroina em óperas de entre aristocratas suecos, bailados italianos dançados e
Wagner, convertendo-se e entrando para o convento; a des- cantados no gelo sobre os canais de Estocolmo, e a poesia
crição do ambiente artístico é das mais vivas, e o romance de Bellman, eternizando pelo humorismo a fantasmagoria
uma verdadeira antologia de aforismos espirituosos sobre
efémera. Levertin juntou a tudo isso um elemento estranho
música e literatura. Moore era esteticista; não entrou em
— mais um encanto, aliás — algo da sua melancolia de
nenhum convento, mas evadiu-se para estudos de histó-
judeu frustrado. Levertin não se realizou inteiramente.
ria das religiões — sempre hostil ao cristianismo — dos
Pela serenidade da perfeição formal superou-o outro sim-
quais nasceram os romances Brook Kerith e Héloise and
bolista sueco, Per Hallstroem ( 4 5 ), que começou como pes-
Abélard, obras de um grande estilista, mas sem bastante
simista decadente, celebrando a união de Eros e Tânatos,
substância humana. George Moore não deixou nenhuma
e acabou como secretário da Academia sueca de Letras,
obra definitiva que lhe sobreviverá (senão Esther Waters);
meio classicista como Henri de Régnier. Alguns dos seus
mas os seus méritos na literatura inglesa, como pioneiro do
naturalismo e do simbolismo, são notáveis. Além disso, foi contos, reconstituindo a Florença da época de Dante e da
uma figura europeia: como estilista, reconstituindo am- Renascença, são maravilhas de arte de um parnasianismo
bientes exóticos e históricos, e como interessado em ques- comovido.
tões religiosas — lembra-se o caso semelhante de Edouard
Dujardin — Moore exerceu influência decisiva sobre o es-
teticismo simbolista. Com êle parecer-se-á — mutatis mu- 44) Oskar Levertin, 1862-1906.
tandis pelo ambiente francês — Maurice Barres O 8 ) : assim Legender och visor (1891, 1894, 1901); Rokokonoveller (1896); Fran
Gustaf llls dager (1897); Díktare och droemmare (1898); Svenska
como Moore denunciou o clericalismo irlandês, assim de- gestalter (1903); Kung Sálorno och Morolf (1905).
nunciou Barres a corrução do parlamentarismo francês; Edição completa por E. Levertin e A. Lundegard, 24 vols., Sto-
ckholm, 1907/1911.
depois, dedicou-se à reconstituição de paisagens exóticas V. Soederhjelm: Oskar Levertin. 2 vols. Stockholm, 1914/1917.
e históricas, para acabar num catolicismo nacionalista, pou- D. Sprengel: Oskar Levertin. 2.» ed. Stockholm, 1918.
co mais religioso do que os estudos de história religiosa 4B> Per Hallstroem, 1866-1960.
Purpur (1895); Reseboken (1898) Thanatos (1900); Nya noveller
(1912).
F. Boeoek "Per Hallstroem". (In: Sveriges moderna literatura. 2.»
ed., Stockholm, 1929.)
n Guellberg: Beraettarkonst och stil i Per HaUstroems prosa.
43) Cf. "O Equilíbrio europeu", nota 158. Stockholm, 1939.
H I S T Ó R I A DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 26'M
2630 OTTO MAMA CARPEAUX

As reconstituições históricas dos simbolistas talvez não reconstituições eruditas da Roma imperial; mas Couperus
sejam mais fiéis que as dos imitadores de Walter Scott; tem outros títulos para sobreviver. Antes de sacrificar ao
só parecem assim porque a chamada "fidelidade" está pa- esteticismo daqueles romances, escrevera Eline Vere, his-
radoxalmente, em função do anacronismo. Através dos tória trágica de uma mulher acabando em abulia mórbida no
trajes históricos dos romancistas scottianos reconhecemos ambiente grande-burguês e aristocraticamente reservado de
os homens de 1830, ao mesmo tempo que sentimos menos o Haia. É um dos mais importantes romances psicológicos
anacronismo de 1900, que está mais perto de nós mesmos. da literatura europeia. E depois escreveu, sempre tra-
Mas hoje já começa a desvanecer-se muita glória literária tando o msmo ambiente, De Coeken der kleine Zielen (Os
de então, revelando-se como artifício. La gloiia de don Livros das Almas Pequenas) e Van onde menschen (Gente
Ramiro, do argentino Larreta (">), passava então por re- Velha), que são coisa rara na literatura de 1900: livros au-
constituição maravilhosa da Espanha barroca — Gourmont tenticamente trágicos. Mas a tragicidade é atenuada pela
fêz a propaganda do romance no mundo parisiense; mas atitude reservada, bem holandesa, aliás, desse grande es-
é uma Espanha pitoresca e decadentista; estilo e menta- critor. Foi algo semelhante o polonês Berent ( 4 8 ) : a aná-
lidade são, apesar de todos os esforços do romancista, os lise da decadente aristocracia polonesa, em Mofo, e a re-
de 1900; contudo, é um romance que merece ser relido por constituição da cidade de Cracóvia na época da Renascença,
todos os que amam a velha Espanha. Conseguiram efémera em Pedras Vivas, são obras-primas; menos reconhecidas
fama universal alguns dramas do simbolista croata Voj- só pela divulgação escassa da língua eslava.
novic (41), cuja obra principal é uma grande reconstituição O conteúdo ideológico atrás da superfície pitoresca,
dramática dos tempos áureos da República de Ragusa. Voj- nos romances históricos de Moore, Vojnovic, Couperus,
novic era um estilista cheio de cores violentas e alusões Berent, manifestou-se abertamente em Heidenstam ( 5 0 ),
patrióticas, o D'Annunzio dos iugoslavos — o que é, pelo como reação violenta contra todos os conceitos determinis-
menos paradoxal. O público internacional cansou-se, tam- tas e ideias materialistas do naturalismo. No começo, o
bém, dos romances históricos do holandês Couperus ( 4 8 ), grande escritor sueco reagiu como esteticista à maneira de
Levertin. Depois, aproximou-se dos antibrandesianos dina-
marqueses, opondo, em Hans Alienus, ao esteticismo irres-
46) Enrique Rodríguez Larreta, 1875-1961. ponsável, um moralismo elevado de cristão adogmático,
La gloria de don Ramiro (1908); Zogobi (1926). quase tolstoiano. Mas encontrou a cura completa do seu
Am. Alonso: Ensayo sobre la novela histórica. El Modernismo en
La Gloria de don Ramiro. Buenos Aires, 1942.
47) Ivo Vojnovic, 1864-1929.
Aequinoctium (1898); Trilogia ragusana (1901); A morte da mãe
Jugovic (1906); A ressurreição de Lazaro (1913). 49) Waclaw Berent, 1873-1940.
A. Venzelldes: Ivo Vojnovic. Sarajero, 1917 (em língua croata). Mofo (1903); Semente de Inverno (1911); Pedras Vivas (1918).
Z. Dembicki: Retratos. Vol. I. Warszawa, 1927 (em língua polonesa).
J. Golabek: Ivo Vajnovic. Lvóv, 1932 (em língua polonesa).
48) Louis Couperu-s, 1863-1923. 50) Verner von Heidenstam, 1859-1940.
Hans Alienus (1892); Nua dikter (1895); Karolinema (1897/1898);
Eline Vete (1889); Êxtase (1892); Majesteit (1893); Wereld Vreãc Heliga Birgittas pilgrimsfaerd (1901); FoUcungatraedet (1905/1907)
(1895); Psyche (1898); De boeken der kleine Zielen (1903); Van etc.
oude menschen (1906) etc. Edição pelo autor, 16 vols., Stockholm, 1909/1912.
A. De Ridder: Bij L. Couperus. Amsterdam, 1917. J. Landquist: Heidenstam. Stockholm, 1909.
H. van Brooven: Leven en Werken van Louis Couperus. Velsen. T. Boeoek: Verner von Heidenstam. 2 vols. Stockholm, 1945/1946.
1933.
2632 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2633

espírito, perturbado temporariamente por influências magogos socialistas; féz passar o romance entre o povo in-
alheias, na dedicação fiel à terra sueca, à qual glorificou nos génuo, primitivo da Sicília. Precisava só eliminar a im-
seus Nya dikter (Poemas Novos). A sua obra principal é pureza, para chegar à obra-prima, Jerusalém, a epopeia da
Karolinerna, não um romance, mas uma coleção de 16 no- viagem-romaria de duros camponeses suecos, adeptos de
velas sobre a epopeia bélica do infeliz herói nacional da uma seita mística, para a Palestina, e relato das suas expe-
Suécia, Carlos X I I , Don Quixote do imperialismo sueco riências na Terra Santa; da eclosão do verdadeiro senti-
que com êle acabou gloriosamente. É mesmo uma epopeia mento religioso entre almas secas e hipócritas. A arte in-
em prosa, igualmente admirável pela força criadora da re- comparável de narrar de Lagerloef é tão sugestiva nessa
constituição histórica, pelo poder do estilo e pela serie- obra como nas novelas, Herr Ames penningar (O Tesouro
dade desse patriotismo nobre sem exaltação nacionalista; do Senhor Ame) e Koerkarlen (O Carroceiro da Morte),
a novela Poltava, que descreve a derrota decisiva do he- extraordinário de "romances góticos", de horror fantásti-
rói, não enfeita os fatos dolorosos, mas a emoção do poeta co atenuado pela atmosfera do conto de fadas. Selma La-
transfigura a realidade, transformando» conforme a ex- gerloef, autora do melhor livro infantil do século XX —
pressão feliz de Brandes, a marcha fúnebre da retirada em Nils Holgersson underbara resa (A Viagem Maravilhosa
sinfonia triunfal. Heidenstam foi algo como um Barres de Nils Holgersson) — nunca esconde as qualidades de
sueco, mas menos teatral, menos agitado. Se a expressão professora que ela fora; narra para crianças e como para
"nobreza nórdica", muito gasta, ainda pode ter sentido, crianças, mas sem sentimentalismo falso. Goesta Berlings
então foi Heidenstam quem a encarnou. saga, o seu livro de estreia, é mais viril do que a sobras pa-
recidas de Levertin, é mesmo uma novela forte. "Selma La-
Em outra obra, Heliga Birgittas pilgrimsfaerd (A Ro-
gerloef", disse Brandes, "possui o dom maravilhoso de
maria de Santa Brígida), Heidenstam empreendeu ressus-
transformar os leitores adultos em crianças, sentadas aos
citar a fé mística da Suécia medieval; mas para tanto fal-
pés da boa, velha tia, pedindo :— Conta-nos mais uma his-
tava ao poeta erudito a espontaneidade que foi o segredo
tória". Até esse positivista seco admitiu e reconheceu tan-
da arte menos exigente de Selma Iagerloef ( 5 1 ). Já em An-
to, embora censurando a falta de coerência na composição
tikrists Mirakler (Os Milagres do Anticristo), obra menos
de Jerusalém e a pouca profundeza do sentimento religioso.
forte mas característica, revelara a preocupação religiosa O crítico tinha razão. Mas se Selma Lagerloef tivesse pos-
dentro do neo-romantismo pitoresco, opondo a fé no Me- suído o talento de composição e algo mais de profundida-
nino Jesus aos falsos milagres do Anticristo, isto é, dos de- de, ela teria pronunciado a última'palavra da arte.

A preocupação religiosa dos esteticistas ou ex-esteti-


51) Selma Lagerloef, 1858-1942. cistas revela-se até numa pensadora tão independente como
Goesta Berlings saga (1891); Antikrists mirakler (1897); Drottnin- é a erudita Ricarda Huch ( 5 2 ), historiadora do romantismo
gar i Kungahaella (1897); En herrgardsagen (1899); Jerusalém
(1901/1902); Kristuslegender (1904); Herr Ames penningar (1904);
Nils Holgerssons underbara resa (1906/1907); Liljecronas hem 52) Ricarda Huch, 1864-1947.
(1911); Koerkarlen (1912); Marbacka (1922); Loewenkoeldska Erinnerungen pon Ludolf Vrsleu dem Juengeren (1893); Aus der
ringen (1925). Triumphgasse (1901); Vita somnium breve (1902); Geschichten
O. Levertln: Selma Lagerloef. Stockholm, 1904. von Garibaldi (1906/1907); Der grosse Krieg in Deutschland
W. Berendsohn: Selma Lagerloef. Berlin, 1927. (1921/1914); Der Sinn der heiligen Schrtft (1916); Bakunin und
E. Waegner: Selma Lagerloef. 2 vols. Stockholm, 1942/1943. die Anarchie (1924).
2634 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA UTI.KATUBA OCIDENTAL 2635

alemão. Ela também fora esteticista — as Erinnerungen realismo russo do século X I X ; parece um interlúdio, alheio
von Ludolf Ursleu dem Juengeren (As Memórias de Lu- so espírito nacional. Mas não é tanto assim. É só aparên-
dolí Ursleu) são um dos mais belos romances estéticos de cia, que desaparece, pela consideração do fato de que o
1900, transfiguração comovida de mocidades passadas, algo último dos grandes realistas, Tchekov, é ao mesmo tempo
o primeiro e o maior dos decadentístas simbolistas.
entre Storm e Selma Lagerloef, mas com um olhar sério
sobre a decadência espiritual da Alemanha industrializa- Tchekov ( n3 ) foi, durante muitos anos, considerado
da. Num grande romance-epopéia sobre a Guerra de Trin- como o Maupassant russo; e ainda há motivos suficientes
ta Anos apresentou Ricarda Huch aos seus patrícios um para comparar o grande russo ao triste humorista francês.
panorama apocalíptico, profético; e quando rompeu a Pri- Assim como o discípulo de Flaubert, Tchekov não foi natu-
meira Grande Guerra internou-se na Bíblia, procurando o ralista, mas realista: observador meio passivo da vida dos
sentido profético das palavras sacras, segundo as normas outros, um médico ao qual se abriram muitos segredos
exegéticas de um luteranismo não-ortodoxo. Ricarda Huch alheios, tristes e ridículos — tudo o que a gente gosta de
também escreveu, depois de 1917 e 1918, um livro sobre Ba- dissimular perante si mesma e só confessa no consultó-
kunin e a anarquia. Nada, nessa mulher viril e serena, lem- rio. Tchekov também foi humorista, às vezes um humo-
bra e religiosidade anacrónica, apocaliptítica de Merech- rista barato. Numerosos contos seus, como A Obra de Arte
Escandalosa, saíram em jornais humorísticos do tipo de
kovski, autor de outros romances históricos muito menos sé-
Vie parisiense. Mas esses humorismo tem na arte de Tche-
rios. Mas a relação entre a preocupação decadentista e a
kov função importante: a de atenuar tristezas que seriam
preocupação religiosa, unidas no fundo de um credo estéti-
co, literário, explica o interesse de Ricarda Huch pelo de-
cadentismo russo, no qual ela previu os sinais do fim da
Alemanha. 53) Anton Pavlovith Tchekov, 1860-1904.
Com efeito, o esteticismo decadentista e religioso ou Ivanov (1886); Histórias Meio-Coloridas (1886); No Crepúsculo
(1887); A Estepe (1888); Uma História Enfadonha (1889); Gente
pseudo-religioso dos simbolistas russos é o "missing link" Melancólica (1890); O Duelo (1892); O Professor de Literatura
entre Tolstoi e Dostoievski, de um lado, e, de outro lado, (1894); A Minha Vida (1895): A Gaivota (1896); Os Camponeses
(1897); O Predileto (1898); Jonitch (1898); A Senhora com o
Gorki. Depois da derrota de todas as esperanças revolu- Cãozinho (1898); Tio Vânia (1898); As Três Irmãs (1900); Na
cionárias, por volta de 1900, a literatura russa parecia estar Baixada (1900); O Jardim de Cerejas (1904) etc.
Edição por V. Sobolev, 12 vols., Moscou, 1929.
no fim, em esterilidade absoluta. A geração de Dostoievski V. Volynskl: Anton Tchekov. Petersburgo, 1904 (em língua russa).
tinha desaparecido. Tolstoi emudecera. E n t r e 1900 e a vi- L. Chestov: Anton Tchekov. Petersburgo, 1916 (em língua russa).
W. Gerhardi: Anton Tchekov, a Criticai Study. New York, 1923.
tória do novo realismo revolucionário, de Gorki, há um 0. Elton: Tchekov. Oxford, 1929.
intervalo vazio. É este o tempo do simbolismo decadentis- V. Sobolev: Tchekov. Moscou, 1930 (em língua russa).
N. Tumanova: Anton Tchekov, the Voice of Twilight Rússia. New
ta, que contribuiu tanto para a decomposição do grande York, 1937.
1. Nemirovski: La vie de Tchékhov. Paris, 1946.
W. H. Bruford: Chekhov and his Rússia. A Sociological Study.
Iiondon, 1948.
O. Walzel: Ricarda Huch. Leipzig. 1916. R. Hlngley: Tchékhov. A Biographical and Criticai Study. London,
O. Baeumer: Ricarda Huch. Tuebingen, 1949. 1950.
3. Hoppe: Ricarda Huch. Weg, Persoenlichkeit, Werk. Stuttgart, D. Magarshack: Chekov, a Life. London, 1952.
1951. O. Magarshack: Chekov, the Dramatist. London, 1952.
2636 OTTO M A R I A CABPEAUX llisióim DA LITEHATURA OCIDENTAL 2637

insuportáveis. Pois Tchekov foi, por temperamento, homem paixão quase entusiasmada pelos sofredores, em Tchekov
alegre, mas teve de contar histórias como O Conhecido: torna-se culto pelas existências frustradas, as almas feri-
a história da atríz que sai do hospital, doente e com o das, sobretudo das vítimas mais indefesas: das mulheres,
rosto desfigurado, de modo que ninguém reconhece a fes- das crianças, dos animais. O grande Adversário dessas infe-
tejada beldade, nem seu ex-amigo mais íntimo, o dentista; lizes almas russas não é de tremendo aspecto apocalíptico:
e, sentindo vergonha, a pobre mulher manda extrair um é a vida quotidiana, com todas as suas pequenas misérias,
dente, pagando com o último dinheiro. Eis o truque nove- sua vulgaridade e baixeza. "Estou morrendo da vulgari-
lístico de Tchekov: um acontecimento profundamente trá- dade que me rodeia", grita o "Profesor de Literatura"
gico, apresentado de tal maneira que dá para r i r ; em Mau- que acreditara encontrar o Paraíso, casando com uma moça
passant acontece antes o contrário: um pormenor humorís- bonita. O símbolo dessa vulgaridade sufocadora é, na obra
tico, que sugere tristeza. Como Maupassant, também de Tchekov, a Província: a vida mesquinha, longe das
Tchekov é fatalista. Mas conservou pelo menos um ideal: possibilidades de experiência da capital. Eis o tema de As
esse valor, que êle ainda enaltece em meio do cepticismo ge- Três Irmãs, um dos dramas de Tchekov que produzem com
neralizado, é a decência: a atitude do gentleman. Mas é um mínimo de enredo o máximo de emoção. Essa "Provín-
essa decência que Tchekov não encontra, na Rússia do seu cia" vira o símbolo da própria vida humana; assim, no
tempo, em parte nenhuma. Tchekov é o único dos grandes conto "A Senhora com o Cãozinho", o desfecho decepcio-
realistas russos que não escreveu romances. Mas suas cen- nante de um amor ilusório realiza-se na plateia do teatro
tenas de contos formam, em conjunto, um panorama com- de uma cidade de província, enquanto tocam "os miserá-
pleto da Rússia de 1900, como fragmentos de um espelho veis violinos provincianos". E : "Se esses miseráveis vio-
quebrado. Passam-se em todas as províncias do país imenso, linos provincianos quisessem calar-se, a vida seria — não,
de modo que Bruford pôde desenhar um mapa geográfico bela não, nem feliz, mas suportável". Na verdade, porém,
da obra tchekoviana. Todas as classes estão representadas aquela música dissonante não se cala nos contos de
nela: a aristocracia rural e os camponeses, os funcionários Tchekov. Pois é permanente a desgraça do homem russo:
públicos, a justiça e a polícia, o clero, a Intelligentzia, os os talentos afogados em vodca, os sonhos violados das
estudantes o professores, a burguesia, o proletariado, os moças, as ambições frustradas e as existências malogra-
judeus, os revolucionários, os reacionários e a grande maio- das. Tchekov não é escritor trágico — as suas peças tam-
ria que não é isto nem aquilo. Mas em parte nenhuma en- bém não são tragédias, são dramas; mas se não fosse aquele
contra Tchekov aquela decência. Parece "literatura de norriso irónico de médico céptico', cheio de compreensão
acusação"; mas não é. Tchekov não tira conclusões revo- humana, seria o mais triste dos poetas da terra das "al-
lucionárias. É céptico. Chega a esboçar, na novela "O Quar- mas mortas". Como homem de 1900, já não tem esperanças
to Número Seis", algo como um sistema filosófico: o médi- revolucionárias. Detesta o regime tzarista e a injustiça
co que quis melhorar e reformar o horrível manicômio, aca- •ocial. Mas não lhes opõe ideologia alguma: no Jar-
ba sendo encerrado nele; e com a razão estão os outros, os dim de Cerejas, a mais emocionante das suas peças,
insensíveis, cruéis e estúpidos. Tchekov chegaria a ade- chtga a lamentar *a destruição da aristocracia rural, dos be-
rir ao pessimismo extremo de Swift, se não fosse russo, lo» "ninhos aristocráticos" do tempo de Turgeniev, pela
eslavo: isto é, cheio de piedade. O que em Dostoievski foi trtvanio do comercialismo burguês. Mas é só lamento.
2638 OTTO M.MUV CABPEAUX HISTÓRIA DA L I T I Í B A T U B A O C I D E N T A L 2639

T c h e k o v não acusa a n i n g u é m e a nada, senão a própria realismo de Ibsen a angústia de Maeterlinck. Esse realis-
condição humana. O s camponeses, na novela desse título, m o simbolista deixa adivinhar outra realidade, misteriosa,
são subgente bestificada, assim como n o s romances da "li- atrás do comum. O s s i m b o l i s t a s russos definirão a s s i m a
teratura de acusação", mas não porque v i v e m na Rússia ou arte de T c h e k o v ; "Per realia ad realiora".
na Rússia czarista ou capitalista; antes, porque v i v e m na O i d e ó l o g o dos "realiora", outro precursor do simbo-
"Província", que é o Inferno de t o d o s nós. O ambiente lismo russo, foi S o l o v i e v ( 6 4 ) , o grande discípulo de D o s -
social, em T c h e k o v , já não é todo-poderoso. Êle já está toievski, eslavófilo m í s t i c o c o m fortes inclinações p e l o ca-
além do realismo. tolicismo romano, visionário apocalíptico e professando, no
E s s e "além do realismo" também se manifesta na téc- entanto, o mais nobre liberalismo p o l í t i c o . A s poesias de
nica de T c h e k o v . N ã o é, como acreditavam por volta de Soloviev, obras de ocasião, mas de perfeita forma parnasia-
1920 os admiradores da sua discípula Katherine Mansfield, na, não podiam dar m o d e l o s de estilo aos simbolistas; mas
um "contista sem enredos". Sabe inventar enredos ótimos. eles aprenderam em S o l o v i e v , além de certas veleidades mís-
Mas o enredo, n o s seus contos, é m e n o s importante do ticas, um estilo de s e n t i r : de sentir realidades misteriosas
que a atmosfera, aquilo "que não se vê e n o entanto exis- atrás da realidade c o m u m . O q u e fora visão para o filó-
te". O m e s m o super-realismo marca a dramaturgia tche- sofo, tornou-se-lhes país de evasão de homens d e s i l u d i d o s
koviana. Suas peças, que foram bem comparadas a "diá- pelas esperanças revolucionárias; m í s t i c o s da decadência
l o g o s de Maeterlinck, representados em cenários de Ibsen", e, no entanto, renovadores de uma literatura exausta.
t ê m enredo, mas o enredo não importa. O que importa Na Rússia, como em toda parte, o simbolismo i n i c i o u -
acontece dentro d o s personagens, em paisagens p s í q u i c a s ; se como m o v i m e n t o literário de renovação ( 5 5 ) . A p e n a s o
e com isso, T c h e k o v também já está além do realismo. I n - decadentismo era mais marcado porque se sentia doloro-
f l u e n c i o u profundamente o teatro moderno. samente o e s g o t a m e n t o da grande literatura 'de Gogol,
U m crítico americano, usando o título de um dos volu- Turgeniev, Gontcharov, T o l s t o i e D o s t o i e v s k i . "Desde
m e s de contos de T c h e k o v , falou do "twilight" em sua obra. anos, a crítica russa não tem que registrar nenhum acon-
Com efeito, esse último d e s c e n d e n t e de T u r g e n i e v está no tecimento literário", escreveu o crítico liberal Mikailovski.
"twilight" entre o realismo de o n t e m e o realismo de ama- Mas zangou-se quando Merechovski publicou, em 1893, o
nhã, de Gorki. O seu "twilight" já é o dos simbolistas. Na
Estepe, notando com sensibilidade de impressionista a at-
mosfera, antecipa em prosa a p o e s i a simbolista. N o conto 64) Vladimir Sergeievitch Soloviev, 1953-1900.
As Bases Espirituais da Vida (1882/1884); La Russie et VÊglise
"O A c o n t e c i m e n t o " , em que crianças aprendem a propó- Universelle (1889); Poesias (1894); A Justificação do Bom (1897);
sito de um acontecimento trivial — um grande cão devorou Três Conversações (1900).
Edição por S. Soloviev, 10 vols., Petersburgo, 1913/1919.
os g a t i n h o s recém-nascidos — o s e g r e d o da m o r t e ; e esse P. Trubetzkoi: Vladimir Soloviev. Moscou, 1913 (em língua russa).
Grande Cão está, como na poesia dos simbolistas, sempre E. M. Lange: Vladimir Soloviev et son oeuvre messianique. Stras-
presente na obra de T c h e k o v . Media in vita in morte bourg, 1935.
F. Muckermann: Vladimir Soloviev. Olten, 1945.
numus. E s s a onipresença da Morte c h e g a a dar n o v o sen- |ô> N. Qumllov: Cartas Sobre a Poesia Russa. Petersburgo, 1923 (em
tido à vida, como um s e g u n d o plano que e x p l i c a o p r i m e i r o ; língua russa).
V. Pozner: Panorama de la littérature russe contemporaine. Pa-
assim como no teatro de T c h e k o v se encontra atrás do ria, 1929.
2640 OTTO M A R I A CARPEAUX H I S T Ó R I A DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 2641

panfleto Sobre as Causas da Decadência e as Tendências Foi poeta erudito, o "último classicista em época de deca-
Novas da Literatura Russa Contemporânea. A crítica russa, dência", o p o n t í f i c e da arte na época das "invasões dos bár-
inspirada por tendências sociais e sociológicas, tinha des- baros". Era mais parnasiano que simbolista, e x c e t o nos s e u s
prezado T i u t c h e v e F e t h ; depois dos "clássicos" P u c h k i n romances fantásticos. O "classicismo" também inspirou
e Lermontov, não se admitiu mais poesia n e n h u m a . Os ado- a poetisa Zinaida H i p p i u s ( 5 f t ), a esposa de Marechkovski,
l e s c e n t e s decoraram os v e r s o s do sentimentalão N a d s o n ; o superior no entanto aos primeiros m e s t r e s pela segurança
com a qual e s c o l h e u assuntos e s e n t i m e n t o s modernos para
poeta p o l í t i c o N e k r a s s o v c o n f e s s o u : "Para dizer a verdade,
perpetuá-los em versos s u g e s t i v o s de feição parnasiana.
poesias n o v a s são inúteis". Mas os simbolistas eram poetas.
H o j e costuma-se desprezar a Balmont e Briussov, quase
O v o l u m e Os Simbolistas Russos, publicado em 1895, apre-
como m e r o s precursores s e m valor definitivo, o que não
sentou, ao lado de versos de Briussov e outros poetas pa-
deixa de ser i n j u s t o . N u n c a haverá a n t o l o g i a russa s e m
trícios, traduções de P o e , V e r l a i n e e Maeterlinck. Foi lei-
versos d e l e s ; e uma s e l e ç ã o sóbria extrair-lhes-á um nume-
tura assustadora para os leitores de Korolenko. Mas o mo-
í o surpreendentemente grande de poesias fascinantes. O s
v i m e n t o estava marchando. E m 1898 fundou Sergei Dia-
volumes inteiros dos seus versos, eis o que já não se p o d e
gilev a revista O Mundo Artístico, t í t u l o herético para os
ler. Faltava-lhes personalidade própria. N e s t e s e n t i d o , o
brios dos realistas; para quebrar a resistência das casas edi-
primeiro grande poeta russo foi A n n e n s k i ( õ 9 ) , tradutor
toras tradicionais, fundou-se em 1900 a editora "O Escor-
congenial de V e r l a i n e ; foi m e s m o uma personalidade poé-
pião", então, a vitória d o s i m b o l i s m o estava garantida. tica m u i t o original, e s c o n d e n d o atrás do decadentismo me-
A n t e s de tudo, foi preciso criar n o país da prosa uma lancólico dos seus versos m u s i c a i s uma angústia quase pa-
tradição poética, uma nova l í n g u a . E vários grandes talen- tológica. N ã o foi compreendido em seu tempo. Mas aonde
tos esgotaram-se nessa tarefa. A s s i m Balmont ( 3 f i ), criador mal chegaram os versos, apreciava-se a prosa d e uma natu-
de um e s t i l o e de uma métrica, improvisador e v i r t u o s e de reza parecida, de S o l l o g u b .
facilidade verbal fabulosa, mais perto de S w i n b u r n e do que
de Verlaine, talento p o u c o original, que quis chamar a aten- S o l l o g u b ( 0 0 ) também foi grande poeta. Mas a sua obra
ção com atitudes de dandy. Mas é — n i g u é m l h e n e g o u o principal é um romance, O Pequeno Demónio, uma das
mérito — o pai da nova poesia russa. O elemento falso em
B a l m o n t , a p o s s e d'annunziana, "dionisíaca", foi eliminado 68) Zinaida Nikolalevna Hippius, 1867-1945.
Poesias (1904, 1910).
por B r i u s s o v ( ° 7 ) , que o substituiu por disciplina severa. V. J. Briussov: "Zinaida Hippius". (In: A Literatura Russa no
Século XX, edit. por S. A. Vengerov. Vol. n . Moscou. 1915). (Em
56) Konstantin Dmitrievitch Balmont, 1867-1943. língua russa).
Sob o Céu Nórdico (1894); No Infinito (1895); Silêncio (1898); DP) Innokenti Fedorovitch Annenski, 1856-1909.
Casas em Fogo (1899); Sejamos Como o Sol (1903) etc. Doze Canções (1904); A Caixa de Cipreste (1909).
E. Poely: "Balmont". (In: Simbolistas. Moscou, 1909). (Em língua P. P. Mitrofanov: "Innokenti Annenski". (In: A Literatura Russa
russa). no Século XX, edlt. por S. A. Vengerov. Vol. n . Moscou, 1915).
J. Aichenvald: Silhuetas russas. Vol. HL Berlin. 1923 (em língua (Em língua russa).
russa). •0) F. K. Sollogub (pseudónimo de Fedor Kusmitch Teternikov),
57) Valeri Jakovlevítch Briussov, 1873-1934. 1863-1927.
Obras-primas (1895); Me eum esse (1897); Tertia vigília (1898); Poesias (1896); Sombras (1896); Sonhos Maus (1896); Novas Poe-
Stepfianos (1906); Caminhos e Cruzamentos (1909). sias (1904); O Pequeno Demónio (1906); O Círculo em Flamas
O. Lelevitch: Valeri Jakovlevítch Briussov. Moscou, 1924 (em lín- (1908); Encanto Fúnebre (1908/1909); A Lenda Criada (1914); A
gua russa). Feiticeira com as Serpentes (1920).
2642 OTTO M A R I A C A R P E AIm HISTÓRIA DA L n » : n v n n \ OCIDENTAL 2643

obras mais impressionantes e mais desagradáveis da lite- como dragão terrível, antropófago. Os personagens de O
ratura universal. Sua ação passa-se numa cidade de pro- Pequeno Demónio vivem; e esse fato de eles terem vida
víncia russa em 1900, reino do tédio, da sujeira física e basta para sugerir a Sollogub a ideia de um inferno. Em odes
moral e do crime. O enredo lembra um pouco os Irmãos e hinos de brilho "solar", o poeta amaldiçoa a Vida. Em
Karamasov. O "herói" Peredonov é um sujeito horroroso, poesias simples, comovidas, verdadeiras poesias de amor,
portador de todos os defeitos do género humano; além dis- Sollogub canta a verdadeira vida, a Morte. "Trovador da
so, é paranóico que acaba cometendo um assassínio. £ esse morte", chamou-lhe um crítico russo. E n t r e as obras poé-
alcoólico, hipócrita, delator sujo, é membro da "sociedade" ticas de Sollogub encontram-se alguns pequenos dramas
da cidade, "digno" professor secundário, embora possuído fantásticos, contos de fadas dramatizados, à maneira de
de um "pequeno demónio"; pequenos demónios também Maeterlinck. Num deles, "Danças Noturnas", uma prin-
são os arrivistas, alcoólicos, devassos e mentirosos que com- cesa presa no castelo do Tédio, foge por um misterioso e
põem aquela sociedade — tão típica da província russa de pavoroso corredor subterrâneo, chegando ao paraíso da li-
1900 que a expressão "peredonovchtchina" se tornou pro- berdade, o reino da Morte. "Tédio" é a palavra-chave: a
verbial, assim como antes a "oblomovchtchina" e a "kara- "peredonovchtchina" é o último acorde dos "miseráveis
masovchtchina", para significar um sintoma de grande violinos provincianos" de Tchekov.
doença da Rússia. Compreende-se o sucesso imediato des-
Os simbolistas russos realizaram o programa dos seus
sa obra dantesca; mas também se compreende a efemerida-
precursores, deformando-o. O que Sollogub é em relação
de dessa glória; uma obra tão desagradável não costuma a
a Tchekov, é Rosanov ( 6 1 ) em relação a Soloviev. Mesma
gozar por muito tempo do favor das massas dos leitores.
sensibilidade poética, aplicada a decifrar o reverso, por
Pelo menos, dir-se-á, O Pequeno Demónio fica como do-
assim dizer, da filosofia de Soloviev. Quando este é li-
cumento sociológico; mas não é exatamente isso. A acumu-
beral no mais alto sentido da palavra, é Rosanov compa-
lação de pormenores horrorosos acaba desacreditando o re-
nheiro de conspirações anarquistas, escrevendo ao mesmo
alismo de Sollogub. A cidade da "peredonovchtchina" não
tempo artigos reacionaríssimos no jornal nacionalista A/o-
tem existência real senão num pesadelo do poeta; e o poe-
vo/e Vremia; é esta a sua maneira de ser eslavófilo. Quan-
ta Sollogub confirma essa hipótese. É um virtuose dos me-
do Soloviev se interna em especulações místicas sobre o
tros, como Balmont e Briussov, mas não escreve versos
papel do endroginismo na teologia bizantina herética, es-
para fazer exercícios poéticos, nem é a sua tristeza de poe-
creve Rosanov páginas entusiasmadas para celebrar o esper-
ta simbolista uma afetação. Sollogub odeia a vida, perso-
ma e o bordel. Justifica a sua erotomania por meio de di-
nificando-a ora como sol tropical de raios mortíferos, ora
gressões teológicas, proclamando-se anticristão, jogando o
Velho Testamento "masculino" contra o Novo Testamen-

Edição provisória pelo autor, 12 vols. Moscou, 1909/1912.


A. Gornfeld: "Fedor Sollogub". (In: A Literatura Russa no Sé- iil i Vussili Vassilievitch Rosanov, 1856-1919.
culo XX. Edit. por S. A. Vengerov. vol. II. Moscou, 1915). (Em No Mundo dos indefinidos (1899); As Portas da Igreja (1906); O
língua russa). Rosto Sombrio (1911); Os Homens do Luar (1912); Solidão (1912);
J. Aichenwald: "Sollogub". (In: Silhuetas Russas. Vol. III. Ber- Folhas Caídas (1913/1915); Apocalipse do Nosso Tempo (1918).
lin, 1923) (em língua russa). V Chklovski: Rosanov. Petersburgo, 1921 (em língua russa).
A. Luther: "Fedor Sollogub". (In: Osteuropa. XTÍ, 1928). M O . Kurdiumov: Rosanov. Moscou, 1928 (em língua russa).
Faculdade Estadual de Diíeito
de Maringá

2644 OTTO MARIA CARPBAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2645


to "feminino". Confessa a sede sexual como remédio con- Dinamarca é Stuckenberg (° 3 ) um pessimista vigoroso,
tra o pavor da morte — em suma, Rosanov é gravemente talvez o poeta mais viril dessa literatura suave, tantas ve-
doente, sofre de "peredonovchtchina". Esse grande pro- zes feminina, como feita para entregar-se ao decadentismo.
sador, o "Nietzsche russo", representa — amaldiçoando o Mas só o superou outro simbolista dinamarquês, Claus-
tzar e a revolução, ao mesmo tempo — o anarquismo no
sen ( 63 " A ), baudelairiano que se caracteriza pelo herme-
fundo do simbolismo russo. Quase endeusado na Rússia an-
tismo da expressão; é o poeta mais difícil da língua, um
tes de 1914, Rosanov não se tornou muito conhecido na
místico fechado e, às vezes, exaltado. No pólo oposto da
Europa, que preferiu o verbalismo pseudo-religioso e pseu-
Europa, na Rumânia, é o fantástico Arghezi ( 64 ) um "Bau-
do-apocalíptico do seu discípulo Merechkovski ( 6 2 ) : bri-
delaire bárbaro", monge que derrama blasfémias; mas tam-
lhante crítico literário, porque as suas próprias angústias
patológicas o fizeram adivinhar as mais secretas "arrière- bém tem algo do realismo poético de Villon. Discípulo
pensées" religiosas e sexuais dos grandes escritores rus- de Baudelaire, se julgou ou foi julgado o negro brasileiro
sos ; e péssimo romancista, fabricando pastiches de trechos Cruz e Souza ( 8 5 ), cuja exaltação dolorosa se atribui a
de grande historiadores para transformar bonecos, vestidos resíduos da tristeza tropical da floresta africana. Compa-
de trajes históricos, em porta-vozes das suas ideias meio rá-lo aos maiores simbolistas franceses parece exagero; mas
lunáticas. A decadência espiritual da Rússia foi a grande é certo que alguns sonetos seus — "Supremo Verbo", "Ca-
preocupação de Merechkovski; êle mesmo o mais decadente minho da Glória" — são das manifestações mais fulminan-
dos russos. tes e mais sinceras da poesia moderna. Baudelairiano, no
Annenski, Sollogub e Rosanov constituem a primeira •entido em que se entendia Baudelaire por volta de 1900,
geração dos simbolistas russos, aquela que se chamava a
si mesma "decadente", enquadrando-se no grande movi-
mento decadentista do simbolismo europeu. Annenski re- Viggo Stuckenberg, 1863-1905.
ferir-se-ia ao decadentismo de Verlaine. Rosanov antes a Flyvende Sommer (1898); Sne (1901); Sidste Digte (1906).
J. Andersen: Viggo Stuckenberg og hans Samtid. 2 vols. Kjoe-
Baudelaire, então geralmente interpretado como "deca- benhavn, 1944.
dentista". Em baudelairianos e verlainianos divide-se a •IA) Sophus Claussen, 1865-1931.
corrente decadentista; e não há quase nenhum poeta de Pilefloeter (1899); Danske Vers (1921).
1900 que não pertença ao primeiro ou ao segundo grupo. K. Frandsen: Sophus Claussen. 2 vols. Itjoebenhavn, 1950.
Baudelairianos são Gilkin e Sollogub, Kasprowicz e o jo- 1|4> Tudor Arghezi, 1880.
Cuvinte potrivite (1927); Flori de mucegai U931).
vem D'Annunzio; e há baudelairianos no mundo inteiro. Na A. Badauta: Note literare. Bucuresti, 1935.
tfci João da Cruz e Sousa, 1862-1898.
Missal (1893); Broquéis (1893); Faróis (1900); últimos Sonetos
(1905).
62) Dmitri Sergeievitch Merechkovski, 1885-1941. Edição das obras.por A. Murici, 2 vols. Rio de Janeiro. 1961.
Julião Apóstata (1895); Companheiros Eternos (1897); Tolstoi WL Bastide: "Quatro Estudos Sobre Cruz e Sousa". (In: A Poesia
e Dostoievski (1901); Leonardo da Vinci (1902); Piotr e Alexei i-brasileira. Sáo Paulo, 1943).
(1905); Alexei I (1911) etc. I'. Montenegro: Cruz e Sousa e o Movimento Simbolista no

I
J. Chuzeville: Dmitri Merechkovski. Paris, 1922.
2646 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2647

também foi o colombiano José Asunción Silva (flfl), dandy til, de um culto anormal da própria personalidade. O crítico
fantástico e desesperado, imitando poses de Byron e Wil- parece ter estabelecido com argumentos irrefutáveis que
d e ; discípulo de Poe, nos seus "nocturnos" fantásticos, Nobre é irmão espiritual de Baudelaire, talvez o único bau-
melodramáticos e musicais, um dos precursores do "moder- delairiano autêntico da poesia pós-baudelairiana, enquanto
nismo" hispano-americano. Baudelaire pode ser psicanaliticamente interpretado, assim
O poeta mais original entre os baudelairianos é o por- como Sartre o fêz mais tarde. Uma análise conforme os
tuguês António Nobre ( 6 7 ). A sua poesia apresenta três
princípios de Empson explicaria pela ambiguidade entre o
aspectos diferentes: o europeu, o pessoal, e o português.
desespero ("Ah deixa-me dormir, dormir!", em Males do
Do ponto de vista europeu é Nobre um pós-romântico ana-
Anto) e a vontade de dominar do tísico ("Adeus! eu parto,
crónico, usando o "dandismo" de Byron (que viu através
do romântico português Almeida Garrett), para fazer iro- mas volto, b r e v e . . . " , em Adeus) o colorido singular, forte
nicamente gala da sua tuberculose (Balada do Caixão); é e suave ao mesmo tempo, do verso de Nobre. Simões iden-
irónico como Heine e triste como Laforgue ("O meu cair- tifica a tristeza chorosa de Nobre —
das-folhas em A b r i l . . . " ) , mas com sinceridade completa
que dá o nome certo às coisas ("Mês de novembro, mês dos
t í s i c o s . . . " ) . O estilo poético de António Nobre não é o "Saudade, saudade! palavra tão t r i s t e . . . " —
dos laforguianos comuns.
"Novembro. Só. Meu Deus, que insuportável mundo!" com a própria tradição da poesia portuguesa, da qual êle
É um poeta muito pessoal. João Gaspar Simões anali- teria sido, depois das deformações do pós-romantismo ver-
sou-lhe a angústia que é resultado de um narcisismo infan- balista, o renovador. Outros críticos atacaram, porém, esse
"nacionalismo literário"; não querem admitir aquele tom
choroso das saudades infinitas como típico da poesia por-
66) José Asunción Silva. 1865-1896.
Poesias (Paris, 1883); Poesias (Bogotá, 1896). tuguesa. Em todo caso, António Nobre, poeta intimista e
Edição por C. Garcia Prada, México, 1941.
M. Unam uno: Prólogo à edição das poesias. Barcelona, 1908. psicológico, é o primeiro simbolista, português, precursor
O. G. King: A Citizen of the Twilight: JosÇ Asunción Silva. de Camilo Peçanha. Mas é preciso acrescentar que nem
New York, 1921.
B. Sanin Cano: Prólogo à edição das poesias. Santiago de Chile, todos os críticos admitem essa filiação; ao contrário, a
1923. maioria atribui a paternidade do simbolismo português ao
A. Miramón: José Asunción Silva. Bogotá, 1938.
67) António Nobre, 1867-1900. verlainiano Eugênio de Castro.
Só (1892); Despedidas (1902).
Edição: Só, 7.* ed., Porto, 1944. Verlainianos também havia muitos, até muito mais, e
Visconde de Vila-Moura: António Nobre. Lisboa, 1921.
A. Forjaz de Sampaio: António Nobre. Lisboa, 1921. i m toda parte; quase todos eles também receberam influên-
Cast. Br. Chaves: "António Nobre e o Nacionalismo literário". cias de Samain e dos belgas Rodenbach e Maeterlinck. Ver-
(In: Estudos críticos. Coimbra, 1932).
J. G. Simões: António Nobre, Precursor da Poesia Moderna. Lis- lainianos são Dehmel e Carrère, Annenski e Froeding, o
boa, 1939.
A. F. Nobre: António Nobre e as grandes correntes literárias do Jovem Rilke e o jovem Yeats, para não falar em Dário e inú-
século XIX. 2.» ed. Porto, 1944. meros hispano-americanos. Verlainiano católico foi o brasi-
G. Castilho: António Nobre. Lisboa, 1960.
2648 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2649

leiro Alphonsus de Guimaraens (° 8 ), cujos admiráveis so- repercussão muito grande, se bem efémera. Oaristos saiu
netos místicos e poesias como "A Catedral" e "Vila do em 1890, dois anos antes do Só de António Nobre, em pleno
Carmo" evocam o encanto especial da arquitetura barroca reino do verbalismo hugoniano de Guerra Junqueira. O
das cidades coloniais de Minas Gerais. Verlainiano, se bem livro trouxe uma reforma métrica e uma purificação do
de tonalidade diferente, foi o português Camilo Peça- gosto poético. A poesia, abundante aliás, de Eugênio de
nha (6S>), que viveu como eremita na solidão da colónia de Castro, é a de u m esteticista consumado, dono de todos
Macau, na China; poeta na "torre de marfim" oriental, "so- os valores sugestivos da língua ( " . . . como um fumo su-
nhando. .. de olhos abertos", juntando à musicalidade ver- til"), poesia rica, cosmopolita, mais francesa do que por-
lainiana — tuguesa; João Gaspar Simões tem no entanto razão, ao
afirmar que Eugênio de Castro não se inspirou em Baude-
"Chorai, arcadas, laire nem em Rimbaud nem em Mallarmé, mas nos deca-
Despedaçadas, dentistas de segunda ordem, em Samain e Rodenbach; quan-
Do violoncelo!" — do muito, em Verlaine. Não conseguiu exprimir bem o
a delicadeza de cores da pintura chinesa. Foi um poeta seu pessimismo filosófico em poemas de tamanho maior.
"sem lógica", de imagens puramente sugestivas, simbolista Retirou-se para a atitude de uma resignação nobre, de
que preparou, sem o saber, os caminhos do modernismo. um gosto clássico, identificando-o com a tradição portu-
Mas se tomarmos tal critério, então a paternidade do sim- guesa. Com efeito, foi reconhecido como poeta oficial, e
bolismo português, no sentido mais comum da palavra, cabe isso o deve ter consolado da efemeridade da sua glória
a Eugênio de Castro. universal, que se desvaneceu "como um fumo sutil".
Dois fatos são certos com respeito ao simbolismo de Eugênio de Castro é grande entre os poetas de segun-
Eugênio de Castro (™): a prioridade cronológica e uma da categoria. Na sua poesia há o

68) Alphonsus de Guimaraens, 1871-1921. "Murmúrio da água na clepsidra gotejante,


Setenário das Dores de Nossa Senhora (1899); Dona Mística
(1899); Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923) etc. Lentas gotas de som no relógio da torre,
Edição por Alph. Guimaraens Filho, 2 vols., Rio de Janeiro, 1955. Fio de areia na ampulheta v i g i l a n t e . . . "
Enrique de Resende: Retrato de Alphonsus de Guimaraens. Rio
de Janeiro, 1938.
Henriqueta Lisboa: Alphonsus de Guimaraens. Rio de Janeiro, Ê o único poeta português moderno, entre outros, maiores
1945. do que êle, que foi ouvido no m u n d o . Durante certos anos,
69) Camilo Pessanha, 1871-1926.
Clepsidra (1920). o seu nome foi pronunciado ao lado dos de Maeterlinck e
A. Dias Miguel: Camillo Pessanha. Lisboa, 1956. D'Annunzio. Na França, foi considerado grande poeta fran-
70) Eugênio de Castro, 1869-1944.
Oaristos (1890); Horas (1891); Silva (1894); Interlúnio (1894); cei. Na América espanhola, influenciou os simbolistas
Beikiss (1894); Sagramor (1895); Salomé e Outros Poemas (1896); •través da tradução das suas poesias pelo italiano Vittorino
A Nereide de Harlem (1896); O Rei Galaor (1899); Depois da
Ceifa (1901); A Sombra do Quadrante (1906); O anel de Policra- Pica; e na própria Itália o seu nome foi citado a propósito
tes (1907); Camafeus Romanos (1921) etc. de uma discussão "parecida com a discussão em P o r t u g a l :
Edição das poesias pelo autor, 8 vols. Coimbra, 1927/1940. • • o simbolismo decadentista deve ser considerado como re-
Man. da Silva Gaio: Eugénio de Castro. Lisboa, 1928.
Felic. Ramos: Eugénio de Castro e a Poesia Nova. Lisboa, 1943. novador da poesia nacional ou como influência estrangei-
A. J. da Costa Pimpão: Gente grada. Coimbra, 1952.
2650 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2651

ra, nociva. O sucesso súbito e enorme de D'Annunzio só é a marca da sua personalidade: é insincera e ambiciosa, sem
compreensível como reação contra a "tradição nacional" de originalidade verdadeira; chegou até ao plágio. Apesar
Carducci; e essa reação apoiou-se, com efeito, na influên- de tudo isso, D'Annunzio criou um tesouro poético como
cia francesa, então muito forte na península. poucos outros da sua época. Reuniu ao domínio absoluto
da língua o talento tipicamente italiano de improvisador,
O último representante do autêntico classicismo na-
e outro talento, raro em combinação com aquele, o de ela-
cional italiano fora Leopardi. A arte clássica de Carducci,
borar as improvisações geniais até a perfeição. Imitou
embora de grande poeta, já é, em parte, deformada por in-
e até plagiou com insolência consumada; e, no entanto,
fluências francesas, hugonianas, em parte pelo verbalismo
transformou as sugestões, recebidas de toda a parte, em
patriótico, professoral, antiquizante. Contra este último
poesia pessoal e italiana. Nunca foi mais original do que
reagiram os "scapigliati" ( 71 ) Tarchetti, Praga, Camerana,
nos seus primeiros volumes de poesia — Primo Vere, Can-
decadentistas "avant la l e t t r e " ; mas em vão. Só a voga
to Novo, Intermezzo di rime, apesar do heinianismo e da
simbolista quebrou — e não inteiramente — o domínio car-
influência ainda grande de Carducci, a quem D'Annunzio
ducciano; o porta-voz dessa reação contra o grande pro-
guardou, aliás, sempre veneração comovida. Mas anteci-
fessor de Bolonha e "Poet-Laureate" da nação foi um poe-
pou instintivamente o simbolismo francês, do qual se fêz
ta, que tinha então menos de vinte anos: D'Annunzio.
depois o maior representante italiano: em Isotteo, La Chi-
Uma apreciação justa de D'Annunzio ( 72 ) ainda hoje mera, Elegie romane, Odi navali, Poema Paradisíaco. São
é difícil. O que fazia o encanto da sua arte pertence a um ainda, em parte, temas carduccianos, tratados à maneira
passado que já parece remoto; e o brilho da sua poesia está simbolista. Então D'Annunzio rompeu definitivamente
eclipsado pelas fraquezas notórias da sua natureza humana. com a tradição clássica, leopardiana, entregando a litera-
Sobre o homem D'Annunzio, faiseur mentiroso, impostor, tura italiana à influência francesa. É, porém, preciso ob-
dandy arrogante, político violento e inescrupuloso, já não servar que a literatura italiana de então tinha perdido as
há discussão. A sua literatura não podia deixar de revelar relações com a literatura europeia. D'Annunzio foi o pri-
meiro poeta italiano desde Manzoni que foi ouvido na Eu-
ropa, precisamente porque restabeleceu as relações entre
71) Cf. "Do Realismo ao Naturalismo", nota 150. Roma e Paris. Mas foi a Paris dos decadentistas e do "dan-
72) Gabriele D'Annunzio (pseudónimo de Gaetano Rapagnetta), 1863- dysmo" de Wilde. E D'Annunzio, natureza vulgar, apesar
1938.
(Cf. "O Equilíbrio Europeu", nota 172).
Primo Vere (1879); Canto Nuovo (1882); Intermezzo di rime (1883);
11 Piacere (1889); Isotteo (1890); La Chimera (1890); UInnocente
(1892); Elegie romane (1892); Oiovanni Episcopo (1892); Odi A. Gargiulo: Gabriele D'Annunzio, Napoli, 1912.
Navali (8192); Poema Paradisíaco (1893); Tríonfo delia Morte B. Croce: "Gabriele D'Annunzlo". (In: La Letteratura delia Nuova
(1894); Le Vergini delle Rocce (1896); Sogno d'un mattino di pri- Itália. Vol. IV. 3." ed., Bari. 1929).
mavera (1897); Sogno d'um tramonto d'autunno (1898); La città M. Zanchetti: II sensualismo panteistico di Gabriele D'Annunzio.
morta (1898); La Oioconda (1899); La Gloria (1899); II Fuoco Reggio, 1931.
(1900); Francesca da Rimini (1902); Landi (1903); 1912); La Figlia A. Bruers: Gabriele D'Annunzio. Bologna, 1934.
di Jorio (1904); La Nave (1908); Fedra (1909); Forse che si, F. Flora: Gabriele D'Annunzio. 2.a ed. Messlna, 1935.
forse che no (1910); Le Martyre de St. Sébastien (1911); Notturno L. Russo: D'Annuhzio. Fixenze, 1938.

I
(1921). P. Pancrazi: Studi sul T/Aunumio. Torlno, 1939.
A. Caracolo: D'Annunzio dramaturge. Grenoble, 1952.
Edlçáo: Edizione Nazionale, 49 vote, Milano. 1927/1937. O. Oatti: Vita di Gabriele D'Annunzio. Firenze, 1956.
G. A. Borgese: Gabriele D'Annumio. Napoli, 1909.
2652 Orro MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2653

do aristocratismo fingido, não escolheu muito. Não lhe Mas são teatros de orgias e acabam como sempre acabam as
custou nada exprimir o decadentismo mórbido, fruto da orgias:
sua sensualidade exacerbada, em romances naturalistas, co-
mo iSlnnocente e Giovanni Episcopo, ou então em roman- "Tutta la vita e senza mutamento,
ces esteticistas, como 11 Piacere; ou então, num romance Ha un solo volto la malinconia.
meio arqueológico, meio psicopatológico à maneira de Bru- II pensiere ha per cima la follia
ges-la-Morte, como II Trionfo delia Morte, que é no en- E 1'amore è legato ai tradimento."
tanto o ponto culminante na história da sua prosa poética.
Os d'annunzianos imitaram ao seu ídolo os gestos las-
Enfim, chegou a vez de dramas à maneira de Maeterlinck
civos e pseudo-heróicos. Em torno desse ruído espetacular
— Sogno di un mattino di primavera, Sogno d'un tramonto
deixou D'Annunzio um grande vazio, em que mal se ou-
d'autonno — espectros flamengos na paisagem de Botti-
viram as vozes tímidas dos decadentistas sem poses estu-
celli. Esse grande mestre da palavra foi sempre um dile-
dadas, verlainianos à maneira italiana, latina, quer dizer,
tante, incapaz de tomar a sério a arte. Diletante das sen-
mais intelectuais do que os verlainianos europeus em ge-
sações e sem sentimento, assim definiu-o Croce; amante
ral ; Laforgue exerceu forte influência sobre esses des-
sensual e infiel da poesia como da mulher —
cendentes simbolistas dos "scapigliati", que se chamavam
ou foram chamados "crepuscolari" ( 7 : t ): é a forma italiana
" . . . la lussuria onnipotente, da poesia "fin du siècle."
Madre a tutti i misteri e a tutti i sogni."
Sérgio Corazzini ( 74 ) é a figura mais comovente entre
os "crepuscolari", poeta tísico que morreu com vinte anos
O próprio D'Annunzio deu às angústias pânicas da sua de idade —
sensualidade outra interpretação: falou de "Panismo" da
Terra: "Perche tu mi dici: poeta?
Io non sono un poeta.
"Volontà, Voluttà, Io non sono che un piccolo fanciullo che piange."
Orgoglio, Istinto, quadriga
Imperiale!" —, A forma é de Lagorgue, ao qual lembra um título como Li-
bro per la será delia Dominica e alguma tentativa fraca
"panismo" cuja última encarnação será o heroísmo italiano.
E conseguiu, assim, anestesiar o seu decadentismo fatal,
,n w, Brlnní: La poética dei decadentismo italiano. Firenze, 1036.
sugerir-se a si mesmo outro estilo, novo, que cultivará no O. Petronio: / crepuscolari. Firenze, 1937.
primeiro decénio do século XX, nos dramas Glória e Nave; 74) Sérgio Corazzini, 1887-1907.
L'amaro cálice (1905); Piccolo livre inutile (1906); Libro per la
nas Laudi; e na doutrina nacionalista. Contudo, esse epi- será delia Domenica (1906).
cureu ou cínico, esse alexandrino requintado, esse, pré- Edição por F. M. Martíni, Napoli, 1922.
ceinx do século XX, foi, pelo menos, um paisagista admi- G. Cucchetti: Un antesignano dei Crepuscolari, Sérgio Corazzini.
Venezia, 1929. •
rável, já nas descrições admiráveis de Roma, Sena e Ve- P. Pancrazi: "Corazzini e i crepuscolari". (In: Scrittori italiani dal
neza, mas romances Piacere Trionfo delia Morte e Fuoco. Carducci ai D'Annunzio. Bari, 1937).
F. Donnini: Vita e poesia di Sérgio Corazzini. Torino. 1949.
2634 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2655

de auto-ironia. A categoria dessa poesia é antes a de Sa- como reagiu contra a poesia cívica de Carducci, assim era
main. Mas Corazzini teria sido, se vivesse mais, um grande grande inimigo da poesia d'annunziana, até um antiD'An-
poeta; dispunha de palavras todo pessoais que comovem nunzio. Mas sabia de cor inúmeros trechos do adversário.
para sempre, como nestes versos ao amigo Carlos Simo- A contradição enigmática resolve-se pela análise psicoló-
neschi: gica da sua poesia. Gozzano foi o que D'Annunzio jul-
gava ser: uma alma heróica sem gestos falsos, um sensual
"Cario, malinconia sem mentira, um sonhador sem as máscaras da ambição.
m'ha preso forte, sono Foi artista sério em vez de um virtuose elegante. Evitando
perduto: cosi sia." a frase vazia, chegou a um realismo do qual os seus últimos
poemas dão testemunho impressionante, como aquele so-
Os outros "crepuscolari" Marino Moretti, Fausto Má- bre a sua cidade natal T u r i m :
rio Martini, são todos assim; apenas, sobreviveram e caí-
ram na rotina poética. Diferente só foi outra vítima da tu-
"Come una stampa anti ca bavarese
berculose, Guido Gozzano ( 7 5 ), que se enganava quanto à
Vedo ai tramonto il cielo s u b a l p i n o . . . "
substância da sua poesia, ao ponto de os críticos também
se enganarem durante muito tempo. Declarou-se decaden-
Gozzano exerceu influência considerável sobre a poesia pós-
tista melancólico —
d'annunziana « pós-"crepuscolare"; e exercerá influência
sobre a poesia moderna, até os nossos dias. Acreditava ter
" . . . sento
nascido tarde de mais; mas talvez tivesse nascido muito
d'essere nato troppo tardi";
cedo.
acreditava ser verlainiano, de tristes poemas carnavalescos,
remorsos amargos e "felicita nel obblio". Mas esse poeta da "La bellezza dei giorno
"vita semplice", da vida quotidiana com as suas expressões È tutta nel m a t t i n o . . . "
triviais, nas quais descobriu sentido poético, esse irónico
agudo sem sentimentalismo, era antes um laforguiano. De Mas a transição da poesia italiana, do decadentismo
Laforgue veio, aliás, a fraqueza principal da sua arte, a poe- ao realismo do século XX, não teria sido possível, partin-
sia meio lírica, meio narrativa; mas Gozzano venceu essa do do d'annunzianismo, que condenou os "crepuscolari" à
fraqueza por meio de uma influência inesperada. Assim decadência. Interveio, opondo-se à influência francesa,
uma corrente de poesia especificamente italiana, produto
da decomposição do romantismo. Essa decomposição senti-
75) Guido Gozzano. 1883-1916. mental já principiara, conforme a observação de Groce, em
La via dei rijugio (1906); / Colloqui (1911). Prati ( 7 6 ) ; e chegou a resultados superiores no mais ita-
Edição por Ren. Gozzano, Milano, 1915; nova edição, 5 vote., Mi-
lano, 1934/1938.
V. M. Nicolosi: Guido Gozzano. Torino, 1925.
F. Biondolillo: La poesia di Guido Gozzano. Catania, 1926.
G. Cucchetti: Guido Gozzano. Venezla, 1928. 76) Cf. "Romantismos de oposição", nota 26.
C. Calcaterra: Con Guido Gozzano e altri poeti. Bologna, 1944.
2656 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 2657

liano dos poetas italianos do início d o século X X : em Pas- lia; mas s ó o n o m e . A poesia de Pascoli é tão italina que o s
coli. estrangeiros não podiam bem apreciá-la, n e m compreender
N e n h u m poeta italiano d o s t e m p o s m o d e r n o s foi t ã o as intermináveis d i s c u s s õ e s críticas a s e u respeito. P o i s
l i d o e tão querido pelo s e u p o v o como P a s c o l i ( " ) ; e é pre- isto também é n o t á v e l : e s s e poeta "popular" é até h o j e o
ciso l o g o combater o possível preconceito de tratar-se de um mais estudado e o mais d i s c u t i d o pela crítica universitária.
poeta para o g o s t o vulgar das massas. Pascoli, isto é ver- Pascoli foi romântico ou, antes, póst-romantico, con-
dade, d i f e r e d o s outros grandes poetas italianos d o século tinuando o s e n t i m e n t a l i s m o nervoso d e Prati, mas trans-
pelas origens populares: foi e permaneceu sempre filho d o pondo-o para a região d o i d í l i o . N ã o existe transfiguração
povo, passando a maior parte da vida entre camponeses, v i - mais romântica da paisagem rural italiana do que numa
v e n d o com eles como u m irmão, o u antes como u m T o l s t o i poesia como Romagna:
i t a l i a n o ; m a s porque P a s c o l i era h o m e m erudito, professor
de Universidade, ligando-se ao povo em virtude de senti-
"Sempre un v i l l a g g i o , sempre una campgna
m e n t o s cristãos e c o n v i c ç õ e s sociais. N ã o esqueceu, no e n -
mi ride ai cuore ( o p i a n g e ) , S e v e r i n o :
tanto, a história milenar da sua terra e o s destinos da raça
il paese o v e , andando, ci accompagna
latina. E — dono d e u m talento l i n g u í s t i c o tão extraor-
1'azzurra v i s i o n e di San Marino. . ."
dinário q u e sabia fazer v e r s o s autenticamente poéticos em
latim e g r e g o . — Pascoli foi o poeta das "coisas h u m i l d e s "
E v i d e n t e m e n t e , n ã o há nada d e romantismo nórdico nessa
e, ao m e s m o tempo, autor d e poemas heróico-históricos, pai-
visão. P a s c o l i f o i "romântico rural" assim como o fora V i r -
sagista e intimista, sentimental, socialista, patriota e idí-
g í l i o . Com razão, Croce chamou à s u a poesia "a Arcádia
lico, poeta para t o d o s na Itália e reconhecido como poeta
do camponês italiano". A o r i g e m dessa espontaneidade só
i t a l i a n í s s i m o . O amor geral e a popularidade q u e o cer-
aparentemente ingénua, m a s apoiada e m t o d o s os requin-
caram tornaram-lhe o n o m e também conhecido fora da Ita-
tes da métrica, aliterações e assonâncias, é uma alma d e
criança dentro d e uma i n t e l i g ê n c i a d e artista e filólogo. O
próprio Pascoli, c o n s c i e n t e disso, falou d e
77) Giovanni Pascoli, 1855-1912.
Myricae (1891); Poemetti (1897); Minerva oscura (1898); Lo mi-
rabile visione (1902); In Or San Michele (1903); Canti di Cas- "Anima nostra! f a n c i u l l e t t o m e s t o ! "
telvecchio (1903); Poemi conviviali (1904); Odi e inni (1906);
Nuovi poemetti (1909); Poemi italici (1911) etc.
Edição das poesias por M. Pascoli, 10 vols., Bologna, 1927/1931. B e n e d e t t o Croce j u l g o u c o m severidade essa poesia
E. Cecchi: La poesia di Giovanni Pascoli. Napoli, 1912. "infantil", demonstrando a inconsistência das imagens e
A. Qalletti: La vita e la poesia di Giovanni Pascoli. 2." ed. Bolog-
na, 1924. das metáforas e a construção l ó g i c a d o s poemas. Outros
B. Croce: "Giovanni Pascoli". (In: La Letteratura delia Nuova críticos mais compreensivos descobriram nessa aparente
Itália, vol. IV. M ed. Bari, 1929.
N. Benedetti: Formazione delia poesia pascoliana. Firenze, 1934. falta d e l ó g i c a poética a presença d e u m a outra lógica, e
B. Giuliano: La poesia di Giovanni Pascoli. Bologna, 1938. da música. Pascoli é poeta d e intensa m u s i c a l i d a d e . P o r
R. Viola: Pascoli. 2.» ed. Parna, 1950.
G. Petrocchi: La formazione letteraria di Giovanni Pascoli. Fi- iaao mesmo, Renato Serra d u v i d o u da p r o f u n d i d a d e d o s e u
renze, 1953. humanismo. P a s c o l i não f o i "inteligente". F o i , apenas,
M. Biogini: II poeta solitário. Vida di Giovanni Pascoli. Milano,
1956. menino, dotado d e capacidade poética fabulosa. D a í
2658 OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2659

ser êle, em primeira linha, um grande intimista, sentimen- Com efeito, os "crepuscolari" que sobreviveram à tu-
tal como Coppée e menos romântico (em sentido nórdico) berculose, fortaleceram na leitura de Pascoli o seu gosto
que Laforgue, mas superando até a um Verlaine pela dis- pelo idílio sentimental da vida quotidiana, aproximando-se
ciplina da forma; êle tem um pouco de todos os três, mas do realismo poético de Jammes. Assim Marino Moretti ( T8 ),
sem ter recebido "influência". O "naturalismo" decadente cujas obras Poesie scritte col lápis e Poesie di tutti i gior-
de Pascoli é todo pessoal, deu como resultado um estilo ni o colocam perto dos Colloqui de Gozzano, mas sem o
poético que transfigura de maneira singular os assuntos simbolismo dele. Os elementos simbolistas reencontram-se
mais simples da vida e observações quotidianas — antes no "populismo" de um Fausto Mário Martini; e daí
só é um passo para a angústia poética, social e política dos
"Nel giorno, che lampi! che scoppi! chamados "spiriti di vigília", Boine, Míchelstaedter, Sla-
taper, imediatamente antes de 1914 e do fascismo. Martini
che pace, la será!"
foi daqueles que redescobriram a "Scapigliatura". Ainda
estava vivo, embora esquecido, o último "scapigliato",
Em Pascoli há um simbolismo não-francês em germe, um Dossi ( 7 9 ) ; revelou-o seu amigo e discípulo, o esquisito Lu-
decadentismo nacional, por assim dizer, expressão da in- cini ( 8 0 ), que partiu de uma "scapigliatura crepuscolare"
quietação mórbida da sua alma e origem da sua ambição in- para chegar, enfim, ao futurismo de Marinetti. Mais uma
feliz de criar grandes poemas heróicos. Daí o sentimenta- vez revelam-se aí origens político-sociais do estilo simbo-
lismo retórico das suas poesias patrióticas e sociais, que lista — desta vez a situação incerta da Itália entre paupe-
agradaram igualmente tanto aos socialistas humanitários rismo agrário e industrialização, entre pacifismo humanitá-
como aos cristãos e aos nacionalistas. Daí o colorido in- rio e imperialismo nacionalista.
definível, embora sempre interessante, dos seus poemas
em estilo grego ou pseudogrego. Daí as perspectivas ines- Motivos parecidos estão nas origens do simbolismo in-
peradas que sabia abrir sobre panoramas triviais. glês. O papel da pressão demográfica na Itália foi desem-
penhado, na Inglaterra, pela concorrência estrangeira nos
mercados continentais e coloniais, produzindo, nos últimos
" . . . il sole immenso, dietro le montagne anos de governo da rainha Vitória, certo mal-estar econó-
cala, altissime: crescono già, nere, mico, ainda sem prejudicar sensivelmente a prosperidade.
1'ombre piú grandi d'un piú grande m o n d o . . . " Corresponde, no terreno intelectual e espiritual, um sen-

"Poeta ut puer, puer ut poeta", dizia Croce, julgando a


Pascoli com grande severidade; acusou-o de ter minado 78) Marino Moretti, 1885.
Poesie scritte col lápis (1910); Poesie di tutti i giorni (1911); Poe-
clandestinamente e sutilmente a disciplina carducciana, ter sie <1919) etc.
propiciado a sensualidade d'annunziana, enquanto outros F. Cazzannini-Mussi: Marino Moretti, studio critico. Firenze, 1927.
F. Casnati: Marino Moretti. Milano, 1952.
críticos — naquela grande discussão em torno de Pascoli
79) Cf. 'Do Realismo ao Naturalismo", nota 161.
— defenderam o poeta, considerando-lhe a poesia como an-
80) Gian Piero Lucini 1867-1914.
tídoto contra a falsa retórica, situando-o, embora contra o II libro delle figurazioni ideali (1894); II libro delle immagini terre-
rigor da cronologia, entre D'Annunzio e os "crepuscolari". ne (1898); Revolver ate (1909).
A. U. Tarabori: Gian Piero Lucini. Milano, 1922.
2660 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2661

timento de fadiga, acompanhado de gosto de exibição do movido pela leitura das obras de Newman, e deu o passo
luxo — "conspicuous consumption", conforme a expressão que "Marius, the Epicurean" não dera: converteu-se ao
de Veblen. Esse conjunto de decadentismo e esteticismo catolicismo; ordenou-se p a d r e ; e, com o radicalismo que
poderia criar um estilo simbolista. Mas na Inglaterra, as- sempre o distinguiu, foi mais adiante, fazendo coisa muito
sim como na Itália, havia dois simbolismos: um, de impor- exótica para um inglês vitoriano: entrou na Companhia de
tação estrangeira, francesa, e outro, "simbolismo nacional", Jesus. Então, deixou de faser versos; até, em 1875, um
constituindo o primeiro uma moda literária, enquanto o desastre comovente — o naufrágio do navio Deutschland,
outro foi frustrado. Na Inglaterra de 1890, os esteticistas em que se afogaram cinco religiosas, exiladas da Alemanha
afrancesados, George Moore, o jovem Yeats e a gente do — lhe arrancar o poema The Wreck of the Deutschland,
"Rhymer's Club" monopolizaram a atenção. Mas morrera poema fora de todas as tradições da poesia inglesa, her-
já antes um poeta solitário, cuja resistência contra a tradi- mético, bizarro. Escreveu mais umas noventa poesias e
ção vitoriana fora em vão, ao ponto de êle não publicar uma porção de fragmentos que "não sabia realizar". Não
nada em vida e ser revelado ao mundo só por volta de 1920. publicou nada, e com a sua morte, em 1889, extinguiu-se a
É significativo que Gerard Manley Hopkins — este o poe- sua memória entre os homens, menos entre alguns amigos,
ta — também, tenha sido discípulo do esteticista P a t e r ; entre os quais o poeta académico Robert Bridges, que lhe
mas concerteu-se ao catolicismo, filiando-se à tradição an- publicará, em 1918, a obra póstuma, produzindo uma tem-
tivitoriana de Newman e do Oxford Movement. pestade de sustos e entusiasmos. Compreende-se bem a
Gerard Manley Hopkins (H1) foi o poeta mais excên- admiração dos poetas jovens da Inglaterra do "après-guer-
trico da literatura inglesa; a época vitoriana, obedecendo re" pela poesia do jesuíta. E r a um experimentador auda-
religiosamente a certas normas de sociabilidade, devia ig- cioso, de sensibilidade personalíssima, descobrindo em toda
norá-lo. Discípulo de Pater em Oxford, cidade do fa- a parte coisas novas, nunca vistas, ou como nunca foram
moso Movement, ficou o jovem esteta profundamente co- vistas; exprimindo-se em palavras tampouco ouvidas, neo-
logismos e combinações chocantes de substantivos; usan-
do, em contraste mais chocante, as expressões da língua
81) Gerard Manley Hopkins, 1844-1889. "coloquial", desprezando a dição poética, tradicional desde
Poems (publ. por Robert Bridges, 1918); Letters (1935); Notebooks Milton e Keats. Enfim, os jovens poetas de 1920 admira-
(1937). vam o que teria aturdido os ouvidos dos vitorianos, acostu-
Edição das poesias por W. H. Gardner, Oxford, 1948.
G. F. Lahey: Gerard Manley Hopkins. London, 1930. mados à doce música dos versos de Tennyson: manejou os
W. Empson: Seven Types of Ambiguity. New York, 1931. metros com liberdade incrível, chegando a inventar uma
E. E. Phare: The Poetry of Gerard Manley Hopkins. Combridge,
1933. nova maneira, irregularíssima, de escandir as sílabas no
B. Kelly: Mind anã Poetry of Gerard Manley Hopkins. London. verso, o "Sprung Rhythm". Hopkins não gostava de ad-
1935.
J. Pick: Gerard Manley Hopkins, Priest and Poet. Oxford, 1942. mitir o sentido revolucionário da sua obra. Na sua cor-
W. H. Gardner: Gerard Manley Hopkins. A Study of Poetic Idio- respondência com Bridges e alguns outros amigos — ver-
syncrasy in Relation to Poetic Tradition. 2 vola. London, 1944/1949.
W. A. M. Peters: Gerard Manley Hopkins. A criticai Essay toioards dadeiro repositário * de importantes observações estéticas
the Understanding of his Poetry. Oxford, 1948. — afirmou que o "Sprung R h y t h m " seria o ritmo "natu-
E. Ruggles: Gerard Manley Hopkins. A Life. London, 1948.
G. Grigson: Gerard Manley Hopkins. London, 1955. ral" da poesia, da poesia popular e até da prosa falada.
2662 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2663

Hopkins foi um grande realista. Novos ritmos, novo es- a teoria esquecida de Coleridge sobre as tensões de uma
tilo impuseram-se-lhe para exprimir um novo aspecto do ambiguidade íntima como fonte de grande poesia. No caso,
Universo. Num padre e jesuíta, devia ser um aspecto reli- tratar-se-ia de ambiguidade entre o esteticismo dionisíaco
gioso, aliás em vizinhança perigosa do panteísmo: e o ascetismo jesuítico de Hopkins, discípulo de Pater e
Newman, em luta contínua consigo mesmo. Desse modo,
" T h e World is charged with the grandeur of God." teria Hopkins chegado a um conceito dialético da poesia,
exprimindo-se em termos religiosos. Oxford, a cidade de
A tradição poética inglesa mandara excluir certas coisas Pater e Newman —
e expressões, como "nao-poéticas". Hopkins quis dizer
tudo, porque tudo é criação de Deus. Há, em tudo, sen-
"Towery city and branchy between towers;
tido divino, embora oculto, encoberto. Todas as coisas
Cuckoo-echoing, bel-swarmèd, lark-charmed, rook-
deste mundo são expressões alegóricas do pensamento de
-racked, r i v e r - r o u n d e d . . . "
Deus. Por isso, o poeta também tem o direito de falar
alegòricamente. E Hopkins entregou-se ao hermetismo.
Daí as grandes dificuldades que se opõem à compreensão — foi para Ropkins a Oxford do escolástico medieval Duns
das suas poesias. Foi um hermetismo intencional. Mas a Scotus, asceta místico e apaixonado da natureza; mística e
solidão de Hopkins na casa dos jesuítas não significava paixão — todas essas coisas eram "impossíveis", quase in-
"torre de marfim" mallarmeana. Êle mesmo não teria nun- decentes, na época vitoriana. Hopkins rompeu com o "com-
ca admitido o 'Tart pour l'art"; antecipou-se às acusações promisso vitoriano": entrar na Companhia de Jesus, e des-
possíveis por ser um poeta de evasão, de "escape", criando prezar o metro e a dição poética de Milton eram dois pas-
o neologismo "inscape". A poesia desse ascético apaixona- sos de significação semelhante. No fundo, Hopkins, em-
do era um caminho "para dentro", caminho duro e difícil pregando a "linguagem" coloquial na poesia, retomou a
mas que levava à presença de Deus. atitude de revolução poética onde Wordsworth a abando-
nara. Redescobriu o antimilton, a poesia dialética de Don-
"Be shèlled, eyes, with double dark ne; primeiro para si mesmo, depois para o nosso tempo.
And find the uncreated light." A ambiguidade de Hopkins entre Pater e Newman sig-
nifica: interpretou Pater à maneira de Newman. Quer di-
Em Hopkins havia algo de San Juan de la Cruz. Nem os
zer, "romantizou" Pater; mas "esteticismo neo-romântico"
vitorianos nem os simbolistas à maneira francesa teriam
é mais uma definição do simbolismo. Daí a sinceridade ra-
compreendido os seus símbolos. Só os compreenderão o
dical do "decadentismo" de Hopkins, verdadeira diagnose
modernista T. S. Eliot e os jovens poetas da geração de
da época de crise:
1930, os Auden, Day Lewis, Spender, Mac Neice.
A poesia de Hopkins é tão enigmática como o anacro-
nismo da sua situação entre as épocas; só Rimbaud apre- " T h e times are nigtfall, look, their light grows
senta problema algo semelhante. A propósito do "caso less;
Hopkins" desdobraram J. A. Richards e William Empson T h e times are winter, watch, a world u n d o n e . . . "
2661 OTTO M A R I A CARPEALX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2665

Evidentemente, o sentido imediato destes versos é espiri- Gourmont inglês, autor do livro The Symbolist Movement
tual. Mas também interpretam a situação de Hopkins em in Literature (1899), de grande importância na história
face do seu tempo. A sua poesia parecia mera expressão da poesia inglesa. Symons também era excelente tradutor;
pessoal, personalíssima, solitária. Mas foi uma revolução mas nos seus próprios versos (London Night, 1895; Images
poética, embora ninguém a percebesse. Em 1889, não ha- ol Good and Evil, 1899) não passava de um baudelairiano
via público para Gerard Manley Hopkins S. J . ; e, compre- artificial e verlainiano pouco seguro. No imoralismo, no
endendo isso, o poeta não publicara nada. decadentismo e no misticismo, a insinceridade era a des-
Havia público para Oscar Wilde. Hopkins interpretou graça dos simbolistas ingleses. Alguns tentaram fugir para
a verdade católica, imitando o exemplo de Verlaine; mas
Pater como inquieto religioso; Wilde interpretou-o como
com sucesso duvidoso. Ernest Dowson ( M ) , natureza mór-
esteticista cosmopolita, afrancesado, realizando o ideal de
bida, vacilava entre sensualismo pagão e um catolicismo de
Matthew Arnold de europeizar a ilha britânica. Na diplo-
"prédilection d'artiste"; alguns dos seus versos musicais
macia e na literatura, os ingleses saíram da "splendid iso-
ainda permanecem nas antologias. Lamenta-se a morte pre-
lation", já insustentável em face da concorrência dos paí- matura de Lionel Johnson ( 8 4 ), católico irlandês, talento que
ses continentais nos mercados coloniais. A ilha abriu-se prometeu coisas maiores do que deixou. Em versos belos
às influências estrangeiras. Intensificaram-se as leituras e tradicionais cantou Oxford —
francesas, já tão importantes para Swinburne que agora,
depois da morte de Tennyson e Browning, se encontrava
"The city where the Muses ali have sung"
no zénite da glória. Swinburne também contribuiu para
a interpretação do hedonismo estético de Pater como imo-
— a cidade de Hopkins, do qual êle não tinha conheci-
ralismo. Havia verdadeira importação de decadentismo e
mento e no poema By the Statue ol King Charles at Cha~
misticismo, sensualismo e pseudomisticismo parisienses, ring Cross tinha a coragem de exaltar a memória do rei de-
com muitas lembranças do pré-rafaelismo de Dante Gabriel golado, confrontando-lhe a "passionate tragedy" com o
Rossetti. barulho vazio da cidade moderna. Mas os ideais poéticos de
Assim nasceu o movimento simbolista inglês, a época Lionel Johnson só foram realizados por Francis Trompson.
dos "Eighteen Nineties" ( 8 2 ). Fundou-se o "Rhymer's
Club". E n t r e os membros e simpatizantes estavam o pintor " . . . T h e traffic of Jaco's ladder
decadentista Aubrey Beardsley, o crítico Arthur Symons, Pitched betwixte Heaven ànd Charing Cross" —
os poetas Ernest Dowson e Lionel Johnson, o jovem poeta
irlandês Yeats. Em 1892 publicaram uma antologia, o
83) Ernest Dowson, 1867-1900.
Book oi the Rhymer's Club. Desde 1894, os poetas congre- Verses (1896).
garam-se em torno do Yellow Book de Beardsley, até sur- V. Plarr: Ernest Dowson. London, 1914.
M. Longaker: Ernest Dowson. Philadelphia, 1945.
gir em 1896 a revista Savoy. Dirigiu-a Arthur Symons, o
84) Lionel Johnson, J867-1902.
Poems (1895); Ireland toith Other Poems (1897).
Edição por I. Fletcher, London, 1952.
B. J. Evans: "Lionel Johnson". (In: English Poetry in the Later
82) H. Jackson: The Eighteen Nineties. New York, 1922. Nineteenth Century. London, 1933).
2666 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2667

esses versos de Francis Thompson ( 8 5 ) ligam ao munda- Thompson morreu como mendigo miserável entre os tesou-
nismo algo frívolo do "Rhymer's Club" a mística desse ca- ros acumulados da Inglaterra pós-vitoriana; certamente, na
tólico sincero, não só sincero mas extático. Pela formação agonia, chegou a ver seu Redentor "betwixt Heaven and
pertencia aos "Eighteen Nineties": muito Verlaine, mui- Charing Cross".
to catolicismo francês. Mas amadureceu, dominou — não Na Irlanda católica encontrou o simbolismo de língua
na vida, mas na poesia — os instintos anárquicos; juntou inglesa o apoio mais firme, embora também interviessem
elementos do estilo dos "metaphysical poets", sobretudo perturbações causadas pela influência do decadentismo
de Crashaw, à musicalidade sonora de Keats, chegando a francês; e o catolicismo dos simbolistas irlandeses não é
um simbolismo inglês, cuja fonte, Thompson acreditava muito mais do que o aspecto religioso do nacionalismo ir-
landês, da renascença da alma céltica, romântica por ex-
encontrar no seu admiradíssimo modelo Shelley. Tradu-
celência, predestinada para exprimir-se pela poesia sim-
ziu para a linguagem do catolicismo, religião do dogma da
bolista. Houvera antes a obra de esteticista afrancesado
encarnação, o panteísmo jubiloso de Shelley, encontrando
George Moore; mas este era um espírito lúcido, parisiense,
os vestígios de Deus em toda parte —
anti-clerical, como Anatole France. Deste lado não po-
dia vir o que Matthew Arnold predissera no ensaio On the
"O World invisible, we view thee,
Study of Celtic Literature (1867) e que se realizou, agora,
O World intangible, we touch t h e e . . . "
como Renascença surpreendente da literatura irlandesa,
sob os auspícios do simbolismo ( 8fl ). Um mundo de maravi-
Hoje, já não se admiram tanto como há trinta anos as suas
lhas revelou-se nas poesias e contos do erudito William
odes pindáricas, a famosa T h e Hound of Heaven sobre-
Sharp, o poeta dos Hills of Dream, que usou o pseudónimo
tudo, nas quais a crítica censura a agitação febril. O lugar
céltico Fiona Macleod ( 8 7 ). A crítica costuma compa-
de Thompson como grande poeta católico da Inglaterra
rá-lo a Ossian; assim como Macpherson traduziu as can-
moderna está hoje ocupado por Hopkins. Mas fica, impres-
ções gálicas para a língua pré-romântica do século X V I I I ,
sionante, a sua figura de mendigo franciscano ou antes ver-
assim falam as fadas e bruxas de Sharp a língua de Bau-
lainiano, mais sincero do que Verlaine, passando pela vida
delaire e Verlaine. O sucesso também foi "ossianico"; a
com a fé absoluta, sem compromissos, de um Keirkegaard,
Europa inteira começou a sonhar do "twilight" céltico. Os
exigindo o cristianismo aqui, e já —
poetas e escritores da Renascença irlandesa, quase todos

"And lo, Christ walking on the water,


Not of Gennesareth, but Thames!"
86) E. A. Boyd: Ireland's Literary Renaissance. Dublin, 1918.
D. Morton: The Renaissance of Jrish Poetry. New York, 1930.
87) Fiona Macleod (pseudónimo de William Sharp), 1855-1906.
From the Hills of Dream. Mountain Songs and Island Runes (1897);
85) Francis Thompson, 1860-1907. The Laughter of Peterkin. A ReteUing of Old Tales of the Celtic
Poema (1893); New Poems (1897). Wonderland (1897).
Edição por W. Meynell, 3 vols., New York, 1913. P. E. More: "Fiona Macleod". (In: Shelburne Essays. vol. v m .
E. Meynell: The Life of Francis Thompson. 2.» ed., London, 1926. Nw York, 1913).
R. L. Mégroz: Francis Thompson and His Poetry. London, 1927. S. Fiechter: Von William Sharp zu Fiona Macleod. Tuebingen,
E. D'Alessio: Francis Thompson. Milano, 1937. 1936.
F. Ollveri: Francis Thompson. Torino, 1938.
2660 OTTO M A B I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITF.RATURA OCIDENTAL 2669

eles, ressentem-se da falta de contornos firmes; de certa listas: Edward Martyn ( 9 1 ), o primeiro dramaturgo de re-
frouxidão do pensamento, que então parecia "decadente", nome, deu ao Abbey Theatre peças de problemas e thèses
mas que é propriamente céltica. Tentaram combatê-la, de à maneira de Ibsen. O espírito animador da empresa, Lady
maneira não menos céltica, procurando uma fé religiosa; Gregory ( 9 2 ), buscava inspiração no folclore: criou uma
porque tinham passado pelo agnosticismo inglês, e com série de "farsas", de grande sucesso popular e alto inte-
todo o amor pelo povo irlandês não eram capazes de voltar resse literário. Foi Lady Gregory que chamou para o tea-
ou aderir ao catolicismo ingénuo e fanático desse povo. tro a atenção dum jovem poeta, então submergido nas fan-
Muitos entre eles nasceram protestantes; e mesmo nos ou- tasias da lenda céltica: William Butles Yeats ( M ) . The
tros o catolicismo era antes uma pose literária. Mais ou- Celtic Twilight, assim êle intitulara um dos seus primeiros
tros procuraram em toda a parte do mundo uma religião livros; e em Ossian procurara as suas primeiras inspirações
aceitável. George William Russell ( 8 8 ), famoso sob o pseu- (The Wanderings of Oisin). Foi a fase "pré-histórica" de
dónimo "A E", gastou um grande taleneto poético em ex- Yeats, a do romantismo irlandês, das poesias românticas,
travagâncias de teosofia indiana; Yeats passará, mais vi- que reúnem até hoje as preferências dos antologistas de
torioso, por uma fase parecida. James Stephens ( 8 9 ), ou- gosto vitoriano e do seu público: The Lake Isle of Jnnis-
tro poeta de originalidade impressionante, não se com- free ("I will arise and go now, and go to Jnnisfree. . .") ou
prometeu tanto; em romances como The Crock of Golã The Fiddler of Dooney:
misturou de maneira hoffmannesca e irresponsável a reali-
dade quotidiana e os fantasmas da imaginação céltica; um
"When I play on my fiddle in Dooney,
romance dublinense como The Charmoman's Danghter an-
Folke dance like a wave of the sea;
tecipa o naturalismo-simbolismo de Ulysses, de Joyce.
My cousin is priest in Kilvarnet,
Os "contornos firmes" impõem-se quando o poeta tem My brother in Mocharabuiee."
de criar personagens de carne e osso: no teatro. De um
intenso movimento de companhias de estudantes e outros Mas quem só conhece esse Yeats dos anos de 1890 ignora o
amadores surgiu, em 1904, pela munificência de miss Hor- outro, o grande poeta pós-simbolista. Por isso, a crítica
niman, o Abbey Theatre, em Dublin, o único lugar na Eu- modernista exigiu o desprezo daquelas primeiras poesias
ropa moderna que assistiu ao nascimento de um novo tea- de Yeats, censurando nelas o folclorismo barato, o uso dos
tro nacional ( 0 0 ). Os começos do teatro irlandês eram rea- pitorescos nomes irlandeses, o sentimentalismo feminino.
A reação é justificada; mas não .se pode negar, sincera-

88) George William Russell (AE), 1867-1935.


Collected Poems (1931-1926). 91) Edward Martyn, 1859-1923.
89) James Stephens. 1882-1950. Grangecolman (1912); The Dream Physician (1914).
D. Gwynn: Edward Martyn and the Irish Revival. London, 1930.
The Charwomaris Danghter (1912); The Crock of Golã (1912);
Collected Poems (1926). 92) Isabella Augusta Lady Gregory, 1859-1932.
90) E. A. Boyd: The Contemporary Drama o/ Ireland. Boston, 1917. Irish Plays (1909); Irish Folk-History Plays (1912).
A. E. Malone: The Irish Drama. New York, 1929. A. E. Malone: "The Plays of Lady Gregory". (In: Yale Review,
L. Robinson ed.: Ireland's Abbey Theatre. A History, 1899-1951. XTV, 1925).
London, 1951. 83) Cf. "O Equilíbrio Europeu", nota 204.
,

2670 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2671

mente, a música encantadora daqueles versos; uma poesia apreciadas. A sua herança dramática, fortalecida por um
como " W h e n you Are Old and Grey and Full of Sleep", realismo mais robusto, tornou-se ponto de partida da ati-
com o verso final —
vidade dramatúrgica do seu jovem amigo Synge, que criará
o verdadeiro teatro nacional irlandês.
" . . . And hid his face amid a crowd of stars" — Nem todos os "decadentistas" eram realmente deca-
dentes. Vistos dentro do grande panorama do simbolismo
ficará inesquecível para sempre. Yeats estava aliás cons- europeu, pertencem ao decadentismo; mas vistos dentro
ciente do artificialismo de muitos dos seus primeiros versos: das suas literaturas nacionais desempenham, pelo menos al-
guns entre eles, um papel diferente e até contrário, revivi-
" T h e woods of Arcady are dead, fiçando tradições esquecidas. Foram capazes de vencer o
An over is their antique j o y . . . " decadentismo em si mesmos — as mais das vezes por meio
de nova "evasão", fuga para o seio da Natureza sã. Eis a
Em Londres submergiu no decadentismo do "Rhymers' vitória dos melhores entre os "fantaisistes".
Club"; explorou o folclore irlandês para poesias simbo-
O grande "fantaisiste" sueco do século X V I I I , Bel-
listas; aderiu em Paris ao pseudomisticismo dos "déca-
man, já tinha reunido as características nacionais mais pi-
dents"; começou a misturar, de maneira pouco recomendá-
torescas com requintes de cultura francesa. Criou uma tra-
vel, a lenda céltica e teoremas filosóficos (The Man Who
dição. Levertin, o grande crítico do simbolismo sueco, as-
Dreamed of Faeryland); parecia acabar no neoplatonis-
pirava novamente a uma síntese dessas. E Froeding ( í 4 )
mo de
realizou-a. E r a um poeta-vagabundo, perambulando pela
sua província natal, o Vaermland, sob o céu mais sereno,
"Eternal beauty wandering on her way." quase mediterrâneo, da Suécia. Guitarr och dragharmo-
nika (Guitarra e Sanfona), assim se chamou o primeiro vo-
Mesmo então, o poder musical da sua língua superou as lume dos seus versos; como se os instrumentos da música
falsidades do pensamento poético: popular acompanhassem o poeta genial: danças dos campo-
neses, paródias de lendas, uma canção de crianças em elo-
"Red rose, proud Rose, sad Rose of ali my days! gio do vigário, zombando dele sutilmente, um seminarista
Come near me, while I sing the ancient w a y s . . . " enamorado improvisa uma paráfrase curiosa do Cântico
dos Cânticos, o vento melancólico do outono sussurra nas
Libertou-o o teatro. Yeats era grande admirador de Maeter- árvores; e, de noite, o poeta tem a visão do luar, ilumi-
linck; e no estilo do belga escreveu as suas peças fantás-
ticas, embora de conteúdo nacional: Countess Cathleen,
The Land of Heart's Desire, Cathleen ni Hoolihan. A obri-
gação de dar sentido inteligível ao diálogo, de criar cor- 04) Gustaf Froeding, 1860-1911.
Guitarr och dragharmonika (1890); Nya dikter (1894); Staenk
pos em torno de almas musicais, contribuiu depois para och flickar (1896); Nytt och gammalt (1897); Gralstaenk (1898)
operar a grande transformação na poesia de Yeats. Suas etc.
Edição por F. Boeoek, 16 vols., Stockholm, 1917/1924.
peças não são hoje muito apreciadas; talvez não bastante J. Landqulst: Gustaf Froeding, 2.» ed. Stockholm, 1927.
O. Brandell: Froeding. Stockholm, 1933.
2672 OTTO M A R I A CARPE AI X HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2673

nando o caminho para as escuras portas de bronze de Hodes. sionista Anders Z o r n ; no dialeto de Dalekarlia está parte
Pensa-se em Liliencron, em Burns, em Pascoli ou nos "ca- das canções de "Fridolin", personagem simbólico de poeta
valier poets", ou em todos eles juntos. Froeding é um dos nacional em que Karlfeldt se transfigurou. Na Suécia, não
poetas líricos mais completos de todos os tempos. Aquele pôde faltar o elemento classicista: Karlfeldt interpretou-o,
volume de estreia foi, no entanto, um canto de cisne do em Flora och Pomona e Flora och Bellona, duma maneira
seu romantismo. Em Nya dikter (Novos Poemas) já está
mais objetiva do que rococó, lembrando a Henri de Rég-
pronto seu simbolismo, se bem que continuem reminiscên-
nier; mas a categoria de Karlfeldt é mais alta: seus críticos
cias de melancolia lenaniana e ironia heiniana. Agora pre-
valece a tristeza do vagabundo; entre as árvores dos bus- suecos ousam pronunciar o nome de Goethe. Venceu a de-
ques suecos aparecem-lhe visões mitológicas, como se es- cadência; afirmou a vida. No fundo, era um grande bur-
tivesse no parque de Versalhes; e com a Grécia do Rococó guês, igualmente de grande talento poético. Foi secretário
volta à memória o Rococó da Suécia — é algo como uma da Academia e recebeu, postumamente, o Prémio Nobel.
fase parnasiana, seguida do decadentismo de Staenk och A Europa, que desconhece a poesia sueca interpretou esse
flickar, poderoso monólogo lírico, auto-acusação mazoquis- ato como homenagem patriótica. Mas Karlfeldt foi real-
ta que lembra o colapso de Strindberg naqueles mesmos mente poeta e espírito profundo.
anos. Com efeito, em Froeding também rebentou a loucura;
foi internado no manicômio. Saiu como homem quebrado, Dominar a decadência é um dos fins característicos do
pietista, arrependendo-se publicamente da sua poesia "in- verdadeiro simbolismo. Alguns simbolistas, e dos maiores,
decente e blasfema". Froeding "renasceu" para um misti- serão no século XX profetas de doutrinas de ação:
cismo teosófico, parecido com as teosofias de Strindberg
D'Anuunzio, George, Yeats. Nas "novas" literaturas euro-
e Yeats. Interpretou Nietzsche de maneira muito pessoal,
peias — quer dizer, literaturas também velhas, mas ador-
no sentido de um cristianismo "ardente", dionisíaco; criou
o símbolo wagneriano do "Graal" sob cujos auspícios se mecidas ou petrificadas durante muito tempo, — os deca-
julgava "renovado" para anunciar ao mundo uma nova re- dentistas desempenharam paradoxalmente o papel de reno-
ligião mística. Na verdade, Froeding não recuperou nunca vadores. Ao simbolismo devem-se a Renascença irlandesa
inteiramente a saúde mental perdida. O meio-dia sereno e as renascenças quase simultâneas das literaturas polo-
do simbolismo sueco veio com Karfeldt ( 9 8 ), mais viril — nesas, tcheca e holandesa; e o estabelecimento de novos
e mais burguês. A sua terra natal é Dalekarlia, a provín- centros literários na Bélgica, na Áustria e na América La-
cia dos camponeses mais robustos da Suécia; e a paisagem
tina.
dessa província forneceu à sua poesia as imagens mais en-
cantadoras, lembrando os quadros do grande pintor impres- A literatura polonesa estava sonolenta desde os dias
dos três grandes românticos Mickewicz; Slowacki e Kra-
sinski; dominaram-na o pós-romantismo popular de Sien-
85) Axel Karlfeldt, 1864-1931. kiewicz e o positivismo de Swientochowski. Mas Zeromski
Fridolina visor (1895); Dalmalningar pa rim (1901); Fridolins
lustgard (1901); Flora och Pomona (1906); Flora och Bellona e Berent já participaram da renovação, que foi chefiada
(1918); Hosthorn (1927). por um dos decadentistas mais mórbidos da Europa de
T. Fogelquist: Axel Karlfeldt. 2.» ed. Stocfcholm, 1940.
2674 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2675

1890: Przybyszewski ( 0 6 ). Antes de conhecer o simbolismo pseudónimo de "Miriam" para assinar as suas poesias e,
francês viveu no meio da boémia de Berlim, ao lado de sobretudo, as traduções congeniais de Baudelaire, Mallar-
Strindberg (que o retratou, em Inferno, de maneira satíri- raé, Maeterlinck e outros simbolistas. "Miriam", mais do
ca, como pianista efeminado, tocando dia e noite Chopin que Przybyszewski, iniciou a era do simbolismo polo-
para fazer enlouquecer os seus inimigos). Naquele tempo n ê s ^ 8 ) ; seu maior poeta é Staff ( u o ), artista de cultura
escreveu Przybyszewski, em língua alemã e, aliás, em estilo formal quase latina, considerado como o clássico da poe-
brilhante, uma brochura sobre Chopin e Nietzsche, cele- sia polonesa moderna. Influências germânicas prevalece-
brando o músico e o filósofo como precursores do simbo-
ram em Rydel ( 10 °), cujo drama fantástico O Circulo Má-
lismo decadentista: só a sensibilidade exacerbada do neu-
gico se distingue do modelo maeterlinckiano pela explora-
rastênico mórbido seria capaz de criar novos órgãos de
ção de material folclórico, misturando os costumes dos
percepção do mundo invisível e dos movimentos psicofi-
camponeses da região de Cracóvia e os encantos das histó-
siológicos (e psicopatológicos), especialmente na esfera
rias de fadas. O elemento folclórico domina os contos rústi-
da sexualidade. As obras principais de Przybyszewski, os
cos de Tetmajer ( 1 0 1 ) ; sua coleção Nos Rochedos do Po-
romances Homo Sapiens e Os Filhos de Satã, pretendem
dhale, escrita no próprio dialeto da região, é uma das rap-
transfigurar esse sexualismo místico e anarquismo deca-
sódias mais eloquentes que já se dedicaram a um povo de
dente, seguido por um De Profundis; em Filhos da Terra,
o escritor j á sacrifica ao nacionalismo polonês. E m 1897 camponeses. Tetmajer fora decadente desesperado e erótico
fundou Przybyzewski, em Cracóvia, a revista Zycie (A violento; na atmosfera das montanhas recuperou a saúde
Vida), órgão da "Polónia Jovem". Operou-se uma revi- mental. Sem a mesma grandeza poética é o pós-romantismo
são radical dos valores literários tradicionais. Mickiewicz regionalista dos epígonos como Zegadlowicz ( 1 0 2 ), "o poe-
foi relegado para segundo plano; foi substituído, no lugar ta das Beskides", poeta popular e vulgar, representando a
do maior poeta polonês, por Slowacki, em quem se reco- deterioração do decadentismo polonês.
nheceu o Chelley da Polónia, o precursor do simbolismo. O pecado original do decadentismo polonês — e de
Os "jovens poloneses" descobriram o esquecido Norwid, todo o simbolismo europeu — foi o individualismo exage-
seu Poe nacional, cujas obras inéditas ou inacessíveis fo-
ram publicadas pelo poeta Przesmycki (° 7 ), que usava o 98) W. Feldman: A Literatura Polonesa Contemporânea. 8.» ed., Kra-
ków, 1930 (em língua polonesa).
99) Leopold Staff, 1878-1957.
Sonhos do Poder (1901); O Ramo de Flores (1908); O sorriso das
horas (1910); O vinho do amor (1921) ? A cor do mel (1936); Gra-
96) Stanislaw Przybyszewski, 1868-1027. ma (1954) etc.
Zur Psychologie des Individuums (1892); Nos Caminhos da Alma J. W. Gomulicki e J. Tuwim: Homenagem a Leopold Staff. Wars-
(1900) ;Homo Sapiens (1901); A Dança do Amor e da Morte (1901;) zawa, 1949 (em língua polonesa).
Neste Vale de Lágrimas (1901); A Mãe (1903); A Neve (1903); 100) Lucjan Rydel. 1870-1918.
De Profundis (1904); Os Filhos de Satã (1904); Os Filhos da Circulo Mágico (1900).
Terra (1909); Chopin e o Povo (1910); O Homem Forte (1912/1913).
K. Cyps: Do naturalismo ao misticismo. Stanislaw Przybyszewski. 101) Kazimierz Tetmajer, 1865-1940.
Warszawa, 1923 (em língua polonesa). Nos Rochedos do Podhale (1904/1914); Poesias (1891, 1894, 1898,
M. Herman: Stanislaw Przybyszewski, un sataniste polonais. Pa- 1900, 1905).
ris, 1939. A. Maranowski:' Kazimierz Tetmajer. Kraków, 1911 (em língua
polonesa).
97) Zeon Przesmycki (pseudónimo: Miriam), 1861-1944. 102) Emil Zegadlowicz, 1888-1941.
Encanto da Mocidade (1892).
Imagens (1916); Baladas (1918); Casa Junipero (1927).
*^

2676 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2677

rado, com as suas consequências de aristocratismo artifi- liana: foi poeta, dramaturgo, pintor — e grande pintor —
cial e esnobístico. Dominou-o, pelo espírito da religiosi- mestre de todas as artes decorativas, diretor de teatro; so-
dade eslava, o poeta Kasprowicz ( 1 0 S ), o maior poeta da bretudo diretor de teatro. Assim como Wagner, pretendia
Polónia moderna. Mas foi uma salvação individual; a na- pôr todas as artes a serviço do teatro para criar um con-
ção polonesa, dispersada entre os três colossos — o russo, junto eficiente, capaz de impressionar a nação inteira —
o alemão e austríaco — continuava vítima de desesperos esta foi a sua maior ambição de tribuno nato, que se ex-
sentimentais ou do romantismo fácil que se narcotizou com prime pela poesia simbolista.
a glorificação do passado e esperava a libertação por um
milagre. O simbolismo de Przyszewski e da "Polónia J o - As peças dramáticas de Wyspianski, quase todas de
vem" só vestira de novas formas fascinantes a velha misé- primeira ordem, dividem-se em duas séries diferentes: a
ria política e sentimental. histórica e a mitológica. Lenda, Boleslaw, o Temerário —
a obra-prima da série — e Skalka apresentam assuntos da
Wyspiansk ( 1 0 4 ), que despertou a nação desse sonho,
lenda histórica ou da história da Polónia. Protesilaos
não é só uma grande figura da história do espírito lite-
e Laodamia, Achilleis e A Volta de Ulisses tratam, no mes-
rário e político da Polónia. Havia inúmeras tentativas dos
mo estilo simbólico, assuntos da Antiguidade grega. Nas
simbolistas de conquistar o teatro, mas não foram muito
duas séries, Wyspianski parece esteticista puro, fora de
felizes; até o próprio Maeterlinck triunfou só pelo com-
primisso com as necessidades da bilheteria, em Monna todas as realidades atuais; mas já no seu primeiro drama
Vanna. Com Wyspianski, porém, o simbolismo, na sua ex- Daniel, publicado postumamente, declarara: " E u sou só
pressão mais pura, conquistou o teatro, porque a forma imaginação; eu sou só poesia; eu sou só alma. Mas depois
incluiu uma nova ideia dramática. Como todos os simbo- de mim virá uma força, nascida de minha palavra, uma
listas poloneses que pretenderam filiar-se a uma tradição força que romperá as cadeias e restabelecerá o Estado". No
poética nacional, Wyspianski tomou como ponto de par- simbolista existia um profeta nacional. Mas o Estado
tida da sua poesia a arte de Slowack, imitando-o de perto nacional que desejava tanto não era o dos românticos e
em poemas épicos da história polonesa. Mas as suas am- aristocratas passadistas. Wyspianki estava muito perto do
bições foram maiores. Wyspiansk foi comparado, et pour socialismo; e nas profundidades da alma popular desejava
cause, aos grandes génios universais da Renascença ita- êle ressuscitar a Renascença nacional. Em A Maldição,
tragédia grega no ambiente de uma aldeia polonesa, apo-
derou-se do material folclórico dos Rydel e Tetmajer; e
103) Cf. 'Conversão do naturalismo", nota 56. no Casamento chegou, pelo mesmo caminho, ao cume da
104) Stanislaw Wyspianski, 1869-1907. í»ua a r t e : numa aldeia polonesa celebra-se o casamento en-
Lenda (1897); Warszawianka (1898); Leleivel (1899); Protesilaos tre um aristocrata e uma filha do povo — sonho de união
e Laodamia (1899); A Maldição (1900); A Legião (1900); O Ca-
samento (1901); Boleslaw, o Temerário (1903); Achilleis (1903); nacional dos românticos — e convidam-se todos, todos que
Redenção (1903); Noite de Novembro (1904); Acropolis (1904); A quiserem vir; e com os convidados, que representam todas
Volta de Ulisses (1904); Skalka (1906); O Julgamento (1907).
A Siedlecki-Grzywaia: Wyspianski. 2.a ed. Kraków, 1919 (em •s classe da sociedade, também chegam fantamas: as gran-
língua polonesa). des figuras da lenda e história polonesa, misturando-se com
E. Trojanowski: Wyspianski. Warszawa, 1928 (em língua polo-
nesa) . 08 representantes da Polónia moderna. E m excitação geral,
C. Backvis: Le dramaturge Wyspianski. Paris, 1952 .
2678 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2679

quase mística, espera-se o sinal da misteriosa "buzina de Todas as "pequenas" literaturas da Europa oriental re-
ouro" que deveria chamar o povo para o renascimento da ceberam, então, a influência tonificante do simbolismo.
Polónia; mas ninguém tocará nunca a buzina de ouro, por- Entre os croatas e sérvios, o esteticista Vojnovic ainda re-
que está perdida na floresta do falso romantismo, e o fim presentava o saudosismo da "idade áurea" de Ragusa, e
da grande festa é uma melancólica dança popular dos fan- Strahimir Kranjcevic o decadentismo pessimista e requin-
tasmas e dos poloneses reais, enfim despertados para a rea- tado. As duas correntes reúnem-se na poesia nobre, aris-
lidade. Wyspianki não deixou em desespero os seus pa- tocrática e popular ao mesmo tempo, do parnasiano-simbo-
trícios. Em quatro outras peças, que são as de maior força lista Jovan Ducic. Até na literatura realmente pequena
dramática e efeito cénico, representou a revolução polo- dos eslovenos havia uma renovação integral pelo simbo-
nesa de 1831; e em Acropolis revelou o sentido do seu gre- lista Zupancic. O círculo dos simbolismos eslavos apro-
cismo: na catedral de Cracóvia, panteão dos santos e reis ximou-se cada vez mais, como em círculos concêntricos, de
da Polónia, o sarcófago de São Estanislau se decompõe em Viena, capital alemã daquela grande comunidade eslava
poeira, os salmos se calam e os deuses pagãos são entroni- que foi a Áustria imperial. O círculo fechou-se pelo sim-
zados. O teatro de Wyspianski fora "Teatro Nacional" no bolismo tcheco.
mais alto sentido da palavra e, portanto, um "Theatrum A renovação da literatura tcheca ( , 0 6 ) , romântica por
Mundi". excelência e presidida pelo parnasianismo eclético de
Na literatura da época existe só mais um caso assim Vrchlicky, tinha um grande precursor em Julius Zeyer
de poeta como voz de consciência nacional: foi Kostis Pa- ( 1 0 7 ). Ao lado de Vrchlicky e sem tomar conhecimento
lamas ( 1 0 B ), o maior poeta da literatura neogrega, nobre das tempestades sociais que acharam expressão nas Can-
poeta filosófico, meio parnasiano, meio simbolista; autor ções Silesianas de Bezruc, Zeyer levou a vida de um mon-
do poema narrativo O Dodecálogo do Cigano, em que o ge do esteticismo, algo parecida com a de Pater — na Idade
chefe de um grupo de ciganos se opõe ao imperador de Média houvera, aliás, relações espirituais íntimas entre
Bizâncio, profetizando-lhe o fim da sua romântica magni- Praga e Oxford. Zeyer desprezava o romantismo francês
ficência imperial. Na luta que havia na Grécia entre os o modelo de Vrchlicky, que lhe parecia vulgar. Discípulo
partidários do uso da língua antiga e os partidários do dos pré-rafaelistas ingleses, amava tudo o que é precioso,
neogrego, Palamas decidiu em favor do "uso moderno"; arcaico, exótico: escreveu versões muito pessoais de len-
mas fêz da língua popular o vaso de um pensamento de das tchecas, romances de cavalaria, comédias de capa y
grandeza clássica, conclamando as forças da realidade con-
tra o falso romantismo.
106) F. X. Salda: A Literatura Tcheca Moderna. Praha, 1909.
107) Julius Zeyer, 1841-1901.
165) Kostis Palamas, 1859-1943. O Romance da Amizade Fiel de Amis e Amil (1880); Vysehrad
Vida Imutável (1904); Grammata (1904/1908); O Dodecélogo do (1886); Anais do Amor (1889/1892); Jan Maria Plojhar (1891);
Cigano (1907); Cidade e Solidão (1912); Fora do Tempo (1919). Epopeia Carolingia (1895); Três Lendas do Crucifixo (1885);
A. Thrylos: Kostis Palamas. Athenas, 1924 (em língua neo- As Três Experiências de Veit Choráz (1899).
grega) . Edição por M. Kalasova, 34 voLs., Praha, 1901/1907.
K. Palamas: A Minha Obra Poética. Athenas, 1933 (em língua F. Krejci: Julius Zeyer. Praha, 1901 (em língua tcheca).
neo-grega). J. Vobornik: Julius Zeyer. Praha, 1907 (em língua tcheca).
R. J. H. Jenklns: Palamas. London, 1947. J. S. Kvapil: Zeyer, o gótico. Praha, 1942 (em língua tcheca).
2680 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2681

espada em língua suntuosa, sem aprofundar muito os seus de maneira pessoal, só o conseguiu Sova ( n l ) , embora os-
modelos. Vestiu-se de mil fantasias. Foi inevitável, enfim, cilando, durante muito tempo, entre violenta poesia satí-
rica contra a época burguesa e canções desesperadas de de-
o cansaço mental, o esgotamento. No romance Jan Maria
cadente simbolista; encontrou a saúde na sua terra, a Mo-
Plojhar, Zeyer descreveu a vida vazia do esteta rico en-
rávia, da qual se tornou paisagista comovido. Foi um poeta
t r e os tesouros artísticos da Itália, até o colapso e a conver-
intimista como Pascoli; e, como este, estragou muitos ver-
são, embora não sem aludir ao infeliz destino político de
sos seus pela obrigação imposta a todos os poetas tchecos
sua pátria. Três Lendas do Crucifixo foi a obra mais sin- e até ao esteta Zeyer, de fazer propaganda patriótica e
cera desse grande sensitivo Julius Zeyer. nacionalista.
Os jovens poetas tchecos começaram a apreciar e exal-
Já além da decadência está Brezina ( u 2 ) , o maior poeta
tar Zeyer como o Baudelaire ou o Mallarmé nacional, quan-
de língua tcheca depois do romântico Macha. Eslavo tí-
do conheceram o simbolismo francês. Intermediário foi
pico, possuído de angústias religiosas, recebeu forte in-
o crítico Salda ( 1 0 8 ), o Gourmont tcheco, prosador dos fluência de Dostoievski e Soloviev, elaborando um credo
mais finos, analista penetrante, que partiu de Taine, che- teosófico, algo como uma versão eslava da filosofia de
gando através do simbolismo a Dostoievski; nos últimos Yeats. A forma da sua poesia é, porém, diferente: são
anos da sua vida, o incansável será o campeão do surrea- grandes odes em verso livre, à maneira de W h i t m a n . Tí-
lismo. Êle mesmo dominou a decadência em s i ; mas pouco tulos como A urora no Ocidente, Os Construtores do Tem-
o imitaram nisso os discípulos que tinha iniciado na poesia plo, Mãos, dão alguma ideia do que é essa poesia hínica, de
francesa. O maior desses decadentes, o fantástico Kará- grandes perspectivas e horizontes espirituais ilimitados,
sek ( , n 0 ) , chegou a competir com o mestre, editando desde anunciando auroras misteriosas; poesia pindárica que foi
1894 a Revista Moderna, centro da literatura de Praga. In- escrita por um modesto funcionário público, escondendo-
fluências russas intervieram na arte novelística do poeta se sob um pseudónimo que significa em eslavo "Alguém";
simbolista Sramek ( n 0 ) , cujos dramas de sexualidade ado- poesia da qual os esteticistas sonhadores e estadistas inep-
lescente, instintos selvagens e angústia torturante se pas- tos de Viena, tão perto da terra de Brezina, não toma-
sam nos bairros históricos da Praga que Sramek sabia des- ram conhecimento.
crever como ninguém antes. Karásek converteu-se ao ca-
tolicismo; Sramek, ao socialismo. Dominar a decadência
111) Antonín Sova, 1864-1928.
Dores. Calmadas (1897); Voltaremos U900); Aventuras da Alma
(1906); Poesia do Amor (1907); Toma Bojar (1910); Livro dos
Camponeses (1915); Cançõts da Terra (1918).
108) Frantisek Xaver Salda, 1868-1936. L. N. Zverina: Antonin Sova. Praha, 1919 (em língua tcheca).
Lutas de Aurora (1905); Alma e Obra (1913). 112) Otokar Brezina (pseudónimo de Václav Jebavy), 1868-1929.
F. Goetz: Franz Xaver Salda. Praha, 1937 (em língua tcheca). Aurora no Ocidente (1896); Monções (1897); Os Construtores do
Templo (1899); Mãos (1901).
109) Jlrl Karásek ze Lvovlc, 1871. P. Selver: Otokar Brezina. A Study in Czech Literature. London,
Sexus necans (1897); Conversas com a Morte (1904); Endymion 1921.
(1909); A Ilha dos Exilados (1912). A. Vesely: Otokdr Brezina. Praha, 1928 (em língua tcheca).
110) Frana Sramek, 1877-1952. P. Fraenkel: Otokar Brezina. A origem de sua Obra, Praha, 1937.
Vento de Prata (1910); O Corpo (1919). (em língua tcheca).
J. Knap: Frana Sramek. Praha, 1937 (em língua tcheca). O. Kralik: Otokar Brezina. Praha, 1948 (em língua tcheca).
2682 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2683

O simbolismo tcheco, mais suave que o polonês, re- maneira de W i l d e e menos sucesso com um ciclo de roman-
vela a influência da atmosfera de Viena, capital do Impé- ces em que pretendeu apresentar o panorama de Viena de
rio dos Habsburgos, já decadente, ameaçado pelo perigo 1900 e 1910. Percorreu, com sinceridade duvidosa, todas as
pan-eslavista. Os estadistas e militares austríacos preten- fases possíveis: nacionalismo alemão, socialismo marxista,
diam defender-se pela aliança com a Alemanha, por tru- nacionalismo à maneira francesa, simbolismo decadentista,
ques diplomáticos e armamento mal organizado. O povo neo-nacionalismo austríaco — movimento efémero para
dividiu-se em operários socialistas, cada vez mais unidos, criar uma consciência de Estado no Império multinacional
influindo na política, mas sem chefes intelectuais, e pe- — e, enfim, o catolicismo romano, que lhe parecia a reli-
quenos-burgueses agitados, anti-semitas que responsabi- gião especificamente austríaca, assim como o barroco teria
lizaram por todos os males a rica burguesia judia de Viena; sido e estilo especificamente austríaco. Com isso está tra-
enquanto os eslavos, os tchecos, os poloneses, os croatas, çado o caminho da nova literatura austríaca, tão brilhante
e não menos os húngaros e os romenos revelaram cada vez e tão efémera como, na mesma época, a "Renaissance bel-
mais tendências centrífugas, antiaustríacas e anti-habsbúr- ge". Bahr foi um grande animador. Começou a lutar con-
gicas. Acima dessa massa em abulição estava a alta buro- tra o realismo provinciano dos Rosegger. Anzcngruber e
cracia e o oficialato do exército, gente sem nacionalidade Ebner-Eschenbach, fazendo a propaganda de Zola. Mas os
definida, com nomes e títulos de nobreza alemães, mas de austríacos não gostaram muito das violências do natura-
origens alemãs, húngaras e eslavas, com forte participação lismo. Depois, em Paris, Bahr conheceu o simbolismo.
dos judeus vienenses. Burocratas, oficiais e judeus, uma Num panfleto de 1891 proclamou a morte do naturalismo.
elite altamente cultivada, fatigada e decadente, criaram a Em 1893, fundou a revista Die Zeit (O Tempo), para bo-
nova literatura austríaca ( 1 1 3 ), literatura de evasionismo, a tar Viena "up to date". Aos jovens poetas vienenses, to-
primeira literatura simbolista em língua alemã, antes de dos eles muito nervosos e decadentes, que se reuniram no
o simbolismo penetrar na própria Alemanha. Café Griensteidl — Hofmannsthal, Altenberg, Rilke, Kraus
Pioneiro foi o crítico Hermann Bahr ( 1 1 4 ), espírito — Bahr parecia político de mais e não bastante poético.
inquieto, homem de múltiplos talentos mas sem força cria- Fundaram em 1896 a revista Wiener Rundschau; Kraus
dora: teve sucessos efémeros com numerosas comédias à tornou-se independente, lançou contra os companheiros o
panfleto Die demolierte Literatur (A Literatura Des-
truída), retirando-se para a sua revista satírica Die Fa-
113) A Maderno: Die deutsch-oesterreichische Dichtung der Gegen-
wart. Leipzig, 1020 . ckel, que redigiu sozinho durante mais de trinta anos, fa-
G. Bianquia: La poésie autrichienne, de Hofmannsthal à Rilke. zendo o comentário mordas do movimento.
Paris, 1026.
Como um espelho fiel desse mundo agonizante afigu-
114) Hermann Bahr, 1863-1034
Der Krampus (1020); Der Meister (1003); Das Konzert (1011) ra-se hoje a obra de Schnitzler ( 1 1 B ), o poeta do "sucesses
etc, e t c ; Die Rahl (1008); Drut (1000); O Mensch! (1010);
Himmeljahrt (1016); Rotte Korah (1018); — Zur Kritik der Mo-
derne (1800); Die Ueberwindung des Naturalismus (1801); Re-
naissance (1807); Wiener Theater (18O0); Sezession (1000); Wien llfi) Arthur Schnitzler, 1862-1031.
(1007); Austríaca (1013); Summula (1021) Anatol (1802); Sterben (1804); Liebelei (1805); Der gruene Kakadu
W. Handl: Hermann Bahr. Berlln, 1013. (1800); Reigen (1000); Der Schleier der Beatrice (1000); Leutnant
H. Kindermann: Hermann Bahr. Ein Leben fuer das europeis- Gustl (1001); Frau Bertha Garlan (1001); Lebendige Stunden
che Theater. Muenster, 1054. (1002); Der einsame Weg (1003); Der Weg ins Freie (1008);
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Maedel", d a "pequena v i e n e n s e " ; não está esquecido d e p e r v a l o r i z a r a m a v i d a s e x u a l , tem, a m e s m a o r i g e m a força


todo, m a s j á n ã o aconteceria o q u e era comum p o r volta penetrante da sua crítica da burguesia vienense, em comé-
d e 1905: q u e a s s u a s n o v e l a s s e t r a d u z i r a m a t é n a A m é r i c a dias ligeiramente ibsenianas. Afinal, o autor d a comédia
c a s s u a s c o m é d i a s se r e p r e s e n t a r a m a t é n o J a p ã o . A s p o l í t i c a Professor Bernhardi tornou-se crítico d a deca-
o b r a s d e S c h n i t z l e r p a s s a m - s e n a V i e n a d e 1890, d e s c r i t a d ê n c i a d a p r ó p r i a Á u s t r i a , q u e , d e p o i s d e 1918, p a r e c i a d e -
com r e a l i s m o s i n c e r o ; o p a p e l p r i n c i p a l cabe a o s e x o . M a s cadência da E u r o p a . J á havia dois decénios que Schnitzler,
Schnitzler n ã o foi, evidentemente, u m naturalista comum. na novela Leutnant Gustl (Tenente Augusto), tinha an-
A o pessimismo irónico de "omne animal post coitum tris- tecipado o " m o n ó l o g o i n t e r i o r " d e J o y c e . A g o r a v o l t o u ,
t e " juntou u m a poesia intensa, a própria atmosfera das noi- em Fraeulein Else (Senhorita Elsa), ao m e s m o processo
tes de verão de Viena. " M a u p a s s a n t plus V e r l a i n e " seria p a r a d e f i n i r a d e c o m p o s i ç ã o m o r a l d a s u a c i d a d e ; m a s foi
a fórmula para definir o cronista da "jeunesse dorée" de como uma homenagem fúnebre, u m último retrato da Vie-
V i e n a . O a m o r e m t o d o s os s e u s a s p e c t o s é q u a s e o ú n i c o na de outrora.
assunto d e Schnitzler: as cenas ligeiras entre u m D o n Comentário poético à obra de Schnitzler parecem as
J u a n v i e n e n s e e m u l h e r e s d e t o d a a e s p é c i e , em Anatol; crónicas jornalísticas d e Altenber ( n o ) , autênticos poemas
a t r a g é d i a d a p e q u e n a a b a n d o n a d a , e m Liebelei (Namoro); em prosa, d o poeta das meninas e das pobres prostitutas,
uma série de cenas audaciosas e humorísticas d e encontros d o s j a r d i n s e m o n t a n h a s d e V i e n a — A l t e n b e r g foi o t r o -
b r u t a l m e n t e e r ó t i c o s , e m Reigen (Ronda). S ã o as obras vador d a cidade, mendigo perdido nas ruas como Ver-
m a i s famosas d e Schnitzler, n a s quais o naturalismo está laine. Ê l e e S c h n i t z l e r a l c a n ç a r a m f a m a m u n d i a l j u s t a m e n t e
a t e n u a d o p o r u m a g r a ç a leve, q u a s e c o m o d e p i n t u r a j a - pelo regionalismo, ao passo q u e o simbolismo vienense à
ponesa, e a p r o f u n d a d o p e l a c u r i o s i d a d e p s i c o l ó g i c a d o m a n e i r a f r a n c e s a s ó teve r e p e r c u s s ã o l o c a l . A s s i m o Car-
m é d i c o q u e S c h n i t z l e r f o i . N a n o v e l a Sterben (Agonia) deu ten der Erkenntnis (O Jardim da Sabedoria), obra de ado-
uma análise magistral dos sentimentos de u m tuberculoso lescente e única obra d o aristocrata A n d r i a n ( l 1 7 ) , expres-
moribundo; e já nas suas primeiras obras encontram-se são s u p r e m a d a d e c a d ê n c i a d a v e l h a Á u s t r i a c a t ó l i c a e
antecipações da psicanálise de Freud, depois seu amigo. meios espanhola. Assim as poucas obras de Beer-Hof-
O cepticismo d o psicólogo inspirou-lhe a frase quase de maun (118), dono de uma linguagem poética de inédita in-
P a t e r : " A vida está n a intensidade, n ã o n o t e m p o " ; e u m a
ironia de desilusão dolorosa constitui o fundo do seu h e -
116) Peter Altenberg (pseudónimo de Richard Englaender), 1859-1919.
donismo alegre. Schnitzler era judeu, numa época d e forte Wie ich es sehe (1899); Was der Tag mir zutraegt (1900): Pró-
anti-semitismo; excluídos d a vida publica, os judeus su- dromos (1905) etc.
E. Friedell: Ecce Poeta. Berlin, 1912.
117) Leopold Andrian, 1875-1952.
Der Garten der Erkenntnis (1895).
Ch. Du Bos: "Leopold Andrian". (In: Approximations. vol. V.
ites weite Land (1910); Der junge Medardus (1910); Professor Paris, 1932).
Bernhardi (1912); Komoedie der Worte (1915); Fraeulein Else 118) Richard Beer-Hofmann, 1866-1945.
(1924) etc. Der Tod Qeorgs (1900); JDer Graf von Charolais (1904); Jaakobs
Edição (incompleta) pelo autor, 7 vols. Berlin, 1918. Traum (1918); Der junge David (1934).
J. Koerner: Arthur Schnitzlers Qestalten und Probleme. Wien, Th. Reik: Das Werk Richard Beer-Hofmanns. Wien, 1919.
1921. S. Liptzin: Richard Beer-Hofmann. New York, 1936.
R. Specht: Arthur Schnitzler. Berlin, 1922. O. Oberholzer: Richard Beer-Hofmann. Werk und Weltbild des
S. Llptzin: Arthur Schnitzler. New York, 1932. Dichters. Bera, 1947.
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tensidade sugestiva: só escreveu uma novela psicológica, gua alemã e talvez as mais preciosas, de um ritmo musical
uma versão de uma tragédia do elisabetiano Massinger, bem austríaco e de grande tristeza íntima:
um drama poético sobre o Jacó do Velho Testamento já
é quase toda a sua produção de raridade flaubertiana. "Ganz vergessener Voelker Muedigkeiten
Kann ich nicht abtun von meincn L i d e m ,
A síntese da Áustria literária, o segundo poeta na-
Noch weghalten von der erschrockenen Seele
cional depois de Grillparzer, foi Hofmannsthal ( n B ) : de
Stummes Niederfallen ferner Sterne."
origem meio judaica, meio alemã, meio italiana, pertencen-
do à aristocracia, meio alemã, meio eslava, meio italiano-
nestas expressões — "os cansaços de povoa esquecidos",
espanhola que vivia em torno dos Habsburgos. A sua força
"a alma assustada", "a caída muda de astros longínquos"
criadora era limitada; ou antes, sua inspiração era esporá-
dica, calando-se em longos intervalos; mas de gosto finíssi- —, o decadentismo pessoal do aristocrata-judeu Hofmanns-
mo, altamente requintado, sabia assimilar todas as influên- thal encontra-se com o decadentismo coletivo do mundo
cias estrangeiras, da França até ao Oriente, fundindo-as austríaco. Por isso mesmo a influência de Hofmannsthal
num pequeno cosmos literário, espelho do grande cosmos no simbolismo alemão, em ambiente muito diferente, foi re-
multinacional da sua pátria austríaca. Hofmannsthal já es- duzida. Houve, quando muito e só mais tarde, uma in-
teve famoso aos dezessete anos: já tinha dado pequenos dra- fluência indireta, através do jovem poeta austríaco (de
mas líricos à maneira de Maeterlinck, menos originais e Praga, aliás) Rilke ( l *°), cujos primeiros volumes de ver-
mais intensos; só pastiche de cenas de Faust, em língua sos — Larenopfer, Traumgekroent (Coroa de Sonhos),
rodenbachiana, é o famoso Der Tor und der Tod (O Tolo Afir zur Feir — são bastante hofmannsthalianos — não sem
e a Morte), confissão da incapacidade de viver de um ado- influência do sentimentalismo de Heine, mas de musicali-
lescente, que ficará sempre um diletante da vida e um dade suave, austríaca:
grande diletante da a r t e ; já publicara um pequeno número
de poesias líricas, as primeiras poesias simbolistas em lín- "Das ist die Sehnsucht: wohnen im Gewoge
und keine Heimat haben in der Zeit.
Und das sind Wuensche: leise Dialoge
taeglicher Stunden mit der Ewigkeit."
119) Hugo von Hofmannsthal, 1874-199.
Gestern (1892); Der Tod des Tlzian (192); Der Tor und der Hoje é comum desprezar esse Rilke da fase decadente, ro-
Tod (1894); Die Hochzeit der Sobeide (1899); Der Abenteurer
und die Saengerin (1899); Elektra (1903); Oedipus und die mântica, assim como acontece no caso de Yeats; mas não
Sphinx (1905); Gedichte und kleine Dramen (1907); Der Rosen- é possível ignorar quanto desse simbolismo austríaco ain-
kavalier (1911); Jeãermann (1911); Ariadne auf Naxos (1912);
Das Salzburger Grosse Welttehater (1923); Der Turm (1925); Der da existe no Buch der Bilder (Livro das Imagens) e Stun-
Turm. 2.» versão (1927). denbuch (Livro das Horas) do Rilke mais maduro, já egres-
Edição por H. Steiner, 15 vols. Frankfurt, 1954/1959.
Ch. Du Bos: "Le legs de Hofmannsthal". (In: Approximations. vol. so daquele mundo estreito e em caminho de tornar-se poeta
IV. Paris, 1930). dum mundo sem fronteiras.
L. Wagner: Hofmannsthal und das Barock. Bonn, 1931.
G. Schaeder: Hofmannsthal. Berlin, 1933.
W. Stendel: Hofmannsthal und Grillparzer, Wuerzburg, 1935.
H. Naef: Hofmannsthal. Wesen und Werk. Zuerich, 1938.
A. Alewyn: Hofmannsthals Wanãlung. Frankfurt, 1949. 120) Cf. "O Equilíbrio europeu", nota 38.
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Hofmannsthal, precisamente nessa época, estava silen- poeta daquela classe de burocratas, oficiais e judeus, des-
cioso; a sua "poesia de segunda mão", como que esgotada. nacionalizados pelo regime supranacional dos Habsburgos,
''Que grande poeta èle teria sido, se chegasse a morrer com que com o fim do Império perderam a razão de ser. Fora
dezessete anos de idade!", dizia um critico malicioso. Na deles a literatura austríaca, aristocrática, decadente, cos-
verdade, Hofmannsthal lutou duramente consigo mesmo, mopolita e simbolista (***). O comentário mordaz dessa evo-
nesses anos de inúmeras tentativas malogradas, fragmentos lução funesta é a obra satírica de Karl Kraus ( ' " ) , pes-
inacabados, versões modernizadas de tragédias gregas, es- simista de estatura swiftiana, inesgotável em recursos lin-
panholas, inglesas. Literatura experimental de um homem guísticos do sarcasmo amargo e da profecia apocalíptica;
de vasta cultura, passadista que não quer deixar cair em tão preso no pequeno mundo vienense como a literatura
esquecimento os valores do passado. Naquele tempo es- vienense que êle desprezava. Kraus, anarquista radical com
creveu o poeta os libretos suntuosos para as óperas de alta consciência da missão moral e cultural da sua sátira, de-
Richard Strauss, outras tantas reconstituições de culturas sempenhava na Áustria um papel algo como a geração de
aristocráticas do passado. Nessa música neobarroca, encon- 98 na Espanha. Mas o caso austríaco era irremediável. A
trou ou reencontrou Hofmannsthal o seu destino. Reconhe- obra do satírico acabou precisamente onde acabara a obra
ceu a complexidade multicor do seu mundo poético como do poeta: com a morte da Áustria.
espelho da civilização multicor da Áustria dos séculos A comparação de Kraus com a geração de 98 na Es-
X V I I e X V I I I , do Barroco. Tornou-se intérprete poético panha implica outra comparação: a do simbolismo austríaco
dessa civilização austriaco-barrôca para opor ao caos de com o modernismo hispano-americano. E essas duas com-
uma época demoníaca, depois da derrota e desmembra- parações serviriam para esclarecer o fenómeno da loca-
mento da Áustria em 1918, um cosmos poético e hierarqui- lização geográfica do simbolismo nas margens dos centros
camente organizado conforme os valores do espírito. Ficou literários tradicionais: na Áustria e não na Alemanha; na
fragmento, mais uma vez, o maravilhoso romance Andreas. América espanhola e não na Espanha; e, pode-se acres-
Mas a última e maior obra foi concluída: a tragédia Der centar, na Bélgica mais do que em Paris, onde os poetas
Turrn (A Torre), versão muito independente de Vida es simbolistas de língua francesa eram, aliás, cidadãos de
sueno, de Calderón, modificada sobretudo pelo fim trági- todas as partes do mundo, da Grécia de Moréas até a Vir-
co: o príncipe acaba morrendo. As suas últimas palavras, gínia de Vielé-Griffin. O fenómeno lembra, um pouco, a
nessa tragédia da vitória da anarquia sobre o Espírito, são interpretação do pré-romantismo alemão do século X V I I I
como o testamento de Hofmannsthal, dando testemunho do por José Nadler: teria sido a revolta da Alemanha orien-
que foi a Áustria e do que foi a Europa: "Gebet Zeugnis,
ich war da, wenngleich mich niemand gekannt hat." "Dai
testemunho: estive presente; embora ninguém me reco- O. Benda: Oesterreich. Wien, 1935.
nhecesse." Hofmannsthal, enfim reconhecido na França, na 132) Karl Kraus, 1874-1936.
Inglaterra e na Itália, é hoje, embora tarde demais, uma Die demolierte Literatur (1896); Die Fackel (1890 sg.) Die chi-
nesische Mauer (1910); Pro domo et mundo (1912); Worte in
Versen (1916/1930); Untergang der Welt durch schwarze liagie
influência europeia. (1922); Die Letzten Tage der Menschheit (1922) etc.
L. Llegier: Karl Kraus und sein Werk. 2.» ed. Wien, 1933.
O destino trágico de Hofmannsthal identifica-se com W. Kraít: Karl Kraus. Eine Einfuehrung in seis Werk. Wles-
o destino trágico da sua pátria: foi êle o representante, o baden. 1952.
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tal, marginal e sem tradições antigas, contra as tradições economicamente atrasados, em ambiente hostil aos movi-
classicistas da Alemanha ocidental. O simbolismo tam- mentos literários e até às próprias atividades literárias.
bém foi uma derrocada de valores tradicionais por forças Por volta de 1870, os poetas estrangeiros mais admira-
"marginais", de países onde as literaturas estavam sem tra- dos e imitados na América espanhola eram os românticos
dições ou as tinham perdido desde muito tempo. Compa- espanhóis: Rivas, Espronceda, Zorrilla, Bécquer. Só pouco
ração não é explicação. Contudo, impõem-se duas obser- depois venceu o hugonianismo, sem eliminar a influência
vações. A "marginalidade" e a "falta de tradição" dos espanhola. Quer dizer, reações que se dirigiram especial-
pré-românticos e dos simbolistas são sintomas da condição mente contra o hugonianismo, ou que se inspiraram no ro-
social dos poetas e escritores: não estão incorporados na mantismo, não podem ser consideradas precursoras do mo-
sociedade, constituem uma classe de "literatos", mais ou dernismo, por mais que lhe tenham preparado o caminho.
menos no a r ; trata-se de países e regiões de economia atra- Nos manuais, Marti e José Asunción Silva aparecem entre
sada ou "colonial", que não comporta o "luxo" da arte in- os precursores do modernismo; mas a relação não é cro-
dependente. E os escritores defendem-se, declarando guer- nológica.
ra aos "filisteus" hostis e proclamando o ' T a r t pour 1'art".
Daí o artificialismo e o caráter fantástico desse novos es- Marti ( , 2 3 ) , o herói nacional de Cuba, foi além de gran-
tilos, de reação contra qualquer utilitarismo. O romantismo de homem, um grande intelectual; mas talvez não fosse um
reagiu contra o classicismo, aliado ao "ancien regime". O grande poeta; e muito menos foi um modernista. A sim-
simbolismo reagiu contra o naturalismo, ligado à estrutura plicidade intencional, democrática, da sua poesia é espanho-
burguesa da sociedade. Na história das artes plásticas é la, vem de Bécquer; não tem nada que ver com o esteti-
fenómeno frequente o do "estilo caído": um estilo que foi, cismo requintado dos modernistas, anti-retóricos não por-
numa determinada época, expressão da vanguarda para que quiseram ser entendidos pelo povo, mas porque a retó-
os high brows altamente sofisticados, cai na geração se- rica pós-romântica lhes parecia mau gosto. Com efeito,
guinte no domínio geral, se bem que de forma atenuada, entre os modernistas, ninguém tomou Marti como modelo.
constituindo parte da "cultura geral" de todos. No caso A mesma posição isolada cabe ao único poeta hispano-ame-
do naturalismo, a sobrevivência, nele, do romantismo altera- ricano do século XX que revela parecida naturalidade da
do, é manifesta: Flaubert e Zola, Ibsen e Strindberg não emoção e expressão: à poetisa chilena Gabriela Mistral ( ' - ' ) •
conseguiram eliminar em si os resíduos românticos. A luta
do simbolismo contra a época foi em grande parte a luta
de um neo-romantismo de vanguarda contra o velho ro- 123) José Marti 1853-1895.
mantismo. O chamado "modernismo" hispano-americano Versos sencillos (1891).
de 1900, a forma ibérica do simbolismo, é evidentemente, Edição das poesias por J. Marinello, Havana, 1927.
A. Hernández Cata: Mitologia de Marti. Madrid, 1929.
pelo menos em grande parte, uma luta assim: luta da in- F. Lizaso: Posición de Marti. Habana, 1938.
fluência francesa, simbolista, contra os resíduos do ro- J. Dougé: Essai sur Marti. Port-au-Prince, 1943.
mantismo espanhol; muito menos contra o hugonianismo 124) Gabriela Mistral (pseudónimo de Lucila Godoy), 1889-1957.
Desolación (1922); Tala (1938).
— Dário era admirador incondicional de H u g o . E essa R. Silva Castro*: Estúdios sobre Gabriela Mistral. Santiago de
luta foi travada por uma classe de intelectuais em países Chile, 1935.
N. Pinilla: Biografia de Gabriela Mistral. Santiago de Chile,
1946.
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É ela um poeta muito maior do que M a r t i ; os seus sonetos em Buenos Aires — Ruben Darío ( 127 ) nasceu, mestiço
são dos mais notáveis da lingua espanhola, poesia dura e meio índio, em Metapa, pequena aldeia na pequena repú-
séria, experiências cristalizadas; mas a poesia de Gabriela blica centro-americana de Nicarágua. "Da pequena Belém
Mistral nada tem com o modernismo que a precedeu, e mui- devia sair a luz do mundo", exclamou um crítico, um dos
to pouco com o novo modernismo que a seguiu. Poesia não- muitos admiradores apaixonados que Darío encontrou no
caminho da sua vida fantástica. O moço parecia enterrado
retórica é antes rara na América espanhola.
vivo na miséria material e espiritual daquelas regiões tro-
Diferente é o caso do dandy decadentista José Asun- picais, quando o famoso escritor espanhol Valera, talvez
ción Silva ( ' - 6 ) : este, sim, está em relações com o simbo- mais por generosidade do que por compreensão, chamou a
lismo europeu, ou antes com seus precursores Poe e Baude- atenção para o volume Azul do jovem nicaraguano. Depois
laire. São relações diretas, não através do decadentismo se revelou o milagre da sua poesia —
francês, que inspirou o modernismo hispano-americano; o
que explica certas semelhanças entre a poesia do colom- "el verso azul y la canción profana".
biano e alguns modernistas.
Enfim, o grande poeta e jornalista peruano González As suas obras chamam-se: Prosas profanas, Cantos de vida
Prada ( 1 2 c ) : a êle, mais velho do que qualquer dos moder- y esperanza, Poema dei otono; em língua espanhola ainda
nistas, também se atribuiu papel de precursor. Mas seu es- não se leram versos de tanto esplendor quase oriental. E
tilo conciso e epigramático, já desmente isso, e não são assim como a poesia, foi a sua vida: uma "marcha triunfal"
bastante significativas certas liberdades métricas, que os pela América e Europa, um Aleluya enorme com o re-
modernistas, meio parnasianismos, nunca se permitiram; frão —
enfim, a ideologia politica de González Prada, radical e
anticlerical, não está de acordo com o aristocratismo dos "Alegria, Alegria, Alegria!" —
modernistas.
O modernismo hispano-americano apareceu no mundo
de língua espanhola como um milagre: não foi na Espa- 127) Ruben Darío, 1867-1916.
Azul (1888); Prosas Profanas (1896); Cantos de Vida y esperanza
nha que surgiu o movimento de renovação poética, tam- (1905); El canto errante (1907); Poema dei otoiío (1910) etc
pouco nos grandes centros americanos, nem no México ou Ediçáo das obras completas por R. Darío Sánchez, 31 vols. Ma-
drid, 1922.
Edição das poesias completas por A. Ghiraldo, Madrid, 1923.
3 E. K. Mapes: L'in}luence française dans Voeuvre de Ruben Da-
río. Paris, 1925.
G. Dlaz Plaja: Ruben Dário. Barcelona, 1930.
125) Cf. nota 66. A. Torres Rioseco: Ruben Darío, casticismo y americanismo de
126) Manuel González Prada, 1848-1918. su obra. Cambridge Mass., 1931.
Páginas libres (1894); Minúsculas (1901); Horas de lucha (1908): A. Marasso: Ruben Dário y su creación poética. B. Aires, 1934.
F. Contreras: Ruben Darío, su vida y su obra. 2.» ed. Santiago
Exóticas (1911). de Chile, 1937.
L. A. Sánchez: Don Manuel. 3.a ed. Santiago do Chile, 1937. A. Torres Rioseco: Vida y poesia de Ruben Darío. Buenos Aires,
J. E. Garro: Manuel González Prada. Ideas para un libro sobre 1944.
los creadores de la peruanidad. New York, 1942. V. Borghlni: Rubéji Darío e il modernismo. Génova, 1955.
2694 Orro M A R I A CABPEAUX HlSTÓBIA DA LlTEBATUBA OCIDENTAL 2695

Até o álcool e a vida desregrada quebrarem a resistência lítica. Foi sinceramente antiimperialista, advertindo o»
física do poeta; até os horizontes se escurecerem: hispano-americanos contra o poder ameaçador dos Estados
Unidos. Mas não pensou em revolução contra o imperia-
"Juventud, divino tesoro, lismo; alegou razões de ordem estética, do homem ibérico
i ya te vas para no volver!"; de tradições seculares contra o ianque brutal e vulgar; e da
resistência estética esperava a redenção. Afinal, isso é
e até vir, enfim, a morte dolorosa num quarto de hotel onde mera retórica; e, lembrando-se das expressões de Verlaine
ninguém conhecia o poeta. Uma morte nem sequer reden- contra a poesia retórica, disse o grande poeta mexicano
tora mas como ponto negro de interrogação: González Martínez uma palavra definitiva, menos con-
tra a poesia do próprio Darío, do que contra a dos seus
" . . . y no saber adónde vamos, imitadores:
ni de donde v e n i m o s . . . "
"Tuércele el cuello ai cisne de enganoso plumaje..."
A glória de Ruben Darío também diminuiu um pouco desde
então. Não desapareceu nem pode desaparecer: Darío con-
A defesa seria fácil se fosse possível demonstrar que
tinua o poeta moderno mais lido de língua espanhola —
Darío, poeta autêntico, só se serviu das expressões poéti-
mas a crítica manifestou certas dúvidas. Neoclassicistas e
cas então modernas para fazer-se entender. Mas o estudo
partidários da "poésie puré" não podem admitir a própria
apurado dessas expressões emprestadas pelo crítico argen-
substância poética e humana de Darío, desse homem e
tino Artur Marasso revelou que quase tudo é emprestado,
poeta indisciplinado, anárquico, sentimental na alegria e no
que a poesia de Darío é um mosaico de reminiscências e
sofrimento, um romântico desorientado, usando as expres-
influências: muito Hugo e muitíssimo Verlaine; depois,
sões do decadentismo francês que então encantou a to
uma mistura perturbadora de Gautier e Banville, W a g n e r
o m u n d o ; mas hoje já não nos deslumbra —
e Rostand, Heine e Whitman — não fica nada de origi-
nal. Conforme os estudos de Marasso, quase todo verso,
" . . . mi jardín de sueno cada imagem têm "fontes". Mas os estudos dessa natureza
lleno de rosas y de cisnes vagos." não provam nada, a não ser a receptividade e o poder de
assimilação. O papel histórico de Darío reside, aliás, jus-
Nota-se na poesia de Darío um consumo exagerado de prin- tamente nisso: o de ter vivificado e tonificado a então so-
cesas de Versalhes e cisnes brancos, um verdadeiro feti- nolenta poesia espanhola, abrindo-a a influências estran-
chismo da côr "azul", um esnobismo insuportável, "muy geiras, que lhe foram benéficas. Mas então seria um papel
siglo diez y ocho y muy antigo": enfim, certo mau gosto. já puramente histórico e uma poesia que cumpriu a sua mis-
Um crítico falou de "joyas un poço falsas". O homem Da- •âo, sem significação na atualidade. A discussão está co-
río era certamente sincero, confessando os seus prazeres e locada em bases mais seguras desde que se duvida da ex-
sofrimentos, tanto uns como outros um pouco vulgares. clusividade das influências francesas em Darío — tese que
Mas parece que Darío não tomou bastante a sério a poe- parecia tão certa depois do livro de Mapes. A influência
sia. Foi um virtuose e improvisador, até na ideologia po- de Whitman não foi decisiva; o americanismo de Darío,
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HISTORIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2697


2696 OTTO M A R I A CARPEAUX
nismo hispano-americano ( 1 2 8 ), o movimento poético inau-
de expressões whitmanianas, é hispano-americanismo; e gurado por Ruben Darío, não tem nada de "moderno" para
eis o ponto de partida da tese de Torres Rioseco: o fato nós outros, hoje. Foi poesia decadentista, poesia mais par-
de o modernismo dariano ter esmagado os resíduos do ro- nasiana do que simbolista, oscilando entre o otimismo ofi-
mantismo espanhol na América não significa que à poesia cial, "americanista", e o desespero congénito; poesia fal-
de Darío faltem, porventura, outros elementos espanhóis. samente aristocrática, esnobística, de intelectuais numa
época do imperialismo comercial e num continente do-
Torres Rioseco encontra esses elementos: na métrica de
minado por ditadores violentos; poesia de intelectuais que,
Darío, multiforme, revivificando metros espanhóis de sé-
profundamente afrancesados, preferiram revoltar-se contra
culos passados, até medievais e do século X V ; e na mis-
o ianque longínquo a levantar-se contra os caudilhos de
tura tipicamente espanhola de religiosidade e sensualidade.
casa; e que acabaram conformados, como altos funcioná-
rios e diplomatas, dizendo-se neoclassicistas e sendo, na
" E n t r e la catedral y las ruinas paganas.. .",
verdade, neoparnasianos.

a expressão é francesa, mas o sentimento é espanhol. Na Há modernistas românticos, modernistas parnasianos


verdade, a poesia de Darío é uma combinação engenhosa e modernistas simbolistas; estes últimos, constituindo a
de elementos românticos, parnasianos e simbolistas. O seu maioria, são na verdade parnasianos românticos. Modernis-
romantismo consiste na revivificação de fundos poéticos ta romântico foi o mexicano Amado Nervo ( 12B ), diploma-
espanhóis, esquecidos na própria Espanha. Em compensa- ta elegante e existência frustrada, romântico na poesia
ção, Dário deve pouca coisa ao simbolismo francês, senão religiosa, modernista na poesia erótica de um homem de-
aos decadentistas de segurança ordem; mas deve muito aos cadente. E n t r e os simbolistas latino-americanos há só
parnasianos, a Gautier e Banville. O que o atraiu, em
Hugo, foi a eloquência; o que o atraiu, em Verlaine, foi o
sentimentalismo: qualidades típicas do espanhol e do índio 128) A. Zerega-Fombona: Le symbolisme français et la poésie espag-
nole moãerne. Paris, 1919.
triste — e Darío era mestiço. Tinha um talento extraordi- R. Blanco-Fombona: El modernismo y los poetas modernistas.
nário de assimilação, quer dizer, a inteligência viva do Madrid, 1929.
G. Dundas Cralg: The Modernist Trend in Spanish American
mestiço e a natureza passiva do índio. De início mestiçado Poetry. Los Angeles, 1934.
e civilizado é a sua desorientação sentimental, entre o L. A. Sánchez: Balance y liquidación dei Noveclentos. Santiago
de Chile, 1941.
"Alegria! Alegria! Alegria!", e a pergunta angustiada: M. Henriquez Urena: Breve historia' dei Modernismo. México,
1954.
" . . . y no saber adónde vamos, 129) Amado Nervo, 1870-1919.
ni de donde v e n i m o s . . . " Poemas (1901); Serenidad (1914); Elevación (1916); Plenitud
(1918); La amada inmóvil (1920) etc. etc.
Edição das obras completas por A. Reyes, 29 vols., Madrid. 1920/
E i s o seu simbolismo; não é americanista, mas é um sim- 1928.
E. T. Wellman: Amado Nervo, México's Religious Poet. New
bolismo americano. York, 1936.
B. Ortiz de Montellano: Figura, amor y muerte de Amado NerV..
"Modernismo" é uma expressão sobremaneira infeliz, México, 1943.
prestando-se a confusões de toda espécie. O que ontem A. M. Herrera y Sierra: Amado Nervo, su vida. México, 1952.
foi "moderno", já não o é hoje; e, com efeito, o moder-
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um "poeta puro", o peruano Eguren ( 1 8 0 ), criador de um Martínez ( m ) , contista de primeira ordem, as suas visões
mundo particular de imagens e fantasmas, poeta solitário, extraordinárias, equações antes do que comparações entre
ainda não bastante reconhecido. Também crescerá no fu- os homens ferozes e os animais ferozes da região tropi-
turo a compreensão pelo uruguaio Herrera y Reissig ( 1 S 1 ), cal. O equilíbrio que não alcançou o autor dessas novelas
filho decadente de uma grande família, vítima da hostili- "psicozoológicas", consegui-o a sensibilidade não menos
dade do ambiente comercial e antiliterário do Uruguai de aguda da venezuelana Teresa de la Parra ( , 8 8 ) , parisiense
elegante nas aparências, lembrando-se com saudade dos seus
então. Poeta précieux, requintado demais, mas também
dias de criança e de mocinha nas fazendas do interior da
dono de todos os acordes da música simbolista, retirou-se
Venezuela e nas ruas meio coloniais de Caracas; na verda-
da vida, assumindo a atitude do poeta lunático, criador de
de, registrou com exatidão proustiana os movimentos da
"símbolos perplejos", que são, às vezes, ridículos e, outras,
alma feminina, retratando-os na prosa mais clássica que
vezes, sublimes, mas sempre originais. Não acabou louco,
jamais um modernista escreveu. Os romances de Teresa de
como a lenda hostil afirma, mas "perplexo".
la Parra têm, como documentos históricos e como análises
psicológicas, valor permanente.
" E l cielo abre un gesto verde,
A variedade tropical do simbolismo, representa-a o ar-
y ríe el d e s e q u i l í b r i o . . . " —
gentino Lugones ( 1 8 4 ), o maior virtuose da língua entre os
Herrera y Reissig revela-se como patrício de Lautréamont
e Laforgue, que nasceram ambos no U r u g u a i ; é um pre- 132) Rafael Arévalo Martínez, 1884.
El hombre que parecia un caballo (1915); El sefíor Monitot
cursor do surrealismo. Mas pela expressão "rica", precio- (1922); Las noches en el palácio de la Nunciatura (1927); Ma-
sa, é gongorista, precursor do neogongorismo espanhol. nuel Aldano (1927).
Herrera y Reissig, se o mau gosto da época não o tivesse A. Torres Rioseco: "Rafael Arévalo Martínez". (In: Novelistas
contemporâneos de América. Santiago de Chile, 1939).
contaminado, teria sido grande poeta. A. R. López: "Rafael Arévalo Martínez y su ciclo de animales".
(In: Revista iberoamerícana, X/8, 1942).
Uma sensibilidade exacerbada, neurastênica, não é rara
133) Teresa de la Parra, 1895-1936.
entre os modernistas. A ela deve o guatemalteco Arévalo Ifigenia (1924); Memórias de Mama Blanca (1929).
B. Carrión: "Teresa de la Parra". (In: Mapa de América. Ma-
drid, 1930).
R. Ollvares Figueroa: "Teresa de la Parra y la creación de carac-
130) José Maria Eguren, 1882-1941. teres". (In: Revista Nacional de Cultura, 11/22, 1940).
A. Árias Robalino: Três ensayos. Quito, 1941.
Simbólicas (1911); La canción de las figuras (1916); Poesias
(1929). 134) Leopoldo Lugones, 1874-1938.
E. Nufiez: La poesia de Eguren. Lima, 1932. Las montaúas de oro (1897); Los crepúsculos dei jardln (1905);
Lunario sentimental (190B); Odas seculares (1910); El libro fiel
131) Júlio Herrera y Reissig, 1875-1910. (1912); Poemas solariegos (1928) etc, etc.
Los parques abandonados (1908); La Torre de los Esfinges J. Mas y Pi: Leopoldo Lugones y su obra. Buenos Aires, 1911.
(1909); Los pianos crepusculares (1910).
Edição por V. A. Salaverri, 5 vols., Montevideo, 1913. J. P. EchagUe: "Leopoldo Lugones". (In: Seis figuras dei Plata.
A. Zum Felde: "Júlio Herrera y Reissig". (In: Critica de la li- Buenos Aires, 1938).
teratura uruguaya. Montevideo, 1921). L. V. Pena: El drama intelectual de Leopoldo Lugones. Buenos
Y. Pino Saavedra: La poesia de Herrera y Reissig, sus temas y Aires, 1938.
«í estilo. Santiago de Chile, 1932. A. D. Plácido: Leopoldo Lugones, su formación, su espiritu, tu
Q. de Torre: "Valor y medida de Júlio Herrera y Reissig". (In: obra. Montevideo, 1943.
La Aventura y el Orden. Buenos Aires, 1943). J. L. Borges: Leopoldo Lugones. Buenos Aires, 1955.
2700 OTTO M A M A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2701

poetas hispano-americanos, verbalista torrencial, mas cheio equívocos e confusões. Rodo não defendeu, na verdade, a
de música à qual nem leitores críticos sabem resistir; foi, civilização latino-americana, e sim a cultura afrancesada
mais, polígrafo erudito, historiador, crítico, panfletário, de uma classe ociosa de esnobes que sabiam conformar-se
o D'Annunzio da Argentina. O sentido intimamente rea- com pequenas e grandes ditaduras e que viviam, no fundo,
cionário da sua poesia revela-se melhor pela comparação da prosperidade superficial que o imperialismo norte-ame-
com o romancista Ricardo Guiraldes ( 13B ), saudosista do ricano criara, colocando seus capitais na América "arie-
gaúcho anárquico e independente — Lugones também ce- lista". A análise ideológica não pode dar outro resultado;
lebrou o payador — e argentino elegante nos bulevares de mas este não atinge, evidentemente, a personalidade de
Paris; Don Segundo Sombra é um romance fascinante, mas Rodo, que foi homem nobre e sincero.
de significação evidentemente reacionária. Todas as dú-
vidas possíveis a respeito do sentido ideológico do moder- A resistência contra o próprio modernismo veio, en-
nismo se desvanecem em face da prosa claríssima do uru- fim, dos modernistas parnasianos. O colombiano Guillermo
guaio Rodo ( 1 3 8 ), discípulo de Renan, quanto ao estilo, e Valência ( m ) , aristocrata retirado, poeta dos Ritos em me-
da França católica, quanto ao espírito, tornando, porém, tros impecáveis, político extremamente reacionário, impôs
Emerson como fundamento do seu americanismo singular- à poesia uma nova disciplina severa e saudável. O mexi-
mente antiamericano. E m Aríel, pequeno livro escrito com cano González Martínez ( l 3 8 ) , diplomata, classicista algo
brilho algo esteticista, criou a ideologia da mocidade his- frio, algo sentimental, pessimista desesperado que deu o
pano-americana de 1900: resistência do "Ariel" hispano- conselho de "No turbar el silencio de la vida — esa es la
americano, aristocrata, esteta, espiritualista, católico, con- ley"; homem de nobre compostura, também é o autor da-
tra o feio "Caliban" norte-americano, comerciante, plebeu, quele verso antimodernista: "Tuércele el cuello ai cisne de
materialista, puritano. Rodo, embora fechando-se na torre enganoso plumaje"; e predisse o dia em que "mariana los
de marfim do seu parnasianismo de estilista, acreditava ser poetas cantarán en divino verso que no logramos entonar
o Próspero latino-americano, servindo-se do espírito nobre los de hoy". Enfim, o epitáfio irónico do modernismo já
para afugentar o monstro b r u t o ; com efeito, a repercussão agonizante foi escrito pelo colombiano Luiz Carlos Ló-
de Aríel foi grande; e continua grande. O livro é prova
de que a "clareza mediterrânea" do estilo não exclui

137) Guillermo Valência, 1872-1943.


135) Ricardo Guiraldes, 1886-1927. Ritos (1898); Catay (1928).
Don Segundo Sombra (1926). M. Serrano Blanco: Guillermo Valência. Bogotá, 1949.
A. Torres Rioseco: "Ricardo Guiraldes". (In: Novelistas contem- 136) Enrique González Martínez, 1871-1952.
porâneos de América. Santiago de Chile, 1939). Los senderos ocultos (1911); Muerte dei cisne (1915); Hora inú-
S. Boj: Ubicación de Don Segunda Sombra y otros ensayos. Tu- til (1916); Bajo el signo mortal (1942).
cumán, 1940. Edição pelo autor, 3 vols., México, 1944.
136) José Enrique Rodo, 1872-1917. A. Reyes: Prólogo da 2.a edição de Senderos Ocultos. México, 1915.
Ariel (1900); Motivos de Proteo (1907); El mirador de Próspero P. Salinas: "El cisne y el buho". (In: Literatura Espaftola Siglo
(1914). XX. México, 194*1).
V. Pérez Petit: Rodo, su vida, su obra. Montevideo, 1919. J. L. Martínez edit.: La Obra de Enrique González Martínez. Mé-
G. Zaldumbide: José Enrique Rodo. 2.» ed. New York, 1938. xico, 1951.
A. C. Árias: Ideário de Rodo. Salto, 1938.
2702 Orro M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2703

pez ( 18tt ), poeta do tédio, do calor e do amor bestial nas al- dando à Espanha uma nova literatura ( 148 ) e novos ideais
deias tropicais, sonetista exímio que lançou mão da sua políticos. Pedro Salinas, num resumo histórico do movi-
mento, pretende demonstrar que a "geração de 1898" re-
arte para parodiar de maneira insolente e agressiva a arte
vela toda as características de uma "geração" no sentido
dos modernistas e dos próprios parnasianos; ao soneto A
de "grupo literário", assim como Pinder e Petersen a de-
une ville morte de Heredia, celebrando a cidade de Car-
finiram: os líderes nasceram todos dentro de um intervalo
tagena de índias "sous les palmiers, au long frémissement
de poucos anos; todos passaram pela mesma formação uni-
des palmes", opôs, no soneto A mi ciudad natal, o retrato versitária, insuficiente, e por isso todos se tornaram au-
realista da miserável Cartagena de hoje — todidatas, recebendo as mesmas influências estrangeiras.
E todos eles reconheceram e proclamaram os mesmos pre-
" . . . hoy, con tu tristeza y desalifío, cursores: Alas ( 1 4 1 ), como crítico literário; Ganivet, como
crítico da civilização nacional; Francisco Giner de los
bien puedes inspirar ese carino
Rios, o fundador da Instituición Libres de Ensenanza,
que uno le tiene a sus zapatos viejos."
como educador da nação. As diferenças ideológicas entre
os homens de 1898 não importam muito, considerando-se
É o fim do modernismo. que Azorin foi sempre esteta, que o pensamento de Una-
Mas o modernismo hispano-americano cumpriu uma muno estava inspirado por motivos extrapolíticos e su-
grande missão histórica: renovou a fundo a poesia de lín- prapoliticos, e que o anarquismo de Baroja não é ideolo-
gua espanhola, adormecida no pós-romantismo aburguesa- gia nem programa e sim questão de temperamento. Mas
do. Forneceu uma nova língua poética àquele grande mo- essas divergências ideológicas também são acompanhadas de
vimento renovador que se chama "geração de 1898". A re- diferenças estilísticas. Não é possível confundir o moder-
lação, porém, entre este movimento e o simbolismo é muito nista exuberante Valle Inclán e o seco naturalista Baroja;
Unamuno pertence estilisticamente à época pré-modernis-
complexa.
ta, algo como Marti, ideologicamente, porém, se insere na
O protesto da geração de 1898 contra o tradicionalismo época pós-modernista, realmente "moderna". O que reúne
espanhol, responsável pela decadência do país, foi estético os homens de 98 é a preocupação da decadência, política e
e político ao mesmo tempo: contra o regime estabelecido literária, da Espanha; representam as reações mais dife-
pela restauração dos Bourbons, que deu a literatura dos rentes, do pessimismo céptico até o radicalismo espiritual.
Campoamor, Echegaray e Valera e a catástrofe colonial de Mas nenhum deles — nem sequer Valle Inclán — nenhum
1898. Contra essa decadência revoltou-se a geração dos
Unamuno, Azorín, António Machado, Baroja e Valle Inclán,
HO) Azorín: "La generacíón dei 98". (In: Clásicos y Modernos. Ma-
drid, 1913).
J. M. Monner Sans: La generacíón de 1898. Buenos Aires, 1933.
P. Salinas: "El concepto de generacíón literária aplicado a la
138) Luis Carlos López, 1880-1949. dei 98". (In: Literatura Espafiola Siglo XX. México, 1941).
De mi villorio (1908); Posturas dificiles (1909); Por el atttjo H. Jeschke: La generacíón de 1898. Madrid, 1954.
(1928). L. 8. Qranjel: Panorama de la generación de 98. Madrid, 1981.
C. Garcia-Prada: "Zurce que zurce líricos chismes". (In: Revista 141 > Cf. "Advento da burguesia", nota 92.
iberoamericana, X, 1948).
2704 OTTO M A R I A CARPEATJX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2705

deles pode ser aproximado do esteticismo de Darío e R o d o ; daz a literatura reacionária dos Campoamor e Valera, e ao
o de Azorín também é diferente. E n t r e o modernismo his- mesmo tempo entusiasmar-se pela política reacionária do
pano-americano e a geração de 98 existem relações pessoais violento La Cierva, que êle confundiu com os super-homens
mas uma quase incompatibilidade literária ( 1 4 1 _ A ). O estilo da Renascença italiana. Ê artista nato, de sensibilidade ex-
poético de Unamuno é, em relação ao modernismo, total- traordinária como de um sismógrafo. O terremoto que lhe
mente "antiquado", e António Machado simpatiza, quando inspirou oscilações contínuas e dolorosas foi o desastre de
muito, com os decadentistas de segunda categoria, com 1898, sintoma alarmante da decadência espanhola. E m tor-
Samain, eventualmente com Jammes. E n t r e todos eles, só no da Decadência gira todo o pensamento de Azorín; mas
Azorín, sempre "disponível" para coisas novas, revela com- êle mesmo não é decadentista. Ao contrário, procura re-
preensão pelo sombilismo francês. Os homens de 1898 não médios da decadência, que considera como decomposição
são "modernistas", e portanto não são simbolistas — nem do dos valores que dão sentido à vida. Apenas, oa remédios
grupo esteticista, nem do grupo decadentista, nem do grupo dos quais Azorin dispõe são só de ordem estética: valores
dos revoltados. Mas reagem, face ao simbolismo, conforme novos de poesia, ou então, com preferência, valores esque-
essas três possibilidades, que não são do simbolismo e sim cidos e desprezados do passado literário da Espanha. Como
crítico, Azorín ocupou-se menos dos vivos do que dos mor-
da época.
tos, sempre vivos. Fazer anotações "ai margen de los clá-
O esteticista é Azorín ( l 4 2 ) . Na mocidade foi anar-
sicos" é a sua ocupação predileta de um miniaturista fi-
quista vermelho de província; no jornalismo de Madri ba-
níssimo, quase como um pintor japonês. É mestre na arte
teu-se ao lado dos republicanos. Depois, começou a sepa-
rar-se dos companheiros e da própria vida, levando uma de vivificar, com alguns rápidos traços a bico de pena, um
existência livresca, aborrecido das expressões de mau gosto retrato escurecido, iluminar o sentido de uma página ama-
dos oradores parlamentares de 1910 e dos poetas pós-ro- relecida. No princípio, Azorín ainda revelou o zelo de res-
mânticos. Sempre êle reaguiu por motivos estéticos e de tabelecer desta maneira as tradições liberais da Espanha
maneira estética. Por isso, pôde condenar com ironia mor- erasmiana: descobrindo, por exemplo, o liberalismo hu-
mano de Saavedra Fajardo no século X V I I , ou o huma-
. . . i.
nismo rebelde em Frei Luis de León. Mais tarde, como-
141A) G. Díaz-Praja: Modernismo frente a Noventa y Ocho. Madrid, veram-no mais o "rio divino" de Garcilaso de la Vega, a
1951. angústia de Cervantes em Persiles y Segismunda, a Madri
142) Azorín (pseudónimo de José Martlnez Ruiz), 1874. rococó de Somoza, e a morte, sem repercussão de Larra. A
António Azorin (1903); Los pueblos (1905); La ruta de D. Qui-
jote (1905); CastiUa (1912); Lecturas espaftolos (1912); Clásicos Espanha decadente de 1898 tornou-se-lhe problema insig-
y Modernos (1913); Al Margen de los clásicos (1915); Rivas y nificante em face do espetáculo secular da Espanha eterna
Larra (1916); Los dos Luises (1920); Vna hora de Espaúa (1924)
como êle a retratou em Una ciudad y un balcón, a praça
etc.
J. Ortega y Gasset: "Primores de lo vulgar". (In: El Espectador. de uma cidade provinciana da Espanha, vista em vários mo-
vol. TI. Madrid, 1917). mentos decisivos da história europeia — e sempre é a mes-
R. Gómez de la Sema: Azorin. Madrid, 1930. ma praça, o mesmo palacete, o mesmo balcão — " J u n t o a
L. ViUalonga: Azorin. Madrid, 1931.
C. Claverte: "El tema dei tiempo en Azorín". (In: Cinco estúdios un balcón, en una ciudad, en una casa, siempre habrá un
de literatura espaUola. Salamanca, 1945). hombre con la cabeza, meditadora y triste, reclinada en
A. Cruz Rueda: Azorin, el artista y el estilo. Madrid, 1946.
L.8. Granjel: Retrato de Azorin. Madrid, 1958.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2707
2706 OTTO M A R I A CARPEAUX

prema: Don Q u i x o t e . A sua obra não é em toda parte


la mano." E i s por que Azorín gosta de evocar os aspectos
quixotesca — é rica e multiforme demais para isso; mas é
humildes da vida espanhola — as ruas suburbanas de Madri,
quixotesca sua personalidade, sua vida de um nobre fidal-
as cidades de província e, sobretudo, as aldeias, Los Pue-
go que pretende conquistar o Céu e está acompanhado, por
blos. É o último dos grandes "costumbristas". É como Or-
dentro, de um Sancho Pança que quer imortalizar a sua
tega y Gasset lhe chamou, o poeta dos "primores de lo
carne. O diário desta vida de Don Quixote e Sancho Pança
vulgar". Quanto às coisas grandes, é céptico; estão su-
reunidos em uma pessoa é a poesia de Unamuno.
jeitas à decadência. Mas as coisas humildes ficam, se bem
"El hombre de carne y hueso, el que nace, sufre y
na melancolia dolorosa de "una ciudad y un balcón". No
muere — sobre todo muere", eis o tema da filosofia e da
fundo, Azorín é um místico. Da "uno mystica" com a vida
poesia de Unamuno. Aos irmãos que "sobre todo mueren",
humilde espera o Fim do Tempo — "O temps, suspends to
dedica os versos de En el cementerio de lugar castellano:
vol"! — e no mundo sem tempo não há progresso, isso é
verdade, mas também não há decadência.
" . . . Pobre corral de muertos entre tapiat
O decadentismo simbolista não foi "nacional" nem
hechas dei mismo barro,
"histórico", e sim pessoal; e neste, só neste sentido foi
solo una cruz distingue tu destino
Unamuno ( 143 ) decadentista. É difícil orientar-se na obra
en la desierta soledad dei campo!"
imensa do polígrafo, seus inúmeros ensaios, romances, no-
velas, dramas, poesias de inquietação permanente — mas foi E "sobre todo muere" a própria Espanha:
ele mesmo quem afirmou: toda esta obra gira em torno de
uma ideia só, da morte, da decadência e decomposição da "Castilla, Castilla, Castilla,
carne e da fome de imortalidade. E i s a angústia primitiva madriguera de recios hombres;
de Unamuno. E na mesma luz fúnebre êle viu envolvidas t u s castillos muerden el polvo,
todas as existências humanas, sobretudo as existências es- Madrigal de las Altas torres,
panholas e a própria Espanha. A sua obra constitui um ruínas perdidas en lecho,
repositório imenso de perguntas, de pontos de interrogação ya seco, de ciénaga enorme."
bruscos e de reticências angustiosas. À pergunta perma-
nente de Unamuno não pode haver resposta definitiva, por- Contra o espectro da decadência carnal e nacional invo-
que só Deus a sabe dar. Unamuno é um filósofo sem sis-
vou Unamuno a ideia de Deus, o próprio Deus "de carne
tema, sem soluções. Um filósofo militante — o polemista
y hueso", o Cristo que sucumbiu com nós outros à Morte.
mais apaixonado dessa apaixonada literatura espanhola —
A Êle dedicou El Cristo de Valazquez, o maior poema
mas um militante que sofre só derrotas e, o que é mais im-
cristológico jamais escrito, meditação sobre o corpo do
portante, sobrevive às derrotas para continuar a luta, inde-
Cristo morto, para chegar ao resultado premeditado:
finidamente. Para essa vida de filósofo sem filosofia, fi-
I
lósofo "absurdo", encontrou Unamuno uma expressão su-
"Se consumo! Por fin, murió la Muerte!"

Mas o filósofo inquieto não se satisfaz com resultados pre-


meditados.
143) Cf. "O Equilíbrio europeu", nota 85.
J HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2709

OTTO MARIA CARPEAUX assim como Schopenhauer e Nietzsche se entendiam então:


2708
deste modo é Baroja o tipo do revoltado de 1898. Mas, para
"La vida es duda, realizar o seu protesto, escolheu um caminho bem estranho:
y la fé sin la duda es solo muerte." um caminho sem fim. A açlo sem finalidade, eis o que o
tornou o romancista dos vagabundos sem preocupação —
O autor do Cristo de Velazquez é um herético impenitente;
"Nada vale la pena de preocuparse. El destino manda" —
e a última palavra da sua poesia é a última palavra da co- e dos conspiradores sem ideologia. Baroja, também, assim
movente Elegia en la muerte de un perro: como fizeram tantos outros da geração de 98, renovou uma
"También tu dios se morirá algún dia!... tradição espanhola: a sua é a do pícaro. Daí o seu realismo
los dioses lloran cuando muere el perro cínico, que se parece superficialmente com o naturalismo
europeu. Não pode haver coisa mais diferente do modernis-
que les lamió las manos,
mo de Dário e Rodo. O revoltado estético foi Valle In-
que les miro a los ojos,
clán ( 1 4 5 ): místico, ou pseudomístico que gosta de per-
y ai mirarles asi les preguntaba: versões sexuais, anarquista, fazendo o papel do aristocrata
a donde vamos?" católico, assim o autor das quatro Sonatas preciosistas, o
Unamuno nunca encontrou a resposta. Procurando-a, ul- criador do fantástico marquês de Bradomin, parece mo-
trapassou todas as fronteiras, chegando a uma filosofia dernista típico, profundamente influenciado por Darío,
existencialista muito sua e para a qual só depois pediu a mas não menos por Gautier, Banville e Villiers de L'Isle
autorização keierkegaardiana. Criou a sua obra, que ultra- Adam. Também tinham certa razão os que lhe chamaram
passa as fronteiras do movimento de 1898. Mas, dessa obra "D'Annunzio espanhol", lembrando, além das poses, a mes-
inteira, a parte mais permanente parece ser a poesia. É tria da sua prosa simbolista. Mas como poeta e como ro-
poesia filosófica, exclusivamente reflexiva, mais ou me- mancista já pertence a outra época, posterior, de outro esti-
nos como a dos parnasianos. Mas não é poesia parnasiana, lo e outras ideias. A própria geração de 98 não participou
porque inquieta em vez de impassivel, mística em vez de da renovação da poesia espanhola pelo modernismo hispa-
estética; poesia sem "cultura da forma", até dura, toman- no-americano. O motivo reside na contradição inicial entre
do todas as liberdades e licenças, desprezando a rima e o protesto político e o protesto estético. Este último era
violentando a métrica. Apesar de tudo isso, nao é poesia de uma classe de intelectuais, isolada num país de econo-
moderna e muito menos "modernista": sem enfeites, sem mia atrasada e tradições reacionárias; aquele, dirigiu-se
música verbal, reflexões nuas, mas de grande poder suges- contra uma burguesia comodista que não cumprira a sua ta-
refa, que tinha assumido um compromisso com a restau-
tivo. Nessa independência absoluta das normas do pas-
ração monárquica, satisfazendo-se com um pseudoparla-
sado e das exigências do futuro reside o valor extratempo-
mentarismo corrupto e abandonando a missão de "euro-
ral, permanente, da poesia de Unamuno; mas por força peizar" a Espanha. Daí as contradições da geração de
dessas qualificações está ela excluída de qualquer contato
com o modernismo simbolista.
O "revoltado", enfim, é Baroja ( 144 ). "Pessimista como
Schopenhauer, anarquista com Nietzsche", quer dizer,
146) Cí. "O Equilíbrio europeu", noU 96.

144) Cí. "O Equilíbrio europeu", nota 98.


2710 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2711

1898: anarquistas e democratas, tradicionalistas e revolu- que Unamuno era esperava a redenção poética da Espanha
cionários, liberais e antiburgueses ao mesmo tempo. Os pela poesia catalã. Daí o seu deslumbramento diante do
críticos literários entre eles, como Azorín, favoreceram o poeta catalão Maragall ( 1 4 8 ) ; mas este foi realmente um
modernismo poético porque se tratava de uma inovação grande poeta, cumprindo o que Verdaguer só prometera.
de vanguarda. Mas com exceçao de Valle Inclán, então es- Era católico, mas da "religião da encarnação", quer dizer,
teticista irresponsável, não pensavam em adotá-lo. Con- reconhecendo beleza divina em todas as coisas criadas, so-
bretudo o mar, as montanhas, as florestas da sua terra natal:
tudo, os escritores que condenaram tão asperamente a poe-
sia "realista" de Campoamor deviam sentir a falta de
uma poesia nova, que então só podia ser a simbolista. E "O cel blau! O mar blau, platja d e s e r t a . . . "
não foi Carrère ( 148 ) o poeta que teria satisfeito essa rei-
vindicação, apesar das suas relações com a poesia pari- A poesia de Maragall é um grande salmo jubiloso à bele-
siense. Carrère é um decadentista intimista, imitando de za do mundo, do mundo mediterrâneo. Havia nêie, como
perto Verlaine. Cultiva o sentimentalismo da vida boé- em todos os modernistas, algo da pose d'annunziana. Ma-
mia — saudade melancólica de grisettes abandonadas, de ragall foi modernista, um dos primeiros da península.
artistas malogrados, da juventude que se afasta e dos cabe- Afirma-se que a introdução do modernismo hispano-
los que começam a ficar grisalhos. Junte-se o encanto pu- americano na Espanha foi imediatamente precedida pela
ramente local de eternizar em versos fáceis as ruas, os poesia de Rosália Castro, cuja mentalidade poética não es-
jardins, os cafés, todos os lugares conhecidos da Madri de tava tão longe de Darío como se poderia pensar, e que já
1900, e então compreenderemos a popularidade imensa de dispunha de vários dos seus recursos métricos. Mas Ro-
Carrère, sobretudo entre aqueles que "foram jovens quan- sália Castro já estava enterrada e esquecida, ou desde sem-
do a sua poesia era nova". Mas Carrère é antes o Coppée pre ignorada, quando Juan Valera chamou, em 1889, a aten-
do que o Verlaine de Madri. O seu simbolismo duvidoso é ção para o jovem poeta nicaraguense. E m 1892, Darío apa-
pré-modernista, pré-dariano. receu em M a d r i ; e foi na Europa que êle, em contato ín-
Quem sentiu a falta de poesia nova foi Unamuno. Daí timo com a nova poesia francesa, elaborou o estilo moder-
os elogios, às vezes exagerados, que distribuiu entre to- nista. A vitória literária de Darío na Espanha vale como
dos os poetas que lhe pareciam trazer uma mensagem e es- introdução do simbolismo francês; o americano, pelas suas
tilo diferentes. Prefaciou uma edição espanhola de José poesias originais na língua comum.dos dois continentes,
Asunción Silva e proclamou Verdaguer ( 147 ) como "o maior deu aos espanhóis o que nunca lhe poderiam dar as poe-
poeta moderno da península"; o regionalista apaixonado sias francesas no original nem as traduções, por melhores
que fossem. Entre os discípulos espanhóis de Darío no-

146) Emulo Carrère, 1880-1947.


Românticas (1902); El Caballero de la Muerte (1909); Del amor, 148) Joan Maragall, 1860-1911.
dei dolor y dei mistério (1915); Dietario sentimental (1916); La Poesias (1895); Vfsíons í cants (1900); Segilencies (1911).
copa de Verlaine (1919); Antologia poética (1929) etc. Edição completa por M. Santa Ollver e outros, 11 vols., Barce-
lona, 1929/1931.
R. Gómez de la Sema: "Emilio Carrère". (In: Retratos contem- P. J. de Arenys: Maragall y su obra. Barcelona, 1914.
porâneos. Buenos Aires, 1941). J. M. De Sucre: Joan Maragall. Barcelona, 1921.
147) Cf. "Advento da burguesia", nota 46.
2712 Orro MABIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2713

tou-se, porém, o mesmo fenómeno como entre os seus dis- " . . . polvo, sudor y hierro —, el Cid cabalga.";
cípulos americanos: a personalidade forte e ambígua do ou um retrato do decadente rei Felipe I V :
mestre era inimitável, e atrás dele apareceram os seus mo-
" . . .Y, en vez de cetro real, sostiene apenas,
delos franceses, nem todos de primeira ordem — Gautier,
con desmayo galán, un guante de ante
Benville, Samain, muito parnasianismo, muito preciosismo
la blanca mano de azuladas venas."
e sentimentalismo. O panorama geral do modernismo espa-
nhol não é agradável. Os melhores entre os modernistas são O mesmo poeta está em casa, em Paris, cantando como Ca-
os regionalistas aos quais o exemplo americano deu a cora- tulle Mendes as hetairas (**... hetairas y poetas somos her-
gem de cantar o seu mundo diferente; assim o catalão Ma- manos!"), mas a sua especialidade é o regionalismo da
sua terra de Andaluzia:
ragall, assim, mais jovem, o canarino Tomás Morales (suas
Rosas de Hércules só foram publicadas entre 1919 e 1922), "Cantares...
poeta poderoso do oceano bravo, visto das ilhas. Catalão, Quien dice cantares, dice Andalucia."
como Maragall, mas escrevendo em língua castelhana, Mar-
Manuel Machado parece um improvisador ligeiro, tão bem
quina ( 14B ) é um dos melhores modernistas da península; na
sabe esconder a sua arte, e isso já basta para caracterizar
sua poesia prevalece o elemento parnasiano, não como ri-
arte autêntica. Outra história é o fato de êle, sucumbindo
gidez estreita, mas como nobre disciplina latina. Mas Mar-
à tentação da facilidade, tornar-se popular a expensas da
quina não resistiu à tentação especificamente modernista, poesia. A crítica literária vingou-se, e expondo-o conti-
à facilidade virtuosa e falsa, que lhe estragou os dramas nuamente a comparações prejudiciais com seu irmão Antó-
"poéticos"; em compensação, essas peças alcançaram su- nio Machado, o maior poeta de 98 e um dos maiores poe-
cessos populares, só comparáveis aos de Rostand. O mesmo tas de língua espanhola. Havia nisso uma grande injustiça
pecado e o mesmo sucesso caracterizam a poesia lírica de contra o modernista Manuel Machado; mas já está certo
Manuel Machado ( 1B0 ) pelo menos superficialmente. O que o modernismo não foi capaz de acompanhar a reno-
primeiro aspecto é o de um parnasiano de arte consumada, vação literária.
tratando temas espanhóis assim como os trataria um poeta O obstáculo era o elemento parnasiano no modernis-
francês, viajando na Espanha; assim uma evocação da terra mo: e esse elemento é que falta de todo em António Ma-
castelhana — chado ( 1 6 3 ). Sempre se cita, a seu respeito, o seu próprio
verso —•

151) António Machado, 1876-1939.


Soledades (1903): Soledades Galerias y otros poemas (1907);
149) Eduardo Marquina, 1879-1946. Campos de Castilla (1912); Neuvas canciones (1924); Poesias com-
Eglogas (1902); Elegias (1905) etc.; — En Flandres se ha puesto pletas (1933, 1936); Juan de Mairena (1936).
el sol (1910) etc. Edição das poesias completas, Espasa-Calpe, Buenos Aires, 1940.
150) Manuel Machado, 1874-1947. Edição das obras completas por J. Bergamin, México, 1940.
Los Cantares (1907); £1 mal poema (1909); Sevilla y otros poe- J. M. Chacón: "António Machado". (In: Ensayos de litera-
mas (1918); Ars moriendi (1922); Poesias (1924) etc. tura espaflola. Madrid, 1928).
Dam. Alonso: "Llgereza y gravedad en la poesia de Manuel Ma- 8. Manserrat: António Machado, poeta y filósofo. Buenos Aires,
chado". (In: Poetas espanoles contemporâneos. Madrid. 1952). 1940.
2714 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2715

"«jSoy clásico o romântico? No sé." "Tierras pobres, tierras tristes,


tan tristes que tienen alma."
Mas sabia bem que não era parnasiano. O seu estilo poé-
tico é "antiquado"; a métrica é fielmente tradicional, sem
Não faltam acusações contra a "Castilla miserable, ayer
artifícios; as rimas são simples, sem riqueza; a expressão
dominadora, envuelta en sus harapos", nem contra as "bar-
é lógica, sem hermetismo. Mas não é académico. É outra
bas apostólicas". Machado, como homem de 98, é "jacobino",
coisa, bastante rara em língua neolatina: é um poeta pro-
republicano e anticlerical. Mas, como contemporâneo do
fundo e, no entanto, popular. É incomparável no glosar
simbolismo e de Azorín, também é esteta, admirador da
provérbios; e possui o talento, o génio tão completamente
beleza decaída de
desaparecido há séculos de inventar provérbios, que pare-
cem sair da boca do povo:
"Soria, ciudad castellana,
"Todo pasa y todo queda, tan bella! bajo la luna."
pêro lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos, António Machado não era modernista no sentido de Darío;
camino sobre la mar." mas não estava alheio à nova sensibilidade poética que deu
significação diferente ao seu estilo áspero. E r a mesmo
Estes quatro versos condensam perfeitamente a velha sa- poeta filosófico, analisando com agudeza as suas próprias
bedoria pessimista que o povo concluiu de experiências se- angústias —
culares; e êle concluiu: "Unidad de vanidades". Ressoa
nestes e em muitos outros versos de António Machado o
" . . . yo senti el estupor
pessimismo estóico que é a filosofia nacional do povo espa-
dei alma, cuando bosteza
nhol. Mas aquele "mar" é, ao mesmo tempo, um dos mui-
tos símbolos dos quais Machado se serve — o que revela el corazón, la cabeza
a presença da nova sensibilidade poética no seu estilo an- y . . . morirse es lo mejor."
tigo. Machado foi, no início, decadentista; recebeu certas
sugestões da poesia de Samain e Jammes; a palavra "tarde", O conceito da Morte, onipresente na poesia de António
com acento melancólico, é uma das mais frequentes em sua Machado, tem algo do Rilke das elegias e últimos sone-
poesia. O objeto da sua tristeza, como da geração de 98 tos, e há quem tenha construído, apoiando-se em decla-
inteira, é, naturalmente, a decadência da Espanha — rações do próprio poeta, uma relação entre o pessimismo
niilista de Machado e a filosofia existencialista de Heideg-
P. Salinas: "António Machado". (In: Literatura Espaúola Siglo ger. Parece, porém, mais razoável constatar a analogia
XX. México, 1941). entre a filosofia machadiana e o existencialismo de Una-
Q. de Torre: "Poesia y ejemplo de António Machado". (In: La
aventura y el Orden. Buenos Aires, 1943). muno; assim como este, Machado é um existencialista "de
M. Pérez Ferreros Vida de António Machado y Manuel. Madrid, carne e osso"; e encontram-se em António Machado ver-
1943.
S. Serrano Ponsela: António Machado, su mundo y su obra. Bue- sos bem unamunianos nos quais a visão estética e o pes-
nos Aires, 1954. simismo decadentista se combinam de maneira perfeita:
R. de Zublrla: La poesia de António Machado. Madrid, 1955.
\

2716 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2717

" . . . El muro blanco y el ciprés erguido." o modernismo em "l'art pour 1'art" para os leitores me-
nos exigentes; e o simbolismo já tinha cumprido a sua ta-
Mas isso já é poesia simbolista; embora não modernista. refa, fornecendo à nova geração, que veio depois dos ho-
Notou-se, na poesia de António Machado, certa po- mens de 98, os meios de expressão poética. Os problemas
breza em metáforas. Seu estilo é direto, e por motivos pro- complexos de relação entre a expressão literária e a evo-
fundos: porque sua poesia exprime os valores extraliterá- lução social não foram muito debatidos na época do sim-
rios e supraliterários da vida real: bolismo, que parecia poesia fora e acima das realidades so-
ciais. Esse debate só foi aberto na Holanda.
"A mi trabajo acudo, con mi dinero pago Depois de um período de decadência, a literatura ho-
el traje que me cubre y la mansión que habito, landesa renovou-se por volta de 1880 tão surpreendente-
el pan que me alimenta y el lecho en donde yogo." mente que a expressão "movimento de 80" tem na Holanda
importância igual à do "movimento de 98" na Espanha; mas
Esse realismo também é a base das revoltas de António Ma- não tem o mesmo sentido. Na Espanha, tratava-se de uma
chado, em suas agressivas poesias políticas. Nestas, assim revolta política e cultural, à qual só mais tarde se juntou
como nas poesias descritivas dos Campos de Castilla, pre- um novo estilo poético. Na Holanda, tratava-se, em pri-
valece o senso existencial do tempo que passa e tem que meira linha, e com todas limitações, de uma atitude esté-
passar. Daí o poeta militante nunca perder a serenidade, tica, de um novo estilo ( 1 5 2 ).
nem nos dias mais tempestuosos da guerra civil e da sua Do classicismo tardio de Bilderdijk e do seu discípulo
fuga, já velho, através dos Pirinéus invernais, até a morte Isaac da Costa herdou a literatura holandesa o gosto pela
no campo de concentração na França. Lá António Machado retórica. O romantismo limitava-se principalmente ao ter-
dorme um sono tão permanente como a sua poesia, antiqua- reno do romance histórico, dos Van Lennep e Bosboom-
da e sempre moderna — Toussaint; a tentativa do católico Joseph Alberdingk
Thijm de criar uma poesia romântico-medievalista não deu
"Definitivamente certo no país dos calvinistas mais ortodoxos, que também
duerme un sueno tranquilo y verdadero." fizeram malograr o radicalismo de Multatuli. Continuava
a aliança entre uma burguesia comercial, honesta, explora-
Os equívocos e incompreensões, que havia entre a ge- dora e de horizonte espiritual limitado, como se de "patrí-
ração de 98 e o modernismo, desapareceram só no novo sé- cios" do século XVII, e uma literatura retórica, oficial.
culo, quando importantes reivindicações dos reformado-
res foram realizadas: reforma das Universidades e do en-
sino, europeização do país até então provinciano, indus- 162) W. Kloos: Vertien joar Litteratuurgeschiedenis. Haarlem. 1906.
trialização e exploração industrial das minas, enquadra- A. Verwey: Inleiding tot de nieuioe nederlandsche dichtkunst.
Amsterdam, 1906.
mento do país na rede do comércio internacional, cresci- E. d'01iveira: De mannen van 1880. 3* ed. Amesterdam, 1920.
mento rápido da cidade de Madri. O proceso do aburgue- F. Coenen: Studien van de Tachtiger Beweging. Mlddellurg, 1924.
A. Donker: De "episode van de vernieuwing onzer poezie. Maas-
samento completou-se, afinal; e ao mesmo tempo organi- tricht, 1929.
zou-se o proletariado. Nesta nova situação transf ormou-se O. H. Gravesande: Geschiedenis van de Nieuioe Gids. Arnhem,
1956.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2719
271 & OTTO MARIA. CARPEAUX
romantismo intenso em forma clássica, lembrando a poesia
Havia algumas, poucas, exceções. Helene Swarth ( 1 M ) dis- de Keats, com possibilidades infinitas de sugestão verbal.
tinguiu-se pela melancolia musical dos versos, lembrando O estudo mais atento desses sonetos revelou a presença,
Heine ou Musset, e pela simplicidade sincera; os críticos neles, de uma verdadeira filosofia estética, um conceito
de 80 celebrarão muito a poetisa, incorporando-a ao movi- metafísico da poesia como mensagem divina, reflexo da
mento de renovação. Depois, o solitário Emants ( 1 M ) : seus beleza platónica do Universo invisível. Perk, consciente
poemas narrativos Lilith e Godenschemering (Crespúculo do seu génio e talvez já pressentindo a morte, não estava
dos Deuses) teriam escandalizado os burgueses e os críti- longe de endeusar-se a si mesmo, falando do "trono de
cos, pelo ateísmo, pelo pessimismo, e pelo novo estilo poé- Deus na sua própria alma":
tico, apreendido nos pré-rafaelistas ingleses. Mas só pou-
cos, então, leram poesia que não foi levada a sério. E n t r e "De Godheid troont diep in mijn trotsch gemoed."
esses poucos foi um jovem estudante, Jacques Perk ( 1 5 6 ),
quem, na ocasião de uma excursão estival para a Bélgica, se
Transfigurou-se para a posteridade em figura quase mi-
apaixonou por uma moça, dedicando-lhe uma série de so- tológica: o "jovem deus morto e renascido" da nova poe-
netos que não conseguiu mais publicar; Perk morreu aos sia holandesa.
vinte e dois anos. Logo depois, seu amigo Kloos e o crí- Em oposição à mais importante das revistas literárias
tico Karel Vosmaer publicaram-lhe Mathilde, een sonnet- conservadoras, o Gids, fundou-se em 1885 De Nieuwe Gids,
tenkrans (Matilde, um Ciclo de Sonetos); a literatura ho- redigido por Willem Kloos, Albert Verwey e Frederik Van
landesa tinha perdido um poeta de categoria universal, o Eeden. Entre os colaboradores destacou-se logo o jovem
primeiro havia séculos. Em língua holandesa ainda não se Van Deyssel ( 1B0 ), pseudónimo de Karel Alberdingk Thijm,
ouvira um verso em que, como no seguinte, a "côr azul dos filho daquele romântico católico; crítico apaixonado, pro-
horizontes" e "o calor amarelo do Sol" dão um acorde mu- pagandista nato. Fora partidário de Zola, escandalizando
sical: os puritanos holandeses com a exigência de "estudos con-
forme o modelo vivo"; depois, proclamou, como Bahr em
"De ronde ruimte blauwt in zonnegloed...", Viena e quase no mesmo ano, "a morte do naturalismo";
lutou pela poesia simbolista, viu em Maeterlinck a realiza-
153) Helene Swarth, 1859-1941. ção daquilo que seu próprio pai, o medievalista, desejara
Eemame Bloemen (1883); Blauwe Bloemen (1884); Beelden e» fazer. O "missing link" entre aquele romantismo e o neo-
Stemmen (1887); Sneeuuwlokken (1888); Pasieoloemen (1891).
K. Vos: "Helene Swarth". (In: Vragen van den Dag. XXXIV. romantismo foi a poesia inglesa — .Shelley, Keats, Dante
1919). Gabriel Rossetti, Swinburne — que exerceu influência pro-
J. Naeff: "Helene Swarth". (In: Stem, XXI, 1941). funda sobre os jovens holandeses, sobretudo Keats e a sua
154) Cf. "Conversão do naturalismo", nota 87. "religião de beleza":
155) Jacques Perk, 1859-1881.
Mathilde, een sonnettenkrans (1882); íris (1883). 166) Lodewijk Van Deyssel (psedônimo de Karel Alberdingk Thijm);
Edição por W. Kloos e K. Vosmaer, Haarlem, 1883 (8* ed. 1864-1952.
Haarlem, 1923).
B. Perk: Jacguec Perk. Amsterdam, 1902. De Dood van het Naturalisme (1890); Van Zola tot Maeterlinck
W. Kloos: Jacques Perk en zijn beteekenis in de historie der ne- (1895); Vit het Leven van Frank Rozelaar (1911) etc.
derlandsche litteratuur. Amsterdam, 1909. P. H. Ritter: Van Deyssel. 2.» ed. Haarlem, 1921.
M. Acket: Jacques Perk. Amsterdam, 1926.
O. Stulveling: Het korte leven van Jacques Perk. Amsterdam, 1957.
2720 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2721

"Beauty is truth, truth beauty, — that is ali elaborando com paciência poemas cíclicos, perfeitos, como
Ye know on earth, and ali ye need to know." Het brandende braambosch (O Espinheiro Ardente) e
Kristaltwijg (Ramo de Cristal) — os títulos parecem al-
Eis o lema do esteticismo holandês, que usou, porém, ex- tamente simbolistas à maneira francesa. Tinha muito da
pressões novas, as do simbolismo francês. disciplina severa do seu amigo alemão, o poeta Stefan Geor-
O mais extremado desses esteticistas foi Kloos ( 1 8 7 ) :
ge, e do seu amigo francês Valéry. Como Oeorge, celebrou
a emoção pessoal em versos perfeitos significava-lhe o
a Amizade, no ciclo Van de Lieíde die Vriendschap Heet
único valor na vida. Os seus próprios versos passam pelos
(Do Amor Que se Chama Amizade). Faltava a Verwey a
mais belos em língua holandesa: expressões absolutamente
emoção calorosa de Kloos, menos na poesia religiosa dos
perfeitas de uma alma apaixonada pela beleza. Têm só um
defeito: são poucos. O motivo dessa raridade não foi a Christus-Sonnetten, em que celebrou "a chama de Paixão
ânsia flaubertiana da perfeição, mas um esgotamento rá- neste Universo frio": ^ Q . ^ ^
pido, quase misterioso. Durante decénios, Kloos viveu em
solidão absoluta internando-se cada vez mais num secta- "O viam van Passie in dit koud heelal!"
rismo esteticista e autodivinização quase mórbida. Só es-
tudos muito recentes conseguiram destruir a lenda em tor- O 'Tart pour 1'art" não o satisfez; chegou a exigir fins
no dele: Kloos foi natureza patológica, senão demoníaca, morais e religiosos da arte. E n t r e Kloos e Verwey havia,
e, ao mesmo tempo, homem mesquinho e mentiroso. De- evidentemente, incompatibilidade de génios. Já desde
feitos que também lhe prejudicaram a incansável e valiosa 1890 rebentaram com frequência pequenos e grandes con-
atividade de crítico literário. Afinal, levaram ao rompi- flitos. E m 1894 terminou a crise com o rompimento. De
mento de Kloos com Verwey e Van Eeden, à falência do Nieuwe Gids mudou de feição. Kloos retirou-se, calando-se
De Niewe Gids e ao fim prematuro do movimento. enfim. No livro crítico Vertien Jaar Litteratuurgeschiede-
Verwey ( 158 ) também começara com arte pré-rafaelita; nis (Quatorze Anos de História Literária) fêz o balango do
ao lado de Okeanos, de Kloos, publicou Persephone e De- movimento de 80. Do lado oposto ficavam Van Eeden ( 15t> ),
meter. Em Verwey eram, porém, mais fortes as influências antiindividualista decidido, voltando-se para experimentos
francesas, também as parnasianas. Foi um poeta erudito, de socialismo cristão à maneira de Tolstoi, acabando con-
vertido ao catolicismo; e o próprio Verwey, que se tornou
157) Willem Kloos, 1859-1938. um grande professor de literatura. O epílogo melancólico
Okeanos (1884); Verzen I (1894); Nieuwe Verzen (1895); Verzen do movimento, escreveu-o, decénios mais tarde, o último
11 (1902); Verzen III (1913).
K. H. de Raaf: Willem Kloos. De Mensch, de dichter, de kriticus. companheiro dos "homens de 80", Jacobus Van Looy ( , f l 0 ),
Velsen, 1934. no romance Jaapje, confessando o absurdo da sua longa
M. Uyldert: De jeugd van Willem Kloos. Amsterdam, 1948.
158) Albert Verwey, 1865-1937.
Persephone en andere Gedichten (1895); Aarde (1896); De nieuwe
tuin (1899); Het brandende braambosch (1899); Kristaltwijç 159) Cf. "Coversao do naturalismo", nota 92.
(1904); Verzamelde Gedichten (1911); De getilde last (1927). 100) Jacobus Van Looy, 1855-1931.
M. Ulyldert: Over de poezie van Albert Verwey. Hoorn, 1942. Jaapje (1917).
M. Uyldert: Uit het leven van Albert Verwey. 2 vols. Amsterdam, J. van Looy-Gelder: Tot het lezen van Jacobus van Looy. Lon-
1948/1966. don, 1937.
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2722 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA » A LITERATURA OCIDENTAL 2723

vida ativa e evocando a bela sabedoria poética dos dias da resultado imediato da atividade crítica de Vermeylen em
mocidade. Van en Straks foi uma poesia francesa, entre parnasiana e
O conflito entre Kloos e Verwey a respeito de indivi- 8Ímbolista, em língua flamenga. Van Langendonck ( 1 M )
dualismo estético e arte social esclarece-se pelo exemplo adotou as formas disciplinadas do parnasianismo; mas, no
dos conflitos análogos no ramo flamengo da literatura ho- coração, era discípulo de Gezelle, cantando com emoção re-
landesa. Ali, na Bélgica, a situação era diferente. Os fla- ligiosa os campos amarelos, "como de ouro", do Brabante.
mengos constituíam a parte agrária e pobre do país indus- Morreu como um indigente no hospital dos pobres —
trializado, em evidente inferioridade económica e cultu- "Flandres pobre". O grande simbolista do movimento foi
ral. Ao lado dos valões, eram um proletariado rural e in- Karel Van de Woestijne ( 1 6 8 ), menos espontâneo e menos
telectual, — "arm Vlaanderen", a "Flandres pobre". Os original do que Gezelle, mas também menos regional, mais
grandes talentos da nação — Materlinck, Georges Roden- cosmopolita: o único poeta de categoria universal da lite-
bach, Van Lerberghe, Verhaeren, preferiam a língua fran- ratura flamenga. Os seus modelos — sempre franceses —
cesa para serem ouvidos no mundo. Os escritores flamen- definem-lhe a a r t e : de Laforgue, a coragem de falar de
gos não eram filhos de uma burguesia rica, dedicados a es- tudo, de tornar poética a língua da vida quotidiana, a única
tudos estéticos, como aconteceu na Holanda, mas profes- da qual o poeta da "Flandres pobre" dispunha; de Henri do
sores pobres, vigários, jornalistas. Foi menos literário do Réginer, a arte consumada do verso, a disciplina clássica e
que social o impulso que sugeriu em 1893 a August Ver- o preciosismo; do seu patrício Verhaeren, o grande tom
meylen e seus amigos a fundação da revista Van Nu en hínico, a emoção mística perante a vida. Van de Woestijne
Straks, berço da literatura flamenga moderna ( 1 8 1 ). é o poeta de Flandres, da riqueza áurea dos seus campos de
O próprio Vermeylen ( 162 ) era principalmente criti- trigo, do sol estival, da alegria religiosa do povo católico
co. Chamou a atenção para o simbolismo francês — evi- — eis as expressões dos seus dois versos mais belos:
dentemente para o fim de competição com os já famosos
escritores flamengos de língua francesa — mas também po-
dia apontar um modelo nacional: o poeta-sacerdote Gezel-
164) Prosper Van Langendonck, 1862-1920.
le ( 1 0 3 ), o maior poeta de língua holandesa do século XIX, Verzen (1900).
que vivera durante decénios quase desconhecido como vigá- J. Boonen: Prosper Van Langendonck. Bruxelles, 1906.
rio de aldeia e professor de seminário, oprimido pela fla- 165) Karel Van de Woestijne, 1878-1929.
He Vaderhuis (1903); De vlaamsche Primitieven (1903); Laethe-
mengofobia do alto clero belga, totalmente afrancesado. O msche Brieven (1904); Verzen (1906); Janus met het dubbele
Voorhoofd (1908); De gulden Schaduw (1910); Kunst en Geest in
Vlaanderen (1910); Interludlen (1914); Goddelijke verbeeldingen
(1918); De bestendinge Aanwezigheid (1918); He zatte Hart (1924);
De Zon in den Rug (1924); God aan zee (1927); Bergmeer (1928).
161) J. Kuypers: On Ruime Benen. De opbloei van onze nieuwe LetU- Edição completa por P. N. van Eyck, M. Roelants e outros, 8
ren en Van Nu en Straks. Antwerpen, 1920. vols., Anterverpen, 1947-1954.
A. Vermeylen: Van Gezelle tot Timmermans. Gent, 1923. M. Gtjsen: Karel Van de Woestijne. Amsterdam. 1921.
162) August Vermeylen, 1872-1945. J. A. Eeckhout: Karel Van de Woestijne. Antwerpen, 1925.
Kritiek der vlaamsche beweging (1905); De wandelende jooâ G. van Severen: Karel Van de Woestijne. Bruxelles, 1944.
(1906). A. Westerlinck: De psychologische figuur van Karel Van de
P. de Smaele: August Vermeylen. Brussels, 1948. Woestijne. Antwerpen, 1952.
163) Cf. "Advento da burguesia", nota 105. H. Telrlinck: Karel Van de Woestijne. Bruxelles, 1958.
2724 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2725
"Vlaandren, o welin huis, waar we zijn ais genooden tores de evasão, esses flamengos de língua flamenga tam-
aan rijke taaflen. . . " bém, enfeitando como podem uma realidade dolorosa.
Como salvar a "Flandres pobre"?
Mas a sua arte de palavras preciosas e metros complicados
Gezelle tinha apontado um caminho: contra a vonta-
também serve para cantar êxtases místicos e êxtases se-
de do alto clero afrancesado ensinou aos seus discípulos
xuais, numa combinação que lembra o passado espanhol da
nos seminários de Roulers e Bruges o nacionalismo fla-
Bélgica. Van de Woestijne chegou ao fim quase fatal do
mengo. E n t r e esses discípulos surgiu o poeta que os seus
seu esteticismo, convertendo-se ao catolicismo abandona-
companheiros consideravam como génio: Albrecht Roden-
do, voltando para lá onde começara a viagem de sua vida
bach ( 1 6 8 ), o primo daquele Georges Rodenbach, autor de
muito dolorosa: em "casa do pai", Het Vaderhuis. Voltou
Bruges-Ia-Morte. Mas nem sequer com este suporta Albre-
arrasado, o homem, mas não o poeta, que continuou até o
cht a comparação, por mais alta a conta em que os flamen-
fim cantando o amor místico e o valor do sofrimento:
gos o tenham até hoje; as suas poesias são retóricas; e o
fragmento dramático Gudrum é uma tentativa não amadu-
"Over heel de wereld heen recida de grande poema "germânico". Albrecht Roden-
liefde en leed — allen". bach, que morreu com vinte e quatro anos, ficou mais como
símbolo do que com realidade literária. O propagandista da
Ao lado desse aristocrata esteticista encontram-se os sua arte era seu mestre Hugo Verriest, também professor
escritores do povo humilde das velhas cidades flamenga» do seminário de Roulers, onde instigou uma revolta dos se-
— seria interessante compará-los com os seus patrícios da minaristas flamengos, fundando-se a associação nacionalista
mesma raça e de língua francesa. A Bruges de Georges "Blauwvoet", de grande futuro político — mas não literá-
Rodenbach é um teatro de espectro fantásticos; a Bruges rio. Só muito mais tarde deu o nacionalismo flamengo um
do contista Maurists Sabbe ( lfl8 ) é uma cidadezinha de es- resultado literário, e este é de valor duvidoso: Pallieter, de
quisitões humorísticos e sábios do povo, de moças ingénuas Félix Timmermans ( 1 6 9 ), glorificação algo rabelaisiana do
e de beatas. Não são pitorescos, mas pobres. A Antuérpia prazer da vida na antiga Flandres — obra famosa, traduzida
de Eekhoud é uma cidade de grandes armadores e espe- para todas as línguas, porque agradava ao gosto pelo pi-
culadores na Bolsa; a Antuérpia do novqlista Baekel- toresco e ao comodismo mental dos leitores. Timmermans
mans ( i a 7 ) são as ruas estreitas do centro da cidade e do
porto, marujos e mendigos, beatas e prostitutas. São escri-

188) Albrecht Rodenbach, 1856-1880.


Eerste Gedichten (1878); Oudrun (1882).
L. Van Puyvelde: Albrecht Rodenbach, zijn leven en zijn werken.
166) Maurlts Sabbe, 1873-1938. Antwerpen, 1909.
Een Mei van Vroomheid (1903); De Filosoof van >t Sashuis (1907) J. Oorda: De dichter Rodenbach. Antwerpen, 1909.
etc. J. Vermeulen: Albrecht Rodenbach. Antwerpen, 1930.
L. Monteyne: Maurits Sabbe en zijn Werk. Antwerpen. 1934. 189) Feliz Timmermans, 1886-1947.
187) Lode Baekelmans, 1879. Pallieter (1916); Het Kindeken Jezus in Vlaanderen (1917); De
TUle (1912) etc. zeer schoone Uren van Juffrouw Symforosa (1918) etc.
L. Monteyne: Lode Baekelmans, een inleiding tot zijn wtrk. Th. Rutten: Félix Timmermans. Antwerpen, 1928.
Antwerpen, 1924. E. van der Hallen: Félix Timmermans. Antwerpen, 1948.
g

2726 OTTO M A M A CARPEAUX H I S T Ó M A BA LITERATURA OCIDENTAL 2727

criou um símbolo nacional, se bem que algo barato. Mas Mei é um hino â Natureza como poucos existem na litera-
nem todos participaram dessa evolução. Também já havia tura universal, acabando em melancolia profunda.
fábricas e sindicatos em Gent e Antuérpia. O próprio Ver- Gorter é simbolista. A sua estética é a de Mallarmé.
meylen tornara-se líder intelectual do socialismo flamengo. É o mais avançado dos holandeses de então; e avançou mais
Essa transição do esteticismo ao socialismo, revolucio- nos Sensitivistische Verzen (Versos Sensitivos), poesia ex-
nário em sentido político e em sentido literário, operou-se perimental de puros efeitos musicais sem sentido lógico.
de maneira análoga no ramo maior da literatura holandesa, Gorter não aderiu à secessão antiesteticista de Verwey e
isto é, na própria Holanda. Herman Gorter ( 17 °) foi, na Van Eeden, mas só porque a sua conversão foi mais radi-
revolução literária de 80, uma das figuras principais; e cou- cal. Depois de um manifesto contra o movimento de 80
be-lhe desempenhar o papel principal na solução da crise publicou a obra teórica School der Poezie (Escola de Poe-
que incompatibilizara KIoos e Verwey. E m 1889, Gorter, sia), crítica implacável da "futilidade" e "inutilidade" de
precoce como os outros poetas holandeses dessa época, pu- toda "poesia burguesa"; e aderiu ao partido socialista.
blicou o poema filosófico — narrativo Mei (Maio), a obra Chegou a condenar a própria poesia; parecia ter abando-
mais importante e mais permanente da nova literatura ho- nado a literatura. Depois da sua morte encontrou-se, po-
rém, nas gavetas, grande número de poesias, inéditas, im-
landesa, a realização completa daquilo que Perk só pro-
portantes. Mas já antes o próprio poeta publicara Pan,
metera. Mei é um poema simbólico, à maneira dos poemas
poema vigoroso em louvor da revolução social. Nos seus
narrativos dos "Lake Poets" e de Shelley; o amor entre Mei
últimos anos, Gorter foi comunista.
e Balder alegoriza a união da beleza física e da beleza es-
piritual. A filosofia de Gorter é neoplatônica; a forma é, Entre o marxista Gorter e o socialista cristão Van
como nos sonetos de Perk, a do classicismo romântico de Eeden situa-se Henriette Roland-Holst ( m ) > cuja poesia é
Keats, ídolo dos poetas holandeses da época. Mas a lin- menos "pura"; mas a poetisa foi a figura mais nobre do mo-
guagem poética é diferente: é musical em primeira linha, vimento inteiro. Estreou com Sonnetten en Verzen in Ter-
conforme o programa de Gorter de dar "música, sempre, e zinen à maneira dos esteticistas; como os companheiros,
nunca bastante música": admirava muito a Dante, embora visto através de Dante
Gabriel Rossetti; mas avançando logo para uma interpre-
tação menos anacrónica, reconheceu em Dante o grande
"Drank van musíek altijd en nooit g e n o e g . . . "

171) Henriette Roland-Holst, 1869-1952.


170) Herman Gorter, 1864-1927. Sonnetten en Verzen in Terzinen (1895); De nieuwe Geboort
Mei (1889); Sensitivistische Verzen (1892); Kritiek op de litterai- (1903); Opwaartsche Wegen (1907); De Opstandelingen (1910);
re beweging van 80 in Holland (1897); School der Poèzie (1897>; De vrouv) in het Woud (1912); Het O/fer (1917); Verzonken Gren-
Pan (1917); In Memoriam (1928). zen (1918;; Tusschen twee werelden (1923); Kinderen (1923);
Ediç&o crítica de Mei por P. N. van Eyk, Amesterdam, 1940. Verioorvenheden (1927).
W. Van Ravensteyn: Herman Gorter, de dichter van Pan. Rotter- B. Verhoeven: De zielegang van Henriette Roland-Holst Amster-
dam, 1928. dam, 1925.
R. A. Hugenholz: Gorters's Mei. 2.tt ed, Amsterdam, 1929. J. P. van Praag: Henrieite Roland-Holst. Wezen en Werk. Ams-
T. J. Langeveld Bakker: Herman Gorte&s dichterlijke ontwikke terdam, 1946.
ling. Gromlngen, 1934. R. Antonissen: Herman Gorter en Henriette Roland-Holst. Ams-
J. C. Brandt Cortius: Herman Gorter. Amsterdam, 1934. terdam, 1946.
2728 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2729

profeta moral do seu tempo. Foi, paradoxalmente, o maior 1900: fora um país de grande comércio colonial algo an-
poeta do catolicism omedieval que a guiou até o socialismo tiquado, em estilo do século X V I I ; e foi transformado em
marxista. Começou, então, a série dos poemas socialistas grande potência imperialista, dominando o mercado do di-
de Henriette Roland-Holst: De moderne Prometheus. nheiro nas Bolsas internacionais. Ao mesmo tempo, mo-
(Prometeu Moderno), Aan de Gebrokenen (Aos Quadra- dificou-se a base agrária da economia metropolitana: assim
dos), Gebed aan het Socialisme (Oração ao Socialismo), como na Espanha, surgiu na Holanda a grande indústria, e
Mensch en Mensch (Homem e Homem) — na literatura surgiu o proletariado organizado. A prosperidade geral
universal inteira não existe nada de parecido. Embora par- produziu o fenómeno ao qual Veblen chama "conspicous
tidária do materialismo histórico, Henriette Roland-Holst consumption": a burguesia permitiu-se o luxo de tolerar
a arte, mesmo uma arte tão suntuosa como a do simbolismo.
deu à sua profissão de fé socialista sempre uma tonalidade
Os próprios simbolistas venceram em si mesmos a melan-
humanitária; são significativos os nomes que escolheu para
colia decadentista e chegaram a uma atitude positiva, afir-
as suas biografias romanceadas: Thomas Morus, Rousseau.
mativa, em face do mundo moderno.
Garibaldi e Tolstoi. A poetisa aproximou-se bastante do
evangelho do amor de Van Eeden, celebrando o "Amor" em Resta demonstrar a universalidade desses fenómenos.
versos que lembram a "Vita Nuova". A literatura pré-simbolista baseava-se em duas classes: a
A poesia socialista de Henriette Roland-Holst já se burguesia liberal, satisfazendo-se com o epigonismo pós-
encontra além do simbolismo. J á não é arte "pura" nem quer romântico, e os pequenos-burgueses radicais, fazendo a
sê-lo. A forma só tem importância secundária; o encanto re- I propaganda do naturalismo. No "fin du siècle", a burgue-
side na emoção sincera de uma grande personalidade. E I sia tornar-se-á antiliberal e reacionária; e o lugar do ra-
Henriette Roland-Holst foi destemida. Em Verzonken Gren- dicalismo será ocupado pelo proletariado organizado. O
zen (Fronteiras Abolidas) saudou a revolução comunista. capitalismo, transformando-se de capitalismo industrial em

Depois, desiludida pela política russa, abandonou a comu- | capitalismo financeiro, abandonou a doutrina do livre-câm-
nismo; confessou receio de "não ver mais a paz luminosa": I bio, da liberdade dos mercados internacionais, abraçando
I o protecionismo. Primeiro na Alemanha, cuja rápida indus-
" W i j zullen u niet zien, lichtende V r e d e . . . " trialização exigiu a proteção preliminar contra a concorrên-
I cia inglesa, para avançar depois nos mercados coloniais e
Ficou idealista, crente, até o fim. I semicoloniais. Já em 1879 introduziu Bismark as tarifas
A veneração geral da qual Henriette Roland-Holst foi I para mercadorias manufaturadas; em 1881, a França acom-
cercada, é fenómeno surpreendente num país em que, havia I panhou esse passo e os direitos proibitivos do BUI Mac
poucos anos antes, Multatuli fora considerado libertino es- Kinley, de 1890, nos Estados Unidos, ultrapassaram todas
candaloso. A tonalidade ética do socialismo holandês, mes- I i s experiências europeias. A Inglaterra, fortaleza amea-
mo entre os marxistas, é herança puritana. Mas a própria I cada do livre-câmbio, seguiu hesitando, introduzindo em
transformação do esteticismo em socialismo corresponde a 1887 a obrigação de indicar a origem inglesa dos produtos
u m novo reconhecimento do papel da Inteligência no p I Industriais. Mais tarde, J o e Chamberlain iniciará a cam-
é o fim do ostracismo da arte. E isto, por sua vez, corres- | psnha em favor do protecionismo e da união aduaneira do
pondia às transformações sociais da Holanda por volta de I Império Britânico. O processo acelerou-se, para as indús-
2730 OTTO MARIA < MUM AUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2731

trias nacionais poderem sobreviver às grandes crises de 1898 há lutas de barricada entre operários e a tropa nas
superprodução, em 1882, 1890, 1900. O fim do liberalis- ruas de Milão.
mo económico nos mercados internacionais significava fa- A situação é de guerra de classe entre o capital mono-
talmente a limitação do liberalismo económico dentro das polista e o proletariado organizado. Quem parece excluí-
fronteiras nacionais. Os industriais renunciaram a uma do do futuro são os filhos da classe média, inclusive os in-
parte da sua liberdade de movimento, reunindo-se — volun- telectuais. Essa situação agrava-se em países "novos", re-
tária ou involuntariamente — em trustes, "sindicatos" e cém-industrializados ou colonialmente explorados, onde os
"cartéis", as mais das vezes dependendo do capital bancá- intelectuais são considerados "inúteis" — são os países
rio. Talvez coubesse a prioridade à Standard Oil Com- "marginais", os novos centros da poesia simbolista.
pany (1882); mas já em 1884 transformou-se também o O simbolismo é a literatura dessa classe sem funda-
Comité des Forges em sindicato da indústria siderúrgica mento económico na sociedade, algo assim como os intelec-
francesa. Seguiram na Alemanha o Kali-Syndikat da in- tuais de 1800 que criaram o romantismo; o que contribui
dústria dos adubos artificiais, em 1888, o Rheinisch-West- para explicar o aspecto neo-romântico do simbolismo. O
faelisches Kohlensyndikat, da mineração de carvão no reflexo daquela situação à margem da sociedade e das ati-
Ruhr, em 1893, o Stalhwerksverband, da indústria siderúr- vidades "úteis" é o conceito da arte intencionalmente "inú-
gica, em 1904; e a fundação desta última entidade não é til", do "l'art pour Tart" — assim como a "torre de mar-
sem relação com o nascimento da United States Steel Cor- fim" do parnasianismo. Mas a diferença é mais importan-
poration, em 1901. A indústria de eletricidade organi- te do que a anologia: os parnasianos também estavam ex-
za-se desde logo em trustes assim — Siemens, A.E.G., Ge- cluídos da economia social, mas ainda ficavam com as
neral Electric — e desempenha papel de pioneira na con- comodidades da burguesia velha. A vida retirada de Re-
quista de mercados novos, sobretudo na América Latina, nan ou Tennyson é bastante confortável; ou, então, os par-
onde começa grande luta dos imperialismos económicos. nasianos são funcionários graduados, diretores de museu
Nota-se como essas datas da história económica coincidem ou biblioteca, diplomatas, pessoas com ordenados fixos e
com as datas decisivas da história do simbolismo. Mas garantidos. O grande número de altos funcionários e di-
essas mesmas datas têm mais outra significação. Industria- plomatas entre os poetas modernistas hispano-americanos
lização quer dizer proletarização; a consciência de classe explica bastante a feição parnasiana desse "modernismo"*
do proletariado começa a substituir o radicalinsmo da pe- sobretudo em sua segunda fase. Mas, em geral, a época
quena-burguesia. Em 1889 organiza-se a Segunda Inter- não oferece tantas facilidades aos literatos do movimento
nacional; e no dia 1.° de maio de 1890 celebra-se pela pri- simbolista. Sentem-se como perdidos no mundo, sem segu-
meira vez a festa internacional do trabalho. Em 1893, o rança, alguns até são vagabundos, "poetes maudits", como
Partido Social-Democrata sai das eleições como o maior Verlaine, que foi, por isso, excluído do Parnasse contempo-
partido político da Alemanha; em 1894, em Norwich, o rain. Só um poeta da época parnasiana estava em condição
congresso dos sindicatos ingleses, muito prudentes até en- semelhante; podia servir e serviu realmente de modelo aos
tão, pronuncia-se em favor do coletivismo; em 1895 fun- simbolistas: o boémio Baudelaire. Neste, os simbolistas
da-se em Paris a Confédération Générale du Travail, e em encontraram as suas próprias angústias, o individualismo,
2732 OTTO M A R I A CABPBAUX
HISTÓRIA DA LITERATTJBA OCIDENTAL 2733
o gosto pelo fantástico, a confusão intencional entre a rea- Esse sentimento de "estar no fim" era tão forte que
lidade e a irrealidade para fugir dos conflitos reais. forneceu as palavras-chaves da época: "Décadence" e "Fin
Contudo, a sociedade em geral enriqueceu cada vez du Siècle". Daí o tom triste, até desesperado, da poesia
mais. Ao "gilded age" nos Estados Unidos, correspondia a simbolista; bem diferente, porém, do pessimismo niilista e
época dos móveis de peluche na Europa. A burguesia po- revoltado da "poetry of despair", poesia de individualistas
de-se dar o luxo da "conspicuous consumption", da ostenta- rebeldes contra o determinismo biológico e económico. Os
ção das riquezas; e a literatura ficou contaminada pelo poetas simbolistas também eram individualistas, mas por
gosto geral. Daí o esteticismo e o preciosismo da litera- assim dizer "malgré eux"; no íntimo não desejavam nada
tura simbolista, fazendo versos nos quais cada palavra é mais do que renunciar ao individualismo para serem rein-
como uma pedra preciosa, e juntando esses versos para com- corporados na sociedade. A reincorporação da classe lite-
por "sonatas" e "sinfonias". Mais uma vez, não é o esteti- rária que criara o simbolismo na sociedade era o caminho
cismo parnasiano; pois já está minado pelo sentimento de indicado para dominar o pessimismo decadentista. Podia
falta de segurança. Os simbolistas revelam o mesmo inte- ser antiindividualismo democrático, como na segunda fase
resse dos parnasianos pelas curiosidades da história das da evolução de Verhaeren, ou podia ser individualismo ex-
religiões; mas mesmo assim, colecionando estatuetas de tremado, pretendendo dominar a sociedade, como no caso
deuses antigos e orientais ou de santos medievais, não sa- de Nietzsche.
bem resistir à ideia de que pode haver algo de verdade Na Alemanha, o contraste era sobremodo forte: de um
nisso, verdades místicas do mundo invisível. Os parnasia- lado, a prosperidade de uma industrialização rapidíssima,
nos passaram em revista os deuses de todos os povos e sé- j o luxo ostensivo da burguesia e a arrogância não menos
culos para se fortalecer na convicção da vaidade de todas ostensiva do regime militarista; por outro lado, o reco-
as religiões; os simbolistas não souberam resistir à ten- lhimento involuntário dos intelectuais, excluídos da vida
tação de ajoelhar-se perante os altares mais exóticos. Os pública pelo meio-absolutismo prussiano. J á desde 1870
parnasianos eram ateus. Os simbolistas gostavam do ocul- os intelectuais reagiram com pessimismo acentuado, reti-
tismo ou voltaram-se para a Igreja romana. Mas essa ati- rando-se para a província e lendo Schopenhauer, assim co-
tude religiosa difere muito da religiosidade mística dos mo fêz Raabe. Esse pessimismo não encontrou, porém, ex-
russos e escandinavos. É antes uma fadiga intelectual, pressão própria. Até o advento do naturalismo, os "de-
uma declaração de falência, uma reação contra o intelectua- cadentistas" alemães, quer dizer, os pessimistas que se
lismo científico, culpado de ter construído o mundo dema- preocupavam com o futuro da civilização alemã ameaça-
siadamente racional da técnica industrial e da luta de clas- da pelo materialismo do novo Império, serviram-se das ex-
ses. Não é uma reação de instintos religiosos primitivos pressões do realismo provinciano. E mesmo depois preva-
contra os requintes do cepticismo das grandes cidades; leceram as influências escandinavas e russas. Orgulho pa-
mas antes um antiintelectualismo que também é tipicamen- triótico, desdém pela suposta "decadência biológica" da
te urbano, saudosista dos tempos primitivos, mais seguros França e a aversão pequeno-burguesa contra a "imoralida-
— aquilo a que Spengler chamou a "segunda religiosida- de" de Paris impediram o contato. Maupassant era leitura
de", da fase final de uma civilização. que os pais proibiam às filhas; e os poetas simbolistas, dos
quais só se tinha vaga notícia, eram considerados loucos.
27:51 OTTO MARIA CARPEAUX H I S T Ó R I A DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 2735

U m s i m b o l i s m o d e p r i m e i r a h o r a , a s s i m c o m o s u r g i u na e s t i r p e d o s P l a t ã o e P a s c a l , u m p o e t a - f i l ó s o f o . A qualida-
Á u s t r i a , m u i t o m a i s a f r a n c e s a d a , era i m p o s s í v e l n a A l e - d e p o é t i c a do s e u p e n s a m e n t o p o d e s e r v i r p a r a a t e n u a r
manha. ou r e s o l v e r as c o n t r a d i ç õ e s i n t r í n s e c a s d e N i e t z s c h e ; s e -
M a s h a v i a a s e i t a w a g n e r i a n a d e B a y r e u t h . A f o r t e in- r i a m e x p r e s s õ e s m e n o s l ó g i c a s q u e e m o c i o n a i s e, p o r t a n -
fluência que W a g n e r (,T-) exerceu n o simbolismo francês to, m e n o s r e s p o n s á v e i s . M a s n ã o se p o d e a f i r m a r isso s e m
b a s t a p a r a r e v e l a r os e l e m e n t o s p r é - s i m b o l i s t a s n a s u a a r t e . d i m i n u i r ou a t é n e g a r a i m p o r t â n c i a filosófica d e N i e t z s -
E a p r e t e n s ã o de W a g n e r e dos wagnerianos de renovar c h e , a l é m d e a t r i b u i r à p o e s i a u m p a p e l d e m e r a efusão
pela arte a civilização alemã encontrou-se com a saudade emocional. Será mais conveniente considerar Nietzsche
d o s " r e n a i s c e n t i s t a s " pela R e n a s c e n ç a i t a l i a n a , c o m o m o - como poeta-filosófo n u m outro sentido, como pertencendo
d e l o d e u m a civilização a r t í s t i c a e c o m p l e t a . O r e p r e s e n - à fase h u m a n i s t a d a c i v i l i z a ç ã o alemã, d a é p o c a q u a n d o
tante mais sério desse "renaiscentismo", B u r c k h a r d t (173), H e g e l e H o e l d e r l i n e s t u d a v a m j u n t o s n o Stift d e T u e b i n -
è e s t e t i c i s t a e d e c a d e n t i s t a no s e n t i d o m a i s n o b r e d e s s e s gen, q u a n d o P l a t ã o era l i d o c o m o p o e t a e c o m o filósofo
t e r m o s : a a r t e p a r e c i a - l h e o ú n i c o r e s u l t a d o d i g n o d o s es- ao m e s m o t e m p o .
forços h u m a n o s ; considerava a civilização europeia como N i e t z s c h e saiu d e u m a d a q u e l a s escolas h u m a n i s t a s d o
a g o n i z a n t e , " f i n d u s i è c l e " e f i m d e t o d o s os s é c u l o s . T o d a s t i p o q u e a c a b a r á d e p o i s d e 1870. T o r n o u - s e filólogo, g r e -
essas c o r r e n t e s r e ú n e m - s e e m N i e t z s c h e : c o m o f i l ó l o g o , , c i s t a . O p o e t a p r e f e r i d o d o s s e u s a n o s d e e s t u d a n t e era
g r a c i s t a , a p a i x o n a d o d e A n t i g u i d a d e , p e r t e n c i a à civiliza- H o e l d e r l i n , e n t ã o c o n s i d e r a d o r o m â n t i c o , " a d o l e s c e n t e in-
ção a l e m ã d e e s t i l o a n t i g o , d e W e i m a r ; caiu, d e p o i s , no feliz", e n q u a n t o o j o v e m N i e t z s c h e j á p a r e c e ter d e s c o -
pessimismo de S c h o p e n h a u e r ; com discípulo de W a g n e r , b e r t o ou a d i v i n h a d o e m H o e l d e r l i n o p o e t a g r e c o - a l e m ã o .
a p r e n d e u o c o n c e i t o e s t é t i c o da " c u l t u r a " ; e c o m o j o v e m E m c o m p e n s a ç ã o , j á n ã o e n c o n t r o u filosofia h e g e l i a n a n a s
p r o f e s s o r da U n i v e r s i d a d e d e B a s i l e i a r e c e b e u i n f l u ê n c i a
d e c i s i v a d a p a r t e do v e l h o c o l e g a B u r c k h a r d t . N i e t z s c h e
criou o simbolismo alemão.
Edição critica do Nietzsche-Archiv, 20 vols. Leipzig, 1933/1954.
N i e t z s c h e ( l 7 4 ) e s c a p a às d e f i n i ç õ e s . C o m o filósofo G. Simmel: Schopenhauer und Nietzsche. Leipzig, 1907.
s e m s i s t e m a , n ã o l e m b r a u m A r i s t ó t e l e s ou u m K a n t ; é da C. A. Bernoulli: Franz Overbeck und Friedrich Nietzsche. 2 vols.
Jene, 1908.
E. Foerster-Nietzsche: Das Leben Friedrich Nietzsches. 3 vols.
Leipzig, 1912.
172) Cf. "Do Realismo ao Naturalismo", nota 35. Ch. Andler: Nietzsche. 5 vols. Paris, 1920/1931.
173) Cf. "O Naturalismo", nota 24. F. Muckle: Friedrich Nietzsche und der Zusammenbruch der
174) Friedrich Nietzsche, 1844-1900. Kultur. Muenchen, 1921.
Die Géburt der Tragoedie aus ãem Geist der Musik (1872); Un- R. Rlchter: Friedrich Nietzsche, sein Leben und sein Werk. 2.*
zeitgemaesse Betrachtungen (1873/1874); Menschliches, AUzu- ed. Leipzig, 1922.
menschlisches (1878/1879); Morgenroete (1881); Die froehliche L. Klages: Die psychologischen Errungenschaften Nietzsches.
Wissen8chaft (1882); Also sprach Zarathustra (1883/1891); Jen- Leipzig, 1926.
seits von Gut und Boese (1886); Zur Genealogie der Moral (1887); E. Bertram: Nietzsche. 8.» ed. Berlin, 1929.
Der Fali Wagner (188); Der Wille zur Macht (188); Antichrist J Klein: Die Dichtung Nietzsches. Muenchen, 1938.
(188); Goetzendaemmerung (1889). K. Jaspers: Nietzsche. Berlim, 1936.
Edição do Nietzsche-Archiv, 9 vols. Leipzig, 1919. A. v. Martin: Nietzsche und Burckhardt. Basel, 1941.
Edição por R. e M. Oehler e F. C. Wurzbach, 20 vols., Muenchen. F. Q. Juenger: Nietzsche. Frankfurt, 1946.
1923/1925.
H. A. Reyburn: Nietzsche. The Story of a Human Philosopher.
London, 1948. /
2736 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2737
Universidades alemãs; o positivismo nas ciências naturais exagerar, exacerbar aquela doutrina, chegando até à me-
e históricas já liquidara com isso. Deste modo, Nietzsche galomania de se opor, como Dionysos, ao Crucifixo; e
tornou-se discípulo do anti-Hegel Schopenhauer; perdeu caiu, de repente, na noite da loucura.
o senso histórico (que talvez nunca viesse a possuir) ; e mer- Nietzsche é um dos maiores aforistas da literatura uni-
gulhou no pessimismo. versal . Não foi só a doença que lhe impôs essa maneira de
Como pessimista schopenhaueriano criticou asperamen- se exprimir em fragmentos, assim como o doente Pascal.
te, nas Unzeitgemaesse Betrachtungen (Considerações Ina- Foi o único modo possível de condensar em fórmulas apa-
turais), a decadência da civilização alemã no novo Reich. rentemente lógicas as emoções contraditórias de um poeta.
Encontrou apoio na música do seu amigo Wagner, da qual Nietzsche está cheio de contradições. É possível documen-
esperava, como os sectários de Bayreuth, uma nova cul- tar qualquer opinião com citações de Nietzsche; e sempre
tura artística, comparável à civilização grega. E i s o tema
a opinião contrária também. Nietzsche é um dos espíritos
da Geburt der Tragoedie aus dem Geiste der Musik (Nas-
mais radicais de todos os tempos, o cume do pensamento
cimento da Tragédia do Espírito da Música), o livro que
radical do século X V I I I , violentamente anticristão; ao
revoltou a filologia pela revelação do sentimento trágico na
mesmo tempo, seu pensamento é capaz de preparar novas
vida dos gregos; o jovem professor da Universidade de
formas inéditas de tirania espiritual. Nada há de mais con-
Basileia já sofrera, então, a influência de Burckhardt. So-
t r a d i t ó r i o do que a sua metafísica do otimismo, da "Volta
breveio uma doeça crónica que lhe impôs vacâncias pro-
Eterna" (Ewige Wiederkunft"), caricatura da metafísica
longadas; e em vacâncias permanentes passou o resto da
schopenhaueriana. Em compensação, a psicologia moder-
vida, quase sempre na Itália ou na Riviera francesa. Do
ressentimento do doente contra a sua própria fraqueza vi- na deve a Nietzsche algumas conquistas das mais impor-
tal, junto com o "renascentismo" de Burckhardt, nasceu o tantes, em primeira linha quanto ao fenómeno do ressen-
conceito do "Sul", da alegria pagã de viver, da "Gaya Scien- timento como motivo das reações morais e pseudomorais.
cia", em oposição ao pessimismo teutônico de W a g n e r . No ressentimento reconheceu Nietzsche a raiz do mora-
E m Menschliches, Alzumenscliches (Coisas Humanas, In- lismo e da moral cristã — por isso, o doente Pascal pare-
ira-humanas), essa oposição usa as armas subversivas da cia-lhe o maior dos espíritos cristãos e a maior vítima do
Aufklaerung ou Enlightenment do século X V I I I ; é um cristianismo. No cristianismo diagnosticou Nietzsche o
livro muito afrancesado, anticristão, radical. Em Morgen- grande inimigo da vitalidade, só comparável ao moralismo
roete (Aurora) e Froedhliche Wissenschaft (O Gaio Sa- racionalista de Sócrates, que estragou a civilização grega.
ber) já prevalece o misticismo do futuro — "Há muitas O "Sul" de Nietzsche é, portanto, a Grécia imoralista e
auroras que ainda não se levantaram": e em Also sprach trágica — pensamento de um filólogo herético. Eis o
Zarathustra (Assim Falou Zaratustra), um profeta, cheio "gaio saber" que êle trouxe do Sul para o país do pessimis-
de entusiasmo dionisíaco, proclama a morte do Deus cris- mo de Schopenhauer, do militarismo prussiano e da músi-
tão e do seu moralismo ascético, anunciando o reino do ca de Wagner, que então já estava convertido ao "cristia-
Super-Homem imoralista. Nos seus últimos livros Nietzs- nismo" budista-niilista de Parsifal. Em Nietzsche reno-
che não fêz nada senão desenvolver, formular em aforis- vou-se o conflito irresolúvel entre o elemento pagão e o
mos e epigramas cada vez mais densos, mais mordazes, e elemento cristão dentro da "síntese greco-alemã"; o mes-
mo conflito que rebentara em Hoelderlin. Nietzsche, des-
2738 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2739

cendente de gerações de pastores luteranos, adoeceu, ou e Pater nas suas celas de Basileia e Oxford. Levou o es-
acreditava ter adoecido, em consequência da supressão dos teticismo até à idolatria da a r t e ; e a "premissa económica"
seus instintos pelo moralismo cristão; vingou-se, denun- do esteticismo foi exagerada até surgir o conceito violen-
ciando os ressentimentos dos moralistas. No domínio do tamente antidemocrático do "homem-senhor", dono da vida,
cristianismo sobre as consciências viu, ameaçando a civi- isento dos preconceitos do Bem e Mal: "Super-Homem".
lização ocidental, o perigo m o r t a l : a perda da vitalidade. O "Super-Homem" é a receita de Nietzsche para supe-
Neste sentido, denunciou com eloquência apocalíptica o rar o niilismo. Mas não se pode negar: o "super-homem"
"niilismo europeu", o fim da E u r o p a . é, êle mesmo, uma expressão desse niilismo. A vitória do
Mas Nietzsche já não era pessimista; ao contrário, oti- super-homem nietzschiano não salvaria a civilização euro-
mista forçado. O autor de Menschliches, Allzumenschli- peia, mas acabaria com os últimos restos dela. O primeiro
ches (Coisas Humanas, Inira-humanas) confiava no radica- que reconheceu isso, antes mesmo de Nietzsche ter sido
lismo à maneira do século X V I I I para quebrar o domínio descoberto e reconhecido pela intelligentzia europeia, foi
dos poderes antivitais e inaugurar a era da nova Renas- Burckhardt; por isso, o velho sábio resistiu ao radicalismo
cença, assim como Burckhardt descrevera a Renascença de Nietzsche, recusando com frieza as repetidas declara-
italiana, bela e imoral. Assim, realizar-se-ia a renovação da ções de amizade desse seu perigoso discípulo. Mas Bur-
civilização alemã que Wagner exigira — mas já não cristã ckhardt, alheio ao hegelianismo, como todos os pensado-
e germânica, e sim livre e europeia. À estreiteza da vida res da sua época, não compreendeu as raízes históricas do
alemã de então opôs Nietzsche os amplos horizontes do pensamento nietzschiano. O poeta-filósofo foi o último
"Sul" e o livre-pensamento francês. O filólogo alemão romântico alemão, herdeiro de uma disciplina de espírito
criou o ideal do "bom europeu". Esse ideal será, depois, que o romantismo criara: a análise e crítica da moderna
"realizado" por uma pequena e selecionada elite de gente civilização europeia (Kulturkritik). Em Nietzsche, essa
rica, culta e ociosa, vivendo e "filosofando" nos hotéis de crítica lançou-se contra os últimos resíduos da síntese gre-
luxo da Suíça, Itália e da Riviera francesa, nos mesmos co-cristão-alemã que Hegel encarnara. Continuou o "pro-
lugares de preferência de Nietzsche, em férias involuntá- cesso" do hegelianismo que os "jovens hegelianos" inicia-
rias e permanentes. Essa "elite" não estava equivocada: ram, opondo à filosofia do Espírito um novo realismo, seja
interpretava bem o seu filósofo. Está certa a observação cristão como o de Kierkegaard, seja materialista como o de
de Bernoulli de que a vida do "bom europeu" nietzschiano Marx. Assim como esses dois, é Nietzsche um existencia-
se baseia numa "premissa económica". E Nietzsche era, lista avant la lettre. Em Nietzsche encontrarão um arsenal
como aquela elite, esteticista. Era da estirpe dos Bur- de argumentos os existencialistas à maneira de Heidegger
ckhardt e Pater, embora sem o forte senso moral do pri- c Sartre e os neomarxistas à maneira de Lukács, Groe-
meiro e sem as reticências inglesas do outro; a arte signi- thuysen e Walter Benjamin; assim como a filosofia da his-
ficava-lhe o último valor permanente num mundo deca- tória, de Spengler; a psicologia dos ressentimentos, de
dente de niilismo. Mas ali se revelou o romantismo inato Scheler; e o socialismo cristão, de Tillich. O mundo mo-
em Nietzsche, o seu "misticismo dionisíaco", quase hoel- derno não parece ter aceito nenhuma das ideias fundamen-
derliniano mas sem a humildade cristã do poeta. Não su- tais de Nietzsche. Mas sua influência está presente em
portou o conceito monástico do esteticismo de Burckhardt toda a parte.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2741
2740 OTTO M A R I A CARPEAUX
Nietzsche realizou milagres de transfiguração de emoções
A ambivalência do pensamento nietzschiano criou e românticas, como Vereinsamt (Solidão). E no Trunkenes
continua criando inúmeros equívocos. Em aforismos de Lied (Canção Ébria) de Zaratustra criou o primeiro gran-
Nietzsche baseiam-se radicais anti-religiosos e anticristãos, de poema do simbolismo alemão:
anti-semitas, psicanalistas e nudistas, dandys aristocráti-
cos, militaristas prussianos e fascistas. Mas talvez ninguém "O Mensch, gib' acht!
com mais razão do que os poetas simbolistas franceses, que W a s spricht die tiefe Mitternacht?.. ."
eram dos primeiros que o descobriram, dedicando-lhe logo
um culto apaixonado. Os aforismos de Nietzsche são ver- A apóstrofe à "meia-noite profunda" é propriamente no-
sos de poemas em prosa; e é difícil basear normas de con- turna, lembra os símbolos românticos da morte; ma» o des-
duta em versos. O poeta-filósofo Nietzsche é, em primeira fecho desse poema já supera a tentação da noite fúnebre,
linha, um grande poeta. Por isso, a mais "poética" das suas proclamando novo otimismo transcendental — "Mas toda
obras é a mais famosa: Also Sprach Zarathustra (Assim alegria deseja eternidade; profunda, profunda eternidade":
Falou Zaratustra). É obra duma eloquência extraordiná-
"Doch alie Lust will Ewigkeit,
ria; os primeiros leitores acreditavam ouvir discursos apo-
W i l tiefe, tiefe Ewigkeit."
calípticos de profetas hebraicos, fragmentos misteriosos de
filósofos pré-socráticos, parábolas profundas de sabedoria
Nietzsche exerceu influência enorme sobre a literatura
oriental. Hoje, essa eloquência já não é de todo ao nosso alemã e a literatura europeia. Na literatura alemã ( 1T *),
gosto. Also Sprach Zarathustra tem os defeitos da poesia a influência de Nietzsche é sobretudo de ordem estilística.
suntuosa da época da prosperidade. Nietzsche é poeta Ninguém, com exceção de Lutero e Goethe, fêz tanto para
maior nos aforismos de Morgenroete (Aurora) e Froehliche renovar a língua alemã; Nietzsche deu-lhe novos ritmos,
Wissenschaft (Gaio Saber), dos quais cada um é um poema nova música, nova consciência artística, até um novo voca-
em prosa. E, enfim, Nietzsche é grande poeta no próprio bulário, que venceu de tal modo que é fácil distinguir poe-
sentido da palavra. Os seus versos estão fora de toda a tas e escritores pré-nietzschianos e pós-nietzschianos. Mas
tradição poética alemã. O único precursor é Hoelderlin, o teve repercussão muito menor o otimismo filosófico de
grande hinógrafo. Retomando a língua poética de Hoel- Nietzsche; o uso das suas frases pelos imperalistas e ra-
derlin, caso isolado na literatura alemã, Nietzsche criou o cistas alemães é fenómeno de superfície. A "Inteligência"
simbolismo alemão: o símbolo da paisagem de Sils-Maria alemã do começo do século XX, embora exprimindo-se na
onde teve a visão de Zaratustra; o símbolo dionisíaco de língua de Nietzsche, preferiu a atitude, também esteticis-
An den Mistral; o símbolo da "noite parda" em Venedig I tt, de resignação de gente cultivada em face de bárbaros
(Veneza), com a música simbolista das "luzes áureas que se poderosos, atitude explicável na Alemanha do Kaiser
desvaneceram, ébrias, no crepúsculo" da laguna:

H. Landsberg: Nietzsche und die deutsche Literatur. Leipzig, 1902.


"Goldene Lichter, Musik, I. Belthan: Nietzsche ais Umwerter der deutschen Literatur. Hei-
delgerg, 1933.
Trunken schwamms in die Daemmerung hina
2742 OTTO M A M A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2743
Guilherme I I . O estilo nietzschiano era capaz de coexistir tados da psicanálise, devia depois fornecer o título à revis-
com um pessimismo irremediável como o de Spitteler ( m ) . ta do professor Sigmund Freud. Enfim, saiu a epopeia
Quando este poeta suíço, já muito velho, se tornou de re- Olympischer Fruehling (Primavera Olímpica), em versos
pente conhecido, recebendo, em 1919, o prémio Nobel, dis- desta vez; a maior obra do simbolismo europeu. É, mais
cutiu-se muito a questão da prioridade cronológica da sua uma vez, um caso isolado na literatura: a única obra moder-
epopeia em prosa, Prometheus und Epimetbeus, em relação na que, sem imitação alguma, se parece com as grandes epo-
a Also sprach Zarathustra. A semelhança estatística entre as peias da Antiguidade. O assunto é o fim de uma era e de
duas obras, escritas em prosa ritmada, é, porém, mera apa- uma geração de deuses; nova geração entra, subindo ao
rência. A verdadeira analogia está na vontade, dos dois, Olimpo. Os nomes são os gregos; há muita alegoria; e
de "fundir novas tábuas", erigir o altar de novos deuses. tudo parece "vieux jeu". Primeiro, são os inúmeros episó-
Mas não era o mesmo deus que inspirara a Nietzsche e a dios líricos que atraem o leitor; depois se nota que os no-
Spitteler. Este, pobre professor de aldeia, autodidata de mes gregos servem para representar ideias muito modernas
saber enciclopédico e algo confuso, estava desde seus dias e que os lugares alegóricos nos quais se passa a ação são
de adolescente possuído da ideia de escrever uma epopeia. paisagens suíças e europeias, muito conhecidas nossas. O
Inúmeros esboços não foram elaborados, porque o poeta — próprio verso de Spitteler parece antigo; é a linguagem de
talvez um caso único na literatura universal — não era ca- um intelectual do século XX, que não esqueceu as suas ori-
paz de escrever um único verso, nem sequer com a ajuda gens robustas de camponês suíço. Algo do esplendor do
do dicionário de rimas. Esse intelectual suíço pertencia mundo antes de 1914 ilumina esse panorama cósmico; mas
radicalmente à época da prosa. Foi um expediente de emer- do fundo lírico daqueles episódios grita ao céu a dor de
gência a resolução de escrever Prometheus und Epimetheus todas as criaturas maltratadas. Atrás da pompa luminosa
era prosa ritmada. Mas então saiu uma obra do mais pode- dos deuses aparece a sombra da Violência e da Injustiça,
roso simbolismo, simbolismo avant la lettre; ninguém a inerentes a todo poder; e afinal essa Primavera Olímpica
compreendeu, e o poeta enterrou os seus grandes projetos. já anuncia um Outono cósmico: esta nova geração de deu-
Durante decénios escreveu só poesia reflexiva e pequenos ses também terá de morrer; e acabará, mais uma vez, uma
era. Epitteler criou um mito moderno; mas esse mito não
romances, dos quais um, Imago, antecipando certos resul-
é otimista. Epitteler não está, como Nietzsche, além de
Schopenhaeur. Antes se encontra entre Schopenhaeur e
Nietzsche; nasceu cedo demais para ser reconhecido em
176) Cari Spitteler, 1846-1924. tempo. Em compensação, o seu estilo simbolista já era ana-
Prometheus und Epimetheus (1881); Balladen (1896); Conrac
Leutnant (1898); Olympischer Fruehling (1900/1906); ? crónico quando deram ao velho, em 1919, o prémio Nobel,
(1906); Meine Beziehungen zu Nietzsche (1908); Promethev agradecendo-lhe a corajosa atitude antialemã durante a
Dulder (1924). Primeira Guerra Mundial; em face daquele desastre apo-
Edição por G. Bohnenblust. H. Altweg e R. Faesi, 10 vols., Zuericti.
1948. calíptico que nos tempos do esplendor só êle previra.
R. Meszlény: Cari Spitteller und das neudeutsche Epos. Halle,
1918. A incapacidade paradoxal do jovem Spitteler de escre-
R. Gottschalk: Cari Spitteler. Zuerich. 1928.
ver versos foi sintoma da incapacidade da literatura alemã
R. Faesi: Spitteler s Werk. Zuerich, 1933.
J. Fraenkel: Spitteler. Huldigungen und Begegnungen. St. G de criar pelas suas próprias forças uma poesia simbolista.
1955.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2745
274 I OTTO MARIA CARPEAUX
O estilo de Nietzsche não teria sido geralmente aceito e poeta-filósofo, em 1900, reuniram-se vários poetas para uma
adotado pela literatura alemã de 1900, se outras influências homenagem coletiva na nova revista Die Insel: os dois ór-
não lhe tivessem preparado o caminho. Quando Nietzs- gãos do simbolismo alemão.
che, em 1889, enlouqueceu, sendo internado no manicômio Os colaboradores principais dessas revistas, Hartleben
para nunca mais recuperar a consciência, o seu nome era e Bierbaum, não eram propriamente simbolistas. Otto
quase desconhecido. Quando morreu, em 1900, a sua glória Erich Hartleben era da geração precedente, contista espi-
de poeta — mais do que a de filósofo — principiou a eclip- rituoso à maneira de Maupassant; a cultura aristocrática
sar todos os outros nomes. Durante esse decénio, o pro- dos seus versos (Gedichte, 1905) referia-se a modelos re-
cesso da europeização da literatura alemã, iniciado por motos, Goethe e Planten. Otto Julius Bierbaum, escritor
Brandes e os naturalistas, tinha feito grande progresso. hábil e frívolo, obteve com os versos melodiosos e ligeiros
Mas já não se adoravam Flaubert, Zola, Tolstoi, Dos- do volume Irrgarten der Liebe (Labirinto do Amor) o
toievski, Ibsen. Nos cafés da vanguarda de Berlim, dis- maior sucesso de livraria que já teve um novo volume de
cutiam-se Huysmans, Verlaine, Rimbaud, Mallarmé, Mae- poesia em língua alemã. Eram os aproveitadores da moda.
terlinck. O simbolismo de Viena não exerceu influência Não se pode dizer que estivesse "ao lado" deles Max Dau-
decisiva — o que explica a situação solitária de Rilke, cujo thendey ( m ) , embora colaborando nas mesmas revistas:
ponto de partida estava em Viena. Contudo, pelo menos poeta solitário, usando métrica muito pessoal, perturbando
Hofmannsthal foi muito admirado pelos "décadents" da os leitores com acordes audaciosos de sons e cores, um
Alemanha de 1900; e as fontes francesas do simbolismo autêntico pioneiro. Solitário também foi o mais "moderno"
austríaco juntaram-se às influências francesas diretas, bas- dos simbolistas alemães, Mombert ( 1 7 e ), cujas poesias são
tante fortes para modificar por completo a poesia lírica transcrições de sonhos realmente sonhados, em linguagem
alemã ( m ) : perdeu-se a tradição do lied popular, cujo úl- fantástica; dão a impressão do "dé jà vu" em experiências
timo grande representante, Liliencron, ainda estava vivo. da infância ou em existências anteriores. Outra vez, Mom-
Conceitos parnasianos e esteticistas, a música requintada, bert parece ter a pretensão de revelar profundos mistérios
debussyana, do simbolismo parisiense, a melancolia dos filosóficos, sem chegar além de expressões balbuciantes. O
belgas, uma nova técnica de assonância e aliterações, alu- pensador entre os simbolistas alemães é Wilhelm von
sões sinestéticas, vocabulário precioso — tudo isso apare-
ceu nas excelentes traduções da época: Verlaine, traduzido
por Dehmel; Baudelaire e Mallarmé, traduzidos por Geor-
178) Max Dauthendey, 1867-1918.
ge; Maeterlinck traduzido por Oppeln-Bronikowski. Mas Ultraviolett (1893); Reliquien (1899); Die gefluegelte Erde (1908)
as melhores traduções não podiam dar o que deu Nietzsche etc
H. O. Wendt: Max Dauthendey, Poet and Philoaopher. New
um exemplo na própria língua. Com uma homenagem a York. 1936.
Nietzsche, então preso no manicômio, abriu em 1895 o W. Kraemer: Afax Dauthendey. Mensch und Werk. Dusseldorf.
1937.
meiro número da revista Pan; e na ocasião da morte
179) Alfred Mombert, 1872-1942.
Der Gluehende (1896); Schoepjung (1897); Der Denker (1901);
Die Bluete des Chãos (1905); Aeon (1907/1911).
F. K. Benndorf: Alfred Mombert. Qeist und Werk. Dresden, 1932.
1. A. Gutzman: Das dichterische Werk Alfred Momberts. New
177) E. L. Duthie: L'Influence du symbolisme dans le renouveau port« York, 1946.
tique de 1'Allemagne. Paris, 1933.
27-16 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2747

S c h o l z ( 1 8 0 ) , poeta reflexivo, aparentemente frio, porque uma nova civilização alemã por meio da mais intensa cul-
sabe bem esconder a emoção de noites de insónia, passadas tura estética num círculo de eleitos. Em 1892, fundou
em angústia. A forma de Scholz é mais discipinada, mais George a revista Blaetter fuer die Kunt; os austríacos Hof-
"clássica" do qeu a dos outros; abandonou, depois, a poesia mannsthal e Andrian colaboraram só em alguns cadernos;
lírica em favor da tentativa de criar um teatro clássico, Dauthendey também saiu logo. Os fiéis, Paul Gerardy,
no que não obteve sucesso. A poesia filosófica torna-se Karl Wolfskehl, Ludwig Klages, Richard Perls, Oscar
quase obsessão de Christian Morgenstern ( 1 8 1 ), nato para Schmitz, eram meros auxiliares do mestre, constituindo o
fazer pequenos lieds bonitos, em estilo de Liliencron. Ti- "George-Kreis", o "Círculo de George". A revista propôs-se
nha grande e merecido sucesso com os Galgenlieder, espi- operar a renovação integral da civilização alemã — conti-
rituosas poesias humorísticas e satíricas, em cujos chistes nuando a obra de Wagner e Nietzsche — por meio de uma
se esconde uma filosofia melancólica da vida moderna. atitude extremamente aristocrática, para combater o ma-
Mas acreditava ter "encontrado um caminho" ("Wir fan- terialismo vulgar da época. Ao naturalismo reinante opu-
der einnen Pfad") aderindo à teosofia de Rudolf Steiner seram a arte da "torre de marfim" de Mallarmé. Indivi-
e perdendo-se nas abstrusidades do ocultismo. Havia em dualismo nietzschiano, sim, mas só para os grandes indiví-
Morgenstern um sincero desejo religioso de superar o in- duos, em torno dos quais os outros teriam que constituir
dividualismo egoísta para chegar a uma nova comunidade comunidades quase religiosas como as ordens de cavalaria.
dos espíritos. A atitude hierática do mestre refletiu-se no aspecto exte-
rior dos Blaetter fur die Kunst, distinguindo-se de todas
Stefan George ( ,8 ~) percorreu caminho semelhante, até
as outras revistas alemãs por uma ortografia diferente e
se tornar fundador de uma ordem ou seita estético-reli-
sobretudo pela circulação limitada: circulava só entre os
giosa. O jovem poeta renano esteve em Paris, onde conhe-
colaboradores e mais uns poucos amigos simpatizantes.
ceu Mallarmé e o então adolescente Valéry. O salão da Rue
de Rome conf undiu-se-lhe com visões de ordens medievais, As primeiras poesias de George — Hymnen, Pilger-
com o castelo do Gral, no Parsifal, de W a g n e r . Leituras de fahrten, Al gabai (Hinos, Peregrinações, Algabal) — reú-
Nietzsche fortaleceram a ideia de preparar os caminhos de nem um preciosismo insuportável de palavras raras e rimas
ricas com um decadentismo mórbido, visivelmente imagi-
nário e intencional. O preciosismo de George chega ao
auge no título do seu segundo volume, publicado assim
180) Wilhelm von Scholz. 1874.
Der Spiegel (1902); — Meroè' (1906) etc. como o primeiro só para os amigos: Diè Buecher der Hir-
H. M. Elster: "Wilhelm von Scholz, sein Leben und sein Schaf- ten und Preisgedichte, der Sagen und Saenge und der
fen". (In: Preussische Jahrbuecher, CCXXVin, 1932). baengenden Gaerten (Os Livros dos Pastores e dos Poemas
181) Christian Morgenstern, 1871-1914. Premiados, das Lendas e Canções e dos Jardins Suspen-
Auf vielen Wegen (1897); Ich und die Welt (1898); Und aber
rundet sich ein Kranz (1902); Galgenlieder (1905); Melancholie sos). As poesias são melhores do que o t í t u l o : poesia des-
(1906); Einkehr (1910); Wir fanden einen Pfad (1914). ( ritiva de alta categoria, cheia de imagens e música su-
F. Geraths: Christian Morgenstern, sein Leben und sein Werk.
Muenchen, 1926. gestivas. No volume -Das Jabr der Seele (O Ano da
M. Bauer: Christian Morgenstern's Leben und Werk. Muenchen. Alma) alcança George o primeiro ponto alto do seu liris-
1954.
mo. A mistura confusa de estilos é substituída por um
182) Cf. "O Equilíbrio europeu", nota 194.
2748 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2749

classicismo algo barroco, vaso de emoções melancólicas nietzschianismo europeu foi a França ( 1 8 2 " A ), onde sua in-
— emoções, enfim, ainda decadentistas, mas em forma fluência percorreu várias fases. Por volta de 1895, os sim-
disciplinada. Ê admirável a construção rigorosamente bolistas franceses ainda o consideraram como grande es-
arquitetônica de poemas paisagísticos como esta descrição teta, confundindo-o com a música de Wagner e a poesia
solene de u m passeio num parque outonal: pré-rafaelita; este Nietzsche também é o de D'Annunzio,
no romance Fuoco. Por volta de 1910, o filósofo inspira o
nacionalismo "heróico" dos D'Annunzios e Barres. E n t r e
" W i r schreiten auf und ab im reichen flitter a primeira e a segunra fase situa-se o Nietzsche das Nour-
des buchenganges beinah bis zum t o r e . . . " ritures terrestres, do então jovem André Gide; não é pro-
priamente o profeta dionisíaco, antes o Nietzsche que rea-
A poesia alemã não possui obra formalmente mais perfeita bilitou a vida orgânica dos instintos, o grande otimista. A
do que esse Jahr der Seele, embora fria e sempre artificial. influência internacional de Nietzsche por volta de 1900
Preciosismo e decadentismo reúnem-se, mais uma vez, em não foi a do estilista, como na Alemanha; isso se perde
Der Teppich des Lebens und die Lieder von Traum und nas traduções. Foi uma influência tão forte, porque se
Tod (O Tapete da Vida e as Canções do Sonho e da Mor- encontrou com o trend da época: a necessidade imperiosa
te); mas é como uma despedida emocionada, em versos es- , de superar a decadência. A nova geração será otimista.
plêndidos, culminando num verso sinfónico: "esplendor e Entre os "décadents", quase só um único conseguiu sal-
glória, ebriedade e tortura, sonho e morte" — var-se: Verhaeren.
A vida poética de Verhaeren ( 183 ) é um grande dra-
" . . . glanz und ruhm, rausch und qual, traum und. ma: começa como numa planície deserta, noturna, um ho-
tod."
182A) G.Bianquis: Nietzsche en France. UInfluence de Nietzsche sur
Em 1897 resolveu George reeditar os seus livros e um la pensée française. Paris, 1929.
volume antològico das poesias publicadas nos Biaetter íuer 183) Émile Verhaeren, 1855-1916.
Les Flamandes (1883); Les Moines (1886); Les Soirs (1887); Les
die Kunst, colocando-os à venda nas livrarias. O poeta Débâcles (1888); Les Flambeaux noirs (1890); Au bord de la
iniciou novo ciclo, de poesia "pública", com atitude dife- route (1891); Les apparus dans mes chemins (1891); Les cam-
pagnes hallucinées (1893); Les villages illusoires (1894); Les vílles
rente e em estilo diferente. tentaculaires (1895); Les heures claires (1896); Les forces tu-
A influência de Nietzsche foi forte n a Europa inteira. multueuses (1902); Toute la Flandre (1905/1911); ta multiple
splendeur (1906); Les rythmes souverains '(1910); Les blés mou-
Repetiram-se os equívocos dos alemães. Aos espanhóis da vants (1912).
geração de 98, que conheceram o filósofo através das tra- Edição do Mercuxe de France, 9 vote., Paris, 1912/1934.
M. Oauchez: Êmile Verhaeren. Bruxelles, 1908.
duções do suíço Paul Smith, Nietzsche afigurava-se liber- J. de Stnet: Êmile Verhoren, sa vie, aon oeuvre. (trad. íranc.)
tador das adormecidas energias nacionais; ao mesmo tem- Paris, 1910.
G. Ramaekers: Êmile Verhaeren. 2 vols. Bruxelles, 1910.
po, Bernard Shaw, então ainda wagneriano, interpretava o A. Mockel: Un poete de 1'énergie, Êmile Verhaeren. Paris, 1918.
filósofo no sentido de Bayreuth; enquanto Georg Brandes, R. Golstein: Êmile Verhaeren, la vie et 1'oeuvre. Paris, 1924.
Ch. Baudoln: Le syntbole chez Verhaeren. Paris, 1924.
o primeiro profeta de Nietzsche na Europa, o reclamava E. Esteve: Un gr and poete de la vie moderne, Êmile Verhaeren.
para o radicalismo político e anticlerical. O centro do Paris, 1928.
J. de Smet: Êmile Verhaeren. 2 vols. Basel, 1909/1920.
2750 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2751

mem solitário lutando contra fantasmas terríveis que pre- suor, volúpia e sujeira das foules, olhando mulheres nuas
tendem devorá-lo; e no fim do horizonte a luz vermelha no palco, em Le Spectacle, enquanto, lá fora, à luz indeci-
das fábricas e chaminés ilumina as velhas cidades agoni- sa das lanternas,
zantes da "Flandres pobre". E m Les Flamandes, Verhae-
ren ainda fora discípulo de Lemonnier, partidário otimista " . . . les filies qui attendent.";
de "La Jeune Belgique", pintando as orgias populares das
o cântico do ouro em La Bourse; o "grand soir" de La
quermesses. E m Les Moines, já é um rodenbachiano, can-
Revolte —
tando conventos e canais mortos. Não era afetação, pose
de "décadent" parisiense. Les Débâcles, Les Flambeaux
"La rue en rouge, au fond des soirs."
noirs — esses títulos não mentem. A agonia dos campos
empobrecidos de Flandres em Les campagnes hallucinées Aí está — o paradoxo da expressão justifica-se — a poesia
e Les villages illusoires encarna-se nos olhos do poeta em mais robusta que nasceu no seio do decadentismo europeu.
espectro de mendigos, faz-se ouvir em sinistras canções de E essa força de Verhaeren vencerá a decadência. O pró-
loucos. Verhaeren passou por uma grave crise mental, pa- ximo livro vem a chamar-se Les heures claires. E depois
recida com a de Strindberg. O misticismo flamengo trans- vêm os volumes com os títulos significativos Les forces
forma-se em satanismo baudelariano ("Soi ton bourreau tumultueuses, La multiple splendeur, Les rhythmes sou-
toi-même!"); fitando as águas sujas de um canal noturno, verains. A cidade, que lhe aparecera como monstro apoca-
o poeta acredita ver seu próprio cadáver nadando para o líptico, é agora a suprema conquista do génio inventivo da
fundo, e então, soltou o verso do último desespero: humanidade:

"Tous les chemins sont vers la ville."


"Je suis immensément perdu!"

Os horizontes, outrora iluminados pelo fogo da consuma-


Com o realismo próprio da sua raça, Verhaeren resis- ção dos séculos, agora —
tiu à tentação de transformar aquelas visões apocalípticas
em realidades metafísicas de um misticismo n o t u r n o ; iden- "Le monde est trépidant de trains et de navires."
tificou-as como exteriorizações de um terrível fenómeno
social: a grande cidade que devora campos e aldeias. Les O introvertido Verhaeren extraverteu-se completamente.
villes tentaculaires são um dos maiores livros da poesia Nos seus versos revela-se todo o orgulho do europeu antes
moderna. Ou antes, é o primeiro livro de uma poesia ra- de 1914,
dicalmente moderna. Nada perderam em atualidade, depois
de mais de cinquenta anos, poesias como Les Usines — as "L'homme qui juge, pense et v e u t . . . " ;
janelas das fábricas
« o poeta que se julgava "immensément perdei", entoa a
"se regardant de leurs yeux noirs et s y m é t r i q u e s . . . " ; canção da vitória da espécie:
2752 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2753
*'Je suis le fils de cette race "Toute la ville est cristalline
Tenace Et se pare comme un a u t e l :
Qui veut, après avoir voulu
Termonde, Alost, Lierre, Malines."
Encore, encore et encore plus."
Em linguagem cada vez mais clássica, o "clássico do regio-
Após a experiência de 1914, à qual o belga Verhaeren
nalismo belga" cantou as "grand-places", "beffrois", "ho-
sucumbiu, e depois de mais algumas experiências posterio-
téis de ville", os burgueses, monges, criadas e mendigos de
res, é difícil sentir com esse otimismo dionisíaco. Acon-
tece que Verhaeren, talvez o mais famoso entre os poetas Termonde, Alost, Lierre, Malines e, mais, de Bruges, Gand,
europeus de 1910, está hoje quase esquecido; o seu nome Antuérpia, enfim "Toute la F l a n d r e " ; e o seu olhar de pa-
não é lembrado nas discussões sobre os fins e os meios da triota comovido estendeu-se sobre os louros campos de tri-
poesia moderna. Agora, percebemos que a sua forma não go do Brabanto, Les blés mouvants —< foi na hora imediata-
era tão "moderna" como a teoria simbolista exigira. Evi- mente antes de esses campos serem devastados pelos exér-
dentemente, Verhaeren não obedecera ao conselho de Ver- citos alemães. Verhaeren é o grande poeta da Europa antes
laine de matar a retórica: é eloquente como Hugo, e mais de 1914.
do que este. Às vezes o seu entusiasmo, cheio de palavras
, Verhaeren é poeta simbolista. Charles Baudouin podia
sonoras, é superficial. A sua aceitação integral dos fenó-
demonstrar que a sua força sugestiva reside no sentido
menos da vida moderna torna-se suspeita; prejudicou-lhe a
fama póstuma o entusiasmo de um estadista grande-burguês simbólico que confere às palavras. Mas a sua ideologia não
como Raymond Poincaré por "ce grand poete de la vie tem nada que ver com o preciosismo esteticista e decaden-
moderne". Um crítico malicioso criou a definição "Hugo tismo melancólico de P a r i s . É isso o que os críticos pa-
bourgeois", esquecendo-se das angústias baudelairianas na risienses sentiram, chamando-lhe "vate nórdico". Verhae-
poesia do belga, que é, quando muito, o Hugo da industria- ren é o poeta do otimismo transcendental, recuperado por
lização, quer dizer, mais uma vez, um poeta moderno. As- Nietzsche; é mesmo a voz francesa de Nietzsche. Mas o
sim como Baudelaire, Verhaeren exprimiu a sua alma ro- grande estilista da prosa alemã não podia fornecer mode-
mântica em versos cada vez mais clássicos. Com o tempo, los de estilo para versos franceses. Por outro lado, o úl-
os horizontes ilimitados ( " . . . ivres du monde et de nous- timo classicismo de Verhaeren tem muito mais de Goethe
mêmes") voltaram a estreitar-se; reapareceram, agora à
do que do neoclassicismo neolatino de um Moréas ou um
luz das "heures claires", as imagens da terra natal.
Henri de Régnier. E as suas liberdades métricas, a sua
eloquência torrencial, o seu hino à vida moderna, à téc-
" J e suis le fils de cette race nica e à democracia, tudo isso vem de um outro poeta, cuja
Tenace...", influência é marcada e evidente em e desde Les villes ten-
taculaires: influência de Whitman ( l M ) , que cantara:
agora é a raça que habita o país entre o Mosa e o Escalda,
falando pela voz do poeta, cantor de todas as belezas de
Toufe la Flandre.
184) Cf. "O Equilíbrio europeu", nota 194.
HISTÓRIA DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 2755
2754 OTTO M A R I A CARPEAUX

P o e t s t o c o m e ! orators, singers, musicians t o c o m e ! pois de Morris, aprendeu em W h i t m a n o grande tom pro-


N o t today i s to j u s t i f y me and answer what I am f é t i c o de Towards Democracy. U m a consequência imedia-
for, ta da influência de W h i t m a n foi a libertação da métrica,
o v e r s o l i v r e d e A m o H o l z , cujo a m i g o Schlaf traduziu
B u t y o u , a new brood, native, athletic, continental,
Leaves of Grass para o alemão. I m p r e s s i o n o u sobretudo a
Greater than before k n o w n , arouse!"
forma hínica de W h i t m a n . A t é um latino tropical como
E s t e s v e r s o s de W h i t m a n d e f i n e m a arte de Verhaeren. D a r í o prestou h o m e n a g e m ao "anglo-sajón" nas "palabras
T a m b é m são proféticos, anunciando que só depois da liminares" d a s Prosas Profanas e em mais do que um d o s
morte do "man of Manhattan" aparecerão o s que o "justi- grandes h i n o s em l o u v o r da "hispanidad americana". W h i t -
ficarão", os s e u s primeiros d i s c í p u l o s . A influência de manianos são os primeiros poemas do russo Belmont, as
W h i t m a n , a s s i m c o m o a de N i e t z s c h e , operou-se e m várias Odes Navais de VAnnunzio, os h i n o s m í s t i c o s do p o l o n ê s
Kasprowicz, e os d o t c h e c o B r e z i n a .
f a s e s d i f e r e n t e s ( 1 8 B ) , das quais algumas, como a poesia
unanimista de Romain e D u h a m e l , pertencem ao primeiro Uma forma ocidental, mais moderna e mais cultivada,
decénio do s é c u l o X X , enquanto o w h i t m a n i a n i s m o dos his- desse w h i t m a n i a n i s m o hínico, é a poesia de Paul Fort ( I H T ).
pano-americanos e de um espanhol como L e ó n - F e l i p e ain- É um dos poetas mais f e c u n d o s da literatura francesa, e a
da continua como força v i v a . A primeira f a s e da influên- .crítica jamais lhe n e g o u o a p r e ç o ; mas Fort nunca foi
cia de W h i t m a n foi a da descoberta do verso livre em Paris muito l i d o . A própria f e c u n d i d a d e assustou os leitores —
e da reação contra o d e c a d e n t i s m o — reação que é, aliás, 34 v o l u m e s de Ballades Françaises é algo de mais. Depois,
sintoma p r o f é t i c o d o m o d e r n i s m o d e 1910. A c o n t e c e que perturbou-os a teimosia d o poeta, ficando fiel ao verso li-
o decadentista L a f o r g u e , d e influência tão grande sobre o vre, o u a n t e s ao poema em prosa, nunca admitindo a dis-
modernismo, também foi o primeiro tradutor de W h i t m a n tribuição tipográfica das linhas em versos, embora a sua
na França. E o grande propagandista d e W h i t m a n na "prosa" seja ricamente modulada, aliterada, ritmada e até
França foi o franco-americano V i e l é - G r i f f i n , o poeta da rimada. Fort pretendeu realizar uma obra grandiosa, au-
Clarté de Vie, que v e n c e u a decadência paralelamente ao tenticamente n a c i o n a l : uma epopeia da paisagem, do povo
p o e t a das Heures claires. e da história da França em inúmeras "baladas", tantas q u e
O democratismo de W h i t m a n ainda não foi bem com-
preendido em 1900. Contudo, D e h m e l , o poeta do Bergp-
187) Paul Fort, 1872-1960.
salm, interpretou-o como vencedor sobre o individualismo, Premières luers sur la colline (1894); Balíhdes. poèmes en pro-
e o i n g l ê s Carpenter CM), a n t i g o d i s c í p u l o de R u s k i n e de- 3*(1896); Ballades Françaises (7 Poèmes et Ballades, (1897); //
Montagne, 1898; / / / Le Roman de Louis XI, 1899; IV Les Idylles
Antiques et les Hymnes, 1900; V VAmour Marin, 1900; IV Pa-
185) G. de Torre: "La Estela de Walt Whitman". (In: La Aventura y ris Sentimental, 1902; VII Les Hymnes de Jeu, 1903; VII Coxcomb.
el Orden. Buenos Aires, 1943). 1906; IX Ile-de-France, 1908; X Mortcerf, 1909; XI La Tristesse de
G. W. Allen edit: Walt Whitman Abroad. Criticai Essays from VHomme, 1910; XII L'Aventure Êtemelle, 1911; XIII Monthéry-
Germany, France, Scandinavia, Rússia, Italy, Spain, Latin Ame* la-BataiUe, 1912; XIV Vivre en Dieu, 1912; XV Chansons pour
rica. Syracuse, 1955. consoler d'être heureux. 1913; XVI Nocturnes, 1914 etc).
Edição definitiva das 'Ballades Françaises, 34 vols., Paris, 1922/
186) Edward Carpenter, 1844-1929. 1936.
Towards Democracy (1883/1902); Chants o} Labour (188); t
Comino o/ Age (1896). G. A. Masson: Paul Fort. Son Oeuvre. Paris, 1923.
T. Swan: Edward Carpenter. London, 1922. R. Clauzel: Paul Fort ou VArbre à Poèmes. Paris, 1925.
2756 O I T O MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2757
eitores se cansaram, ao ponto de já não perceberem ou "escapismo" de u m R t l k e . Mas já está menos certo o
a grande arte em toda palavra, em toda linha. Evidente- evasionismo de Valéry. Por outro lado, havia entre 1900
mente, escrevendo-se massa tão enorme de poemas, não é e 1914 alguns grandes reacionários, que estavam em re-
possível evitar a desigualdade. Mas F o r t tinha momentos lações pouco amistosas com o simbolismo, como Maurras,
de grande inspiração, "heures claires" de verdadeira "clarté ou em relação nenhuma como Kipling. Os "herdeiros" do
de vie", como aquela Ronde, sempre citada e que é preciso simbolismo parecem ter seguido antes a um trend da épo-
citar mais uma vez porque nela se resumem todas as con- ca do que às implicações ideológicas do seu estilo. E havia
quistas formais do simbolismo, a vitória sobre a decadência grandes simbolistas francamente revolucionários, como
e o individualismo, e o esplendor luminoso — tão ilusório Gorter, Blok e A d y .
— da Europa de antes de 1914:
O próprio simbolismo, o de 1886, parecia reacionário
porque atacou o naturalismo, o estilo das ideologias radi-
"Si toutes les filies du monde voulaient s'donner cais. Mas não o venceu para sempre. Na ocasião do in-
la main, quérito de Jules H u r e t sobre a evolução literária, em 1891,
tout autour de la mer elles pourraient faire une a derrota do naturalismo parecia tão completa que alcançou
ronde. grande sucesso humorístico a resposta telegráfica do natu-
Si tous les gars du monde voulaient bien êtr' ralista obstinado Paul Alexis: "Naturalisme pas mort. Let-
marins, tre suit". Albert Thibaudet observou ocasionalmente que
ils fraient avec leurs barques un joli pont sur, Alexis profetizara bem: o naturalismo não morreu; cada
1'onde. vez quando um jovem escritor sofre a primeira experiên-
Alors on pourrait faire une ronde autour du monde, cia fatal era ambiente ainda não literariamente explorado,
comunica essa experiência escrevendo um romance natu-
si tous les gens du monde voulaient s'donner la
ralista. É possível e preciso estender a observação de T h i -
main."
baudet às entidades coletivas da literatura: cada vez que
se descobre uma nova profissão, uma nova classe, uma nova
O simbolismo, embora definido pelos seus adeptos cidade, um novo continente, surge um neonaturalismo. Da
como ' T a r t pour l'art" ou arte de "tour d'ivoire", acompa- guerra de 1914 surgiu um romance neonaturalista. Da crise
nhou as transformações sociais da época, refletindo-as. •conômica de 1929 surgiu um neonaturalismo. São neona-
Segundo muitos críticos, teria sido uma "reação", literal- turalistas, hoje, o romance colonial e o romance latino-
mente reacionária, hostil ao progresso económico, demo- tmericano. O naturalismo no sentido mais amplo, "verifi-
crático e social. A acusação refere-se principalmente à ati- cador de fatos", é o método próprio da ficção em prosa;
tude dos simbolistas e dos seus discípulos no mundo pós- er statements é a tarefa da prosa. Transmitir meanings
simbolista, isto é, nos primeiros dois decénios do século a tarefa da poesia. Na "época da prosa", a própria poesia
X X . Atitudes politicamente reacionárias, às vezes mi rnara-se prosaica, fazendo statements, apresentando "coi-
marcadas, são inegáveis nos casos de D'Annunzio, Yeats o • " : foi o parnasianismo. Contra êle surgiu o simbolismo,
George, sobretudo na segunda fase das suas atividade* h gerindo e evocando as meanings atrás das palavras e coi-
tararias e políticas; também é evidente o "evasionu por meio de alusões, os "símbolos". É o método próprio
2758 OTTO M A B I A CARPEAUX

da poesia. Neste sentido largo, toda poesia autêntica é sim-


bolista, independentemente das particularidades e contin-
gências da poesia de 1890; e hoje já se pode afirmar: "Sym-
bolisme pas mort. Lettre suit".
O aparecimento e o desaparecimento de estilos literá-
rios está em certas relações com as transformações da so- C A P Í T U L O II
ciedade; mas estas não explicam aquele, o próprio estilo.
Na verdade, o estudo das transições sociais contribui para A ÉPOCA DO EQUILÍBRIO EUROPEU
explicar as mudanças de estilo, no sentido de "estilo da
época". Mas, além disso, existem fatôres autónomos da evo-
T 7 W T R E os anos de 1900, mais ou menos, e 1914 produziu-
lução dos estilos; o simbolismo também pode ser satisfato-
-*- J se a grande massa daquilo que é considerado "litera-
riamente interpretado como neo-romantismo pós-parnasiano
tura moderna"; o que não constitui "literatura contempo-
ou como neo-romantismo pré-modernista. E existem, mais,
rânea", e também já não pertence à "literatura clássica"
os f atôres permanentes da expressão em prosa e da expres-
cuja leitura a escola e "os deveres da cultura geral" im-
são em poesia, entre as quais a fronteira é variável. O natu-
põem. Neste sentido Balzac, Flaubert e até Zola são "clás-
ralismo foi a primeira tentativa de apoderar-se do material
sicos" : "é preciso" lê-los para não passar por iletrado. Gide
chamado "mundo moderno"; o método sô podia ser o da
e, em certo sentido também, Proust são contemporâneos.
prosa; então, tornou-se prosaica a própria poesia. Esta
Entre esses dois grupos estão Barres e Rolland, Charles-
reagiu, produzindo um estilo particularmente poético,
Louis Philippe, Péguy e Alain Fournier, a literatura de
adverso aos statements sobre a realidade — dai a feição
antes de 1914, a literatura de ontem. Os nomes citados já
evasionista do simbolismo. Mas o resultado foi, afinal, um
bastam para não conferir nenhum sentido pejorativo à
estilo poético, capaz de exprimir em poesia o material cha-
expressão "literatura de ontem". Com efeito, não revelou
mado "mundo moderno". Eis o primeiro sintoma de uma
sinais de decadência literária a época dos Valéry, Claudel,
"literatura de equilíbrio", que dominará a Europa entre
Barres, Bergson, Maurras; dos Yeats, Conrad, Kipling,
1900, "fin du siècle" até o verdadeiro fim do século XIX,
Shaw; dos Unamuno, Baroja, J u n a Ramón Jiménez e Valle
em 1914.
Inclán; dos Rilke, George, Thomas Mann, Hamsun, Blok
e Gorki; a mesma época, aliás, na qual apareceram as pri-
meiras obras — e já obras importantes — de Apollinaire
c Pirandello, Benn e P o u n d ; e na qual já estavam escritas
todas as obras de ítalo Svevo. Nessa época, o nível geral
das produções literárias talvez fosse mais alto do que em
qualquer época precedente. Eis o motivo da permanência
B | tão numerosas obras até hoje, inclusive de segunda ou
(trceira categoria. Por volta de 1910, escreveram muitos e
2760 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2761

eicreveu-se para todas as classes de leitores, num mund» Augustin Cournot ou pelo positivista alemão Gustav Rue-
altamente alfabetizado, liberal e cada vez mais democrático, melin; em todo caso, é de origem positivista. Praticamente,
embora continuassem em pé as catedrais e os palácios, os nenhuma das tentativas de dividir razoavelmente em "pe-
ríodos" e "fases" a história literária surtiu efeito; e os po-
poderes e resíduos, superstições e lições do passado. É uma
sitivistas tentaram substituir os incertos critérios estilís-
época para colecionadores de gosto eclético. Os museus de
ticos pelo critério certíssimo da cronologia, reunindo os es-
Paris e Berlim e em toda a parte alcançam grandes pro-
critores conforme os anos do nascimento. A primeira apli-
porções; e ao mesmo tempo já se pensa em construir mu-
cação prática do princípio foi feita por Ottokar Lorenz
seus de arte moderna, em Paris e Berlim, Moscou e New
na história da música europeia; e não são menos conheci-
York, até em cidades tão tradicionalistas como Roma e
das as tentativas de Julius Petersen quanto à história do
Madri.
romantismo alemão, e de Albert Tribaudet quanto à his-
É difícil orientar-se naqueles museus e naquela lite- tória da literatura francesa do século X I X . Resultaram se-
ratura: a quantidade do apreciável é grande demais. Isso parações e aproximações surpreendentes, às vezes escla-
está em relação com o liberalismo da época, com aquilo a recedoras, outra vez discutíveis; e toda tentativa de so-
que Mannheim ( x ) chama "a multiplicidade das elites". brepor o critério cronológico ao critério estilístico acabou
E m épocas menos liberais e menos democráticas, uma elite era astrologia: desde os tempos da astrologia renascentista
homogénea determina o estilo reinante. Mas, por volta de não se dera importância tão supersticiosa à data do nas-
1910, o acesso livre à instrução superior e às profissões li- cimento, como aconteceu na síntese da pintura italiana da
berais, a homenagem prestada ao talento sem consideração Renascença, por Wilhelm Pinder, ou na síntese da litera-
das suas origens permitem a ascensão dos indivíduos mais tura francesa dos séculos X V I I e X V I I I , por Eduard W e -
diferentes, incapazes de formar uma elite homogénea, for- chssler. Evidentemente, os esquemas matemáticos não pres-
mando-se, então, várias "elites" cujo número tende para tavam. O valor do teorema reside sobretudo em chamar a
crescer. Um "estilo 1910" não existe. Os escritores pare- atenção para afinidades e diferenças estilísticas, que esca-
cem ter em comum só uma qualidade: são contemporâneos. param à atenção da crítica impressionista e igualmente da
Quer dizer, constituem uma geração; e só o "teorema da crítica conservadora com o seu conceito das "escolas" li-
geração", de aplicação tão variada na historiografia da li- terárias.
teratura, música e artes plásticas, oferece possibilidade de
orientar-se naquela floresta de obras. Neste sentido, Petersen aplicou o teorema para tor-
Não se sabe com certeza se o "teorema da geração" ( ) 3 nar mais objetivo o conceito "escola literária". Define a
foi concebido primeiro pelo positivista francês Antoine- "geração" pela comunidade de certas qualidades e experiên-
cias. Os escritores de uma geração, depois de terem passado
pela mesma formação, chocam-se com um determinado
I) K. Mannheim: Mensch und Gesellschaft im Zeitalter des Vmbaus. acontecimento histórico: aquele que inaugura uma nova
Lelden, 1935. era e os separa da geração anterior; então, os novos orga-
3) J. Petersen: "Das Problem der Generatlon". (In: Philosophie der nizam-se em grupo, em torno de revistas e cafés, reconhe-
Literaturwissenschaft, (edl. por E. Ermatinger, Berlln, 1930).
A. Thibaudet: "L'idée de la génération". (In: Reflexiona sur la cem os mesmos modelos e chefes, falam a mesma lingua-
littérature. Paris, 1938). gem, incompreensível aos "velhos". O resultado é o es-
H. Peyre: Les générations Httéraires. Paris, 1948.
2762 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2763

tilo da nova geração. A aplicação desse conceito é menos Antes de definir essa "reação mais ou menos semelhan-
cómoda do que a definição. A t é num caso tão marcado te" é preciso referir aqueles acontecimentos: o "affaire
como o da "geração de 1898" na Espanha, Pedro Salinas Dreyfus", o regime pessoal do imperador Guilherme I I , na
não conseguiu aplicá-lo sem exercer certa violência sobre Alemanha, a morte da rainha Vitória, a catástrofe colonial
os fatos ( 3 ) . Na verdade, o "teorema da geração" resolve da Espanha em 1898, o início do imperialismo norte-ameri-
muitos problemas quando se trata do aparecimento mais ou cano, a revolução russa de 1905. Na perspectiva histórica
menos brusco de u m novo estilo, como foi o caso do ro- de hoje parecem acontecimentos muito diversos, justifican-
mantismo alemão; Thibaudet também dispunha de alguns do as reações mais diferentes. Aos contemporâneos não pa-
"pontos críticos", como a "bataille d'Hernani", 1848, 1870, recia assim. "Affaire Dreyfus" significava, conforme o pon-
"affaire Dreyfus". O "teorema da geração" não se aplica, to de vista em que fosse tomado, vitória da democracia re-
porém, igualmente bem às épocas ecléticas, calmas, de equi- publicana ou ponto de partida da renascença nacionalista;
líbrio mental, como foram as épocas classicistas. Eclético o regime pessoal do "Kaiser" abriu perspectivas de domí-
foi o princípio do século XX na Espanha, depois da pri- nio mundial da Alemanha; a morte da rainha Vitória reju-
meira tempestade: Unamuno e Valle Inclán, Azorín e Ba- venesceu até os quadros do partido conservador, depois de
roja, António Machado e J u a n Ramón Jiménez perten- substituída a viúva puritana pelo alegre príncipe de Gales,
cem, evidentemente, a estilos diferentes num clima comum, habitue dos cafés e teatros de P a r i s ; compreendem-se as
e muito mais eclético foi o início do século na Europa em esperanças de renascimento moral e espiritual na Espanha
geral, embora sem o forte individualismo próprio dos es- e o orgulho dos americanos; enfim, a derrota dos exérci-
panhóis. Deste modo, só alguns dos elementos da definição tos czaristas pelos japoneses, os assassínios do ministro
de Petersen ficam incontestáveis. Antes de tudo, a para- Plehwe e do grão-duque Sérgio pelos terroristas, a greve
lisia da geração precedente: "Naturalisme pas mort", con- geral e a promessa de uma Constituição pelo tzar humilhado
tinuava-se a escrever romances naturalistas; mas a era do foram motivos de alegria para o mundo inteiro, acostumado
naturalismo acabara; e os simbolistas foram os primeiros a a considerar a Rússia como mancha negra no panorama
se declararem "decadentes". Depois, a nova geração de maravilhoso do progresso moderno. Os contemporâneos
1900 dispõe de uma linguagem comum, que é a do simbo- talvez tivessem apontado como acontecimento importante
lismo, embora já não fosse considerado como esoterismo
entre todos a Exposição Mundial de Paris em 1900, espe-
de escola; continuavam os efeitos de uma maior pureza de
táculo grandioso do esforço comum de todas as nações,
expressão do que em todos os decénios precedentes; e o
"ivres du monde et de nous-mêmes". Aquela "reação mais
alto nível geral da Hterautra de 1910 é, em parte não peque-
ou menos semelhante" era francamente otimista.
na, herança do simbolismo. Enfim, a geração de 1900 rea-
Não houvera "fin du siècle". O dia 1.° de janeiro de
giu de maneira mais ou menos semelhante, embora esta-
1900 passou sem o colapso do "Empire à la fin de la déca-
belecendo programas de ação diferentes, aos grandes acon-
tecimentos que iniciaram o século. dence"; tampouco se verificou o "Frand Soir" que os anar-
quistas predisseram aos burgueses assustados. Na verdade,
os séculos da cronologia não coincidem exatamente com os
séculos da historiografia. 1910 está mais perto de 1880 do
3) P. Salinas: "El concepto de generaclón literária aplicado a la que de 1920. A "Fin du siècle" ainda não foi o verdadeiro
de 98". In: Literatura Espafiola Siglo XX. México, 1941).
27Ú4 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2765

fim do século X I X . Continuavam as reivindicações das élan vital, ao qual o seu maior filósofo deu o nome. Pulu-
quais fora expressão o naturalismo, e as angústias das lam as "doutrinas de ação". São imperialistas, apóstolos
quais fora expressão o simbolismo. Naturalismo e simbo- ou revolucionários; mas quase sempre com a decência e
lismo sobreviveram em forma atenuada, eclética. O que compostura que acompanham *« prosperidade económica.
parecia a aurora de 1900 — mais uma das "auroras que Depois de 1900 as crises económicas tornam-se mais
ainda não se levantaram", conforme a expressão de Nietzs- raras e têm repercussões menos extensas. A prosperidade
che — foi na verdade uma tarde luminosa; o século XIX fica quase estabilizada, modificando-se quase só no sentido
terminará só em 1914. Ao equívoco pessimista de 1890 cor- de melhorar continuamente o standard de vida das classes
responde o equívoco otimista de 1900, verdadeira euforia. médias; o proletariado, organizado em partidos e sindica-
Essa euforia determina as reações da nova geração de 1900. tos, também luta com sucesso considerável, criando-se uma
Em 1840 nasceram Zola, Villiers de L'Isle Adam, Har- "aristocracia" de operários qualificados. Apesar disso, não
dy, Verga; em 1842, Mallarmé e Antero de Quental; em diminuem os lucros do capital, reunido em formidáveis
1843, Pérez Galdós; em 1847, Jeans Peter Jacobsen e Amalie trustes e cartéis. Atribuiu-se esse milagre ao progresso da
Skram; em 1848, Huysmans; em 1849, Strindberg e Kielland; técnica, que proporcionaria riquezas cada vez maiores aos
em 1850, Maupassant; em 1855, Georges Rodenbach e Cesá- donos das forças da natureza. Invenções que até havia pou-
rio V e r d e ; em 1857, Gissing, Bang e Pontoppidan; em co se afiguraram à humanidade como sonhos da imagina-
1858, Samain; em 1859, Housman; em 1860, Laforgue e ção de Jules Verne — telefone e gramofone, automóvel e
Tchekov; em 1862, Maeterlinck; e, em 1863, Sollogub. É avião — em breve já não despertarão muita curiosidade.
uma galeria formidável de pessimistas. E n t r e eles aparece- Aos progressos da técnica correspondem os da democracia:
ram alguns que conseguiram converter-se ao otimismo: sufrágio universal, regime parlamentarista, liberdade sin-
Nietzsche, que é de 1844, e Verhaeren, que é de 1855. De- dical conquistam-se até nas autocracias de tradição invete-
pois vem a série dos otimistas, não inferior quanto à im- rada. Desaparece definitivamente o analfabetismo: escolas
portância: Bergson, Heidestam e Hamsun, nascidos em noturnas e "University Extension" divulgam, nas camadas
1859; Barres, em 1862; D'Annunzio, em 1863; Kipling, em baixas da população, conhecimentos outrora propriedade
1865; Claudel, Darío, George, Gorki, em 1868; Johannes privada das elites. Nos recantos rurais lêem-se jornais que
Vilhelm Jensen e Péguy, em 1873. O otimismo desses es- trazem notícias do mundo inteiro. O livre-câmbio cultu-
critores está sujeito a oscilações, próprias do trabalho in- ral sucede ao livre-câmbio comercial. Celebram-se con-
telectual de artistas. Seria mais marcado o otimismo de um gressos internacionais de toda a espécie, organizam-se in-
Theodore Roosevelt, J o e Chamberlain, Jaurès, Guilher- ternacionalmente as profissões e os partidos políticos. O
me I I , Stolypin, dos estadistas de época; ou a fé; progres- pacifismo é uma grande potência. A humanidade parece
sista de um Edison, Marconi ou F o r d . Na literatura, tam- marchar para o paraíso terrestre.
bém aparecem pessimistas como Yeats, Proust, Baroja, An- Quem hoje, depois de tantas experiências sinistras, se
tónio Machado, Rilke, »Thomas Mannj mas estes só foram recorda daquela época, repetiria uma frase de Talleyrand,
plenamente reconhecidos depois de 1918. Quanto à atmos- modificando-a: "Qui n!a pas vécu dans les années avant de
fera geral entre 1900 e 1910, basta comparar Samain com 1914, ne sait pas ce que c'est que le plaisir de vivre". Evi-
Verhaeren. Os homens da nova geração estão possuídos do dentemente, trata-se de uma ilusão de óptica. Não há Idades
2766 OTTO MARIA CARPF.AUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2767
Áureas. Seria mais justo falar de equilíbrios felizes e efé- impõe uma revisão do famoso teorema; é esquemático de-
meros. A paz de muitos decénios, antes de 1914, pertur- mais, e isso resulta das suas origens positivistas. O teore-
bada só pelo ruído dos canhões em longínquos países co- ma da geração pretende explicar as mudanças de estilo,
loniais, baseava-se na superioridade do exército alemão e aplicando métodos matemáticos, estatísticos, a fatos bioló-
da esquadra britânica, tão fortes que ninguém ousava ata- gicos. Mas assim como as obras do espirito humano não
cá-los. As reivindicações marítimas da Alemanha força- têm origem meramente biológica, assim a relação histórica
ram, porém, a Inglaterra a fomentar as alianças antialemãs entre essas obras, a história da literatura, resiste a inter-
no Continente, de modo que a paz se baseava, afinal, num pretações matemáticas. Assim como o pensador espiritua-
instrumento diplomático de extrema precariedade: o equi- lista e o crítico de estilos têm de reivindicar a autonomia
líbrio das grandes potências, continuamente ameaçado pe- da história literária, assim os pensadores dialéticos, sejam
las próprias grandes potências. Governos fracos sentiram hegelianos ou sejam marxistas, insistirão na interpretação
mesmo a tentação de se servir das possibilidades bélicas da história não pela matemática, e sim pela sociologia.
para desviar a atenção das dissensões internas; a primeira É preciso modificar o teorema da geração por meio de
entre as grandes potências que rompeu a paz, atacando na considerações sociológicas à maneira de Karl Mannheim (*).
Líbia a Turquia, foi a Itália, onde se fomentava o nacio- O fator comum da geração é o temperamento; mas as rea-
nalismo do "maré nostrum", ao mesmo tempo em que a "se- cções são diferentes conforme as origens sociais dos escrito-
mana rossa", organizada pelos socialistas revolucionários, e res que, depois de ter passado pela mesma formação entram
fêz tremer a terra da Romagna. A paz social, base da de- na vida em condições sociais diferentes. Capitalismo mo-
mocracia, não estava menos ameaçada do que a paz interna- nopolista, decomposição da pequena-burguesia, organização
cional. As lutas de classe, desmentindo as doutrinas nacio- do proletariado são as condições de 1900. A geração que
nalistas, já pressagiaram o caráter económico, imperialista, entrou unida na vida separa-se logo em burgueses, peque-
da guerra futura. O equilíbrio só era aparente. nos-burgueses e proletários, ou antes, mais exatamente, em
Quase as mesmas expressões caracterizariam o "equi- filhos de burgueses, filhos de pequenos-burgueses e filhos
líbrio" literário. E r a aparente. "Naturalisme pas mort. de proletários; porque não são os próprios participantes do
Lettre suit". A carta que Paul Alexis nunca chegou a es- processo económico que fazem a literatura, e sim grupos
crever, foi apresentada por Kipling e Galsworthy, Baroja e acessórios das classes, designados aqui como "filhos". A
Thomas Mann, Hamsun e Gorki. Tampouco morreu o sim- distinção tem importância: explica — guardando-se sem-
bolismo. A t é certo ponto, todos os escritores da época es- pre em vista que é unilateral a definição-da literatura como
crevem em estilo simbolista, empregando "símbolos" até o produto social — a relativa independência da evolução es-
Thomas Mann de\Moríe em VenezaNaté o Hamsun de Vi- tilística em relação à evolução social. Explica o fenómeno
tória e o Gorki de Centelhas Azuis; e aos permanentes prin- do epigonismo, isto é, a sobrevivência de estilos, cujas ba-
cípios poéticos que o simbolismo restabelecera deve-se o ses sociais já desapareceram, e o fenómeno das vanguardas,
alto nível da literatura pós-simbolista, mesmo entre aque- isto é, de antecipações literárias de transições sociais fu-
les que o abandonaram ou nunca o admitiram.
A convivência de simbolistas e naturalistas, represen-
tantes de estilos antagónicos, dentro da mesma geração, 4i K. Mannheim: "Das Problem der Oenerationen". (In: Koelner
Vierteljahrshefte fuer Soziologie, v n , 2/3, 1928).
2768 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2769
turas. Na literatura do primeiro decénio do século XX, o das quais pretende incorporar a "classe literária" na nova
epigonismo é óbvio, na sobrevivência do estilo simbolista sociedade democrática, ao passo que a outra, temendo a
e do naturalismo reivindicador; ao mesmo tempo, as va-.. submissão do espírito às massas, recomenda a volta às tradi-
guardas pretendem transformar o simbolismo em magia ções abandonadas. Os caminhos separaram-se precisamen-
verbal e o naturalismo em primitivismo. Considerando-se te no princípio do século, na ocasião do caso Dreyfus. A
isso, seria possível "cruzar" os três grupos de "simbolistas" vitória política ficou com os "dreyfusards". Mas a vitó-
(esteticistas decadentes, revoltados) e as três "classes so- ria literária ficou com a direita; menos com o tradiciona-
ciais" da literatura ("filho" da burguesia, da pequena-bur- lismo histórico de Maurras do que com o nacionalismo de
guesia e do proletariado), e chegar, incluindo-se as tendên- Barres, o primeiro entre os racistas do século XX. A ade-
cias "extremistas" a oito grupos: neoclassicistas esteticistas- são do tradicionalismo a essa teoria do "sangue e solo da
burgueses; burgueses decadentes, meio naturalistas: tradi- França" manifesta-se numa obra de escasso valor literário
cionalistas burgueses; neo-simbolistas burgueses; primiti- e ideológico, mas de significação histórica, L'Êtape de
vigtas pequeno-burgueses; primitivistas proletários; neona- Bourget: os recém-chegados entre os intelectuais, de ori-
turalistas; e "modernistas" e futuristas. O esquema teria gem plebeia, seriam elementos perigosos e nocivos, porque
certa utilidade para exposição didática — mas só para isso; o talento e a educação não poderiam substituir a forma-
na execução, ficará incompleto pela representação insufi- r ã o vagarosa das elites históricas durante os séculos. A
ciente do proletariado, cuja consciência de classe mal des- gente do povo aceitou o repto, até na direita, onde acabou
pertara, e cujos "filhos" ainda ocupam parte reduzida da lutando Péguy, filho de camponeses. A doutrina do éían
literatura. Além disso, existem, como em todas as épocas vital, de Bergson, robusteceu-lhes a fé; fundamentou até a
da história literária, figuras isoladas que não cabem em fé socialista ou antes anarco-sindicalista de George Sorel,
esquema algum: um Rilke, um Conrad. Aquele esquema pregando o renascimento da civilização ocidental por meio
apenas forneceria um fio para se orientar nas relações com- de um ricorso à barbárie. É o primitivismo, esse primiti-
plicadas entre a transição social e a evolução estilística, re- vismo, manifestando-se como gosto pelos ambientes exóti-
lativamente* autónoma. O poeta e crítico inglês Auden acre- cos ou rústicos, como vitalismo "populista", e enfim como
dita ter achado a "lei" que rege essa autonomia relativa ( 5 ) : brutalidade racista, é uma das fortes tendências literárias
a "escolha da tradição". As classes socialmente diferentes do novo século.
da nova geração literária obedecem a tradições estilísticas
diferentes, quebrando-se deste modo a unidade inicial da Pensaram "primitivamente", em categorias de um vi-
geração. A história das perturbações do ecleticismo de talismo elementar, muitos franceses, íamentando a deca-
1900 pelas diferentes "escolhas de tradição" constitui a dência biológica da França, país de natalidade cada vez
própria história literária do século XX principalmente. menor, temendo a força superior do vizinho alemão. Mas
na Alemanha, a situação era parecida. ^Thoraas Mann,'antes
A tendência geral é para sair do individualismo; di- de 1914, não é muito menos tradicionalista do que Bourget;
vide-se logo em duas tendências secundárias, opostas, uma e ao nacionalismo de Barres corresponde o racismo do
inglês germanizado è wagneriano fanático Houston Ste-
wart Chamberlain. Assim como na França, existe na Ale-
6) W. H. Auden: "Criticlsm In a Mass Society". (In: The lntent of
tht Critic, edit. por D. A. Stauffer. Prlnceton. 1941). manha um primitivismo boémio, de Wedekind e dos boê-
2770 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2771

mios de Munique, iconoclastas que zombam da cultura gre- movimento europeizante, já vencera por volta de 1900, e os
co-alemã. Mas só quando esse espírito de revolta se põe acontecimentos políticos — a derrota pelo Japão e o ma-
a serviço do imperialismo oficial, personificado no im- logro da revolução de 1905 — levaram os intelectuais a
perador Guilherme II, surge o primitivismo nacionalista conversões religiosas e à atitude antimarxista da famosa
do "Wandervogel", das juventudes estudantis, antecipando publicação coletiva Limites. Quem lhes respondeu foi o
o nacional-socialismo. maior escritor "primitivista" da época, Maxim Gorki; e à
A arrogância alemã baseia-se, principalmente, no en- obra na qual denunciou os intelectuais reacionários, deu o
fraquecimento da Inglaterra depois da era vitoriana. A título significativo Bárbaros.
Inglaterra de 1910 guardava todos os aspectos exteriores de A distribuição geográfica dessas tendências literárias
sua civilização extremamente tradicionalista; "primitivis- é muito desigual. A "escolha da tradição" também depen-
mo" parecia a especialidade do inimigo dentro das frontei- de das condições especiais nas diferentes "áreas de cultu-
ras, dos irlandeses; mas o primitivismo também está mal ra", na França pequeno-burguesa e democrática e nos Es-
escondido na violência imperialista de Kipling e nas ten- tados Unidos dos grandes trustes, na Inglaterra imperia-
dências bucólicas e às vezes tolstoianas da chamada poesia lista e liberal e na Rússia czarista, revolucionária ou de-
"georgiana". O grande representante da tradição liberal, o sesperada. Evidentemente, não se trata de renovar con-
scholar E. M. Forster, é um dos escritores mais solitários ceitos mesológicos. A "escolha da tradição" é um processo
do século. que diz respeito à maneira da expressão, ao estilo. As de-
cisões são resultantes das condições sociais e das condições
Este liberalismo foi, no entanto, considerado pelos es-
linguísticas. Nos países de expressão neolatina — França,
panhóis, de Pérez Galdós até Ortega Y Gasset, como a Itália, Espanha — a língua literária já estava no apogeu ou
grande esperança depois da catástrofe de 1898. Mas Una- além do apogeu das possibilidades de evolução, ao passo
muno não é um liberal europeizante, antes um vasco vio- que a estrutura social-econômica estava atrasada; quanto
lentamente "primitivo", assim como o seu patrício Baroja, mais atrasada, tanto maior a tentação de romper violenta-
como o gallego V a l l e l n c l á n . Lembra-se, também, a poesia mente com todas as tradições, julgadas obsoletas, inclusive
intencionalmente popular de António Machado. com a própria literatura como "littérature pour la littéra-
Durante certo tempo, o primitivismo foi até doutrina ture", como expressão autónoma de línguas civilizadíssimas.
oficial naquele país que derrotara em 1898 a Espanha: nos São os países do esteticismo hierático e, ao mesmo tempo,
Estados Unidos. Foi a era de Theodore Roosevelt, da polí- dos modernismos e futurismos de vanguarda. Na Inglaterra
tica em mangas de camisa, da maior popularidade de Mark e na Alemanha, o simbolismo não vencera integralmente,
Twain e dos contos de O. Henry. A oposição meio socia- menos nas regiões marginais da Irlanda e da Áustria; daí
lista dos "muckrakers", gente da antiga fronteira no Oeste, certo atraso estilístico, ao lado do mais rápido progresso
não modifica o panorama. E só depois chegaram os Irving técnico e económico. Nesses países, as ideologias dominan-
Babbitt, More e Sherman, os "humanistas", quer dizer, os tes manifestam-se principalmente em obras científicas ou
tradicionalistas reacionários do Novo M u n d o . de divulgação pseudocientífica; as literaturas, no sentido
mais estreito das "belles-lettres", revelam os traços carac-
E n t r e as grandes literaturas só uma, nessa época, é ou
terísticos do epigonismo. Nos Estados Unidos reina o de-
parece inteiramente tradicionalista: a russa. O simbolismo,
2772 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2773

sacôrdo entre a situação económica, tecnicamente avançada, nismo da alta sociedade até um Henry James prestou home-
e a literatura vitoriana de Boston, que representara o pais nagem sutilíssima.
durante um século inteiro e agora já não prestara para por- O complemento do europeu mundano, conquistador de
ta-voz das realidades sociais; por falta de uma tradiçãa salões aristocráticos, é o europeu enérgico, conquistador de
poética — os americanos ignoravam o simbolismo — con- colónias e impérios. Os lordes e ladies de Meredith podem
tinua o "século da prosa"; e a tendência principal da lite- conversar com tanta despreocupação, porque o Tommy de
ratura americana de 1910 é naturalista. Este mesmo estilo Kipling subjugou a índia. Nem sempre a Europa estava
é o único do qual se pode servir a literatura revolucioná-
consciente dessa condição; mas, pelo menos, havia interesse
ria russa; a língua poética russa, porém, encontra-se em
vivíssimo pelos continentes longínquos. Grande parte da
franca evolução, sendo o meio de expressão quase natural
produção livresca de 1910 é "literatura colonial", literatura,
da Inteligência evasionista.
aliás, de pouco peso específico. Figura superior talvez seja
Em geral, as diferenças regionais entre as áreas de
o inglês W. H. Hudson (°), escritor viril, cujo lirismo re-
cultura tendem a desaparecer nessa época de livre-câmbio
sulta do "pathos da distância" — Far Away and Long Ago,
cultural. Nunca se traduziu tanto, de modo que um sucesso
como reza o título de sua autobiografia; o autor de Green
de livraria em Paris estava acessível, poucos meses depois
do "vient de paraitre", em todas as línguas civilizadas. A Mansions é, em língua inglesa, um "clássico" da literatura
época entre 1900 e 1914 definiu-se literariamente por uma argentina. No resto, domina a frouxidão intelectual e es-
literatura internacional, de nível muito mais elevado do tilística de Pierre L o t i ; e desse pecado tampouco se absol-
que a literatura internacional dos tempos de Walter Scott ve a maioria das obras de Lafcádio Hearn ( 7 ), inglês ame-
ou de Eugène Sue. Mas a sociologia literária, estudos das ricanizado e depois niponizado, glorificando os aspectos
condições sociais da difusão das obras, considera menos os poéticos e pitorescos da vida japonesa; só até Kokoro, nos
valores literários do que o sucesso, interpretado como sin- livros que aliás precedem a militarização do Japão, há li-
toma. rismo sincero. O sucesso desse "colonialismo" foi univer-
Os escritores, seja mais lidos, seja mais admirados, da sal. O escritor polonês mais lido na época, depois da revo-
época eram Wilde (menos pelos requintes do imoralismo lução malograda de 1905, não foi, como se poderia pensar,
estilizado do que pelo sprit mundano), D'Annunzio (pelo
gesto de conquistador de mulheres e massas), Anatole
France (pela superioridade do cepticismo, acima das pai-
f) William Henry Hudson, 1841-1922.
xões partidárias), e o próprio Bouget, o romancista da Green Mansions (1904); A Shepherâ's Life (1910); Far Awaji and
aristocracia e do esnobismo pseudo-aristocrático. A glória Long Ago (1918).
tardia de Meredith não está sem relação com as qualidades M. Raberts: William Henry Hudson. London, 1924.
R. E. Haymaker: From Pampas to Hedgerows and Dovm». A Study
aristocráticas do seu mundo de lordes e ladies em perma- of William Henry Hudson. New York, 1956.
nente conversa espirituosa e despreocupada. )Thomas Mann, 7» Lafcádio Hearn, 1850-1904.
que idealizara os burgueses da família Buddenbrook, tam- Olimpses of Unfamiliar Japan (1894); Kojoro (1896) etc.
bém é o observador suavemente irónico das cortes monár- E. Bisland: The Life and Letters of Lafcádio Hearn. 2 Tola. Lon-
don. 1906.
quicas, em Koenigiiche Hoheit (Alteza Real); ao munda- V. Mc Williams: Lafcádio Hearn. Boston, 1946.
2774 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2775
o romancista patriótico Sienkiewicz, e sim Sieroszewski ("), maneira habilíssima os motivos "costumbristas" e a técnica
que explorou, em numerosos contos de notável interesse fol- dramatúrgica de Wilde e Shaw, chegando a iludir todo
clórico, as suas experiências de doze anos de exilado polí- mundo e receber o premio Nobel. A maior parte das suas
tico na Sibéria; e um dos sucessos de livraria mais retum- peças é antes madrilenha. Benavente é dramaturgo de
bantes no mundo inteiro foi um idílio do dinamarquês Lau- boulevard de Madri; além de W i l d e e Shaw, conhece bem
rids Brun, a Van Zanten-Trilogie (1908-1914), obra que os Lavedan, Hervieu e Brieux. Pretende até fazer sátira
se situa entre Bernardin de Saint Pierre e Axel Munthe, social, mas não chega além de panfletos reacionários dra-
com ação nas índias Holandesas mas muito longe da In- matizados, como La ciudad alegre y confiada, Los malhe-
donésia de Multatuli ou da Malásia de Conrad. chores dei bien ou Para el ciei o y los altares. De natureza
O termo "evasionismo" não basta para definir essa li- reacionária também é o seu simbolismo, que aprendeu no
teratura colonial: é preciso acrescentar o gosto da vida pri- modernismo hispano-americano-espanhol; dizia-se com fe-
mitiva; e para tanto não era preciso viajar até ao Oceano licidade que êle "desrealiza" seus assuntos realistas. As ve-
Pacífico ou à Sibéria. O inglês Jefferies (°), que continua zes, essa desrealizaçao produz efeitos poéticos, quando o
escritor preferido de uma seita de leitores, encontrara os dramaturgo desiste do elemento tópico: Intereses creados é
encantos da vida simples na própria Inglaterra; e não será uma comédia de máscaras italianas, de bonecos, e não é só
diferente a atitude de Francis Jammes, nos Pirinéus. Ou- uma farsa deliciosa; justamente porque é uma obra sem
tra fonte de emoções primitivistas descobriu-se ao Sul dos substância humana, tem certo encanto poético. A substân-
Pirinéus e Alpes, na Espanha de Mérimée e Zizet e na cia humana, Benavente procurou-a nos assuntos "rurais",
Itália de Stendhal e Mascagni, países de "paixões elemen- entre gente de vitalidade maior do que os aristocratas e
tares" e trajes pitorescos. A vitória desse "regionalismo" boémios de Madri. Mas peças como La malquerida, embo-
de cosmopolitas decidiu-se no teatro, e o seu maior apro- ra de notável eficiência cénica, são meros pendants rústi-
veitador foi o espanhol Benavente ( 1 0 ), que combinou de cos das comédias de salão aristocrático, de insinceridade
evidente. E m Benavente manifesta-se toda a falsidade mu-
8) Waclaw Sieroszewski, 1858-1945. sical do modernismo; e o fim natural dessa dramaturgia é
Contos Siberiano* (1903); Contos Chineses (1903); Benjowski (1916) j a opereta, como La princesa Bebé. Benavente foi um dos
etc. dramaturgos mais fecundos e mais hábeis dos tempos mo-
K. Czachowskl: Waclaw Sieroszewski. A Vida e a obra. War§»
zawa, 1938 (em língua polonesa). dernos; mas foi só isso.
9) Richard Jefferies. 1848-1887.
The Game-Keeper at Home (1878); Wild Lifein a Sonthern Counté Uma das qualidades apreciáveis de Benavente é o tom
(1879); Story of my Heart (1883). discreto, de surdina. Talvez por isso o seu sucesso, embora
O. I. Masseck: Richard Jefferies. Paris, 1913.
10) Jacinto Benavente, 1886-1954.
Teatro fantástico (1892); La comida de las fieras (189P.'
gata de Angora (1900); Lo cursi (1901); La noche dei i s M l nos hacen (1917); Para el cielo y los altares (1928); Vidas Cru-
(1903); El dragón de fuego (1903); Rosas de otofio (1905); £ f l zadas (1928); Abdicación (1948).
malhechores dei bien (1905); La princesa Bebé (1905); Li A, González Blanco: "L\ Jacinto Benavente". (In: Los drama-
tereses creados (1907); SeUora ama (1908); La fuerza bruta ( ! turgos. Valência, 1927).
La escuela de las princesas (1909); El príncipe que todo lo - R. Pérez de Ayala: Las Máscaras. Vol. I. Madrid, 1919.
dió en los libros (1909); La malquerida (1913); El F. de Onte: Jacinto Benavente. Estúdio literário. New York, 1923.
eetrellas (1916); La ciudad alegre y confiada (1916); El mal qm A. Lazaro: Jacinto Benavente. De su vida y su obra. Madrid, 1925.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2777
2776 O T T O M A R I A CARPEAUX

lôres plásticos do verso. Yeats e Rilke, que foram, na mo-


bastante estrondoso, não fosse tão grande como o da Ca-
cidade, românticos dos mais vagos e musicais, passam por
valleria Rusticana, de Mascagni, esse equívoco musical em
uma conversão profunda, quase como se fossem "twice-
torno da grande arte de Verga. No mesmo estilo da "bru-
born": saem da crise com poetas diferentes, proclamando,
talidade do Sul" está Terra Baixa, do catalão Guimera ( n ) ,
em versos herméticos e como metàlicamente forjados, uma
musicada por D'Albert no estilo de Mascagni e Leonca-
mensagem diferente. Juan Ramón Jiménez abandona o
vallo e com sucesso parecido. Virtuose da forma dramática
modernismo dos seus começos. Blok volta-se da mística
de W i l d e parece o húngaro Moinar ( 1 2 ), o autor de O Dia-
de Soloviev para a realidade russa. George abandona o
bo; mas êle também é "costumbrista", sobretudo nas nove-
preciosismo. Até D'Annunzio procura, nas Laudi, um novo
las nas quais descobriu o elemento pitoresco na vida de
classicismo. E Valéry sai do seu silêncio voluntário de
Budapeste; e "costumbrismo" e habilidade dramatúrgica
vinte anos. O simbolismo produz os seus maiores poetas
reúnem-se na sua obra-prima Liliom, tragicomédia da vida
no pós-simbolismo ( , 2 * A ).
proletária. Está certo que Hamsun e Gorki são diferentes j
Foi uma transformação das mais importantes na his-
e incomensuràvelmente superiores a esses aproveitadores
tória da poesia. O simbolismo tinha "restaurado no Sím-
literários da vida primitiva; mas os leitores gostavam prin-
bolo" a poesia. Mas os seus símbolos eram de origem e
cipalmente do lado pitoresco e exótico de Andaluzia e da
validade particulares: referiarn-se a experiências indivi-
Sicília, dos fiordes e do Volga.
duais do poeta; e por isso não eram imediatamente com-
A "belle époque", entre 1900 e 1910, é época de apa- j
preensíveis aos leitores. O valor e a significação apenas
rente ou real estabilidade do mundo. A poesia também
individuais dos símbolos de um Mallarmé são responsáveis
revela tendência para "estabilizar-se". A poesia simbolista
pelo aspecto hermético de sua poesia.
pode tornar-se decorativa, como em Henri de Régnier.
Esse relativo hermetismo da poesia simbolista foi o
Também pode procurar dar contornos mais firmes ao verso ;
motivo de sua grande crise entre 1900 e 1910. Para supe-
musical: é a tendência classicista de Moréas, que encon- 1
rá-la, foi preciso encontrar símbolos de validade geral: já
tra agora muitos discípulos, os Tellier, La Tailhède e ou-
não comparáveis às opiniões e convicções de um indivíduo
tros, poetas menores, sem dúvida, e hoje esquecidos, mas
só, fosse mesmo um génio, mas comparáveis aos dogmas de
cujo papel histórico foi considerável: contribuíram para a
uma religião, de força obrigatória para todos os adeptos
"solidificação" da poesia simbolista, que perdeu o aspecto (
dela. Essa validade geral chegaria a conferir à poesia sim-
de "vago" e "musicalmente inefável", acentuando-se os va- I
bolista os contornos firmes de uma poesia clássica. Mas
acontece que os grandes poetas simbolistas tinham, todos
11) Angel Guimerá. 1847-1924. eles, perdido a fé; com a única excessão do católico Clau-
Gola Placidia (1879); Poesies (1887); La boja (1890); La festa dei del. Seu último recurso foi a invenção, construção ou re-
blat (1895); Terra Baixa (1896) etc.
J. Givanel: El teatro de Guimerá. Barcelona, 1909. construção de religiões particulares, de um sistema filo-
lá. Montoliu: Estudis de literatura catalana. Barcelona, 1912. sófico-religioso da vida, do qual os símbolos seriam as ex-
12) Ferenez Moinar, 1878-1952.
Os garotos da Rua Paulo (1907); O Diabo (1907); Liliom (1909) 12A) Ed. Wilson: AxeVs Castle. A Study in the Imaginative lite-
ctc. rature o/ 1870-1930. 2.* ed. New York, 1943.
A. Schoepflin: Escritores húngaros. Budapest, 1919 (em língua hún- C. M. Powra: The Heritage of Symbolism. London, 1943.
gara).
2778 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2779

pressões poéticas. Essas "filosofias" e "religiões", ou "mi- compreendeu a Mallarmé. A influência deste tampouco é
tos", dos grandes poetas pós-simbolistas são de valor muito sensível na poesia do "precursor" Jules Tellier ( 1 4 ), ao
diferente: em parte profundas, em parte abstrusas, em qual Maurras até dedicou uma monografia, apesar de um
parte de importância duvidosa. Seriam: a teosofia de título tão rodenbachiano como Les brumes. O editor das
Yeats; a mística de Rilke; o mito da "poesia desnuda", de poesias póstumas de Tellier, Raymond de La Tailhède ( 1 5 ),
Juan Ramón Jiménez; a "religião do espírito encarnado foi junto com Moréas, um dos fundadores da "École ro-
no corpo", de George; o "mito" heróico de D'Annunzio; o mane" de 1891, confessando, porém, francamente a sua pro-
"mito" revolucionário de Blok; o "mito" mediterrâneo de veniência meio decadentista, meio parnasiana:
Valéry; e, podemos acrescentar, o "mito psicológico", da
permanência das recordações, daquele grande pós-simbo- " J e venais du mystère et des palais a n t i q u e s . . . "
íista que foi Mareei Proust.
Assim, criaram mundos autónomos de poesia, perma- — o verso poderia servir de epígrafe a toda a poesia neo-
nentes como os mundos da poesia clássica. Neste sentido, classicista, só raramente capaz de esquecer certas angús-
George talvez fosse mais classicista do que qualquer outro tias pouco gregas. Mas Raymond de la Tailhède também
dos poetas citados; e com respeito à "permanência" da úl- andava profetizando
tima fase de Yeats não haveria nem houve discussão; mas »
esses dois, em vez de ficarem no seu mundo autónomo de " . . . le jour des strophe fabuleuses
poesia, pretendem impô-lo ao mundo da realidade, juntan- Du poème trésor magique de beauté";
do-se deste modo ao pouco "puro" D'Annunzio e mais ou-
tros pós-simbolistas que acreditam, em melhor ou antes, e isso indica claramente o caminho de purificação, através
pior estilo mallarmeano, na força mágica da palavra. A da doutrina de Mallarmé. Iniciou-o o comte de Montes-
linha divisória dentro do pós-simbolismo é entre os Va- quiou ( i e ) , figura enigmática de dandy à maneira de Vil-
léry, os Jiménez e os Rilke que confiam à poesia o papel liers de L'Isle Adam, modelo do Des Esseintes requintado
de construção de um mundo autónomo de poesia e, doutro e decadente de Huysmans, escondendo atrás de versos clás-
lado os D'annunzio, os George e os Yeats, que confiam à sicos, quase parnasianos, uma angústia religiosa que o fêz
poesia o papel de transfiguração mágica da realidade. A
linha divisória não é, aliás, de natureza político-ideológica;
entre os "magos da poesia" também se encontram os re- 14) Jules Tellier, 1863-1889.
volucionários Ady e Blok. Les brumes (1883); Reliques (1890).
H. Charasson: Jules Tellier. Paris, 1922.
Ch. Maurras: Jules Tellier. Paris, 1926.
A prioridade nas tendências neoclassicistas cabe sem
dúvida a Moréas ( 1 3 ) ; seu velho amigo Charles Maurras 15) Raymond de La Tailhède, 1867-1938.
enalteceu-o, não vendo ou fingindo não ver os resíduos De la Métamorphose des Fontaines (1895); Le Deuxième Livre
des Odes (1922).
pós-românticos na poesia melancólica do grego, que nunca lf.) Robert de Montesquiou, 1855-1921.
Les chauve-souris (1892); Hortênsias bleus (1896); Les Paons
(1896); Prières de tous (1902).
E. de Clermont-Tonnerre: Robert de Montesquiou et Mareei
13) Oí. "O Simbolismo", nota 31. Proust. Paris, 1925.
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adivinhar e revelar a verdadeira significação da poesia da até o dia em que Valéry, despertando do "rêve" de incuba-
então esquecida Marceline Desbordes-Valmore. Montes- ção da sua poesia, revelou "L'Essence".
quiou só seria lembrado como amigo de Mareei Proust, se O altíssimo poeta Paul Valéry ( a 0 ) é um dos prosa-
não fosse o seu volume Prières de tous, antecipação curiosa dores mais brilhantes da língua francesa. Os quatro volu-
de certas expressões do surrealismo — presságio de mais mes que publicou sob o título Variété s l o um tesouro de
uma possibilidade de evolução pós-simbolista. definições e fórmulas de precisão extraordinária; e do
A serenidade classicista — pode-se dizer burguesa — poeta hierático, ídolo de todos os esnobes, ninguém espe-
do pós-simbolismo encontra-se na poesia de Henri Rég- rava o radicalismo destemido da Crise de Vesprit t dos Re-
nier ( u ) . Dai levou um caminho para o neoparnasianismo de garás sur le monde actuei. Valéry é pensador; não um filó-
Gregh ( 1 8 ), que também é, significativamente, grande admi- sofo sistemático, mas um contemplativo da estirpe dos gran-
rador de H u g o ; mas disso não se podiam esperar grandes des sábios do Oriente ou dos gregos pré-socráticos. Esse
resultados; assim como carece de importância a poesia de pensador faz poesia filosófica: a rima permitir-lhe-á apro-
epígonos como Angellier, Fabié e Michel Abadie. E r a pre- ximações das mais inesperadas de ideias; o ritmo revelará
ciso voltar a Mallarmé; e voltar não precisava Jean Royè- sentidos secretos; e na própria construção arquitetônica do
re ( i B ), sempre apóstolo apaixonado da doutrina do mes- poema encontrar-se-á gravado o mistério do mundo, assim
tre, mais importante como teórico da poesia do que como * como arquitetos ocultistas esconderam a sua sabedoria
poeta. Nos dias confusos do "naturisme", "humanisme",
"unanimisme", Royère conservou viva a memória da poe-
sia pura de Mallarmé, através das páginas da revista Pha- 20) Paul Valéry, 1871-1945.
lange, que dirigiu de 1906 a 1914. Um título seu como La jeune Parque (1917); Odes (1920); Le Cimetière marin (1920);
Charmes (1922); Narcisse (1926); Poésies (1931); Introduction à
Soeur de Narcisse nue poderia ser título de Veléry. E o la méthode de Léonard de Vinci (1895); La soirée avec Af. Teste
papel histórico de Royère talvez se resumisse nisto: ter (1896); La crise de Vesprit (1919); Eupalinos ou 1'architecte (1921);
Variété (1924); Carnet B 1910 (1924); L'Ame et la Danse (1925);
lembrado sempre Variété II (1929); Regards sur le monde actuei (1931); Sémira-
mis (1934); Variété III (1936); Variété IV (1938).
A. Thibaudef. Paul Valéry. Paris, 1923.
" . . . le rêve de saisir E. R, Curtius: "Paul Valéry' (In: Framoesischer Geist im neuen
L'Essence" — Europa. Stuttgart, 1935).
J. Prévost: La pensée de Paul Valéry. Paris, 1926.
F. Porché: Paul Valéry et la poésie puré. Paris, 1926.
P. Souday: Paul Valéry. Paris, 1927.
Fr. Lefèvre: Entretiens avec Paul Valéry. 2.» ed. Paris, 1939.
17) Cf. "O Simbolismo", nota 34. A. Capasso: Conclusioni su Valéry. Génova, 1934.
H. Fabureau: Paul Valéry. Paris, 1937.
18) Fernand Gregh, 1873-1960. E. Noulet: Paul Valéry. Paris, 1938.
La beauté de vivre (1900); Les clartés humaines (1904); La L. Bolle: Paul Valéry. Fribourg, 1944.
Chaine éternelle (1910). G. Cohen: Essai d'explication du Cimetière marin. Paris, 1946.
G. Lanson: "Un poete. M. Fernand Gregh". (In: UAmérique M. Bemol: Paul Valéry. Paris, 1949.
Latine, maio de 1923). J. Hytier: La poètique de Valéry. Paris, 1953.
N. Suclyng: Paul Valéry and the Civilized Mind. Oxlord, 1954.
19) Jean Royère, 1871. F. E. Sutcliffe: La pensée de Paul Valéry. Paris, 1955.
Eurythmies (1904); Soeur de Narcisse nue (1907); Quietude R. Mallet: André Gide — Paul Valéry. Correspondance, 1890-1942.
(1920). Paris, 1955.

J
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nas proporções matemáticas das plantas. Aí estão o* gran- conclui no fim do Cimetière marin; e no fundo da sua emo-
des poemas que todo mundo admira sem compreendê-los ção intelectual reside a mesma angústia que Mallarmé tão
("Ni lu ni compris?", pergunta o próprio p o e t a ) : os frag- bem conhecia, uma angústia pascaliana: a consciência "exis-
mentos de Narcisse, o Cantique des Colonnes, Ebauche d* no tencialista" de que toda vida está destinada à morte e de-
Serpent, Palme, Cimetière marin. São grandes meditações composição. Mas a vida orgânica é a condição da cons-
filosófico-poéticas — ciência e, portanto, da poesia, contaminada pelas impu-
rezas da nossa constituição biológica e social. Daí a ten-
"Discour prophétique et p a r e . . . " tativa de basear a poesia nas oscilações pré-conscientes que
brotam das estratificações permanentes do Universo e que
— de forma impecabilíssima, de construção cerrada, de não é possível exprimir na linguagem lúcida e racional da
modo que a citação de versos isolados, recursos indispen- prosa francesa; o que se diz em versos não se pode dizer
sáveis na análise de poesia, ali é inconveniente. Como se —• se os versos são bons — em boa prosa; um poema não
fosse um pecado contra o espírito do poema. Não é o pode ser parafraseado; e por isso os poemas filosóficos de
único motivo das dificuldades de interpretação da poesia Valéry não parecem encerrar filosofia nenhuma, talvez nem
valéryana, tão densa, difícil, hermética. Leia-se a análise seja filosofia; antes o processo de "filosofar", como pare-
sutil e justa do Cimetière marin, por Gustave Cohen, e ve- ce indicar o "culto do método" de Valéry. A poesia de Va-
rificar-se-á que há alguma verdade na frase mordaz de léry já se definiu como um processo em andamento entre a
León Daudet: atrás da profundeza hermética das poesias atividade vital e a contemplação céptica (ou até niilista),
de Valéry não há nada do que lugares-comuns triviais que em outras palavras, entre o subconsciente obscuro e a cons-
a inteligência brilhante desse francês meridional não dei- ciência clara, produzindo-se o poema diante do leitor no
xaria sair em prosa. A desilusão é igual àquela que se espaço intermediário da semiconsciência — e daí, conclui-
experimenta em face de certas interpretações de Mallarmé: se, a dificuldade de compreender essa poesia: o hermetis-
essa poesia filosófica não parece encerrar filosofia alguma. mo. Mas, "II faut tenter de vivre", o que só é possível à
O fato da analogia não surpreende muito porque Valéry luz da inteligência; e isso Valéry consegue na prosa. Na
é o discípulo mais fiel de Mallarmé; na verdade, o seu úni- poesia, tenta intelectualizar o ininteligível, daí as suas sim-
co discípulo ortodoxo. "Ortodoxia", porém, é uma maneira patias temporárias para com Dada e o surrealismo. Como
de dizer: pois os motives de Valéry são mallarmeanos, mas os jovens rimbaldianos, pretende exercer a magia — o tí-
o resultado é diferente. tulo mallarmeano do seu volume de versos, Charmes, evoca
artes mágicas. Mas o objetivo é diferente. Aí está a In-
Assim como Mallarmé, é Valéry um poeta da evasão; teligência pura, em toda a sua antivitalidade, assim como
eis um dos vários motivos da sua aversão por Anatole Fran- M. Teste, o personagem do "romance" de Valéry, viveu no
ce, seu predecessor na Academia Francesa, aversão que re- espaço vazio da sua inteligência depurada. A hostilidade
velou pela malícia sutil de não pronunciar-lhe nem uma vez de Valéry não se dirige só contra o "esprit" no sentido
o nome no discurso laudatório de praxe. Contudo, Valéry mundano, mas também contra o "Esprit", que é a sublima-
não é evasionista por orgulho ou por timidez. ção das forças vitais. "O ma mère I n t e l l i g e n c e . . . " , assim
fala o único poeta que faz da faculdade analítica a sua
"II faut tenter de vivrel",
2784 OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2785
musa, uma faculdade analítica tão implacável que chega a
mé ambicionava, nota Valéry as proporções matemáticas
destruir, mentalmente, o Universo, conforme os versos mui-
nas quais os sons se baseiam. Dá-lhes nomes da mitologia
to citados —
grega; e assim nascem aquelas meditações de "dureté pré-
cieuse" como esculturas gregas, que não têm nada a ver
" . . . 1'Univers n'est qu' un défaut com a Grécia verdadeira, mas são pedras fundamentais de
Dans la pureté du Non-Être." uma Grécia fantástica, renascida no cérebro de um enge-
nheiro moderno. Neste sentido, é Valéry "le classique du
Esse "niilismo'' é o resultado natural do narcisismo do in- symbolisme"; com efeito, a sua arte é permanente.
telectual que passa a vida "contemplando o umbigo da sua
"Fórmula" e "forma" são, em Valéry, sinónimos: eis
inteligência". Por isso, o cume do valérysmo não é a poesia,
por que a sua poesia filosófica não parece encerrar filoso-
mas o silêncio completo. Por isso, Valéry passou mais de
vinte anos em silêncio completo, sem publicar nada. Pre- fia alguma. A forma poética é a própria filosofia de Va-
parou-se, durante esse período de incubação, o caminho léry — o que êle não pode dar na sua prosa; quer dizer,
de volta à poesia através da prosa. Nesta, analisa e decom- a sua filosofia é estética, e o conteúdo filosófico da sua
põe o mundo para dar lugar à criação mágica de uma poe- poesia reside no fato de ela ser — já não ' T a r t pour 1'art".
sia sem finalidade "mundana" nem humana, contemplan- como a de Mallarmé, mas "la forme pour la forme". Deste
do-se a si mesma com o encanto de Narciso perante o seu modo, u m problema arquivelho da estética, a relação entre
próprio retrato na água pura e vazia — tema predileto de forma e conteúdo, está em Valéry resolvido por meio de
Valéry. uma equação matemática. Valéry, o poeta, foi engenheiro,
Dizia-se que Valéry, encarnação da Inteligência, é ini- matemático. Renunciou à música de Mallarmé, só para e
migo do E s p í r i t o . Nisso, êle é anti-romântico por excelên- riquecer a sua poesia de valores geométricos, esculturais,
cia, mas também é arquieuropeu; a sua Inteligência encon- visuais enfim. A "anedota", isto é, o conteúdo capaz de
tra-se no pólo oposto do Espírito romanticamente desen- ser parafraseado, desapareceu, mas a paisagem renasceu em
freado, ídolo de Dostoievski. Pelo mesmo motivo, não po-
torno das estátuas e fragmentos de estátuas. E m Palme c
dia ficar mallarmeano ortodoxo. O método de chegar à
Cimetière marin é inconfundível a atmosfera mediterrânea.
poesia pura — a eliminação da "anedota", o hermetismo — |
é o mesmo mestre. Mas o fim não pode ser a música em "Ni vu ni connu", diz o poeta; mas o leitor acrescenta:
palavras, ideal do grande professor da Rue de Rorae. Na "déjà vu". Conhece essa paisagem de "Midi là-haut, midi
música há muito Espírito, sublimação de forças vitais trans- sans raouvement". Sem nenhuma ebriedade dionisíaca rea-
figuradas; é a arte especificamente dionisíaca. Valéry, lizou Valéry a "poesia do Sul" com a qual Nietzsche so-
porém, pretende transformar a língua em rede de fórmulas nhara. É a poesia moderna que volta ao berço da civiliza-
matemáticas, língua pura assim como é puro u m desenho ção ocidental, e em face da permanência desse céu azul e
geométrico de sentido algébrico. Os corpos morrem e o desse mar azul em versos franceses perde o sentido a dú-
Universo é uma mancha. Mas as fórmulas pertencem ao
vida segundo a qual se trata de uma renascença ou de um
reino das ideias platónicas. Em vez da música que Mallar-
fim definitivo. A poesia de Valéry é um
2786 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2787

" . . . des pas ineffables a influência do modernista Villaespesa ( 2 1 ), decadentista e


Qui marquent dans le fables." verbalista que adorava a D'Annunzio e renovou com dra-
mas poéticos, cheios de falsidade pitoresca, o sucesso de
Zorrilla.
H á quem prefira a prosa de Valéry à sua poesia. Há
Era imenso o caminho que Juan Ramón Jiménez ( 2 2 )
quem considere Valéry maior artista que poeta. Como in-
tinha de percorrer entre aquele romantismo superficial-
teligência em prosa e como artista em versos não há, neste
mente modernizado até a realização daquilo que êle mesmo
século, quem se lhe compare. " W e shall not look upon his
define como "classicismo": "Clasicismo: secreto plena y
like again." exactamente revelado; — Clasicismo: perfeción viva; —
O silêncio voluntário de Valéry durante o espaço de Clasicismo: domínio retenedor de lo dinâmico." Estas de-
tempo de uma geração inteira teve o mesmo efeito, no plano finições bastam para justiçar, no terreno da história lite-
internacional, como na Inglaterra o retardamento da pu- rária, a aproximação com Valéry, contra cujo intelectualis-
blicação das poesias de Gerard Manley Hopkins durante mo o poeta espanhol se pronunciou, aliás, com certa amar-
trinta anos depois da sua morte. A poesia de Valéry, típica gura, defendendo os direitos da poesia "espontânea". J i -
do grande pós-simbolismo de 1910, só começou a ficar co- ménez começou como "modernista"; mas as obras que de-
nhecida por volta de 1920. Sua repercussão pertence, por- notam a influência de Villaespesa, o próprio poeta chama-
lhes "pré-históricas". A "verdadeira obra" — essa expres-
tanto, a um período posterior.
são repetir-se-á várias vezes durante a carreira poética de
Em 1922, ano da edição de Charmes, a literatura fran- Jiménez — começa com Árias tristes e Jardines Jejanos:
cesa, perturbada pelos modernistas e dadaístas, podia acei-
tar qualquer discussão em torno do conceito da poesia; mas 21) Francisco Villaespesa, 1877-1935.
ninguém podia fazer poesia mallarmeana. Deste modo, Intimidades (1898); Tristitae rerum (1906); Las horas que pasan
(1909); Livro de los sonetos (1913) etc.
havia uma grande discussão em torno de Valéry e da "poe- Teatro: El Alcázar de las Perlas (1911); Dona Maria de Padilla
(1913) etc.
sie puré"; mas não surgiram poetas valeryanos. A "poésie F. de Onis: Francisco Villaespesa y el modernismo. (In: Revista
p u r é " encontrou discípulos na Itália, no círculo de Unga- hispânica moderna, m , 1936/1937).
retti, então meio afrancesado, e sobretudo na Espanha: Dâ- 22) Juan Ramón Jiménez, 1881-1958.
Árias tristes (1903); Jardines lejanos (1904); Elegias puras (1908):
maso Alonso, Jorge Guillén, Cernuda e tantos outros; por- Las hojas verdes (1909); Soledad sonora <19U>; Labirinto (1913);
que, no países de D'Annunzio e do "modernismo" de feição Sonetos Espirituales (1917); Poesias escogidas (1917); Diário de
un poeta recién casado (1917); Eternidades (1918); Piedrtí y cie-
hispano-americana, a purificação mallarmeana da poesia lo (1919); Segunda antologia poética (1920); Belleza (1923); Uni-
dad (1925); Sucesión (1932); Presentes (1933); Canción (1936);
ainda não estava realizada. Aqueles poetas espanhóis são Canciones de la nueva luz (1939); Animal de fondo (1940).
realmente discípulos do poeta francês, embora não só deste: E. Neddermann: Die symbolistischen Stilelemente im Werk von
Juan Ramón Jiménez. Hamburg, 1935.
interviera a influência de Juan Ramón Jiménez, que é o E. Diez Canedo: Juan Ramón Jiménez en su obra, México, 1944.
verdadeiro contemporâneo de Valéry, do período em que G. Figueira: Juan Ramón Jiménez, poeta de lo inefable. Buenos
Aires, 1944.
este último não publicava nada. Valéry "estreou", por volta J. Ortiz: Juan Ramón Jiménez. México, 1950.
de 1920, entre dadaístas e surrealistas; Jiménez estreou sob O. Palau de Neme: Vida y obra de Juan Ramón Jiménez. Ma-
drid, 1957.
278,1 OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2789
nas quais o poeta já não é adepto do modernismo hispano-
toda a história da poesia espanhola (talvez menos San Juan
americano, e sim dos mestres franceses desse modernismo,
de la Cruz) para voltar a Garcilaso de la Vega, o poeta do
de Moréas, sobretudo, e de outros poetas da famosa anto-
"rio divino":
logia Poetes d'aujourd'lui, de Van Bever e Léautaud; tam-
bém se percebe a influência dos pré-rafaelitas ingleses —
Jiménez conhece profundamente as poesias de muitas lín- "Rio de cristal, dormido
guas, e mais do que uma vez lembrou êle mesmo uma ou y encantado..."
outra influência que escapara aos críticos, como, por exem-
plo, a da poesia intimista de Hugo. Então, por volta de Em 1917, Jiménez publicou uma antologia, tirada dos seus
1903, Jiménez era um "simbolista" ligeiramente decanden- volumes já publicados, deixando porém quase nenhuma li-
tista — nha sem modificações incisivas. "A verdadeira obra" come-
çou de novo. O volume principal dessa nova faie é Piedra
"Tristeza dulce dei campo. y cielo, que deu nome a "escolas" inteiras de poetas hispa-
La tarde viene c a y e n d o . . . " no-americanos, os "piedracielistas". E, já em 1922, seguiu-
se a Segunda antologia poética, novo inicio, declarando-se
— um romântico melancólico, mas já capaz de comunicar a obsoleto todo o passado do poeta. Desde então, publicou,
música serena da sua paisagem da Andalucia: em pequenos volumes e folhetos avulsos, quase só "anto-
logias", isto é, novas versões emendadas de poesias an-
"Dios está azul. La flauta y el tambor tigas suas, renovando-se continuamente. Jiménez, que pa-
anuncian ya la flor de p r i m a v e r a . . . " rece na leitura o mais meigo e suave dos poetas, é na ver-
dade um temperamento tempestuoso, o que se revela tam-
Depois, Jiménez tornou-se cada vez mais conciso, epi- bém nas suas críticas implacáveis de poetas velhos e novos.
gramático, em poesias de poucos versos, irregulares, lem- Jiménez julga-se com direito para tanto porque não era
brando algo a seu patrício António Machado e, mais, a tão implacável contra ninguém como contra si mesmo, até
outro patrício, pré-simbolista: Gustavo Adolfo Bécquer. chegar àquele "clasicismo" que é a sua forma da "poèsie
Esse caminho de purificação, renúncia definitiva ao senti- puré":
mentalismo romântico, leva o poeta a regiões perto da hu-
*
mildade cristã de Jammes:
"i Oh pasión de mi vida, poesia
"Plenitud de lo mínimo desnuda, mia para siempre!"
que llena el mundo y fija
el pensamiento inmenso." Ultrapassou, já faz muito tempo, a fase bécqueriana, cons-
truindo composições de tamanho algo maior e de tom her-
Os Sonetos espirituales, por mais perfeitos que sejam, fi- mético que correspondem às composições maiores de Va-
cam obra marginal ao lado de outro resultado mais impor- léry: "Criatura afortunada", "Pajaro fiel", "Flor que vuel-
tante: uma pureza que se esqueceu deliberadamente de ve". "Sitio perpetuo". A Valéry lembra urna estrofe como —
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2791
2790 OTTO MARIA CARPEAUX

"Yo no v o l v e r é . . . " : não satisfeito com o eufemismo, che-


"Intelijencia, dame
gou a explicar:
el nombre exacto de las cosas!
Que mi palabra sea
"Morir es solo
la cosa misma,
mirar adentro; abrir la vida solamente
creada por mi alma nuevamente."
adentro; ser castillo inexpugnable
para los vivos de la vida."
A diferença, porém, não é só de ordem formal. A Inteli-
gência de Jiménez aspira ao A poesia de Juati Ramón Jiménez é como uma misteriosa
luz acesa, transformando a mais reclusa das "torres de
"Limite exacto de la vida, marfim" em farol para os navegantes do mar lá fora.
perfecto continente, Assim como no caso de Valéry, se bem que por moti-
armonía formada, único fin, vos diferentes, a influência de Jiménez só se tornará sen-
definición real de la b e l l e z a . . . " sível depois da primeira guerra mundial. Até então, o seu
lugar histórico na evolução da poesia ibérica está ocupado
"Exacto" e "real" são reações contra o falso romantismo., por Eugênio de Castro ( 2 3 ), o simbolista-classicista, tão
Jiménez pretende ser "poeta espanol universal que no toca maltratado pelos críticos modernistas da poesia portugue-
el tópico espanol". Detesta o folclore pitoresco; mas de- sa, mas de influência incalculável sobre tantos poetas es-
desta igualmente o falso universalismo romântico que con- panhóis, hispano-americanos, italianos e da Catalunha.
funde a "real belleza" com as efusões desordenadas de um,j A Catalunha é, porém, um caso especial, que merece
"eu" caótico. Daí sua hostilidade contra a retórica his- parêntese. Verdaguer fora uma figura comovente de poe-
pano-americana e, especialmente, contra Pablo Neruda. Até ta-sacerdote. Maragall já foi poeta notável. Mas sob o
este ponto seria possível falar de Jiménez em termos mal- impacto da poética pós-simbolista essa cidade de Barce-
larmeanos. Mas falta-lhe totalmente o evasionismo. A sua lona, que durante quatrocentos anos ficara literariamente
poesia muda, tornou-se um dos centros da poesia europeia. O pri-
meiro lugar, cronologicamente, pertence a Guerau de
" . . . ensancha con su canto Liost ( 2 4 ), poeta altamente intelectualizado, às vezes iró-
la hora parada de la estación viva, nico, outras vezes fantástico, o poeta típico da cidade de
y nos hace la vida suficiente." Barcelona que naqueles anos deixou de ser capital de pro-
víncia para tornar-se a maior aglomeração humana da Es-
panha, mostrando todas as facetas de metrópole moderna,
Este poeta não precisa "tenter de vivre"; a sua poesia
sua vida, mas uma vida transfigurada. A "permanência"
da poesia de Jiménez não é a de figuras geométricas, mas
23) Cf. "O Simbolismo", nota 70.
de "lugares-comuns" sentimentais, cada vez mais purifi-
24) Guerau de Liost (pseudónimo de Jaume Boíill i Mates), 1878
cados e enfim puros. Ocasionalmente, Jiménez emendou o 1933.
"Yo me moriré. ..** de uma das suas primeiras poesias em La muntanya à"ametístes (1908); La ciutat à"ivori. (1918).
^

27<»2 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2793

incendiada pela mais violenta luta de classes — a cidade liças; o poeta catalão pode ser mediterrâneo sem sacrificar
do anarquismo — e pelo sol ardente do céu mediterrâneo. a um artificial "mito do Mediterrâneo". Seu poema longo
O centro do movimento poético catalão foi Lopez Pico ( 2 S ), Nabi, escrito no exílio, passa pela obra principal da lite-
que dirigiu o órgão La Revista, poeta muito rico, muito va- ratura moderna da Catalunha.
riado e, às vezes, desigual, tipicamente mediterrâneo: O teórico desse movimento foi Eugénio D'Ors ( a 0 ), o
autor da Ben plantada, espécie de novela que é, ao mesmo
"Goig etern que la Hum torna tempo, o manisfeto do neoclassicismo catalão. Mas a Ca-
de Tun jorn per 1'endemà:
talunha não é só clássica; também tem outros aspectos,
tot el destí ve de Roma
igualmente importantes. E o próprio D'Ors. teórico do
e tots eis camins lui van."
classicismo mais ordodoxo, também agiu como propagan-
dista do neobarrroquismo. Na verdade, D'Ors não é pen-
É um poeta católico, mas de alegria dionisíaca como a de
sador coerente, mas impressionista. Seu Glossari, que pu-
Maragall, mas distinguindo-se dele pela precisão clássica
blicou durante muitos anos sob o pseudónimo "Xenius",
do estilo poético e pela capacidade ilimitada de se renovar:
é um repositório imensamente rico de ideias fascinantes e
é um dos grandes poetas da nova literatura catalã, que é,
contraditórias; nos últimos anos dessa atividade intelectual
em poesia lírica, uma das mais ricas do século X X . Assim
como Valéry e Jiménez, López Pico também é prosador multiforme, defendeu ideias fascistas.
e crítico, muito compreensivo, sem parti-pris injustificado O fato é lamentável, mas não está isolado; quando o
ou justificado. Seu papel de líder do movimento poético simbolismo neoclassicista pretende sair do seu mundo de
catalão não ficou, porém, sem contestação. As gerações poesia autónoma para se aproximar do mundo das reali-
atuais preferem a poesia de Carner ( 2 6 " A ), que é um mal- dades sociais, cai fatalmente em certo imperialismo lite-
larmeano ou valéryano mais puro, transfigurando com feli- rário. Isso se verificou até num terreno tão distanciado
cidade igual paisagens da sua terra e cenas populares, idí- do neoclassicismo ibérico como o do neoclassicismo alemão.
O primeiro simbolista alemão que chegou à concisão de
fórmulas filosóficas em poemas epigramáticos fora W i -
25) Josep Maria Lopez Pico, 1886. lhelm von Scholz ( 2 7 ) ; compreendendo a natureza dialética
Epigrammata (1914); Ofrena (1915); Absenclas paternales (1919);
El meu pare i jo (1920); El retorn (1921); Popularitats (1922); do seu pensamento, tentou o caminho do drama, seguindo
Les enyorances dei mon (1923); Cine poentes (1924); Elegia (1925);
Jubileu (1926); Invocado secular (1926); Voei de la paraula (1927); assim as tentativas do maior neoclassicista alemão, Paul
Meditacion in jaculatories (1928); Temes (1928); Carnet de ruta
(1919); Salutaciones d'arribada (1929); Represa de la primera
ofrena (1930); Epitalami (1931); Antologia Lírica (1931) etc.
M. de Montoliu: Breviari critic. Barcelona, 1926, 1929, 1931.
25A) Josep Carner, 1884. 26) Eugénio D'Ors, 1882-1954.
La paraula en el vent (1914); Bella terra, bella gent (1918); El La ben plantada (1912); Nuevo Glosario (1920); Oceanografia dei
cor quiet (1925); Nabi (1941). tédio (1921) etc., etc.
J. Folguera: Los noves valor8 de la poesia catalana. Barcelona, J. L. L. Aranguren: La filosofia de Eugénio D'Ors. Madrid, 1948.
1919.
J. M. Miqueli Vergés: Prólogo de Nabi. Buenos Aires, 1914. 27) Cf. "O Simbolismo", nota 180.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL -7(»5
2794 OTTO MARIA CARPEAUX

Contudo, a possibilidade da epopeia estava realmente no


Ernst ( 2 8 ), uma das personalidades mais contraditórias do
caminho entre o naturalismo e o simbolismo — já se reve-
século X X ; o classicismo, estilo das suas obras principais,
lou isso no Olympischer Fruehling de Spitteler, este bloco
não foi senão uma fase da sua carreira tortuosa. Iniciou-a
de filosofia naturalista em língua nietzschiana. Algo como
como naturalista à maneira de Maupassant; escreveu, de-
uma epopeia neoclassicista realizou-se na Polónia, onde
pois, certo número de tragédias "clássicas", de assuntos
Staff ( 20 ) já tinha dado o passo do simbolismo decadente
históricos ou mitológicos, reduzidos a um esqueleto de diá-
em direção a uma poesia firme em fundamentos gregos.
logos agitados, mais ou menos como um Alfieri as teria
Reymont ( 30 ) tirou a conclusão. Tinha principiado como
imaginado; enfim, tentou, no Kaiserbach (Livro dos Impe-
naturalista típico e dos mais fortes — Terra de Promissão
radores), erigir o monumento da história alemã medieval
é o romance da nova indústria têxtil na região de Lodz.
— a epopeia é a grande ambição dos classicistas, mas nesta
Depois, escreveu romances simbolistas à maneira de Huys-
de Ernst fracassou por um motivo especial: a adoção de
mans, sinfonias de cores em estilo requintado e com alu-
um estilo duro como de gravuras em madeira, que foi con-
sões a mistérios ocultistas. Enfim, Chlopi (Os Campone-
siderado tipicamente alemão pelos poucos admiradores de
ses) é a epopeia da aldeia polonesa de Lipce: não durante
obra. Em dois romances — Der schmale Weg zum Clueck
determinada época histórica, mas durante as quatro es-
e Saat auf Hollnung, documentos de certa importância his-
tações que determinam as quatro partes da obra: Outono,
tórica — Ernst pretendeu justificar as suas transforma-
Inverno, Primavera, Verão. J á o princípio com o outono,
ções, do naturalismo ao classicismo e do marxismo ao na-
que é mais importante para o camponês do que a primavera
cionalismo; além de numerosos escritos teóricos sobre o ]
preferida pelos poetas líricos, revela o espírito anti-român-
teatro "clássico", que seria a forma ideal para represen-
tico de Reymont. A obra é séria, até sombria como a pai-
tar os conflitos elementares e permanentes. No fundo,
sagem; mas não falta certo humorismo rústico, tam-
E r n s t ficou sempre menos poeta do que pensador inde-
pouco como nos idílios sicilianos de Teócrito. E m com-
ciso, envolvido em conflitos dialéticos, por mais que o seu
pensação, Reymont só pretende apresentar aspectos ex-
temperamento imperioso desejasse soluções definitivas,
teriores, sem internar-se na psicologia dos personagens; e
clássicas; o fim não podia deixar de ser um "classicismo
isto, que parece herança do materialismo naturalista,
dialético" ou uma "dialética classicista"; quer dizer, o fas-
afirma tê-lo aprendido em Homero. Talvez seja a obra de
cismo ao qual Ernst aderiu sem sinceridade como que para
Reymont mais latina do que grega; em todo caso, inteira-
vingar-se dos sofrimentos de uma carreira composta de
fracassos. Em Ernst perdeu-se um talento muito grande.

29) Cí. "O Simbolismo", nota 99.


30) Wladislaw Reymont. 1868-1925.
28) Paul Ernst. 1866-1933. A Morte (1893); Terra de Promissão (1899); Aurora (1902); Os
Der schmale Weg zun Glueck (1904); Demetrios (1905); Canossa Camponeses (1904/1909); 1794 (1913/1918).
(1908); BrunhUd (1909); Ninon de Lenclos (1910); Ariadne auf J. Lorentowicz: Ladislas Reymont. Es sai sur son oeuvre. Paris,
Naxos (1912); Der heilige Crispin (1913); Preussengeist (1916); 1915.
Saat auf Hoffnung (1916); Chriemhild (1922); Das Kaisv A. Schoell: Les paysans de Reymont. Paris, 1925.
(1923/1928). W. Falkowski: Wladislaw Reymont. 2.* ed. Warszawa, 1929 (em lín-
J. Bab: Die Chronik des deutschen Dramas. Berlin, 1922. gua polonesa).
A. Potthoff: Paul Ernst. Muenchen, 1935.
2796 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2797

mente oposta ao "Espírito" de Dostoievski, ao "dinamismo ten. Ivanov é mesmo o Stefan George russo, sem preten-
eslavo", como os romances, escritos em inglês, do seu patrí- sões políticas, mas com muita angústia religiosa, errando
cio Conrad e como a obra das quatro estações mediterrâ- entre interpretações místicas da mitologia grega — um
neas de Valéry. Merechkovski realmente erudito, um Soloviev ocidenta-
Um perigo inerente ao neoclassicismo que pretende lista; um Tântalo (eis, aliás, o título da sua primeira obra)
ser "permanente" e oposto às "acomodações dialéticas", é dos sofrimentos do "humanismo entre citas bárbaros".
a falsa autonomia da "poesia erudita" ou filosófica. Este "Humanista entre bárbaros" também foi Babits ( 3 a ), o
género contou no começo do século XX com vários repre- "poeta doctus" da literatura húngara, grande poeta sim-
bolista-neoclassicista, tradutor de Dante e Baudelaire, Sha-
sentantes — não sem valor, mas as mais das vezes este-
kespeare e Goethe — êle também um ocidentalista em am-
rilizados por ambições desmesuradas. Perderam-se assim,
biente meio oriental, preocupado com o destino de sua raça
em fragmentos ou tentativas sempre renovadas sem sucesso
ameaçada. Encontra-se um "poeta doctus" assim até na
definitivo, alguns grandes talentos. O mais rico deles foi
América anglo-saxônica — entre os hispano-ameri canos
Rudolf Borchardt ( 8 °- A ), prosador, poeta, antologista de citar-se-iam muitos ao lado do simbolista colombiano Guil-
grandes méritos e maiores esperanças: suas obras de vulto lermo Valência, autor de Ritos — na pessoa de Leo-
não correspondem à ambição. Sobrevivem só as moderni- nard ( a 4 ), tradutor de Lucrécio, poeta de convicções natu-
zações bem sucedidas de obras medievais. Quase só obras r a l i s t a s em língua latinizada. E "docti" também são os
de vulto empreendeu Albrecht Schaeffer ( 3 1 ), tentando re- dois maiores poetas da Holanda moderna: Boutens e J.
novar em versos simbolistas a Odisseia e o Parcival e criar, H. Leopold. O único "grego" autêntico entre os poetas
em Helianth, a epopeia da paisagem nórdica; foi um gran- antiqiiizantes é mesmo Boutens ( a B ), tradutor de tragédias
de-burguês sério e culto, que pretende guardar os ideais de
Goethe: seus últimos romances são obras panorâmicas de
retrospectiva contemporânea. De "fracasso" tampouco se
33) Mihály Babits, 1883-1941.
pode falar em face da perfeição formal das obras do russo Folhas de Coroa de Jris (1909); Laodameia (1910); Príncipe, o In-
Vietcheslav Ivanov ( 3 2 ), que pertenceu ao círculo dos Bal- verno pode Chegar (1911); tradução da Divina Comédia (1911/
1923); Recitativo (1916); Vale de Inquietação (1920); Castelos de
mont e Briussov, tendo preferido, porém, aos modelos do Cartas (1924); Ilha e Mar (1925); Filhos da Morte (1927); Versos
(1928).
simbolismo francês a maneira do epígono classicista Pla- A. Schoeplin: "Mihály Babits". (In: Escritores húngaros. Buda-
pest, 1916) (em língua húngara).
Homenagem a Babits. (Número especial da revista Nyugat, Abril
de 1924) (em língua húngara).
30A) Rudolf Borchardt, 1877-1945. 34) William Ellery Leonard, 1876-1944.
Prosa (1920); Der Durant (1920); Die halbgerettete Seele (1920); Two Lives (1925); A Son of Earth (1928).
Vermischte Gedichte (1924) etc. 35) Peter Cornelis Boutens, 1870-1943.
H. Hennecke: Rudolf Borchardt. Wiesbaden, 1954. Stemmen (1907); Carmina (1912); Lentemaan (1916); Liederen-
31) Albrecht Schaeffer, 1885-1950. van Isoudc (1919); Strofen uit de nalatenschap van Andries de
Helianth (1912); Josef Montfort (1918); Elli (1919); Der goettlichê Hoghe (1919); Zomerwolken (1922); Hollandsche. Kvatrijnen
Dulãer (1920); Parzival (1922); Ruhland (1937). (1932).
A. Relchling: Het platonische denken bij P. C. Boutens. (In: Stu-
32) Viatcheslav Ivanovitch Ivanov, 1866-1949. dien, CII, 1925).
Tântalo (1905); Cor ardens (1912); Prometheus (1912) etc.
D. A. M. Biennendijk. En protest tegen de tijd. Amsterdam, 1945.
2798 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2799
gregas e adepto da "poésie puré", vaso de "vozes de ouro
Kusmin ( : { 7 ); os primeiros simbolistas russos, os afrance-
na minha alma" —
sados Balmont, Briussov, Annenski, já preferiam chamar-
se "decadentes", e nada se modificou nisso pela adoção de
"Een gouden stem is door mijn ziel g e g a n g e n . . . " formas gregas, seja em Ivanov, seja em Zinaida Hippius,
seja em Kusmin, cuja obra principal se chama Canções Ale-
— as vozes das ideias platónicas; Boutens é místico e mú- xandrinas. O "akmeismo", eis o nome preciosista desse
sico da filosofia platónica que lhe significa Verdade "sans grupo de poetas, tem importância na história da poesia
phrase". É admirável a existência desse poeta e dessa poe- russa, em transição entre o decadentismo e a renascença
sia: em clima frio, um outro Juan Ramón Jiménez, talvez religiosa depois da malograda revolução de 1905. Foi essa
não inferior ao grande espanhol. Poetas como Boutens e Rússia meio mística, meio "grega", que repercutiu na poe-
Leopold apenas não são reconhecidos no mundo inteiro sia órfica de Rilke. Mas não repercutiu, nela, mais de que
como companheiros dignos de um Rilke ou Valéry pela a Toscana franciscana, ou a França de Rodin, ou a Dina-
escassa divulgação de sua língua; o mesmo destino que li- marca de Jacobsen, ou a Flandres medieval, ou a Espanha
mita a repercussão do húngaro Ady e do português Fer- do Greco. A poesia de Rilke é receptáculo de muitas in-
nando Pessoa. fluências. Mas o próprio poeta foi tão solitário — a fi-
Boutens é pós-simbolista: o seu ponto de partida fo- gura mais solitária entre os grandes poetas deste século
ram os versos "sensitivistas", mallarmeanos, de Gorter; e a — que qualquer tentativa de aproximá-lo de outros ou de
sua ambição foi captar a música das esferas. A mesma poe- enquadrá-lo em qualquer "movimento" se torna, fatalmente,
sia sensitivista de Gorter serviu de ponto de partida a artificial.
Leopold ( 3 0 ), mas a sua ambição é antes a de Valéry; ou Rilke ( s 8 ) estava destinado à solidão e ao cosmopolitis-
seria a mesma, se a sua arte clássica se pudesse livrar da an- mo. Natural de Praga, isto é, da minoria alemã dessa ci-
gústia de "oscilar entre morte e vida" —

"Dit zweven
tusschen dood en l e v e n . . . " — ar» Michail Alexeivltch Kusmin, 1877.
Canções Alexandrinas (1906); Redes (1908); José Carinhoso (1909).
38) Rainer Maria Rilke, 1875-1926. (Cf. "O Simbolismo", nota 120).
Leopold não resolveu o problema do Cimetière marin. É, Larenopfer (1996); Traumgekroent (1897); Mir zur Feier (1900);
no entanto, um dos maiores poetas do século X X ; e como Buch der Bilder (1902); Stundenbuch (1903); Neue Oedichte I
(107); Neue Oedichte II (1908); Die Aufzeichnungen des Malte
Valéry, como outros grandes poetas do século, considerava Laurids Brigge (1910); Sonnette an Orpheus (1923); Duineser
como o mais alto ponto de elevação poética o silêncio com- Elegien (1923); Spaete Gedichte (1935).
Edição do Inselverlag, 4 vols., Leipzig, 1930/1933.
pleto. O classicismo é mais formal na poesia do russo R. Faesi: Rainer Maria Rilke. 2.» ed. Weln, 1922.
G. Buchheit: Rainer Maria Rilke. Zuerich, 1928.
F. Dehn: Rainer Maria Rilke und sein Werk. Leipzig, 1934.
F. Klatt: Rainer Maria Rilke. Berlln, 1988.
36) Jan Hendrik Leopold, 1865-1925. H. Caemmerer: Rainer Maria Rilke's Duineser Elegien. Stuttgart,
Verzen (1913); Cheops (1915); Verzen (1926). 1937.
A. Roland-Holst: Over den dichter Leopold. Maastricht, 1926. H. E. Holthusen: Rilke's Sonette on Orpheus. Muenchen, 1937.
M. Betz: Rilke vivant. Paris. 1938.
2800 OTTO M A B I A CARPEAUx HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2801

dade eslava, estava como isolado no espaço literário. Aque- existência humana. Nesse livro já poderia estar o verso
la minoria compõe-se exclusivamente de burguesia, altos mais famoso que Rilke escreveu —
funcionários civis e militares e, sobretudo, de intelectuais;
não há, nela, "povo" que fale com acento regional, assim "O Herr, gib jedem seinen eig'nen T o d . . . " ;
como acontece em todas as outras regiões do território lin-
guístico alemão; falam um alemão livresco. E livresca tam- "Ó Senhor, dá a cada um a sua própria morte". Mas esse
bém foi sempre a linguagem de Rilke, nutrida das mais di- verso já é do Stundenbuch (Livro das Horas). Não é a
versas influências: francesas e russas, italianas, dinamar- mais profunda, mas constitui a mais bela e comovida poe-
quesas e espanholas. Rilke expatriou-se cedo. Viajou mui- sia religiosa do nosso tempo, inesgotável em imagens da
t o . Mas os seus contatos com aqueles países nunca foram imanência divina: comparando Deus a uma "torre arqui-
de ordem humana; sempre e apenas, de ordem artística e velha em torno da qual giram as coisas como aves"; ao "si-
literária. Toda a sua poesia da primeira fase — mais tarde lêncio depois do toque dos relógios"; "teu reino é como a
condenada pelo próprio poeta — é poesia de segunda mão; fumaça que sai de noite das chaminés das casas"; e Deus
embora não carecendo de certo encanto juvenil que conti- será "o futuro, grande aurora sobre as planícies da eterni-
nua até hoje entusiasmando os leitores e sobretudo as lei- dade". A crítica contemporânea, iludida quanto ao valor
religioso dessas imagens, lembrou os místicos alemães me-
toras de poemas como o "Cornett Rilke".
dievais — mas Rilke não é um Maeterlinck alemão. O pró-
Essa primeira poesia de Rilke, influenciada por Heine, prio poeta confessou a influência russa — mas não é a
por Hofmannsthal e pelos simbolistas franceses, é de evi- mística de Dostoievski; quando muito, a Rússia estilizada
dente fraqueza sentimental e construtiva. Mas no Buch der e preciosa dos simbolistas e "akmeístas" russos. Com res-
Bilder (Livro das Imagens) já aparecem os temas perma- peito a estes — e a vários outros poetas pós-simbolistas —
nentes da poesia rilkiana: a Morte, como sentido ideal da já se lafou em "templos sem altar"; e a religião de Rilke
vida terrestre; e os Anjos, como arquétipos espirituais da chega a ser sem Deus. Durante a vida toda, do Livro das
Horas até as Elegias de Duíno, o poeta foi irredutivel-
mente anticristão. Decisiva foi a influência do dinamar-
S. Vestdijk: Rilke ala barokkunstenaar. Amsterdam, 1938. quês Jacobsen, místico ateu; e, com efeito, o Deus do Stun-
E. M. Butler: Rainer Maria Rilke. Cambridge, 1941. denbuch é uma criação do espírito humano — "construímos
D. Baosermann: Der spaete Rilke. Muenchen, 1947.
R. Guardini: Zu Rainer Maria Rilke"a Deutung des Daseins. a tua catedral" — e é a divindade do próprio espírito hu-
Godesberg, 1948. mano que é celebrada em fórmulas de religiões extintas ou
O. F. Bollnow: Rilke. Stuttgart, 1951.
JE. Heller: The Disinherited Mind. Essaain Modem German Lite- abandonadas, apesar das expressões de humildade fran-
rature. London, 1952. ciscana. Esse preciosismo simbolista está em relações ín-
J. F. Angeloz: Rilke. Paris, 1952.
P. Oemetz: René Rilke'a Prager Jahre. Duesseldorf, 1953. timas com o mito que os admiradores do poeta, com a sua
H. W. Belmore: Rilke'a CraftTnanahip. Oxford, 1954. própria colaboração eficiente, criaram em torno de si. Rilke,
E. Buddeberg: Rainer Maria Rilke. Eine innere Biographie. Stutt-
gart, 1954. de inabilidade extrema na vida prática, era bastante hábil
E. Sunenauer: Rainer Maria Rilke. Legende und Mythus. Bem, para criar à sua volta a auréola de poeta franciscano, de
1954.
N. Fuerst: Phases of Rilke. Indianapolis, 1958. inspiração divina e humildade monacal; uma multidão de
2802 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2803
admiradores devotos adora-o nos altares, e só pouquíssimos e como interiormente iluminados por uma luz misteriosa
críticos (Jiménez, aliás, entre eles) tiveram a coragem de que os desrealiza.
caracterizá-lo como esteticista, cosmopolita, servidor esno- Aos Poemas Novos seguiu-se imediatamente a grande
bístico de altos aristocratas que fingiam compreendê-lo e crise espiritual cujo documento é o romance desolado Die
cuja admiração êle aceitou para viver bem a espensas deles. Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge (Os Cadernos
Mas o esnobismo não é impedimento da inspiração. O de Malte Laurids Brigge). Sob a influência evidente de
"novo" retrato, algo caricaturado, não vale mais do que Jeans Peter Jacobsen, cujo problema também fora o desa-
aquele "mito" para definir a poesia de Rilke, que se tor- cordo entre a expressão mística e a experiência de ateu,
nará, pouco depois do Stundenbuch, um dos poetas mais Rilke pretende dar um auto-retrato estilizado. Mas nessa
inspirados de todos os tempos; o problema psicológico da mesma obra, intimamente inverídica, encontram-se as linhas
adaptação do poeta ao seu ambiente não é da competência que definem a verdadeira experiência poética: "Para escre-
da crítica literária. Mas à história literária importa a ve- ver um verso, ura verso só, é preciso ter visto muitas ci-
racidade parcial daquele retrato. Rilke, antigo discípulo dades, homens e coisas. É preciso ter experimentado os
de Hofmannsthal, era como este, filho da "aristocracia de caminhos de países desconhecidos, despedidas já há muito
serviço" do Império dos Habsburgos, classe decadente que previstas, mistérios da infância que ainda não se esclare-
já perdera a base social. O decadentismo de Rilke não era ceram, mares e noites das viagens. Nem basta ter recorda-
afetação, e sim a verificação de uma perda da realidade; fe- ções de tudo isso. É preciso saber esquecê-las quando se
nómeno psicológico da compensação deu como resultado tornaram numerosas, e é preciso ter grande paciência para
nova tentativa mallarmeana de "desrealizar" a realidade. esperar até que voltem. Porque as recordações — isto ain-
Mas Rilke não foi mallarmeano. Êle mesmo atribuiu da não é a poesia. Só quando se incorporaram em nós, quan-
a objetividade dos seus "Dinggedichte" ("poemas objeti- do já não têm nome e já não se distinguem do nosso ser, só
vos"), nos dois volumes dos Neus Gedichte (Poemas No- então pode acontecer que numa hora rara surja a primeira
vos), à influência de Rodin, cuja escultura lhe teria ensi- palavra de um verso". As expressões preciosas ainda chei-
nado a arte de dar contornos firmes aos seus poemas, até ram o simbolismo neo-romântico da primeira fase. Mas já
então musicalmente vagos. Seria influência estranha, da se trata da poética realizada nos Poemas Novos. O este-
ticismo inegável de Rilke agora já tem outro sentido. Por
parte de um escultor que foi impressionista. O crítico ho-
meio de alusões e elusões pretende o poeta aproximar-se da
landês Vestdijk chamou a atenção para os aspectos barrocos
verdadeira existência, que a morte não seria capaz de des-
da arte rilkiana dessa fase. E barroca é, realmente, a oni-
truir: "Gesang ist Dassein" ("Canto é Existência". Nas
presença da Morte nesses poemas, à qual devem a transpa-
obras herméticas, Duineser Elegien (Elegias de Duíno) e
rência: objetos e personagens apresentados com a maior
Sonette an Orpheus (Sonetos a Orfeu), aproxima-se Rilke
objetividade são no entanto símbolos diáfanos de realida-
de um existencialismo ontológico, antecipando conceitos de
des além da realidade. Poemas como "Morgue", "Pantera
Heidegger e preparando o caminho à critica que em sen-
dans le Jardin des Plantes", "Sarcófagos Romanos", "Fonte
tido heideggeriano lhe interpretará a poesia. Nessa fase
Romana", "Dançarina espanhola", "Alceste" são dos mais
hermética de Rilke voltam os anjos, agora reconhecidos
ptrfeitos "retratos" em toda a história da poesia universal; somo "aves mortais da alma":
2804 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2805

" J a d e r E n g e l ist schrecklich. Und dennoch, weh'mir, tar os devotos da mais fina poesia romântica. Anti-român-
Ansing'ich euch, fast toedliche Voegel der Seele." tico, moderno, é Rilke nas Elegias de Duíno, verdadeiro
tratado poético das angústias espirituais do nosos tempo.
Já são numerosos os estudos que pretendem explicar essa
E n o s Sonette an Orpheus celebra a volta da vida, através
poesia, além de lembrar Hoelderlin e Nietzsche, como ex-
da poesia, à f o n t e da existência, "zum Uralten". Nesta vi-
pressão da filosofia existencialista de Heidegger; resta
t ó r i a não há l u g a r para júbilo:
perguntar por que este filósofo fala em linguagem herme-
ticamente poética e para que Rilke escolheu a poesia her-
" W e r s p r i c h t von Siegen? Ueberstehn is a l i e s . . . " mética para exprimir um pensamento filosófico. O pro-
blema da poesia filosófica e da sua possibilidade ainda fica
" Q u e m fala de v i t ó r i a s ? Aguentar é t u d o . . . " Só se trata de para ser definitivamente resolvido. Em todo caso, nSo de-
v i v e r até o fim essa vida irremediavelmente condenada. A pende da validade daquela filosofia a grandeza de Rilke
ú l t i m a e s p e r a n ç a é a transfiguração pela arte. Num dos como o maior poeta espiritualista do nosso século. Na fa-
" p o e m a s novos", "Archaischer Torso Apollos" (Torso Ar- mosa frase sobre o nascimento de "um verso só", há, po-
caico de A p o l o " ) , a estátua dos deus é comparada à luz du- rém mais outro Rilke, o poeta da realidade: desrealizada e
ma l â m p a d a m e i o apagada, mas— transfigurada, mas realidade. Talvez tempos futuros che-
guem a considerar como a parte mais permanente da obra
" d e n n da i s t k e i n e Stelle de Rilke aquelas "poesias objetivas" dos Poemas Novos
die dich n i c h t sieht. Du musst dein Leben aendern." o maior tesouro de metáforas iluminadoras que existe. Aí
Rilke chegara ao cume da sua arte: criou um completo
" . n ã o há n e n h u m lugar", na superfície desse tronco mu- mundo poético.
t i l a d o , i l u m i n a d o p o r dentro, "que não te fite. Precisas
Rilke foi o poeta mais solitário do seu tempo. Qual-
m o d i f i c a r a t u a v i d a . " Nesta advertência ética, o existen-
quer tentativa de aproximação a outros poetas ou movimen-
cialismo está s u p e r a d o . O último Rilke é um clássico à
tos poéticos está condenada a ficar mero artifício. É me-
sua m a n e i r a : u m clássico da morte, em sentido oposto como
lhor desistir logo de comparações inúteis e claudicantes.
V a l é r y , apesar d a afinidade secreta entre as Duineser Ele-
A crítica literária terminará, com a discussão da poesia de
gien e o Cimetière marin. Enfim, a sua perspectiva sobre
Rilke, um grande capítulo. A história literária passará a
o m a r ainda é m a i s serena, mais grega que a do poeta me-
discutir-lhe o ambiente: o Império austríaco e a civiliza-
d i t e r r â n e o . N a s u a ú l t i m a definição de poesia, com "rueh-
ção alemã em decadência, antecipando a decadência da
m e n d e K l a g e " ( " e l e g i a que glorifica"), tem algo do espí-,J
burguesia europeia. É este o caminho para sair da solidão
rito d a tragédia sofocliana.
cosmopolita em torno de Rilke, para reencontrar a vista
P a r a nós o u t r o s , contemporâneos, é extremamente di-
sobre o panorama europeu de sua época.
fícil d i s t i n g u i r a p a r t e mortal e a parte permanente na
obra d e Rolke. P e l o musicalidade insinuante, as obras da O ambiente sócia! em torno da figura singular de Rilke
p r i m e i r a fase c o n t i n u a r ã o , ainda por muito tempo, a encan- encontrou expressão literária na obra do seu contemporâneo
2806 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2807

especificamente austríaco Stoessl ( 3 0 ), romancista e con- diálogos aparentemente naturalistas de Porto-Riche o de-
tista vienense de técnica naturalista, atenuada pelo humo- cadentismo menos sentimental da poesia simbolista. Por-
rismo delicado do céptico e pelo conhecimento profundo, que a musa de Porto-Riche não é a da Comédia. A mulher,
rilkiano, do sofrimento h u m a n o : o seu assunto permanente que em Marivaux dirige o jogo dos sexos, é em Porto-Riche
é a decomposição dolorosa da Áustria, ou antes da capital a vítima trágica da luta dos sexos; tragédia de um último
austríaca, de Viena. Stoessl serve de paradigma: a insta- contemporâneo de Ibsen, quer dizer, tragédia fatalista. As
bilidade do equilíbrio que produziu o neoclassicismo reve- heroínas de Porto-Riche não são vítimas de machos bru-
la a decadência que continua e exige o estilo naturalista. tais, mas de outras vítimas da angústia sexual, executo-
O antagonismo entre os dois estilos dominantes é o próprio res do fado biológico, eles mesmos cada vez mais esgota-
reflexo literário da situação burguesa, próspera e classi- dos. O Théâtre d'amour de Porto-Riche constitui uma
cista por fora, decadente e naturalista por dentro. O dra- "pente", na qual o herói, envelhecendo, se aproxima do
maturgo dessa situação contraditória foi Porto-Riche ( 4 0 )8 Nada: a decadência sexual, reflexo da decadência social,
o único assunto do seu Théâtre d'amour, título que deu à exprime-se pelo fator comum da velhice.
edição completa das suas peças, é a decadência vital da bur- Porto-Riche está hoje quase esquecido. A inegável im-
guesia, manifesta no naturalismo brutal das relações se- portância histórica da sua dramaturgia evidencia-se me-
xuais; mas o instrumento da análise é a psicologia do tea- Jhor pela contemporaneidade do dramaturgo italiano Ro-
t r o clássico francês, tão clássica que a crítica chamou Por- berto Bracco ( 4 0 _ A ) : os mesmos problemas, a mesma téc-
to-Riche de "Racine juif". Notou, porém, Marsan que se- nica; apenas a psicologia é mais sutil, já levando em conta
ria mais exato falar de "Marivaux tragique". O "marivau- os motivos subconscientes dos personagens. Mas o pro-
dage", esse jogo espirituoso e sutil de intrigas, diálogos, blema da decadência burguesa, em toda a sua complexidade
acasos e desfechos que constituem um vaivém engenhosa- sociológica e psicológica, não podia ser esgotado com os
mente arranjado em torno da mulher e pelo que a mulher recursos limitados do teatro, nem sequer com os recursos
pode dar, eis o método dramatúrgico de Marivaux e de do romance tradicional. Criou-se, para tanto, um novo gé-
Porto-Riche; e assim como nas sutis nuanças psicológicas nero: o "roman-fleuve".
do dramaturgo do século X V I I I se esconde toda a poesia O problema da decadência burguesa — já não idên-
da qual o Rococó foi capaz, assim também se esconde nos tico ao decadentismo literário da "fin du siècle" — esse pro-
blema constitui uma "idée fixe" dos anos da maior prospe-
ridade burguesa; mas o estilo da sua apresentação não po-
39) Otto Stoessl, 1875-1937. derá ser o da poesia simbolista. O "roman-fleuve" de
Sonjas letzter Name (1908); Unterwelt (1915); Haus Erath (1920); Proust ( 4 1 ), que foi vivido e concebido naqueles mesmos
Sonnenmelodie (1923).
K. Riedler: Otto Stossl. Wien, 1939.
40) Georges de Porto-Riche, 1849-1930. 40A) Roberto Bracco, 1862-1943.
La chance de Françoise (1888); L'Amoureuse (1891); Le pauí Vlnfedele (1894); II frutto acerbo (1904); La piccola fonte
(1897); Le vieil homme (1911); Le marcharia á'estampes (l: (1905); II piccolo santo (1909).
Anatomie sentimentale (1920). B. Croce: "Roberto Bracco". (In: La Letteratura delia nuova
Edição: Théâtre d'amour, 2.» ed., 4 vols. Paris, 1926/1928. Itália, vol. VI. Bari, 1945).
H. Charasson: M. de Porto-Riche. PaTis, 1932.
H. Brugmans: Qeorges de Porto-Riche. Paris, 1934. 41) Cf. nota 213.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2809
28055 OTTO M A R I A CARPEAUX

parar o tempo, cujo curso inexorável significa decadência.


anos, é, em certo sentido, a explicação novelística do mun-
Mas o naturalismo, que sempre é, de qualquer maneira, ma-
do de Porto-Riche; mas saiu coisa diferente que nem um
terialista, impede-lhes encontrar o que Bergson ensinou a
Gide compreenderá à primeira vista e que pertence a outra
P r o u s t : o sentido do tempo.
esfera literária; em Proust, os mesmos personagens dos
Eis o problema de Bennett ( 4 4 ) . Antes de tudo é pre-
"romans-fleuves" burgueses aparecem como habitantes de
ciso prevenir contra a tentação de analisar a sua obra em
um outro planeta. O verdadeiro precursor do novo roman-
conjunto: Bennett escreveu demais, às vezes para ganhar
ce fora Henry James (**): as suas simpatias estavam todas
dinheiro, às vezes sacrificando ao seu esnobismo, admira-
com a aristocracia e a "uper middle class"; mas os con-
ção ingénua pelo "grande m u n d o " . Dos seus numerosos
frontos contínuos com personagens americanos, plebeus,
romances a maior parte não conta. Julgando-se a sua obra
menos cultos e mais robustos, de vitalidade não quebrada,
em conjunto, Bennett seria um romancista de rotina, inca-
não podiam deixar de iluminar a Europa de Henry James
paz de revelar qualquer poesia, ideia, significação na vida.
de um suave crepúsculo antes da agonia, que o próprio
Mas isso mesmo também acontece, se bem que em outro
romancista americano, em 1916, acreditou chegada. H á cer- sentido, com as suas poucas obras de alto valor literário.
tas analogias entre Henry James e Tchekov. Compreende- São obras de um regionalista que descobriu a paisagem in-
se a sua predileção por Turgeniev; e convém lembrar, nesta dustrial de Staffordshire, dos "fivetowns" com as suas fá-
altura, as singularidades estilísticas de Sergeiev-Zenski ( 4 S ), bricas de cerâmica, casas sem alegria, cujo único conforto
último tchekoviano, quer dizer, decadentista; o seu roman- espiritual é fornecido pela religiosidade metodista. Ben-
ce Babaiev acompanha de perto o Pequeno Demónio de nett tem, no entanto, mais de Balzac do que de Zola. O
Sollogub. Mas os outros romances, os da decomposição da realismo é moderado, quase classicista — Bennett admirava
Intelligentzia burguesa, escreveu-os com o realismo esti- muito os prosadores ingleses do século X V I I I — e a vas-
lizado de Turgeniev e algo do lirismo intelectual de James. ta documentação sociológica não leva a nenhuma conclu-
O estilo do romance decadentista é o naturalismo atenuado. são, a nenhuma "ideia geral". Faz passar a ação do "ro-
O próprio Sergiev-Zenski superou, depois da revolução man-fleuve" The Clayhanger Family no século X V I I I ,
russa, a crise, voltando ao naturalismo robusto dos seus cujo realismo humorístico imita com cepticismo suave e
grandes romances históricos. inofensivo. Bennett é naturalista pela metade, e um ro-
Os neonaturalistas burgueses de 1900 e 1910 revelam,
nem sempre, mas muitas vezes, tendências de chegar a
qualquer forma de classicismo: Thomas Mann gosta de
44) Arnold Bennett, 1867-1931.
lembrar Goethe; Galsworthy, observando a forma tradicio- Anne of the Five Towns (1902); Tales of the Five Towns (1905);
nal do romance inglês, preferia Tolstoi a Dostoievski. É The Old WivefTale (1908); The Clayhanger Family (1910/1915);
These Tvxiin (1915); Riceyman Steps (1923); Lora Raingo (1926);
natural o desejo de restabelecer o equilíbrio perdido: fazer Imperial Palace (1930) etc.
O. West: The Problem of Arnold Bennett. London. 1932.
J. B. Simons: Arnold Bennett and His Novéis. London, 1936.
G. Lafourcade: Arnold Bennett London, 1939.
42) Cf. "A Conversão do naturalismo", nota 82. W. AUen: Arnold Bennett. London, 1948.
R. Pound: Arnold Bennett. A Biography. London, 1952.
43) Sergel Nikolaievitch Sergeiev-Zenski, 1876-1945. V. Sanna: Arnold Bennett e i romanzi delle Cinque Ciltà. Firen-
Babaiev (1907); Transjiguraç&o (1923); O Caminlio para Scb«#- ze, 1953.
topol (1939-1940).
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2811
2810 OTTO MARIA CARPEAUX

m â n t i c o d e s i l u d i d o na outra m e t a d e . A s s i m , êle se desdo- acredita em n i n g u é m e em n a d a : os h o m e n s são malfeito-


brou nas duas heroínas de sua obra-prima, The Olde Wivesy res (A Friend in Need), as mulheres só pensam em dinhei-
Tale: Constance, que passa a v i d a sem a c o n t e c i m e n t o s na ro (Giulia Lazzari), a s a n t i d a d e é uma mentira (Rain), a
própria vida não j u s t i f i c a nenhuma interpretação moral
sua terra d o s "five towns", e sua irmã S o p h i a que vai para
(The Facís of Liie), e a literatura que pretende ser o re-
Paris para "viver" e volta c o m as mãos vazias — esta e
f l e x o de realidades s u p e r i o r e s é mistificação (The Poet) o u
aquela, não v i v e r a m vida alguma. "What L i f e I s " chama-se
burrice (The Human Element). Maugham é o pessimista
o último capítulo, e a resposta seria: — nada; porque o
mais sistemático da literatura d o s é c u l o X X . S ó é estranho
tempo corre s e m s e n t i d o .
o fato de esse escritor ter obtido os maiores sucessos de
B e n n e t t fêz e s c o l a ; e o resultado foi sempre o mesmo. livraria, da parte de um público que detesta a verdade, o s
Beresford ( 4 B ) , escritor sério, t e m as suas ideias morais assuntos desagradáveis e os d e s f e c h o s t r á g i c o s . Maugham
à maneira i n g l e s a ou, antes, t o l s t o i a n a ; lembra um p o u c o a deve a imensa popularidade ao seu grande talento de nar-
H o w e l l s . Mas a vida de Jacob Stahl, na t r i l o g i a que a rador, ao humor tipicamente i n g l ê s e, antes de tudo, à ca-
apresenta, não se presta para tirar c o n c l u s õ e s em que o pacidade de fazer o leitor acreditar no que conta. Quase
leitor possa acreditar. Maugham ( 4 C ) já foi mais c o r a j o s o : sempre fala na primeira pessoa do s i n g u l a r : é franco como
se esta vida não tem sentido moral n e m sentido algum, en- um amigo f i d e d i g n o e dá ao leitor a ilusão de conhecer, com
tão é preciso d i z ê - l o . Foi o q u e M a u g h a m fêz, d e p o i s de êle, a vida e o m u n d o , o vasto m u n d o . A q u e l e grande ro-
m u i t o s anos de atividade literária meramente comercial, no mance e m u i t o s contos de M a u g h a m são literatura "popu-
seu romance Of Human Bondage: a vida de P h i l i p Carey lar" que resistirá ao t e m p o .
foi muito m o v i m e n t a d a ; mas não deu resultado n e n h u m .
A perplexidade, em face da vida que Maugham sabe
É uma das obras mais desoladas da literatura moderna,
poupar-nos, é o assunto da escritora australiana que se e s -
u m magistral "estudo em s o l i d ã o humana". M a u g h a m não
conde sob o p s e u d ó n i m o H e n r y H e n d e l Richardson ( 4 7 ) ,
escritora tão forte que durante m u i t o tempo passou m e s m o

por escritor m a s c u l i n o . Aborrecida com os romances co-
I loniais que apresentam sempre a vida na Austrália como
45) John Davys Beresford, 1893. caminho de sucessos fáceis, resolveu dizer a verdade, des-
Jacob Stahl (1911); A Candidate for Truth (1912); The House
Demetrius Road (1913); The Invisible Event (1915). crevendo numa trilogia a queda do homem Richard Maho-
46) William Somerset Maugham, 1874. n y . O resultado é impressionante m a s - n a d a animador.
Of Human Bondage (1915); The Moon and Sixpence (1919); The
Trembling of a Leaj (1921); The Painted Veil (1925); Ashenden Conforme as l e i s d o darwinismo, que inspiram o romance
(1928); Cakes and Ale (1930); Six Stories written in the First naturalista, o mais forte sobreviverá; Richard M a h o n y su-
Person Singular (1931); The Round Dozen (1940) etc, etc.
Edição dos romances, contos e peças, 9 vols., London, 1951.
P. Dottin: Wttliam Somerset Maugham et ses romans. Paris, 1928.
S. Guery: La philosophie de Somerset Maugham. Paris, 1933.
D. Mac Carthy: William Somerset Maugham, the English Mau- 47) Henry Handel Richardson, 1870-1946.
passant. An Appreciation. London, 1934. Maurice Guest (1908); The Fortunes of Richard Mahony (Austrá-
R. A. Cordell: William Somerset Maugham. Edinburgh, 1937. lia Félix, 1917; The Wap Home, 1926; Ultima Thule, 1929).
R. Aldington: W. Somerset Maugham. An Appreciation. New York. N. Palmer: Henry Handel Richardson. London, 1915.
1939. L. J. Gilson: Henry Handel Richardson and Some of Her Sour-
J. Brophy: Somerset Maugham. London, 1952. ces. Melbourne, 1955.
R. Cordell: Somerset Maugham. London, 1961. j
2812 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2813

cumbe porque não é forte — mas esse "porque" leva agora no seu problema. O crítico censura asperamente a técnica
à conclusão de que uma interpretação biológica da vida não naturalista de Roger Martin Du Gard, discípulo legítimo
dá sentido satisfatório. O esforço do neonaturalismo ten- de Zola; conclui — e com razão — que o romancista con-
de a substituir o "darwinismo às avessas" por outra dou- tinua fiel aos ideais científicos ou antes cientificistas do
trina — Thomas Mann lembra-se de W a g n e r e Nietzsche; século XIX, mas sem capacidade de esquecer de todo a
Roger Martin Du Gard, de Zola; Galsworthy, de Tolstoi, e, fé abandonada, procurando um sucedâneo na vaga an-
a sombra de Ibsen está presente em toda a parte dessa cri- / gústia religiosa de Tolstoi e outros sectários semiprotes-
tica da burguesia. Evidentemente, esse "roman-fleuve" neo- tantes. Em Roger Martin Du Gard, continua Rousseaux,
naturalista de 1910 não tem nada que ver com os experi- surge a contradição íntima do século XIX entre a desva-
mentos novelísticos e psicológicos de Proust e J o y c e ; dou- lorização científica e pessimista da alma humana e a va-
tro lado, a expressão "de 1910" não é exata, porque o fe-;j lorização religiosa e otimista do progresso humano; no
nômeno da decadência burguesa sobreviveu à Primeira século XX da renascença religiosa e do pessimismo político,
Guerra, ao ponto de só então chegar ao conhecimento do a obra de Roger Martin Du Gard seria um anacronismo es-
grande público, de modo que método e moda do "roman-
candaloso. Se não fosse um homem tão retirado e anti-
fleuve" não coincidem cronologicamente. O género, pro-
publicitário que nem as honras internacionais do prémio
duto de um processo social que continua, não depende mes-
Nobel o puderam comover — e portanto incapaz de respon-
mo da cronologia, pelo menos na nossa perspectiva de ob-
der a críticas tão sérias como incompreensivas — Roger
servadores da primeira metade do século XX. O maior "ro-
Martin Du Gard responderia: — "Não é a minha obra que
man-fleuve" neonaturalista, o de Roger Martin Du Gard,
é anacrónica no século X X ; anacrónico é o século XX".
foi escrito entre as duas guerras, e o maior escritor bur-
Durante muito tempo, a gente costumava exclamar, em face
guês do século, Thomas Mann, chegou depois da Segunda
de notícias sobre crueldades ou superstições incríveis: "—
Guerra a superar tudo o que até então escrevera.
E isto em pleno século XX!", como se este devesse conti-
Sobre a obra de Roger Martin Du Gard ( 48 ) existe nuar com coerência lógica os progressos intelectuais e mo-
um estudo, evidentemente hostil e injusto de André Rous- rais do século X I X . O próprio Martin Du Gard parece ter
seaux, que não pode servir de base para a apreciação do sacrificado a essa ilusão: seu primeiro romance chama-se
romancista, mas constitui, no entanto, a melhor introdução Devenir!, com o ponto de exclamação depois do substanti-
vo. Poucos anos antes, Martin Du Gard teria sido "drey-
48) Roger Martin Du Gard, 1881-1958.
Devenirf (1909); Jean Barois (1913); Les Thibault (Le cahier gr fusard" apaixonado, como o herói do seu romance Jean
1922; Le pénitencíer, 1922; La belle saison, 1923; La consultatu Barois. Convicções e atitude continuavam as mesmas, hu-
1918; Sorellina, 1928; La mort du père, 1929; Vete 14, 1936; Epil
gue, 1940); Confidence africaine (1931); Vn taciturne (1932); Viel- manitárias e, portanto, antimilitaristas e anticlericais; mas
le France (1933). a confiança já não podia ser a mesma em 1913. Jean Barois
Ediç&o da Plêiade. Paris, 1955.
R. Lalou: Roger Martin Du Gard. Paris, 1937. não é — como as aparências indicam — uma obra de pro-
A. Rousseaux: "Roger Martin Du Gard". (In: Littérature du XX* paganda. A narração dos acontecimentos fictícios é con-
siècle. Paris, 1938).
H. C. Rice: Roger Martin Du Gard and the World of the Tríbaults. tinuamente interrompida e largamente substituída pela do-
New York, 1941. cumentação histórica da época do caso Dreyfus; e o ver-
J. Brenner: Roger Martin Du Gard. Paris, 1961.
D. Boak: Roger Martin Du Gard. London, 1963. dadeiro conflito não é entre os partidos políticos e ideo-
2814 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2815

lógicos, mas dentro da alma do próprio Jean Barois, muito velho Thibault já é famosa, e "uma agonia certamente
consciente do "anacronismo" do acento religioso que êle descrita basta", conforme Turgeniev, "para identificar um
deu às esperanças progressistas. A revolta contra a in- grande poeta". Para Martin Du Gard, as cenas de morte
justiça é a condição, mas não é o tema do romance; o são de importância especial: significam o fim da individua-
tema é a angústia produzida pelo conflito íntimo entre lidade e com ela o fim do "devenir". Não admitindo o tem-
convicções e atitudes, aquele conflito que Rousseaux re- po subjetivo de Bergson nem o tempo supra-individual da
conheceu sem compreendê-lo, censurando-o. Martin Du
família e da pátria, de Tolstoi em Guerra e Paz, Martin Du
Gard talvez seja o único homem que continua fiel aos ideais
Gard sai da história dos Thibault por assim dizer com as
do século X I X e vive bastante consciente na realidade do
mãos vazias. Não adiantava nada enquadrar os últimos epi-
século XX para compreender o grande conflito da burgue-
sódios novelísticos na história europeia de 1914; esta his-
sia entre os ideais libertadores e as consequências sociais
tória não tem sentido racional, ou antes, é anti-racional.
do liberalismo, sem lamentar sentimentalmente a nova si-
1940, ano da publicação do Epilogue, foi um desmentido
tuação, como fizeram outros romancistas da burguesia. O
mais forte do que "1'été 14". Roger Martin Du Gard su-
sentimento não é o seu lado forte; é menos poeta do que
perara o problema de escrever o grande romance do século
Thomas Mann; mas é mais intelectual do que Galsworthy
e muito mais metódico. É do espírito, ainda que só indi- XX; mas esse século anacrónico ainda não resolveu o pro-
retamente, da École Normale Supérieure, na qual vive a blema de Roger Martin Du Gard e este só poderia escrever,
herança de T a i n e . É um historiador. E como historiador depois de 1945, como escrevera antes de 1914; por isso aban-
empreendeu escrever a história da burguesia francesa dos donou, segundo sua confissão, o projeto do romance Les
últimos decénios. souvenirs du colonel Maumort; abandonou, enfim, a litera-
tura.
Os Thibault nunca serão tão amplamente divulgados Thomas Mann ( 49 ) distingue-se de Roger Martin Du
como o Jean-Christophe de Romain Rolland; faltam à obra Gard pela atitude face à arte literária: embora filho da
de Martin Du Gard a vaga esperança do idealista e a vaga burguesia, como o francês, não pretende ser historiador e
atmosfera artística que agradam ao público. E m compen- sim artista. Reflete-se nessa diferença de duas áreas de
sação, o seu panorama da França entre 1900 e 1914 é mais
exato; devia ser assim para não faltar ao compromisso assu-
mido. A técnica só podia ser a do naturalismo, porque é 40) Thomas Mann, 1875-1955.
naturalista o pensamento básico do romancista. Martin Du Dle Buddenbrooks (1901); Tristan (1903); Kaenigliche Hoheit
Gard é mais objetivo do que Zola porque já não precisa de (1909); Der Tod in Venedig (1913); Tonio Kroeger (1914); Be-
trachtungen eínes Unpolitischen (1918); Der Zauberberg (1924);
ideias mal digeridas de Claude Bernard; o historiador na- Joseph und seine Brueãer (Der junge Joseph, 1934; Joseph in
turalista resistiu até à tentação de fazer diletantismo psi- Aegypten. 1936; Joseph, der Ernaehrer, 1944); Doktor Faustus
(1947); Bekenntnisse des Hochstaplers Félix Krull (1954).
canalítico. A sua psicologia novelística também é a tradi- A. Eloesser: Thomas Mann. Berlin. 1925.
cional; é behaviorista, fazendo seus estudos baseados no M. Havensteln: Thomas Mann. Berlin, 1927.
H. Slochower: Thomas Mann's Joseph Story. New York, 1938.
comportamento. Martin Du Gard nao se afasta, com isso, 4 1 I. G. Brennan: Thomas Mann's World. New York, 1942.
seu outro modelo, Tolstoi. Mais seco do que este, dispõe F. Lion: Thomas Mann. Leben und werk. Zuerich, 1946.
J. Fougère: Thomas Mann ou la séduction de la mort. Paris,
no entanto do grande tom patético — a cena da mortr 1948.
O. Lukacs: Thomas Mann. Berlin, 1949.
2816 OTTO MARIA CARPI:AUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2817

cultura: língua extremamente cultivada e economia atra- volveu esse tema no belo conto melancólico "Tonio Kroe-
sada, esse binómio existente na França exige, para o trata-
ger" e, sobretudo, na novela magistral Der Tod in Venedig
mento do problema burguês, abandono do esteticismo e uma
(A Morte em Veneza): o escritor mórbido Aschenbach
atitude sociológica; no caso alemão dá-se o contrário —
tem algo de um auto-retrato. Mann relaciona a arte com
economia avançada e estilo de prosa tradicionalmente des-
doença é morte; e "a suprema das artes", a música, pare-
leixada — e o escritor tem de colocar-se fora da sociedade
ce-lhe hino permanente e dionisíaco à Morte. Êle mesmo
para guardar a liberdade crítica. Por isso, Thomas Mann
confessa a origem romântica dessa teoria; refere-se a Scho-
começou na boémia de Munique — estreou na famosa revis-
penhauer e W a g n e r ; qualifica-se assim como escritor da
ta humorística e antiburguesa Simplicissimus, e por isso
decadência. Mas pretende combater o romantismo íntimo,
Mann se sente artista antes de tudoi a ponto de adorar o
disciplinando-o, castigando o estilo até aos extremos da
' T a r t pour 1'art", pelo menos no estilo, extremamente cul-
tivado. Mas não esquece as suas origens. Êle mesmo já estilização. Invoca o exemplo de Goethe. O neonaturalis-
interpretou as suas preocupações estilísticas, flaubertianas, mo está sempre ao lado do neoclassicismo.
como sinal de honestidade, no sentido da honestidade co- Durante a guerra de 1914, Thomas Mann tomou ati-
mercial do burguês; e está preocupado com a decadência tude nacionalista, combatendo com certa violência seu irmão
desta honestidade e da compostura geral na burguesia ale- Heinrich, "democrata de tipo ocidental". Então, viu deca-
mã. É naturalista por formação e índole, como Martin Du dência moral só do outro lado do Reno, enquanto as cul-
Gard; e a decadência burguesa parecia-lhe fenómeno bio- minâncias do romantismo genuinamente artístico e, ao
lógico, perda de vitalidade. Eis o tema dos Buddenbrooks: mesmo tempo, do remédio goethiano lhe pareciam presentes
o enfraquecimento vital, durante várias gerações, de uma só na civilização alemã, da qual as Betrachtungen eines Un-
família burguesa do Norte da Alemanha. Mann acredita, politischen (Meditações de um Apolítico) dão um esboço
porém, em compensações psicológicas: o último Budden- idealizado. A realidade não podia deixar de desiludi-los:
brook, frágil como um adolescente hoelderliniano, não depois da catástrofe de 1918, a decadência moral da Ale-
presta para a vida burguesa, mas tem talento artístico. manha foi interpretada como consequência da apostasia do
Para Thomas Mann, filho de burgueses e artista nato^esta ideal goethiano. Através do cepticismo do Zauberberg (A
explicação tem valor autobiográfico e apologético;' justi- Montanha Mágica), reflexo das vacilações espirituais do
fica a arte pela decadência dos não artistas, de modo que após-guerra e panorama da decadência europeia generali-
a decadência biológica do próprio artista é culpa dos ante- zada, o antigo nacionalista alemão chegou a- transformar-se
passados e resgatada pela criação espiritual. Mann desen- em "bom europeu" no sentido de Nietzsche, desempenhan-
do esse papel, com a maior coragem, contra o nacionalismo
da Alemanha rebarbarizada. Mas a tarefa artística, con-
tinuada com a assiduidade imperturbável de um erudito
H. C. Holthusen: Die Welt ohne Transzendenz. Eine Studie n
Thomas Mann's Doktor Faustus. Frankfurt, 1949. universitário alemão, levou-o para longe das preocupações
Hans Mayer: Thomas Mann. Werk und Entwiclclung. Berlin, 1950. políticas do dia. A trilogia novelística de Josepb já não
P. P. Sajave: Réalité sociale et idéologie religiense dans les TOi
de Thomas Mann. Strasbourg, 1955. combate a decadência; foge dela para a juventude arcaica
R. Hlnton Thomas: Thomas Mann. The Mediatíon o/ Art. O.v da humanidade. A pré-história está, por definição, fora da
1956.
«o

2818 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LlTBRATUBA OCIDENTAL 2819

história; e isso permite — acredita Mann — a solidifica- antes das grandes guerras: num estilo em que apenas apre-
ção da obra de arte, a obra "monumental", clássica. Resta ciavam a fina ironia.
saber se o individualismo religioso» que constitui o fundo Com mais de setenta anos de idade desmentiu Thomas
da obra, não é, dentro da história da religião, um fenómeno Mann, de maneira inesperadamente vigorosa, todas essas
da decadência. críticas. No seu romance épico Doktor Faustus, a carreira
Thomas Mann, o mais universal dos escritores ale- artística do grande compositor Leverkuehn coincide com
mães modernos, encontrou público internacional bastante a história política da Alemanha durante os últimos decé-
agradecido e, por isso, muitos imitadores em vários países, nios: os dois grandes temas, a política e a música, estão
especialmente na Escandinávia. Mas foi menos favore- ligados através de uma nova técnica novelística na qual
cido pela crítica literária. As restrições foram, durante "tudo alude a t u d o " : tudo é realidade e tudo é símbolo;
muito tempo, principalmente de ordem política: antes de e um fato real de significação simbólica, a tentação da
1918, os liberais e os esquerdistas censuraram a "substân- Alemanha e do artista pelo demónio, dá i obra a dimensão
cia alemã", isto é, retrógrada, da sua a r t e ; a relação, estabe- metafísica e transcendental. O eBtilo é, outra vez. com-
lecida pelo romancista, entre a arte e a decadência vital plexo à maneira do estilo da velhice de Goethe, mas ilu-
parecia glorificação romântica dessa decadência, a serviço minado por todas as luzes da ironia. E essa ironia reve-
das forças hostis ao progresso democrático. Depois de lou-se na última obra de Mann, nas Confissões do Aventu-
1918, Mann foi atacado como traidor de nacionalismo ale- reiro Félix Kruell, como expressão de um humorismo su-
mão, como "vendido" ao seu público internacional, à "de- perior, capaz de superar até a tragédia.
mocracia ocidental". Ambas as restrições foram injustas Com essas duas últimas obras alcançara Thomas Mann
e absurdas; apenas demonstraram que Mann, como o pri- uma altura para a qual nenhum dos contemporâneos foi
meiro romancista alemão, tinha colocado o problema po- capaz de acompanhá-lo. Mas essa afirmação, que é de or-
lítico, no sentido mais alto da palavra, no centro da sua dem crítica, não nega à história literária o direito de apre-
obra. Mas A Montanha Mágica demonstrou que Mann não
ciar devidamente as expressões menores de atitude seme-
soube resolver o problema: o romancista parecia perplexo
lhante, especialmente entre aqueles escritores escandinavos.
em face do mundo atual, debatendo-se em angústias es-
A escritora dinamarquesa Marie Bregendalh empregou
pirituais sem reconhecer nem admitir o fundo religioso
os seus processos para tratar problemas de Pontoppidan,
da vida. Com efeito, o crítico Holthusen fêz escola,
descrevendo nos sete volumes das Billeder ai Soedalsfol-
censurar, no mundo novelístico de Thomas Mann, a fal
da dimensão metafísica ou transcendental; assim co kenes Liv (1914/1924); as transformações religiosas e so-
Shopenhaeur, Wagner e Nietzsche, seus mestres, Mann a ciais da população rural da Jutlândia. E n t r e vários outros
conhecia um sucedâneo, um "Ersatz" da religião: a música, "trilogistas" dinamarqueses, como Thomas Olesen-Loek-
Enfim, os críticos da vanguarda, por sua vez, censurai ken e Thorkild Gravlund, destaca-se uma "pentalogista",
o tradicionalismo de Mann, continuando a escrever, « • Gyrythe Lemche, que nos cinco romances de Edvardsgave
1940, romances no mesmo estilo goethiano-tolstoiano d historiou cento e cinquenta anos da vida da grande bur-
guesia comercial de Copenhague. Enfim, o sueco Si-
OTTO M A R I A CAHPK.U X H I S T Ó R I A DA LITERATURA OCIDENTAL 2821

wertz( 3 "), cujos dois romances sobre a família dos Selambs darem a língua nas suas obras. Nada parece mais inglês,
gozam de fama escandinava e merecem fama universal, sai mais típico, do que o seu realismo sincero e moderado, a
do terreno do naturalismo biológico para fazer crítica so- sua atitude moral, severa sem intolerância, a sua compos-
cial : a ascensão económica do Selambs causa a decadên- tura reservada, quase aristocrática, de um burguês nobre.
cia moral da família. Siwertz, com efeito, não é natura- Parte dessas qualidades são qualidades artísticas; princi-
lista. É ótimo narrador, representando um neo-realismo que palmente é Galsworthy notável na composição novelística,
o coloca perto de Galsworthy. talvez o último grande representante da tradição vitoriana
Um inglês, contemplando o êxito universal de Gals- — mas os leitores comuns não se preocupam com proble-
worthy ( 5 1 ), sentiria mistura de orgulho e irritação; ime- mas de composição. Admiram a estrutura hierárquica da
ditamente depois da morte do romancista o crítico Des- sociedade inglesa, ainda que sentindo democraticamente;
mond Mac Carthy disse, com efeito: "Seus méritos não admiram a riqueza inglesa, ainda que o romancista e os
eram pequenos; mas seu sucesso foi grande demais". Gals-
leitores estejam de acordo, condenando-a moralmente. En-
worthy recebeu o premio Nobel, que fora negado a Hardy.
golem Galsworthy como um dever; e, depois da leitura
Conquistou admirações que Roger Martin Du Gard mere-
de seis volumes de história da família Forsyte, poucos têm
ceria; até hoje, os europeus do Continente exaltam Gals-
a coragem de confessar que estão fatigados. Galsworthy
worthy e ignoram E. M. Forster. Com efeito, entre largas
camadas de leitores estrangeiros é ou foi Galsworthy o não é profundo nem brilhante, e um crítico — um crítico
romancista inglês "san phrase", a ponto de muitos estu- inglês — chegou a negar-lhe a inteligência. Em todo
caso, não trouxe contribuição nova para o romance inglês.
Assim como Ibsen — uma das suas grandes admirações —
50) Sigfrid Siwertz. 1882. Galsworthy costumava ler com grande atenção os jornais;
Selambs (1914/1920); Dei stora varuhuset (1926); Jog har vartt]
en tjuv (1931). escândalos na sociedade forneceram-lhe os enredos e o pro-
S. Stolpe: Sigfrid Siwertz. Stockholm, 1933. blema, o problema da decadência de uma burguesia que
51) John Galsworthy, 1867-1933.
The Island Pharisees (1904); Fratemity (1909); The Patrician\ traiu o liberalismo para conquistar e conservar o predo-
(1911); The Dark Flower (1913); Forsyte Saga (The Man of Pro- mínio económico. A propriedade e as consequências morais
perty, 1906; Indian Summer o/ a Forsyte, 1917; In Chancery, 1920;
To Let, 1921); A Modern Comedv (The White Iãonkey, 1324; The da propriedade, eis o tema permanente de Galsworthy,
Sllver Spoon, 1926; Swan Song, 1928); The End of the Chapter assim como fora um dos temas principais de Dickens. E
(Maid in Waiting. v931; Flowering Wtlderness, 1932; Over the
River, 1933); — Caravan (1925); — Teatro: The Silver Box Galsworthy seria o Dickens do século XX, se não fosse
(1806); Strife (1909); Justice (1910); The Fugitive (1913); Loyal-
ties (1922); Windows (1922); The Show (1925); Escape (1926) pessimista. Os primeiros romances até aborreceram a críti-
etc. ca, que comparou o autor aos pessimistas russos; e Gals-
L. Schallt: John Galsworthy. A Survey. London, 1929.
N. Croman: John Galsworthy. A Study in Continuity and Con- worthy aceitou a comparação. Como todos os neonatura-
trast. Cambridge Mass., 1933. listas burgueses, não gostava muito de Dostoievsky; mas
H. V. Marrots: The Life and Letters of John Galsworthy. New
York, 1936. admirava Turgeniev e Tolstoi. Em Turgeniev, admira a
D. Daiches: "John Galsworthy". (In: The Novel anã the Ki sua própria melancolia de artista, observando a violação
World. 2.» ed. Chicago, 1940).
G. Jahahashi: Studies in the Works of John Galswoithy. Tokyo, da beleza pela realidade feia; Galsworthy é realmente ar-

*FG/i<J.AA<\
w

2822 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDKNT.M, 2825

tista, é mais poeta do que Martin Du Gard, maneja os seus e Galsworthy foi tratado por Duhamel ("), antigo poeta
símbolos (aprendeu em Ibsen a arte de simbolizar os pro- unanimista, humanista no sentido do "humano" e homem
blemas) com mais do que mero engenho. Mas D. H. Law- de compostura não menos reservada do que Galsworthy,
rence observou bem que Galsworthy era incapaz de criar mas munido das vantagens estilísticas da tradição fran-
personagens de carne e osso: são meros produtos, dir-se-ia cesa. A tragédia do pequeno intelectual parisiense foi o-
objetos, do ambiente social; era mais naturalista, embora seu primeiro tema novelístico, nos cinco romances de Vie
com reticências inglesas, do que realista. Tolstoi é, antes, et aventures de Salavin, as mil tentativas infrutíferas do
seu modelo moral do que literário. O radicalismo ético do deserdado, atividade febril sem sentido. Depois, serenou o
tema, introduzindo elementos autobiográficos, enquadran-
russo aparece, aliás, muito atenuado no inglês; mesmo as-
do-os no panorama da história da Terceira República: as-
sim bastaria para destruir a estrutura social da Inglaterra,
sim nasceram os dez romances da Chroniquc des Pasquier,
e atitudes revolucionárias não convém a um inglês, por
obra grande e muito agradável de ler, mas sem aquela sig-
mais subversivas que tenham sido as suas intenções ini-
nificação superior que podia justificar o esforço admirá-
ciais. Com efeito, o "niilismo" que se censurou nos seus vel. O fim da aventura novelística do "roman-fleuve" neo-
primeiros romances não chegou a ser mais do que desi- naturalista é sempre o mesmo, em Bennett e Galsworthy,
lusão de um inglês formado nas tradições vitorianas — Martin Du Gard e Duhamel: falta de sentido ético da
Galsworthy já tinha trinta e quatro anos quando morreu a vida representada, apesar da tendência ética que o roman-
rainha cujos funerais descreveu admiravelmente no fim de cista proclama.
In Chancery — e espectador da decadência dos ideais vi-
Esse julgamento não acertaria bem no caso do Jean-
torianos. Com o tempo, a desilusão, sempre continuando,
Chritophe de Romain Rolland, ao qual cabe, no conjunto
converteu-se em aversão contra os antivitorianos barulhen-
europeu do "roman-fleuve" neonaturalista, um lugar de
tos — "não era isso o que eu quis" — e, nas continuações
prioridade cronológica. Mas Rolland pertence, com efeito,
prolongadas da Forsyte Saga, Galsworthy revelou, confor- a um outro ciclo: ao ciclo das tentativas de dar um novo
me a fina observação de Beach, secreta admiração pela bur- conteúdo de valores ao "Tempo", ao ciclo das "Renascen-
guesia cujo esplendor fora o da própria Inglaterra. E o ças", típicas do princípio do século XX: o movimento dos
reformismo moral quase foi substituído pela melancolia Cahiers de Ia Quinzaine na França; o da revista Você na
do inglês de velha estirpe, sentindo com amargura a de-
cadência política e económica do seu país. No fundo, era
um homem insular, um liberal inglês de horizontes limi- 52) George Duhamel, 1884.
tados. Não era capaz de resolver o problema do "Tempo" Des legendes, des batailles (1907); Compagnons (1912); Êlégles
(1920); — Vie et aventures de Salavin (Confession de minuit,
que talvez nem discernisse bem. Era inteligente, mas não 1920; Deux hommes, 1924; Journal de Salavin. 1927: Tel qu'en
era um intelectual: ficou dentro da sua classe, que era tra- lui-même, 1932); — Chronique des Pasquier (Le Notaire du Há-
vre, 1933; Le jardin des betes sauvages, 1934; Le Désert des Biè-
dicionalmente hostil à inteligência. vres, 1937; Les Maltres, 1937; Cécile parmi nous, 1938; Le Combat
contre les Ombres, 1939; Suzanne et les jeunes hommes, 1941; La
Passion de Joseph Paèquier, 1942).
Do ponto de vista do intelectual — e isso quer d i s H P. Humburg: Georges Duhamel, son oeuvre. Paris, 1929.
D. Denuit: Georges Duhamel. Bruxelles. 1933.
do europeu do Continente — o mesmo problema dos M A. Broe: Georges Duhamel. KJoebenhavn, 1938.
2824 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2825

I t á l i a ; o da geração de "98" na Espanha — seria possível ordens religiosas e à separação de Igreja e Estado. Para
também lembrar o grupo da revista Nyugat, na Hungria, e desafiar desta maneira o exército clerical e reacionário os
comparar todos esses movimentos literários com outros de republicanos precisam de apoio pelas massas, pelos socia-
feição extraliterária, "Fabian Society" na Inglaterra, o listas. Mas o apoio dado pelo partido socialista a governos
oposicionismo da revista boémia Simplicissimus e da "Asso- burgueses produz a secessão dos elementos radicais que
ciação Nacional-Social" do pastor socialista Naumann na obedecem à orientação sindicalista, meio anarquista, de
Alemanha. Todos esses movimentos não têm a menor se- George Sorel. A ameaça de revolução locial acalma o zelo
melhança com os que giraram em torno das grandes revis- dos anticlericais burgueses; é preciso chamar o exército
tas do simbolismo — Mercure de France, Savoy, Pan; para combater as greves políticas. Ao mesmo tempo, urge
já não se trata de "escolas estéticas", e sim de renovação salvar a segurança exterior da República, ameaçada pela
nacional, social e espiritual. São os "acontecimentos de- política imperialista da Alemanha, de modo que a doutri-
cisivos" do começo do século que impõem essa mudança na na nacionalista faz novos progressos entre oi próprios re-
"escolha das tradições", do campo poético para o campo publicanos, até o momento em que a tempestade de julho
das lutas sociais. Na França, é o caso Dreyfus. de 1914 produz, de repente, a "união sagrada" entre os ini-
A"Affaire Dreyfus" ( 53 ) pertence indiretamente, pela migos. A história do caso Dreyfus identifica-se com a his-
sua repercussão colossal, à história literária. Um caso mis- , tória política, social e religiosa da França entre 1894 e
terioso de espionagem no Estado-Maior do exército fran- 1914.
cês é resolvido pela degradação e condenação de um capi- A affaire cavou abismos entre Estado e Igreja, exér-
tão, geralmente antipatizado como judeu, considerado como cito e parlamento, republicanos e nacionalistas, socialistas
intruso no ambiente militar, meio aristocrático. O pro- c burgueses, entre classes, províncias, cidades e famílias
testo de alguns jornalistas contra o evidente erro da jus- — a história anedótica sabe de cenas turbulentas entre
tiça irrita a suscetibilidade dos altos oficiais que se apoiam pais, filhos e irmãos na ocasião da leitura dos jornais du-
no movimento nacionalista e no clero. No princípio, o ex< rante o café de manhã. Profunda era a cisão na literatura.
cito só pretende servir-se desses aliados para conservar a Não havia neutros. Estavam pró-Dreyfus: Zola, o herói
sua coesão como casta independente dentro da estrutura da do libelo faccuse; Mirbeau e Paul Adam, os naturalis-
República; logo, esses aliados pensam em servir-se do exér- tas mais turbulentos; Mareei Prévost, o seminaturalista das
cito para destruir a própria constituição republicana e r< "demi-vierges"; Anatole France, o esteticista convertido
tabelecer a monarquia, senão uma ditadura reacionária, em promotor da verdadeira justiça; Ohnet, o romancista
fascismo "avant la lettre". A crise da justiça transforma- ao qual o próprio France, como crítico, tinha posto para
se em crise do Estado. A reação anticlerical dos partid "fora da literatura"; Sardou, o dramaturgo antiibseniano,
republicanos leva a uma crise da Igreja, minada ao me? e Hervieu, o Ibsen dos boulevards; e madame Sévérine, a
tempo pelo modernismo teológico, e leva à expulsão d" jornalista de escândalo mais temida de Paris. Estavam
contra Dreyfus: madame Gyp, a causeuse mais espirituosa
da imprensa parisiense, e o velho Henri Rochefort, antigo
63) W. Frank: Nationalismus und Demokratie im Frankreich 4fl republicano e herói de inúmeros escândalos políticos e
dritten Republik. Hamburg, 1933. jornalísticos; Déroulède, patrioteiro barulhento, o Béran-
A. Charpentler: Histoire de Vaffaire Dreyfus. Paris, 1934.
2826 OTTO MARIA CARPEAUX HlSTÓBIA DA LlTEBATURA OCIDENTAL 2827

ger do nacionalismo, e Coppé, parnasiano intimista e me- dara-a, em 1900, Charles Péguy ( 5 *), filho do povo, repu-
lancólico; Brunetière, professor do tradicionalismo lite- blicano, laicista, socialista, "dreyfusard", entusiasta apai-
rário, e Bourget, discípulo tradicionalista de T a i n e ; a maio- xonado; místico da Liberdade, Igualdade e Fraternidade,
ria dos críticos literários, Faguet, o competente autor do assim como só um místico medieval podia adorar à Santís-
Culte de íincompétence, J u l e s Lamaitre, o impressionista sima Trindade. Ora, este socialista tinha-se transformado,
elegante e incompreensivo, inimigo do simbolismo, Sar- poucos anos depois, em nacionalista, místico da raça fran-
cey, pontífice da dramaturgia de Sardou; o marquês de cesa, rezando, embora só, às portas da Igreja. É preciso
Vogue, que tinha revelado aos franceses os mistérios do saber que Péguy (e alguns outros jovens socialistas) já se
romance russo, e Alphonse Dauted, em cuja família o an- decidira em favor de Dreyfus antes de o partido socialista,
tidreyfusismo se tornou hereditário; Barres, enfim, e Maur- dirigido por Jaurès, tomar a mesma atitude em favor do "mi-
ras. Contudo, Albert Thibaudet observou que, apesar da lionário" e "judeu antipático"; antes de os socialistas reco-
participação de tantos escritores, o caso Dreyfus não nhecerem que se tratava de mais do que de uma briga entre
foi escrito e sim vivido — "proccès Zola, captivité de dois grupos igualmente reacionários da burguesia, reconhe-
Picquart, faux Henry, trahison de Chamnoine, mort ceu Péguy no affaire a causa da consciência francesa, o
de Félix Faure, journée d'Auteil, jornée de Longs- grande Juízo que separará os justos e os injustos. Politica-
champ, retour de Dreyfus, conseil de guerre de Ren- mente, a causa de Péguy venceu; mas venceu pela coalizão
nes" — como se a literatura francesa não tivesse sido capaz dos banqueiros, dos franco-maçons e dos secretários de sin-
de competir com a realidade. Estão aí, no entanto, os es- dicatos, como novo bando de politiqueiros substituindo um
critos de Barres, a Histoire contemporaine, de Anatole bando vencido. O Jaurès de 1895 estava com a razão, pen-
France, mais tarde o Jean Barois de Martin Du Gard; e sava Péguy, contra o Jaurès de 1903. Não foi Péguy quem
há, afinal, o Jean-Christophe, de Komains Rolland. T h i - mudou de partido; apenas, o seu misticismo se desviou,
baudet trata-o algo ligeiramente, mas não é o valor literá- com a mesma paixão, para uma causa mais permanente: a
rio que está em questão. O fato é que Rolland aderiu ao raça francesa e o catolicismo francês, as duas colunas da
partido "dreyfusard" e que esse partido venceu na política, pátria ameaçada pelo estrangeiro. Parecia uma conversão
mas não na literatura. "Dreyfusardes" eram as melhores à maneira de Pascal; e Péguy era uma natureza pascalia-
forças políticas da nação, mas não os melhores escritores. na. Mas essa inquietação religiosa já estava sempre no
As obras decisivas de Zola e Anatole France pertencem ao jovem conterrâneo de Joana d'Arc. Ainda quando parti-
tempo antes do affaire; e os outros combatentes quase não dário de Jaurès e Léon Blum, Péguy já era idealista; e
contam literariamente. E n t r e os antidreyfusards havia idealista sempre ficou. Daí a grande influência de Péguy
muita canalha e muita gente inferior, mas lá também esta- e dos Cahiers de la Quinzaine sobre a juventude francesa
vam Barres ou Maurras que dominarão, de 1900 em diante, de então. Pertenceram ao grupo, além de Romain Rolland,
o futuro literário da França. O partido ao qual Rolland os romancistas Jean e Jérôme Tharaud, o crítico Daniel
aderiu venceu na realidade; literariamente, porém, Rolland
estava entre os vencidos. A melhor demonstração disso é
a evolução da revista na qual começou em 1904 a publica-
ção do Jean-Christophe: os Cahiers de la Quinzaine. F
54) Cf. "A revolta dos modernismos", nota 97.
2828 OTTO MARIA CARPEAUX HlSTÓPIA DA LlTKRATl.'H I OCIDENTAL 2829

Halévy, o crítico e poeta Andrès Suares, os sindicalistas ter-lhe parecido fratricídio. T i n h a personificado aquele
Lagardelle e Berth, o católico modernista Paul Desjardins, ideal no músico alemão Johan Christian Krafft, herói do
o escritor-operário Pierre H a m p ; Georges Soreal, o chefe ciclo Jean-Christophe, a o qual um vasto panorama da Fran-
espiritual do sindicalismo, e Julien Benda, o futuro autor ça do caso Dreyfus dá relevo histórico. O sucesso da obra
da Trahison des clercs, acompanharam o movimento com foi muito grande, embora desigual quanto à distribuição
simpatia, apoiando-o. Já desde 1902, Péguy lutou contra geográfica: Rolland conquistou mais admiradores fora da
o anticlericalismo faccioso do ministério Cambes; em 1905, França do que na sua p á t r i a ; e a crítica benevolente — da
na ocasião da crise de Marrocos, declarou-se nacionalista; outra, que o insultou como "traidor", não vale a pena falar
por volta de 1908, já se julgava católico, mas sem voltar — explicou o fato pelas fraquezas estilísticas que teriam
formalmente à Igreja. Poucos entre os seus amigos acom- desaparecido nas traduções. É um ponto de importância
panharam-no em todos esses passos. Tornaram-se revolu- secundária. Jean-Christophe ocupa lugar seguro na his-
cionários ou reacionários de várias nuanças, continuando, tória literária: é o "missing link" entre o ciclo de Zola e
porém, a participar do seu idealismo vago, impreciso. o ciclo de Martin Du Gard. Menos seguro é o lugar da
Em 1914, Péguy — após ter realizado uma obra poé- obra na escala dos valores literários. Rolland foi um ho-
tica cujos princípios não deixaram adivinhar — alistou-se mem sincero e corajoso, uma grande figura moral, mas isso
no exército; morreu poucas semanas depois na batalha do não é critério literário; muito menos pode usá-lo a crítica
Marne. Nesses mesmos dias, o primeiro autor que os comunista, porque a adesão de Rolland ao comunismo, acon-
Cahiers de la Quinzaine editaram, Romain Rolland ( 6 5 ), re- tecimento do após-guerra, não tem nada que ver com o
tirou-se para a Suíça, lançando o panfleto pacifista Au-des- valor de uma obra concebida e escrita decénios antes. Jean-
sus de la mêlée. Não podia deixar de agir assim. O idealis- Christophe não é uma genuína obra de arte literária. É obra
mo de Rolland não era francês, como o de Péguy, e sim de um intelectual de muito entusiasmo e sem grande força
europeu; a aliança espiritual entre a inteligência francesa criadora, manejando como pôde a técnica novelística de
e a inteligência alemã, unindo-se na língua comum da mú- Zola. A crítica não encontra em Jean-Christophe objeto de
sica, fora o sonho da sua mocidade, e a guerra de 1914 deve discussões literárias ou ideológicas. O nome de Rolland
pertence mais à história moral do que à história literária
da França. O sucesso da sua obra é devido ao seu idealis-
55) Romain Rolland, 1866-1944. mo vago e patético, em que cabiam muitas esperanças dos
Théâtre de la Révolution (.Danton, 1901; Le 14 juillet, 1902; Let leitores mais diferentes, sobretudo dos jovens e sobretudo
loups, 1909; Le Jeu de Vamour et de la mort, 1925; Pâques fleuriet,
1926); — Jean-Christophe (L'aube, 1904; Le matin, 1904; L'ai: das mulheres, captadas pelo sentimentalismo do roman-
lescent, 1905; La revolte, 1907; La loire sur la place, 1908; Antoí- cista. Pelas mesmas qualidades recomenda-se as suas bio-
nette, 1908; Dans la maison, 1909; Les amies, 1910; Le buisson
ardent, 1912; La nouvelle jounée, 1912; Colas Breugnon (191! grafias, particularmente as de Beethoven e Michelangelo,
Clérambault (1920); L'âme enchantée (Annette el Sylvie, 1922; nas quais não se fala quase das obras desses artistas e sim
L'été, 1924; Mère et jils, 1927; L'annanciatrice, 1933). — Beetho
(1903); Michel-Ange (1906); Tolstoi (1911); Mahatma Gaw< só dos seus sofrimentos humanos e esforços sôbre-humaos,
(1924); — Au-dessus de la mêlée (1915); 15 ans de combat (l como se, sem aquelas obras, os sofrimentos e esforços de
etc.
Ohr. Sénéchal: Romain Rolland. Paris, 1934. Beethoven e Michelangelo tivessem deixado lembranças na
A. R. Levy: Uidéalisme de Romain Rolland. Paris, 1946. memória de humanidade; modelo infeliz das biografias ro-
14. Descotes: Romain Rolland. Paris, 1948.
OTTO MARIA CARPBAUX HISTÓRIA DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 2831

manceadas de tantos outros. É significativa a presença de m e esse c o n c e i t o , d e n u n c i a em Caspar Hauser, m a i s u m a


T o l s t o i e G a n d h i e n t r e os b i o g r a f a d o s p o r R o l l a n d ; a t r a i u - o bela r e c o n s t i t u i ç ã o d a A l e m a n h a a n t i g a , a "inércia d o co-
o i d e a l i s m o r e l i g i o s o e p o l í t i c o n o qual a c r e d i t a v a r e c o n h e - r a ç ã o " e o " a n a r q u i s m o m o r a l " . W a s s e r m a n n sente a " s e d e
cer o s u c e s s o r l e g í t i m o d o j a c o b i n i s m o l i b e r t a d o r d e 1793. d e j u s t i ç a " , t í p i c a do j u d e u — a o p o s i ç ã o íntima e n t r e a
A este ú l t i m o d e d i c a r a a s u a p r i m e i r a t e n t a t i v a l i t e r á r i a , o s u a raça j u d a i c a e o s e u a m o r i n t e n s o à civilização a l e m ã
Théâtre de la Révolution. N o fundo, o futuro comunista era a g r a n d e d o r d a s u a v i d a . C o m o j u d e u , h o s t i l i z a d o n a
R o l l a n d ficou s e m p r e u m j a c o b i n o , d e c e p c i o n a d o com o s u a pátria, p r e s s e n t i u W a s s e r m a n n b e m a crise p o l í t i c a e
a b u s o d a s frases j a c o b i n a s p e l a T e r c e i r a R e p ú b l i c a r e a c i o - m o r a l da A l e m a n h a ; e d e p o i s da c a t á s t r o f e de 1918 apa-
n á r i a . A s e u m o d o era u m P é g u y — o P é g u y d a e s q u e r d a . r e c e u como m o r a l i s t a p r o f é t i c o e m Christian Wahnchaffe,
misturando de maneira confusa ideias de Tolstoi, Dostoievs-
O pendant a l e m ã o d e R o l l a n d foi W a s s e r m a n n C 5 8 ). À
ki, T a g o r e e R o l l a n d — m a i s u m a vez u m e n r e d o r o m a n e s c o
p r i m e i r a v i s t a n ã o se p a r e c e m : W a s s e r m a n n é m u i t o m a i s
em estilo t u m u l t u o s o , p r e g a n d o u m i d e a l i s m o vago, e o
romanesco, dado a enredos complicados, descritos em estilo
sucesso foi g r a n d e ; W a s s e r m a n n é u m d o s p o u c o s a u t o -
p a t é t i c o . M a s A g a t h o n , h e r ó i d a Geschichte der jungen
res alemães m o d e r n o s d e renome universal. Tinha génio
Renate Fuchs (História da Jovem Renate Fuchs), que
i n v e n t i v o c o m o p o u c o s o u t r o s . P u r i f i c o u s e u estilo. L u t o u
através de m u i t a s tempestades sexuais pretende chegar a s i n c e r a m e n t e p e l a f o r m a ; a d m i r a v a m u i t o o r o m a n c e in-
e n g e n d r a r o M e s s i a s d e u m f u t u r o — n i n g u é m sabe b e m glês do s é c u l o X V I I I , s e m j a m a i s a l c a n ç a r esse m o d e l o .
que futuro — é como uma caricatura romanesca de Jean- M a s c o n s e g u i u , enfim, " d e s r o m a n t i z a r - s e " , a p r o x i m a n d o - s e
C h r i s t o p h e . Mais tarde, com arte mais madura, W a s s e r m a n n da r e a l i d a d e : d e u n a s u a o b r a c a p i t a l , o Fali Maurizius (O
lhe dará u m irmão mais digno, o músico Daniel Nothafft, Caso Maurizius) u m p a n o r a m a vivo da Alemanha da Re-
h e r ó i d o s e u m e l h o r r o m a n c e , Das Gaensemaennchen (O p ú b l i c a d e W e i m a r em t o r n o d e u m n o v o caso D r e y f u s :
Homenzinho com os Gansos), v í t i m a d o s e u g é n i o e d a i n - obra i n s p i r a d a p o r u m a l t o s e n s o d e j u s t i ç a e f u n d a m e n t o
c o m p r e e n s ã o g e r a l no a m b i e n t e m a g i s t r a l m e n t e d e s c r i t o em s e g u r o c o n h e c i m e n t o d a c a u s a e d o s m o t i v o s p s i c o l ó -
da v e l h a c i d a d e d e N u r e m b e r g . A s s i m c o m o R o l l a n d , W a s - gicos. W a s s e r m a n n morreu precisamente no momento em
sermann p r e t e n d e ser moralista. N o romance, reconhece o que a Alemanha o repudiou, desmentindo-lhe o moralismo.
m e i o m o d e r n o p a r a falar à c o n s c i ê n c i a d a n a ç ã o . C o n f o r - Não faltavam tentativas de definir mais exatamente o
idealismo de renovação ética do qual Rolland e W a s s e r m a n n
f o r a m a p ó s t o l o s . V a n E e d e n ( 6 7 ) , q u e s"e p a r e c e e v i d e n t e -
56) Jakob Wassermann, 1873-1934 . mente com Rolland, chegou através do socialismo utó-
Die Juden von Zirndorf (1897); Geschichte der jungen Renata pico a o c a t o l i c i s m o e a s u a p a t r í c i a H e n r i e t t e R o l a n d -
Fuchs (1900); Caspar Hauser (1908); Die Masken Erwin Reiner»
(1910); Der goldene Spiegel (1911): Das Gaensemaennchen (1916); H o l s t ( B 8 ) a o c o m u n i s m o . A m a i o r i a , m e s m o d o s maiB sé-
Christian Wahnscha/fe (1919); Der Wendekreis (Der unbekannte rios, e s t a v a s a t i s f e i t a com u m a r e l i g i o s i d a d e s e m d o g m a e
Gast, 1920; Oberlins drei Stufen, 1922; Uerike Woytich, 1923;
Faber oder Die verlorenen Jahre, 1924); Laudin und die Seinen
(1925); Der Aufruhr um den Junker Ernst (1926); Der Fali Mau-
rizius (1928).
S. Bing: Jakob Wasermann. 2." ed. Berlin, 1933.
M. Karlweis: Jakob Wassermann. Wien, 1936. 67 > Cf. "A Conversão do naturalismo", nota 92.
J. C. Brankenagel: Ths Wrítings of Jakob Wassermann. R
1943. 68) Cf. "O Simbolismo', nota 171.
2832 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITIRATURA OCIDENTAL 2833
uma ideologia sem programa: convinha assim ao ecletismo bengali; e essas poesias agradaram tão imensamente que o
da "época do equilíbrio". Um daqueles "sérios" é o norue- prémio Nobel parecia reconhecimento conveniente. Hoje
guês Bojer ( 6 0 ), homem pesado, nórdico, e escritor entre em dia, o entusiasmo pela poesia de Tagore já diminuiu mui-
pesado demais e fácil demais. Em Den sidste Viking (O t o . Continua-se a apreciar a melodia suave da prosa rit-
Último Viking) e Vor egen Stamme (Nossa Gente), roman- mada daquelas traduções, a delicadeza do sentimento —
ces muito admirados na Noruega, descreveu a vida dura mas já não sentimos o encanto exótico, Tagore parece-nos
dos pescadores no Norte e as vicissitudes dos emigrantes um bom poeta inglês de 1913, e poucos votariam hoje em
noruegueses na América. No resto, não tem, na sua pátria, favor do seu prémio Nobel. O sucesso de Tagore é, so-
a consideração de um Hamsun ou Kinck. Recompensou-o, bretudo, um problema histórico. Uma época de utilitaris-
assim como os outros romancistas-moralistas da sua época, mo cinzento admirava o oriental fantástico, de barba impor-
o sucesso internacional: sobretudo de Den store Hunger tante, sabedoria misteriosa e magia musical. O seu ensina-
(A Grande Fome), história de um super-homem violento mento moral apresentou aos europeus a dignidade de reli-
que encontra a elevação moral só na derrota — tema e gões arquivelhas e corerspondia, no entanto, t i o bem aos
moral lembram a Howells, o tolstoiano americano; "a gran- desejos ideais da gente mais "moderna" da Inglaterra; sua
de fome" do título é a fome de verdade e justiça, num mun- prosa ritmada parecia o cume de modernismo em poesia» a
do de mentira e injustiça, mundo de então que parece na .leitores e críticos que ainda ignoravam a poesia inédita, se-
retrospectiva de hoje quase um idílio. E m Bojer tampouco pultada em velhos papéis, do jesuíta Gerard Manley
corresponde à seriedade do sentimento a capacidade cria- Hopkins.
dora.
Tagore recebeu o prémio Nobel em 1913. Reinava por
À influência onipresente de Tolstoi associou-se a de
aqueles anos, na Inglaterra, o rei Jorge V ; e como o seu
um Tolstoi oriental, do hindu Tagore ( fl0 ), que por aqueles
comportamento rigorosamente constitucional não permitiu
anos redigiu a tradução inglesa das suas poesias escritas em
atribuir-lhe qualquer atuação política, prestaram-lhe pelo
menos a homenagem póstuma de batizar com o seu nome
a poesia da época: "Georgian Poetry" ( e i ) .
69) Johan Bojer, 1872.
Et Folketog (1896); Hellig Olaj (1897); Troem Magt (1903); Vort A Inglaterra estava poderosa; rica e saturada. Um raio
Rige (1908); Liv (1911); Fangen som sang (1913); Den store Hun- do sol do grande Império iluminava até os campos abando-
ger (1916); Verdens Ansigt (1917); Dyrendal (1919); Den sidste
Viking (1921); Vor egen Stamme (1924); Det nye Tempel (1927); nados da ilha industrializada, transfigurando-os em idílios
Folk ved Sjoeen (1931); Rongens karler (1938). bucólicos de uma poesia augusteia. Pensava-se um pouco
C. Gard: Johan Bojer. KJoebenhavn, 1918.
P.G. La Chesnais: Johan Bojer. Paris, 1930. em Tennyson e muito em W o r d s w o r t h ; os excessos simbo-
60) Rabindranath Tagore, 1861-1941. listas e imoralistas dos anos de "eighteen-nineties" já es-
Gitanjali (1912); The Crescent Moon (1913); The Gardener tavam esquecidos. A "Georgian Poetry" era conservadora,
(1913); Fruit Gathering (1916); — Teatro: Chitra (1913); Thê
King o/ the Dark Chamber (1914); — Romance: The Home and tradicionalista, quase oficial — um dos "georgianos", Ma-
the World (1919).
E. J. Thompson: Rabindranath Tagore, Poet and Dramatist. <>x
íord, 1926 (2.* ed., 1948).
E. Rhys: Rabindranath Tagore. New York. 1935.
M. Sykes: Rabindranath Tagore. London, 1943. 61) D. Daiches: "Georgian Poetry". (In: Poetry and the Modem World.
2.» ed. Chicago, 1941).
OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA n.\ LITERATURA OCIDENTAL 2835

seficld, será, em 1930, nomeado "Poet Laureate". C o n t u d o , de proletário: é p o e s i a da natureza, transformando a pai-
julgavam-se modernos, e com certa razão. D e r a m graças s a g e m inglesa em i d í l i o cantável. Sente-se que Davies ga-
a D e u s — não importa se ao D e u s da Igreja anglicana ou nhou durante c e r t o tempo a vida, cantando nas ruas. Go-
das associações teosóficas ou dos panteístas livres-pen- zava de grande popularidade na Inglaterra, o q u e o l e v o u
sadores — por conservar livre e f e l i z essa bela terra i n - a escrever d e m a i s ; mas de v e z em quando lhe ocorreram
glesa, e m m e i o das tempestades, e estavam c o n s c i e n t e s da v e r s o s de s i n c e r i d a d e inesquecível, como o fim de Lei-
natureza dessas t e m p e s t a d e s : do p e r i g o imperialista, d a s sure:
injustiças sociais, da decadência m o r a l . N ã o l h e s r e p u g -
nava aludir a t u d o isso em v e r s o s harmoniosos, porque acre-
"A poor l i f e this if, full of care,
ditavam na força renovadora da N a t u r e z a ; eram bucolistas,
W e have n o t i m e t o stand and stare."
gostavam de certo primitivismo moderado e veneravam
T o l s t o i como apóstolo e como c a m p o n ê s . Admiravam T a -
gore, porque esse T o l s t o i indiano sabia escrever b e l o s ver- A s realidades s o c i a i s aparecem mais palpáveis na poesia
s o s e era, ademais, cidadão do Império britânico. de W . W . Gibson ( 6 3 ) , através de símbolos que êle apren-
deu a manejar n o s " e i g h t e e n - n i n e t i e s " ; mas Gibson tam-
T a g o r e seria o maior d o s poetas georgianos, s e n ã o
bém prefere descrever, como Crabbe, ao qual já foi com-
fosse a prioridade já indiscutida d o v e l h o Robert B r i d -
parado, os a s p e c t o s rurais da questão s o c i a l ; justamente as
g e s ( 61 " A ) : prejudicou-o, mais tarde, a publicação do grande
poema f i l o s ó f i c o The Testament of Beauty, de e s t i l o keat- suas poesias "industriais" não são as m e l h o r e s . D o s f o g o s
siano, em pleno modernismo revolucionário. H o j e já s e j u l - das chaminés das fábricas inglesas cai um r e f l e x o intenso
ga com justiça maior o " P o e t Laureate" de 1913, autor de na famosa poesia To Tronfounders and Others, de Gordon
um maior número de d e l i c i o s o s e às v e z e s profundos lieds B o t t o m l e y ( 64 )» poeta solitário, revoltado contra "unna-
do que qualquer poeta i n g l ê s entre o s elisabetanos e Yeats. tural vapours" e o orgulho insensato d o s industrializado-
N ã o foi um g é n i o . Os outros poetas g e o r g i a n o s t a m p o u c o res —
foram g é n i o s ; mas cada um deles possuía algo de próprio
que merece ser lembrado. O mais original foi W . H. Da- " . . . your v i s i o n is
v i e s ( a 2 ) , pobre operário que numa vida aventurosa de Machines for m a k i n g more machines."
trarnp, na América, perdeu n u m acidente uma perna, co-j
meçando a escrever n o hospital e a s i l o ; a sua poesia fof[
descoberta, apreciada e d i v u l g a d a por Shaw, m a s tem p o u c o É um poeta antiindustrial; c o n v é m - l h e a música anacró-
nica da poesia elisabetana, mas nisso êle é um mestre. N ã o

61 A) Cf. "Advento da burguesia", nota 25.


63) Wllliam Henry Davies, 1871-1940. 63) Wilírid Wilson Gibson, 1878.
The Soul'8 Destroyer (1905): Nature Poems and Others (1908); Stonefolds (1907); paily Bread (1910); Fires (1912); Thorou-
Collected Poems (1916); The Hour of Magic and Other i ghfares (1914) etc.
(1922): Collected Poems (1928); — The Autobiography of a
per-Tramp (1908). 64) Gordon Bottomley, 1874-1948.
J Moult: William Henry Davies. Toronto, 1934. Poems of Thirty Years (1925).
2836 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2837

menos do que o famoso W a l t e r De la Maré ( fl5 ), chamado O "poeta maior" da "Georgian Poetry" é John Mase-
"o mais melodioso dos poetas ingleses". O superlativo pode field (*T). Escreveu muita poesia lírica; estreou com as for-
ser insulto a Campion ou a Shelley, mas a força de fasci- | tes Salt-Water Ballads como um Kipling marítimo. Mas,
em primeira linha, é poeta narrativo. E m 1911, publicou
nação do verso de De la Maré é inegável; até o velho Hardy,
The Everlasting Mercy, onde um sectário camponês conta,
que não se comoveu facilmente, estava encantado pela poe-
em expressões rústicas e tanto mais comoventes, a sua con-
sia The Listeners: pediu para ouvi-la quando sentiu co-
versão. Aí estavam realizados, em conjunto, todos os ideais
meçar a agonia. De la Maré sabia transformar homens ve- da poesia georgiana: realismo sincero em versos tradicio-
lhos em crianças fascinadas — nalistas, forte sentimento social, idealismo religioso sem
fé dogmática mas cheio de compreensão pela fé do pobre —
" I would sing a brief song of the word's littl
children Magic hath stolen away." " . . . T h e com that makes holy bread
By which the soul of man is fed,
Grande parte da sua poesia dirige-se expressamente T h e holy bread, the food unpriced,
crianças e De la Maré dispõe de todas as magias de fadas T h y everlasting mercy, Christ."
bruxas, gigantes e anões do folclore para assustar e en- *
cantar os pequenos e os grandes ouvintes. Falta-lhe inte-
Então, Masefield foi proclamado grande revolucionário e
lectualidade; mas não quer ser intelectual. A sua índole renovador da poesia inglesa. Só poucos reconheceram no
revela-se mais clara nos seus romances, que são, antes, gran- revolucionário o discípulo da tradição bucólica de Gray,
des contos de fadas de um enlevo especial e irresistível, Crabbe, Wordsworth e Tennyson. Masefield, porém, em
fora de toda realidade. De la Maré representa, entre os numerosos outros poemas narrativos, tornou-se cada vez
poetas georgianos, o caso mais explícito de evasão, ao lado mais tradicionalista, mais arcaico, até chegar a confeccio-
do pobre tísico Flecker ( 86 ) que encarnou em versos par- nar, em Reynard the Fox, um pastiche magistral de Chau-
nasianos, tennysonianos, os seus sonhos do Oriente. cer. Em sonetos de feição parnasiana aproximou-se das
expressões litúrgicas da Igreja anglicana; e em 1930 foi
nomeado "Poet Laureate". Desde então, as suas poesias
para festas cívicas, de insignificância perfeita, apagaram a
65) Walter De la Maré, 1873-1956. última lembrança do revolucionário e "poeta maior" de
Songs of Childhood (1902); The Listeners (1912); Peacock
(1913); Motley (1918); The Veil (1921); The Fleeting (19! 1911. Mas como "poeta menor" não merece desprezo.
Memory (1938); Time Passes (1942); — The Return (1910);
moirs of a Midget (1912) etc.
R. L. Mégroz: Walter De la Maré, a Biographical and
Study. London, 1924. 67) John Masefield, 1878.
F. Reid: Walter De la Maré, a Criticai Study. London, 1929. Salt-Water Ballads (1902); Ballads and Poems (1910); The Ever-
H. Ch. Duffln: Walter De la Maré. A Study of His Poetry. lasting Mercy (1911); The Daffodil Fields (1913); Dauber (1913);
don. 1949. Reynard the Fox (1919) etc.
66) James Elroy Flecker, 1884-1915. W. H. Hamilton: John Masefield. London, 1922.
Edição (com introdução por J. Squire), London, 1935. M. Spark: John Masefield. London, 1953.
2838 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITURATURA OCIDENTAL 2839

A "Georgian Poetry" define-se, já pelo nome que re- ser um "liberal" no sentido da política americana, na qual
cebeu, como fenómeno especificamente inglês. Mas isso a expressão significa "radical"; confessou o seu receio de
não quer dizer que, na mesma época e em outras literatu- ser radical na mocidade, para não se tornar conservador na
ras, situações semelhantes não tenham produzido poesia velhice. Mas é um liberal no sentido inglês (ou nôvo-in-
semelhante. O mais importante e mais permanente dos glês), não se conformando com as injustiças do mundo mo-
poetas "georgianos" é mesmo um norte-americano: Robert derno e com o esforço da tradição pseudo-romântica de
Frost ( 6 8 ), o "clássico" da poesia americana do século XX. Longfellow para perifraseá-las poeticamente. Por isso, é
Nasceu no mais moderno dos Estados Unidos, na Califór-I poeta realista e classicista. O seu estilo, lacónico, denso,
nia; mas voltou, já como criança, para a terra dos seus an- descolorido, evita a dicção "poética", o enfeite —
tepassados, New Hampshire, e do contraste entre o pro-
gresso industrial da Califórnia e a sossegada vida rural da
" W e love the things we love for what they are..." —
Nova-Inglaterra nasceu a sua poesia, "georgiana" pela cro-
nologia e pelo espírito. É o poeta da countryside america-;
esse classicismo em estilo coloquial não tem nada de au-
na, de uma paisagem pobre e sombria, habitada por gente
gustéio, nem de Pope nem de Gray; é o estilo de Words-
puritana; mas ainda na melancolia do Black Cottage sabe
t worth, grande modelo de todos os georgianos. Como
descobrir que
Wordsworth, Frost prefere as expressões e a sintaxe da
" . . . Sunset blazed on the windows." linguagem de todos os dias; sabe tirar dela soborosos efei-
tos humorísticos. É um wit, mas seu ideal é a sabedo-
É um idilista. Conhece as tragédias da vida, apresen ria — "from delight to wisdom." Essa sabedoria, que lem-
do-as em baladas, das quais " T h e Death of the Hired Man" bra um pouco a de António Machado, inspirou a Frost al-
é a mais conhecida. Mas os seus "heróis" são íarmers, gen- gumas das mais memoráveis advertências morais que os
te modesta — Frost pretende ser o poeta do "ordinary m americanos já ouviram da boca de um poeta: como o poema
sendo ele mesmo um "ordinary man", assim como lhe pret-| "Provide, Provide". Como Wordsworth, Frost gosta de mo-
creveu a tradição democrática dos seus antepassados p ralizar — chama a isso "filosofia" — e o dogma da sua fi-
tanos. Como este, Frost é não-conformista. Não chega l losofia é primitivista, como em todos os georgianos: a per-
manência das coisas simples, da vida- rural, através das
mudanças artificiais da vida moderna. Contudo, não tem
68) Robert Frost, 1875—1963. sentido resistir ao progresso, por mais desastrosas que se-
A Boy's Will (1913); North of Boston (1914); Mountain / n í d f l
(1916); New Hampshire (1923); West-Running Brook (1928); j M jam as consequências. "Let what will to b e " : "acceptance"
Love Striker (1933); A Further Range (1936); The Witness n«-.
(1942); A Masque of Reason (1945); A Masque of Mercy fl^B da vida trágica é a filosofia de Frost, uma filosofia estóica,
Edição completa das poesias, Boston, 1951. de um pessimismo viril que não exclui a esperança. Assim
S. Cox: Robert Frost, Original Ordinary Man. New York,
C. Ford: The Less Traveled Road, a Study of Robert Frost, é Frost, o "ordinary man", e não se pode negar que êle é,
York, 1935. entre os "ordinary man" dos Estados Unidos, um homem
R. Thornton: Recognition of Robert Frost. New York, 1937,
L. Thompson: Fire and Ice. The Art and Thought ol Robert bastante original:
New York, 1942.
OTTO MARIA CARPISAUX HISTÓBIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2841
2810

"Two roads diverged in a wood, and I — chamavam-lhe o "Lamartine do simbolismo". Como La-
I took the one less traveled by, martine, Jammes era poeta da província. Mas, em vez de
And that has made ali the difference." passar-se da província para Paris, tomou o caminho in-
verso. O seu provincialismo foi protesto contra o intelec-
Mas esse inconformismo também é americano, talvez a qua- tualismo requintado da vanguarda; e esse "road less tra-
lidade permanente da raça anglo-saxónica; e entre todos veled" levou-o para fora do simbolismo, a uma poesia con-
os poetas americanos contemporâneos Frost goza da me- creta, sem a música sofisticada dos mestres de Paris, poe-
lhor expectativa de tornar-se permanente; os conservadores sia simples, da simplicidade dos seus novos amigos, o
sempre o adoravam; mais tarde, os críticos modernistas pastor —
Ransom e Randall Jarrel o incluíram entre "os cinco maio-
res poetas do século XX". J á lhe chamam hoje, com ura "Avec ton parapluie bleu et tes brebis tales,
verso seu, Avec tes vêtements qui sentent le fromage. . . "

"The country's singing s t r e n g t h . . . " e o cão —

O "poeta georgiano" da França foi Francis Jammes ( c > ). "Mon humble ami, mon chien fidèle. .
Começou como simbolista-decadentista da família dos sen-
timentais, muito perto de Samain; mas, em vez de cantar
Jammes admirava sobretudo a ignorância desses seus mo-
infantas espanholas e os parques outonais de Versalhes,
destos amigos — intitulou uma das suas rezas poéticas
cantou Clara d'Ellébeuse e outras meninas melancólicas de
"Prière pour avouer son ignorance" — porqu eea ignorância
internato, e o outono em paisagens mais modestas —
lhe parecia o caminho direto ao "paradis innocent et
joyeux". Nada mais natural do que aderir, enfim, à fé dos
"II va neiger dans quelques jours. J e me souviens
seus novos amigos, ao catolicismo. E asssim nasceu o poeta
De l'an dernier. J e me souviens de mes tristes-
das Géorgiques chrétiennes. É permitido exprimir dúvidas
ses..."; quanto à ortodoxia desse catolicismo. Na "Prière pour aller
au paradis avec les ânes", Jammes chegou a dizer, naquele
«9) Francis Jammes, 1868-1938. estilo coloquial que é seu e da poesia georgiana:
De 1'Angelus de 1'Aube à VAngelus du Soir (1898); Quatorze priè*
res (1898); Le Deuil des Primevères (1901); Le Triomphe de lã
Vie (1902); Clairières dana le Ciei (1960); Les Géorgiquea chré» "Je suis Francis Jammes et je vais au Paradis,
tiennes (1911/1912); Quatrains (1923/1925); — Clara d'Ellébeu$9 car il n'y a pas d'enfer au pays du B o n - D i e u . . . "
(1899); Le Roman du Lièvre (1903) etc.
Edição pelo autor, 5 vols., Paris 1913/1926: Cholx de Poèmes,
por L. Moulin, Paris, 1922. teoria dogmática muito pessoal, "simplificando" o cato-
E. Pilon: Francis Jammes et le sentiment de la nature.
1908. | ^ ^ ^ licismo. Jammes, poeta moderno, tendo passado pelo deca-
A. de Bersaucourt: Francis Jammes, poete chrétien. Paris, 1MU dentismo requintado do "fin du siècle", sentiu a sua nova
L. Moulin: Prefácio da edição citada. Paris, 1922.
R. Mallet: Francis Jammes, Paris, 1950. religião como requinte da simplicidade. " J e m ' e m b ê t e . . . " ,
J. P. Inda: Francis Jammes. Du faune ou patriarche. Paris, tffl
2842 OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA L I T E R A T U R A OCIDENTAL 2843

exclamou com um grito de triunfo, definindo o primiti- foi Pascoli — daí as Poesie di tutti i giorni, de Marino
vismo artificial da época, do qual êle mesmo era o poeta Moretti ( 7 2 ). "Georgiana' é a poesia inteira dos escandina-
mais espontâneo. vos nessa época de industrialização de países que havia
Conforme as diferenças impostas pela "escolha da tra- pouco foram realmente primitivos. Em Olav Buli ( 7:l ) ainda
dição^ esse primitivismo podia aparecer em formas bem há muita melancolia romântica e simbolista; mas esse poeta,
diferentes: até em forma requintada e meio mundana, como talvez o melhor de todos os poetas da Noruega, chegou en-
romantismo exaltado das forças elementares da natureza,
fim a um realismo classicista, bem da nova era. O dinamar-
Amor e Morte, na poesia da comtesse de Noailles ( 7 0 ), aris-
quês Thoeger Larsen ( 7 4 ) não dominou por inteiro o roman-
tocrata parisiense de origens orientais — na sua terra e na
língua romena dos seus antepassados teria sido a última tismo — a paisagem da s u a poesia tende a ampliar-se còsmi-
poetisa hugoniana, bastante forte e muito verbalista. Na camente, mas é antes uma tempestade na alma de um inti-
Paris de 1910, a sua poesia pós-romântica tomou a feição mista de inclinações místicas, tolstoianas. Intimistas são os
que Jean de Gourmont definiu com agudeza: "Vraiment, la suecos: Ullman (™), que cantou as costas soalheiras da
poésie de Jammes est tout entière dans la poesia de Mme. província de Halland; e sobretudo Oesterling ( fl7 ), o poeta
de N o a i l l e s . . . Sous une forme plus traditionnelle, c'est la bucólico da província mais mediterrânea da Suécia, Scho-
même sensibilité. Elle est d'ailleurs sincère, mais sans Jam- *nen, representando em versos delicados o jogo de cores en-
mes se serait-elle évaillée, aurait-elle su s'exprimer?" A
tre o verde da terra e o azul do céu na fumaça fina que
"poete des jardins" transformou os bosques de Jammes em
cobre essa paisagem n o verão. Oesterling é o maior idi-
jardins para os passeios de pastores cujos trajes não "sen-
tent le fromage" e sim "1'eau de Cologne". À nomeação de lista das literaturas escandinavas modernas; justamente por
Masefield para "Poet Laureate" em 1930 correspondera, em isso a crítica inspirada por motivos políticos denunciou-o
1924, a proclamação da comtesse de Noailles com "Princesse como "evasionista no meio do temporal"; mas os leitores
des L e t t r e s " pela revista feminina Ève. suecos ficam fiéis a esse último grande tradicionalista. Os
"Poeta georgiano" foi, em certa fase e certas poesias, dinamarqueses também descobriram o encanto idílico. Kai
o grande António Machado ( 7 1 ), autor dos Campos de Cas-
tijja — o seu Wordsworth foi o povo espanhol, rimando
os provérbios. O Wordsworth dos "georgianos" italianos 72) Cí. "O Simbolismo", nota 78.
73) Olav Buli, 1883-1933.
Digte (1909); Nye Digte (1913); Stjernerne (1924); Ignis ardens
(1932).
70) Comtesse Mathieu de NoiaUes, 1876-1933. 74) Thoeger Larsen, 1875-1928.
Le coeur innombrable (1910); Uombre des Jours (1902); Lei Jord (1904); Udvalgte Digte (1917).
Bblouissements (1907); Les Vivants e les Morts (1913); Les For- C. Christensen: Thoeger Larsen. Lemvig, 1945.
ces éternelles (1920); Poème de VAmour (1924); L'Honneur de
souffrir (1927). 75) Gustaf Ullman, 1881.
O.-A. Masson: La Comtesse de Noailles. Son oeuvre. Paris, 1922. Vaestkust (1903); Caprifol (105); Silverljuset (1920).
J. Larnac: La Comtesse de Noailles, sa vie, son oeuvre. Pari.1 76) Anders Oesterling, 1884.
Ch. Du Bos: La Comtesse de Noailles et le climat du génie. Pa- Valda ãikter (1913); ldyllernas bok (1917); De sju straengama
ris, 1950. (1922); Nya valda dikter (1934); Livets vaerde (1940).
71) Cí. "O Simbolismo", nota 151. F. Boevek: Resa kding svenska Parnassen. Stockholm, 1926.
2844 OTTO MARIA CARPEAUX IIISTÓLUA DA LITERATURA OCIDENTAL 2845
77
Hollmann ( ) lembra, em pleno século XX, os pintores di-
"Whate'er was dear before is dearer n o w . . . "
namarqueses de 1830, Koebke, Skovgaard, pintando os bos-
ques e lagos quietos da ilha de Seeland; a prosa ritmada de
Blaanende Danmark, celebrando as estações e lugares his- cantou John Freeman ( 7B ), acrescentando:
tóricos da Dinamarca, revela influências de Tagore —
hoje é difícil compreender que Kai Hoffmann foi consi- "Happy is England now as never yet!",
derado, por volta de 1910, como revolucionário em poesia.
Enfim, o "Poet Laureate" entre os "georgianos" dinamar- com uma ingenuidade que em face da realidade da guerra
queses é Roerdam ( 7 8 ) ; idílios como Den gamle Praeste- nos parece hoje leviana ou, pelo menos, irresponsável.
gaard e Koebstad-Idyllen lembram a Wordsworth, Jens Rupert Brooke ( 8 0 ) não sentia, provavelmente, de outra
Hvas til Ulvborg a poesia narrativa dos "Lakists"; a pai- maneira. Dois anos antes da guerra, estudando em Berlim
sagem revela semelhança surpreendente com os "Midlands". e sentindo saudades da sua terra, escrevera em meio do
Mas poetas regionalistas acreditam sempre na beleza sin- barulho do café da boémia alemã os versos enamorados do
gular da sua terra. A obra de Roerdam é o cântico da pai- "01 Vicarage, Grantchester", lembrando-sc dos prados, ri-
sagem dinamarquesa; só é uma pena que esse patriotismo beiros, moinhos da Inglaterra —
algo oficial tenha degenerado, no fim da vida desse poeta
notável, em pangermanismo que foi repudiado pelos pró- "Say, is there Beauty yet to find?
prios patrícios de Roerdam. And Certainty? and Quiet k i n d ? . . .
Stands the Church clock at ten to three?
Todos os poetas "georgianos" amam a sua t e r r a ; pre- And is there honey still for tea?"
tendem conservá-la fresca e inviolada por "machines and
more machines". Masefield é grande patriota e até patriota
Dois anos depois, o jovem scholar estava fardado, armado,
oficial. O idilismo dos georgianos ingleses baseava-se, em
sonhando com a morte pela pátria —
boa parte, na fé da inviolabilidade da ilha, e em 1914 le-
vantaram-se esses provincianos com fé e otimismo contra
"If I should die, think only this o£ m e :
o inimigo continental. That there's some corner of a foreign field
That is for ever E n g l a n d . . . "
77) Kai Hoffmann. 1874-1949.
Liljer i Moerket (1899); Blaa Strande (1911); Hav og Rum (19
Blaanende Danmark (1919); Not og Dag (1923).
C. Stub Joergensen: Kai Hoffmann. Kjoebenhavn, 1944. 79) John Freeman, 1880-1929.
Twenty Poems (1909); Fifty Poems (1911); Presage of Victory
78) Waldemar Roerdam, 1872-1948. (1916); Poems New and Old (1920).
Dansk Tunge (1901); Gudrun Dyre (1902); Ved Midsomf^^^M
(1903); Vnder aaben Himmel (1908); Luft og Land (1910); Vi 80) Rupert Brooke, 1887-1915.
vort Faedreland (1911); Udvalgte Digte fra tyve Aar (1916); j ^ H Poems (1911); 1914 and Otlier Poems (1915); Collected Poems
gamle Praestegaarâ (1917); Koebstad-Idyllen (1918); Lens tf^M (1915).
til Ulfborg (1923); Fugleviser (1924); Klokkerne (1926). E. H. Marsh: Rupert Brooke. London, 1918.
Chr. Rlnestad: Fra Stuckenberg til Seedorf. vol. II, Kj< A. J. A. Stringer: Red Wine of Youth. A Life of Rupert Brooke.
1923. London, 1948.
2R4(> OTTO MARIA CAHPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2847

E, um ano depois, estava enterrado na ilha grega de Sky- do círculo isolado dos intelectuais sofisticados de Blooms-
ros — bury, é o romancista E. M. Forster ( N1 ), figura da época
georgiana, contemporâneo das reformas democráticas e so-
"In hearts at peace, under an English heaven." ciais dos ministérios liberais Campbell-Bannerman e As-
quith, participando portanto dos ideais georgianos mas não
O túmulo no Mediterrâneo não era mero acaso. B r o o k : do idealismo impreciso da sua poesia. Dos cinco romances
foi u m jovem scholar, justificando as maiores esperanças, de Forster, quatro foram escritos antes da guerra de 1914.
autor duma brilhante tese sobre John Webster, conhece- A sua técnica novelística ainda é mais tradicional do que a
dor completo da antiga poesia inglesa e da antiga poesia de Galsworthy, aproximando-se da narração calma e ligei-
grega. Morreu com vinte e oito anos de idade, sobrevi- ramente irónica dos romancistas ingleses do século X V I I I ;
vendo como clássico da poesia patriótica. Só a critica "mo- lembra a arte deliciosa de J a n e Austen, sobretudo no pri-
dernista" depois de 1930, censurando-lhe o otimismo fácil meiro romance Where Angels Fear to Tread. Mas não é
e a melancolia romântica, descobriu na sua poesia u m mo- só observador irónico da middle-class. Conseguiu trans-
saico de reminiscências de poetas ingleses e gregos. O úl- formar integralmente em ação e símbolos as suas convicções
timo dos georgianos fora um talentoso poeta humanista de morais, que são mais ou menos as de Ibsen, embora ate-
segunda m ã o ; base pouco segura para uma Inglaterra "for nuadas pela ironia. Howard's End é o grande panorama da
ever". À pergunta georgiana — classe média inglesa de 1910, com os seus diletantismos so-
cialistas, preocupações de reformas sociais, religiosas e se-
"Say, is there Beauty yet to find? xuais, inibições puritanas. É um panorama completo: não
And Certainty? and Quiet k i n d ? " — histórico nem social, mas humano. No fim do romance,
escrito em 1910, abre-se a perspectiva apocalíptica de um
as gerações novas tinham que responder: "— Não". Fora fim da prosperidade inglesa e da civilização europeia; mas
uma pergunta retórica, desmentida pela realidade. a lição da obra é a superioridade do "coração indestrutí-
Antes de 1914, quem tinha o direito de censurar a frou- vel". Mas essa lição não é proclamada: é o sentido de um
xidão ideológica da poesia georgiana? A "Inteligência" ra- grande romance. Forster é um mestre. A base da sua sabe-
dical ou socialista não o teriam feito: Shaw fora o propa- doria céptica é uma sólida cultura clássica, imunizada con-
gandista de W . H. Davies. Os radicais não eram enten- tra "modernismos" falsos — Forster é scholar de Cambrid-
didos em poesia; no intimo, pensavam que neste mundo mo- ge, e ao ambiente da velha Universidade dedicou o ro-
derno da prosa o papel da poesia já acabara. Resta a opo-
sição virtual daquela herança espiritual dos ingleses que é
o liberalismo: não no sentido de programa político, econó-
mico e religioso, mas de mentalidade permanente, desapa- 81) Edward Morgan Forster, 1379.
Where Angels Fear to Tread (1905); The Longcst Journey (1907);
recendo às vezes do teatro da vida pública, mas só na apa» A Room with a View (1908); Howards End (1910); The Celes-
rência e mesmo então mantido por indivíduos isolados; in- tial Omnibus (1911); A Passage to índia (1924).
R. Macaulay: The Writings o/ Edxoard Morgan Forster. New
termitência e isolamento que não têm importância, tratai York, 1938.
se de uma doutrina individualista. Um isolado assim, dentro] L. Trllling: E. M. Forster. London, 1944.
J. K. Johnstone: The BVoomsbury Group. New York, 1954.
*.

2848 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2849

mance The Longest Journey; muito diferente, aliás, do europeus porque precisavam de europeização. Movimentos
classicismo ingénuo e imitativo de Brooke, o de Forster é assim foram o da revista Você, na Itália, o da revista
antes o humanismo moderno de um inglês invariavelmente Nyugat, na Hungria. O mais importante desses movimen-
liberal, inglês até os ossos, mas sem "patriotismo" como- tos de "bons europeus" é o da "geração de 1898" na Espa-
vido. É, afinal, inglês mais na expressão reservada do que nha ( 8 a ), depois da perda das últimas colónias ultramarinas,
no pensamento, largamente aberto. É progressista sem fé na guerra infeliz contra os Estados Unidos. O sonho im-
cega na ciência, acredita na necessidade da religião sem perial, heróico e católico, de Carlos V e da Contra-Refor-
aceitar o cristianismo, é um inglês sem insularida- ma, acabara para sempre. Então, foi preciso "fechar com
de, um europeu perfeito. Aprova e apoia as refor- três chaves o túmulo do Cid", conforme a expressão de
mas sociais, mas não é capaz de apaixonar-se pela Joaquín Costa. "Escolas e refeitórios, em vez dos quar-
luta de classes, porque liga mais do que a qualquer téis e conventos!"; mas essa vontade de reforma integral
outra coisa às relações pessoais entre os homens — credo quebrou-se pela resistência da monarquia restaurada, apoia-
que o autentica como romancista. Esse céptico acha pos- da na aristocracia decadente e no clero intolerante, enquan-
sível as relações de amor e amizade através das diferenças to a burguesia espanhola se dava por satisfeita com lucros
de classe e, do mesmo modo, através das diferenças de raça compensadores e um parlamentarismo de fachada. À hipo-
— problema que o interessa particularmente, como cidadão crisia política da época da Restauração correspondia a me-
do Império britânico. A este problema dedicou o seu ro- diocridade da sua literatura: a "poesia" prosaica e o realis-
mance mais conhecido, A Passage to índia. O tema é a mo mais cínico do que céptico de Campoamor, a eloquên-
incompreensão invencível entre as raças, levando à tragé- cia teatral de Echegaray, o mundanismo elegante de Valera
dia: Forster não é racionalista dogmático, reconhece e admi- como que completam a politica insincera do conservador
te o mistério na vida humana e, com isso, a tragédia. Mas é Cánovas dei Castillo, o republicanismo patético de Caste-
decididamente contra a exploração do mistério pelas teo- lar, o falso brilho da Coroa empobrecida. Contra essa "li-
rias teosóficas de qualquer espécie, mesmo de espécie poé- teratura da Restauração" revoltou-se a geração de 1898, ani-
tica. Forter é o antitagore; defende-se sobretudo contra mada pelo conhecimento das literaturas europeias além dos
os tagorianos que, sob o pretexto de exaltar a sabedoria Pirinéus, dos movimentos de renovação, do naturalismo e
indiana, desprezam o bom senso europeu e inglês. É i do simbolismo. Logo se verifica certa discrepância entre
tra toda a espécie de exaltação histérica — esta é que em o racionalismo e até o utilitarismo do movimento político
A Passage to índia produz o conflito trágico — e cont da geração e, por outro lado, os motivos principalmente es-
primitivismo barato. É um mestre e um sábio. téticos do movimento literário. Azorín ( 8 S ), o grande crí-
tico literário da geração, pertencera na mocidade ao anar-
Mas só foi reconhecido assim muito mais tarde, de co-republicanismo, resíduo da primeira República espanho-
de 1920. A reação natural, quase inevitável, contra o est la; mais tarde não se deu bem com o republicanismo mo-
de saturação económica e vitalidade enfraquecida das cl derno diferente, tendo preferido admirar o autoritário vio-
ses médias cultas da Inglaterra de 1910 era o bucolis
Um liberalismo humanista como o de Forster parecia "vic
jeu" — mas teria sido coisa nova, esperança, em outroa 82) Cf. "O Simbolismo", nota 140.
ses, menos saturados, que ainda podiam acreditar nos i 83) Cf. 'O Simbolismo", nota 142.
2850 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2851

lento La Cierva. Mas, na literatura, a sua atuação teve efei- parnasianismo, do simbolismo. Mas o modernismo espanhol
tos revolucionários: acabou da maneira mais eficiente com revelou já em Villaespesa uma capacidade espantosa de se
Campoamor e Echagaray, colocando-os "fora da literatura"; tornar superficial e até frívolo; antimodernista será todo
restabeleceu a honra de Alas ( 8 4 ), apreciando com precur- o esforço de purificação poética de Juan Ramón Jiménez.
sor espanhol do naturalismo aquele que os leitores da época No estilo do modernismo, um "costumbrista" de boulevard
da Restauração só apreciaram como "Clarín", cronista en- madrilenho como Benavente pôde criar uma comédia engra-
graçado. Da famosa romaria, em 1899, dos jovens litera- çada, ao gosto dos conservadores, no espirito da Restaura-
tos ao túmulo de Larra, precursor da "crítica da consciên- ção; e só muito tarde conseguirá Pérez de Ayala desmas-
cia nacional", até a fundação da revista Espana em 1915, cará-lo. Evidentemente, era preciso um "modernismo" mais
órgão aliadófilo contra a política de neutralidade do go-
"moderno" do que o modernismo.
verno germanófilo e reacionário, sempre foi Azorín o crí-
tico da vanguarda. Mas não se pode negar que o seu ho- Os fundamentos de u m modernismo europeu na Espa-
rizonte literário era algo estreito: dos clássicos espanhóis, nha foram lançados por Giner de los Rios (* T ): discípulo
que êle ensinou a ler com gôstp diferente, o seu horizonte indireto do filósofo alemão Krause, jurista e sociólogo de
estendia-se, além dos Pirinéus até Paris, a Paris dos deca- ideias originais, contudo não escreveu nada de defintivo.
dentistas e simbolistas, com algumas excursões para a In- "Don Francisco", como lhe chamavam com respeito pro-
glaterra de Meredith e dos pré-rafaelitas, a Itália de D'An- fundo, era da estirpe dos grandes educadores, como Sócra-
nunzio e a Alemanha de Nietzsche. Azorín foi mais cos- tes, que não deixam nada de escrito, mas nâo morrem sem
mopolita afrancesado do que "bom europeu". Mas isso ter modificado o espírito de uma geração. Era um homem
não era bastante. seco e algo utilitário, como um puritano inglês, mas de
um amor autenticamente evangélico ao próximo. Em 1876,
A perda das últimas colónias parecia limitar a Espa-
fundou em Madri a Institución Libre de Ensenanza, siste-
nha ao papel de um pequeno país à margem da Europa. Em
ma completo de educação para as classes médias, da escola
vez disso, transformou-se em país de mineração e grands
primária até os cursos universitários, em moldes bem di-
indústria. Havia modernização surpreendente. Em M.
ferentes da escola oficial, clerical e atrasada; os melhores
surgiram os primeiros arranha-céus. As relações com
alunos receberam bolsas para continuar os estudos no es-
repúblicas hispano-americanas restabeleceram-se em base»
trangeiro. E daí veio para a Espanha um rio de influên-
económicas e culturais, e daí veio a revolução poética do
cias europeias.
"modernismo" ( 8 5 ) . O maior poeta espanhol de 1900 ei
nicaraguano Ruben Darío ( 8 8 ). O modpernismo, na E s p i -
nha, foi uma forma de europeização; através da nova po^
sia hispano-americana entraram influências francesas, d( 87) Francisco Giner de los Rios. 1839-1915.
Resumen de filosofia dei derecho (1898); Estúdios y fragmentos
sobre la teoria de la persona social (1899).
R. Altamira y Crevea: Giner de los Rios, educador. Valência. 1915.
84) Cf. "O advento da burguesia", nota 92 R. Urrutia O. Morrente: Don Francisco Oiner de los Rios. Su vida
y sus obras. Madrid, 1918.
85) Cf. "O Simbolismo", nota 128. S. Madariaga: "Nota sobre Don Francisco Giner". (In: Semblan-
88) Cf. "O Simbolismo", nota 127. zas literárias contemporâneas. Barcelona, 1924).
2852 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2853
Azorín, num artigo retrospectivo ( 8 8 ), enumerou essas cididamente fora dos moldes modernistas — já tinha dado
influências; mas logo acrescenta que variavam conforme a a sua crítica implacável do ambiente boémio de 98, no ro-
individualidade dos influenciados: "Sobre Valle Inclán: mance Troteras y danzaderas; nas críticas teatrais das Más-
D'Annunzio, Barbey d'Aurévilly; sobre Unamuno: Ibsen, caras destruirá a Benavente; a sua obra inteira será crítica
Tolstoi, Amiel; sobre Benavente: Shakespeare, Musset, los aguda da Espanha, autocrítica de um espanhol europeizado.
dramaturgos modernos franceses: sobre Baroja: Dickens, Da revista Espana descenderá diretamente a Revista de
Poe, Balzac, Gautier; sobre B u e n o : Stendhal, Brandes, Rus-
Occidente, fundada em 1923 pelo mesmo Ortega y Gas-
k i n ; sobre Maeztu: Nietzsche, Spencer; sobre Ruben Dá-
set ( 6 1 ), porta de entrada das influências de Max Weber e
rio: Verlaine, Banville, Victor H u g o " ; e destaca a influên-
Rudolf Otto, Husserl e Scheler, Vossler e Huizinga, Spran-
cia generalizada de Nietzsche, Verlaine e Gautier. A consi-
ger e dos neokantianos de Marburg — quer dizer: a elite
deração especial a estes três estrangeiros, e a inclusão de
da República de Weimar patrocinará, através do círculo
Benavente, Bueno e Dário na "generación de 1898" reve-
de Ortega y Gasset, a segunda República espanhola. Mas
lam que Azorín pensa de maneira esteticista. Não lhe ocor-
esta está separada, pelo espaço de tempo de uma geração
reu mencionar em primeiro lugar Joaquín Costa ( 89 ) que,
inteira, da geração de 1898. Os homens de 98 não foram
apesar de mais velho, foi o chefe político dos de 98; o ho-
mem que transformou em ação política a ação pedagógica capazes de tanto. Impediu-lhes a ação o pessimismo pro-
de Don Francisco. "Cerremos con três llaves el sepulcro fundo, explicável imediatamente depois da catástrofe na-
dei Cid. Y acudamos a las necesidades dei dia." Necessidade cional de 1898; na poesia, a influência dos decadentistas
do dia era a Reconstitución y europeización de Espana, tí- franceses só forneceu novas formas de expressão a esse pes-
tulo do seu escrito programático de 1900. A geração de simismo. Assim se apresenta o pessimismo melancólico de
1898 adotou, em geral, esse programa; mas não se pode di- Azorín, em que a decadência da Espanha era menos uma
zer que o tivesse realizado. A europeização, mesmo fora preocupação social do que uma "idée fixe" poética. Assim
do domínio literário-estético, tomou vulto só em 1915, quan- se apresenta a poesia pessimista de António Machado ( 9 2 ),
do Ortega y Gasset e os seus amigos, com a colaboração o maior poeta ou, antes, " o " poeta, "sans phrase", da gera-
dos companheiros já idosos de 98, fundaram a revista Es- ção de 98; por isso, o futuro da poesia espanhola não per-
pana. Então, Pérez de Ayla ( 0 0 ), discípulo do liberal Pérez tencerá a êle, e sim a Juan Ramón Jiménez. Contudo, An-
Galdós, homem de formação inglesa, poeta reflexivo e algo tónio Machado representa o caso de equilíbrio mais feliz
duro da Paz dei sendero e do Sendero innumerable — de- entre influências estrangeiras e resistência 'do espírito es-
panhol. Com tanta ou maior felicidade esse equilíbrio só
aparecerá em certos modernistas de mentalidade plástica,
sobretudo quando formados na atmosfera quente do Sul da
88) Azorín: "La generación de 1898". (In: Clàsicos y modernos. Ma- Espanha.
drid, 1913).
89) Joaquín Costa, 1846-1911.
Reconstitución y europeización de Espana (1900): Crisis ;
de Espaúa (1901) etc.
M. Ciges Aparício: Joaquin Costa. Madrid, 1930. 91) Cf. "Tendências contemporâneas", nota 9.
901 Cf. nota 226. 82) Cf. "O Simbolismo", nota 151.
2854 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2855

Eis o caso e a felicidade da arte de Miro ("'). Era ho- polita, conformista com o resto da Europa, e sim recriar
mem e poeta — poeta em prosa — da "Levante" espanhola, a Espanha autêntica, cuja razão de ser reside na contri-
em particular da Levante de Orihuela. O progresso estilís- buição original que deu e tem de dar à civilização euro-
tico enorme que o modernismo realizou, revela-se bem, peia. Neste sentido chamara Ganivet ( í 4 ) , o precursor ma-
comparando-se romances regionalistas de Miro, como logrado do movimento de 98, a atenção para as figuras do
Nuestro Padre San Daniel, com o regionalismo pós-român- Cid e do Dom Quixote, que representam o "mito" da Es-
tico de Pedro Alarcón, Valera, Palácio Valdês. " E n mi panha. Quem reconheceu nessas figurai a inquietação
ciudad, desde que nacemos, se nos llenan los ojos de azul pascalina, substituindo o decadentismo pessimista pela an-
de las aguas." Nas entrelinhas da prosa finíssima de Miro gústia existencialista, foi o sucessor legítimo de Ganivet;
aparecem, como vistos por uma névoa ligeira, os palmeirais Unamuno (•'•"'). O seu pensamento nasceu no seio do gran-
da Levante, e essa névoa bem pode ser o "azul de las aguas de pessimista europeu, byroniano e schopenhouriano. A
en los ojos", um sentimentalismo delicado que lembrou a esse mundo também pertenceria, pela forma tradicional, a
um crítico as origens semíticas daquelas populações. No sua poesia pré-simbolista, se Unamuno não tivesse sido o
mesmo espírito — longe do neocatolicismo de Jammes, mas filho autêntico da Espanha de Santa Teresa, e, mais par-
com primitivismo parecido — reconstituiu Miro, nas Figu- ticularmente, da terra vasca do seu antagonista eterno Iná-
ras de la Pasión dei Senor, a tragédia do Evangelho, trans- t i o de Loyola. A análise da sua poesia já revelou a ligação
formando-a em procissão popular de esculturas; já foram desse pessimismo religioso com o mal temporal da Espa-
comparadas, muito impropriamente, às esculturas natura- nha que
listas de madeira das igrejas espanholas, enquanto lembram
a outros antes o Rococó popular do século X V I I I . Miro
foi um esteta p u r o ; um grande artista.
94) Cf. "O Naturalismo", nota 47.
Quanto mais forte a preocupação pelos destinos da
95) Miguel de Unamuno, 1864-1937. (Cf. "O Simbolismo", nota 143)
Espanha, mais forte se revelou a resistência do espírito es- Paz en la guerra (1897); Três ensayos (1900); Amor y pedagogia
panhol contra uma europeização integral. Surge o desejo (1920); En torno ai casticismo (1902); Vida de Don Quijote y San-
cho (1905); Poesia (1907); Rosário de sonetos líricos (1911); Por
de reconhecer melhor o caráter permanente da Espanha, tierras de Portugal y de Espafia (1911); Solilóquios y conversa-
atrás dos trajes históricos de que as tradições, a legítima e ciones (1912); Contra esto y aquello (1912); Del sentimiento trá-
as falsas, a vestiram; para não criar uma Espanha cosmo- gico de la vida (1913); Niebla (1914); Ensayos (1916/1919); Abel
Sánchez (1917); El Cristo de Velázguez (1920>; Três novelas ejem-
•plares y un prologo (1920); La tia Tuia (1921); Andanzas y vi-
siones espaúolas (1922); Como se hace una novela (1972); Roman-
cero dei destierro (1928); San Manuel Bueno, mártir (1933) etc.
93) Gabriel Miro, 1879-1930. M. Romera Navarro: Unamuno, novelista, poeta, ensayista. Ma-
Figuras de la Pasión dei SeUor (1916); Nuestro Padre San Da- drid. 1928.
niel (1921); El obispo leproso (1925); Afios y léguas (1928). C. González Ruano: Vida, pensamiento y aventura de Unamuno.
J. Gil Albert: Gabriel Miro, el escritor y el hombre. Vali Madrid, 1930.
1931. A. Wills: Espana y Unamuno. New York, 1938.
J. Guardiola Ortiz: Biografia intima de Gabriel Mira. M J. Marias: Miguel de Unamuno. Madrid, 1943.
1935. J. Grau: Unamuno y la Espafia de su tiempo. Buenos Aires, 1943.
M. de Mayo: Gabriel Miro, 1879-1930. Vida y obra. Madrid J. B. Trend: Unamuno. New York, 1961.
F. Meregalli: Gabriel Miro. Milano, 1949. A. Barea: Unamuno. Cambridge, 1952.
Ciem. Miro: Estúdios sobre Gabriel Miro. Buenos Aires. 1951.
2856 OTTO MARIA C A R P E A U X
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2857
" . . . cayó en Salamanca dorada sempre o atraiu para a Igreja; e a Igreja da Espanha nunca
Y en Ávila, hoy, fúnebre corte." se cansou de dar a essa "alma naturalister catholica" o ape-
lido de "heresiarca". É claro que o pensador, após ter pas-
A expressão mais aguda desse pessimismo social de 98 é o sado por todos os caminhos da história da filosofia e da
simbolo do romance Amor y Pedagogia: o personagem, le- civilização modernas, não era capaz de voltar à fé da sua
vado a malogro e suicídio porque o quiseram educar para infância; como espanhol e vasco, no entanto, podia ser
ser génio. É uma amostra de espírito cervantino — e toda violentamente anticatólico, mas nunca acatólico. Deste
a imensa obra jornalística e polémica de Unamuno, desse modo, foi possível aderir ao anticlericalismo, anticatólico
professor do grego e disputador noturno interminável, mas tampouco acatólico, dos homens de 98, responsabili-
constitui uma batalha de Dom Quixote contra os moinhos
zando os jesuítas pela decadência da Espanha e da Igreja.
de vento da decadência espanhola. Unamuno não foi cer-
Na verdade, Unamuno estava muito perto do seu patrício
vantino; nunca chegou a identificar-se com Cervantes,
Inácio de Loyola, santo Dom Quixote do catolicismo, Ape-
mas sim com Dom Quixote; um Dom Quixote de 98. No
nas não sabia manejar bem os Exercitia spiritualia —
Dom Quixote de Ganivet, Unamuno reconhecera-se a si
mesmo. Observaram-se no Dom Quixote de Unamuno tra-
" . . . creo, confio en Ti. Sefíor; ayuda
ços do redentor, do próprio Cristo, atrás do qual o espa-
nhol desesperado correu, gritando pela imortalidade da sua mi desconfianza." —
pobre carne e impedido pelo peso dessa carne de Sancho
Pança, materialista incorrigível e humorista indócil que e refugiou-se para religiosidades cada vez menos "meca-
habitava também a alma desse complexo professor de grego. nizadas" e mais vagas, que identificou com a mística de
Sua Vida de Don Quijote y Sancho é comentário fiel e en- Santa Teresa. Os críticos europeus deram à religiosidade
genhoso da obra cervantina; é, ao mesmo tempo, a mais unamuniana todos os nomes possíveis. As mais das vezes,
curiosa autobiografia da literatura universal, um género citaram Pascal e Kierkegaard, porque o próprio Unamuno
inteiramente novo; assim como pertencem a um novo gé- os citara. Outra vez, lendo uma definição como esta —
nero, da nivola (em vez de novela) os romances de Una- "El hombre de carne y hueso, el que nace, sufre e muere,
muno, esqueléticos, sem ambiente real, mas ralíssimos pela sobre todo muere, el que come y bebe y juega y duerme
penetração profunda na alma dos personagens; que são, y piensa y q u i e r e . . . este hombre concreto" — então pen-
outra vez, auto-retratos do nivolista. Toda a obra poética, savam em existencialismo. A existência pirandelliana, meio
dramática, novelística, ensaística, filosófica de Unamuno, real e meio irreal do personagem Augusto Pérez no ro-
relato das suas permanentes "agonias", é uma imensa con- mance Niebía, a obra-prima novelística de Unamuno, su-
fissão: Confessiones de um novo Agostinho; e ao velho Pa- gere outra interpretação: o espanhol, contemporâneo de
dre da Igreja africana Unamuno se sentia próximo porque William James e Bergson, seria um "utilitarista metafí-
o espanhol preferiu ser "africano de primeira classe" a sico", como se exprimiu Madariaga, um pragmatista mís-
"europeu de segunda". Mas teria sido um Agostinho me- tico; criando seus personagens e seu mundo para acre-
nos ortodoxo. "El apetito de inmortalidad" de Unamuno ditar na realidade deles. É uma atitude bem espanhola.
é concreto e material, apesar de um espiritualismo q Unamuno nunca deixou de ser espanhol. Em todas as
lutas políticas e religiosas do povo espanhol, anárquico e
* s \

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2859


2858 OTTO MARIA CYRPEAUX

nata de primavera, Sonata de invierno, cujos títulos chei-


místico, "el hombre concreto" Unamuno, condenado à imor-
ram a D'Annunzio. Então, Valle Inclán era um verbalista
talidade, está presente, continuando a guerra nas nuvens
engenhoso, dono de mil artifícios de estilo poético, revol-
como os fantasmas dos guerreiros mortos depois da ba-
tando e divertindo a cidade de Madri inteira pelas irre-
talha nos campos catalães. Mas essa permanência espa-
verências da sua vida e fala boémias. Dez anos mais tarde,
nhola já não tem nada que ver, evidentemente, com a reno-
Valle Inclán, não menos irreverente apesar das barbas enor-
vação liberal da Espanha depois de 1898; por sua muita
mes, é um satírico trágico, enchendo o volume La pida de
"hispanidad" Unamuno chegou a ser supra-espanhol, não
Kii com rimas acrobáticas de sentidos surpreendentes.
menos mas mais do que europeu: humano.
Agora, aqueles artifícios linguísticos já lhe servem para
Em todo caso, aí já não há nada de "equilíbrio euro-
criar um tipo e estilo inteiramente novo de romance do
peu". E para esse desequilíbrio, que Unamuno só sabia ex-
qual o primeiro exemplo magistral é Tirano Banderas a
primir bem em prosa — a sua poesia pertence a outro ci-
estranhíssima história de um caudilho sul-americano. Valle
clo — forneceu enfim o modernismo novas armas de ex-
Inclán não parece ter possuído genuína força criadora, se-
pressão. A aliança entre anarquismo e modernismo encar-
não no estilo, em verso e em prosa, enriquecendo de novas
na-se na pessoa — quase se diria, personagem — de Don
modalidades a velha língua castelhana. Como figura hu-
Ramón Maria dei Valle Inclán ( e e ). Ruben Darío dedicou
mana é Valle Inclán uma criatura tão permanente como
ao amigo uma poesia na qual o último verso de cada es-
' Don Juan ou Don Quixote, as criações semimísticas da li-
trofe é o nome pomposo e sonoro do poeta galego, forman- J
teratura espanhola. Numerosas e diferentes influências es-
do hendecassílabo perfeito. Nomen, omen. Imitando o exem-
trangeiras passaram por êle, modificando-lhe a modulação
plo de Barbey d'Aurévilly, Valle Inclán encarnou-se no
da voz, mas não a sua alma de místico irreverente e anar-
personagem fantástico do marques de Bradomín, aristocra-
quista poético. E m Valle Inclán manifesta-se, depois do
ta decadente, católico e devasso, guerreiro e poeta, herói
divórcio entre modernismo e movimento de 1898, a possi-
dos quatro romances Sonata de otono, Sonata de estio, So-
lidade de nova aliança entre eles, ao preço da eliminação
dos últimos elementos racionais da revolta. A mistura ini-
cial entre naturalismo e simbolismo, característica do "equi-
96) Ramón Maria dei Valle Inclán, 1868-1936. líbrio europeu", dissolveu-se. Da literatura — não da po-
Sonata de otono (1902); Sonata de estio (1903); Sonata de pri- lítica — dos 98 nasceu um anarquismo capaz de tudo, em
mavera (1904); Sonata de invierno (1905); El resplandor de la
hoguera (1909); Gerifaltes ãe antaHo (1909); La pipa de Kit revolução e em reação, um anarquismo estético.
(1919); El pasajero (1920); Farsa y licencia de la Reina < A conclusão política, tirou-a Ramiro de Maeztu (* 7 ),
(1922); Tirano Banderas (1926); Retablo de la avaricia, la In-
juria y la muerte (1927). cuja obra, de influência incalculável sobre a geração de
S. Madariaga: "Ramón dei Valle Inclán". (In. Semblanzas lite- 1898, está menos em seus poucos livros do que no imenso
rárias contemporâneas. Barcelona, 1924).
C. Barja: "Ramón dei Valle Inclán". (In: Libros y autores con- esforço periodístico, espalhado em jornais e revistas. Fora
temporâneos. Madrid, 1935).
R. Oomez de la Serna: Ramón dei Valle Inclán. Buenos AlrM
1944.
M. Pernandez Almagro: Vido y literatura dei Valle Inclán. Ma- 97) Ramiro de Maeztu, 1875-1936.
drid, 1944. La crisis dei humanismo (1919); Don Quijote, Don Juan y la Ce-
A. Zamora Vicente: Las Sonatas de Ramón dei Valle Inclán lestina (1926); Defensa de la Hispanidad (1934).
nos Aires, 1951.
2860 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2861

anarquista desde o início, mas anarquista europeizado, chos seletos seus que publicou em 1918 a Casa Editorial
nittstcheano. Foi um dos maiores "europeizadores" da Calleja, em Madri. Em tal prefácio, declara a sua prefe-
Espanha, e a sua "reispanização" ulterior só devia dar um rência filosófica por Schopenhauer e Nietzsche, as suas
•cento especificamente espanhol àquele anarquismo, que pref«rências literárias por Dickens, Balzac, Stendhal e
•e tornou, já em La crisis dei humanismo, base de uma Dostoievski; declara que o interesse principal do romance
doutrina autoritária. O anarquista literário acabou como reside no enredo, na ação; e confessa indiferença quanto
ideólogo da hispanidad, do fascismo espanhol; o seu fuzi- ao estilo, que importa menos do que a lógica. Apesar disso,
lamento, em 1936, foi como o suicídio do movimento de parece Baroja — místico e anarquista, revolucionário e
1898, do qual o irracionalista Maeztu fora um dos chefes. autoritário, anticlerical e anti-semita, vagabundo e erótico
Maeztu foi, afinal, só um grande jornalista. O cria- — o mais ilógico, o mais incoerente dos escritores. Antes
dor entre os partidários desse anarquismo é Pio Baro- de tudo, a combinação do pessimista Schopenhaeur com
ja (* 8 ), o vasco sombrio, médico de aldeia, depois dono o dionisíaco Nietzsche parece absurdo — mas é t i o típica
de uma padaria em Madri, boémio vagabundo, autor ines- da geração de 1898 como o fatalismo desesperado e des-
gotável de várias dezenas de romances — mas não é pos- preocupado de Baroja: "Nada vale la pena de preocupar-
sível apresentar melhor a Pio Baroja do que a apresenta- se. El destino manda". Parece confissão de um naturalis-
ção feita por êle mesmo no prefácio de um volume de tre- t a ; mas Baroja indica como os seus modelos os maiores
nomes do realismo europeu; e, mais uma vez, a lógica está
98) Pio Baroja, 1872-1956. ao seu lado. Apesar da grosseria das suas descrições eró-
Vidas sombrias (1900); La Casa de Aizgorri (1900); Inventos, ticas e da vida proletária é Baroja um realista: seco, sem
aventuras y mixtificaciones de Silvestre Paradoz (1901); Camino
de Perfección (1902); El Mayorazgo de Labraz (1903); La Busca teorias e, deliberadamente, sem moral nem "ideias gerais",
(1904); Mala Hierba (1904); Aurora Roja (1904); La feria de los sobretudo nos seus romances da vida vasca, La casa de Aiz-
discretos (1906); Paradox, Rey (1906); Los últimos românticos
(1906); Las tragedias grotescas (1907); La dama errante (1908); gorri e El Mayorazgo de Labraz, que alguns consideram as
La Ciudad de la Niebla (1909); Zalacaín el Aventurero (1909); suas obras-primas. O realismo europeu ajudou-o a desco-
César o Nada (1910); El Arbol de la Ciência (1911); Memorias de
un hombre de acción (1913/1928); El aprendiz de conspirador; brir o realismo genuinamente espanhol, o do romance pi-
(Escuadrón dei brigante; Caminos dei mundo; Con la pluma y caresco; dos autores picarescos, Baroja tem a misantropia
con el sabre; Recursos de la astúcia; Ruta dei aventurero; Con-
trastes de la vida; La valeta de Castizar; Caudillos de 1830; La moralista dentro do imoralismo aparente ("El hombre me
Isabelina; Sabor de la venganza; Las fúrias; El amor, el dan-
dysmo, y la intriga; Las figuras de cera; Humano enigma; La parece la cosa más repugnante de este planeta."), o saber
nave de los locos; La senda dolorosa; Los confidentes audaces; enciclopédico e confuso de um autodidata plebeu (El erbol
La renta de Miramble); Juventud, Egolatria (1917); El laberinto
de las sirenas (1923); El gran torbellino dei mundo (1926); El de la Ciência), a revolta contra a ordem social (e a revolta
Hotel dei cisne (1946) etc, etc. contra a ordem literária, na ação confusa das suas obras),
J. Ortegary Gasset: "Pio Baroja". (In: El Espectador, vol. I. Ma- o protesto indignado contra o sofrimento humano; Ba-
drid, 1916).
S. Madariaga: "Pio Baroja". (In: Semblanzas literárias contem- roja é o maior dos autores picarescos espanhóis. Êle mes-
porâneas. Barcelona, 1924). mo considera o romance picaresco Zalacaín el aventurero
O. Baroja: "Pio Baroja". (In: Libros y autores contemporâneos.
Madrid, 1935). como a sua obra-prima. Mas é difícil escolher entre os
R. Oomez de la Serna: "Pio Baroja". (In: Retratos contemporâneos. numerosos romances de Baroja, cujo conjunto constitui
Buenos Aires, 1941).
M. Peres Ferrero: Vida de Pio Baroja. Barcelona, 1960. uma impressionante "Comédia Humana" da Espanha mo-
2862 OTTO M A R I A CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATORA OCIDENTAL 2863
derna. A crítica do futuro preferirá, talvez, os romances
Este é realmente o fim do primitivismo do princípio
dos bas-fonds de Madri, dos proletários anarquistas: La
do século X X : uma mocidade, seja mocidade no sentido
Busca, Mala Hierba, Aurora Roja. Além da perfeição das
biológico de uma nova geração, seja no sentido sociológico
descrições de ambientes pitorescos e nojentos, são esses
de uma nova classe, seja no sentido etnológico de uma
romances significativos pela interpretação daquele anar-
nova raça — uma mocidade não suporta o excelente poli-
quismo que é a alma da obra de Baroja: energia sem dire- ciamento da sociedade na época do equilíbrio; pretende
triz, ação sem resultado, caminho sem fim. Mas esse apa- evadir-se, e essa evasão, nada evasionista, é capaz de che-
rente absurdo também é lógico: é a única maneira pela gar até perto da revolução social. Os começos, isso é ver-
qual Baroja pode manter o seu individualismo extremado. dade, são antes inofensivos, estéticos; assim se explica o
A obra máxima desse individualismo é o ciclo Memorias entusiasmo geral pelo "verismo" italiano, mas não pelo sé-
de un hombre de acción, a biografia romanceada de Eugé- rio verismo literário de Verga e sim pela sua deformação
nio de Aviraneta, antepassado de Baroja, grande conspira- musical por Mascagni. Os burgueses alemães e ingleses,
dor e revolucionário na primeira metade do século X I X ; por mais graves e bem educados que tenham sido, entu-
pendant dos Episódios nacionales de Peres Galdós, histó- siasmaram-se pelas "paixões desencadeadas" de Cavalleria
ria antipatética, anti-romântica, antipatriótica e, enfim, an- Rusticana; ninguém pensava, então, que a ópera poderia
ti-revolucionária, porque a revolução de Eugénio de Avi- ser o prelúdio de um ricorso no sentido de Viço, de uma
raneta é puramente pessoal, ruído sem consequências, vi' rebarbarização da Itália e da Europa. A ideia da "rebar-
sem sentido. Em Baroja, os dois elementos do movimen barização" como "remédio" pretendeu basear-se em fontes
de 1898 separam-se definitivamente: de um lado, o raci_ literárias: no "ruralismo" de Tolstoi, no "heroísmo" de
nalismo europeizante; por outro lado, o esteticismo anar- Nietzsche. Conceitos de Tolstoi e de Nietzsche, sem im-
quista de u m homem primitivo. Do primitivismo estético plicações de natureza ética, combinaram-se para dar a obra
— sem base social, oposição característica contra o equi- de Baroja, anarquista espanhol, típico demais para influen-
líbrio europeu de 1900 a 1914 — é Baroja, ao lado de Ham- ciar a opinião europeia, embora seja preciso assinalar que,
sun, o maior representante do inconformismo sistemático. entre todos os espanhóis da geração de 1898, só Baroja
Baroja é grande escritor, mas não é "bom escritor". conheceu, antes de 1914, a honra de tradução para outras
Escreveu os seus numerosos romances com a maior rapi- l í n g u a s : leram-se os seus romances em francês, em alemão,
dez, em estilo de reportagem, com desprezo soberano da e sobretudo em italiano e russo. Mas a voz europeia da
gramática. Mas é artista na invenção de títulos significa- mesma mentalidade era Hamsun.
tivos. Para definir Baroja, basta citar títulos seus coi Hamsun ( 90 ) foi proletário. Filho de camponeses po-
Inventos, aventuras y mixtificaciones de Silvestre Para* bres do norte da Noruega, aprendiz de sapateiro, carvoeiro,
dox; Las tragedias grotescas; Memorias de um hombre <fi
acción; El laberinto de las sirenas. E um dos últimos, 99) Knut Hamsun, 1859-1962.
Bjoerger (1878); Sult (1890); Myaterier (1892); Ny Jord (1893);
que se define a arte estranha de Baroja de dar, sem a Redaktoer Lynge -(1893); Pan (1894); Ved Rigets Port (1895);
pedaços de vida confusa e vivida; El gran torbellino d Feberdigte (1895); Livets Spil (1896); Aftenroeãe (1898); Victo-
ria (1898); Munken Vendt (1903); / Aeventyrland (1903); Dron-
mundo: entre todos os seus títulos o mais significativo. ntng Tâmara (1903); Svaermere (1904); Det vilde Kor (1904);
Stridende Liv (1905}; Under Hoestsjemen (1906); Benoni (1908);
2864 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OC.IDUNTAL 2865

pedreiro, cantoneiro, rachador de lenha, estivador, foi tudo ma parte com mais força do que no maravilhoso romance
isso antes de chegar aos vinte anos de idade; depois, o au- de amor Vitória, em que a diferença fatal de classe entre os
todidata fêz uma tentativa de tornar-se jornalista e litera- amantes ainda lembra as origens proletárias do autor. Os
to, malogrou e tomou, como tantos outros patricios seus, o estrangeiros não tomaram conhecimento das poesias de
caminho da «migração para os Estados Unidos, onde traba- Hamsun, a primeira poesia simbolista na Noruega dos "na-
lhou como foguista, operário rural, condutor de bonde, pes- turalistas convertidos"; e prestaram pouca atenção aos con-
cador. Tísico, voltou para a Europa; sofreu em Paris, de- flitos simbólicos nos seus dramas. Hamsun encarna, como
sempregado, a fome como ninguém a sofrera — pelo menos poucos outros, a aliança entre naturalismo e simbolismo,
descreveu a fome como ninguém a descrevera, no romance típica do primeiro decénio do século XX, e que tinha em
SuJt (Fome), do qual uma revista dinamarquesa aceitou um si o germe da degeneração em primitivismo de inspiração
capítulo para publicação; e um dia depois, Hamsun era fa- estética, isto é, em anarquismo. J á no seu segundo roman-
moso. Para inúmeros leitores Hamsun ficou para sempre ce Mysterier, Hamsun se apresenta como nietzscheano, in-
o autor de Sult, o proletário revoltado contra o sofrimento dividualista e inimigo das massas estúpidas. Em Ny Jord
terrível de pobreza, contra a injustiça da desordem estabele- (Nova Terra) já começa a celebrar a vida rústica primitiva,
cida: o primeiro proletário autêntico da literatura europeia. lançando acusações violentas contra a degeneração da gente
Não perceberam em que se baseava o poder de sugestão e na cidade. E logo depois veio a primeira e, talvez, a defi-
fascinação da obra: no estilo, influenciado por Jens Peter nitiva obra-prima de Hamsun, Pan, a história do fim trá-
Jacobsen; estilo simbolista. Eis por que parecia tão novo, gico do tenente Glahn, que levou nas montanhas da Norue-
nesse livro, o fenómeno físico e moral da fome, mil vezes ga a vida conscientemente imoralista de um deus grego ou,
descrito, mas nunca com tanta intensidade. Hamsun já era, antes, de um nietzscheano de 1900. A atmosfera febril
então, o maior prosador da literatura norueguesa. Sobre- desse romance super-romântico lembra menos o alto Norte
tudo nos contos melancólicos dos volumes Under Hoestst- do que a Sicília de Cavalleria rusticana. Mas a mentali-
jernen (Sob Estrelas Outonais) e En vandre spiller med dade do autor é antes a de um vagabundo de génio; o des-
sordin (Um Caminhante toca com Surdina) revelou essai tino proletário aparece transfigurado em hostilidade in-
qualidades estilísticas, quando evocou os seus tempos de tensa contra casa, família, vida sedentária. Depois, o va-
vagabundo pelas estradas de dois continentes; e em nenhn gabundo, mimado pelo sucesso europeu das suas obras,
comprou terras, estabelecendo-se como lavrador. E só en-
tão revelou inteiramente a natureza do seu primitivismo
En Vandrer spiller med sordin (1909); Livet ivold (1910); revoltado. Segelfoss By (A Cidade de Segelfoss) é uma
sidste Gloede (1912); Boern av Tiden (1913); Segelfoss By (IH sátira violenta contra a industrialização, os intelectuais e
Markens Groede (1917); Konerne ved Vandposten (1920); •'
Kapitel (1923); Landstrykere (1927); August (1930); Men as tentativas de educação democrática. O pendant posi-
lever (1933). tivo seria o poderoso romance Markens Groede (Cresci-
C. Morburger: Knut Hamsun. Muenchen, 1910.
S. Hoel: Knut Hamsun. Oslo, 1920. mento na Terra), o evangelho da vida primitiva, amoral e
C. D. Marcus: Hamsun. Stockholm, 1926. fértil, nos campos. Assim como Baroja não é "bom escri-
J. Landquist: Hamsun. Stockholm, 1928.
O. Skavlan: Hamsun. Oslo, 1929. tor", assim o excelente estilista Hamsun não é "homem
F. Endres: Knut Hamsun Welt und Erde. Tuebingen, 1931. de bem"; como seu personagem Glahn, está possuído dum
T. Hamsun: Knut Hamsun, min /ar. Oslo, 1952.
2866 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2867

espírito mau. Mas como escritor é grande pela sincerida- Capek-Crod ( 1 0 °), o "Balzac de Praga" o "Zola de Praga"; e
de absoluta. Não dissimulou a sua natureza: nos últimos tanto mais no impressionista Slejhar ("") que lembra muito
romances, o setuagenário voltou a glorificar o vagabundo, a Hamsun, pelo estilo fascinante e pela hostilidade contra
o primitivo "além do bom e do mal" — símbolo da natureza a industrialização: em A Titia cantou a felicidade da vida
livre, rural. Um dos maiores desses "primitivos" sem ideolo-
Hamsun foi, durante os dois primeiros decénios do gia bem definida, talvez o maior mesmo é o húngaro Mó-
ricz ( 1 0 - ) ; só o isolamento da sua língua na Europa impe-
século XX, um dos escritores mais famosos e mais lidos do
diu-lhe conseguir a fama de um Hamsun; e teria mere-
mundo. Encarnava, para muitos, o espírito de resistência
cido mais. Nos últimos anos traduziu-se para várias lín-
contra a mecanização da vida: um baluarte literário da Li-
guas o seu poderoso romance histórico O Jardim das Fa-
berdade na natureza livre, o génio mais espontâneo da li-
das, glorificação da tentativa do grão-duque Báthory, no
teratura moderna. A esses admiradores ministrou Hamsun, século XVI, de transformar a Transilvânia em empório da
em 1940, um choque violento, aderindo ao invasor nazista civilização protestante e ocidental, como uma ilha encan-
da sua pátria e persistindo nessa atitude até o último dia tada no meio do Oriente bárbaro e turbulento. Mas essa
da sua longa vida, apesar de colocado em ostracismo pela obra só se compreende bem como último resultado literá-
unanimidade da opinião pública na Noruega. Não se pode rio da grande carreira literária de um camponês revolucio-
negar ao velho escritor a coerência ferrenha: o fascismo nário ou, melhor, revoltado, sem ideologia definida; cele-
foi a conclusão fatal do seu anarquismo. Este último, por brara, na sua obra-prima Ouro Bruto, a violência de um su-
mais simpático que fosse à crítica de 1905 ou 1910, nunca per-homem rústico. Descrevera como contraste, em Não
deveria ter sido critério do valor na obra de H a m s u n ; de- Posso Viver sem Música e Kerek Ferkó, a degeneração da
pois, o nazismo de Hamsun serve tampouco para desva- aristocracia húngara. Confrontou, em O Archote, a vitali-
lorizá-la. Pan e Markens Groede, pelo menos, Vitória e dade indomável dos camponeses e o zelo apostólico do
alguns dos seus contos são obras permanentes. Mas a pastor protestante; e acabou no sonho, historicamente do-
cussão político-literária em torno de Hamsun, embora es- cumentado, de uma reunião das forças materiais e espiri-
téril como todas as discussões dessa natureza, pode se tuais da sua terra, dum reino de camponeses protestantes
para meditar sobre as limitações do génio hamsunia
Pois génio êle foi; mas não em sentido universal, e sim
apenas como figura regional: mestre insuperável dei 100) Cf. "A revolta dos modernismos", nota 88.
da região limitada do naturalismo, ou melhor: do na 101) Josef Karel Slejhar, 1864-1914.
Impressões da Natureza e da Sociedade (1894); Natureza Morta
rismo primitivo. O que não vale é o enfeite desse pri (1898); Inferno (1905); A Titlia (1908).
tivismo com frases de um Nietzsche mal compreend' 102) Zsigmond Móricz, 1879-1942.
Ouro Bruto (1910); Sem Deus Saber (1911); Kerek Ferkó (1914);
O naturalismo pós-zolaísta sofreu muito a influí Não Posso Viver sem Música (1914); O Archote (1916); O jar-
dim das Fadas (1922); O Grâo-Duque (1930).
nietzscheana ou pseudonietzscheana, que lhe conferiu i G. Juhász: Zsimond Móricz. Budapest, 1928 (em língua húngara).
poética inesperada, alterando-lhe, porém, o sentido id< B. Haltnl: Zsigmond Móricz como escritor e homem. Budapest,
1930 (em língua húngara).
gico. Isso sentimos até num naturalista como foi o tch O. Feja: Zsigmond Móricz. Budapest, 1939 (em língua húngara).
2868 Oiro MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITKKATURA OCIDKNTAL 2869

— aí está um primitivismo sublimado e por isso já "his- antigo proletário como Hamsun, mestre extraordinário na
tórico". descrição das luzes claras do verão sobre a paisagem de
O credo primitivista, tão violento num Baroja e Ham- Flandres, "primitivo" porém pelo uso do dialeto e pela re-
sun, atenua-se pelas influências do esteticismo ou da re- velação da psicologia pouco moralista do camponês. Streu-
ligiosidade adogmática, aproximando-se então do equilí- vels, que escreveu demais para manter-se no nível de Zo-
brio superficial do ecleticismo. O finlandês Linnankos- merland (País do Verão) e Vlassachaard (Terra de Pinho),
ki ( 10S ) é um tolstoiano que n o romance A Canção da Flor acabou em auto-imitação permanente. Se fosse menos ger-
Vermelha representou a domesticação de um primitivo mânico, se tivesse mais da eloquência de um escritor de lín-
pelo amor — esse bom romance, popularizado por um fa- gua neolatina, seria comparável ao português Aquilino Ri-
moso filme sueco, quase teria conseguido para o seu autor beiro ( 1 0 7 ), tão celebrado como estilista, enquanto a crí-
o prémio Nobel. O norueguês Haukland ( 104 ) romancista tica séria aprecia menos a sua arte de regionalista rural e
da selvagem natureza nórdica, embora discípulo de Ham- verbalista desenfreado; mas foi homem de altas atitudes,
sun, já não quis tornar-se outro Hamsun, preferindo escre- opondo-se tenazmente à devastação material e moral dos
ver numerosos romances "rurais" de sucesso fácil. A nota seus ambientes rurais pela ditadura.
social prevalece no dinamarquês Aakjaer ( 1 0 5 ), que os es- O primitivismo de 1910 parecia aos contemporâneos ex-
trangeiros apreciaram como romancista dos pobres do cam- pressão da vida proletária, mais primitiva do que a das clas-
p o ; os socialistas-reformistas da Dinamarca gostaram mais ses abastadas e cultas. Nos leitores desses "primitivos" ha-
da sua poesia simples e sincera, imensamente popular, em- via muito evasionismo, espírito de veraneio; e nos autores,
bora a comparação usual de Aakjaer com Burns não faça muito esteticismo, nietzscheano ou outro, conforme a ideo-
jus ao grande poeta escocês. A vizinhança da arte fran- logia que nunca, porém, foi revolucionária, antes anarquis-
cesa requintou o estilo rústico do flamengo Streucels ( 1 0 "). ta. O valor dessa literatura depende, em grande parte, da
proporção em que naturalismo e simbolismo se mistura-
103) Johannes Linnankoski, 1876-1913. ram. O equilíbrio dos dois estilos conseguiu-se melhor em
Luta Eterna (1903); A Canção da Flor Vermelha (1905); Refugia-
dos (1908); Simson e Dalila (1911); A Filha de Jephta (1911). regiões "marginais" do que nos grandes centros literários:
W. Soederhjelm: Johannes Linnankoski. Stockholm, 1918. como na Irlanda. A população da ilha é, ou era então, mis-
104) Andreas Haukland, 1873.
Ol-Joergen (1902/1905); Havet (1908); Eli Svartvatnet (1909); t a : grande maioria de célticos católicos, camponeses sobre-
Orms Solen (1913) etc. tudo, e operários; e uma minoria protestante, de origem in-
105) Jeppe Aakjaer. 1866-1930.
Fri Felt (1905); Rugens Sange (1906); Fjandboer (1910); Vnter glesa, senhores da terra, a "anglo-irish" gentry". Poder-
Aftenstjernen (1927) etc. se-ia supor que os irlandeses de estirpe céltica, campone-
K. K. Nlcolaisen: Jeppe Aakjaer. Kjoebenhavn, 1913.
F. Noergaard: Aakjaer. En introduktion. Kjoebenhavn, 1914.
106) Stijn Streuvels (pseudónimo de Frank Lateur), 1871-1947.
Lenteleven (1899); Zomerland (1900); Zonnetij (1901); Do 107) Aquilino Ribeiro, 1885-1963.
dans (1901); Dagen (1903); Dorpsgeheimen (1904); Openlucht Jardim das Tormentas (1913); Vto Sinuosa (1917); Filhas da Ba-
(1905); Stille avonden (1905); De Vlasschaard (1907); Het glo- bilónia (1920); Estrada de Santiago (1922); Andam Faunos pelos
rierijke Licht (1912); Morgenstond (1913); Dorpslucht (1014); Bosques (1926); Batalha sem Fim (1932); Maria Benigna (1933);
De oogst (1922); Sint-Jan (1923) etc. etc. Wolfrâmio (1943); Quando os lobos uivam (1958) etc.
F. de Plllecyn: Stijn Streuvels en zijn werk, Antwerpen, 1932 (V Castelo Branco Chaves: Aquilino Ribeiro. Coimbra, 1935.
ed. 1943). Manuel Mendes: Aquilino Ribeiro. A Obra e o homem. Lisboa,
B. Jansaen: Stijn Streuvels en zijn Vlaschaard. Antwerpen, 1960.
2870 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2871

ses social e economicamente oprimidos, adotaram o estilo rica. No prefácio do Playboy of the Western World, dis-
naturalista, enquanto a gentry teria abraçado o simbolismo tinguiu a "rica" poesia simbolista dos Mallarmés e Huys-
esteticista. Na verdade, deu-se o contrário. Os naciona- mans — as expressões são suas — do realismo "pálido" de
listas irlandeses encontraram com expressão literária o Ibsen e Zola, atribuindo os dois estilos ao espirito da ci-
"celtic twilight", tipicamente simbolista, a poesia de Fiona dade moderna; nos campos primitivos da Irlanda, porém,
Macleod e da mocidade de Yeats. O retrato literário da ainda subsistiria uma prosa "rica e poética" na fala do pró-
gentry irlandesa são os romances e contos de Edith Oenone prio povo, de modo que uma literatura "neoprimitiva" as-
Somerville ( 107 -A) e da sua prima e colaboradora Violet sim seria poética e realista ao mesmo tempo. E i s o progra-
Martin (Martin R o s s ) : romances e contos no melhor estilo ma de Synge. Parece já realizado em Riders to the Sea,
realista inglês. Diferente só é a obra-prima, The Real Char- drama popular, concebido no espirito da tragédia grega.
lote, romance em que a decadência e ruína da família é Synge, fugindo da mesquinhez provinciana da sua terra,
símbolo da decadência e ruína da classe inteira. A litera- vivera muitos anos em Paris, respirando a atmosfera do sim-
tura propriamente irlandesa também procurou esse equilí- bolismo e quase caindo em decadentismo. Encontrou
brio entre os dois estilos. O Abber Theatre em Dublin ( Yeats, que lhe aconselhou a "cura na natureza", nas ilhas
serviu, depois do ibsenianismo efémero de Martyn, ao dra- de Aran, que Synge descreveria mais tarde. Lá descobriu
ma simbolista de Yeats. O equilíbrio, encontrou-o Syn- ,a vida primitiva. The WeU of the Saints e Tinker's Wed~
ge ( 1 0 B ); não no sentido humano, porque Synge era um ho- din são grandes farsas, ao lado daquela tragédia. O ideal,
mem angustiado, quase uma natureza unamuniana. Mas o a farsa de sentido trágico — Synge admirava sobretudo
dramaturgo tinha consciência lúcida da sua posição histó- Ben Jonson e Molière — é The Playboy of the Western
World, a comédia popular do mentiroso que inventa um
107A) Edith Oenone Somerville, 1858-1949. crime para satisfazer o seu desejo primitivo de viver em
Martin Ross (pseudónimo de Violet Martin), 1865-1915. "poesia". É, ao mesmo tempo, um símbolo de sentido uni-
An Irish Cousin (1889); Noboth's Vineyard (1891); The MM
Charlotte (1895); Some Experiences of an Irish R. M. (18 versal, um Peer Gynt do nosso tempo, e um símbolo per-
O. Cummins: Edith Oenone Somerville. A Bíography. London.
1952. manente do caráter irlandês — por isso, essa peça extraor-
108) Cf. "O Simbolismo", nota 90. dinária provocou tempestades de indignação na Irlanda e
109) John Millington Synge, 1871-1909. entre os irlandeses dos Estados Unidos. Como irlandês tí-
The Shadow o/ Glen (1903); Riders to the Sea (1904). pico, Synge fugiu para o sonho da lenda; mas Deirdre of
WeU of the Saints (1905); The Aran Islands (1906); The Pi>
of the Western World (1907); Tinker'» Wedding (1908); D< • the Sorrows ficou inacabada. O dramaturgo genial mor-
of the Sorrows (1909). reu cedo. Mais tarde, teria visto o novo naturalismo-sim-
Edição do Teatro por E. Rhys, 3.» ed., London, 1941.
P. P. Howe: John Millington Synge, a Criticai Study. Lm bolismo do seu patrício Joyce — a comparação e a defini-
1912. ção são do crítico americano Harry Levin — e o seu ideal
M. Bourgeois: John Millington Synge and the Irish Theatn
London, 1913. estilístico ter-se-ia revelado como programa do modernismo
J. Thorning: John Millington Synge, en moderne irsk Dra de vanguarda. O paralelismo das evoluções também está
ker. Kjoebenhavn, 1921.
D. Corkery: Synge and Anglo-Irish Literature Cork, 1931. documentado no caso do bailado russo em Paris ( n 0 ) :
S. Rina: John Millington Synge. Roma, 1937.
L. A. O. Strong: John Millington Synge. London, 1941.
A. Prlce: Synge and Anglo-Irish Drame. London, 1961. 110) Cf. "A revolta dos modernismos", nota 30.
2872 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2873

apresentou-se como um cume da arte simbolista, e deu de respondia nos E s t a d o s U n i d o s a elite universitária d e Mas-
repente as revelações do primitivismo de Stravinski, Pe- sachusetts e da Nova-Inglaterra, e m geral, tendo perdido
truchka e Sacre du Printemps, de influência notável na re- depois da Guerra de S e c e s s ã o a influência decisiva na vida
volta modernista. pública, isolando-se cada vez mais n o provincialismo an-
Um caso particular de primitivismo "rural" produziu- g l i c i z a d o ; da Nova-Inglaterra já não partiu nenhum movi-
se na América Latina, ainda meio colonial e dominada pelo m e n t o literário v i v o , comparável ao "modernismo" hispa-
"modernismo" de Dário. Ali a descoberta da natureza pri- no-americano; e, por i s s o , o simbolismo europeu nSo entrou
mitiva devia limitar-se aos aspectos patéticos da "luta en- na consciência literária dos norte-americanos. N ã o m e n o s
tre o homem e as forças cósmicas". Há muito disso nos diferente era o trend da evolução e c o n ó m i c a : na América
Sertões, do brasileiro Euclydes da Cunha ( m ) , embora a L a t i n a começa a intensificar-se a exploração, d e maneira
força dramática desse prosador agitado ultrapasse de longe semicolonial, pelo capital e s t r a n g e i r o ; n o s E s t a d o s U n i d o s ,
a mera arte descritiva, abrindo panoramas de conflitos en- a industrialização c o m e ç a a conquistar as vastas r e g i õ e s
tre civilizações. Graça Aranha ( l i a ) já pretendeu tirar con- agrárias do "Middle W e s t " . Acabam-se o e s t i l o d e vida
clusões ideológicas; foi, mais tarde, o "missing link" entre e o espírito da "Fronteira", nessa prolongação geográfica
o simbolismo e o modernismo brasileiro de 1922. Os his- da "Gilded A g e " . D o Oeste, dos homens rudes da Fron-
pano-americanos ainda por muito tempo não conseguiram jteira, viera a primeira oposição primitivista, a de Mark
sair do seu "modernismo". Vorigine, o turbulento roman- T w a i n ( n 5 ) . Continua e acaba no humorismo, bem mais
ce da Natureza amazônica, do colombiano José Eustasio fácil, d e O. H e n r y ( n 0 ) , que s e tornara c o n h e c i d o como
Rivera ( m ) , é de 1924; dois anos mais tarde, Don Segundo contista da vida m e i o s e l v a g e m na América Latina (roman-
Sombra, do argentino Ricardo Giiiraldes ( 1 1 4 ), revelará o tizada para o g o s t o do leitor n o r t e - a m e r i c a n o ) ; depois, glo-
sentido reacionário daquele primitivismo rural; mas não é rificou c o m bom-humor a astúcia i n t e l i g e n t e do americano
obra primitiva, e sim de superior lucidez artística. m o d e r n o no m e i o d o turbilhão de N o v a Iorque e das novas
A situação era diferente nos Estados Unidos: à elitt grandes cidades do O e s t e ; O . H e n r y , mais conformista
letrada latino-americana, descendente da aristocracia r do que Mark T w a i n , foi o autor t í p i c o e mais lido da era
e colocada na diplomacia e no funcionalismo público, cor- de T h e o d o r e R o o s e v e l t . Contra o espírito da cidade l e -
vantou-se, porém, no O e s t e u m a revolta das classes médias
agrárias, clamando contra a plutocracia finaceiro-indus-
111) Euclides da Cunha, 1866-1909.
Os Sertões (1902). trial e batendo-se pela volta à democracia j e f f e r s o n i a n a ;
B. Pontes: A vida dramática âe Euclides da Cunha. Rio de aquela revolta da qual Parrington foi o i d e ó l o g o e historia-
neiro, 1938.
G. Freyre: "Euclides da Cunha". (In: Perfil de Euclydes e ou
perfis. Rio de Janeiro, 1944). 115) Cf. "A Conversão do Naturalismo", nota 95.
Ol. de Sousa Andrade: História e interpretação de Os Sert
São Paulo, 1960. 116) O. Henry (pseudónimo de Willlam Sydney Porter), 1862-1910.
112) José da Graça Aranha, 1868-1931. Cabbages and Kings (1904); The Oentle Gra/ter (1908); The
Chanaan (1902). Voice of the City (1908); The Four Millions (1909); Strictly Ba-
sines (1910).
113) José Eustasio Rivera, 1889-1928. C. A. Smith: O. Henry. New York, 1916.
La vorágine (1924). E. Hudson Long: O. Henry, the Man and his Work. Philadel-
114) Cf. "O Simbolismo", nota 135. phia, 1949.
o*

2874 OTTO MARIA. CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2875

dor ( m ) , e que fracassou, então, porque uma ideologia pri- deu-se em Vachel Lindsay ( U 9 ) , o mais original de todos
mitivista, por mais revolucionária que pareça no momento, os poetas americanos depois de Whitman. E r a filho do
é sempre retardatária ou, antes, "reacionária" perante a Middle West, mas não era um scholar meio europeizado
como Hovey, e sim um vagabundo autêntico, percorrendo
História. Mas o romance neonaturalista que acompanhou
cidades e estradas, "trocando poesia por pão", recitando
aquela revolta já não pertence ao ciclo do equilíbrio ins-
publicamente as suas poesias, sempre com objetivo ime-
tável entre o naturalismo e o simbolismo; pertence antes
diato de influenciar os ouvintes em favor dos ideais a cujo
à época da separação, entre os estilos, que precede ao mo-
serviço o poeta estava: Lindsay era orador do movimento
dernismo. Só na poesia americana está bem representada antialcoólico e evangelizador sectário — uma figura tipi-
aquela combinação tipica da época de 1900. camente americana. A sua vida explica o seu estilo; estilo
Por volta de 1900, a poesia tinha perdido todo o papel oral de discurso e canto, dos "poets to come" que Whitman
e significação dentro da literatura norte-americana; havia anunciara. Com efeito, Lindsay era whitmaniano; e, pelo
só a pálida "scholar's poetry" da Nova-Inglaterra, poesia espírito democrático, entusiasmo místico e exuberância
para domingo, para festas cívicas e comemorações. Dife- verbal do americano típico é quase o único whitmaniano
rente era Hovey ( n s ) , filho do Middle W e s t ; na sua obra autêntico. Chamaram-lhe "the minstrel missionary", defi-
alternam pretensiosos poemas "arthurianos", nos quais a nindo bem a mistura de poeta e apóstolo viajante. Estava
lenda tem de fornecer símbolos para exprimir indignação identificado com o povo, com os vagabundos, operários ins-
social do poeta, e, por outro lado, "canções de vagabun- táveis, farmers inquietos, sectários do Middle West, deu
dos" em estilo popular, cantadas em "plein air". Hovey uma voz poética ao folclore americano de cuja existência
ninguém até então tomara conhecimento. Incluiu, natural-
fora para Paris, conheceu o simbolismo francês sem esque-
mente, e quase em primeira linha, o folclore mais pitoresco,
cer-se das lições medievalistas dos pré-rafaelitas ingleses
o dos negros. Poetizou muitas vezes no ritmo de jazz, e
e em Verlaine aprendeu o gosto da liberdade boémia, que
dedicou uma obra inteira, The Congo, às saudades africa-
quis introduzir na literatura dos Estados Unidos através
nas e crenças místicas dos pretos, gente intensamente re-
do folclore dos tramps. Na poesia de Hovey aqueles dois
ligiosa, cantando The Hope of Their Religion. Parece zom-
elementos, o simbolista e o realista, só coexistem. A fusão bar desse misticismo; as suas poesias religiosas lêem-se às
vezes como sátiras burlescas: a maldição três vezes repe-
tida —
117) V. L. Parrington: Main Currents in American Thought. vol. III.
New York, 1930.
118) Rlchard Hovey, 1864-1900. 119) Vachel Lindsay, 1879-1931.
The Quest of Merlin (1891); The Marriage of Ouenevere (1891); General Booth Enters into Heaven (1931); The Congo (1914);
Songs from Vagabondia (com Bliss Carman; 1894); Talie: The Chinese Nighttngale (1917); Collected Poems (1923); Every
Masque (1896); The Birth of Galahad (1898); Along the Soul is a Circus (1929).
(1898); More Songs from Vagabondia (com BI. Carman; 1896) A. Kreymbourg: "Vachel Llndasay". (In: Our Singing Srtength.
eto. New York, 1929).
B. Weirick: "Rlchard Hovey". (In: From Whitman to Sandburg. E. L. Masters: Vachel Lindsay, a Poet in America. New York,
New York, 1924). 1935.
2876 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2877

"Down, down with the Devil" —, "They tour from Memphis, Atlanta, Savannah
Tallahassee an Texarkana.
They tour from St. Louis, Columbus, Manistee,
a pergunta angustiosamente posta em parêntese —
They tour from Peoria, Davenport, Kaukakee.
Cars from Concord, Niagara, B o s t o n . . . " —
(Are you washed in t h e blood of the Lamb?)—,
e assim abre-se, como numa visão, a perspectiva da imensa
e a entrada triunfal no Céu — grandeza dos Estados Unidos, até o fim melancólico:

" W i t h glory, glory, glory "While I sit by the milestone


And watch the sky,
And Boom, boom, boom!" T h e United States
Góes by."

Mas não é paródia. Lindsay foi caracterizado por alguns


Só de longe ecoa nos versos de Lindsay a tempestade da
críticos como poeta místico do "fundamentalismo", da or-
'revolução agrária, da esperança em
todoxia protestante americana, ortodoxa apesar da divisão
em mil seitas. Apenas, a seita de Vachel Lindsay era di-
" . . . Kansas, land that restore us,
ferente. Êle tinha fé ardente no humanitarismo, numa re-
W h e n houses choke us, and great books bore us!"
forma radical das condições sociais, sem a qual não ficaria
justificada a existência da poesia. Chegou a atribuir à
poesia o papel de chamar o povo para a felicidade social A arte popular de Vachel Lindsay ressurgirá como poesia
do futuro; deste modo, Lindsay podia apresentar-se perante populista de Cari Sandburg.
as massa incultas como apóstolo de um Evangelho da Be- Whitman não podia deixar de impressionar profunda-
leza, lembrando o cristão social Ruskin e o socialista Mor- mente a mentalidade otimista do "equilíbrio europeu" ( 12 °) :
ris, ambos poetas românticos. Lindsay, também, era um ro- Verhaeren e Claudel dão testemunho disso, até o Apolli-
mântico moderno, quer dizer, um simbolista apesar do apa- naire de Zones. Em 1909, deu Léon Bazalgette a tradução
rente naturalismo cru da sua poesia. Encarna americana- completa das Leaves of Grass — mas essa realização já está
mente a aliança entre naturalismo e simbolismo, e disso re- em relações com a tentativa de criar na França um whitma-
sulta a precariedade da sua ideologia, entusiasmo whitma- nianismo especificamente europeu e, portanto, cosmopo-
niano em face de coisas que Whitman só profetizara ma» lita: o "Unanimisme", fé social e doutrina poética dos es-
critores que em 1906 se retiraram de Paris para levar, na
que agora já estavam presentes como monstros do ind
abadia de Créteil, uma vida de trabalho comum em saúde
trialismo. Por isso, Lindsay parece às vezes a paródki
próprio Whitman, assim com nas enumerações de trens e
estações em Santa-Fé Trail:
120) Cí. "O Simbolismo", nota 185.
2878 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2879

primitiva ( 1 2 1 ) : Jules Romains, Duhamel, Charles Vildrac, " J e ne sens rien, sinon que la rue est réelle,
René Arcos, Georges Chennevière; convento dedicado ao E t que je suis três sur d'être pense par e l l e . . . "
culto de Rebelais e Tolstoi. Uma frase conhecida e muito
citada de Romains basta para revelar o sentido "primiti-
O unanimismo de Romains é a poesia do homem anónimo,
vista" da doutrina: "Ne te laisse pas étonner par les inven-
a poesia democrática:
tions des praticiens. Sers toi de leurs machines, et mépri-
se-les, eux et leurs machines!" Duhamel ( 1 2 2 ), em frase
também citada por Raymond, acentou o espiritualismo em " E t je parle quand même au nom
que, além de Whitman, se sente mais outra influência ame- De ces hommes sans i m p o r t a n c e . . . "
ricana, a de T h o r e a u : "Si la civilisation n'est pas dans le
coeur de Thorrime, elle n'est nulle part." Mas o unanimismo Com o tempo, o poeta da Vie unanime, das Odes et Prières
não era só isso; era uma doutrina de coletivismo espiritual, e de Amour couleui de Paris, tornou-se o pacifista de Eu-
da absorção do "eu" individualista na grande massa anó- rope, visão emocionada do Continente, e da Ode génoise —
nima das ruas, bairros, cidades, países, continentes. E
Duhamel, espírito nobre e generoso mas ligeiramente cép- "II faudra bien qu'un jour on soit humanité."
tico, não era bastante poeta para entusiasmar-se dionisiaca-

mente por essa doutrina. J á esquecidos também estão os
Dos ideais demasiadamente vagos de Romains muita coisa
Poèmes, 1911-1918, de George Chennevière. O grande poeta
já desapareceu para sempre; mas a releitura da sua poesia
do unanimismo é mesmo Jules Romains ( , 2 3 ) ; é verdade
ainda confirma a bela frase de Duhamel: "Un poete parle,
que a obra do prosador eclipsou, mais tarde, a do poeta, e
il parle de lui. Écoutez: il parle pour vous. Approchez:
é verdade que a crítica nunca foi muito gentil com o poeta
il parle de vous,"
do unanimismo, doutrina hoje esquecida — mas a verdade
e a justiça impõem acrescentar: Romains, hoje um prosa- O mais belo poema unanimista de Romains é a sua no-
dor discutido e discutível, foi, nos dias do unanimismo, um vela Aforí de quelqu'un: história dos círculos concêntricos
poeta autêntico. O aluno da École Normale Supérieure, nos quais espalha as suas repercussões a notícia da morte
crescido no naturalismo da sociologia de Durkheim, não de um homem sem importância, até diluir-se e desaparecer
adotou o verbalismo de Whitman, preferindo o de Victor no olvido. Responsabilizou-se o sentido mais ético do que
Hugo para exprimir uma ideia whitmaniana, a "âme collec- poético do unanimismo pela transição, mais tarde, de quase
tive", num símbolo sugestivo: todos os unanimistas da poesia para a prosa de ficção. Os
romances unanimistas do próprio Romains já pertencem a
uma outra Europa, sem equilíbrio, em movimento que pare-
cia épico. Deve ter contribuído para se realizar aquela tran-
121) Chr. Sénéchal: VAbbaye de Créteil. Paris, 1930. sição a impossibilidade de criar nos tempos modernos uma
M. L. Bidal: Les écrivains de VAbbaye. Paris, 1938.
122) Cí. nota 52.
outra epopeia da massa, do que o romance, o "roman-fleuve".
123) Cí. "Tendências contemporâneas", nota 379.
Contemporâneos do poeta unanimista Romains, que não
A. Culsenier: Jules Romains et rUnanimisme. Paris, 1936. conheceram a sua teoria, já deram esse passo decisivo. As-
2880 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITEBATURA OCIDENTAL 2881

sim o catalão Casellas ("*), cujas obras abrangem a tota- lização. Georges Sand pensava assim, abandonando a vida
lidade coletiva e anónima de uma aldeia da Catalunha. Nes- boémia de Paris, retirando-se para o seu castelo no Berry.
te caso, de 1901, a prioridade cronológica está certa. A in- Assim pensavam, após ter tomado o caminho inverso, os es-
fluência direta de Romains não se exclui no caso da escri- tudantes-camponeses da Noruega por volta de 1880, como
tora holandesa Ina Boudier-Bakker ( 1 2 B ); o seu poderoso Garborg, o autor dos Bondestudentar (Estudantes-Campo-
romance De straat (A Rua), epopeia de uma pequena cida- neses), literatura da qual descende Hamsun. Assim pensa-
de, é de 1925. Mas Ina Boudier-Bakker estava bem prepara- vam em todas as capitais da Europa estudantes pobres e ou-
da para isso pela sua obra muito anterior, Armoede (Pobre- tros pequenos intelectuais de origem camponesa, perdidos
za), excelente "roman-fleuve" da burguesia holandesa deca- na boémia ou até nos bas-íonds da sociedade. Lá se encon-
dente; e, fora de toda doutrona, ela sabia ampliar o quadro, traram com a poesia dos "fantaisistes", discípulos de Fagus
pintando um vasto panorama da Holanda moderna, De klop e Tristan Klingsor: os Toulet, Derême, Pellerin. Francis
op de deur (Pancada na Porta). Enfim, aparece como pre- Carco ( l - 7 ) é "fantaisiste" pela sua poesia de amores cíni-
cursor independente do romance unanimista Israel Que- cos e lembranças melancólicas de Montmartre. Nos seus
rido ( 1 2 f l ). Não conforme os seus romances históricos e bí- romances apresenta variantes do primitivismo: em Brau-
blicos, visões monstruosas de um verbalista oriental, deve- mes descrições impressionistas dos bas-fonds de uma ci-
se julgar esse judeu de Amsterdã, poeta lírico e simbolista dade portuária; e notável força de penetração em almas
justamente na parte naturalista da sua obra: em Levens- criminosas, em Jésus-Ia-Caille e L'homme traque. De apa
gang (Caminho da Vida) fêz, já em 1901, uma tentativa de ches, prostitutas, rufiões, assassinos é povoado o bairro de
biografar um bairro. A verdadeira medida das suas forças, Carco. Este mesmo ambiente é o em que Charles-Louis
Querido deu-a desde 1912 no romance cíclico De Jordaan, Philippe ( 128 ) se lembrou da sua pobre mocidade nos cam-
"biografia" do bairro desse nome da cidade de Amsterdã.
A literatura moderna não possui muitas obras dessa enver-
gadura, grandes ainda no malogro, que foi verificado pela
127) Francis Carco (pseudónimo de Francis Carcopino), 1886-1958.
crítica holandesa, muito exigente como sempre. La bohéme et mon coeur (1912); Chansons aigres-douces (1912);
Jésus-la-Caille (1914); Les Innocents (1917); Scènes de to vie
A base do primitivismo literário é uma grande fé no de Montmartre (1919); Uéquipe (1920); Vhomme traque (1922);
homem, quer dizer, no homem anónimo, inculto, mesmo Rue Pigalle (1928); La Rue (1929); Brumes (1935); Vhomme de
minuit (1938).
baixo, não estragado pelos benefícios duvidosos da civi- Y. Gandon: "Francis Carco". (In: Le Démon du Style. Paris,
1938).
S. S. Weiner: Francis Carco. The Career of a Literary Bohe-
mian. New York, 1952.
124) Raimond Casellas, 1855-1910. A. Négis: Mon ami Carco, Paris, 1953.
Eis aots feréstecs (1901); Les multituds (1906). 128) Charles-Louis Philippe. 1874-1909.
125) Ina Boudier-Bakker, 1875. Quatre histoires de pauvre amour (1897); La bonne Madeleine
Armoede (1909); De straat (1925); De klop op de deur (1930). et la pauvre Marie (1898); La mère et Venfant (1900); Bubu de
Montparnasse (1901); Le père Perdrix (1903); Marie Donadieu
126) Israel Querido, 1874-1932. (1904); Charles Blanchard (1913).
Levensgang (1901); Menschenwee (1903); Zegepraal (1904 I H. Bachelin: Charles-Louis Philippe, son oeuvre. Paris, 1920.
Jordaan (1912/1925); De oude wereld (1919/1921); Simson (1920). H. Poulaille: Charles-Louis Phillippe, le populisme et la litéra-
E. d'01iveira: "Israel Querido". (In: De jongere generatv ture prolétarienne. Paris. 1929.
ed. Amsterdam. 1920). E. Ouillaumin: Charles-Louis Philippe, mon ami. Paris, 1943.
2880 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2881

sim o catalão Casellas (124)> cujas obras abrangem a tota- lização. Georges Sand pensava assim, abandonando a vida
lidade coletiva e anónima de uma aldeia da Catalunha. Nes- boémia de Paris, retirando-se para o seu castelo no B e r r y .
te caso, de 1901, a prioridade cronológica está certa. A in- Assim pensavam, após ter tomado o caminho inverso, os es-
fluência direta de Romains não se exclui no caso da escri- tudantes-camponeses da Noruega por volta de 1880, como
tora holandesa Ina Boudier-Bakker ( 1 2 0 ) ; o seu poderoso Garborg, o autor dos Bondestudentar ( Estudantes-Campo-
romance De straat (A Rua), epopeia de uma pequena cida- neses), literatura da qual descende Hamsun. Assim pensa-
de, é de 1925. Mas Ina Boudier-Bakker estava bem prepara- vam em todas as capitais da Europa estudantes pobres e ou-
da para isso pela sua obra muito anterior, Armoede (Pobre- tros pequenos intelectuais de origem camponesa, perdidos
za), excelente "roman-fleuve" da burguesia holandesa deca- na boémia ou até nos bas-ionds da sociedade. Lá se encon-
dente; e, fora de toda doutrona, ela sabia ampliar o quadro, traram com a poesia dos "fantaisistes", discípulos de Fagus
pintando um vasto panorama da Holanda moderna, De klop e Tristan Klingsor: os Toulet, Derême, Pellerin. Francis
op de deur (Pancada na Porta). Enfim, aparece como pre- Carco ( m ) é "fantaisiste" pela sua poesia de amores cíni-
cursor independente do romance unanimista Israel Que- cos e lembranças melancólicas de Montmartre. Nos seus
rido ( 1 2 *). Não conforme os seus romances históricos e bí- romances apresenta variantes do primitivismo: em Brau-
blicos, visões monstruosas de um verbalista oriental, deve- mes descrições impressionistas dos bas-fonds de uma ci-
se julgar esse judeu de Amsterdã, poeta lírico e simbolista dade portuária; e notável força de penetração em almas
justamente na parte naturalista da sua obra: em Levens- criminosas, em Jésus-la~CailIe e L'homme traque. De apa
gang (Caminho da Vida) fêz, já em 1901, uma tentativa de ches, prostitutas, rufiões, assassinos é povoado o bairro de
biografar um bairro. A verdadeira medida das suas forças, Carco. Este mesmo ambiente é o em que Charles-Louis
Querido deu-a desde 1912 no romance cíclico De Jordaan, Philippe ( 128 ) se lembrou da sua pobre mocidade nos cam-
"biografia" do bairro desse nome da cidade de Amsterdã.
A literatura moderna não possui muitas obras dessa enver-
gadura, grandes ainda no malogro, que foi verificado pela 127) Francis Carco (pseudónimo de Francis Carcopino), 1886-1958.
crítica holandesa, muito exigente como sempre. La bohême et mon coeur (1912); Chansons aigres-douces (1912);
Jésus-la-Caille (1914); Les Innocents (1917); Scènes de la vie
A base do primitivismo literário é uma grande fé no de Montmartre (1919); V equipe (1920); Vhomme traque (1922);
homem, quer dizer, no homem anónimo, inculto, mesmo Rue Pigalle (1928); La Rue (1929); Brumes (1935); Vhomme de
minuit (1938).
baixo, não estragado pelos benefícios duvidosos da civi- Y. Gandon: 'Francis Carco". (In; Le Démon du Style. Paris,
1938).
S. S. Weiner: Francis Carco. The Career o/ a Literary Bohe-
mian. New York, 1952.
124) Raimond Casellas, 1855-1910. A. Négis: Mon ami Carco, Paris, 1953.
Xis sots feréstecs (1901); Les multituds (1906). 128) Charles-Louis Philippe, 1874-1909.
125) Ina Boudier-Bakker, 1875. Quatre histoires de pauvre amour (1897); La bonne Madeleine
Armoede (1909); De straat (1925); De klop op de deur i et la pauvre Afarte (1898); La mère et Venfant (1900); Bubu de
Montparnasse (1901); Le père Perdrlx (1903); Marte Donadieu
126) Israel Querido, 1874-1932. < 1904); Charles Blanchard (1913).
Levensgang (1901); Menschenwee (1903); Zegepraal (19041 H. Bachelin: Charles-Louis Philippe, son oeuvre. Paris, 1920.
Jordaan (1912/1925); De oude wereld (1919/1921); Simson ^^M H. Poulaille: Charles-Louis Phillippe, le populisme et la litéra-
E. d'OUveira: "Israel Querido". (In: De jongere generalU ture prolétarienne. Paris, 1929.
ed. Amsterdam, 1920). E. Guillaumin: Charles-Louis Philippe, mon ami. Paris, 1943.
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2882 OTTO M A R I A C A R P E A I \ HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2883

pos do Nièvre, de La bonne Medeleine et la pauvre Afa- definida continua em Pierre Hamp ( , 8 2 ) , autor proletário
rie, de Marie Donadieu. O estilo evocativo, lírico e in- de um ciclo interminável de romances, La peine des hom-
tenso é o lado forte de Charles-Louis Philippe, perdido mes, tratando os sofrimentos e esperanças do homem que
no mundo da prostituição que êle evocou com as mesmas trabalha, em todas as profissões menos as "parasitárias":
cores quase doces mas sempre naturalisticamente sinceras "II ne peut plus y avoir de salut hors le travail" — numa
em Buba de Montparnasse. Philippe era homem fraco, pela frase assim revela-se, apesar de tudo, o otimismo técnico
pobreza e pela timidez, uma "bete blessée", como os seus e social de 1910 e uma aversão mal dissimulada contra "os
camponeses e prostitutas. Sentia por eles a grande cari- que não trabalham"; seriam os intelectuais.
dade dostoievskíana, embora admirando secretamente os Eis o sentimento com o qual o pritimivismo entra na
criminosos violentos que os exploram. Philippe pensava sua fase de atividade belicosa, de "action directe". É o sin-
como socialista; mas sentia como u m poeta franciscano dicalismo. Georges Sorel ( 133 ) não aparece nas histórias da
da pobreza, aproximando-se algo de P é g u y . Por isso evi- literatura francesa; exclui-o seu estilo pouco literário, a
tou a tendência. As suas poucas obras sobrevivem como incapacidade de composição — as suas obras, cheias de pen-
documentos do lado noturno da "belle époque"; como lem- samentos e sugestões, são das mais confusas na mais "clara"
branças de um homem bom; e como obras de arte. das literaturas. Estilisticamente, Sorel não aprendeu nada
Chales-Louis Philippe fêz escola: o "Populisme". •na leitura assídua do seu mestre Renan. Mas, quanto à
Henri Bachelin ( 12 °), pouco propenso à vida na cidade, su- arte de aproximar e vivificar ideias é Sorel quase um gran-
perou o amigo na evocação da vida rural no Nièvre; é mais de poeta. Revoltou-se contra o marxismo "moderado" dos
conhecido, porém, como cultor infatigável da memória de políticos socialistas, transformados em parlamentares e
Philippe e de Jules Renard — todos os três, Renard, Phi- candidatos a pastas ministeriais, negociando com a burgue-
lippe e Bachelin, são de Nièvre, mas existem entre eles sia. Criou o movimento sindicalista, excluindo os intelec-
mais outras relações do que as regionais A arte naturalis- tuais, proibindo aos adeptos a atividade parlamentar, con-
ta do socialista Jules Renard ( 13 °) — nele, o naturalismo fiando na força dos sindicatos, na "greve génerale" e na
tornou-se arte quase parnasiana — é como um comple-
mento da arte franciscana de Charles-Louis P h i l i p p e ; me-
nos sugestiva e mais penetrante. Depois de Renard, o "po- 132) Pierre Hamp (pseudónimo de Henri Bourrillon), 1876.
La peine des hommes Hãarée íraiche, 1908); Vin de Cham-
pulismo" tende a transformar-se em literatura proletária. pagne, 1909; Le Rali, 1912; UEnquête, 1914 etc).
UEnfer (1908), de Barbusse ( 1 8 1 ), é, dentro da obra do 133) George Sorel, 1847-1922.
futuro comunista, um prelúdio; depois da guerra, comu- La ruine ãu monde antíque (1898); Saggi di critica dei Marxismo
(1903); lntroduction à 1'économie moderne (1903); Réflexions
nismo e populismo encontrar-se-ão no sucessor legítimo át sur la violence (1908); Les illusions du progrès (1908); La décom-
Philippe, em Eugène Dabit. O populismo sem tendência position du marxisme (1908); Matériaux pour une théorie du
prolétariat (1919).
E. Berth: La fin dune culture. Paris, 1927.
G. La Feria: Ritratto di Georges Sorel. Mllano, 1933.
129) Henri Bachelin, 1879. M. Freund: Georges Sorel, der revolutionacre Konservativismus.
Juliette-la-jolie (1912); Le Serviteur (1918) etc. Frankfurt, 1933.
V. Sartre: Georges Sorel. Elites syndicalistes et récolution pro-
130) Cf. "A Conversão do Naturalismo", nota 104. létarienne. Paris, 1937.
131) Cf. 'A Revolta dos Modernismos", 103. P. Andreu: Notre maitre Sorel. Paris, 1953.
2884 OTTO M A R I A C A R P I M \ HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2885

"action directe" meio anarquista que levará ao "granei Bergson ( 1 3 4 ) é uma das figuras centrais da história
soir" da burguesia. Ao lado das secas explicações económi- literária do século X X ; é fato significativo da "época do
cas de Marx, a obra literária de Sorel parece uma epopeia equilíbrio" que um filósofo conseguiu sucesso universal e
e até sucesso mundano, devendo isso em grande parte às
romântica do proletariado; romantismo da violência. Poé-
qualidades do seu estilo. Ainda hoje, uma primeira leitura
tica no mesmo sentido é a filosofia da história de Sorel que,
da Êvolution créatrice deveria ter o efeito de uma revela-
baseando-se em Viço, pregou o ricorso, a rebarbarização
ção artística. O estilo de Bergson, rico em imagens sem
saudável do mundo decadente pelas forças frescas do pro-
perder nunca a compostura da clarté, é superior ao estilo
letariado. tão desmesuradamente elogiado de Maurras; parece-se pou-
Contra essa profecia do "grand soir" levantou-se a co com a prosa epigramática de Valéry, antes com a prosa
burguesia numa tentativa quase heróica de restabelecer as musical e, no entanto bem construída, de Barres, e é, en-
tradições perdidas ou ameaçadas. Ao primitivismo opunha- fim, o pendant digno da poesia de Claudel. Daí o sucesso
se o tradicionalismo. É um sinal do tempo, porém, que nos círculos literários — as trinta e mais edições de cada
nesse tradicionalismo não estava ausente o próprio primi- uma das obras de Bergson dentro de poucos anos — e o
tivismo. Mas isso se baseia em reciprocidade. Sorel é um sucesso mundano das suas aulas no Collège de France; as
dos autores mais paradoxais de todos os tempos. Ao seu testemunhas falam da forte presença do elemento femi-
pensamento antiintelectualista aderiu número estranha- nino. Bergson exerceu influência considerável sobre a
mente grande de intelectuais típicos: Edouard Berth e Hu- mocidade literária daqueles dias: sobre Péguy e sobre
bert de Lagardelle, na França; Arturo Labriola e Enrico Proust. Como influência é êle o sucessor legítimo da poe-
sia simbolista, e pode-se afirmar que o seu pensamento, tão
Leone, na Itália, ao lado do ítalo-alemão Roberto Michels;
poético como filosófico, constitui o "missing link" entre o
Pio Baroja, na Espanha. Muitos entre eles aderirão mai
simbolismo e várias correntes modernistas, da psicologia
tarde ao fascismo, esse bastardo do sindicalismo. O pró-
proustiana até o surrealismo. Mas a influência de Bergson
prio Sorel era um intelectual; um intelectual pequeno-bur-
não se exerceu só nas vanguardas literárias. Atacando o ra-
guês como só o pode ser um francês provinciano, conser- cionalismo mecanicista do século XIX, demonstrando a in-
vador até a medula, preocupadíssimo com a "decadência d i suficiência da análise racional dos fenómenos biológicos e
raça latina", desejando a "renascença" até ao preço d psicológicos, restabelecendo o papel da intuição na pesquisa
ricorso à barbárie. O revolucionário vermelhíssimo Sorel filosófica e o papel do Espírito na evolução biológica,
é expressão duma grande corrente do pensamento burguês! através do "élan vital" — Bergson forneceu elementos (e
do antiintelectualismo e o irracionalismo, em oposição t o pretextos preciosos) a vários ideólogos. O antimarxismo
reacionalismo e ao materialismo do proletariado marxista.
Daí as relações íntimas que naquele tempo ligaram a S
o grande-burguês Benedetto Croce. Daí as relações iut
134) Henri Bergson, 1859-1941.
do pequeno-burguês Péguy com Sorel. Daí as relaçõet i d Matière et mémoire (1857); Le Rire (1900); Utvolution créatrice
timas entre a filosofia antiintelectualista de Sorel e a ffl (1907); Les áettx sources de la morale et de la rellgion (1932).
A. Thlbaudet: Le bergsonisme. 2 vols. Paris, 1924.
losofia espiritualista de Bergson; à "action directe" C M J. Chevalier: Bergson. Paris, 1926.

I
responde o "élan vital". V. Jankelevitch: Henri Bergson. Paris, 1931.
2886 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2887

disfarçado de Sorel é reação bergsoniana, em favor da ação pretava de outra maneira. Daí o grande sucesso do mo-
livre do Espírito, desta vez do espírito revolucionário. Em dernismo entre os leigos e entre a parte mais culta do clero:
Bergson inspiraram-se nem todas, mas algumas das mais o anglo-alemão Friedrich von Huegel, espírito da mais alta
importantes correntes tradicionalistas: o teorema da "evo- nobreza, o apaixonado ex-jesuíta inglês George Tyrrel, de
lução criadora", vagarosa e dirigida pelo Espírito superior,
inclinações místicas assim como Huegel, e o padre francês
descende indiretamente da "evolução conservadora" de Bur-
Mareei Hebert, amigo de Roger Martin Du Gard, o exegeta
ke e do romantismo conservador. O pensamento de Berg-
italiano Ernesto Buonaiuti e o orador sacro Giovanni Se-
son foi estímulo para todos os que pretendiam opor-se à evo-
lução rápida da técnica mecânica; e é preciso lembrar que a meria — todos esses modernistas eram, assim como Loisy,
França ainda era um país economicamente atrasado, mais escritores notáveis. Ainda mais notáveis como escritores
agrário do que industrial, em que uma burguesia de velho eram o grande historiador Louis Duchesne e o ex-jesuíta
estilo, mais das finanças do que da indústria, dirigia a na- abbé Henri Bremond, que, sem aderir ao modernismo, mal
ção. Essas forças conservadoras estavam ligadas à Igreja. esconderam suas simpatias para com o movimento. E ade-
O caso Dreyfus produzira uma cisão, lançando a parte pro- riu publicamente o famoso romancista italiano Fogazza-
testante e judaica da burguesia numa aliança com a esquer- ro ( 1 3 e ), movido tanto por dúvidas teóricas como pelo de-
da; ficou na oposição, tanto mais à vontade, a burguesia sejo de reformas eclesiásticas que veiculou no romance
católica. E os doutrinários do catolicismo, sobretudo os lei- 11 Santo.
gos, deviam considerar a Bergson como aliado precioso c -
tra o materialismo. II Santo foi posto no Index dos livros proibidos. Loisy
e Tyrrell foram excomungados; numerosos outros moder-
Os católicos precisavam de aliados. A Igreja, sobre nistas foram censurados. O Papa Pio X sufocou o moder-
tudo na França e Itália, estava minada pela agitação do "Mo-
nismo, castigando-o com as medidas mais severas. A
dernismo" ( 1 3 5 ) : o movimento chefiado pelo abbé Alfre
Igreja não podia tolerar que a interpretação da Bíblia e
Loisy, desejoso de reconciliar o dogma com a ciência mo-
do dogma se tornasse negócio de eruditos sem responsa-
derna e disposto a sacrificar a essa possibilidade o carátwr
absoluto da fé. Os modernistas, admitindo a crítica rena- bilidades hierárquicas nem que se estabelecessem duas fés
niana e protestante da Bíblia, a evolução histórica e pu- diferentes, uma dos cultos e outra dos ingénuos. A pior
ramente humana, do dogma e das instituições esclesiásticas, consequência do modernismo foi, porém, o estabelecimen-
admitindo, enfim, a origem da fé nas regiões do subcons- to, dentro da Igreja, de uma espécie *de Inquisição parti-
ciente, consideravam os dogmas como meros símbolos, capa* cular, o chamado "integralismo", denunciando como he-
zes de satisfazer igualmente à fé ingénua dos camponeses réticos quase todos os católicos de valor científico e li-
e às necessidades religiosas da elite culta que só os ii terário. Um forte movimento de renovação literária entre
os católicos foi, deste modo, muito prejudicado. Cen-
surou-se até a romancista austríaca Enrica von Handel-
135) A. Loisy: Mémoires pour servir à 1'histoire religieuse de fl^H
temps. 3 vols. Paris, 1930/1931.
M. J. Lagrange: Loisy et le modernistne. Lnvlsy, 1932.
M. D. Petre: Alfred Loisy. His Religious Significance. O l H
bridge. 1945. ^ ^ ^ 136) Cf. "O advento da burguesia", nota 108.
288R OTTO MABIA CABPEAUX HISTÓRIA DA L I T E R A T U R A O C I D E N T A L 2IU!(>

Mazzetti ( : 3 T ) , a primeira grande figura católica da litera- tro do catolicismo universal, com o humorista Chesterton
tura alemã desde Brentano e Droste-Huelshoff, reconsti- (!»•) era inglês típico, não por acaso amigo pessoal e adver-
tuidora vigorosa da época da Contra-Reforma, porque a sário íntimo de Bernard Shaw; romancista, panfletário e
consciência religiosa e artística dessa católica quase faná- crítico espirituoso, mas, além disso, um poeta de importância.
tica lhe impôs, no entanto, tratar com grande compreensão A poesia de Chesterton, em parte narrativa-baladesca, em
e até simpatia os personagens protestantes nos seus ro- parte humorística, não tem nada de "poésie p u r é " ; notam-se
mances. Apesar de tudo, o movimento católico estava tão afinidades com a arte de Masefield e até de Davies. Ches-
forte na literatura que se falava até de um "neocatolicis- terton, como poeta, também é georgiano. Dentro dai formas
mo"; e destacaram-se os convertidos: Huymans Johannes tradicionais da poesia não nasceu nem podia nascer uma
Joergensen, Van Eeden, Chesterton; mais tarde, Papini poesia "neocatólica". Tampouco na França, onde o abbé
e Sigrid Undeset. Quanto às conversões francesas — in- Louis Le Cardonnel ( 14 °), amigo de Samain- cultiva uma
clusive a de Jacques Maritain e a conversão "incompleta" arte nobre e sincera, mas pouco original. A grande poesia
de Péguy — exerceu forte influência Léon Bloy ( 1 3 8 ), va- católica desse tempo, dogmàticamente ortodoxa, a de Clau-
gabundo-boêmio de pobreza franciscana perdido entre os del, era poeticamente tão pouco ortodoxa como o misti-
bas-fonds, místico apaixonado pelas visões de La Salette, cismo de Bloy; mas não era boémia, e sim aristocrática.
lembrando algo a Verlaine, mas muito mais sincero. A arte Claudel ( 1 4 1 ) ocupa na história da poesia francesa um
chamada "dostoievskiana" dos seus romances descende de lugar absolutamente à p a r t e : é difícil verificar as origens
Barbey d'Auré4My, o seu misticismo de Hello; a sua oposi-
ção violenta contra os biens pensants da alta sociedade ca-
tólica é realmente revolucionária: o zelo apostólico de Bloy 139) Gilbert Keith Chesterton, 1874-1936.
era algo como a "action directe" do catolismo, conseguindo The Wild Knight and Other Poems (1900); Heretics (1905); The
Man Who Was Thursday (1908); Orthodoxy (1908); The Inno-
mais prosélitos do que os apóstolos bem lavados e penteados. cence of Father Brown (1911); The Ballad of the White Horse
O boémio Bloy era uma figura tão tipicamente francesa, den- (1911); Poems (1915); New and Collected Poems (1933) etc.
M. Evans: Gilbert Keith Chesterton. Cahbridge, 1939.
M. Ward: Gilbert Keith Chesterton. London, 1943.
140) Louis Le Cardonnel, 1862-1936.
Poèmea (1904); Carmina sacra (1912); De 1'une à Vautre aurore
137) Enrica von Handel-Mazzetti, 1871-1955. (1924).
Jesse und Maria (1906); Die arme Margaret (1909); Stephana Ph. Aykrod: Louis Le Cardonnel. London, 1927.
Schwertner (1913/1914) etc. N. Richard: Louis Le Cardonnel. Toulouse, 1946.
A. Nuechtern: Enrica von Handel-Mazzetti, Wlen, 1931.
A. A. Hemmen: The Concept of Religious Tolerance in the No- 141) Paul Claudel, 1868-1955.
véis of Enrica von Handel-Mazzetti. Ann Arbor, 1946. Tête d'Or (1889); La Ville (1890); La Jeune Filie Violaine
(1892); VÊchange (1893); Le Repôs du Septième Jour (1896);
138) Léon Bloy, 1846-1917. Connaissance de VEst (1900): Partage de Midi (1906): Art poé-
Le Desespere (1887); La femme pauvre (1897); Les dernlèrt» tique (1907); Cinq Grandes Odes (1910); VAnnonce faite à Afa-
colonnes de VÊglise (1903); Mon journal (1904); Celle qui p rie (1910); VOtage (1910); Trois poentes de guerre (1915); Le
(1908); Le pélerin de Vabsolu (1914); Au seuil de V Apocalyp&c Pain dur (1915); Corona benignitatis anni Dei (1916); Le Père
(1916) etc. humilié (1916); La Messe là-bas (1919); Le soulier de satin
P. Termler: Introduction à Léon Bloy. Paris, 1930. (1924); Feuilles de Saints (1925); Positions et Propositions (1928/
L. Levaux: Léon Bloy. Paris, 1932. 1930); Les 7 Psaumes de la Pénitcnce (1946) etc.
8t. Fumet: Mission de Léon Bloy. Paris, 1935. J. Rivière: "Paul Claudel" (In: Êtudes. Paris, 1924).
J. Bollery: Léon Bloy. 2 vols. Paris, 1947/1949. Mme. Sainte-Marie-Perrin: Introduction à Voeuvre de Claudel.
28«)0 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2891

imediatas da sua arte, apesar das referências repetidas do E nas Cinq Grandes Odes há versos muito mais whitma-
poeta a Rimbaud: entre os seus contemporâneos ninguém nianos. Mas como fonte principal da versificação de Clau-
se parece com êle; tem alguns imitadores, mas não dis- del aponta-se a Bíblia, o que, em país católico, já cheira
cípulos. É exaltado até o céu por uma seita de admirado- um pouco a heresia. Existem influências da língua bíblica
res, enquanto são mais numerosos os seus inimigos, a pon- em Bossuet, em Chateaubriand, em Hugo — D'Aubigné,
to de se lhe terem fechado as portas da antologia de Van como protestante, é um caso particular — mas só Claudel
Bever e Léautaud. Hoje, ainda não é possível verificar parece que deve tudo ao livro sagrado. A Bíblia é o seu
até que ponto essa hostilidade foi resultado das atitudes Homero, fonte de uma arte poética, toda nova que vê o
do poeta, aristocrata orgulhoso, escritor e homem obsti- mundo como pela primeira vez:
nado. Em todo caso, nem os católicos são unânimes a res-
peito do poeta católico. A sua ortodoxia religiosa está aci- "Salut donc, ó monde nouveau à mes yeux, ô monde
ma de qualquer dúvida; só como sinal dos tempos mere- maintenant total!
cem atenção os ataques venenosos de Ducaud-Bourget e
O credo entier des choses visibles et invisibles,
outros católicos da Direita, que não perdoam a Claudel a
je vous accepte avec un coeur catholique.
atitude corajosa contra Maurras e o regime de Vichy. Mas
Ou que je tourne la tête
esses inimigos também alegam argumentos literários: pois
J'envisage rimmense octave de la C r é a t i o n ! . . . "
na poesia é Claudel um herético terrível, fora de todas as
tradições da poesia francesa, escrevendo um verso livre que
lembra tanto a W h i t m a n com aos versículos bíblicos. Com É um estilo poético como que de Adão que tinha que dar
Whitman talvez existam relações através da arte de "plein nomes às coisas — "Proférant de chaque chose le n o m . . . " ,
air" de Vielé-Griffin; pelo menos, o leitor lembra-se do diz o próprio Claudel. É uma arte eufórica: "comme qual-
poeta da Clarté de Vie a propósito de um versículo como qu'un quit dit oui", reza a "Hymne de Saint Benoit", na
esse para a festa de São Luís, na Corona benignitatis anni Corona, Nesta euforia reconhece-se bem a mentalidade do
Dei: princípio do século X X . Por mais estranho que pareça,
Claudel não está tão imensamente longe do naturalismo; o
"La terre rit e sait et rit et se cache dans le blé dogma da encarnação, dogma central do catolicismo e da
et dans la lumière!" sua poesia, impõe-lhe uma atitude positiva até em face dos
aspectos negativos do Universo, ao porrto de pedir a Deus
"accroissement et bénédiction sur 1'oeuvre des méchants".
Paris, 1926.
F. Lefèvre: Les sources de Paul Claudel. Paris, 1927. Sobretudo em La messe là-bas, esse grande otimista não
J. Madaule: Le génie de Paul Claudel. Paris, 1933. ocultou nem desprezou o lado noturno da Criação. Pode
J. Madaule: Le drame de Paul Claudel. Paris, 1936.
R. Grosche: Paul Claudel. Hellerau, 1938. encará-lo com franqueza porque sabe que seu "grand poè-
F. Olivero: Le concezione delia poesia in Paul Claudel. Torino. me (est) de 1'homme... enfim reconcilie aux forces éter-
1943.
G. Truc: Paul Claudel. Paris, 1945. nelles". São poemas sinfónicos, os de Claudel; sua subs-
L. Marjon: Paul Cloudel. Paris, 1953. tância poética só pode ser comparada à música que Dante
H. Gulllemin: Paul Claudel et son art d'écrire. Paris, 1956.
L Chaigne: La vie de Paul Claudel. Paris, 1961. encerrou nos versos do "Paraíso". Mas o princípio de cons-
2892 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA L I T I K ATURA OCIDENTAL 2893

trução desses poemas não obedece a leis musicais; antes sia que agradaria a todos. Mas, como poesia religiosa, tem
são composições pictóricas, de grande estilo barroco; ocor- muito maior solidez do que o admiradíssimo Livro de Ho-
re o nome de Rubens. A alternativa entre interpretação ras de Rilke, única possibilidade de comparação entre as
musical e interpretação pictórica é o problema principal obras daquele tempo. Só não convém comparar a poesia de
da crítica claudeliana. Ainda não foi resolvido porque o Claudel com a liturgia. La Messe là-bas é uma grande obra
próprio Claudel nunca chegou à síntese perfeita: seu ca- de arte, e as angústias do santo sacrifício na hora da ma-
minho nunca foi, aliás, o da perfeição — esta só é de Deus drugada tremem em versos como —
— mas de experiências e experimentos sempre repetidos; e
esta imperfeição faz parte da grandeza humana de Claudel, "La cloche sonne. Le prêtre est là. La vie est loin.
orgulhoso e humilde ao mesmo tempo. Um resultado pro- C e s t la messe
visório das suas experiências poéticas já foi, porém, a união J'entrarai à 1'autel de Dieu, vers le Dieu qui rójouit
do naturalismo (em sentido do encarnacionismo) e do sim- ma jeunesse."
bolismo (em sentido litúrgico). O simbolismo de Claudel
— evidente na arte de escolher as metáforas — não é o
Mas basta ler, logo depois, os versículos correspondentes
dos esteticistas nem o dos decadentistas, mas o de Rimbaud,
da liturgia, para sentir a inferioridade da paráfrase. Clau-
ao qual Claudel dedica amor especial como a um irmão per-
del é um grande poeta; mas não convém exagerar as coisas.
dido. De Rimbaud provém o desprezo altivo de Claudel
Contudo, a liturgia é o ponto ideal ao qual se apro-
à métrica e até à gramática; a coragem de acabar com o
xima indefinidamente a arte de Claudel. Não a Bíblia e
mundo poético existente para construir outro, inteiramen-
sim a liturgia, quer dizer, o texto bíblico aplicado ao culto
te novo. Os famosos versos do Magnificai contra a ido-
divino, conforme o ritmo da adoração durante o ano ecle-
latria da Justiça ou do Progresso ou da Verdade valem por siástico. A Bíblia é a epopeia da história sagrada. Mas
um credo reacionário do poeta; mas Rimbaud assiná-los-ia. quando Claudel, seguindo os impulsos rítmicos da sua na-
Assim como Rimbaud, também Claudel, contemporâneo do tureza, ultrapassou as fronteiras da poesia lírica, não che-
sindicalismo, detesta os intelectuais e o intelectualismo. gou à epopeia e sim ao teatro, assim como a liturgia se
Entrega-se ao "élan vital" da sua inspiração, produzindo desdobrou no teatro religioso. Os dramas de Claudel, gi-
cadeias intermináveis de metáforas, das quais é rico conv» rando todos em torno do sacrifício e do seu sentido, são
nenhum outro poeta francês. Esse rio de metáforas não "missas" profanas, celebradas na intenção de esclarecer o
porta o le".to da métrica tradicional. Claudel coloca-os sentido da "oeuvre des méchants" e do sofrimento dentro
ordem conforme o ritmo natural da língua, da prosa, da Criação do Deus onisciente e todo-poderoso. J á foram
adiantam nada os subterfúgios sutis: no sentido da chamados teodicéias dramatizadas. Não vale a pena atribuir
trica tradicional, os versículos de Claudel não são nunca essas obras fora do tempo a este ou àquele estilo da histó-
versos. Mas conforme as distinções de J. A. Ríchards ria do teatro. Depois da Annonce faite à Marie pensava-se
tre o statement da prosa e a meaning da poesia, a "prosa" em drama gótico. Com o Soulier de satin, o poeta justifi-
de Claudel, imensamente rica em meaning pelas metáforai cou antes a interpretação da sua arte como barroca, con-
e pelo ritmo, é poesia da mais alta categoria. Não é p forme a opinião de dois críticos tão diferentes como Mar-
*0

2894 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LaTBBÂTDBA OCIDENTAL 2895

cel Raymond e Robert Grosche. Como barroco, a arte de guesa; Hamsun é "provincialista", Kinck é "europeu". No
Claudel compreende todos os aspectos da Criação, reunin- início da sua carreira, tratou, em Sus (Murmúrio) e em
do-os num "realismo místico" que não é outra coisa senão Hugormen (A Serpente), temas bem hamsunianos: a in-
o "naturalismo-simbolismo" da época de Claudel. Mas é dustrialização invadindo as regiõeg primitivas da Norue-
barroco o seu esforço de hierarquizar as coisas e criaturas ga. No fim da sua carreira, Kinck retomou o assunto, fun-
conforme a lei de Deus — dindo aquelas duas obras no romance Herman Ek — mas
agora o sentido é nitidamente anti-hamsuniano. Kinck
" . . . la puissance qui maintient les choses en place." não glorifica, como fêz Hamsun, o camponês primitivo. Em
numerosos contos e nos grandes romances Emigranter a
E nisso, Paul Claudel, poeta novo do século XX, é tradi- Vestlandia (Emigrantes no Oeste) e Sneskavlen brast
cionalista, menos por tradição do que de propósito, como (A Capa Rasgada) deu uma enciclopédia da vida rural no-
todos os tradicionalistas daquela época. rueguesa, documento sem enfeite algum, revelando o lado
infra-humano do caráter nacional: a sua atitude diante do
O século do progresso gostava muito da tradição; em
camponês lembra a do russo conservador Bunin. No grande
grande parte, esse tradicionalismo nem pretendeu resta-
drama lírico Driftekaren ( O Vendedor de Cavalos), que
belecer tradições obsoletas e sim manter e apoiar, num mun-
«é seu Peer Gynt, caracteriza o "herói nacional" Vraal co-
do de pragmatismo, as prerrogativas "tradicionais" da in-
mo mistura de sonhador e anarquista, poeta e ladrão de ca-
teligência. Assim se explica que surgiram, até então, "tra-
valos. Enfim no romance Praest (O Sacerdote), talvez sua
dicionalistas" em países sem tradição, até num país sem
obra-prima, opõe aos camponeses primitivos a figura do
aristocracia social mas de uma grande tradição de aristo-
vigário de aldeia Nils Brosme: o homem civilizado contra
cracia literária: a Noruega. O norueguês Hans Kinck ( 1 4 2 ),
os instintos de anarquia. Na Noruega, Kinck não encon-
"tradicionalista" assim, é um dos maiores escritores do sé-
trou tradição nem forma artística para as suas ideias. Co-
culo X X ; e se houvesse justiça na distribuição do sucesso
mo Ibsen, fugiu para a Itália, onde o atraiu a sociologia
literário, caberia a Kinck a sorte de Hamsun. Mas Kinck
aristocrática de P a r e t o ; escreveu ensaios sobre a Renas-
é o anti-Hamsun, está com êle na mesma relação como W e -
cença e poderosos dramas históricos, menos para o palco
lhaven contra Wergeland, Ibsen contra Beoernson, conti-
real do que para um palco do espírito, algo semelhantes
nuando-se o "sistema bipartidário" na "poetocracia" norue-
aos dramas de Robert Browning. As suas obras póstumas
revelaram sua fidelidade ao humanismo grego. Kinck era,
142) Hans Kinck, 1865-1926. apesar das homenagens que pelo menos os escandinavos lhe
Flaggermusvinger (1895); Sus (1896); Fra hav til hei (1897); prestaram, um vencido da vida; mas não da literatura.
Hugormen (1898); Vaamaetter (1901); Emigranter i Vesti
(1904); Praesten (1905); Afilulf den vise (1906); Drifte) A atitude de Bunin ( I 4 : | ). na Rússia, era semelhante,
(1908); Maeker og Mennesker (1909); Den sidste gjaest (18
Brylluppet i Genua (1911); Mot karneval (1915); Snesh não apenas em relação ao camponês primitivo, mas também
brast (1918/1919); Lisabettas broedre (1921); Foraaret i M quanto à civilização moderna que, perdendo as tradições,
polis (1926).
Chr. Gjerloev: Hans Kinck. Oslo, 1923.
Kr. Elster jr.: "Hans Kinck". (In: Moderna norsk Uttn
Oslo. 1926).
D. Lea: Hans Kinck. Oslo, 1941. 143) Cf. "A conversão do naturalismo", nota 50.
B

2896 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2897

perderia o sentido; O Senhor de São Francisco, a aven- E n t r e os contemporâneos, só Conrad se parece um


tura trágica de um materialista meio selvagem na floresta pouco com Gumilov. Os outros tradicionalistas da Euro-
da civilização, é obra de um Kinck russo. O poeta dessa pa oriental são mais simplistas, às vezes grosseiros, defen-
resistência tradicionalista foi Gumilov ( m ) , um dos dendo virtudes e vícios dum feudalismo em agonia. Figura
"akmeístas", simbolistas que aspiravam a uma forma mais interessante é, pelo menos, o romancista húngaro Gárdo-
nyi ( 1 4 5 ), autor de idílios rurais, fazendo evocar em roman-
precisa, mais clássica. Assim como Kusmin, foi Gumilov
ces bastante originais uma época esquecida: a Idade Média
um evasionista, não se internando, porém, em imaginários
da Hungria e o heroísmo dos seus cavaleiros católicos.
jardins do Rococó e palácios de Bizôncio; fêz viagens
Não se compara a êle Ferencz Herczeg, novelista de elo-
reais para mundos exóticos, para a África, fugindo do mun-
gios fáceis à gentry húngara, escritor "ameno" e muito tra-
do bem policiado, buscando a aventura com sucedâneo da
duzido. "Ameno" também é o polonês Weyssenhoff ( 14 *),
guerra. Na poesia, cantou glórias heróicas de séculos pas-
cujo Podfilipski tampouco brilha pela profundidade; mas
sados; na realidade, foi oficial modelar do exército tzaris-
fica como documento da última fase da aristocracia polo-
ta. Não se desmobilizou depois de revolução de 1917; não
nesa. Desse ambiente de aristocratas arruinados que res-
dissimulou o seu credo monarquista — caso raríssimo en-
ponderam à falência com gestos insinceros de revolução pa-
tre os intelectuais russos — e como membro duma conspi- t r i ó t i c a , romântica — desse ambiente saiu Jozef Konrad
ração contra-revolucionária foi fuzilado. Foi um evasio- Korzeniowski, filho de um poeta romântico e neto de um
nista e um reacionário perfeito. Mas a poesia de Gumilov aristocrata revolucionário, fugindo para outros continentes
desmente qualquer explicação simplista. O que o poe- e mares onde ainda havia aventuras, coragem e verdadeira
ta procurava não era a evasão, ao contrário, pretendeu honra: tornar-se-á Joseph Conrad.
sair dum mundo de evasão que sacrificara tudo à utilidade Joseph Conrad ( 147 ) é um solitário no seu tempo e um
e aos objetivos imediatos. No perigo, aquilo que os outros solitário na grande literatura inglesa: o polonês, filho de
procuravam evitar: a oportunidade de revelar compostura,
coragem, sentimento de honra. Era uma figura anacrónica
145) Géza Gárdonyi, 1863-1922.
de romance de cavalaria. A poesia de Gumilov tem a du- A Minha Aldeia (1898); As Estrelas de Eger (1901); O Homem
reza do aço. Os seus versos caem como golpes de espada. Invisível (1902); O Velho Senhor (1905); Os Prisioneiros de
Deus (1908).
Algo na sua fúria bem dissimulada lembra a Rimbaud, tam- L. Szabolszka: Qéza Gárdonyi. Budapest, 1925.
bém pela força evocativa da palavra, atrás da qual se sente 146) Josef Weyssenhoff, 1860-1932.
às vezes um desespero quase orgulhoso. Foi uma alma viril; Vida e Opiniões do Senhor Podfilipski (1898).
M. Piszczkowski: José) Weyssenhoff, poeta da natureza. Wae-
e a mais êle não aspirava.
zawa, 1930.
147) Joseph Conrad (pseudónimo de Josef Teodor Konrad Korbeni-
owski), 1857-1924.
144) Nikolai Stepanovitch Gumilov, 1886-1921. Almayefs Folly (1895); An Outcast of the Islands (1896); The
Nigger of the Narcissus (1897); Tales of Unrest (1898); Lord
Pérolas (1910); Céu Estranho (1912); A Fogueira (1918); Tenda Jim (1900); Youth (1902); Typhoon (1903); Nostromo (1904);
(1921); Coluna de Fogo (1921). The Secret Agent (1907); Under Kyes (1911); The Chance
G. Ivanov: "Sobre a Poesia de Gumilov". (In: Anais da Otua (1914); Victory (1915); The Shadow-Line (1917); Arrow of Gold
Escritores, vol. I. 1921). (1919); The Rescue (1920); The Rover (1923); Suspense (1925).
P. B. Struve: Blok e Gumilov. Paris, 1937. Edição completa: TJniíorm Edition, Dent, London, 1923/1928.
OTTO M A R I A CARPKAUX HISTÓRIA DA LITKHATUHA OCIDENTAL 2899

uma nação que mal conhece o mar, tornou-se marinheiro, is, by the power of the written word to make you hear, to
navegando pelos "seven seas" como capitão de modestos ve- make you feel — it is, before ali, to make you see." Mas
leiros, navegação romântica na qual viu muita gente estra- para quê? Conrad é um escritor muito sério, sério demais
nha em portos longínquos; aposentado antes do tempo, não para satisfazer-se com a apresentação, por mais intensa que
quis que caísse no olvido o que viu e ouviu, e começou seja, do mundo e da vida como teatro de acontecimentos pi-
a escrever romances em língua inglesa, para êle uma lín- torescos. Qualquer interpretação "geográfica" não faz jus
gua estrangeira. Assim, desta maneira extraordinária, nas- ao trabalho penoso, flaubertiano, do escritor que pretendeu
ceu um dos maiores romancistas da literatura que possui os realizar o que depois da sua morte ninguém poderia reali-
maiores romancistas. Embora Conrad seja hoje lidíssimo, zar. Com efeito, tratava-se de fixar o que êle mesmo viu e
nem todos os que o lêem o conhecem. Ainda anda pelo mun- ouviu nos "sete mares" e nos portos sinistros da Malásia.
do a lenda de um Conrad, autor de "excelentes novelas ma- Os dois primeiros romances, Almayer's Folly e An Outcast
rítimas", espécie de literatura infantil de qualidade; até of the Islands, escreveu-os para recordar-se dos europeus
um crítico como George Moore ousou defini-lo como um
malogrados e perdidos que encontrara entre os indígenas
sub-Henry James, perdido nos mares de Stevenson. E
das índias Holandesas. Não tinham desempenhado bem os
muitos só o lêem para divertir-se com as descrições de re-
seus papéis no teatro da vida. A obra-prima, nesse género,
giões e gentes exóticas. É natural, aliás, que uma época de
. é a novela "The Heart of Darkness", o drama da perdição
evasionismo e romances colónias o tivesse compreendido
do europeu Kurtz entre pretos selvagens; o teatro da tra-
assim. Conrad é, realmente, um grande poeta descritivo em
gédia é, esta vez, o centro misterioso do Congo belga. Esse
prosa. As suas tempestades no alto mar são tão impressio-
conceito de "teatro da vida" existe realmente em Conrad,
nantes como as calmarias angustiosas. Conrad nunca apren-
mas não em sentido geográfico. Pensa-se antes no costu-
deu a dominar com segurança absoluta a língua inglesa; m
isso não o impediu de realizar o seu programa — "My ta me dos filósofos estóicos da Antiguidade, de comparar o
mundo a um teatro e a vida do homem a um papel na peça
cósmica. The Nigger of the Narcissur, Lord Jim, Typhoon,
R. Curie: Joseph Conrad, a Study. London. 1914. The Shadow-Line são os maiores dos romances nos quais
R. M. Stauffer: Joseph Conrad, His Romantic Realism. Lon- expôs os seus personagens ao elemento inimigo, ao mar,
don, 1922.
G. J. Aubry: Joseph Conrad, Life and Letters. 2 vols. London, para prová-los, examinar-lhes a conduta. O mar aparece
1927. tão grande, tão demoníaco, nas obras de Conrad, tanto para
R. L. Mégroz: Joseph Conrad's Mind and Method. London, i
E. Crankshaw: Joseph Conrad. Some Aspects of the Art oj justificar a derrota com para exaltar a "vitória. Daí o apa-
Novel. London, 1936. rente evasionismo: só na extrema insegurança, em face do
J. D. Gordon: Joseph Conrad, the Making of a Novelist. Ca
bridge Mass., 1940. elemento irracional, chega o homem a revelar a sua altura
M. C. Bradbrook: Joseph Conrad, Poland's Eglish Qeniu«. ou a sua fraqueza. São estes os momentos que contam:
ed. Cambridge, 1942.
A. Guerard Jr.: Joseph Conrad. New York, 1948. seja o naufrágio dramático em Lord Jim, seja a calmaria
R. F. Leavls: The Great Tradition. London, 1949. invencível em The Shadow-Line. Como objetivo da sua
N. F. Wright: Romance and Tragedy in Joseph Conrad. Lin
Nebr., 1949. literatura declara Conrad "the perfection of individual con-
VI. Warner: Joseph Conrad. London, 1951. duct", condensando o seu credo na frase: " T h e temporal
E. H. Vlsiak: The Mirror of Conrad. London, 1955.
J. Baines: Joseph Conrad. London, 1960. world rests on a f ew very simple ideas: so simple that they
2900 OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2901

must be es old as the hills. I t rests notably, among others, O mar não é, como se vê, o único elemento hostil;
on the idea of Fidelity." Sem dúvida, aí fala o aristocrata nem a anarquia. A vida inteira é uma floresta como aquela
polonês; mas tinha comprendido e definido melhor, em que devorou, em "The Heat of Darkneas", a vida de Kurtz,
língua inglesa, os deveres simples e imutáveis de naturezas da qual só notícias incompletas e menos fidedignas che-
nobres do que o inglês Kipling, que ao seu lado parece um garam ao conhecimento do narrador, que não é o próprio
sargento. Trata-se do restabelecimento dos valores aristo- Conrad, mas o capitão Marlow, o "narrador intermediário",
cráticos, num mundo de vulgaridade; e foi por isso que que também aparece no mesmo papel no mais complexo dos
Conrad se tornou marinheiro inglês, e escritor inglês, pres- seus romances, em The Chance. Sua intervenção foi um
tando a maior das homenagens à nação inglesa. dever de honestidade literária. O próprio Conrad, ouvin-
do nos portos da Malásia e nas feitorias do Congo as his-
Deste modo, Conrad, que parece poeta descritivo do
tórias de náufragos e criminosos, nem sempre soube de
mar e de todos os elementos desenfreados, é na verdade um
tudo, devia combinar, adivinhar o resto — não era melhor
moralista, estudando a disciplina das relações humanas. Não
ficar "fiel aos fatos"? Assim, Conrad abandonou a técnica
era romântico. Aquelas "few very simple ideas" são as
do romancista onisciente. Adotou a narração indireta por
normas de conduta aristocrática; mas não são a lei do
meio de vários narradores fictícios dos quais cada um
mundo. Conrad não é um Dom Quixote. Encara com rea-
conhece só uma parte da história total, narrando-a do seu
lismo os fatos — "truth to facts" parecia-lhe a suprema vir-
ponto de vista — H e n r y James ofereceu modelos dessa
tude do romancista. O mundo não é assim com êle sonhara;
técnica difícil; os fatos, em vez de serem narrados con-
e Conrad não pensa em passar sob silêncio essa verdade.
forme a cronologia, revelaram-se na ordem da significação;
E m The Secret Agent e Under Western Eyes — é signi-
mistérios de vidas sinistras, infelizes, infernais e sublimes
ficativa a ausência do mar, nesses romances — opôs às vir-
que sem isso teriam caído no esquecimento. Assim re-
tudes aristocráticas a anarquia moral; também é signifi-
velam-se gradualmente os mistérios em The Chance, exem-
cativo que para tanto se serviu dos recursos novelísticos
plo incomparável dessa técnica. Mas o grande realista
dos russos que êle, admirador incondicional do romance
Conrad não se entrega de todo a nenhuma técnica literária;
francês, detestava. O mar também está ausente, ou, antes,
continua "fiel aos fatos": pois, na verdade, nem todos os
só desempenha função marginal na obra-prima de Conrad
mistérios se revelam. No fundo continua — resíduo do
Nostromo. É mais um romance "exótico" e o maior d<
romantismo do aristocrata polonês — o próprio mistério da
d o s : a república latino-americana de Costaguana é
condição humana, sepultado com algum náufrago fantás-
mundo completo e o romance é o mais altamente organiza-
tico, no fundo do m a r ; e decifrar o ruído das ondas em
do de toda a literatura inglesa, só comparável, nesse i
torno do mistério; isto o romancista inglês, já não onis-
tido, a Madame Bovary e às últimas obras de Thomas M
ciente, deixa ao Deus dos católicos poloneses.
O tema aparente são as revoluções e ditaduras naquelt
mundo fechado e turbulento; o sentido do tema é a opotil- Toda a literatura tradicionalista é uma reação contra
ção entre a anarquia e uma ordem superior; mas o qut o primitivismo que ameaça abolir os últimos restos de no-
porta é o coração do homem; a história é, mais uma v breza no mundo. Os personagens de Conrad desmentem os
da perdição de almas nobres expostas à influência coi i de Baroja e Hamsun. Os espiritualistas opõem a consciên-
tora de elementos hostis. cia da filosofia ocidental aos conceitos vagos dos tolstoia-
2902 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2903

nos e tagorianos. Claudel opõe o dogma da Igreja latina ao inferioridade. Henley era aleijado e Kipling nunca se res-
entusiasmo bárbaro de Whitman e às fantasias coletivistas tabeleceu de um trauma psíquico que sofreu na infância,
do Unanimismo. Mas todos eles estão até certo ponto con- educado longe dos pais por uma parente tirânica. Um ma-
taminados. A s virtudes aristocráticas são, afinal, as vir- licioso acrescentaria: o inventor do "hero-worship" e dou-
tudes de épocas mais primitivas; Claudel é e pretende ser trinário dos imperialistas, Carlyle, era impotente.
um poeta "primitivo" — "ô monde nouveau à mes yeux"; Em Henley ( M 8 ) , aleijado que se perguntou com an-
e ao anti-racionalismo e intuitivismo de Bergson suceder- gústia —
se-á outra psicologia anti-racionalista, abrindo os domí-
nios da inteligência aos monstros do subconsciente. Os " W h a t have I done for you,
tradicionalistas, em vez de vencer o primitivismo, têm de England, my E n g l a n d ? . . ." —
enfrentar novos primitivismos, sempre cada vez mais peri-
/•%
gosos. Em Conrad, tão nobremente leal à Inglaterra, sen-
a poesia patriótica está colorida pelo conhecimento íntimo
te-se a oposição contra o nacionalismo, moral e intelec-
da poesia francesa, quer dizer, da parnasiana. Mas o que é
tualmente primitivo, do imperialista Kipling. Claudel vê-se
excluído do convívio dos outros grandes pós-simbolistas — impassibilidade estóica em francês, ainda cheira a eloquên-
Yeats, George — que não querem submeter-se ao dogma, cia em língua inglesa, como na famosa poesia Invictas:
preferindo inventar dogmas particulares, assumindo o pa-
"I am the master of my fate
pel do poeta primitivo, do vate poético-político, feiticeiro
I am the captain of my soul."
das palavras e profeta da nação — e do nacionalismo. Na
França, aliás, esse "simbolismo mágico" não está repre-
sentado na poesia, depois da aventura de Rimbaud; e isto Esse orgulho, formado pela disciplina da escola inglesa,
talvez se explique pela relação, típica da área de cultura encontrou expressão definitiva numa poesia de New-
francesa, entre uma fase avançadíssima da evolução da bolt ( , 4 9 ) que cada colegial inglês sabe de cor, Clifton
língua literária e uma estrutura económica atrasada. Na Chapei:
língua da clarté não se faz mágica; só a psicanálise, impor-
tada da Europa central, abrirá caminho aos neo-rimbaudia- " . . . To-day and here the fight's begun,
nos e surrealistas. Na França de 1900 e 1910, até o na- Of the great felowship you're free;
cionalismo se apresenta como doutrina positivista. Henceforth the School and you are one,
And what you are, the race shall be."
A literatura imperialista na Inglaterra não é obra de
aristocratas: é obra de jornalistas pequeho-burgueses e do»
"Service-classes", oficiais e funcionários da administração 148) William Ernest Henley, 1849-1903.
colonial. Identificam os interesses da classe com os i A Book of Verse (1888); London Voluntaries (1892); For En-
gland's Sake (1900).
rêsses da nação; estão apaixonados pelo ideal "heróic L. C. Cornford: W. E. Henley. London, 1913.
quer dizer, do imperialismo, porque lhes falta oportuni'* J. H. Buckley: William Ernest Henley. Prlnceton, 1945.
J. Connell: William Ernest Henley. London, 1949.
ou até, em certo casos, capacidade para desempenhar o
149) Henry John Newbolt, 1862-1938.
pel de heróis; trata-se de "compensações" de complexo» Admirais AU (1897); Poems New and Old (1912).
2001 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2905
Newbolt passava pelo grande poeta da "Admiralty"; até tições sonolentas, clubes e ténis, desprezo dos natives, às
aparecer o poeta dos Seven seas, em que o orgulho da raça vezes uma aventura amorosa ou uma expedição primitiva,
e a disciplina da escola se juntaram às experiências coló- e, às vezes, a febre amarela e o bilhete de pêsames do coman-
nias para produzir o rude cântico do Império britânico. dante à mãe na Inglaterra longínqua — "But that is ano-
Kipling ( 150 ) parece apresentar-se como num auto-re- ther story", assim terminam muitos dos contos de Kipling;
trato num poema do volume Barrack-Room Ballads, que mas com essas palavras quase já começa o conto seguinte, e
imortalizou Tommy, o soldado inglês em serviço nas co- todos eles em conjunto são a epopeia fragmentária do in-
lónias : glês colonial. E deste modo, um grande repórter, observa-
dor agudo dos fatos sem muita penetração psicológica, tor-
"My name is 0'Kelly, IVe heard the Revelly nou-se o poeta do Império britânico. Kipling é, no entan-
From Birr to Barelly, from Leeds to Lahore, to, um grande artista, se bem que instintivo. Na arte de
Hong-Kong and Peshawur, construir um conto é igual a Maupassant; e o cinismo lem-
Lucknow and Etawah, bra mais de uma vez a Mérimée. Kipling é artista; mas
And fifty-five more ali endin' in ' p o r e . . . " nos contos não é poeta. Os Jungle Books, nos quais pre-
tendeu transfigurar o seu "criticisme of life" (para falar
com Arnold), podem ser- os seus livros mais lidos, mais
Nestes versos está todo Kipling: o anglo-indiano, nascido
apreciados, mais admirados — não é certo se o merecem.
mesmo na í n d i a ; os soldados e funcionários vulgares entre
É literatura infantil, sem que professores conscientes pu-
as maravilhas de Mil e Uma Noites; e o ritmo irresistível.
dessem aprovar "a moral" das histórias. Kipling era "he-
Esse ritmo é o elemento que dá significação poética às Bar-
róico" a seu modo. O seu ideal era a disciplina do exército
rack-Room Ballads, que, de resto, não seriam muito poéti-
colonial, que garante o domínio da raça superior dos ingle-
cas; pelo ritmo, os songs dos seus Tommies tomaram-se
ses. "Loyalty" é o seu lema, bem diferente da "Fidelity",
cantos nacionais dos ingleses dispersados nos Seven Seas
de Conrad: certa brutalidade que se julga heróica. É o feu-
para governar o mundo. São os mesmos, em todas as coló-
dalismo das classes médias, o futuro fascismo. Os Sahibs e
nias, e é sempre a mesma vida: pequenas guarnições, repar-
Tommies só sabiam e talvez só pudessem agir assim; Ki-
pling, o repórter, tinha que justificar a sua existência de
meio intelectual entre aqueles homens de ação. E, justi-
150) Rudyard Kipling, 1865-1936. ficado pela sua arte e pelo imenso sucesso dela, Kipling
Plain Tales from the Hills (1888); Soldiers Three (1888), In julgou-se profeta da raça e do Império. Com os Jungle
Black anã White (188); The Phantom Rickshaw (188); Ban
Room Ballads (1862); The Jungle Book (1894); The Seven Books pretendeu contribuir ao restabelecimento das virtu-
(1896); Stalky & Co. (1899); Kim (1901); The Five Nations (1903); des que criaram o domínio inglês sobre os sete mares, e no
Puck of Book's Hill (1906) etc., etc.
Edição: Burwash Edition, 28 vols., New York, 1941. Recessional levantou a voz autenticamente profética para
J. L. Palmer: Rudyard Kipling. Paris, 1929. advertir:
E. Shanks: "The Rudyard Kipling That Nobody Read". (In: The
Wound and the Bóio. 6.ft ed. Cambridge Mass., 1941.
T. S. Eliot: Prefácio da Choice of Kipltng's Verse. Lon.
H. Brown: Kipling, a New Appreciation. London, 1945.
Ch. Carrington: Rudyard Kipling, his Life and Wori "Lo, ali our pomp of yesterday
1955. Is one with Nineveh and T y r e !
2906 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2907

J u d g e of the Nations, spare us yet, sófica do modernismo católico, quer dizer, do catolicismo
Lest we forget, lest we forget!" transigente com o "equilíbrio". Por outro lado, o pragma-
tismo é a forma especificamente americana do positivismo.
Kipling impõe-se à sua época pela atitude de "professeur Como norma de "agir como se fosse a s s i m . . . " , tornar-se-á
d'énergie" e pela arte que tem toda a frescura do "plein nos Estados Unidos, com Dewey, a filosofia da democra-
air". Será sempre lido; alguns dos seus versos, alguns dos cia progressista. Mas o mesmo pragmatismo e a mesma
seus contos figurarão sempre entre as obras-primas dessa norma de agir poderá prestar serviços semelhantes aos na-
grande literatura inglesa que sobreviverá, conforme Ma- cionalistas franceses: fornece-lhes recursos filosóficos para
caulay, ao Império inglês, ao poder inglês e à própria ilha superar o nacionalismo instintivo da raça. O espírito fran-
inglesa. No caso de Kipling, porém, considerando-se bem cês exige mesmo a sistematização de ideias sentimentalmen-
o conteúdo moral da sua doutrina e a garantia de liberdade te descoordenadas. Sob os auspícios do positivismo reu-
que aquele poder representa para o mundo inteiro, será nir-se-ão elementos do catolicismo, contaminados pelo prag-
preferível sobreviver a ilha. matismo, e aqueles elementos racistas. Eis o caminho do
Em Kipling, coexistem ideias confusas de "raça supe- neonacionalismo tradicionalista na França, de Barres a
rior", "eleição dos anglo-saxões por Deus", o Império como Maurras.
"burden of the white man"; é um racismo primitivo de "a O neonacionalismo francês — apelido que lhe convém
few very simple ideas", sem a nobreza moral de Conrad e para distingui-lo do nacionalismo democrático dos jacobi-
sem possibilidade de sistematização; o empirismo inglês até nos — tem uma pré-história interessante ( , B 2 ) ; apenas, os
impede isso, assim com as leis inglesas continuam sem co- "pré-historiadores" não deram a atenção devida à distinção
dificação. J á é algo mais forte a base doutrinária do im- entre raízes "racistas" e raízes institucionalistas, "científi-
perialismo norte-americano, da era do presidente Theodore cas". As mais das vezes, é Rivarol apontado como o pri-
Roosevelt. Nota-se que o grande filósofo dessa era é W i l - meiro e mais importante dos precursores, o primeiro inte-
liam James ( m ) , cujo otimismo ativista "quand même" é lectual francês depois dos enciclopedistas que assumiu uma
um reflexo da mentalidade dos pioneiros-democratas, já atitude contra as ideias revolucionárias. O outro precur-
transformados em capitalistas e conquistadores de mono- sor seria De Maistre, não do próprio nacionalismo, mas do
pólios. Como teoria do comportamento, o pragmatismo de tradicionalismo, porque baseou a doutrina da contra-revolu-
James revela analogias significativas com o espiritualismo ção nos ensinamentos da Igreja, que é universal. A teoria
de Bergson; James e Bergson eram os filósofos da bur- política de Rivarol pertence ao grupo das doutrinas con-
guesia do "equilíbrio" — da qual o irmão, Henry James, servadoras, do topo daquela de Burke, teorias do solo e da
é o romancista — e os dois juntos forneceram a base filo- raça com bases da constituição política e da evolução cons-

151) William James, 1842-1910. 152) H. Platz: Geistige Kaempfe im modernen Frankreich. Muen-
Principies of Psychology (1890); Varieties of Religious Exp chen, 1922.
(1902); Pragmatism (1907). W. Frank: Nationalismus und Demokratie im Frankreich der
M. Le Breton: La personnalité de W. James. Paris, 1928. dritten Republik. Hamburg, 1933.
R. B. Perry: The Thought and Character of William .'• A. V. Roche: Les idées traditionnalistes en France, de Rivarol
2 vols. Boston, 1935. à Charles Maurras. Urbana, 1937.
«»

2908 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA Lm-: NATURA OCIDENTAL 2909

titucional, excluindo-se as intervenções racionalistas grega; demonstrando que a vida da "Cidade" se nutre de
e violentas, as revoluções. A doutrina nacionalista de Bar- tradições espirituais e desaparece com elas; é nova adver-
res é da mesma estirpe. De Maistre, porém, procurava um tência aos intelectuais. As "instituições gregas" de Fustel
sistema filosófico que garantisse as instituições contra o de Coulanges correspondem as "instituições francesas" de
arbítrio humano, e não encontrou sistema mais seguro do Taine ( K , i ) : o mal está nas próprias Origines de la France
que a lei divina. A pré-história do neonacionalismo francês contemporaine. A teoria de Rivarol-Burke sobre o solo e
consiste nas fases consecutivas da combinação desses dois a raça como fundamentos da evolução política tranforma-se
pensamentos, até a adoção do nacionalismo "racista" pelo pelos estudos de Taine em fórmula científica, em meso-
tradicionalismo institucionalista, no sistema de Maurras. logia; e a conclusão é francamente contra-revolucionária.
A primeira fase da evolução é representada por Augus- Não se compreendeu logo o sentido reacionário da obra de
te Comte. Numa época de liberalismo indiscutido, Comte T a i n e . Bourget ( 1 5 5 ), no Disciple, ainda o denunciou como
reconheceu ( 102 - A ) que a Revolução francesa tinha destruí- corruptor moral da mocidade; só depois do affaire Drey-
do as corporações medievais sem substituí-las pela forma- fus o romancista da aristocracia francesa descobrirá a har-
ção de outros agrupamentos sociais. Mas, "on ne détruit monia perfeita entre o seu próprio tradicionalismo e a his-
réellement que ce qu'on remplace." Para estudar a pos- toriografia de T a i n e . Até aí, a evolução não produziu, po-
rém, nenhum elemento suspeito de irracionalismo.
sibilidade da organização de novos grupos dentro da so-
ciedade, Comte sugeriu a análise dos agrupamentos sociais Ao comte Melchior de VogUé ( 10 °) ninguém atribuirá
existentes; nasceu assim a sociologia. Doutro lado, aquela o papel de um reformador no reino das ideias. Mas a sua
descoberta implicou a atitude contra-revolucionária de influência era grande. Desde que tinha revelado ao pú-
Comte; foi então que, pela primeira vez no século XIX, um blico francês os mistérios, aliás não muito bem compreen-
grande intelectual francês se tornou contra-revolucionário. didos e interpretados, do romance russo, Vogue passava nos
Acompanha-o Renan (1Ci3), escrevendo depois da catástrofe ambientes literários por místico contaminado pelo espírito
de 1870 a Reforme intellectualle et morale, demonstrando eslavo. Mas foi u m tradicionalista de tradições bem fran-
a possibilidade de um pensador ser radicalmente descrente cesas; nem pode ser considerado reacionário porque tinha
e até anticristão e, no entanto, contra-revolucionário. A t é criticado, no romance Les morts qui parlent, os costumes
aí, o tradicionalismo político permaneceu no terreno das políticos da Terceira República. Embora aristocrata, era
especulações filosóficas e reinvidicações políticas. O proble- republicano moderado; embora católico, era espiritualista
ma muda de aspecto com a Cite antique (1864), de Fustel moderado. Preconizava a República' conservadora, apoiada
de Coulanges ( , 5 S ' A ) , revelando a relação indissolúvel en- nas tradições aristocráticas do exército francês e nos en-
tre a constituição política e o culto religioso da cidade sinamentos da Igreja da França; e detestava sinceramente
a arrogância dos cientistas e cientificistas, que receberam

——————
152A) R. A. Nisbet: "The French Revolutlon and the Rlse of Soclologf
France". (In: American Journal of Sociology. XLIX/2, 1943). 154) Cf. "Do Realismo ao Naturalismo", nota 75.
153) Cf. "O advento da burguesia", nota 33. 155) Cf. "A Conversão do Naturalismo", nota 81.
156) Melchior de Vogtié, 1850-1910.
153A) Cf. "Do Realismo ao Naturalismo", nota 76. Les morts qui parlent (1899); — Le rowwn russe (1886).
2910 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2911

nesse momento um golpe inesperado e terrível: Brunetiè- do general Boulanger; foi figura de primeiro plano na
re ( 157 ) saiu do terreno do tradicionalismo literário para época Dreyfus; d,ep°i s levantou-se como orador parlar
proclamar o tradicionalismo religioso. No dia 1.° de ja- mentar contra a separação de Estado e Igreja. Será o ani-
neiro de 1895, a Revue des Deux Mondes publicou um ar- mador da revanche contra a Alemanha, até chegar o su-
tigo sensacional de Brunetière: "Après une visite au Va- premo dia da sua vida pública, entrando êle, em 1918, com
tican", falando em "bancarrota da ciência" e em indispensa- as tropas francesas na Estrasburgo libertada. A obra imen-
bilidade da religião. A atitude de Brunetière é francamente sa do jornalista Barres acompanhou todos esses aconteci-
pragmatista: sem crer, adota o credo como cimento moral mentos. Boulanger, Panamá e Dreyfus estão fixados para
da sociedade ameaçada, agindo "como se cresse". Como sempre nas Scènes et doctrines da nationalisme. De valor
pragmatistas, "como se Dreyfus fosse culpado", agirão os principalmente documentário são os três romances de
antidreyfusards para "salvar o exército e a nação". Os 'Ténergie nationale". O segundo, L' appel ou soldat, e o
literatos — "naturalisme mort" e o simbolismo irraciona- terceiro, Leurs figures, são obras de um jornalista de alta
lista já poderoso — estão acostumados a ouvir vozes de categoria, grandes reportagens sobre o caso Boulanger e o
clareza duvidosa. Pela primeira vez desde a Revolução, caso Panamá. O primeiro romance do ciclo, Les déracinés,
grande parte dos intelectuais franceses adere à Direita. pretende ser um panorama balzaquiano da Terceira Repú-
E m 1899, fundam a associação "La Patrie Française", e , blica; ainda vale a pena relê-lo. Mas nem François Sturel,
Barres nota no seu diário: "Tous les intellectuels ne sont o provinciano desarraigado em Paris, nem Paul Bouteiller,
pas d'un seul côté". Em breve, serão "de 1'autre côté", e
professor de filosofia que envenena pelas suas doutrinas
o próprio Barres não é o último daqueles aos quais cabe
os alunos, são personagens vivos. São porta-vozes de dis-
o mérito — se é mérito — da grande mudança.
cussões na Câmara dos Deputados e na imprensa. O pres-
Maurice Barres ( 158 ) deixou riquíssimo documentário tígio literário de Barres não foi consequência da sua atua-
daquela época agitada na qual êle mesmo desempenhou pa- ção política; ao contrário, elegeu-se deputado de Paris por-
pel importante: já famoso como escritor, tinha acompanha- que já era escritor de grande prestígio. Mas o romance não
do os casos escandalosos de corrução parlamentar; apoiara, era evidentemente o seu lado forte. Romances também
como jornalista e deputado, a política de golpe do Estado se chamam as três obras que dedicou ao "Culte du moi";
não são mais romances do que Amori et dolori sacrum, Le
Voyage de Sparte ou Greco ou Le Secret de Tolède. São
157) Cf. "O Simbolismo", nota 2. coletâneas de descrições de viagens, ensaios sobre poetas,
158) Maurice Barres, 1862-1923.
Le Culte du moi (Sous Voeil des barbares, 1888; Un homme tt-
bre, 1889; Le Jardin de Berenice, 1891); Vennemi des loís (1892);
Du sang, de la volupté et de la mort (1894); L'appel au soldai,
1900; Leurs figures, 1902); Scènes et doctrines du nationaUsmê E. R. Curtius: Maurice Barres und die geistigen Qrundlagen des
(1902); Amori et dolori sacrum (1903); Au servíce de VAlh franzoesischen Nationalismus. Bon, 1921.
ne (1905); Le Voyage de Sparte (1906); Colette Baudoche (1909): H. Bremond: Maurice Barres. Parte, 1924.
Greco ou Le secret de Tolède (1912); La Colline inspírée (1! J. Dletz: Maurice Barres. Parla, 1927.
La grande pitié des églises de France (1914); Le génie du H. L. Miéville: La pensée de Maurice Barres. Paris, 1934.
(1912); Un jardin sur 1'Oronte (1922) etc, etc; Mes Ctl^^Ê R. Lalou: Maurice Barres. Paris, 1950.
(11 vols., 1929/1938). P. de Bolsdeffre. Barres parmi nour. Paris, 1952.
A. Thibaudet: La vie de Maurice Barres. Parts, 1921. J. M. Domenach: Maurice Barres par lui-même. Paris, 1954.
%.\

2912 OTTO M A R I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2913

pintores, músicos, divagações sobre o amor e o anarquismo. França, aquela que ainda não estava déracinéc pelo espí-
Os nomes de Wagner e Nietzsche voltam sempre. Barres rito cosmopolita de Paris: a província, e particularmente a
está entre a Revue wagnérienne e a revista Décadence. É sua província, a Lorena. Criou o regionalismo. Os frutos
o maior prosador da época do simbolismo; nenhum artista dessa criação não eram dos melhores. Fora da Provença,
do verso sabia descrever uma representação em Bayreuth, que desde Mistral já possuía a sua literatura própria, o re-
um pôr de sol em Toledo, o cheiro de decomposição nos gionalismo só deu romances de folhetim em jornais cleri-
canais noturnos de Veneza assim como os descreveu esse cais e versos de propaganda política. Como literato re-
poeta em prosa. Dizem que reuniu, no seu estilo, o tempe- quintado, Barres não podia aprovar essa subliteratura; como
ramento de Michelet e o colorido de T a i n e . Mas a única homem público, tolerava-a, porque a propaganda regiona-
comparação possível é com Chateaubriand; o estilo de
lista forneceu ao seu diletantismo político trampolins e
Barres não tem menos côr e tem mais música. É o último
uma plataforma. Filho da sua época pragmatista, era capaz
requinte da prosa francesa, mas num género de prosa do
qual nem Montaigne nem La Rochefoucould nem Voltaire de pensar, falar e agir "como s e . . . " . A sua eleição para
teriam gostado. Barres é neo-romântico; é mesmo român- deputado, acontecimento sem consequências na história po-
tico "sans phrase". E se um traço característico do ro- lítica é, no entanto, uma data na história da literatura eu-
mantismo é a beleza do trecho isolado, do verso isolado, ropeia; pela primeira vez, depois do romantismo, um poeta
da frase isolada, em detrimento da construção arquitetô- se torna chefe político. Mas a política de Barres era mis-
nica do conjunto, então se explica o caráter fragmentário tura de arengas apaixonadas e profissões de fé hipócritas.
da obra de Barres, que é uma grande coleção de trechos se< Erigiu-se em defensor da Igreja à qual dedicou a obra-pri-
letos, de peças antológicas. ma da sua eloquência, La grande pitié des églises de Fran-
ce; mas o seu catolicismo de artista sensível e céptico ficou
Os inimigos do romantismo identificam aquela fraq
za construtiva com a "decadência", num sentido amplo, fora do dogma e até fora do culto, enquanto este é mais do
telectual, moral e artístico. Com efeito, as obras de Ba que um belo espetáculo. Barres, grande artista, mas só
forneceriam oportunidade para um estudo completo da artista epidérmico dos sentidos e dos nervos era, em tudo
cadência: sadismo cruel, diletantismo das sensações a~ — diga-se, pragmatista. Não existe "filosofia de Barres".
ticas, simpatia para com tudo que é mórbido, uma curi'_ T u d o é sentimento; e sentimento romântico. Mas esse ro-
dade insaciável, sempre insatisfeita. Mas a inteligên mantismo de Barres nada tem a ver com o romantismo de
de Barres, uma das inteligências mais lúcidas que a Fran H u g o ou do democrata Lamartine. J á algo mais com
já produziu, não ficou contaminada. E, por meio d o outro Lamartine, o da primeira fase, poeta de pro-
inteligência, Barres estava perfeitamente consciente do • víncia. Por mais estranho que pareça, o romantismo
decadentismo e suas consequências; tão consciente quan
de Barres está perto do germânico. Seu "mito" pai-
Taine estava consciente da decadência da França. Cheg
sagístico e racial, resumido no romance La Colline ins-
a identificar o caso pessoal com o caso coletivo. Dcsej
arraigar a si mesmo na França, e arraigar a França nas pirée, chega a ser urna reminiscência do pré-romantismo
tradições. Partindo do cosmopolitismo de Taine, vi ossiânico. Esse nacionalista profissional e germanófobo
pela Alemanha, Espanha, Grécia, para descobrir, i estava profundamente influenciado pelo pensamento ale-

OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2915


2914

mão. Nos seus escritos anti-semitas notaram-se antecipa- Maurras ( l5ft ) não proclamou, como fizera Brunetière,
ções supreendentes do nacional-socialismo; mas será mais a bancarrota da ciência. Ao contrário, propôs aos católicos
e a todos os tradicionalistas a adoção das fórmulas exatas
exato dizer que Barres tirou as últimas conclusões do ar-
do positivismo de Comte; e assim prometeu garantias para
quivelho sentimento racista dos alemães, já antes de os ale-
o "Avenir de 1'Intelligence". Esse panfleto de Maurras é
mães as tirarem. Uma dessas conclusões é a substituição
o mais conciso, mais bem formulado e eficiente dos seus
do "culte du moi", individualista, pelo "culte des morts",
escritos. Na tentativa de uma edição das suas obras com-
nacionalista. Fora das consequências políticas, o "culte des
pletas, Maurras abriu com aquele panfleto antidemocrático
morts" deu aos intelectuais franceses uma nova consciência
o volume principal, intitulado Romantisme et Révolution.
do seu importante papel como intermediários entre o pas-
O título é muito literário, o que não deixa de ser estranho
sado e o futuro. Por isso, os intelectuais, sobretudo os
para uma obra que pretende produzir efeitos políticos.
jovens, aderiram à doutrina nacionalista. Durante duas ge-
Mas é que Maurras aspira a mais do que resultados ime-
rações, Barres era o mestre, o régent espiritual da França. diatos: sente a vocação das análises completas e teses de-
Depois, passado e futuro se tinham separado até já não se finitivas. A democracia, governo da grande massa dos in-
encontrarem nem entenderem; e a memória de Barres co- cultos e imbecis, é o inimigo de Inteligência. Para salvar a
meçou a empalidecer. Hoje, apesar de várias tentativas Inteligência e garantir-lhe o futuro, é preciso definir-lhe
de ressuscitá-lo, já parece voz dum tempo belo e passado o papel na sociedade. Mas isso não é possível enquanto a
para sempre. Mas parecer assim — não será isto uma su- vida pública se rege por sentimentos generosos e utópicos
prema ambição do romantismo? em vez de pensamentos realistas ê realizáveis. A culpa é do
Barres era um mestre de sua época. Mas não um mes- romantismo, esse romantismo generoso e utópico, que fêz
tre incontestado. Além dos inimigos à esquerda, os tinha a revolução de 1848, mãe das barbáries socialistas; que fi-
também à direita. Os espiritualistas bergsonianos rej« zera a revolução de 1830, mãe das corrupções parlamen-
ram o seu racismo; os católicos, o seu pragmatismo tares; que fêz a revolução de 1789, mãe de todas as revo-
entre os intelectuais em geral cresceu, em face da ameaça luções. Não é por acaso que essas três revoluções estão
socialista, o receio de que o passado não pudesse gar.i
o futuro. O tradicionalismo à maneira de Bourget e Bi i
tière era negócio para os medalhões da Revue des D
lt0) Charles Maurras, 1868-1962.
Mondes. Barres ofereceu entusiasmo; mas não tinha Le Chemin du Paradis (1894); Trois ideei politiques (1898): En-
oferecer, apesar do seu abuso do termo, uma doutrina § quête sur la monarchíe (1900); Anthinéa (1901); Les Amants de
Venise (1902); L'Avenir de 1'Intelligence (1905); Le Dilemme
temática, coerente, coisa de que o espírito francês semp de Marc Sangnier (1906); Kiel et Tanger (1913); VEtang de
precisa. De uma doutrina e de um entusiasmo ao me» Berre (1915); Romantisme et Révolution (1922); Le Mystère
d'Vli/sse (1923); Barbárie et Poésie (1925); La Musique intérieure
tempo dispunham, à esquerda de Barres, os inimigo» d (1925) etc.
intelectuais, os sindicalistas de Sorel. E r a preciso op Edição (incompleta), 6 vols. Paris, 1921/1925.
G. Truc: Charles Maurras et son temps. Paris. 1918.
lhes, à direita de Barres, a mesma violência e "un e» A. Thibaudet: Les idées de Charles Maurras. Paris, 1920.
pour diriger le sabre", uma ciência política capaa d t L. Daudet: Charles Maurras et son temps. Paris, 1930.
H. Massis: Maurras et notre temps. 2 vols. Paris, 1952.
futar e vencer a ciência marxista da esquerda. M. Mourre: Charles Maurras. Paris, 1952.
2916 OTTO MARIA CARPEATJX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2917

acompanhadas da abolição gradual do estilo especificamen- via repugnar: a mocidade, o classicismo obsoleto: a Inte-
te francês em literatura e a r t e : do classicismo. O roman- ligência, o culto da Força física; a Igreja, o positivismo
tismo político é obra de estrangeiros ou traidores, franco- ateísta; o exército, a aliança de literatos pretensiosos; e a
maçons, protestantes, j u d e u s ; o romantismo literário é obra burguesia, o pseudo-aristocracismo desses jornalistas que
da mesma gente, encabeçada pelo estrangeiro protestante em 1899 fundaram a Action Française, destinada a tornar-
Rousseau. É a revolta dos "métèques", aliados aos plebeus se poderosíssima na França e conquistar ao pensamento
nacionais contra a classe privilegiada, a aristocracia. Com
francês novas províncias na Bélgica, Itália, Espanha, Amé-
a monarquia, também caiu a instituição da qual a monar-
rica latina e até na América anglo-saxõnica. Maurras é um
quia fora a garantia: a aristocracia, quer dizer, a elite,
fenómeno que vale o trabalho da interpretação.
o próprio conceito de elite — mas sem isso a Inteligência
não tem papel na sociedade nem terá papel no futuro; e O ponto de partida dessa interpretação tem de ser o
a França, país da Inteligência, estará perdida. Como sal- ponto de partida do próprio Maurras: o classicismo. O dou-
var a França, desagregada pela democracia? Restituindo trinador fala muito da Grécia, do nacionalismo de Atenas,
ao país a unidade política; e isto só é possível pela mo- comparando o seu sistema político ao sistema estético que
narquia; com o rei voltam os aristocratas, e seguir-se-á criou a arquitetura do templo grego. Ignora soberamente,
todo o resto. O rei é o centro natural da nação hierarqui- e de propósito, a verdadeira Grécia, substituindo-a por ou-
camente organizada. Por enquanto, porém, o rei está au- - tra, fantástica, irmã de uma Roma não menos fantástica.
sente; e a nação encontra-se na anarquia. Como substituir, O Mediterrâneo, que Maurras considera como a sua grande
provisoriamente, o rei? Substituindo-se a sua sabedoria po- pátria latina, é o mar romano. O Estado unificado e forte
lítica infalível, porque de origem divina, por uma teoria com que sonha, é o Estado do Direito Romano. Mas essa
centífica da política, infalível, também, porque inspirada Roma já não existe; até existe muito menos do que a mo-
nos ensinamentos políticos da Igreja, que sobreviveu às narquia francesa. Então, Maurras identifica a Roma pagã
monarquias e guarda o tesouro das experiências políticas com a Roma cristã dos Papas, descristianizando-a. Rejeita
de todos os séculos. Resulta uma "teoria científica da Fran- a Bíblia dos semitas e até o Evangelho: "Je ne quitterai
ça"; e agora já só é preciso que essa ciência inspire o sa- pas ce cortège savant des conciles, des papes et de tous les
bre, o exército, para, em "action directe", restabelecer a grands hommes de 1'élite moderne pour me fier aux Évan-
monarquia. E a França e a Inteligência estarão salvas. giles de quatre Juifs obscurs." Roma é, para êle, a Norma
imposta aos instintos, o "pouvoir spirituel" que domina a
A lógica rigorosa dessas deduções lembra as lógica» força bruta, enfim: o positivismo, resumido em fórmulas
não aristotélicas que não precisam corresponder a nenhuma simbólicas às quais os teólogos chamam "dogma". "Je suis
realidade; basta quando são coerentes, sem contradições in- catholique, mais athée." O que, para Maurras, importa no
ternas ; ou então, lembra a coerência dos "sistemas" dos pa- catolicismo é a ordem hierárquica que êle gostaria de ver
ranóicos. Se a teoria da Action Française tivesse permane- também estabelecida na sociedade leiga. Nesta "Ordre
cido fantasia de um esquesitão solitário, nem teria sido français", a Inteligência teria o seu lugar garantido; a Igre-
preciso resumi-la. Mas acontece que a mocidade, a In ja teria o seu lugar garantido; o exército e a aristocracia
gência, a Igreja, o exército e a burguesia da França aderi- teriam garantidos os seus lugares privilegiados. T u d o em
ram à doutrina de Maurras, engolindo o muito que lhei d»- estabilidade absoluta, e em torno do rei. Até a burguesia
2918 OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2919

teria o seu lugar garantido; e isto é de grande importância e em favor dos clássicos, verdadeiros crimes de parti-pris.
para compreender esse sistema sociológico de simetria e E assim como o crítico literário, foi o crítico político.
proporções estéticas. Falando com rigor, já não existe Maurras tem o mérito de ter dito à burguesia que um pro-
aristocracia na França contemporânea. O que existe é uma grama político não tem que consistir de exigências, reivin-
burguesia de velho estilo, mais das finanças do que da in- dicações e apelos confusos e sim basear-se numa teoria coe-
dústria, uma espécie de "patriciado", só capaz_.de man- rente. Mas a ideologia que êle propôs era pior do que os
.ter-se numa ordem bem estabelecida, sem grandes terre- seus "crimes" na crítica literária; e engendrou crimes. Tal-
motos políticos ou económicos; e parte dos filhos dessa vez não quisesse saber do Evangelho porque ali se en-
burguesia também está a serviço da Igreja e do exército. É contram as palavras: "Omnis arbor, quae non facit fruc-
uma classe que detesta, antes de tudo, "le mouvement qui tum bonum, excidetur, et in ignem mittetur. Igitur ex
déplace les lignes". A doutrina política dessa classe pa- fructibus eorum cognoscetis eos". Charles Maurras já es-
recer-se-á fatalmente com uma teoria estética do classicis- tava julgado antes de ser julgado.
m o ; e a política estética de Maurras é isso mesmo.
Os frutos não eram bons; mas eram muitos. Nunca
Em certos casos, a crítica literária costuma dizer que um escritor de horizontes tão limitados pelo nacionalismo
este ou aquele poeta é maior na sua prosa do que na sua mais cego conseguiu tanta repercussão universal. Na pró-
poesia. Quanto ao prosador Maurras, o futuro poderia che- pria França, grande parte da Inteligência aderiu realmente
gar a afirmar o contrário. O poeta do Mystère d'Ulysse à Action Française, que deste modo não podia deixar de
e de Musique intérieure, poeta neoclassicista de "École ro- contar numerosos escritores notáveis entre os seus cola-
mane" em estilo hermético e complicado, mas de emoção boradores. Mas muitos deles deviam a fama à publicidade
sincera, não é de primeira ordem, mas um poeta notável. barulhenta e insolente dos "camelots du roi", e o futuro
Por outro lado, ninguém negará a beleza de certos período» terá de fazer revisões implacáveis. Sairá desse julgamento
musicais em Chemin de Par adis e Anthinéa e a concisão melhor do que muitos outros Léon Daudet ( 1 < 0 ), filho do
das fórmulas no "Avenir de 1'Intelligence"; mas a fama romancista realista, êle mesmo romancista naturalista, con-
do prosador Maurras parece um exagero enorme da parte tinuando a escrever, sem arrependimentos, no estilo do sé-
de admiradores exaltados. Não é possível comparar a arte culo que êle injuriou como "estúpido"; era jornalista e
estilística de Maurras com a de Barres. Quanto a repeti- panfletário de verve incomparável e verborragia assom-
ções intermináveis, verborragias nauseabundas, palavrões brosa. Das suas inúmeras obras, nenhuma sobreviverá; a
ordinários ninguém superou jamais o autor do diário artigo sua obra continuará sempre uma mina de vivíssima língua
de fundo da Actíon Française. Esse autor de muitas pági- francesa. O mérito contrário, o da maior serenidade entre
nas nobres não é uma alma nobre. Nem um pensador
fundo. O mundo não deve ideias novas a Charles M
ras; só fórmulas brilhantes de algumas poucas ideias b o m 160) Léon Daudet, 1868-1943.
e numerosas ideias falsas. Maurras inspirou a muita \ Les Mortícoles (1894); Les Primaires (1906); VHérédo (1916);
uma desconfiança saudável contra o romantismo HUM Les Bacchantes (1931); etc; SálotU fi Jornaux (1917); Le stupide
dix-neuvième slècle' (1922); Courrier des Pay-Bas (1928); Paris
sobretudo contra o romantismo francês; e restabelei vécue (1929/1930) etc. etc.
honra do classicismo. Mas cometeu, contra os rói E. Mas: Léon Daudet, son oeuvre. Paris. 1928.
P. Dresse: Léon Daudet vivant. Paris, 1948.

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HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2921
2920 OTTO M A R I A CABPEAUX

os escritores da Action Française, salvará esta página ou testante: aderiu o notável poeta Jacques Bloem ( 1C1 ), pós-
simbolista de forma clássica. Na Inglaterra, a via media
aquele livro de Jacques Bainville (1879/1936), historiador
da Igreja anglicana oferece possibilidades de aproximar-se
da Histoire de trois générations, 1815-1918 (1918) e admi-
do pensamento católico; e Hulme ( 103 ) deu esse passo atra-
rador, um pouco "malgré lui", dos ditadores, mas capaz de vés da filosofia de Bergson, dando a conhecer aos inglês-
certa imparcialidade e de conceber previsões impressionan- ses "the brilliant group of writers connected with L'Action
t e s . Os outros escritores nacionalistas realmente notáveis Française". Hulme, que morreu cedo nos campos de bata-
são quase todos apóstatas da Action Française: Louis Di- lha de Flandres, é uma figura de precursor e semeador de
mier, humanista, autor de Vingt ans d'Action Française ideias. As suas poucas poesias, curtas e precisas assim
(1926), obra cheia de ódio contra o antigo mestre e amigo, como exigiram as suas convicções classicistas, foram di-
vulgadas por seu amigo Ezra Pond, iniciando-se o movi-
análise de profunda penetração psicológica, um grande de-
mento do Imagism, que é por sua vez precursor do mo-
poimento : o crítico Pierre Lasserre, inimigo furioso do Ro-
dernismo poético na Inglaterra e na América anglo-saxô-
mantisme français (1907), vindo a converter-se depois a nica. As ideias de Hulme com respeito a humanismo e cris-
opiniões mais equilibradas; Georges Valois que preten- tianismo, ideias antipelagianas, exerceram forte influência
deu reconciliar a Action Française e o sindicalismo de So- sobre o americano anglicizado T. S. Eliot; e na própria
rel, e acabou fascista "sans phrase". O resto, os que fica- América aquele classicismo anti-romântico encontrou-se
ram fiéis, é uma lástima. A crítica literária caiu das mãos com a atitude parecida do crítico Irving Babbitt, cujo
de Lasserre para o rancoroso Henri Massis; a historiogra- Rousseau and Romanticism (1919) foi um manifesto pole-
fia caiu de Bainville para a elegância de Pierre Gaxotte: e mico: manifesto do "New Humanism", classicista e aspe-
ramente reacionário.
será melhor entregar ao olvido o nome do talentoso e infe-
liz Robert Brasillach, propagandista de todos os fascismos. Em terreno bem preparado pelo positivismo de Teófilo
E n t r e os escritores da Action Française não surgiu nenhum Braga, em Portugal, as ideias de Maurras encontraram um
génio; mas havia, infelizmente, muitos talentos. propagandista valente em António Sardinha ( 1 8 3 ), poeta de
A repercussão internacional foi maior do que se poderia REG.:-l</ .4 ^
supor. Embora a Action Française tenha pretendido r 161) Jacques Bloem, 1887.
zar uma doutrina especificamente latina, também conquis- Het Verlangen (1921); Media vita (1930); De Nederlaag (1936).
tou adeptos entre os povos germânicos e até entre os es- 162) Thomas Ernest Hulme, 1888-1917.
"Complete Works" (edlt. como apêndice de Ripostes de Ezra
lavos católicos, na Polónia, onde Andrzej Niemojewsl Pound; 1912); Speculations (1924).
dramaturgo Adolf Nowaczynski e o crítico Zygmunt W;i M. Roberts: T. E. Hulme. London, 1938.
D. Daiches: "T. E. Hulme and T. 8. Eliot". (In: Poetry and
silewski formaram um grupo de "nacionalistas integrait' the Modem World. 2.» ed. Chicago, 1941).
Através da Bélgica francesa, onde o jornalista Ferntl 163) António Sardinha, 1888-1925.
A Epopeia da Planície (1916); Chuva da Tarde (1923); Era Uma
Neuville se tornou propagandista brilhante das ideia» d Vez Um Menino (1926); O Valor da Raça (1915); Ao Princípio
Maurras, e da Bélgica flamenga, cujo movimento nacl Era o Verbo (1924); Ao Ritmo da Ampulheta (1925); Feira dos
Mitos (1926); Purgatório das Ideias (1929).
lista é todo maurrasiano, chegou a corrente à Holanda J. Amaral: Panorama de la littérature portugaise. Paris, 1949.
2922 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2923
feição parnasiana e panfletário dos mais violentos. Fun- do Barroco, enfim representante literário oficial da Fa-
dou o movimento do "Integralismo" contra-revolucionário lange espanhola, cujo doutrinador, Erneste Giménez Ca-
e católico, com fortes inclinações racistas. Também é de ballero, panfletário vigoroso, é um dos fundadores da
recordar o nome de Hipólito Raposo. No Brasil, os moti- Acción Espanola — o nome diz tudo. A revista do mesmo
vos da repercussão do maurrasianismo eram principalmen- nome foi dirigida por Maeztu ( , 8 °), antigo revolucionário
te literários: literato foi Jackson de Figueiredo, influen- e propagandista da "Hispanidad" no novo mundo.
ciado pelo integralismo português, convertido ao catoli-
A América espanhola não precisava, aliás, da propagan-
cismo; o seu sucessor Tristão de Ataíde, partidário da so-
da da "Hispanidad" para conhecer indiretamente as ideias
ciologia católica, tornou-se mesmo o maior crítico literário
de Maurras; as relações do continente com a Farnça sem-
do modernismo brasileiro. Espírito moderno, Ataíde abriu-
pre foram diretas e estavam, por volta de 1900, intensifi-
se, mais tarde, à influência do catolicismo democrático de
cadas pelo "modernismo" poético. A "filosofia" política
Maritain, mantendo o seu lugar de guia espiritual de parte
na qual se apoiavam muitos ditadores e caudilhos hispa-
considerável da inteligência brasileira.
no-americanos, foi o positivismo, isto é, a base da teoria
A feição especial do catolicismo espanhol pravaleceu de Maurras; e o problema inicial de Maurras, o "avenir
inicialmente sobre a influência francesa, produzindo até de rintelligence", também era problema de importância
um poeta de grande originalidade: o vasco Basterra ( 1 6 4 ), vital para as elites latino-americanas, mantendo-se precaria-
solitário na sua geração, não só pelas convicções políticas mente em ambiente hostil, julgando-se Ariel em luta con-
e religiosas — era aristocrata, católico e panlatino — mas tra a Calibã materialista e democrático.
também pelo estilo, inteiramente alheio às aspirações de
O positivismo foi na América espanhola de 1900 a ideo-
1898. No fundo, era um parnasiano. Mas o seu credo ins-
logia de uma casta dirigente que introduziu economia e
pirou-lhe o entusiasmo grandiloquente pelo qual ultrapas-
técnica modernas sem ceder nada à democracia. Assim,
sou os limites do neoclassicismo, tornando-se poeta neo-
no México, o positivista Gabino Barreda ofereceu a ideo-
barroco; assim construiu a visão grandiosa do mundo lati-
logia a Porfírio Díaz, ditador "científico". Vestígios po-
no, da Venezuela até a Rumânia — tinha servido como di-
sitivistas ainda se encontram na obra do antidemocrata
plomata espanhol nos dois países — com o Vaticano no
peruano Francisco Garcia Calderón ( 167 ) — mas este, fran-
centro e o Escoriai como monumento do imperialismo reli-
cófilo, panlatinista, bergsoniano, já é discípulo de Ro-
gioso. Basterra foi um poeta singular, dificilmente aces-
do ( 1 6 8 ), o filósofo do "modernismo", defensor do Ariel la-
sível, que acabou na loucura. Celebrou-o Eugénio
tinotropical contra o feio Calibã norte-americano. Rodo
D'Ors (1<55), o neoclassicista catalão, depois propagandista
, é o Barres da América espanhola; e nos outros barrèsistas
americanos opera-se lentamente a transição para o maur-
rasianismo. As oligarquias indígenas, defendendo-se con-
164) Ramón de Basterra, 1888-1930.
Los lábios dei monte (1924); Vlrulo, Las Mocedades (1924);
Virulo. Meáiodia (1927).
G. Diaz Plaja: La poesia y el pensamiento de Ramón de Bat~ 166) Cf. nota 97.
terra. Barcelona, 1941. 167) Francisco Garcia Calderón, 1883.
C. A. Areán González: Ramón de Basterra. Madrid. 1962.
Les démocraties latines de VAmérique (1912); La creación de
165) Cf. nota 26. un continente (1913).
2924 OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2925

tra o imperialismo anglo-saxônico e contra a ameaça da sempre; às vezes, nem desdenhou as vantagens do plágio.
revolução social, servem-se da elite afrancesada. É uma Durante muito tempo exibiu a falsa elegância de um Oscar
boa elite, mas em declínio. O estilista dos Idola Fori, o co- Wilde italiano. Mas, em determinado momento, mudou de
lombiano Carlos Arturo T o r r e s ( i e o ) , julgava-se liberal à modelo: substituiu Wilde por Barres. Como o escritor fran-
cês, D'Annunzio elegeu-se deputado, sentando-se na Câma-
maneira inglesa; mas já era bergsoniano, e as suas afirma-
ra na extrema direita, como nacionalista; não lhe custou
ções contra o espírito de revolução dos políticos profissio-
nada, porém, tomar outra vez atitudes de socialista. O úni-
nais antecipam a doutrina contra-revolucionária. O mesmo
co conteúdo da sua ideologia política sempre foi o Poder.
dir-se-ia de dois excelentes estilistas — todos os moder-
Daquela época é o seu forte drama La Gloria, antecipação
nistas o são — da Venezuela, do ensaísta Pedro Emilio
Burpreendente de personagens e acontecimentos do fascis-
Coll e do romancista Manuel Díaz Rodríguez. A aliança
mo. A doutrina é de Nietzsche, embora de um Nietzsche
da reação política com o catolicismo — os contemporâneos
bastante desfigurado. Nietzsche e Wagner são objetos de
de Rodo ainda foram livres-pensadores — já aparece no
discussão, como num romance de Barres, em / / Fuoco, a
scholar peruano Victor Andrés Belaunde. Está então aber- mais desagradável de todas as obras d'annunzianas, explo-
to o campo para a influência da Action Française que é, ração literária da sua aventura amorosa com Eleonora
entre 1910 e 1930, o clima intelectual das elites hispano- Duse — mas justamente em / / Fuoco encontram-se aque-
americanas. Em vez de citar muitos nomes efémeros basta las descrições maravilhosas da Veneza noturna, as mais
lembrar o fascismo do poeta argentino Lugones ( m ) e as belas páginas de prosa que D'Annunzio escreveu compa-
atitudes d'annunzianas do poeta peruano Chocano ( 171 )- A ráveis às de Barres. Em face daquelas atitudes é difícil
influência de D'Annunzio, simbolista da mesma maneira aderir à opinião de Borgese, que não quis negar o verda-
como eram simbolistas os "modernistas" hispano-ameri- deiro "heroísmo" em D'Annunzio; escreveu isso, aliás, em
canos, homem de grandes gestos poético-políticos como 1909, antes das aventuras militares do poeta, que sobrevoará
Barres e fascista mesmo "avant la lettre", é paralela à in- a capital inimiga Viena e conquistará a cidade de F i u m e .
fluência de Barres; e D'Annunzio é, por sua vez, o Barres Borgese talvez quisesse protestar contra a interpretação de
da Itália. D'Annunzio como mero esteticista insincero. A relativa
D'Anunzio ( m ) sempre foi uma natureza "plástica". sinceridade do poeta é dos nervos, ou antes de todos os
Fora carducciano com Carducci e, depois, anticarducciano sentidos —
com os decadentistas afrancesados; celebrando com a mes-
ma volúpia II Piacere e II Trionfo delia Morte. Imitou
"Molto ai mio cuore son care
le cose che odo, que v e g g o . . . " ;

168) Cí. "O Simbolismo", nota 136. foram sinceras as expressões da volúpia embriagada e das
169) Carlos Arturo Torres, 1867-1911. angústias pânicas do exausto; e, encontrando as mesmas
Idola Fori (1910).
paixões e angústias na alma popular da sua terra, D'Annun-
170) Cf. "O Simbolismo", nota 136.
zio tornou-se capaz de escrever, La Figlia di Jorio, o im-
171) Cf. "O Romantismo tíe oposição", nota 95.
pressionante drama poético das superstições nos Abruzos.
172) Cf. "O Simbolismo", nota 72.
2926 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2927

O subtítulo reza: "Tragedia pastorale"; mas nada, nessa "Volantà, Voluttà,


obra, lembra os artifícios da "favola pastorale"; e há nela, Orgoglio, Istinto, quadriga
realmente, algo do espírito da tragédia grega. Então, D'An- Imperiale!" —
nunzio tinha o direito de afirmar:
€ o poeta acabou como se sabe — "no r a g r o n v a m . . . ma
"Le mie parole guarda e passa".
Sono profonde E n t r e os inúmeros poetas e poetastros d'annunzianos
Come le radiei daquela época destaca-se o grande talento verbal de Go-
Terrene..." voni( 1 7 3 ), que, depois de começos esteticistas e decadentis-
tats à maneira dos crepuscolari, encontrou o caminho para
E conseguiu cristalizar o espírito da paisagem italiana — uma poesia luminosa, mediterrânea, d'annunziana sem po-
ses de falsidade. Os seus melhores poemas são os de tris-
teza "crepuscolare", dedicados à pobre vida provinciana;
"Settembre, andiamo. È tempo di migrare.
os mais significativos, porém, seriara os que empregam a
Ora in terra d'Abruzzi i miei pastori nova arte de expressão para cantar a cidade moderna. Go-
lascian gli stazzi e vanno verso il m a r é : voni encaminhara-se para o futurismo. Essa transição do
scendono aU'Adriatico selvaggio d'annunzianismo ao futurismo — tantos outros poetas ita-
che verde è come i pascoli dei monti. lianos da época a realizaram — é significativa: a literatura
Han bevuto profondamente ai fonti italiana, já possuindo um Barres, procura o seu Maurras.
a l p e s t r i . . ." —;
Por uma ironia da história, esse caminho foi aberto
pelo filósofo Benedetto Croce (174)» q u e fora um dos maio-
revivificar o espírito das velhas cidades italianas, como
nestes versos sobre o Campo Santo de P i s a :
173) Corrado Govoni, 1884.
Le Fiale (1903); Armonie in grigio et in silenzio (1903); Poesie
eletriche (1911); Rarefazioni (1915); L'inaugurazione delia pri-
"Ma il tuo segreto è forse tra i due neri mavera (1915); II quaderna dei sogni e delle stelle (1924); II
cipressi nati dal seno glauto magico (1932).
L. Fiumi: Govoni, Ferrara, 1918.
delia m o r t e . . . " 174) Benedetto Croce, 1866-1952.
Estética come scienza delVespressione e linguistica generale (1902);
La filosofia di Giambattista Viço (1911); La Letteratura âella
H ã muitos versos e poemas assim, que o próprio Croce, Nuova Itália (1914/1915); Teoria e storia delia storiografia (1917);
tão hostil ao "diletante de sensações", admira nos qua- Goethe (1919); La poesia di Dante (1921); Poesia e non poesia
(1923): Storia ã'Itália dal 1871 ai 1915 (1928) etc, etc; — La
tro livros das Landi, uma das grandes e permanentes obras Critica (desde 1903).
da poesia do século X X ; prova do fato estranho de que al- Edição completa, 40 vote., Bari, 1945/1950.
F. Flora: Croce. Milano, 1927.
guém pode ser homem e, ao mesmo tempo, poeta autêntico. G. Castellano: Benedetto Croce. 2.â ed. Bari, 1936.
"Corruptio optimi pesima." O último dos quatro livros j A. Gramsci: II materialismo storico e la filosofia di Benedetto
Croce. Roma, 1948.
está invadido pelo histerismo heróico — E. Garin: Cronache di filosofia italiana, 1940-1945. Bari, 1955.
2928 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2929

res adversários do Barres italiano e seria, depois, o maior Croce deu, certa vez, uma regra para se compreender
adversário dos muitos pequenos Maurras italianos. Croce o espírito de um sistema filosófico: para tanto, seria pre-
é, antes de tudo, um grande liberal. Começou combatendo ciso verificar contra quem o filósofo se levantou polemi-
duramente o marxismo, e terminou combatendo duramente camente. Os objetos da polémica de Croce foram o positi-
o fascismo: é no terreno das atividades intelectuais, o maior vismo científico e o liberalismo de feição jurídico-abstra-
adversário dos antiliberalismos do século X X . Croce era ta. Essa polemica de Croce purificou a vida intelectual ita-
espírito enciclopédico: filósofo e historiador, crítico li- liana, afugentando muitos fantasmas. Mas, também, cha-
terário e homem de ação, e o maior conhecedor do passado mou e criou novos. A doutrina crociana da "arte como ex-
e de todas as pedras da sua cidade de Nápoles. Antes de pressão" contribuiu para criar um "expressionismo" desen-
freado e freneticamente subjetivista, precursor imediato do
tudo, era espírito crítico. Não é acaso que se chamava
futurismo; o historicismo de Croce, desvalorizando as abs-
Critica a revista que fundou em 1903, e através da qual
traçÕes do liberalismo, contribuiu para preparar os cami-
exerceu influência incomensurável na Itália. Não há ou-
nhos da violência fascista. Mas o filósofo pastou, depois,
tro exemplo assim, de um homem só remodelar tão comple-
a vida inteira, combatendo seus falsos discípulos e opon-
tamente a vida espiritual de uma nação inteira; chegou-se
do-se com a maior coragem cívica ao fascismo.
a falar em "ditadura do idealismo crociano". De influência
imediata foi, sobretudo, a crítica literária de Croce, revi- As gerações novas, de 1905 e 1910, receberam com en-
são implacável de todos os valores do passado e contempo- tusiasmo os ensinamentos de Croce, que foi durante al-
râneos. Revelou asperamente as fraquezas de Fogazzaro, guns anos o papa filosófico e literário da Itália. Mas não
Pascoli, D'Annunzio. Foi, muitas vezes, injusto. Sobretudo- suportavam as limitações que o mestre — muito velho em
rios últimos anos de sua longa vida demonstrou incompre- comparação com eles — lhes pretendeu impor. Sobretudo
ensão total de toda a poesia moderna, a partir de Baude- o conservantismo de Croce, em matéria de poesia, lhes era
laire. Seu ideal era clássico, goethiano; admirava a poesia insuportável: ao culto de Carducci opuseram o entusiasmo
viril de Carducci. Submeteu todas as obras, inclusive a Di- pela poesia modernista francesa que o mestre detestava.
vina Commedia, e os Canti, de Leopardi, a um processo de Insatisfeitos com o hegelianismo de Croce, descobriram
rigorosa separação dos elemetos poéticos e não poéticos; Bergson, o pragmatismo, o modernismo católico — enfim
toda a civilização europeia moderna da qual os italianos de
a sua dialética hegeliana nem admitiu outro processo crí-
então sabiam pouco. Acabou, enfim, a época algo provin-
tico. Redescobriu o grande e então meio esquecido pre-
ciana do Risorgimento, comparável àr época da Restaura-
cursor da crítica hegeliana na Itália, Francesco De Sanc-
ção espanhola; e a revista Você, em Florença, iniciou um
tis; e redescobriu, atrás dele, o maior filófoso italiano,
movimento de renovação e europeização que já foi muito
Giambattista Viço. A teoria dos ricorsi foi então, por vol»
bem comparado à obra da geração de 1899, na Espanha ( 1 7 0 ).
ta de 1910, de surpreendente atualidade: ideias semelhantet
Você foi fundada em 1908 por um grupo de intelectuais,
foram defendidas por George Sorel, que tinha muitos a<i
na maior parte discípulos de Croce, que no início apoiou
tos no sindicalismo italiano. O próprio Croce manteve, du-
rante anos, correspondência intensa com o teórico do
dicalismo que será o precursor do fascismo.
175) F. Flora: Dal Romanticismo ai Futurismo. 2.» ed. Milano, 1925.
A. Vivlani: Qlubbe rosse. Firenze, 1033.
2930 OTTO MARIA CARPEAUX H I S T Ó R I A DA L I T E R A T U R A O C I D E N T A L 2931

a revista: lá estavam reunidos os críticos Prezzolini, Pa- a l í n g u a p u r a e d e l i c i o s a da s u a c i d a d e c i v i l i z a d í s s i m a , fi-


pini e Borgese, os poetas Soffici e Palazzeschi, o historia- cou sempre " s i t i b o n d o " como o habitante d e u m d e s e r t o
dor Gaetano Salvemini. A alma da revista, durante os sete africano.
anos mais importantes da sua existência, de 1908 a 1915, A g r a n d e d e s c o b e r t a d e Você foi u m e s c r i t o r d e s c o -
foi Prezzolini ( 17fl ), grande animador e europeizador, ape- nhecido ou ignorado, Alfredo Oriani ( m ) , q u e veio d o
sar de convicções cada vez mais nacionalistas que levaram, século X I X , m a s que a época do liberalismo não quisera
enfim, ao fascismo. Os poetas, Soffici, Palazzeschi, já re- admitir na literatura. Era u m provinciano, sofrendo de
presentaram a corrente do modernismo francês. Espírito complexo de inferioridade e graves ressentimentos, esgo-
eminentemente destrutivo era o polemista Papini ( m ) : cha- t a n d o a sua imaginação em romances mal escritos, meio por-
mava sua própria alma "sitibonda come un deserto"; e nografia vulgar, meio análise psicológica penetrante. E n -
assim percorreu, ainda mais furibundo do que "sitibondo", c o n t r o u o s c o n f l i t o s e r e s s e n t i m e n t o s da s u a p r ó p r i a a l m a
todas as filosofias — em Un uomo finito descreveu esse n a a l m a d a I t á l i a , g r a n d e p o t ê n c i a s e m p o d e r real, p o b r e ,
caminho que o levou até à bancarrota espiritual — che- d e r r o t a d a n o s c a m p o s d e b a t a l h a da E t i ó p i a . Concebeu,
gando ao antiintelectualismo mais violento. Tornou-se pro- c o n f o r m e v a g o s c o n h e c i m e n t o s da filosofia d e H e g e l , o
pagandista do imperialismo italiano do "nuevo naziona- i m p e r i a l i s m o m e d i t e r r â n e o c o m o " m i s s ã o h i s t ó r i c a " da
lismo", muito diferente do nacionalismo liberal e demo- I t á l i a m o d e r n a ; e, p a r a s u f o c a r os s o c i a l i s t a s e l i b e r a i s q u e
crático do Risorgimento. Enfim, escapando à falência total, se o p o r i a m a essa m e g a l o m a n i a d i s p e n d i o s a , i n v e n t o u o
converteu-se ao catolicismo. A Storia di Cristo foi um su- c o n c e i t o da " r i v o l t a i d e a l e " , e c a m i n h o u ao E s t a d o t o t a -
cesso internacional, do qual, diziam, o próprio Papini zom- l i t á r i o ; chegou a predizer até os pormenores do fascismo,
bava na intimidade. "Se non è vero, é ben trovato." Esse que venerava, depois, em Oriani — estilista de primeira or-
vanguardista incurável foi sempre um grande mistifica- dem, aliás — o seu profeta e o m a i o r d o s seus escritores.
dor; até seu catolicismo, de cuja sinceridade não se pode O sucesso póstumo de Oriani é sintoma de uma mudança
duvidar, serviu-lhe principalmente de instrumento de na e s t r u t u r a social d a I t á l i a : a b u r g u e s i a l i b e r a l , v e l h o e s -
agressão. Esse florentino, escrevendo com rara perfeição t i l o , é s u b s t i t u í d a pela n o v a b u r g u e s i a i n d u s t r i a l e i m p e -
r i a l i s t a . M a s o n a c i o n a l i s t a M a u r r a s n u n c a foi i m p e r i a l i s -
ta. N ã o e x i s t e u m M a u r r a s i t a l i a n o . D o B a r r e s i t a l i a n o ,
DVAnnunzio, c h e g o u - s e , i m e d i a t a m e n t e , ao i m p e r i a l i s m o d e
176) Giuseppe Prezzolini, 1880. feição t é c n i c a , cuja e x p r e s s ã o l i t e r á r i a s e r á o f u t u r i s m o .
La cultura italiana (com Giovannl Papini; 1905); La teoria
dicalista (1909); Vecchio e nuovo nazionalismo (com G. P;
1915); Benito Mussolini (1925); La vita di Nicolò Machu
florentino (1927) etc.
W. Binni: Giuseppe Prezzolini. Génova, 1938.
177) Giovanni Papini, 1881-1956. 178) Alfredo Oriani, 1852-1909.
II crepuscolo dei filosofi (1906); Un uomo finito (1912); ." No (1881); Fino a Dogali (1889); La lotta politica in Itália
(1892); Gelosia (1894); Vórtice (1899); Olocauato (1902); La Ri-
velli (1913); Cento pagine di poesia (1915); Stroncatu volta ideale (1908) etc.
Uesperiema futurista (1919); La storia di Cristo 119 > Edição das Opera Dmnia por B. Mussolini, 29 vols., Bologna,
e vino (1926); Sant'Agostino (1931) etc. 1923/1931.
N. Moscardelli: Giovanni Papini. Roma, 1923. V. Piccolí: Oriani. Roma, 1929.
E. Palmieri: Giovanni Papini. Firenze, 1923. F. Cardelli: Oriani, to vita e le opere. Bologna, 1939.
2W Orro M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2933

No princípio do século XX, uma vasta literatura de descobrir os criminosos. A sociedade está a salvo. Deste
divulgação de conhecimentos técnicos é acompanhada por modo, Doyle fêz o contrário do que fêz, ao mesmo tempo,
outra literatura de glorificação da técnica, prevendo pro- Wells ( 0 6 1 ), que empregou as "maravilhas da técnica" para
gressos enormes e invenções transcendentais. O modelo ameaçar a ordem social estabelecida, prevendo transfor-
dessa literatura encontrou-se nos "romances de antecipa- mações utópicas pela máquina. Mas Wells nio é um Verne
ção", do francês Jules Verne ( 1 7 °), literatura infantil, in- nem um Doyle, e sim muito mais: um escritor talvez não
génua e simplista, logo superada pelos progressos realiza- de primeira ordem, mas importante em todos os sentidos.
dos. Da combinação, inventada por Verne, entre romance The Time Machine e The Invisible Man foram escritos
técnico e romance de aventuras, surgiu, por um lado, o ro- em competição com Verne e StevenBon; continuam como
mance policial, modernização do "romance gótico", e, por leitura deliciosa, porque Wells é um escritor nato e um
outro lado, o romance das utopias técnicas. Os contos po- grande humorista. Na literatura inglesa não há outro ro-
liciais de Doyle ( I 8 °) são mais do que adaptações engenho- mancista que revele tantas semelhanças com Dickens: Love
sas da "tale of terror" ao ambiente técnico-científico da ci- and Mr. Lewisham e The History of Mr. Polly, nSo sen-
dade moderna. São narrados com o melhor humorismo in- do da ordem das obras de arte transcendentais, alo no en-
glês e eternizam um ambiente: a Londres elegante dos tem- tanto da melhor qualidade do romance inglês tradicional.
pos de Oscar Wilde, teatro de crimes trágicos ou tragicô- Apenas, o criador dessa tradição, Fielding, é um grande
micos. Além de criar um estilo para os repórteres, Doyle aristocrata que zomba do mundo, e Wells um intelectual
criou um personagem de imortalidade tão segura como Don pequeno-burguês, indignado, revoltado e doutrinado pela
Juan ou Dom Quixote. E esse Sherlock Holmes desempe- Fabian Society, zombando da ordem social estabelecida,
nha um papel de significação social, ajudando de maneira contra a qual lançou uma sátira das mais eficientes. Tono-
tão deliciosa a polícia incompetente no esclarecimento de Bungay. Assustou essa sociedade, lançando-lhe profecias
crimes misteriosos. Naqueles anos, os atentados dos anar- de invenções técnicas de consequências revolucionárias,
quistas assustaram a sociedade, revelando a incapacidade prevendo catástrofes cósmicas que são imagens de revolu-
das autoridades de protegê-la contra a revolução latente. ções sociais: o "grand soir" do capitalismo, representado
Sherlock Holmes, porém, sem preconceitos de ordem buro- como "grand soir" do sistema solar. E, assim como a segun-
crática, emprega os requintes da técnica científica para da metade do século XIX realizou os progressos profeti-

179) Jules Verne. 1828-1905. 181) Herbert George Wells, 1866-1946.


Cinq semaines en ballon (1863); Voyage au centre de la The Time Machine (1895); The Invisible Man (1897); The War
(1864); De la Terre à la Lune (1865); Vingt mille Ueuet- of the Worlds (1898); Love and Mr. Lewisham (1900); The First
les mers (1869); Le tour du monde en quatre-vingt jouri Man in the Moon (1901); Kipps (1905); In lhe Days of the
(1872) etc. Comei (1906); Tono-Bungay (1909); The History of Mr. Volly
M. Allotte de la Fuye: Jules Verne, sa vie et son oeuvre. 2.» (1910); The New Machiavelli (1911); The Wife of Sir Isaac
Paris, 1953. Harman (1914); Mr. Brittling Sees It Through (1918); The World
180) Arthur Conan Doyle, 1859-1930. of William Clissold (1926); The Autocracy of Mr. Parham (1930)
The Sing of Four (1889); Adventures of Sherlock Holmes (1891) etc.
Memoirs of Sherlock Holmes (1893); The Hound of the B1 G. Connes: Essai sur la pensée de Wells. Paris, 1926.
villes (1902) etc. Geoífr. H. Wells: Herbert George Wells. London, 1930.
M. Campbell: Sherlock Holmes and Dr. Watson. London, 193Í. V. Brome: Herbert George Wells. London, 1950.
2934 OTTO MARIA CARPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2935
zados por Jules Verne, assim a primeira metade do século blico num ciclo de conferências, que foram publicadas no
XX parece realizar as catástrofes profetizadas por Wells. volume Fabian Essays in Socialism ( , 8 2 ) . Os autores eram
Wells não é um sonhador. Tem as suas convicções políticas Bernard Shaw, Sideney Webb, William Clarke, Sydney
cientificamente fundamentadas; e, na mais ambiciosa das Olivier, Graham Wallas e Annie Besant. No prefácio da
suas obras, The World of William Clissold, empreendeu reedição de 1908 dos Fabian Essays, o primeiro entre eles,
esboçar um vasto panorama do mundo atual, do ponto de Shaw, resumiu o programa: "Em 1885, a Fabian Society
vista de um radical inglês. Desta vez, a sua técnica nove- abandonou, acompanhada dos gritos dos revolucionários, a
lística, ainda muito vitoriana, não chegou a dominar o assun- política das barricadas, para transformar uma derrota he-
to. Mas é duvidoso se Wells aceitaria elogios de ordem li- róica em êxito prosaico. Determinamos, como fim dos nos-
terária. A arte pouco lhe importa. Pretende ser um jor- sos esforços, duas coisas bem definidas: 1) criar uma pro-
nalista eficiente em bases científicas. A eficiência é certa. grama parlamentar para um primeiro-ministro que se con-
A ciência de Wels já está, hoje, antiguada. O que falta, verteria ao socialismo assim como o primeiro-ministro con-
sobretudo, a Wells, é a profundidade do seu próprio pen- servador inglês Peei se convertera ao livre-câmbio; 2) tor-
samento. Acha simples demais as coisas e considera teo- nar tão possível e cómodo para um inglês decente decla-
ricamente revolvidos todos os problemas, de modo que rar-se socialista, como é possível e cómodo declarar-se con-
" T h e World of Mr. W e l l s " seria uma maravilha e não o é, servador ou liberal." Em meio século de trabalho, a Fa-
só porque certos obstáculos teimosos não querem ceder ao bian Society realizou esse programa "decente", quer dizer,
bom-senso inglês de Herbert George Wells. A base da revisionista, reformista. O nome de Marx só aparece oca-
sua técnica novelística vitoriana — Wells já tinha trinta sionalmente nos Fabian Essays; o da Internacional, nunca.
e cinco anos de idade quando a rainha morreu — foi uma Fala-se pouco dos sindicatos e muito da municipalização
fé vitoriana no progresso, um otimismo muito à maneira das "Public Utilities" como medida socialista de primeira
de Dickens, se bem melhor informado. O socialismo de importância; e exatamente assim, essa municipalização
Wells é idealista e revisionista — é da época das reformas será elogiada, quarenta anos depois dos Fabiam Essays, em
sociais do ministério Asquith, do orçamento "revolucioná- The IntelJigent Woman's Cuide to Socialism and Capita-
rio" de 1909, de Lloyd George, e da Fabian Society. lism, daquele mesmo Bernard Shaw.

Em 1881, fundara Henry Hyndman a "Social Democra- Shaw ( 183 ) nasceu no mesmo ano em que nasceu Oscar
tic Federation" que, ressuscitando a tradição revolucioná- W i l d e ; tornou-se socialista, membro da Fabian Society;
ria dos Chartists, assustou a sociedade inglesa. Wil!
Morris era dos primeiros membros, escrevendo canções 182) Fabian: Essays in Socialism (1888).
ameaçadoras para as manifestações públicas. Mas a Ingla- Edição por S. Webb, London, 1920.
E. Pease: History o} the Fabian Society. New York, 1925.
terra não é país de revoluções barulhentas. Um grupo da
intelectuais reuniu-se em 1883 para estudar a doutrina so« 183) George Bernard Shaw, 1856-1950. (Cf. "A Conversão do Natura-
lismo", nota 19).
cialista; e deram ao clube o nome de "Fabian Society", lem- Plays Pleasant and Unpleasant (Widotoer'a Houses; Mrs. War-
brando o romance Fabius, o "que sabia esperar". Jâ ren's Professíon; The Philanderer; Arma and the Man; Cân-
dida; The Man of Destiny; You Never Can Tell; 1898); Three
1885 abandonaram definitivamente a ideia de revolução tM Plays for Puritans ( The DeviVs Disciple; Caesar and Cleópatra;
mada. Elaboraram nova doutrina, apresentando-a ao p f l Captain Brassbounds Conversion; 1901); Man and Superman
(1903); John BuUS Other Island (1907); Major Barbara (1907);
2936 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2937

escreveu para o teatro, adotando a forma dramática de Ibsen. Teatro de Ibsen quer dizer teatro burguês, e isso não
E i s os três fatos essenciais da sua vida literária. Pelo ter- pode ser a forma adequada para representar o pensamento
ceiro fato, pertence Shaw ao naturalismo. Pelo primeiro socialista. Com efeito, Shaw não empregou a forma sem
pertence ao movimento de renovação meio francês, meio ironizá-la; resultaram comédiai de boulevard com muito
céltico, da literatura inglesa vitoriana. Pelo segundo, é espírito satírico contra a sociedade, justamente como nas
escritor do século XX, do qual continua, por enquanto, o comédias de Wilde. Apenas, os personagens de Wilde dia-
dramaturgo mais representado. Da coincidência desses três logam sobre amor, heranças e gravatas, e os de Shaw sobre
prostituição, expropriação dos capitalistas e economia co-
fatos algo contraditórios decorre a insegurança da opi-
letivista. A forma, porém, não deixa de repercutir no con-
nião pública e crítica sobre Shaw: para alguns, é um lu-
teúdo. As peças de Shaw transformam-se em crónicas dia-
esprit, nem sempre muito profundo, sua profissão; para
logadas de um excelente jornalista, e os problemas discuti-
outros, Shaw é um wit, um egoísta espirituoso que fêz do
dos perdem a seriedade. É assim que julga, em geral, a
esprit, nem sempre muito profundo, sua profissão; para
crítica literária na Inglaterra: Shaw, um jornalista espi-
mais outros, é um clássico do teatro moderno; para outros,
rituoso, cuja obra teatral ficou sem responsabilidade dra-
um jornalista hábil, talvez um mistificador. Deste modo,
mática. De outra maneira julga a crítica teatral inglesa:
Shaw continua objeto de discussão. Mas convém assim ao
verifica que Shaw foi um reformador do teatro inglês: an-
autor que nada deseja senão discutir com o seu público. tes de Shaw, o teatro inglês só representava farsas ou dra-
malhões de última categoria; depois de Shaw, o teatro
inglês é a tribuna na qual se discutem os problemas mais
The Doctofs DUemma (1911); Androcles and the Lion (1913); importantes da nação e da época, e isso porque Shaw sabia
Pygmalion (1916); Heartbreak House (1919); Back to Methuse-
lah (1921); Saint Joan (1923); The Apple Cart (1930) etc. — The combinar o sério espírito dramático de Ibsen com os irre-
Quintessence of Ibsenism (1891); The Perfect Wagnerite (1898); sistíveis efeitos cénicos de Wilde. As suas comédias de-
The Intelligent Woman's Guide to Socialism and Capitalism
(1927). sempenham, em nosso tempo, a função que desempenharam
Edição das peças dramáticas pelo autor, 13 vols. London, 1931. as de Molière dizendo altivamente a verdade ao rei e aos
A. Henderson: George Bernard Shaw. New York, 1911. seus aristocratas; dizem a verdade ao capitalista e aos seus
H. C. Duffln: The Quintessence of Bernard Shaw. London, 1920.
E. Shanks: George Bernard Shaw. London, 1924. lacaios. A comédia de Shaw seria grande teatro porque se
M. Ellehange: The Position Bernard Shaw's in European Dra- baseia, como todo grande teatro, num sistema de valores.
ma and Phil080phy. Kjoebenhavn, 1931. Em Shaw aparecem esses valores através da caricatura dos
H. Pearson: George Bernard Shaw. A Full Length Portraít. New
York, 1943. não-valôres da sociedade burguesa. Eis um dos motivos
E. R. Bentley: Bernard Shaw. Norfolk, Conn., 1948. por que Shaw insiste no desmascaramento do heroísmo: na
W. Irvine: The Universe of George Bernard Shaw. New York,
1949. sociedade burguesa não existe nem pode exiBtir heroísmo.
C. E. M. Joad: Shaw. London, 1949. A contrademonstração é o heroísmo autêntico da pessoa que
F. Fuller: George Bernard Shaw, Critic of Western Morale. New sabe libertar-se das convenções sociais — é o caso da Saint
York, 1950. Joan.
D. Mac Carthy: Shaw. London, 1951.
P. Fechter: George Bernard Shaw. Vom 19. zum 20. Jahrhundert.
Muenchen, 1953. Qual é, então, o sistema de valores que Shaw defen-
St. John Ervíne: Bernard Shaw, his Life, Work and Frienúi,
London, 1956. de? Certamente o do socialismo, ao qual êle adaptou a
938 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2939

maior criação do teatro burguês, o drama de Ibsen. Shaw teligência do dramaturgo. Graças a essa inteligência so-
teria criado nada menos do que o teatro do futuro, da so- brevivem peças como Cândida, The Doctor's Dilemma, Saint
ciedade sem classes; mas essa permanência, nem êle mes- Joan; mas, para citar as últimas palavras de Saint Joan:
mo a deseja, satisfeito com as repercussões imediatas da ".. . até quando?"
propaganda dialogada. Shaw não pretende ser mais do que O socialismo otimista de Shaw é uma das grandes cor-
um grande propagandista; e seria absurdo impor-lhe ou- rentes literárias do século XX antes de 1914. Seu roman-
tros critérios. Shaw não é um Shakespeare; e não é pre- cista é o dinamarquês Andersen-Nexoe ( 1 M ) , que criou a
ciso ser Shakespeare para escrever excelentes peças. Se as epopeia, ou, para falar no seu estilo, a saga do proletariado
obras de Shaw nem sempre são bem compreendidas, se o ocidental moderno. Pelle Erobreren (Pelle, o Conquista-
público se diverte em vez de sentir remorsos, a culpa não é dor) é a história do movimento socialista-aindicalista no
do dramaturgo. Ou seria em parte sua? À obra de Shaw princípio do século XX. O herói dessa história, Pelle, é
falta, como à de Wells, uma dimensão em profundidade. realmente um herói: passa por todos os sofrimentos e hu-
Não toma bastante a sério a vida porque é otimista; e nun- milhações da vida proletária para chegar, através de uma
ca havia um grande teatro otimista. Esse otimismo é ine- grande greve, à criação da cooperativa que resolverá, no
rente ao socialismo reformista de 1900 e de 1910, que acredi- seu setor dos sapateiros, a questão social. Tudo, nesse ro-
tava próxima a solução das questões sociais pela munici- mance, é comovente e convincente, menos o desfecho oti-
palização das "Public Utilities". Nesse pormenor, peque- mista em que já não podemos acreditar. O próprio Ander-
no e não sem importância, é Shaw, o socialista "decente", sen-Nexoe parece ter perdido, depois, sua ingénua fé de
um filho da época de antes de 1914. Nota-se que muitas 1910; aderiu ao comunismo. Mas à mentalidade otimista
causas que Shaw defendeu — o wagnerismo, o ibsenismo, deveu o grande sucesso no mundo de antes de 1914. Quem
a emancipação da mulher, o antipuritanismo, o pacifismo escreveria com a mesma mentalidade e no mesmo estilo al-
etc. — perderam a atualidade; mas admite-se que vários guns anos mais tarde, já não encontraria a mesma resso-
nância internacional. Daí o sucesso muito limitado do no-
problemas do próprio Ibsen e de Strindberg também já
rueguês Uppdal ( 184_A ) : seu romance cíclico Dansen gjenom
perderam a atualidade, sem que esse fato lhes diminuísse
o efeito cénico e o valor literário. Foram grandes dra-
maturgos do seu tempo e de todos os tempos. Shaw é ho-
mem da sua época: da transição entre o século XIX e o 184) Martin Andersen-Nexoe, 1869-1954.
século XX. Esse fato fica evidente na sua técnica drama- Pelle Erobreren (1906/1910); Barndommens Kyst (1911); TSnder
Hinlen blaa (1915); Dltte Menneskebarn (1917/1921); Et lille
túrgica. A dramaturgia de 1880 foi realista ou naturalista; Krae (1932); Under aaben Himmel (1935); For lud og koldt
Vanâ (1937); Vejs Ende (1939), etc.
a de 1920 é simbolista à maneira de Strindberg, Tchekov,
0'Neill; alguns críticos acreditam verificar, hoje em dia, M. Nicolalsen: Martin Andersen-Nexoe. KJoebenhavn, 1923.
Sv. Erichsen: Martin Andersen-Nexoe. KJoebenhavn, 1938.
um refluxo do realismo. Mas a dramaturgia de Shaw já W. A. Berendsohn: Martin Andersen-Nexoe. Stockholm. 1948.
não é realista e ainda não é simbolista, nem é, muito me- 184A) Kristofer Uppdal, 1878.
Dansen gjenom skuggeheimen (1911); Roysingfolket (1914);
nos, uma possível síntese: Shaw não acreditava ou não Stiegeren (1919); Kongen (1920); Domkyrhjebbyggaren (1921);
fêz acreditar na realidade dos seus personagens e enredos, Skiftet (1922); Vandringa (1923); Fjellskjeringa (1924); Herdsla
(1924).
mas sem conferir-lhes irrealidade simbólica. Salva-se a in- Kristofer Uppdal. Helsing pa 60-arsdagen. Oslo, 1938.
2940 OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATUBA OCIDENTAL 2941

skuggeheimen (Dança no Mundo das Sombras) é a his- aspectos mais variados. Jensen é natural da Jutlândia, da
tória monumental do movimento socialista na Noruega: terra firme da Dinamarca, e aos camponeses robustos da
epopeia, em dimensões colossais, da vitória e do aburgue- sua terra dedicou os vários volumes dos Himmerlandshis-
samento do proletariado de um país pequeno e próspero. torier (Contos do Himmetland), talvez os melhores contos
A adoção do landsmaal, do dialeto norueguês, pelo escri- rústicos do século. Mas Jensen não é de modo algum um
tor, condenou-lhe a obra a uma repercussão apenas regio- escritor provinciano. Passou grande parte da tua vida em
nal, em violento desacordo com a megalomania esquiso- viagens na América e na Ásia, escreveu sobre paisagens e
frênica, na qual o genial e infeliz criador dessa obra so- gente da Malásia as Eksotiske Noveller (Novelas Exóticas),
çobrou. talvez pouco inferiores a obras semelhantes de Conrad, e
O otimismo social e técnico-científico é bem sintomá- escreveu — a que já é mais surpreendente — alguns ro-
tico da euforia europeia entre 1900 e 1910. Esse credo do- mances policiais de grande estilo sobre a vida norte-ame-
minava sobretudo as nações germânicas às quais coubera ricana moderna, combinando o sensacionalismo e o inte-
o papel principal na industrialização do mundo — ingleses, resse sociológico. Jensen foi. "avant la lcttre", o primeiro
alemães, depois os americanos. No terreno da ficção, o "expressionista": com "realismo mágico" sabe engrande-
tema aparece com frequência na literatura escandinava; cer até o fantástico os seus assuntos realísticos. O roman-
científica e economicamente, os escandinavos participaram ce histórico Kongens Fald (A Queda do Rei), sobre o des-
intensamente da industrialização, sem possibilidades, po- tino trágico do rei Cristiano IV da Dinamarca, já excede o
rém, de participar do poder político internacional — e isso género pela força de transformar o personagem histórico
abriu as perspectivas à ficção. À técnica moderna não se eri- em figura mítica. Jensen até pretende criar mitos. A grande
giu, por enquanto, monumento literário maior do que a obra da sua vida é Den lange Rejse (A Longa Viagem),
trilogia Malm (Minério) do sueco Didring ( 1 S 5 ), epopeia composto dos romances Det tabte Land (A Terra Per-
da construção da estrada de ferro para explorar as minas dida), o siclo Braeen (Montão de Neve), Nornegaest (O
de ferro no extremo norte da Suécia. O estilo dessa obra Hóspede das Normas), Cimbrernes Tog (A Jornada dos
é a exaltação romântica de um assunto estritamente realis- Címbrios), Skibet (O Navio), Christoier Columbus: histó-
ta — união estilística do naturalismo e do simbolismo; e ria mitologizada da humanidade germânica, desde os dias
esse "realismo mágico" — o termo será popular por volta do período glaciário e do homem das cavernas, através das
de 1925 — é o estilo criado pelo dinamarquês Johannes grandes migrações, dos vikings, da Idade Média gótica —
Vilhelm Jensen ( 1 8 0 ). A sua obra é grande e apresenta os até a conquista do Novo Mundo quê Jensen também atri-
bui aos nórdicos. Na América moderna reconhece Jensen

185) Ernst Didring, 1868-1931.


Malm (1914/1919). (1919); Det tabte Land (1919); Cristo)fer Columbus (1921); Cim-
186) Johannes Vilhelm Jensen, 1873-1950. brernes Tog (1922); Ilamlet (1924); Joergine (1926); Dyrenes
Danskere (1896); Himmerlandshistorier I (1898); Kongens Fala Forvandling (1927); Aandens Stadier (1928); Kornmarken (1932);
(1899/1902); Himmerlandshistorier II (1904); Madame t Gudrun (1936) etc.
(1904); Hjulet (1905); Den ny Verden (1907); Mi/tcr 00 O. Oelsted: Johannes Vilhelm Jensen. Kjoebenhavn, 1916. (2.*
(1907); Eksotiske Noveller (1907/1909); Nye Myt> ed.. 1938).
Himmerlandshistorier III (1910); Nordisk Aami H, Fnsch: Johannes VHhelm Jensen. Kjoebenhavn, 1925.
Skioet (1912); Introâuktion til vor Tidsalder (1915); Nornegaett L. Nedergaard: Johannes Vilhelm Jensen. Kjoebenhavn, 1943.
2942 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2943

a realização do sonho gótico de chegar ao céu; o arranha- Fica, porém, o fato: a ideologia da Alemanha racis-
céu seria o sucessor legítimo da torre das catedrais góti- ta nada tem a ver com Maurras; a Alemanha é quase o
cas. £ a raça que realiza esse milagre, Jensen não a en- único país em que a doutrina da Action Française não
contra em nenhuma parte tão pura, tão forte como entre exerceu influência alguma, menos em certos círculos ca-
os camponeses robustos da Jutlândia. As teorias de Jensen tólicos. Poderia ser citado Herman Refele ( 18l> ), antigo mo-
não podem exercer hoje muito fascínio: são fantásticas. dernista, crítico anti-romântico, de vasta cultura e grande
Mas se as literaturas escandinavas não tivessem saído, de- poder de evocação, mas sem repercussão alguma. Uma bur-
pois de Ibsen e Strindberg, da moda internacional, Jensen guesia no velho estilo, que se apoiaria no tradicionalismo
ficaria reconhecido como um dos maiores escritores do pragmatista de Maurras, já não existia na Alemanha, país
século XX. da industrialização mais rápida que jamais se viu. Com a
boa raça e a boa técnica, os alemães esperavam conquistar
Pálido reflexo da "Renascença gótica" de Jensen foi
o m u n d o ; lamentaram muitas vezes a falta de um Kipling
na Alemanha a "Renascença nórdica", proclamada por um
alemão. Em vez disso, lembraram-se sempre de Lang-
circulo de intelectuais provincianos do norte da Alemanha;
behn ( 1 9 0 ), o "Rembrandt-Deutsche", que advertira contra
Blunck ( 187 ) tentou exprimir-lhes o entusiasmo artificial
o artificialismo da civilização alemã, na qual o progresso
em baladas, romances históricos sobre o esplendor medieval
artístico e moral não correspondia aos progressos materiais.
da Hansa, e mais um ciclo de romances pré-históricos; só
Leu-se pouco, naquela época, a obra do sociólogo Ferdi-
o nacional-socialismo foi capaz de considerar grande a obra
nand Toennies, Gemeinschait und Gesellschaft (Comuni-
de Blunck, a ponto de nomeá-lo presidente da organiza-
dade e Sociedade), publicada já em 1887, estabelecendo dis-
ção dos escritores. Blunck seria o poeta do racismo alemão
tinção entre a "Sociedade" como mero conglomerado social
que deve, aliás, a doutrina a um inglês germanizado, H. S.
e a "Comunidade" como estrutura orgânica. A Alemanha
Chamberlain ( 1 8 8 ), genro de Wagner e wagneriano faná-
industrializada era uma sociedade de capitalistas e ope-
tico, discípulo de Gobineau. A sua obra Die Grundlagen
rários, mas não uma comunidade nacional. Daí os grandes
des XIX Jahrhunderts (Os Fundamentos do Século XIX),
progressos técnico-econômicos e a falta de uma civiliza-
escrita com o saber enciclopédico de um diletante e com
ção, o que Langbehn lamentara. É claro que os intelectuais,
grande eloquência, é menos uma filosofia da história do
ligados à burguesia, não quiseram ouvir as propostas dos
que um enorme panfleto anticlerial e anti-semita, fonte
socialistas para modificar essa situação. Mas seria, talvez,
inesgotável de citações para Alfred Rosenberg e seme-
possível remediar de outra maneira, menos revolucionária,
lhantes ideólogos-propagandistas de Hitler.
a organização infeliz da nação? Nauman ( 1 9 1 ), antigo pas-

187) Hans Friedrich Blunck, 1888-1961.


Nordmark (1912); Heinz Hoyer (1919); Berend Fock (1923); 189) Herman Hefele 1885-1932.
Selling Rotkinnsohn (1924); Der Streit mit den Goettern (1926); Die Entsagenden (1919); Das Gesetz der Form (1919); Dante
Der Kampf der Gestirne (1926); Die Geioalt ueber das Feuer (1921) etc.
(1928); Neue Balladen (1931).
O. E H&sse: Hans Friedrich Blunck. Eis Beitrag zur nordischen 190) Cf. "Do Realismo ao Naturalismo", nota 36.
Renaissance. Hamburg. 1932. 191) Friedrich Naumann, 1860-1919.
A. Dreker: Hans Friedrich Blunck. Lupzig, 1934. Arbeiterkatechismus (1888); Was heisst christlich-sozial? (1896);
188) Houston Stewart Chamberlain, 1856-1926. Demokratie und Kaissertum (1900); Mitteleuropa (1915).
Die Grundlagen des XIX. Jahrhunderts. (1899). Th. Heuss: Friedrich Naumann. Berlin, 1935.
<*--,

2944 OTTO MABIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2945

tor protestante, egresso da Igreja oficial porque esta não Chamberlain, Naumann, Max Weber — eis os pensa-
admitu as reformas sociais, fundara a "Associação nacio- dores que proclamaram, de maneiras diferentes; a necessi-
nal-social", partido cristão da esquerda, para "incorporar dade de uma nova base racial, económica e social da civi-
o proletariado ao progresso da nação" e criar deste modo lização alemã. A expressão literária é muito menos im-
uma verdadeira e completa comunidade nacional. Naumann pressionante. O racismo produziu só um Blunck; o primeiro
era uma grande figura e — fenómeno raríssimo na Ale- "nacional-socialismo" só deu a oratória de Naumann. Mas
manha — um grande orador. Mas os seus esforços só contri- pode-se também, citar a "literatura imperialista" de Hans
buíram, involuntariamente, para fomentar o imperialismo, Grim ( 1 9 3 ), que passara muitos anos na colónia então alemã
que foi interpretado como possibilidade de resolver a ques- da África Sul-Ocidental. Em novelas de eitilo duro e al-
tão social na Alemanha; só grandes conquistas poderiam go provinciano, lembrando Raabc, descreveu a vida difícil
melhorar o padrão de vida do operariado alemão. E por dos colonos alemães nos trópicos, antecipando a doutrina
uma ironia trágica da história herdaram os nacional-so- racista e imperialista que o levará a escrever, depois da
cialistas o nome da Associação nacional-social do esquer- guerra, o romance Volk ohne Raum (Nação sem Espaço),
dista sincero Naumann. Só na Alemanha ocidental existia obra de propaganda do nacional-socialismo. Nos contos, é
um resto da burguesia do velho estilo, de descendência Grimm o único escritor não inglês que se aproxima, às
calvinista, e desse grupo saiu o sociólogo Max Weber ( l 9 2 ) , „ vezes, de Kipling. "Novelas coloniais" como as de Grimm
capaz, talvez por isso, de descobrir o laço histórico entre escreveram-se, então, m u i t a t : seduziram mais do que um
o capitalismo e o calvinismo. A obra sociológica de Weber colegial alemão, naqueles anos antes de 1914, a fugir da
nasceu sob a intensa pressão psicológica de uma forte preo- escola e do ambiente policiado para procurar aventuras
cupação com os destinos políticos da Alemanha. Estudan- além do mar — um desses fugitivos, Ernst Juenger, será
do o sistema latifundiário na Roma antiga, Weber pensou mais tarde o chefe do nacionalismo literário. A juventude
na resistência dos latifundiários prussianos contra refor- alemã, antes de 1914, era extremamente inquieta. Preten-
mas sociais; estudando os profetas do Velho Testamento, deu emancipar-se da tutela dos adultos, fundando a associa-
que advertiram contra a idolatria dos reis, Weber pensou ção "Wandervogel" ( 1 0 3 _ A ), na qual os estudantes da classe
na Inteligência alemã, sucumbindo ao poder da centrali- média levaram uma vida livre, de excursões, adorando a
zação burocrática; estudando as relações entre economia "natureza primitiva como fizeram os jovens do "Sturm und
e religião, chegou Weber a descobrir a raiz da separação Drang". O "Wandervogel" foi a escola de formação de
entre Sociedade e Comunidade: à Alemanha do Kaiser fal- muitos futuros nacional-socialistas. Màs nesses círculos agi-
tava o charisma religioso; em vez de um chefe profético, tados também se descobriu o sentido dionisíaco da poesia
só tinha um déspota burocrático. então quase esquecida de Hoelderlin, ao mesmo tempo em

192) Max Weber, 18641920. 193) Hans Grimm, 1876-1960.


Die protestantische Ethik und der Geist des KapitalLwius Q905); Suedafrikanische Novellen (1913); Die Olexvagen Saga (1918);
Aufsaetze zur Religionssoziologie (1921); Wirtschaft und Ge- Volk ohne Raum (1926); Der Richtm tn der Karu (1930).
sellschaft (1922) etc. A. Hofknecht: Hans Grimm. Weltbild und Lcbensgejuehl. Bo-
Mar. Weber: Max Weber, ein LebensbUd. Tuebingen, 1920. chum, 1934.
Chr. Steding: Politik und Wissenschaft bei Max Weber. Bre»- 193A) H. Blueher: Wandervogel. Die Geschichte einer Jugendbewe-
lau, 1932. gung. 6." ed. Jena, 1922.
2946 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2947

que George e os seus discípulos descobriram o clássico " . . . der Leib vergottet und der Gott verleibt."
Hoelderlin. E havia mais outro ponto de contato: o ho-
"Incarnação do deus", "divinização do corpo" — as expres-
mossexualismo, que desempenhou papel grande e funesto no
sões já são de um culto, de um rito. E não se trata de me-
"Wandervogel", tampouco estava desconhecido no "Cír-
nos. O grupo de George fora, até então, um círculo de
culo" de George.
estetas, admirando o grande poeta e todos os grandes poe-
Em 1905, publicando no volume Zeitgenoessische Di
tas capazes de conferir um novo sentido estético à nossa
chter (Poetas Contemporâneos), as suas preciosas traduções
civilização. Agora, tudo mudou: o grupo transformou-se
de Baudelaire, Mallarmé, Verlaine e outros simbolistas,
em "Kreis", "Círculo" com maiúscula, espécie de ordem
Stefan George ( lB4 ) encerrou a fase propriamente simbo-
religiosa; os poetas e literatos "georgianos" agora são diá-
lista da sua vida poética. Desapareceram os preciosismos
musicais, os parques outonais e visões do Oriente e da conos e acólitos, venerando a George com fundador de uma
Antiguidade; a forma dos poemas tornou-se mais rígida; nova religião; os grandes poetas, os magos da palavra, já
a missão de cultura estética dos "Blaettes fuer die Kunst" nào constituem senão um caso especial dos grandes homens,
recebeu novo conteúdo, mais definido, com se fosse men- dos heróis, aos quais se dedica um culto mais do que carly-
sagem religiosa. E George alegou, com efeito, ter recebido liano. Porque são só essas grandes figuras cuja existência
numa revelação divina. Por volta de 1906 morreu em Mu- dá sentido à história. O género humano só existe em fun-
nique um adolescente que estava em relações com George. * ção da existência de um Platão, Dante, Goethe e poucos
O poeta, glorificando-o nos poemas dedicados a "Maxi- outros, aos quais acrescentam o nome de Nietzsche, objeto
min", conseguiu estabelecer uma espécie de culto ao de- de culto especial por êle ter descoberto o novo "hero-
funto que teria sido a encarnação da Beleza — worship" e por ter redescoberto a divindade do corpo hu-
mano, esquecida desde os tempos dos gregos. Os "Blaetter
fuer die Kunst" tiveram uma missão estética: despertar
194) Stefan George, 1868-1933. (Cf. "O Simbolismo", nota 182). o sentido da verdadeira beleza. Agora, a Beleza tornou-se
Hymnen, Pilgerfahrten, Algàbal (1890/1892); Die Buecher der
Hirten und Preisgedichte der Sagen und Saenge und der haengen- carne, "ficando entre nós outros", e a nova tarefa do "Kreis"
den Gaerten (1895); Das Jahr der Seele (1897); Der Teppich des é mais ampla, é religiosa e política. O corpo morto da
Lebens un die Lieder von Traum und Tod (1900); Zeitgenoessische
Dichter (1905); Der siebente Ring (1907); Der Stern des Bundea civilização atual será ressuscitado pela palavra mágica do
(1914); Das Neue Reich (1928). mestre, e então o "Kreis" terá sido o núcleo de um novo
Edição completa. 18 vols., Berlin. 1927/1933.
T. Gundolf: Stefan George. 2.» ed. Berlin, 1921. "Reich", Império da Beleza grega sobre o fundamento da
H. Drahn: Das Werk Stefan George's. Leipzig, 1925. raça germânica. Nunca antes o conceito da "mensagem poé-
W. Koch: Stefan George. Weltbild. Naturbild. Menschenbild.
Halle, 1933. tica" foi tão extremamente levado a sério.
E. Morwitz: Die Dichtung Stefan George"s. Berlin, 1934.
K. Muth: "Stefan George und seine Apotheose durch den Krels". As modificações da poesia de George depois da "re-
(In: Dichtung und Magie. Muenchen, 1936). velação de Maximin" explicam-se pela modificação do ideal
E. Salin: Um Stefan George. Godesberg, 1948. artístico: centro da estética de George fora até então o
E. Jaime: Stefan George und die Weltliteratur. Ulm, 1948.
D. Jost: Stefan George und seine Elite. Eine Studie zur Qet- conceito da melodia como representação da harmonia das
chichte der Eliten. Zuerich, 1949. esferas; agora é o conceito da estátua como representanção
E. K. Bennett: Stefan George. New Haven, 1954.
G. Schneider-Herrmann: Stefan George in seíner Dichtung. Zue- do herói divinizado. A nova poesia de George é classicista,
rich, 1960.
2948 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2949

e isso determina-lhe a posição dentro da literatura euro- " . . . den Mann gebiert
peia moderna: é a poesia mais clássica que se escreveu na Der sprengt die ketten, fegt auf truemmerstaetten
Europa do século XX, com todas as qualidades e defeitos Die ordnung, geisselt die verlaufnen heim
que essa definição inclui. É poesia de precisão absoluta, Ins ewige recht wo grosses wiederum gross ist
mas fria, nada goetheana, com forte tendência para tornar- Herr wiederum herr, zucht wiederum zucht. er
se didática e epigramática, como, sobretudo, no volume heftet
Der siebente Ring (O Sétimo Anel). Versos como — "Des Das wahre sinnbild auf das voelkische banner
sehrs wort ist wenigen gemeinsam...", " W e r je die flamme Er fuehrt durch sturm und grausige signale
u m s c h r i t t . . . " , " W e r schauen durfte bis hinab zum Des fruehrots seiner treuen schar zum werk
Des wachen tags und pflanzt das Neue Reich."
g r u n d . . . " , "Gottes pfad ist uns g e w e i t e t . . . " — são das
criações mais perfeitas da poesia moderna, excluindo pela É uma profecia supreendente, até literal, do nacional-socia-
concisão as possibilidades de tradução; mas nem sempre lismo. Mas, quando este chegou, George negou-lhe obediên-
são modelados conforme o espírito da língua alemã; são cia, retirando-se e morrendo em solidão altiva^A "política"
antes artifícios sutis e requintados, incapazes de exercer de George era a de um esteticista, quer dizer, fatalmente
o poder mágico que a crítica oficial do "Kreis" lhes atri- reacionária. Mas o seu sectarismo esotérico não tinha nada
buiu. Falta-lhes a magia musical de toda grande poesia re- que ver com a demagogia vulgar que lhe roubou citações
ligiosa; aspiram antes à força mágica de fórmulas ocultistas. e símbolos para impressionar os intelectuais. E entre aque-
les versos proféticos havia um que se recitava, depois de
Cada verso lembra o caráter artificial daquela ordem pseu-
1933, só em voz baixa; a profecia do fim da aventura pseu-
do-religiosa. George não é nada místico; do seu modelo
do-heróica, quando "não convirá jubilar, porque não ha-
Hoelderlin distingue-o o olhar firme, sem sonho, sobre as
verá triunfo: apenas muitas derrotas sem dignidade":
realidades desta vida. No volume Der Stern des Bundes (A
Estrela da Companhia), publicado em 1914, pouco antes da "Zu jubeln ziemt nicht. Kein triumph wird sein.
guerra, existem várias alusões a questões sociais e política», Nur viele untergaenge ohne wuerde."
quase sempre pessimistas: a grande arte de George, grande
Também foi um verso profético.
e esotérica, é extremundana; não cabe na realidade. Daí t f
O "Kreis", de George, desempenhava, entre 1900 e 1930,
visões apocalípticas, das quais várias se verificaram I
papel importantíssimo na história intelectual da Alema-
diatamente. Depois, no volume Das Neue Reich (O Novo
nha ( 1 9 5 ). Foi preciso transformar em realidade a magia
Império), George evocou os horrores da guerra, as bu poética; e assim o "simbolismo mágico" tornou-se influên-
lhações da derrota, os "tesouros secretos" da "Alemanha se- cia social. Os discípulos conquistaram sistematicamente os
creta", consolando os vencidos e profetizando-lhes a res- lugares principais nas revistas literárias e em muitas casas
surreição nacional; profetizou o advento do "homem editoras; depois de 1918, conquistaram, agindo como uma
quebrará as cadeias, restabelecerá a Ordem, castigará o
d e s e r t o r e s . . . renovando a disciplina, colocando o tintl*• >i 195) F. Wolters: Stefan George und die Btaetter fuer die Kunst.
Deutsche Gei nchte seit 1890. Berlin. 1911
verdadeiro na bandeira da n a ç ã o . . . " , do "Novo imp» O. Benda: Die Bildung des Dritten Reiches. Wien, 1933.
2950 OTTO MARIA CARPEAUX HisTÓniA DA LITERATURA OCIDENTAL 2951

maçonaria, as cátedras de história literária nas Universida- cionalistas em versos de perfeita forma hoelderliniana. Mas
des alemãs. Exerceram influência imensa no sentido de Bertram não foi coroado "Poet Laureate" do nacional-so-
elevar o nivel da expressão verbal e da crítica, tornando cialismo, que preferiu rimadores vulgares de eficiência pro-
mais digna a vida literária. Depois, foram acusados de te- pagandística. Em geral, pode-se afirmar que com a as-
rem preparado, espiritualmente, o terreno para o nacional- censão de Hitler ao poder, em 1933, o papel do "Kreis"
socialismo, sobretudo entre os estudantes. A acusação não acabou. A maior parte dos "georgianos" preferiu emigrar;
c de todo infundada; mas é preciso distinguir. O círculo os últimos membros do "Kreis", envolvidos na conspiração
dos "Blaetter fuer die Kunst", até 1899, nada tem a ver anti-hitlerista de 20 de julho de 1944, morreram fuzilados
com a questão: os simbolistas vienenses Hofmannsthal e An- ou enforcados.
drian separaram-se logo de George; os outros eram poetas A divulgação relativamente limitada da língua alemã
de segunda e terceira categoria, sem repercussão; o melhor e as dificuldades da tradução reduziram a repercussão in-
entre eles, Karl Wolfskehl, era judeu; e o filósofo do ternacional de George a contatos pessoais; e estes não so-
grupo, Ludwig Klages, anticristão violento, psicólogo nie- breviveram aos conflitos inevitáveis com o mestre into-
tzscheano e místico "órfico", foi solenemente excluído do lerante. Ficou fiel só o polonês Waclaw Rolicz-Lieder, que
"Círculo" por não querer participar do "culto divino" de escreveu em língua alemã, mas não sem influenciar os sim-
Maximin. A verdadeira história do "Kreis" começa em bolistas poloneses, dos quais sobretudo Staff é algo "geor-
1906. A figura principal ao lado de George era Friedrich giano". O amigo mais importante de George no estrangeiro,
Gundolf ( 1 9 0 ), intérprete profundo de Shakespeare, Goethe o holandês Albert Verwey ( , 8 f l ), rompeu as relações quando
e Hoelderlin, interpretados como "figuras" permanentes, George começou a exigir disciplina. Tampouco se manteve
"heróis" no sentido de George. Mas Gundolf era judeu, as- o entendimento com o sueco Ekelund ( l 8 °), poeta clássico
sim como vários outros membros do "Kreis" e justa- que preferiu ao esteticismo de George o de Keats. Sem re-
mente os eruditos mais sólidos entre eles: o his- lações pessoais seguiu o exemplo do "Kreis" o poeta grego
toriador Friedrich Kantorowicz e Berthold Vallentin, Sikelianos ( JB °- A ), cujo classicismo dionisíaco de filho de
o biógrafo de Winckelmann. Os nacional-socialistas uma das ilhas do mar jónico não tem nada de artificial. En-
entre os "georgianos" não eram, na maior parte, membros fim, o eslovaco Zupancic (i»»-B) conseguiu realizar o ideal
do "Kreis", mas apenas simpatizantes, adeptos de fora. É
preciso excetuar Bertran ( m ) , autor de uma importante
biografia de Nietzsche, autor de poesias agressivamente na- 198) Cf. "O Simbolismo", nota 158.
199) Vilhelm Ekelund. 1880-1949.
Melodter i skymning (1902); Elegier (1903); Dithyramber i afton-
glans (1906).
8. Ahlstroem: Vilhelm Ekelund. Stockholm, 1940.
196) Friedrich Gundolf, 1880-1931.
Shakespeare und der deutsche Geist (1911); Hoelderlins Archi- 199A) Angelos Sikelianos. 1884-1951.
pelagtís (1911); Goethe (1916); Stefan George (1920); Heinrich O Visionário d" togo à Vida (1915); Mãe de Deu»
von Kleíst (1922); Caesar. Geschichte seines Ruhmes (1924); Sha- (1917); Consagração (1922).
kespeare (1928) etc. R. Levesque: Sikelianos. Atenas, 1946.
197) Ernst Bertram. 1887-1957. 199B) Oton Zupancic, 1878-1949.
Ged.chte (19311; Nietzsche (1919); Strassburg (1920); Der Rheln Planície (1904); Monólogos (108); Vésperas de São Vito (1920);
(1922); Nornenòuch (1925). A. Cronia: Oton Zupancic. Roma. 1928.
J. Vidmar: Oton Zupancic. LJubljana, 1935. (Em esloveno.)
W. Llnden: Deutsche Dichtung am Rhein. Ratlngen, 1944.
*-••.

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2953


2952 OTTO MABIA CARPEAUX

sov chamara a atenção para o elemento fantástico em Gogol,


"georgiano" de uma poesia nacional, com o poeta no papel
que a tradição crítica sempre considerara como realista.
de líder espiritual da nação; mas, nesse caso, poeta e poesia
Então, Biely descobriu as qualidades musicais e poéticas
servem aos ideais democráticos. Influenciado por George
do estilo de Gogol; e no mesmo estilo escreveu o romance
também foi Balmont ( 20 °), o iniciador do simbolismo russo;
A Pomba de Prata, história de um intelectual moderno que
e através de Balmont chegaram influências de George até
se entrega às orgias místicas e sexuais de uma seita de cam-
Biely ( 2 0 1 ), um dos poetas russos mais originais. As in-
poneses russos. Foi como o símbolo das consequências do
fluências diretas de George sobre Biely podem ter sido
exacionismo decadentista. Biely voltou-se para a realidade
insignificantes; as coincidências seriam tanto mais impor-
social: no romance Petersburgo descreveu os dias de ter-
tantes para compreender a significação do "simbolismo má-
rorismo da revolução de 1905. Mas já não era bem capaz de
gico". Biely principiou com os quatro volumes de Sinfo-
distinguir entre realidade e alucinação. A sua Petersburgo,
nias, poesia em prosa — o título lembra a Valle Inclán, e
como a de Gogol, é a "cidade artificial, construída por
como este será Biely um místico herético, embora sem o
Pedro, o Grande, nos pântanos", e quiçá não foi realmente
cinismo boémio do poeta galego. A forma é, antes, a do
construída e tudo seria só uma visão dos intelectuais "pe-
George do tempo do preciosismo, e, assim como George,
trinos" — e com efeito a Petersburgo de Biely, com os
Biely também tende a libertar-se dessa herança francesa
seus palácios e igrejas, casa e ruas, grâo-duques, revolu-
do simbolismo, aspirando a um classicismo quase grego; e
cionários, cúpulas bisantinas e bombas de dinamite só é
enfim encontrar-se-á com Viatcheslav Ivanov, cuja poesia
uma alucinação do herói, incapaz de realizar o ato revo-
classicista e erudita é o que a literatura russa possui do
lucionário que o poria em comunicação com a realidade.
mais "georgiano". Mas Biely foi só poeta experimental.
Biely aplicou o mesmo processo novelístico à sua autobio-
A sua poesia é preparação e prelúdio da sua prosa. Na
grafia romanceada Kotik Letaiev, cujas recordações de in-
poesia fêz a tentativa esquisita de traduzir a filosofia mís-
fância lembram visões proustianas. Biely tinha perdido o
tica do seu primeiro mestre Soloviev em expressões de
contato com a realidade dos outros. Recuperou-o ou, antes,
propósito coloquiais, como se fosse poeta naturalista. Logo,
pretendeu recuperá-lo, submetendo-se ao dogma. Mas não
porém, descobriu um meio de realizar melhor em prosa a
podia ser o dogma da Igreja, nem sequer na interpretação
combinação do simbolismo com o naturalismo. Na ocasião
mística de Soloviev. Devia ser uma nova religião, e Biely
do centenário de Gogol, em 1909, o poeta simbolista Brius-
encontrou-a na Suíça, em Dornach, no santuário do teósofo
Rudolf Steiner, cuja Ordem pseudo-religiosa é um pen-
dam ocultista do "Kreis" de George.
200) Cf. "O Simbolismo", nota 56.
201) Andrei Biely (Pseudónimo de Borls Nlkolaievitch Bugaiev). 1880- A procura de uma nova religião, em George e Biely, é
1934. tanto mais estranha que os dois poetas se orgulhavam de
Sintonia (1902); Ouro no Azul (1904); Sinfonia nórdica (1904);
A Volta (1904); Cima (1908); A Urna (1909): A Pomba de prata descender de grandes tradições religiosas: George, da tra-
(1910); Petersburgo (19161: Kotik Letaiev (1922); Recordacõe» dição católica da Alemanha ocidental; Biely, da tradição
sobre A. A. Blok (19231; Moscou (1926).
R. V. Ivanov-Razumnik: "Andrei Biely". (In: A Literatura russo bizantina da Igreja russa. Duas tradições de fé sacramen-
no século XX. edit. por S A. Vengerov. vol. III. Moscou, 1816). tal, do "opus operatum". O que afastou esses dois poetas —
V. Chklovski: Teoria da Prosa. Moscou, 1925. (Em russo).
O. A. Ma«lenikov: The Frenzied Poets. Andrei Biely and thê e não só esses — da tradição ortodoxa, é a ligação, na Igre-
Russian Symbolists. New York, 1952.
2954 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2955

ja, da fé sacramental a um dogma em que já não eram capa- Puritan, testemunho de profunda aversão contra o purita-
zes de acreditar. Pretendiam usar, na poesia e na vida, a nismo, mas também contra a democracia: Uma filosofia es-
força transformadora do sacramento sem se submeter ao senciamente estética não pode chegar senão a essa conclu-
dogma — mas isto se chama magia. Evidentemente, não é são. A filosofia essencialmente estética de Croce também
magia no sentido antes primitivo da palavra, embora Biely forneceu a tantos discípulos seus argumentos antidemo-
e Yeats tivessem realmente aderido ao ocultismo. É uma crático, que o filósofo napolitano combateu, depois, com
magia moderna, com base filosófica, que pode ser definida todo o vigor do seu liberalismo profundamente enraizado.
como combinação de teoria platónica e atitude pragmatista, Atrás do ex-espanhol Santayana n i o está nenhuma tradi-
O primeiro decénio do século XX viu mesmo um eminente ção liberal assim. Na sua última obra, Dominations and
filósofo platônico-pragmatista, Santayana ( 2 0 2 ) : platónico Powers, fêz profissão de fé francamente antidemocrática,
pelo esteticismo e progmatista na ética. Santayana escre- senão fascista.
veu belos sonetos parnasianos. Mas é poeta sobretudo em O crítico americano Van Meter Ames, estudando o
sua prosa, às vezes romanticamente evocativa, outras vezes "aesthetic way of life" de Santayana, comparou-o, com
epigramàticamente espirituosa. É um esteta. Sua filosofia muita felicidade, ao esteticismo de Proust. A aproximação
pode ser um cepticismo antimetafísico; mas esse descrente tem o valor de uma indicação histórica. Ainda não está es-
não deixa de sentir saudades do "belo" catolicismo dos seus quecida a discussão, há poucos anos, entre os críticos oci-
antepassados espanhóis. Seus alunos na Universidade de dentais e, por outro lado, os escritores soviéticos, que pre-
Harvard costumavam dizer que "Santayana não acredita em tenderam ter encontrado sentido politicamente reacioná-
Deus, mas acredita que Nossa Senhora é a mãe Dele". Êle rio na obra de Proust ( 2 0 2 " A ). Essa discussão confirma que
mesmo poderia, como Maurras, chamar-se "catholique, mais Proust, homem do mundo de antes de 1914, pertence ao
athée". Natural da Espanha, crescido e formado nos Esta- ambiente literário do "simbolismo mágico", cujos repre-
dos Unidos, Santayana não podia deixar de incompatibili- sentantes — Rilke e Yeats, Valéry e D'Annunzio, George
zar-se, enfim, com o ambiente norte-americano; o documen- e Blok — foram quase todos denunciados como reacioná-
to dessa incompatibilidade é seu único romance, The Last rios, ou, então, defendidos contra essa acusação ( 2 0 3 ). Hoje,
essa discussão já perdeu muito em atualidade. Valéry foi
niilista, mas não reacionário. O caso político de D'Annunzio
202) George Santayana, 1863-1952. foi reconhecido como incidente de significação efémera.
The Sense o) Beauty (1896); The Life of Reason (1905/1906); Three George foi justificado pelo destino posterior do seu "Cír-
Philosophical Poets (1910); Soliloquies in England and Later So-
liloquies (1922); Scepticism and Animal Faith (1923); Dialogue* culo". Da poesia de Rilke será difícil tirar conclusões de
in Limbo (1925); The Realm of Essence (1927); The Realm of significação social. Com respeito a Proust, a própria crí-
Matter (1930); The Genteel Tradition at Bay (1931); Põem» tica comunista já parece ter recuado. Fica o caso de Yeats:
(1933); The Last Puritan (1936); Obiter Scripta (1936); The
Realm of Truth (1938); The Realm of Spirit (1940); Domina- sua obra é a mais rica da época pós-simbolista; e Yeats
tions and Powers (1951).
Edlçáo pelo autor, 14 vols., New York, 1936/1937.
V. M. Ames: Proust and Santayana. The Aesthetic Way of Life. 202A) Cl. nota 214.
Chicago, 1937.
O. W. Howgate: George Santayana. London, 1938. 203) M. Raymond: De Baudelaire au Surrealismo. 2.' ed. Paris, 1940.
W. E. Annett: Santayana and the Sense of Beauty. Indianapo- E. Wilson: AxeVs Castle. 2.» ed. New York, 1943.
Us, 1656. C. M. Bowra: The Heritage of Symbolism. London, 1943.
OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2957
2956
foi, realmente, na fase poeticamente mais significativa da decadentes, intensamente românticas, de sua primeira fase
sua vida, politico reacionário, chegando a simpatizar com o irlandesa. Mas é preciso admitir que seu decadentismo es-
fascismo. pecificamente irlandês contribuiu para tornar-lhe a poesia
pessoal, diferente; um caminho para sair do conformismo
Yeats ( 2 0 4 ), tendo passado pelas influências do folclore
da poesia vitoriana. Chamaram a isso "simbolismo"; mas
irlandês, da teosofia de Blake e Swedenborg, das elegân-
Yeats foi o único que sentiu a contradição insustentável
cias da Londres decadente de 1890, da poesia de Baudelai-
entre uma poesia pessoal, a que todos aspiravam, e uma poe-
re, Mallarmé, Verlaine, Maeterlinck, já não era por volta
sia simbolista — porque não podem ter validade geral símbo-
de 1900 o simbolista "sans phrase" da sua mocidade — era
los de invenção pessoal e significação apenas particular.
o mais rico, o mais completo dos poetas modernos de lín-
Símbolos autênticos só existem em função de crenças ge-
gua inglesa. Mas, mesmo então, ninguém podia adivinhar
rais, públicas, das quais são expressões permanentes. Por
as evoluções posteriores do Man Who Dreamed of Faer-
isso, todo católico medieval compreendeu os símbolos de
ryland: de todos os poetas ingleses de todos os tempos, ne-
Dante, enquanto os de Mallarmé constituem propriedade
nhum possuía tanto poder de transformar-se permanente-
particular apenas de um grupo; dos admiradores e estu-
mente. A crítica despreza hoje as poesias folcloristas e
diosos de sua poesia. Para o próprio Mallarmé, o proble-
ma não existia: os seus chamados "símbolos" são alusões
associativas de conteúdo emocional; o hermetismo da ex-
204) William Butler Yeats, 1865-1939. (Cf. "O Simbolismo", nota 93). pressão garante que se trate realmente de poesia pessoal.
Poesia: The Wanderings of Oisin (1893); The Rose (1893); Poems Yeats, porém, fazendo poesia pessoal, pretendeu ser com-
(1895); The Wind Among the Reeds (1899); In the Seven Woods
(1903); Poems (1906); The Green Helmet and Other Poema preendido. É poeta do século XX e já não do fim do sé-
(1910); Poems Written in Discouragement (1913); Responsibíli- culo XIX, em que a poesia era considerada luxo de inicia-
ties (1914); Easten (1916); The Wild Swans at Coole (1917); Afi-
chael Robartes and the Dancer (1920); Later Poems (1922);
The Cat and the Moon (1924); The Lake Isle of Innisfree (1924);
October B.ast (1927); The Tower (1928); The Winding Stair
(1929); Wotds for Music Perhaps (1932); The Winding Stair and 2.» ed. Chicago, 1941).
Other Poems (1933); The King of the Great Clock Tower (1934); L. Mac Neice: The Poetry of William Butler Yeats. Oxford, 1961.
Last Poems (1939). V. K. Narayana Menon: The Development of William Butler
Teatro: The Countess Cathleen (1892); The Land of Hearfs De- Yeats. London. 1942.
sire (894); Shaáowy Water (1900); Cathleen ni Hoolihan (1902); E. Wilson: "William Butler Yeats". (In: AxeVs Castle. 2.» ed.
The Hour-Glass (1903); The Kings Threshold (1904); Deirdrt New York, 1943).
(1907); The Golãen Helmet (1908); Wheels and Butterflxes (1934). J. Hone: The Life of William Butler Yeats. New York, 1943.
Prosa: The Celtic Twilight (1893); The Secret Rose (1897); Ideas R. Ellmann: Yeats. The Man and thé Masks. New York, 1948.
of Good and Evil (1903); Poetry and Ireland (1908); Per Arnica P. Ure: Towards a Mythology. Studies in the Poetry of W. B.
Silentia Lunae (1918); A Vision (1925) etc. Yeats. Livelpool, 1948.
Autobiografia: Revertes over Childhood and Youth (1915); Four D A. Stauííer: The Golden Nightintjale. Essays on Some Prin-
Years (1921); The Trembling of a Veil (1922); Estrangement cipies of Poetry in the Lyrics of William Butler Yeats. London.
(1926); The Death of Synge (1928); Dramatis Personae (1936). 1949.
Edições pelo autor: Collected Poems, New York, 1933. T. R. Henn: The Lonely Tower. Studies In the Poetry of Wil-
Collected Plays, New York, 1934. liam Butler Yeats. London, 1950.
Autobiography, New York, 1939. V. Koch: William Butler Yeats. the Traglc Phase. A Study of
J. H. Pollock: William Butler Yeats. London, 1935. the Last Poems. London, 1951.
Cl. Brooks: "Yeats, the Poet as Myth-Maker". (In: Modem M. Rudd: Divided Image. A Study ôf William Blake and William
Poetry and the Tradition. Chapei Hill, 1939). Butler Yeats. London, 1952.
D. Daiches: "W. B. Yeats". (In: Poetry and the Modem World R. Ellmann: The Identity of Yeats. London, 1954.
2958 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2959

dos. Neste sentido tornou-se Yeats o primeiro poeta "mo- porque os irlandeses combatentes não compreenderam essa
derno", justamente quando "escapou" para o twilight da poesia densíssima, e a revolução teria sucumbido com ou
lenda irlandesa: os símbolos deviam representar um con- sem poesia.
teúdo "público"; e Yeats, poeta dos círculos decadentistas No mesmo ano de 1916, Yeats casou, descobrindo que
de Londres e Paris, não conhecia outro conteúdo "públi- sua mulher era médium espirita, capaz de comunicar-lhe
co" que não as lendas que ouvira na infância e nas quais realidades superiores do que as da Irlanda mesquinha. Na
o povo irlandês ainda acredita. Essa poesia irlandesa ou obra filosófica A Vision, Yeats expôs ao mundo surpreen-
pseudo-irlandesa não resistiu à prova da realidade quando dido uma visão mistica e fantástica do Cosmos e da His-
Yeats tinha que dramatizá-la para o Abbey Theater, em tória Universal, sistema eclético de mitos e símbolos cél-
Dublin. Saíram peças maeterlinckianas, altamente poéti- ticos, indianos, gnósticos, e, quem sabe, outroa, religião par-
cas, mas sem eficiência teatral. E Yeats sentia bem aquilo ticular de um homem que quis absolutamente crer em algu-
que aparece naqueles anos no título de um volume de ver- ma coisa e não foi capaz de crer em nada, aenlo em poe-
sos seus: Responsabilities. Meteu-se na vida política, de- sia. É certo que Yeats não era um místico autêntico. Mas,
fendendo a liberdade de uma Irlanda romântica que só tal como Gautier, era "un homme pour qui le monde vi-
existia nos seus sonhos; foi cruelmente decepcionado pela sible existe", quer dizer, um parnasiano; assim era Yeats
mesquinhez dos seus patrícios, e começou a escrever poe- "a man for whom the invisible world exista", quer dizer,
sia realista, satírica, de estilo diferente, citando nomes de um poeta. As poesias espiritas de Yeats são das suas mais
pessoas reais, em vez de fadas e bruxas: realistas — um título como Presences está bem justificado.
Yeats experimenta e nota visões apocalípticas que excedem
" . . . Ali that delirium of the brave — em poder e veracidade as profecias políticas de George:
Rornantic Ireland's dead and gone,
It's with 0'Leary in the grave." "Things fali apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
Era o tempo em que escreveu os versos To a Friend Whose The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
work Has Come to Nothing, dando ao amigo derrotado o The ceremony of innocence is drowned;
conselho de exultar com a derrota em vez de lamentá-la: The best lack ali conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.
"Be secret and exult, Surely some revelation is at hand;
Because of ali things known Surely the Second Corning is at hand.
That is most difficult." The Second Corning 1 . . . "

Ê a transição para a "segunda fase" de Yeats, a da poesia A revelação que Yeats esperava não veio: mas a visão
ativista. A revolução de Páscoa de 1916, em Dublin, inspi- da anarquia, da maré de sangue, da falta de convicções au-
rou-lhe uma nova poesia, duplamente realista, satírica e tênticas e de paixão intensa das piores, essa visão se rea-
polémica — suprema tentativa de influenciar o mundo por lizou. O poeta procurou o porto seguro "Sailing to Byzan-
meio de versos, cume e derrota do "simbolismo mágico"; tium", o país dos "monuments of unageing intellect", de
2960 OTTO M A M A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2961

beleza platónica permanente, mas voltou com a resposta "I am of Ireland,


surpreendente —
And the Holy Land of Ireland,
And times runs on, cried shc.
"That is no country for old m e n . . . "
Come out of charity
Lá não se canta, à vontade,
" . . . Of what is past, or passing, or to come"; And dance with me in Ireland";

é preciso escolher entre o passado e o futuro, entre o céu e em cima, When You Ar* Old and Qtty and Full ol Sleep,
bizantino e a terra irlandesa. É o conflito de Donne — o poeta
modelo de Yeats nos seus últimos anos — entre a cruz e a
carne; e Yeats escolheu a terra, tornando-se senador da Re-
pública de Eire e dedicando-se, assustando amigos e ini- " . . . hid his face amid a crowd of stars."
migos, a uma poesia agora, personalíssima, de assuntos
nunca antes tratados em poesia inglesa:
A poesia de Yeats coloca a critica em face de vá-
rios problemas difíceis. É uma poesia realística — a mais
" . . . Love has pitched his mansion in realista do século X X ; mas baseia»** am convicções mís-
The place of excrement...",
ticas de cuja autenticidada a até linearidade se pode du-
vidar; pois Yeats foi um esteticista que gostava de escon-
e por isso os pessimistas acham, desde Sófocles e Calde-
der-se atrás de máscaras fantásticas. É preciso acreditar
rón, que o "maior delito do homem é ter nascido", mas
Yeats espera que na veracidade de A Vision para reconhecer o valor de poe-
mas como "Sailing to Byxantium" ou "Tho Second Corning",
baseados naquelas visões inacreditáveis? É, em face de uma
" . . . where the crime's commited
poesia tão afirmativa, ainda legitima a atitude da "suspen-
The crimes can be forget."
sion of disbelief"? O problema existia sobretudo para a
geração poética inglesa de 1930: confiando no julgamento
É a poesia erótica mais original de todos os tempos, a
crítico de T. S. Eliot que tinha reconhecido em Yeats "o
desse velho "poeta político". The Man Who Dreamed of
maior poeta de língua inglesa deste século"; mas incapaz
Faeryland pretendeu, agora,
de aceitar as bases filosóficas, religiosas e políticas dessa
poesia. Daí as discussões intermináveis, na Inglaterra e nos
"To write for my own race
Estados Unidos, das quais os estrangeiros mal tomaram co-
And for the reality";
nhecimento. No continente europeu, Yeats continua consi-
a última poesia desse setuagenário assombroso compre-
ende o Cosmos inteiro. Embaixo, gritam as vozes da ter- derado apenas como simbolista "céltico". Seu único discí-
ra — pulo em outro país parece o nobre poeta holandês Adriaan
2962 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2963

Roland-Holst ( 2 0 4 _ A ), parente da grande poetisa socialista car magicamente a Bretanha céltica ou o mundo. Villiers
Henriette. É o único que se refere diretamente a Yeats de L'Isle Adam não é o Yeats francês; tampouco desem-
como seu modelo, embora sem acompanhá-lo nas crenças penha essa função o revolucionário Rimbaud; e muito me-
místicas. Também é antimaterialista; também é acristão nos o mediterrâneo Valéry. Verifica-se que a poesia fran-
ou anticristão. Mas toda a sua poesia é um lamento, nada cesa, a mãe do simbolismo, não produziu nenhum grande
decadente e sim de pureza cristalina, da substância espiri- representante do "simbolismo mágico".
tual do mundo que já acredita desaparecida.
No volume de ensaios críticos, AxeVs Castle, que Ed-
A repercussão escassa de Yeats no estrangeiro é outro mund Wilson dedicou ao simbolismo mágico, aparece, po-
problema da crítica histórica. Pois poucos negam, mas qua- rém, além de Villiers de L'Isle Adam, mais um nome fran-
se todos afirmam que a poesia de Yeats foi fortemente in- cês: o de P r o u s t ; e este, ressuscitando o pastado morto
fluenciada pelo simbolismo francês ( 20B ). As relações ín- por meio de palavras mágicas, como um necromante, está
timas do poeta com Paris e as numerosas alusões, na sua bem na companhia. Wilson coloca-o, porém, ao lado de
obra, a Baudelaire, Mallarmé, Verlaine e, sobretudo, a Joyce, e essa justaposição "Proust e Joyce" é tão freqllente
Villiers de L'Isle Adam, parecem confirmar a tese da que se tornou lugar-comum da critica. Com efeito, Proust
influência; por outro lado, verificou-se que os conheci- c Joyce têm muito em comum: serviram-se da mesma "psi-
mentos franceses de Yeats eram surpreendentemente su- cologia em profundidade" para destruir a arquitetura tra-
perficiais, e que a melodia e os símbolos dos seus primeiros dicional do romance; apareceram juntos num mundo de re-
poemas já se baseiam só em experiências irlandesas. Na volta aberta contra todas as tradições, Proust recebendo
verdade, existem dois elementos na primeira poesia de em 1919 o Prix Goncourt e Joyce publicando em 1922
Yeats: o elemento irlandês, o sonho do Celtic Twilight, me- Lllysses; consquistaram os mesmos admiradores e tinham
nos primitivo do que se pensa, filtrado pelo ambiente doa repercussões análogas. É difícil separá-los; e, no entanto,
círculos literários da cidade de Dublin; e o elemento fran- é preciso que se os separe. Servindo-se de conceitos de
cês, o sonho aristocrático de Villiers de L/Isle Adam. Mas Synge, no prefácio do Playboy of the Western World,
este, celta como Yeats, é realmente evasionista, escapista: H a r r y Levin ( 20C ), definiu Joyce como síntese do naturalis-
retirara-se para AxeVs Castle, sem pretensões de modifi- mo e do simbolismo. O primeiro decénio do século XX pro-
curara essa síntese sem encontrá-la. O Joyce de Dubliners,
volume publicado em 1914, ainda é naturalista. Os seus
àublinenses são a mesma gente mesquinha pela qual Yeats
se bateu e que o decepcionou. E Joyce ficou sempre du-
204A) Adriaan Roland-Holst, 1888.
Belijdenis van de Stilte (1913); Voorblj de Wegen (1920); Dt blinense, ao ponto de a sua Odisseia se passar nas ruas de
vagabond (1930>; In ballingschap (1947/1948). Dublin em vez de no Mediterrâneo, onde um simbolista
Henr. Roland-Holst e outros: Over den dichter Adriaan Ro-
land Holst. Amsterdam, 1948. teria preferido. Naquela mesma época, em 1907, sai o volume
W. H. Stenfert Kroese: De mythe van Andriaan Roland-Holst.
Amsterdam. 1951.
205) M. H. Pauly: "W. B. Yeats et les symbolistes íranç..
Revue de Littérature comparée. 1940).
W Y. Tlndall: "The Symbolism of W. B. YeatB". (Il 206) H. Levin: James Joyce, a Criticai Introduction. Norfolk Conn.,
1945). 1942.
2964 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2965

de poesias de J o y c e : Chamber Music. Poesia tradicionalís- Daquela mesma época é o romance Les lauriers sont coupés,
sima, "Georgian poetry", sem qualquer ponto de contato de Édouard Dujardin ( 2 0 8 ), o primeiro romance em que se
com a poesia da vanguarda de Paris daqueles mesmos empregou o recurso do "monólogo interior"; ninguém,
anos. Nada, nessa poesia, anuncia a revolta de 1920, que en- então, deu importância a esta obra; mas Proust podia co-
contrará em Ulysses a sua Bíblia. O "verdadeiro" Joyce é nhecê-la, enquanto Joyce, provavelmente a ignorava. A "psi-
mesmo homem de 1920. Proust, porém, é homem de 1896, cologia em profundidade", o mais importante elemento co-
ano em que publicou Les Plaisirs et les Jours, com pre- mum de Proust e Joyce, já começara a minar o mundo tra-
fácio de Anatole France. J á não é possível separar essa dicional do romance quando Joyce ainda era naturalista.
primeira fase de Proust da segunda em que escreveu À la
Em 1922, Joyce afigura-se aos críticos discípulo de Freud
recherche du temps perdu. Possuímos agora, em publica-
que só então se tornava conhecido no mundo. Proust é,
ção póstuma, a primeira versão do grande ciclo, os três
volumes do romance Jean Santeuil, escritos naquela fase antes, contemporâneo de outra psicologia nova ( ao °) que
esteticista de P r o u s t ; baseando-se nesse fato, o crítico ame- se baseava em elementos do romantismo, do pré-simbolismo.
ricano Cocking demonstra a unidade de toda a obra prous- E n t r e Proust e essa nova psicologia, Bergson serve de
tiana, produto de uma evolução sem solução de continui- intermediário; Eduard von Hartmann, o primeiro filó-
dade. J á antes havia Thibaudet demonstrado ( 207 ) que sofo do subconsciente, fora leitura preferida de Laforgue,
Proust, por mais revolucionário que pareça sua técnica Dujardin e daquele amigo Montesquiou; Joyce não tem
novelística, se enquadra bem na tradição francesa: seus nada com tudo isso, mas é o mundo do jovem Yeats.
antepassados literários são Montaigne, o moralista, e Saint- Freud ( 2 a o ) é antes contemporâneo de Proust que de J o y c e ;
Simon, o cronista de uma sociedade decadente. Poderia a sua Interpretação dos Sonhos é de 1900. Mas quando
acrescentar o então último elo dessa tradição, a poesia
Proust, por volta de 1920, se tornou famoso, já se notou
simbolista: pois Proust constrói os grandes blocos de que
nele o pouco conhecimento da psicanálise. Quer dizer:
seu "roman-fleuve" se compõe, como se fossem grandes
Proust é homem da época na qual a nova psicologia ape-
poemas; e a base de cada um desses poemas sempre é um
sonho, esse elemento fundamental da poesia simbolista. nas estava "no ar"; êle respirava essa atmosfera. Joyce é
Enquanto Joyce, no colégio dos jesuítas, em Dublin, estu- homem da época na qual a psicanálise conquistou o mun-
dava filosofia escolástica, Proust já devia ter conhecido d o ; conhece-a pelos livros, pelo estudo. Pelos anteceden-
os elementos da filosofia de Bergson. Da Inglaterra veio-lhe tes é Proust um homem de 1900. Pela repercussão é Joyce
a influência de Ruskin, do qual, em 1906, traduziu uma um homem de 1920.
obra; e Ruskin é o preceptor da poesia pré-rafaelita, his-
toricamente ligada ao simbolismo francês. Influência viva
foi a do conde Robert de Montesquiou, amigo íntimo de
Proust, aristocrata decadente e poeta simbolista de 1890. 208) Cf. "O Simbolismo", nota 24.
209) O. Koenig-Fachseníeld: Wandlungen des Traumproblems von
der Romantik bis zur Oegenwart. Btuttgart, 1935.
K. Jaeckel: Bergson und Proust. Breslau, 1934.
307) A. Thibaudet: "Mareei Proust et la tradltion írançaiso". 210) Cf. "A Revolta dos Modernlsmos", nota 190.
Réjlexlons sur la Littérature. Paris. 1958).
2'»'»'. OTTO M A B I A CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2967

O pendant de Proust na época antes de 1914 não é Joyce, então pobre professor de inglês em Trieste, cidade
Joyce, e sim ítalo Svevo ( 2 U ) - E r a mais velho do que que, naquele tempo, não existia na literatura. Joyce ( 212 )
Proust, e antecipou-se a Joyce por mais de vinte anos. escreverá o romance de Dublin, cidade tão parecida, comer-
Mas quando Larbaud o descobriu, em 1923, já era um pouco cial, mesquinha, devassa, hipocritamente católica; mas não
tarde. De Svevo existe um conto burlesco, história de um o escreverá no estilo naturalista dos Dubliners, nem no
pobre provinciano, diletante das letras, mistificado por estilo simbolista de Proust, e sim numa síntese desses dois
amigos maliciosos, fazendo-o crer em êxitos literários ima- estilos que é produto da "anélise psicanalítica" da reali-
ginários; a desilusão é desastrosa. Esta é mais ou menos dade, no estilo da vanguarda, que já fora, por antecipação,
a história do próprio Svevo, comerciante na cidade com- o estilo de Svevo. O Joyce de Chamber Music, poeta "geor-
pletamente aliterária de Trieste, publicando livros sem giano", devia morrer para ressuscitar o Joyce da vanguarda
encontrar repercussão alguma; mas Svevo, mais estóico do de 1920. Mas, então, Proust já era um homem agonizante,
que o herói do seu conto, providenciou o uso dos exem- terminando penosamente sua obra que a guerra interrom-
plares de Una vita e Senilità como papel de embrulho, e pera.
fechou na gaveta, por trinta anos, sua obra-prima La cos- "Mais quand d'un passe ancien rien ne subsiste, après
cienza di Zeno, entrando — como Valéry — numa época de la mort des êtres, après la déstruetion des choses, seules,
silêncio. Tornou-se comerciante bastante rico, e ficou sem- plus, frêles, mais plus vivaces, plus immatérielles, plus per-
pre, no foro íntimo, o pobre diletante das letras, figura sistantes, plus fidèles, 1'odeur et la saveur restent encore
meio humorística entre diretores de banco e armadores longtemps, sans fléchir, sur leur gouttelette presque inpal-
de navios. Era humorista secreto, zombando de si mesmo pable, 1'édifice immense du souvenir." Eis o programa que
e dos outros, analisando com crueldade sádica e emoção Mareei Proust ( 218 ) realizou, construindo 'Tedifice im-
mal dominada as almas provincianas, com nuanças e mi-
núcias que anteciparam a psicanálise do seu então pa-
trício, o austríaco Freud. La Coscienza di Zeno é a obra
212) Cf. "A revolta dos modernkanos", nota 198.
novelística capital do século da psicanálise, da qual o tris-
213) Mareei Proust, 1871-1922.
te herói do romance é o Dom Quixote. Svevo é, quase, um Les Plaistrs et les Jours (1896); Tradução de Sesam and Liliet,
caso como Hopkins. A sua volta à atividade literária, de- de Ruskln (1906); Pastiches et Mélanges (1919); Â la recherch*
du temps perdu (Du côté de chez Stoann, 1913/1917; A Vombre
pois de uma pausa de muitos anos, deve-se ao encontro com des jeunes filies en /leur, 1918; Le côté de Guermantes, 1920/1921;
Sodome et Gomorrhe, 1921/1922; La prisionnière, 1924; Albertine
disparue, 1925; Le temps retrouvê (1927); — Jean Santeuil (public.
1952>.
211) ítalo Svevo (pseudónimo de Ettore Schmltz), 1861-1929. Edição da Nouvelle Revue Françalse, 18 vols., Paris, 1929/1935.
Una vita (1892); Senilità (1898); La Coscienza di Zeno (1923); Nouvelle Revue Françalse: Hommage à Mareei Proust. (1 de
La Madre (1924); Vino generoso (1927); Una burla riuscita janeiro de de 1923).
(1928. B. Orémieux: "Mareei Proust". (In: XX* Siècle. Paris, 1924).
Edição Corbacclo, 4 vols., 2.» ed., Milano, 1954. E. R. Oustius: "Mareei Proust". (In: Franzoesischer Gest im
F. Bternberg: Uopera di ítalo Svevo. Trieste, 1928. neuen Europa- Stuttgart, 1925).
L. Paplnl: ítalo Svevo. Trieste, 1929. O. Gabory: Essai sur Mareei Proust. Paris, 1926.
G. Debenedetti: "ítalo Svevo". (In: Saggi Critici. Nuova Serie. P. Souday: Matcel Proust. Parla, 1927.
Roma, 1945). L. Spttzer: Stilsprachen. Muenchen, 1928.
Livla Svevo Venezlanl: Vita di mio marito. Trieste, 1953. B. Crémleux: Du côté de Mareei Prou$t. Paris, 1929.
A. Leone de Castrls: ítalo Svevo. Pisa, 1960. C. Bell: Proust. New York, 1929.
1968 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA D\ LITERATURA OCIDENTAL 2969

mente" de À la recherche du temps perdu. Thibaudet cha- velar, no microscópio estilístico, a "histologia das coi-
mou-lhe "o Saint-Simon da sociedade de 1890", definição sas"; outros acentuam a sua abulia de homem inadaptado,
que lembra imediatamente várias analogias: o nervosismo quase tão "chaplinesco", nos salões parisienses, como o seu
do estilo, o vigor da caracterização dos personagens, a mi- contemporâneo Svevo, nos escritórios de Trieste; assim
núcia nas descrições das cerimónias mais insignifican- como um sujeito que receia tropeçar em obstáculos ines-
tes, o panorama dum "grand monde" que se decompõe, seja perados, Proust olha para tudo com a mesma meticulo-
a aristocracia feudal da época de Luís XIV, sejam os úl- sidade, as maneiras de vestir, de comer, de conversar, te-
timos rebentos dessa mesma aristocracia, ligados à burgue- cendo de todos esses pormenores um tapete colorido e
sia judaica de Paris, assustada pelo caso Dreyfus. A de- decorativo dos costumes da sua época — um crítico ma-
finirão de Thibaudet também sugere a mais frequente das licioso comparou À la recherche du temps perdu k Astrée:
censuras que se lançaram contra Proust: a do esnobismo. romance pastoral, de pastores muito elegantes de 1900. Evi-
Saint-Simon era esnobe. Adorava a sua própria árvore ge- dentemente, o esnobismo de Proust é diferente do esno-
nealógica, justamente porque a aristocracia ia perdendo bismo de Saint-Simon. É mais humilde. Enfeita os con-
certos privilégios, assim como o semijudeu Proust ado- vidados em vez de denegrir os intrusos. Tem algo da ad-
rava a permissão de frequentar os salões aristocráticos, miração submissa do cronista mundano dum grande jor-
justamente porque esse "grand monde" ia perdendo o po- nal, admitido na "sociedade" para elogiá-la. Às vezes, as
der político e a base económica. As reações psicológicas festas e reuniões parecem vistas da perspectiva do lacaio
são, no entanto, opostas. Saint-Simon inspira-se no ódio que espera na porta. Então, não faltam as observações ma-
contra os parvenus; desenha com traços rápidos, nervosos, liciosas que não se poderiam imprimir no jornal, e o gossip
retratos que mais do que um leitor já comparou às cari- cruel dos criados que vêem a gente também quando veste
caturas de Daumier. Proust inspira-se na admiração das trajes menos solenes. Proust não suprime essas notas mar-
elegâncias incomparáveis de cavaleiros que não têm a mesma ginais. Léon Pierre-Quint considera-o grande humorista,
admiração por êle. Dizem que foi míope, chegando a re- e Edmund Wilson descobre-lhe expressões de indignação
do judeu contra as fronteiras impermeáveis da hierarquia
social. A obra de Proust, descrevendo a história da alta so-
P. Abraham: Mareei Proust. Paris, 1930. ciedade francesa entre 1880 e 1910, seria o panorama da luta
J. W. Krutch: "Mareei Proust". (In: Fíve Masters. London, de classes entre a aristocracia e a burguesia. Mas Proust,
1930).
L. Pierre-Quint: Mareei Proust, sa vie, son oeuvre. 2.* ed. Parlo, armado da imparcialidade do artista autêntico, seria um
1935. novo Cervantes, idealizando poeticamente a velha socie-
D. Leon: Introduction to Proust. London, 1940.
R. Fernandez: Proust. Paris, 1944. dade e satirizando-a ao mesmo tempo: sátira realista, arte
H. March: The Two Worlds of Mareei Proust. Philadelphla, 1948. clássica no sentido de Boileau. Se fosse preciso compa-
A. Maurois: A la recherche de Mareei Proust. Paris, 1949.
F. O. Green: The Mind of Mareei Proust. Cambridge, 1949. rá-lo a um contemporâneo seu, seria Henry James, satiri-
Q. Cattaul: Mareei Proust. Paris, 1952. zando a incultura dos milionários americanos em face dos
H. Bonnet: Le progrès spirituel dans Voeuvre de Mareei Proust.
2 rola. Paris, 1952. aristocratas europeus, admirando no entanto, quase secreta-
P. Trahard: L'art de Mareei Proust. Paris, 1953. mente, a maior vitalidade dos seus patrícios. Parecem-se,
iisfield: Le comique de Mareei Proust. Paris, 1953. também, as técnicas complicadas dos dois romancistas. E
M Hinilii": Proustian Vision. New York, 1954.
J. M. Cocklng: Proust. New Haven, 1956.
•^

£970 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2971

assim como James, que, morrendo em 1916, no momento maia chegou às interpretações da psicanálise. Será possível ale-
perigoso da guerra, acreditava chegado o fim da civiliza- gar a novidade desses processos enquanto aplicados ao ro-
ção, assim seria a dissolução da técnica novelística tra- mance; mas também já houvera Dostoievski; e só o tradi-
dicional por Proust um reflexo do fim de uma sociedade cionalismo ferrenho dos romancistas franceses explica cer-
e de um mundo. Já vale a pena, antes de perder tudo, olhar tos sustos dos primeiros leitores. Há elementos novos na
pela última vez com ternura e miopia todas as coisas e psicologia associacionista de Proust, mas não é isso que
coisinhas que constituíam o encanto da vida, antes de importa. A "revolução" residente antes na composição e no
despedir-se para sempre. E deste modo o esnobe Proust estilo: no abandono completo da ordem cronológica, subs-
transforma-se em testemunha do "grand soir" da socie- tituindo-se o "temps fixe" dos relógios pela "durée mo-
dade, o romance pastoral em documento apocalíptico. bile" da memória bergsoniana; daí a composição da obra,
constituída de certo número de grandes blocos, dos quais
O esnobe e o revoltado, o cronista mundano e o so- cada um é iluminado por um "flash de inaight". E o esti-
ciólogo das transições, são interpretações unilaterais. lo, complicado e sinuoso, que mais acentua a confusão in-
Proust não era, de maneira alguma, socialista nem bien tencional do que a esconde. J á se notou que se trata da
pensant, defensor da ordem estabelecida. Quando escre- confusão própria do sonho. Os críticos sensatos sempre
veu À la recherche du temps perdu, aquela sociedade já protestaram contra a mania dos cieis, contra a curiosidade
não existia, ou, se existisse, o doente, fechado no seu quar- que pretende identificar com pessoas da realidade vivida
to de dormir durante tantos anos, já não podia frequentá-la. a princesa de Guermantes e madame Verdurin, o escritor
Estava satisfeito com os vestígios que ela tinha deixado Bergotte, o músico Vinteuil, o pintor Elstir, a atriz Berma,
na sua memória, porque lhe permitiram reconstruí-la. E Swann, Charlus e Bloch — todos esses personagens pare-
Benjamin Cremieux observa muito bem que nem recons- cem tão firmemente caracterizados porque são tão inesque-
truiu aquela sociedade e sim só a imagem dela na sua pró- cíveis como os "déjà vus" do sonho; para não falar de Al-
pria alma, sendo o único herói do ciclo o próprio Mareei bertine que é mesmo um sonho, irresponsável, fugitiva, som-
Proust, revelando o egoísmo enorme que é uma das quali- bra de uma morta que nunca viveu. Apenas, os sonhos de
dades características do artista. O assunto do ciclo não é Proust não foram realmente sonhados. São sonhos artifi-
a "société perdue", e sim o "temps perdu": a realidade que cias (sem sentido pejorativo), sonhos deliberadamente
o artista devia perder para realizar, em compensação, a imaginados, e neste ponto — na transformação imediata do
obra. O meio dessa conquista é a famosa psicologia prous- sonho em obra de arte — é Proust realmente um psicólogo
tiana: é o que parece revolucionário na sua literatura. '"moderníssimo", quase um surrealista. Todos os persona-
"Exploração em profundidade da memória associativa" e gens de À la recherche du temps perdu são projeções da
outras definições semelhantes pretendem explicar a téc- alma do artista Proust que sonha; e, como sempre acontece
nica psicológica de P r o u s t ; mas, apesar dos inúmeros es- no sonho, aparecem entre os desejos e receios personifica-
tudos mais ou menos penetrantes que se escreveram sobre dos os "resíduos do dia anterior", quer dizer, restos me-
esse assunto, será preciso admitir que aquele método não morados do único mundo real que o pobre doente conhe-
é tão terrivelmente revolucionário como parecia aos lei- cera nos "anos anteriores". Eia o mundo mundano de Mar-
tores de 1919. No fundo, é psicologia associacionista. eei Proust. Evidentemente, não podia descrevê-lo com a
Proust adotou doutrinas e sugestões de Bergson; mas não
2972 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2973

clareza parnasiana de Anatole France nem com a precisão a esse exotismo um forte colorido bizantino, que aparece,
burocrática de Zola. Descreveu-o como Edmond e Jules em tonalidades diferentes, nas especulações religiosas de
de Çoncourt, os seus precursores, tinham descrito em pleno Merechkovski ( 2,f ') e na poesia preciosista de Kusmin (- 1 8 ).
Segundo Império a sociedade aristocrática do Rococó, no A Europa ocidental viu reflexos desse bizantinismo artís-
mesmo estilo, complicado, mas com poder muito maior de tico quando Serge Diaghilev apareceu, em 1909, em Pa-
evocação e sugestão. É o primeiro romancista autentica- ris, apresentando os famosos bailados russos. Os intelec-
mente simbolista. O simbolismo seria o ponto de partida tuais e artistas russos, depois da derrota da revolução de
para uma futura interpretação de Proust. Mas não o sim- 1905, foram "sailing to Byzantium", para citar YeatB; e
bolismo de 1890, dos dias em que Proust frequentava a nem sempre esse bizantinismo russo foi mero pretexto de
•'alta sociedade", e sim o simbolismo de 1910, dos dias "bizantinismo" reacionárío. Folclore e costumes da Rússia
quando Proust inventou uma "alta sociedade": o "simbo- conservaram muita coisa bizantina, assim como a arquite-
lismo mágico". t u r a ; e a "bizantinismo", que é sinónimo de mau gosto na
Europa, podia produzir efeitos realmente artísticos na Rús-
Sobre Proust houve, em certo momento, uma grande
sia. O grande artista Remisov ( 217 ) é capaz de "transfigurar
discussão entre os escritores ocidentais e os russos ( 2 1 4 ).
magicamente" o passado e até a realidade atual da Rússia.
De um lado, acentuou-se o caráter revolucionário da sua
Os seus romances parecem-se algo com os de Sollogub:
técnica: minando os fundamentos do romance tradicional,
acumula crimes hediondos, prostituição, doenças, miséria
que foi meio de expressão soberano da sociedade burguesa,
incrível dos "cortiços" de Petersburgo, às vezes com "ariè-
ele teria, no terreno das ideias, contribuído para a ruína
re-pensées" religiosas que fazem pensar na "doutrina do
dessa sociedade. Do lado dos críticos comunistas, lem-
sofrimento" de Dostoievski. Apenas, é muito diferente o
brou-se, porém, o "assunto reacionárío" ou "bizantino" da
estilo. Remisov descobrira o então meio esquecido Lesskov,
sua obra; afirmou-se uma tendência contra-revolucionária
em quem aprendeu o emprego da língua popular, a gíria,
em Proust, revelada pela "transfiguração mágica do pas-
es dialetos, as expressões saborosas. Tornou-se coleciona-
sado". É uma discussão há muito tempo encerrada. O pró-
dor assíduo de contos de fadas, lendas, histórias popula-
prio Ehrenburg, ex-inimigo de Proust, já se retratou. Mas
res, resíduos de mitos, canções de crianças, literatura das
quanto ao estilo "mágico", os russos tinham razão. É que
feiras. Começou a acreditar, à maneira de Yeats, na ver-
dispunham de experiências próprias com respeito à signi-
dade simbólica das crenças eslavo-bizantinas do povo rus-
ficação do simbolismo mágico: o "bizantinismo" dos sim-
so; tornou-se, como Yeats, um ex'plorador dos seus pró-
bolistas russos aparecera mesmo vestido à bizantina.
O simbolismo russo revelara sempre inclinação para
fantasias exóticas; e a influência de Soloviev, revivificando 215) Oí. "O Simbolismo", nota 62.
216)) Cf. nota 37.
o interesse da liturgia e a mística da Igreja ortodoxa, deu 217) A.exel Mikailovitch Remlfov. 1877-1957.
O Lodaçal (1903); O Relógio (1908); O Desfiladeiro do Diabo
(1908); Irmãs na Cruz (191D; A Quinta Chaga (1912); No Cam-
po Azul (1922); Olia (1927); Rússia Agitada (1927); A Dança do
214) M. M. Ickovicz: La littérature à la lumière du matértallsme his- Demónio (1949).
que. Paris. 1929. K. A. Chukovskl: Autores contemporâneos. Petersburgo. 1914.
J T. Farrell: A Note on Literary Criticism. New York, 1936. R. V. Ivanov-Razumiuk Criação e Critica. Lenlngrad. 1922.
R. W. Fox: The Novel and the People. New York. 1937. N. Kodrianskaja: Alexi Remisov. Paris, 1961.
2974 OTTO M A R I A CABPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2975
prios sonhos, misturando-os com resíduos de observação da
mística da Igreja ortodoxa, atraiu e converteu até alguns
realidade, chegando a uma fusão muito mais natural e in-
antigos marxistas, desiludidos pelo malogro da revolução.
tensa dos dois planos do que Biely, conseguindo efeitos
Em vez dos debates económicos houve discussões teológi-
fantásticos que o tornam um dos escritores modernos mais
cas. Foram os ex-marxistas Struve, Bulgakov, Berdiaiev,
admirados na Rússia, mesmo depois que abandonara o país
Simon Frank, Gerchensohn, Kistiakovski, que, em 1909, se
por não poder conformar-se com o comunismo. Mas está
reuniram para a edição de um volume de ensaios, Vieki
certo que a "transfiguração mágica" do passado e folclore
(Marcos): não se tratava apenas de marcar ai fronteiras
russos tem fundo político.
entre a fé e o ateísmo, mas também entre i verdadeira fé
A tendência bizantina do simbolismo russo está em re-
da ortodoxia e a fé oficial do tzariamo. Daí t e pedir a se-
lações íntimas com a derrota da revolução de 1905 ( 2 1 8 ).
paração da Igreja russa do Estado para eliminar as sus-
Começou-se a duvidar da eficiência dos métodos revolu-
peitas políticas contra a Igreja e posslbilitar-lhe a con-
cionários e da própria doutrina revolucionária. Foi então
quista e a reforma das almas; porque a vida íntima da alma
que o famoso terrorista Savinkov ( 2 1 9 ), assassino do minis-
seria mais importante do que a vida política.
tro Plehwe e do grão-duque Sérgio, publicou sob o pseudó-
nimo "Ropchin" o romance O Cavalo Amarelo, história de Gorki respondeu com panfletos vigorosos contra os
um terrorista, que percebeu que o assassínio se lhe tornou intelectuais, responsabilizando-os pelo enfraquecimento do
um hábito e que já está assassinando sem pensar em motivos impeto revolucionário. Começa, então, a última fase do
políticos; a única saída é, então, o suicídio. Foi a declara- naturalismo russo, representada pelo primeiro grande es-
ção de falência do partido terrorista dos "social-revolu- critor proletário da Rússia; mas o próprio naturalismo
cionários"; Savinkov acabou, dois decénios mais tarde, gorkiano já admitiu elementos do simbolismo; e o resul-
como conspirador contra os comunistas. Os raciocínios, no tado foi uma espécie de conversão do "simbolismo mágico"
seu romance, foram evidentemente inspirados pela doutri- na Rússia, transformando-se em poesia apocalíptico-revo-
na da "não-resistència" de Tolstoi. Mas o tolstoianismo, na lucionária; conversão da qual a carreira literária de Blok
Rússia, já se tornara espécie de religião dos menos cultos. dá testemunho.
A Inteligência estava impressionada pelos argumentos an- A primeira influência do simbolismo na tradicional
titolstoianos de Soloviev ( 22 °), em Três Conversações: o "literatura de acusação" nota-se no estilo impressionista de
credo pacifista e humanitário não seria capaz de reformar Andreiev ( 2 2 1 ) ; coisa nova e surpreendente para os leito-
as almas, o que é condição preliminar da reforma do mundo. res europeus que ignoravam a poesia simbolista russa. Na
O "bizantinismo" de Soloviev, revivificação das doutrinas própria Rússia, Andreiev foi bastante apreciado pelos cír-
culos da esquerda, que fizeram, então, só questão de efi-
ciência propagandística; mas abandonaram-no quando a
218) T. G. Masaryk: Russland und Europa. Jena, 1913. sua atitude política se tornou duvidosa. Qualidades artís-
219) Boris Viktorovitch Savinkov (pseudónimo literário: V. Ropchin), ticas ninguém lhe nega, aliás; apenas foram prejudicadas
1879-1926.
O Cavalo Amarelo (1909); Como se não Tivesse acontecido Nada pelo sensacionalismo, tão evidente como em Artziba-
(1911); Memórias de um Terrorista (192(5).
A. Gul: Boris Savinkov. 2 vols. Berlin, 1930.
220) Cf. "O Simbolismo", nota 54.
221) Cí. "A Conversão do Naturalismo", nota 45.
2976 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2977

chev ( 222 ), cujo romance Sanin teve um momento de fama não lhe convém título menor do que o de salvador da lite-
europeia. Já não se lê hoje essa história de excessos sexuais ratura russa, que, sem a sua atuação, mal teria sobrevivido
entre estudantes revolucionários e ex-revolucionários, sin- à tempestade da revolução seguinte. Os antecedentes de
tomas de cansaço mental e moral depois da derrota de 1905. Gorki, tão conhecidos como a sua obra, não deixaram es-
O estilo de Artzibachev não é propriamente impressionista perar tanto: mais tarde, êle mesmo chamou ironicamente
porque não é propriamente um estilo; as referências a "as minhas Universidades" àquelas anos de ajudante de
Nietzsche lembram a atmosfera literária da época, rica em cozinheiro nos navios do Volga, jardineiro, padeiro, ven-
poesia e pobre no terreno da ficção. dedor de frutas, ferroviário, anos de vagabundagem do
A ficção realista-naturalista é a grande tradição da li- bosyak, em cuja inquietação se confundem o destino do pro-
teratura russa do século XIX. O esgotamento dessa tradi- letário sem lar e o instinto nomádico do eslavo. Quando
ção entre 1890 e 1900, refletindo-se nas últimas obras pro- Gorki apareceu em público com os contos a esboços que
pagandísticas de Tolstoi e no decadentismo de Tchekov, evocam e descrevem o que êle viu e experimentou naqueles
antecipa quase profeticamente o fracasso da revolução de anos, foi em primeira linha a novidade exótica dos assun-
1905, que foi o termo de quase um século de agitação re- tos e ambientes que interessava, chamando para o jovem
volucionária e de "literatura de acusação". Os intelectuais proletário a atenção da Rússia e logo do mundo inteiro.
já não tomaram parte decisiva naquela revolução; torna- "Bosyak", "Volga", "Asilo Noturno" — até entlo, nin-
ram-se poetas, simbolistas; e publicarão, poucos anos de- guém sabia bem o que era isso. Desde então, essas palavras
pois, os Marcos. É a separação definitiva entre o natura- pertencem à "cultura geral", fazem parte do património
lismo "nacional" e o simbolismo "estrangeiro", adjetivos literário da humanidade. Deste modo, cumpriu-se, mais
que se justificam, embora o naturalismo russo tenha sem- uma vez, a missão do naturalismo: a descoberta de novos
pre imitado modelos europeus e o simbolismo russo se te- ambientes, a ampliação do horizonte literário além das fron-
nha vestido de trajes bizantino-eslavos. A inversão desse teiras da tradição epigônica. O estilo de Gorki, simples e
processo, criando com instrumentos estilísticos do simbo-
lismo um naturalismo todo nacional, é a obra de Gorki ( 2 2 3 ), (1928); Igor Bulichev (1932).
Edição (incompleta), 21 vols., Moscou, 1923/1930. 2.» ed. com-
pleta, 30 vols. previstos, Moscou, 1949, sgg.
E. J. Oillon: Maxim Gorki, His Life and Writinaa. London, 1903.
222) Mijail Petrovitch Arzibachev, 1878-1927. J. Petrone: La visione delia vita e Varte di Maxim Gorki. Na-
poli, 1903.
Sanin (1907).
W. L. Phelps: Essays on Russian Novelists. New York. 1911. D. Merechkovskl: Tchekov e Gorki. Petersburgo, 1B07.
R. Mencke: Maxim Gorki. Hamburg, 1908.
223) Máxim Gorki (pseudónimo de Alexel Maximovltch Pechkov), N. Grusdev: A Vida de Maxim Gorki. Berlín. 1928 (em russo).
1868-1936. A. Kaun: Maxim Gorki and His Rússia. New York, 1931.
Tchelkach (1895); Konova'ov (1896); Homens Passados (1897); V. Desmickl: Máxim Gorki. Moiwou. 1940.
Foma Gordieiev (1900); Os Três (1900); Esboços e Contos (5 vols., V. Aíanasslev: Máxim Gorki. Moscou, 1943.
1901); Párias (1902); Vinte Seis Homens e Uma Moça n F. Holtzmann: The young Maxim Gorki, 1868-1902. New York,
O Asilo Noturno (1903); Varenka Olessova (1906); flori 1948.
(1903); A Mãe (1907); Camaradas (1908); O t Gr. Alexinsky: La vie amère de Maxim Gorki. Parla, 1960.
Uma Confissão (1903); Crónica da Cidade de Ofrwr- G. Lukacs: Der russische Realismui in der Weltliteratus. Berta,
Infância (1913); Entre Homens Alheios (1918); A» Minhfts Uni- 1950.
i-ersidades (19231; A Obra dos Artamanov (1926); A V. A. Volkov: Máxim Gorki e os Movimentos Literários no Fim do
Klim Samgin (1927/1936); Recordações Sobre Contemporâneo* Século XIX e no Começo do Século XX. Moscou, 1952.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2979
2978 OTTO MARIA CARPEAUX

direto, parecia tipicamente naturalista; contudo, era dife- charov, representantes da "literatura dos senhores rurais".
rente. Teria sido um estilo de repórter; mas Tchekov tam- Mas também já não é a literatura desesperadamente pas-
bém escreveu a maior parte da sua obra para jornais; e o siva dos Uspenski e Rechetnikov, "narodniki" pequenos-
estilo do jovem Gorki é o de Tchekov. A definição não é burqueses, nem do intelectual pequeno-burguês Tchekov.
Gorki é o primeiro proletário autêntico da literatura rus-
negativa, ao contrário; pretende afirmar que o "decaden-
sa. A massa dos bas-fonds movimenta-se. Movimentos as-
tismo" de Tchekov, invadindo os restos do naturalismo
sim costumam prodi ia literatura pré-romântica, e o
russo, serviu a Gorki para apurar-lhe a sensibilidade esti-
Gorki da primeira fase é realmente pré-romântico, o que
lística. A técnica dramatúrgica do Asilo Noturno é a dos
explica as afinidades estilísticas com o simbolismo. Como
dramas de Tchekov. Um título como Homens Passados é
todos os pré-românticos, Gorki é U itta, enqua-
tchekoviano. É intensamente tchekoviano um conto como
drando-se bem no movimento primltivlsta e populista do
"Tédio", em que a monotonia da vida provinciana produz
princípio do século; mas com certas diferenças significati-
todos os horrores, o martírio dos fracos e o esgotamento
vas. Está longe da brutalidade individualista de Hamsun.
dos fortes. Às vezes, Gorki até dá um passo para além de Ao contrário, defende o "código de honra", bastante rigo-
Tchekov: no conto "Centelhas Azuis", a descrição da es- roso, dos "vagabundos", com se revela em Vinte Seia Ho-
tepe bessarabiana, não longe da embocadura do Danúbio, mens e Uma Moça e Caim e Artem. Defende algo como os
da atmosfera nevoenta na qual se perde a voz da velha Iser- "few very simple ideas" de Conrad. Em "Varenka Oles-
gil e dos seus contos de fadas e recordações dolorosas, é sova", um dos seus melhores contos, defende uma moça
uma das obras-primas do simbolismo russo. Continuando contra as ansiedades sexuais do jovem intelectual, embora
assim, na imobilidade da província e da estepe, Gorki teria sentindo plenamente com este. Neste conto há algo do ma-
criado algo como o Oblomov do proletariado. Mas o efeito soquismo dos sofredores de Dostoievski, e muito do an-
foi, de início, o contrário. Contam que as primeiras nove- ti-sexualismo rigoroso de Tolstoi. Gorki nunca será um Art-
las de Gorki tinham sucesso sensacional, foram esperadas zibachev. Mas à influência de Tolstoi, que ficou sempre
nas revistas e livrarias como se fossem importantes no- forte dentro do primitivismo de Gorki, junta-se outra,
tícias políticas; e era isso mesmo. Conta-se o mesmo com cuja discussão serve, mais uma vez, para distinguir Gorki
respeito aos fascículos em que se venderam os romances de do primitivismo europeu. O homem primitivo da Rússia,
Dickens; e Gorki cumpriu para com as camadas baixas do imóvel até então, começa, na obra de Gorki, a movimen-
povo russo a mesma missão que Dickens cumprira, com os tar-se, a agir. Mas agir com consciência dos fins. O "va-
recursos diferentes do sentimentalismo humorístico, para gabundo" Gorki não tem nada do ativismo sem finalidade do
com as classes médias da Inglaterra. Uma massa humana, primitivista Baroja e dos seus conspiradores c aventurei-
que até então só fora considerada fundamento imóvel da ros profissionais, "le vagabondage pour le vagabondage".
hierarquia social, revelou-se em movimento e agitação; o Sabe "por quê" e "para quê"; tomar-se-á marxista; e não
nomadismo do jovem Gorki é expressão disso. O homem só na teoria. Gorki tomou parte atlva, em lugar destacado,
russo, sofredor passivo desde os começos da grande litera- na revolução de 1905. E depois do malogro da revolução,
tura realista, ainda sofredor passivo em Tchekov, torna-se, não desesperava; escreveu o grande romance da revolução,
em Gorki, ativo. Ê o fim definitivo dos "homens inúteis", A Mãe, em que as ideias marxistas se servem da forma no-
dos "homens supérfluos" de Puchkin, Turgeniev e Gont-
«I

8980 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2981

volistica de Tolstoi. Do ponto de vista de uma crítica ri- t u r o ; o grande contista Gorki nunca se sentiu totalmente
porosamente literária, não é uma obra-prima; mas é uma à vontade na técnica do romance. Sua força não é de na-
das obras de maior importância histórica da literatura russa. tureza épica, mas evocativa.
A Mãe saiu imediatamente antes dos Marcos. É a obra A verificação de influenciai simbolistas no estilo de
de oposição aos intelectuais, então "sailing to Byzantium". Gorki não deve ser exagerada. Quando hoje lhe compara-
O aluno das As Minhas Universidades opõe-se aos discípu- mos o estilo com o dos neo-realiitaa italianos de 1945, no-
loe da Universidade, lançando-lhes a acusação terrível dos tamos imediatamente que Gorki n l o é "moderno": seu rea-
Bárbaros. lismo é o realismo tradicional da grande literatura russa do
A s obras dessa segunda fase de Gorki são muito mais século X I X . Mas essa verdade critica n l o autoriza a defi-
fracas que as anteriores; e todos os críticos hostis à orien- .nir o escritor como fotógrafo da realidade. Ê preciso dis-
tação política de Gorki não deixaram de afirmar o esgota- tinguir entre o que Gorki fêz e o que quis fazer. Não foi
mento das suas capacidades literárias e a esterilidade li- um proletário meio bárbaro, assim com certos críticos co-
terária do marxismo. A evolução posterior de Gorki não munistas o retrataram inspirado como por milagre. Contra
confirmou, porém, essas censuras. Os quatro volumes da essa lenda é preciso afirmar a arte consciente de Gorki, au-
autobiografia não são inferiores aos primeiros contos, so- todidata, mas homem de alta inteligência e, enfim, de vasta
bretudo Infância e As Minhas Universidades. O quarto vo- cultura. Querendo fotografar a realidade ou querendo fazer
lume, com as recordações sobre Tolstoi e Lenine, revela propaganda politica, não realizou inteiramente esses propó-
inteligência penetrante e poder irresistível de evocação. sitos, porque era artista. Sobretudo, quando só quis repro-
Uma grande obra de evocação do passado é, enfim, um dos duzir o que tinha visto e experimentado — nas recordações
últimos romances de Gorki, A Obra dos Artamanov, no da infância e da mocidade, nas lembranças de grandes per-
qual vive para sempre o mundo antigo do Volga, pecando sonalidades que tinha encontrado: Tolstoi, Tchekov, Leni-
e sofrendo, até às vésperas da revolução. A aparente fra- ne — sabe selecionar os detalhes significativos com a se-
queza literária da chamada "segunda fase" de Gorki tem, gurança infalível de um Flaubert; e sabe revelar, atrás da
pois, outro sentido. De propósito, Gorki renunciou às qua- superfície da coisa vista, aquilo que não se vê, o inefável,
lidades artísticas em favor da eficiência propagandística. os "realiora". Só naqueles determinados momentos de sua
Era só uma fase passageira da sua vida literária. A última vida, depois de 1905, e em 1918, desistiu voluntariamente
obra novelística de Gorki, o grande ciclo de romances A da sua arte para dedicar-se, de corpo e alma, àquilo que
Vida de Klim Samgin, vasto panorama da Rússia entre lhe importava mais.
1880 e 1920, já não é, como A Mãe, obra de propaganda: é
Não foi decisão meramente pessoal. Foi como uma tem-
uma obra de arte, cheia de pormenores significativos; as
pestade, alterando a direção do "trend", ao ponto de arras-
evidentes fraquezas de composição dessa obra ambiciosa
tar o maior poeta do "simbolismo mágico" na Rússia, Blok,
não podem ser interpretadas como defeitos de literatura
fazendo-o escrever A Catástrofe do Humanismo e Rússia
propagandística nem como sinais de envelhecimento prema-
e a Intelligentzia; obras que o realista Gorki teria assinado.
2982 OTTO MARIA CABPEAUX
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2983

Alexander Blok ( 224 ) é um dos maiores poetas de todos como de uma quarta pessoa da Divindade, entre a Madona
oi tempos. Nem as dificuldades do idioma e a pouca tra- e a Gretchen, em Fausto; o verso goethiano
duzibilidade de poesia em geral e de poesia simbolista em
particular podiam limitar à Rússia o conhecimento da sua "Das Ewig-Weibliche zieht uns hinan!"
obra. É que Blok, russo típico na expressão, no sentimento
e nos assuntos, é ao mesmo tempo um poeta universal e eu- era o lema muito citado de Blok o da outros simbolistas
ropeu. Pertence ao grupo dos grandes "simbolistas mági- russos. Blok acreditava seriamente na existência celeste
cos", de George e Rilke, e revela sobretudo analogias sur- da Bela Dama; e Biely fortaleceu-o na esperança de vê-la,
preendentes com Yeats, na capacidade de transformar-se, um dia, descer para a Terra. Só assim at explica a teimosia
partindo de um neo-romantismo mais musical do que mís- com a qual Blok dedicou os anoa todos da sua mocidade ao
tico e criando uma poesia de realismo místico. Blok distin- culto poético da Bela Dama, já entlo com aquala ambi-
gue-se, enfim, dos outros "simbolistas mágicos" pela ati- guidade de expressão, característica da ma poesia, de modo
tude política: chegou a afirmar a revolução. E nisso tam- que o leitor nunca sabe com certeza de quem ta trata: da
bém revela a dignidade simbólica da sua vida. Começou virgem celeste dos pré-rafaelitas ingleses (que influíram
como simbolista russo: o novo estilo poético da língua em Blok) ou duma mulher muito terrestre, fisicamente
russa, criado por Balmont e Briussov, forneceu a Blok os amada, ou do Espírito Santo da poesia, ou então da Rússia,
meios de expressão, palavras densas de sentido, cheias de camponesa de rosto coberto pelo lenço e que ae revelará
alusões ao mundo "realior" que Soloviev profetizara. Blok, de maneira a embriagar ou apavorar o amante. Assim como
naqueles dias, acreditava literalmente nas revelações mís- Biely, Blok não distinguiu bem o plano da realidade e o
ticas dos monges e teólogos-leigos da Igreja oriental. No plano da visão, muito em favor da sua poesia e muito em
centro dessa doutrina mística, não impecavelmente orto- detrimento das suas esperanças. Quanto ao plano da visão,
doxa aliás, estava a figura da Sofia, da Sabedoria Divina, a Bela Dama não desceu; quanto ao plano da realidade, a
camponesa mística revelou o rosto, o da revolução de 1905
e do terrorismo de opressão tzarista que a seguiu. Nessa
224) Alexander Alevandrovltch Blok, 1880-1921.: desilusão nasceu a nova poesia de Blok, a sua, já fora doa
Os Ver soa da Bela Dama (1905); A Estrangeira (1906); Drama
de bonecos (1907); Alegria Inesperada (1907); Neve Sobre a preciosismos do simbolismo russo. A poesia dessa primeira
Terra (1908); Horas Noturnas (1911); Poesias Russas (1915); fase fora "bisantina" e de intensa musicalidade: o poeta
Os Doze (1918); Os Scitos (1918); A Catástrofe do Humanismo
(1919); Rússia e a lntelligentzia (1920). cantou as festas e as procissões da Igreja russa com os
Edição completa em 12 vols., Moscou, 1932/1936. ritmos insinuantes da música doa ciganos, à qual costu-
A. Blely: "Recordações Sobre A. A. Blok". (In Epopeia, Berlin.
1/4, 1922-1923. mava escutar, naqueles anos, durante noites inteiras. Agora,
M. Beketova: Alexander A. Blok. Leningrad, 1922. Blok voltou de Bizâncio e encontrou uma Rússia diferente
V. Chlrmunsky: A Poesia de A Blok. Petersburgo, 1922 (Em ruso). dos seus sonhos: subúrbios sujos, bordéis nauseabundos,
J. Aichenwald: Perfis, vol. III. Berlin, 1923. (Em russo).
L. Grossman: De Puchkin a Blok. Moscou, 1926. (Em russo). atmosfera noturna a peaada, e no ar a expectativa de um
S. Bonneau: UUniverse poétique d'Alexandre Blok. Paris, 1946. acontecimento apocalíptico. Bis o tema da segunda fase
L. Timofeiev: A. Blok. Moscou, 1946. (Em russo).
N. Berberova: Alexandre Blok et son temps. Paris, 1948. da poesia de Blok, poesia de desespero absoluto, mas não
K. Machulsky: Alexandre Blok. Paris, 1948. em versos tristes e melancólicos como os faria um decaden-
A. Miasnlkov: Alexander Alexandrovitch Blok. Moscou, 1949. (Em
russo).
2<>8<l OTTO M A R I A CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2985

tista. Esse "segundo estilo" de Blok parece-se muito com do mundo; atrás, o mundo burguês, "o rabo entre as per-
• iegunda fase de Yeats, pelo realismo direto da expressão nas, como um cão sem abrigo", e, em frente, "Nosso Senhor
densíssima. As imagens e metáforas são vistas e descritas Jesus Cristo coroado de rotii e estrelas". Esse verso final
com precisão quase fotográfica; mas sempre deixam trans- de "Os Doze" assustou os críticos; até hoje não chegaram
parecer uma outra realidade "mais real". O poeta fala de a pôr-se de acordo: pretendeu Blok conferir um sentido
mistérios e angústias terríveis em palavras "coloquiais", às religioso à revolução bolchevista, ou, então, pretendeu pro-
vezes vulgares, até ordinárias; não recua em face de ver- fetizar o fim da revolução sangrenta te idade peran-
dade alguma: A Bela Dama desceu para a Terra, e apare- te o Cristo? Em todo caso, o "Cristo" de Blok não é o de
ceu-lhe num restaurante de ciganos como prostituta. Certas Tolstoi nem o da Igreja ortodoxa e i «-nos o Redentor
poesias dessa época, como a famosa estrofe sobre um canal da Igreja latina; é algo como uma divindade eslava que re-
suburbano de Petersburgo no inverno, respiram a atmos- vela através de horrores atroxes seu am*. . to, per-
fera dos romances de Julien Green, parecem anunciar o doando a todos e tudo. É um símbolo em meio da realidade
suicídio. mais dura. Trata-se de um poema realista em versos simbo-
Mas Blok não se suicidou. Escreveu o poema No Cam- listas. Blok não pretendeu afirmar nada, mas aludir a fatos
po de Kulikovo e Os Scitos, poesias que pelo menos parecem reais de significação simbólica. O mais significativo desses
muito nacionalistas. O nacionalismo de Blok tem, no en- fatos, em "Os Doze", é o episódio de Kátia: a bela protu
tanto, outra significação do que o dos "bizantinos" ca- ta que todos amaram, e cujo assassínio é, no entanto, um alí-
pazes de servir à política pan-eslavista do governo do tzar. vio : o fim das orgias sexuais é como um despertar de sonhos
No Campo de Kulikovo também manifesta, em 1908, o re- nebulosos, tornando os camaradas livres para a açio revo-
ceio apocalíptico de uma derrota terrível: "A hora chegou. lucionária. Está, por outro lado, estabelecido que Blok, con-
É o tempo de rezar." E as esperanças proféticas de Blok forme a sua formação literária e filosófica, não podia falar
aparecem no poema "Nova América": renega a poesia das senão em símbolos religiosos. Foi por isso mesmo, talvez
cúpulas bizantinas, dos ícones e dos turíbulos, tão caros — aí existem só conjecturas — que Blok, depois de ter
aos simbolistas, para fazer declarações de amor a uma nova escrito "Os Doze", encerrou sua atividade poética. Publi-
Bela Dama, a Rússia industrializada, "americanizada", do cou ainda dois volumes de prosa, libelos vigorosos contra
futuro. A linha de evolução de Blok não é uma linha reta; o "falso humanismo" dos intelectuais e contra a Intelli-
anda entre sístoles e diástoles, entre tentativas de mago, gentzia reacionária. Frases e páginas inteiras desses livros
de forçar a descida da Beleza celeste e outras tentativas, parecem-se intimamente com frases e páginas de Oorki,
de entregar-se de corpo e alma aos elementos desenfrea- apesar da imensa diferença dos estilos pessoais: Blok, par-
dos da tempestade. Entre a Sofia e a Revolução, essas duas tindo de Biely, chegara a Gorki; depois morreu com estoi-
encarnações do "Espírito Santo da Poesia", Blok não sabia cismo digno, na agonia terrível em meio da agonia da sua
bem distinguir; e dessa ambiguidade característica nasceu cidade, assim como Biely as descreveu em páginas inesque-
— depois da revolução de 1917 — o maior dos seus poe- cíveis.
mas: "Os Doze", a marcha de doze soldados revolucioná-
O "caso Blok" — a transformação do simbolismo má-
rios pelas ruas noturnas da cidade apavorada, cometendo
gico em poesia revolucinária — é um caso russo; um Yeats
crimes horrorosos e, no entanto, marchando para a redenção
ou um George nunca chegariam a tanto. Mas não é só um
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2987
2986 OTTO MARIA CARPEAUX
Ao grupo de Nyugat pertenciam escritores das mais di-
caso russo. Os acontecimentos que o produziram e acom- ferentes ideologias: do conservador Babits até o revo-
panharam atingiram toda a Europa oriental e não só esta. lucionário Ady. Ideologia nenhuma se podia atribuir ao
A revolução russa de 1905 é o fato decisivo na vida de fino poeta Kosztolányi ( t M " A ) , discípulo dos simbolistas
Blok; e tinha fortes repercussões no estrangeiro. Ao êxito franceses, cantor de infinita» tristezas na solidão da
inicial da revolução russa ligam-se até o movimento agra- grande cidade. Nos romances, especialmente em Edes
rista no Oeste dos Estados Unidos, as reformas democrá- Anna, nota-se certa veia dostoievakíana. Um escritor como
ticas na Inglaterra, os distúrbios anarquistas na Espanha e Kosztolányi só é possível em ambiente literário altamente
no sul da França. Consequência imediata daquela revolu- culto e requintado. Ma» o ambiente social da Hungria de
ção foi a instituição do sufrágio universal na Áustria. Mas 1910 era diferente: feudal e comercial. £ contra essa alian-
na outra parte do Império habsburgo, na Hungria, a aris- ça de "sangue e ouro" rebclou-se aquele grupo de espíritos
tocracia latifundiária resistiu às reformas pedidas pela pe- autenticamente revolucionário».
quena-burguesia democrática, por medo dos operários socia- A esse grupo pertenceu Ady ( a a B ), que não conseguiu
listas e das nacionalidades eslovaca, romena e sérvia que a fama internacional de Petoefi, ma» que parece, no en-
constituíam, juntas, a maioria da população do reino go- tanto, ter sido o poeta máximo dos húngaros. Fora um
vernado pela raça húngara, magiar. Para manter a ordem jornalista provinciano, filho pródigo da gentry dirigente,
estabelecida, a gentry serviu-se de um pseudoparlamenta- vindo a tornar-se democrata; depois, apóstata da poesia
rismo, parecido com o da Restauração espanhola, respiran- tradicional, tornando-se simbolista; enfim, apóstata do
do-se no pais o mesmo ar provinciano. Agora, sob o impacto simbolismo, como Blok, para tornar-se socialista. O es-
da revolução russa de 1905, surgiu na Hungria mais um trangeiro, de leitor de traduções, notará na música do verso
daqueles movimentos de renovação nacional por meio de de Ady a influência francesa, sobretudo de Verlaine; de-
uma "europeização", movimento do tipo da "generación de pois, a influência de Baudelaire, no horror de certos aspec-
1898" na Espanha e da "Você" na Itália. Os escritores tos da vida moderna e no "satanismo" violento do "Hino da
avançados reuniram-se, em 1908, em torno de uma revista Negação"; enfim, a de Rimbaud; mas aí a crítica húngara se
de nome significativo: Nyugat, quer dizer, Ocidente. Di-
rigiu-a o crítico combativo Hugo Beigelsberg, mais conhe-
cido sob o pseudónimo "Ignotus", espécie de Brandes hún-
224A) Desider Kosztolányi. 1885-1936.
garo; financiou-a um judeu rico de tendências democráti- Lamentos do Pobre Menino (1910); Lamentos do Homem Triste
cas, o barão Hatvani; colaboraram jovens poetas e roman- (1921); O Poeta Sangrento (1921): Edes Anna (1927).
J. Turoczl-TroBtler: "Desider Kosztolányi". (In: Nyugat, 1928).
cistas de gostos muitos diversos, o "poeta doctus" Babits e (Em húngaro).
o neonaturalista Móricz e muitos outros, menos importan- 225) Endre Ady, 1877-1919.
tes, unidos pela oposição ao espírito provinciano e atrasado Novos Poemas (1908); Sangue e Ouro (1908); No Caminho de
Elias (1909); Deveis Amar-me ( l í l ta Fugitiva (1912);
do país. A Hungria deve a eles uma renovação literária Nosso Próprio Amor (1913); Guiando os Mortos (1918); Os úl-
completa; e a um pequeno grupo entre eles, a preparação timos Navios (1923).
G. Foeldessy: Estudos sobre Ady. Budapest, 1921. (Em húngaro).
da revolução democrática de 1918, que logo se transfor- B. Révész: Endre Ady. Budapest, 1922. (Em húngaro).
mará em revolução comunista. L. Ady: Endre Ady. Budapest, 1924 (Em húngaro).
A. Schoepflin: "Ady". (In: Anais húngaros, 1925). (Em húngaro).
2988 OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2989

opôs às comparações. Está certo que Ady, poeta revol- Teria dito: "Esta não é a revolução que eu esperava."
tado, não se parece com ninguém mais do que com Rim- E esta frase serviu aos reacionários húngaros para "rea-
baud; mas este era europeu, revoltado contra a civilização bilitá-lo", de modo que, hoje, esquerda e direita concor-
europeia; e Ady era filho de um povo oriental, superficial- dam, reconhecendo em Ady o grande poeta da nação. Mas
mente europeizado; até em sua língua de poeta moderno a revolução comunista, o poeta nlo a viu, e a revolução de-
e, até certo ponto, afrancesado, encontra a crítica húngara mocrática êle a tinha saudado em estrofes ardentes. O sen-
resíduos arcaicos, do "subsolo" da raça; o que tem inspi- tido daquela frase deve ser outro, parecido com a signifi-
rado interpretações "racistas" e reacionárias desse poeta cação do silêncio poético de Blok depois de 1918. Blok e
revoltado. Na verdade, sua revolta devia ter significação Ady, os dois grandes revolucionários entre os "simbolistas
mágicos", ambos sentiram a incapacidade da sua poesia, do
diferente. Um espírito tão radical como o Ady só admitiu
seu estilo, de dar expressão a um mundo nÔvo, que exigia
uma alternativa: ou europeização completa, ou então de-
outros símbolos e até outra "magia". Nem Blok nem Ady,
seuropeização completa. A deseuropeização não estava nas
por mais avançados que tenham parecido aos contemporâ-
cogitações de Ady, que também era radical em política;
neos, eram "modernistas", no sentido do "modernismo"
mas estava no seu subconsciente racial, criando uma poe-
poético de Apollinaire; daquele modernismo inconoclasta
sia inteiramente original, cheia de resíduos de velhos mitos que, por volta de 1910, já se preparava em capitais de civi-
esquecidos, do animismo primitivo. Através de negações lização muito mais antiga do que Petersburgo e Budapeste:
blasfemas chegou Ady a uma poesia religiosa de suprema em Paris e Florença, como também em Nova Iorque.
originalidade que lhe forneceu as imagens apocalípticas
"Esta não é a revolução que eu esperava": a frase teria,
para simbolizar a guerra e a revolução. Poesia intensamen-
então, sentido literário; mas também tem, apesar de tudo,
te romântica, mas todo diferente do romantismo húngaro
sentido político, o da desilusão de sempre dos intelectuais
que fora imitação dos romantismos francês e alemão; de
em face da revolução que prepararam. Muitos dos inte-
modo que os críticos conseguiram, só por meio de artifícios, lectuais russos teriam repetido aquela frase em 1917; po-
encontrar precursores de Ady na história literária da Hun- diam repeti-la na Europa central, depois de 1918, embora
gria, como o poeta pessimista Vajda. A poesia de Ady pa- por motivos diferentes; e, depois de 1922 e 1923, a queixa
recia aos conservadores um desafio à memória do poeta e já se levantou na Itália, na Alemanha e em toda a parte.
herói nacional Petoefi; e o próprio primeiro-ministro, con- Seria possível afirmar que as ideias do século XIX, das
de Tisza, representante supremo da aristocracia latifundiá- quais aqueles intelectuais provieram, não eram capazes de
ria e nacionalista, pegou na pena para escrever contra o aplicação aos problemas sociais do século XX. No terreno
blasfemador. Ady respondeu com violência; iniciava-se a da literatura, os estilos tradicionais tampouco eram capa-
luta épica entre o poeta e o estadista que durou até a der- zes de servir a fins revolucionários. S l o testemunhos dessa
rota militar da Hungria, em 1918, a revolução e o assassi- situação escritores como Pérez de Ayala e Heinrich Mann,
nato do primeiro-ministro; Ady morreu dias antes de re- dois representantes típicos da Intelligentzia europeia, de-
bentar a revolução comunista. mocrática.
2990 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2991

Pérez de Ayala ( 220 ) é, entre os romancistas europeus à maneira das obras de combate anticlerical de Galdós é
do século XX, o maior estilista; e se o estilo fosse a qua-
A. M. D. G., denunciando as práticas de educação dos je-
lidade predominante na arte novelística — o que não acon-
tece — Pérez de Ayala seria um dos maiores romancistas suítas; a paixão algo juvenil das recordações autobiográfi-
de todos os tempos. Em vez disso, só é um dos mais sutis, cas do autor prejudica a obra, que adquiriu novo interesse
dos mais inteligentes. Dura e seca é sua poesia. Não há mo- quando os críticos começaram a compará-la com outra obra
tivo para desprezá-la; a poesia reflexiva não é inferior a de tema idêntico, A Portralt of the Artist as a Young
outros géneros. Mas nota-se o tradicionalismo do poeta. É Man, de Joyce — a comparação sistemática das duas obras
um intelectual sem a paixão intelectual de um Unamuno; iria longe, pela necessidade da analisar elementos formais
a sobriedade da sua natureza, sempre autocrítica, preser-
que são mais que formais. O homem de 98, com toda sua
vou-o das exuberâncias verbais e sentimentais do "moder-
nismo" hispano-americano; mas tampouco era possível o agudeza intelectual, aparece em Trotara* y danzaderas, crí-
passo mais adiante, para o modernismo poético europeu. tica cruel da Espanha que só teria dado "troteras y danza-
Pérez de Ayala é homem de formação inglesa, um dos es- deras" à civilização europeia; critica do ponto de vista de
panhóis mais europeizados da época. Mas a sua Europa não uma boémia madrilenha, altamente intelectualizada, e ao
é a de 1920, nem sequer a de 1910; antes a de 1890, ou, mais mesmo tempo crítica dessa boémia madrilenha e ainda algo
exatamente: a Europa de um "espanhol de 1898". Pérez de provinciana, do ponto de vista de um espanhol altamente
Ayala é mais moço do que os grandes chefes do movimento
europeizado. Considerado como obra de ficção em sentido
de autocrítica pessimista da Espanha; mas ficou invaria-
velmente fiel aos seus ideais, só modificados pelo libera- tradicional, é Troteras y danzaderas o meli >ance de
lismo de Pérez Galdós que ele tomou como guia, enquanto Pérez de Ayala, cheio de vida e de paixlo humana. Sente-se
os outros desprezavam o grande precursor. Um romance a escola de Pérez Galdós. Apenas, a tese é injusta. A Espa-
nha também deu alguma outra coisa à civilização europeia
226) Ramón Pérez de Ayala, 1881-1962. além de "troteras y danzaderas", e o velho mestre Galdós
La paz dei sendero (1903); A. M. D. G. (1910); La pata de la
raposa (1912); Troteras y danzaderas (1913); Prometeo, Luz de nunca teria concordado com aquela tese. Pérez de Ayala,
domingo, La caida de los timones (1916); El sendero innumera-
ble (1916); Belarmino y Apolonio (1921); El sendero andante e isso revela a sua probidade intelectual realmente exem-
(1921); Luna de miei, luna de hiel (1923): Los trabajos de Ur-
bano y Simona (1923); El curandero de su honra (1926); Bajo plar, corrigiu-se a si mesmo. Escreveu Belarmino y Apo-
el signo de Artemisa (1943). lonio. É a crítica mais atroz que a civilização espanhola já
S. Madariaga: "Ramón Pérez de Ayala". (In: Semblanzas literá-
rias contemporâneas. Barcelona, 1924). sofreu, personificada como está em dois sapateiros lamen-
R. Canslnos-Assens: "Ramón Pérez de Ayala". (In: La nueva li- tavelmente empobrecidos, um deles julgando-se filósofo
teratura, vol. IV. Madrid, 1927).
F. Agustín: Ramón Pérez de Ayala, su vida y sus obras. Madrid, porque se dedica aos verbalismos mais absurdos, e o outro
1927.
C. Barja: "Ramón Pérez de Ayala". (In: Libros y autores contem- julgando-se poeta porque glorificando a vida banalíssima
porâneos. Madrid, 1935).
de província, em tragédias pomposas. Mas, desta vez, Pé-
O. Claverla: Cinco estúdios de literatura espaúola moderna. Sa-
lamanca, 1946. rez de Ayala fica imparcial como o seu mestre. Deixa cho-
K. W. Reinink: Algunos aspectos literários y linguisticos de la
obra de Ramón Pérez de Ayala. Hag, 1959. ver os seus sarcasmos sobre clericais e republicanos igual-
2998 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2993

mente. Como lhe aconselhou Dom Amaranto, o delicioso O caminho inverso foi o de Heinrich Mann ( 2 2 7 ), e o
"sábio de seis pesetas" do "Prólogo", vê de dois lados a caso é tanto mais importante porque se trata do tipo per-
feito de um intelectual radical, burguês democrático do
Rua Ruera, o palco em que se passa essa tragicomédia es-
século XIX, vivendo em pleno século XX, representante de
panhola: uma vez com amontoado de velhas casas anti-hi-
certa Intelligentzia europeia de 1910 e ainda de 1920 —
giênicas, passíveis de substituição imediata por habitações pelo menos retratou-o assim seu "frère ennemi" Thomas
modernas, e outra vez como panorama da Espanha antiga, Mann, nas Betrachtungen êines Unpolitiachen (Considera-
mística e artística, indestrutível. Assim, resultou uma obra ções de Um A politico), no tempo em que Thomas ainda era
de valor simbólico, uma das mais duradouras que o século conservador prussiano. O ponto de partida de Heinrich
XX já produziu, monumento que uma grande inteligência Mann era de um esteta impaciente: da Alemanha insupor-
erigiu ao seu grande país. Tem o único defeito, grave aliás, tável do Kaiser fugiu para o mundo colorido do Medi-
de carecer de calor humano — tudo se dissolve em ironia, terrâneo, imaginando uma Itália d'annunziana, cm con-
traste vivo com a cidadezinha alemã na qual o herói la-
Meredith teria aplaudido, não sem sentir ciúmes quanto
mentável de Professor Unrat martiriza os colegiais e cai
à clareza da exposição. Porque todas as qualidades e defei-
em duvidosas aventuras eróticas. Com esse seu melhor ro-
tos de Belarmino y Apolonio decorrem da aplicação do ins- mance, cujo enredo e personagens o mundo lá fora co-
trumento que operou aquela "vista da Rua Ruera de dois nheceu pelo filme O Anjo Azul, Mann pertence ao mundo
lados": do estilo. É obra de um grande estilista. Depois, de "troteras y danzaderas" da Alemanha, à Intelligentzia-
Pérez de Ayala será só estilista. Os romances posteriores, boêmia de 1900 e 1910. Foram motivos estéticos que o irri-
embora sempre tratando problemas vitais da Espanha, são taram inicialmente contra o mau gosto da arte e do estilo
como cristais: perfeitos e sem vida. Os críticos hostis ao de viver na Alemanha do Kaiser Guilherme II. Aquele
romancista pretendem explicar essa estagnação com esgo- romance Professor Unrat já é uma caricatura daumieresca do
"homem alemão" típico. Caricaturais, também, são os três
tamento, antes do tempo, de uma inteligência seca, tão in-
romances, escritos durante a primeira guerra mundial, nos
capaz de voltar à tradição clerical do sapateiro Apolonio
quais Heinrich Mann esboçou um panorama da sociedade
quanto de acompanhar o entusiasmo republicano do sapa- feudal, militarista e burguesa em agonia: Der Untertan
teiro Belarmino. Mas o cepticismo de Pérez de Ayala é an- (O Súdito), Die Armen (Os Pobres), Der Kopf (A Ca-
tes de natureza estética. Em vez de desenvolver, "moder-
nizar", a sua poesia, entrou na Academia. O autor de A. M.
227) Heinrich Mann. 1871-1960.
D. G. era incapaz de dar o passo que levou Joyce, de A Im SchlaraffenUtnd (1901>; Die Qoettinnen oder die drei Roma-
Portrait oi the Artist as a Young Man, à dissolução de for- ne der Hcrzogin von Asay (1802/1803); Die Jagd nach Liebe
{1903); Professor I <)5); Zwtachen den Raaaen (1907); Die
ma novelística em Ulysses. Sem dúvida, é Belarmino y kleine Stadt (1910>; Der Untertan (1814); Die Armen (1917);
Der Kopf (1925); Mutter Marie (1827); Eugenie oder die Buerger-
Apolonio uma obra mais perfeita; mas a sua influência so- zeit (1929); Die grosae Sache (1830); Die Jugend des Koenigs
bre a literatura do século XX ficou nula — sobreviverá, Henri IV (1936); Die Vollendung des Koenigs Henri IV (1938).
H. SlnsheiítK ru Werk. Berlln. 1922.
sub specie aeternitatis, no reino das ideias platónicas do H. Muehlestein: Heinrich Mann. Verwirklichte Idee. Zuerich. 1945.
H. Ihering: Heinrich Mann. Berlln, 1951.
estilo em língua castelhana. H. Welssteln: Heinrich Mann. Tuebingen, 1962.
2()<) l OTTO MARIA CABPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2995

beça). Nessas obras, o escritor se aproxima mais do expres- de oposição. Em 1900 publicou Moody ( 228 ) o nobre poema
sionismo. Depois, quanto mais avançou politicamente para "An Ode in Time of Heaitation", seguido pela ode "On
a esquerda, tanto mais retrocedeu literariamente: Die gros- a Soldier Fallen in the Philippinea":
se Sache (O Grande Negócio) retrata a sociedade da Re-
pública de Weimar com empalecidas cores balzaquianas. "Blindness we may forgivc, but baseness we will
Com a vanguarda literária de então, Heinrich Mann já smite...",
não tinha contato. Ficou, porém, corajosamente fiel à ati-
tude oposicionista, até o fim da vida no exílio. Sobreviverá disse o poeta, lembrando em maio dos "hurraa" dos pa-
como vigoroso panfletário político. trioteiros os "sounds of ignobla battle". A critica falou
em "Chénier americano", comparando-lho a coragem à do
O progresso literário, por volta de 1900, só tinha um
satírico dos Jambes. O estilo devia sátira moderna era tio
caminho aberto para a revolta da vanguarda por volta de classicista como o dos melhorei achatar poeta de Comi-
1910: através da boémia. Será este, também, o caminho ge, Massachussetts. Pode-se afll toda relação
da literatura norte-americana. entre essa poesia oposicionista da 1000 a a poesia moder-
Apesar dos esforços de Howells e poucos outros, a li- nista de Masters, de 1915, porque a vot da Moody era a
teratura norte-americana do fim do século XIX continuou de um intelectual isolado. Os recursos poéticos da Moody
perfeitamente fora da realidade do país. No tempo da cria- nunca lhe teriam permitido outra oposição do que aanlo o
ção dos grandes trustes e da guerra imperialista contra a protesto moral do não-conformista. Algo como o Moody da
prosa, com qualidades artísticas bem menores, sarla Wins-
Espanha, nos tempos mais agitados da Bolsa de Chicago
ton Churchill ( 22 °), que se tornara famoso com três roman-
e das jornadas democráticas de Bryan no Middle West
ces históricos sobre momentos decisivos na evoluçio dos
agrário, a literatura norte-americana continuou limitada Estados Unidos. Como não-conformista, Churchill escre-
aos círculos de Boston, que cultivaram a "genteel tradi- veu The Inside of the Cup, história de um pastor liberal
tion" nôvo-inglêsa, já transformada em múmia. Mark numa comunidade de protestantes ortodoxos; a o mesmo
Twain foi considerado palhaço. Henry James estava, ha- nâo-conformismo levou-o a apoiar a política antltrustlsta
via muito, expatriado para a Inglaterra. O puritanismo, e anticorrupcionista do presidente Theodore Roosevclt. em
ainda dominando a opinião pública, impediu a formação romances que foram chamados "sociológicos", porque ata-
de uma boémia que poderia ser, como em outros países, o
núcleo de uma futura revolução literária.
228) Wllllam Vaughn ru H IslQ
Quem deu o sinal para a revolta foi o próprio impe-
The Masque of Judament (1900); Potmu < i,e Fire-Bringer
rialismo econômico-político. Em 1898, sob a presidência de (1904) etc.
McKinley e o triunfo da "Gilded Age", os Estados Uni- Edição por J. M. Mnnlv, N- 1013.
D. D. Henry: William Vanghn Moody. New York, 1034.
dos, em guerra contra a Espanha, conquistaram Cuba e as 229) Winston Churchill, 1871-1847.
Filipinas; prometeram libertá-las; mas ocuparam-nas por Richard Carvel (XI t* Crisis (1001); The Crossing (1904);
Coniston (1906); Mr. Crewe's Career (1908); The Inside of the
tempo indefinido. Foi então que se levantou a primeira voz Cup (1913); A Far Country (1016) etc.
A. H. Qulnn: American Fiction. New York, 1936.
HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 2997
2996 OTTO MARIA CABPEAUX

riana, assim como o cultivou Willa Cather ( 2 8 2 ) ; artista


caram, com competência e conhecimentos de causa, as re-
lações entre as assembleias legislativas e as grandes com- conservadora e nobre, cheia de simpatia para com as víti-
panhias. O realismo moderado e a composição bastante mas mais infelizes, as mulheres e os novos imigrantes eu-
hábil desses romances não chegam a esconder a admiração ropeus; Willa Cather é mesmo uma escritora meio euro-
secreta, involuntária, do escritor pelos grandes piratas peia; elemento significativo de sua arte é o catolicismo,
económicos; Churchill foi um realista pós-romântico, não que então ainda passava por ser a religião "menos ameri-
um renovador, mas um epígono. cana". Americano autêntico da "fronteira agrária" é Car-
land ( a 8 S ), "populista", homem pouco culto, hostil a imita-
Uma oposição mais séria começa no "Middle Border",
ção de modelos franceses ou ingleses pelos realistai e natu-
nas grandes regiões agrárias do Oeste, gravemente preju-
ralistas, excitado e perturbado pela doutrina meio so-
dicadas pelos proibitivos direitos alfandegários do bill Mac
cialista de Progress and Poverty, de Henry George. Crum-
Kinley. O democrata Bryan, natureza de apóstolo, é o che-
bling JdoJs chamou Garland a um volume de ensaios, e esse
fe dos agrários revoltados nas campanhas eleitorais de
1896 e 1900; evoca a memória do grande democrata sulino título define bem o zelo iconoclasta dos seus primeiros
Jefferson, que lutara contra Hamilton e os capitalistas de romances que Parrington caracterizou como histórias do
Nova Iorque ( 29 °-A). N a literatura, o precursor do "popu- "man in a state of nature, with exalted social responsibi-
lismo" fora Edgar Watson Howe ( 28 °), o primeiro realista lities". Muitos anos mais tarde, esse Rousseau americano
americano, autor da Story of a Contry Town. Defende as continuou e terminou a sua formidável autobiografia, a
pequenas cidades agrárias do Middle Border; então em saga do Middle Border; mas a crítica aproveita até hoje
1882, Howe ainda explica a miséria no Oeste pelas condi- os evidentes defeitos literários de Garland para não lhe
ções de vida dos pioneiros. Deveu-se a Turner ( 231 ) com- levar a sério a oposição sincera e radical. Preferem elo-
preensão melhor da significação histórica do momento em
que o território inteiro dos Estados Unidos estava econo-
micamente ocupado: então, o individualismo indómito do 232) Willa Cather, 1876-1947.
pioneiro no Oeste perdeu o sentido; e começou a luta de O Pioneers! (1913); The Song of the Lark (1910); My A>
(1918); A Lost Lady (1923); The Professora Houne (1920); Death
classe dos agrários contra a sobrevivência do mesmo indi- Comes for the Archbisltop (1927).
vidualismo desenfreado nos capitalistas das grandes cida- D. Dalches: Willa Cather, a Criticai Introduction, Ithaes, 1981.
des, de Nova Iorque e Chicago. Também perdeu o sentido o E. K. Braun: Willa Cather. A Criticai Biography. New York, 1983.
233) Ham <id, 1860-1940.
romântico "romance da fronteira da civilização", o Far-
Man 'd Roads (1891); Prairiê Folha (1192); Crumbling
West da tradição de Cooper e Bret H a r t e ; surge o roman- Idols (1894); Roae of Dutohtfê COÔfy (1990) Is the
ce "agrário". No princípio ainda foi romance rústico, trans- Prairie (1899); The Eaglea H< >f the
figuração saudosista e idílica do passado, de feição vito- Qray-Horae Troop (1909); A Bon of the Middle Border (1917);
A Daughter o/ the M der (19iM ett of the
Middle Border (1928); Back-Trailer» from the Middle Border
(1928).
L. L. Hazard: The Frontier in American are. New York,
1917.
229A) J. D. Hicks: The Populist Revolt. Minneapolis, 1831. V. L. Parringi «larlsnd and bha Middle Border". (In:
Main Currents in i. New York. 1930).
230) Cf. "A Conversão do Naturalismo", nota 98. F. Gronewald: The Social Crlticiam of Hamlin Garland. New
231) F. J. Turner: The Frontier in American History. New York, 1920. York, 1943. (Tese da Colômbia Unlveralty).
2998 OTTO MARIA CARPEAUX
IRIA DA OCIDENTAL 2999
284
giar Roelvaag ( ), que é um caso singular na literatura
americana: esse norueguês, nascido na ilha de Donna, perto x i s m o temporário de Beard ("f*), para o agrarismo de Par-
do círculo ártico, chegou só com vinte anos de idade nos rington ( 2 3 7 ) , em que se n nla mosma hostilidade
Estados Unidos, e em língua norueguesa escreveu os ro- antivebleniana contra as fomn» >rtf de cultura: n o s
mances trágicos da imigração, traduzidos depois para o capítulos literários da sua • pensamen-
inglês: Giants in the Earth, The Boat of Longing. A com- to americano, Parrington revcl lOStll de
paração, já sugerida, com Bojer será menos interessante do f e n ó m e n o s como P o e e Henry J
que a com Hamsun — dois populismos diferentes. da realidade americana". Como •• é com-
No mesmo ambiente, com Roelvaag — a imigração no- p e t e n t e n e m sério. A importância l
rueguesa no Middle West dos Estados Unidos — surgira, reside na sistematização da oposi>,
uma geração antes, o sociólogo Veblen ( 2 3 5 ) ; a sua obra versão ao n e o j e f f e r s o n i a n i s m o coiíu
principal, The Theory of the Leisure Class, já se publicara a publicação da Spoon River Anthol
em 1899, mas ficou durante anos propriedade exclusiva de ponto de encontro da revolta contra o -
uma seita de jovens admiradores, alunos e discípulos do com a poesia modernista. Mas, então, 0
professor esquisitão que Veblen era. Quando, porém, a lista já não é só primitivista. Ainda em Hov
Theory of the Leisure Class chegou a chamar a atenção aldeia e a pequena cidade do Middle West
de círculos mais amplos, produziu o efeito de uma bomba idílio, perturbado pelas forças económicas il
de anarquista; o que Veblen também foi, aliás. Sua so- a consciência dos fatos e o conhecimento
ciologia só pode ser por equívoco chamada socialista; é o ciológicas já não permitem essa atitude. Zon..
grito de revolta de um homem primitivo contra as atitudes que ainda em 1908 cantara o elogio do
desumanas e o luxo ostensivo (a "conspicuous consump- Village, denunciará em Miss Lulu Bett o anil
tion") da burguesia. Tem força de um libelo satírico; e quinho, de recalques puritanos, da pequena
nota-se que a sátira atinge não somente o luxo bárbaro dos na como culpado de neuroses. Daí há só um pas*<
novos-ricos americanos, mas também qualquer tentativa literatura psicanalítica de Sherwood Ander:
de introduzir nos Estados Unidos padrões mais altos de Uma visão mais larga da realidade americana Jí«
cultura. Algo comparável a Nekrassov e à "literatura de permitiu preocupar-se unilateralmente com a
acusação" russa, Veblen não admite poesia nem arte nem agrária. O passo para a crítica social da cidade já f<
nada de semelhante, enquanto há problemas sociais para
resolver. De Veblen, a oposição passou, através do mar-
236) Ch. A. Beard: The Economic Interpretation of thê ConttHr
(1913).
234) Ole Edvart Roelvaag, 1878-1031. Oh. A. Beard: Economia Origlnt of Jeffersonian Democracy. (1918).
Giants in the Earth (1927); Peder Victorions (1929); Their Fa- 237) V. I Main Currmti in Aemrican Thought. 8 vota.
ther's God (1931); The Boat of Longing (1933). New York. 1927/1930.
N. O. Solum e Th. Jorgensen: O. E. Roelvaag. New Yodk, 1939.
235) Thorsteln Veblen, 1857-1929. 238) Cf. "A Revolta tio» Modarnltmos", nota 88.
The Theory of the Leisure Class (1899); The Place of Science in 239) Zona Gale, 1874-1"
Modem Cnvilization (1921) etc. Frlendsh <e (1908); •</« Bett (1920).
J. A. Hobson: Veblen. London, 1936. A. Derleth: Still Small Vala*. Th* tílographp Gale. New
York, 1940.
3000 OTTO MARIA CARPEAUX Ili-imw L DA Li 0< IDE NTAL 3001

0 talento de precursor de Henry Blake Fuller ( 24 °), fi- anos em que Vizetelly, o tradutor inglês de Zola, foi per-
lho da rude e meio selvagem Chicago de 1890. Mas foi um seguido pela policia. Uma critica •uperficial pensava só
"civilized Chicagoan", conforme a expressão de um crítico; em Zola, ao encontrar em Dreiter descrições meticulosas
um literato afrancesado e até italianizado. Na Europa do ambiente social e sobretudo as famosas "cenas sexuais".
conhecera Zola; e tornar-se o Zola de Chicago foi a sua Mais seria, com efeito, < iteressante uma comparação
ambição. Realizou obra de pioneiro, de importância his- sistemática entre Zola e Dreiser j por exemplo, entre Sis-
tórica, mas sem capacidade de sair do romantismo da vi- ter Carrie e Nana. Os nsturslismos do francês e do ame-
são; e o romantismo inato do seu sucessor Frank Norris ( 2 n ) ricano têm, igualmente, raises românticas; dai s superficia-
só demonstrou, mais uma vez, que a fórmula europeia do lidade da análise sociológica e o gosto dos efeitos melo-
naturalismo não era suficiente para resolver o problema li- dramáticos. As analogias sâo muitas. Mar »r*tc. em
terário proposto aos romancistas americanos. Zola, pendam da An American Tragedy. £ este fato bas-
Essa solução encontrou-se numa espécie de naturalis- ta para indicar o resultado da comparaçio: <nça
mo indígena: o assunto de Zola, visto através do tempe- reside principalmente na atitude moral. Dreiser é tio mo-
ramento de um americano rural. Só assim foi possível eli- ralista como Zola, mas chega a outras conclusões. O fran-
minar o realismo moderado e conformista da "genteel tra- cês acusa, indignado, uma sociedade corrupta; o america-
dition". Eis a posição histórica de Theodore Dreiser ( 2 4 2 ). no, em face do mesmo fenómeno, chega a duvidar da exis-
Os começos da sua difícil carreira literária estavam mar- tência de leis morais nas quais se poderia estribar a conde*
cados pela indignação das "associações contra a divulga- nação. Zola é um pequeno-burguês irritado contra os
ção de livros imorais" e pela covardia dos editores; duran- cios dos grandes, cuja corrução observa, em Paris, de per-
te dez anos, Dreiser não podia publicar nada. Foram os to. Dreiser é um proletário rural, curioso de verificar os
meios pelos quais se vence no grande mundo das finan-
çao e da arte; mas encontra em Chicago e Nova Iorque
nada mais que pequenas infâmias e grandes estupidezes,
240) Henry Blake Fuller, 1857-1929. uma vida grosseira sem grandeza, na qual vence nem Deus
The Cliff-Dwellers (1893); With the Procession (1895).
A. Morgan (edit.): Tributes to Henry Blake Fuller from Friends. nem o diabo mas o indivíduo menos escrupuloso, causan-
New York, 1929. do as tragédias sem grandeza dos outros indivíduos. Por
C. M. Orfffin: Henry Blake Fuller. Philadelphia, 1939.
um momento pensa-se no realismo trágico de George Eliot,
241) Cí. "A Conversão do Naturalismo", nota 101.
uma Eliot masculina sem reticências. Mas Dreiser nlo é
242) Theodore Dreiser, 1871-1945.
Sister Carrie (1900); Jennie Gerhardt (1911); The Fino um intelectual; é homem primitivo. Não tem nada da gran-
(1912); The Titan (1914); The Genius (1915); The Hand of the de arte de George Eliot; mas sua ingenuidade de homem
Potter (1918); Twelve Men (1919); An American Tragedy (1925);
The Bulwark (1946). rural é mais autêntica do que a da novelista da vida rural
H. L. Mencken: A Book of Prejaces. New York, 1917. inglesa. Às vezes, o leitor se lembra de Hardy; e com efei-
T. K. Whlpple: Spokesmen. New York, 1928.
C. Van Doren: a"Theodore Dreiser". (In: Contemporary Ameri- to, com nenhum escritor europeu o autor de Jennie Ge-
can Novelists. 2. ed. New York, 1939). rhardt e da An American Tragedy se parece mais do que
R. H. Elias: Theodore Dreiser, Apostle of Nature. New York, 1948. com o autor de Tess of the D'Urbervilles e Jude the Obs-
F. O. Matthiessen: Theodore Dreiser. New York, 1951.
A. Kazln e Ch. Shapiro: The Stature of Theodore Dreiser. A cure. A sua visão da vida é quase a mesma, a de uma luta
Criticai Survey of the Man and his Work. Indlanapols, 1956.
/

OTTO M A R I A CARPEAUX
HlSTÔlUJ Dá I l i OomBVfTAL 3003
desesperada sem sentido, de desfecho fatalmente trágico.
assim as minúcias d l investigaçfto policial e dos debates
Assim como Hardy, Dreiser é agnóstico e niilista; assim
judiciários que '«de da obra. Mas há mais outro
como Hardy, Dreiser pede perdão e "pity" pelos homens,
motivo para isso: a < • o sensacionalismo do re-
irresponsáveis no fundo, criaturas às quais o destino pres-
pórter. Dreisei >tpra repórter. An American
creveu o caminho da glória ou do crime. Não há nisso nada
Tragedy nâo s« •< o caso judiei.' i in-
de predestinacionismo puritano. Antes certo realismo prá-
divíduo lôsss uma reportagem >
tico de um americano que se encontra surpreendentemente
sãmente do« ito, grande part< ince
com Nietzsche, substituindo o dualismo entre Bem e Mal
é transcrição, às v« raj, dos documentos do famoso
pelo dualismo entre Forte e Fraco. Se tudo, neste Universo,
"Chester Gilletl • murder case" d As-
é absurdo, o romancista perderia o fio, submergindo em fa-
sim revela-se i IO incontestável das
tos sem significação — se não houvesse os indivíduos for-
quéneia imo americano dentro do SIM
tes que se elevam pelo sucesso. E Dreiser, que sentira
do capitalifii grandiosa acusação OOti
"pity" para com as vítimas de Carrie, não dissimula a ad-
sistema IC à objeçio de que nem todos »<
miração que lhe inspira o grande financista Frank Cow-
les individu nftdorcs ou vítimas do sistn
perwood, o herói de The Financier e The Titan. Deste
bam como assai 'relser responderia: — mas
modo, o socialista Dreiser erigiu um grande monumento —
acabar assin< vós outros é capaz de di
não ao capitalismo, mas ao capitalista americano. Mas é
certeza poi assim. Reside nisso mesmo a ge-
Dreiser socialista? Os documentos do seu socialismo, Looks
neralidade as vezes angustiosa daa obrar
at Rússia (1928) e Tragic America (1913), são posteriores
arte.
aos grandes romances; e mais tarde revelará, surpreenden-
temente, tendências reacionárias. Dreiser é como um Hardy <M ilias, maneira de dizer. Falta mi
que teria reconhecido enfim as causas económicas do mal- para tau é somente o pior estilista, o
estar vitoriano. No início, o pessimismo niilista de Dreiser escritor ratura americana moderna. Am
excluiu a atitude socialista, assim como em Hardy. Mesmo escreve I >o sabe pensar direito. Sua soei'
aproximando-se do socialismo, Dreiser não abandonou o gía • Ha instintiva de um hoi
pessimismo, mas substituiu o niilismo por uma visão ma-
tivo. Até o '-naturalismo está sujeito a il
niquéia do mundo — Deus também é o culpado em The-
sua vis;i *o superficial e estreita
Hand of the Potter, drama naturalista da perversão sexual
Veblcn i m d o da realidade tudn i
inata — mais uma visão hardyana. E a mais hardyana das
é acessíval à •> de um repórter ( 242 " A ). E, às v.
obras de Dreiser é a última: An American Tragedy. Vinte
esse repórter chega a ser mal informado: desconhece as i
anos antes, Dreiser fora o alvo dos moralistas enfurecidos;
rentes de ideias lo lá fora; nos últimos ano-
agora, sua obra-prima foi recebida com respeito geral. A
vida, Dreis< -se ainda comunista,
mudança não era só da opinião pública. Dreiser também
mudara. O leitor não americano reconhecerá a forte dose ideias francai '«marias, até fascistas. O
de puritanismo tipicamente americano na Justiça impla-
cável que vinga o crime de Clyde Griffiths; explicam-se
242A) L Trilii la America". (In: The Li\
New York, 1
3004 OTTO MARIA CARPEAUX HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL 3005

literário de Dreiser caiu muito depois de sua morte. No gente, um missionário viajante, pregando, em vez do cre-
entanto, a atuação de Dreiser como pioneiro do novo rea- do dos metodistas ou batistas, o credo humanitário, ontem
lismo americano conserva-lhe, até hoje, uma memória be- o dos tolstoianos, hoje o dos socialistas. Para preparar as
nevolente e muitos admiradores. E esses admiradores se- conversões em massa, é precito denunciar, antes, os pecados
rão os primeiros a protestar contra a qualificação dos seus coletivos: a sujeira nos frigoríficos de Chicago, os salá-
romances como grandes obras de arte. Preferem defini-los rios miseráveis dos mineiros de Colorado, a corrução dos
como documentos da vida americana. J á protestaram con- politiqueiros pelos reis do petróleo, o crime dos juízes de
tra a definição "Homero de Chicago", e preferem a outra Massachussetts, condenando os inocentes Sacco e Vanzetti.
definição "Victor Hugo sem arte", que precisa ser dis- A grande utilidade social de obras como The Jungle e King
cutida. Em vez de "Victor H u g o " dir-se-ia melhor "outro Coal mede-se pela indignação que provocaram nas "classes
Whitman, também deslumbrado pela realidade americana, conservadoras". Com The Jungle começou uma grande
mas pessimista"; e o "sem a r t e " refere-se, além do estilo campanha de purificação, primeiro nos matadouros de
pesado e gaúche de Dreiser, ao seu método novelístico Chicago, depois em todos os negócios particulares e públi-
de apresentar só e exclusivamente materiais que a própria cos. Então, o presidente Theodore Roosevelt, citando uma
realidade lhe fornecera. Só assim, pela veracidade absoluta, expressão de Bunyan, no Pilgrim's Progress, falou em "mu-
justifica-se-lhe a existência da literatura. Mas não conse- ckrakers"; advertiu publicamente contra o perigo de não
gue evitar a deformação pela paixão reformista e por certo "to stop raking the muck", pedindo a nação "to look
sentimentalismo. Pensa-se no relativo valor literário de upward to the celectial crown" (Discurso de 14 de abril de
Les Miserables. Pensa-se em Sue. Talvez o futuro chegue 1906). Mas o movimento já estava forte demais ( 248 -A).
a considerar Dreiser como grande romancista fora ou à mar- Seu propagandista principal era Lincoln Steffens, que ti-
gem da literatura. nha revelado em The Shame of the Cities (1904) a corru-
ção nas administrações municipais; em sua revista Mcclu-
A grandeza relativa de Dreiser aprecia-se melhor pela
re's Magazine foi lançado o romancista David Graham
comparação com dois romancistas de atitudes algo pare-
Phillips (1867-1911), grande inimigo das forças ocultas de
cidas que chegaram à notoriedade durante os dez anos do
Wall Street (The Deluge, 1905). Mas o mais lido dos "mu-
seu silêncio meio forçado, meio voluntário: Sinclair e Lon-
ckrakers" foi Upton Sinclair, êle mesmo um personagem
don. Upton Sinclair ( 2 4 3 ), repórter como Dreiser, não tem
de Pilgrim's Progress, peregrinando pelo "Valley do
nada da meticulosidade pesada daquele descendente de ale-
Fear" dos grandes trustes para chegar à "Celectial City"
mães; é um americano típico, comunicativo, efusivo, en-
da democracia económica. Upton Sinclair foi homem de
tusiasmado, cheio de boa vontade e zelo de converter a
coragem indomável, documentando-se como um grande re-
pórter e lutando como um Dom Quixote. Sua obra mais
pungente talvez seja o panfleto The Brass Check, contra
243) Upton Sinclair, 1878. a venalidade da imprensa norte-americana. Em todo o caso,
Manassas (1904); The Jungle (1906); The Metropolís (1908);
King Coal (1917); 100% (1920); OU (1927); Boston (1928) etc;
— The Profits of Religion (1918); The Brass Check (1919); The
Goose Step (1923).
F. Dell: Upton Sinclair. A Stuãy in Social Proteat. New York,
1927. 243A) L. Filler: Crusades for American Liberalism. New York, 1939.
HISTÓRIA I>\ LITERATURA O C I D E N T A L 3007
3006 OTTO M A R I A CARPEAUX

R o o s e v e l t tampouco encontrou m o t i v o para advertências.


s e u s panfletos sem disfarce n o v e l í s t i c o são preferíveis aos R o b i n s o n ( 2 4 B ), chamado "o poeta do c e p t i c i s m o america-
próprios romances, e m que a tendência esmaga o r e s t o : são no", até gozava da proteção pessoal d o presidente. "Ri-
obras s e m arte alguma, sem psicologia n e m realismo ver- chard Cory" é o mui» famoso e talvez o mais caracterís-
dadeiro, embora e f i c i e n t e s como literatura propagandística. tico dos s e u s poemai, a história do gentleman que t o d o s na
D o t a d o de imaginação melodramática e romanesca, U p t o n cidade conheceram i a m saber da fome espiritual que lhe
Sinclair preparou o caminho do género do romance de aven- m i n o u a vida brilhante a vazia —
turas, de tendência socialista. Romances romanescos assim
são as obras de Jack L o n d o n (24i), escritor proletário, cuja
melhor obra é a autobiografia Martin É d e n ; mas só é pre- So on w e worked, and w a i t e d for the light,
ciso compará-lo com Gorki para descobrir a pouca auten- A n d wcin w i t h o u t the meat, and cursed the bread;
(
ticidade do escritor; a sinceridade pessoal do homem Jack A n d R> 'ory, one calm summer
L o n d o n não seria circunstância atenuante. U m tempera- Wen and put a bullet through his head."
m e n t o f o g o s o , quase d'annunziano, mais destinado ao nietzs-
cheanismo do que ao socialismo, L o n d o n foi adorado como Robinson eacrr tos poemas assim, "dramatis perso-
"romancista do mar", na época de Conrad, e como "novelista nae" à maneira de B r o w n i n g , mas s e m o o t i m i s m o do gi
d o socialismo", na época de Gorki. O público, devorando de renascentista inglês. D e n u n c i o u a vida americana, a»
os livros de L o n d o n , proporcionou-lhe os lucros régios de frustrações dolorosas, e sabia guardar a compostura d l
u m B l a s c o Ibanez. A vida de L o n d o n desmentiu-lhe a li- estóico. Por isso, os contemporâneos consideravam a nua
teratura. poesia como "nua", muito avançada, enquanto a
moderna nota antas o sentimentalismo anedótico dêst'
N e s s e ramo de literatura oposicionista, T h e o d o r e R o o -
t i m o poeta vitoriano. Robinson também escreveu poemas
s e v e l t não encontrou nada d i g n o de advertência. N o fundo,
arthurianos, lembrando a T e n n y s o n , como também a Ho
t o d o esse progressismo americano de 1905 estava desti-
e Moody, cujo c i c l o poético em Robinson acaba sem
nado a acabar com ou sem advertências oficiais, pela fra-
queza da sua ideologia, mistura mal digerida de socialis-
mo, anarquismo, pessimismo, agrarismo, ideias de J e f f e r -
oblnson, 1869-1935.
son, W h i t m a n e H e n r y George, combinadas com os discur- Caj. roems (1902); Town Down
s o s m e i o apocalípticos, m e i o interessados de Bryan e de n Against the $ky (1916); Merlv,
tantos apóstolos e reformers que o s o l o dos E s t a d o s U n i d o s n (1927) etc.
M Arlington Robinson. New York, i
produz com fertilidade assombrosa. O fim da jornada só L, M. Betbc: Àipecta o/ the Poetry of Edwin Arling
podia ser o c e p t i c i s m o dos i d e a l i s t a s ; e nisso T h e o d o r e New York. 1928.
H. Hagedorn: Edwin Arlington Robinson, a Biographg. NPW
1938.
E. K •> in the Poetry of Edwin Ari'
son, Ncv i!»40.
244) Jack London, 1876-1916. Y. Winters: Edwin Arlington Robinson. New York, 1947.
The Call of the Wild (1903); The Sea Wolf (1904); The Iron E. Barnard': Edwin Arlington Robinson. Aí Nrw
Heel (1908); Martin Éden (1909) etc. York. 1952.
C. London: The Book of Jack London. 2 vols. New York, 1921. E. S Pusatll: Edwin Arlington Robinson. The Literu
Ph. S. Foner: Jack London, American Rébel. New York. 1947. of a Traá >et Berkeley, 1954.
(Estudo e trechos seletos).
:$OÍ)8 OTTO M A R I A CABPEAUX
HISTÓRIA DA I URA OCIDENTAL 300$

c h e g a d o à poesia modernista. O R o b i n s o n da prosa seria Quaresma. Chicago e Nova I n l o são comparáveis ao


Robert Herrick ( 2 4 6 ) , romancista de técnica tradicional, em- R i o de Janeiro >, ao qual Lima Barreto
bora partidário do radicalismo, i n i m i g o de todas as formas erigiu, em Vida ê Bfl n de Sá, um monumen-
da corrução política, social, moral e intelectual — demons- to. E n f i m , o ron <> .leve parte das suas qua-
trou até a coragem de denunciar a idolatria dedicada à mu- lida< la nua v i d a : à boémia.
lher americana. Herrick, que acabou num p e s s i m i s m o apo- Lima Barr«- l«rnismo brasileiro que
calíptico, é d i f e r e n t e de quase todos os outros escritores da- se revoltará • do romancista.
quela é p o c a : é universitário, intelectual. Entra em cena P o i s a boên éculo X X , o núcleo
a Intelligentzia americana. inicial dai r< tia de N o v a Iorque
"To muckrake" é, no primeiro decénio do s é c u l o X I X , também caberá o i
uma profissão literária especificamente norte-americana. Na E m Greenu tas e estudantes
Europa d o m e s m o tempo não se encontrariam analogias. em N o v a Iorque, r imericana, pro-
Encontra-se uma na A m é r i c a l a t i n a : um grande romancis- clamando a preteiih. nascença da ci-
ta, dedicado à sátira social contra um ambiente incompre- vilização americana I iltlmo doa movimen-
ensivo. É o brasileiro L i m a Barreto ( 2 4 7 ) . A aproximação tos d e europeiz.i de 1898" e
tem o valor de salvar do isolamento completo essa figura "Você". A s forças l i b e iteratura da
singular, s e m companheiros na literatura latino-americana Europa ajudariam . puritano de
da sua época. Mas as diferenças são, e v i d e n t e m e n t e , mar- B o s t o n e Cambridge e o »1«* l i Middle
cadas. Lima Barreto é, como s e u s contemporâneos nos E s - W e s t . Havia a l g u n s t\ Village; e
tados U n i d o s , um repórter s e m i l e t r a d o ; é, como eles, socia- havia m u i t o s americanos • los;
lista de temperamento anarquista; é um revoltado contra já conheciam Croce, Berg»
a ditadura literária do parnasianismo académico, q u e cor- de, foi considerado o c r i t i c o musi- ), após-
responde, n o caso, à "genteel tradition" norte-americana. tolo de Ibsen, Strindberg, Gorki, D'Ai nw, D e -
Mas os U p t o n Sinclair e os Jack L o n d o n não têm nada bussy, opondo-os fervorosamente aos Ídolo . um
do humorismo corrosivo do mulato brasileiro; não cria- t í t u l o como Iconoclasts define o ince
ram, em toda a sua vasta atividade, nenhuma obra tão es- Painted Veils é um panorama fiel da<j' • re-
pirituosa e t ã o h u m a n a c o m o O Triste Fim de Policarpo v o l u ç õ e s literárias, orgias sexuais t v i s ô t s
um surto editorial. J o e l Spiíif • Is B s n s d s t t o

246) Robert Herrick. 1868-1938.


The Man Who Wins (1895); The Real World (1901): The Com-
mon Lot (1904); Memoirs of an American Citizen (1905); To- 248) A. Parrv t Prstsmf. u of Bohtmianism
gether (1908); Clark's Field (1914); The End of Desire (1932). in Am
A. i tal o» Nniivf QroundB. New
247) Afonso Henrique de Lima Barreto, 1881-1922. York, 1942).
Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909); O Triste Fim
de Policarpo Quaresma (1915); Numa e a Ninfa (1916); Vida e 249) James Oito
Morte de Gonzaga de Sá (1919) etc. Iconoclasts <1Q06>. HttMK> •'; KgoisU (1909); New Cos-
Ediçáo completa, 17 vols., São Paulo, 1958. mopolis (1911" ú VeiU (1920) etc.
F. de A. Barbosa: A vida de Lima Barreto. Rio de Janeiro, 1952, B. De Caaserei: Jamtt O/' teker, New York, 1925.
HISTÓRIA m l J n HATURA OCIDENTAL 3011
3010 OTTO MARIA CABPEAUX
fotografias fossem copiadas uma em cima da outra. Al-
Croce, ensinava "Renascença". Isadora Duncan dançava
guns críticos — os que foram jovens quando Cabell apa-
Renascença. A poetisa da "Renascença Americana" era
receu — continuam elogiando-o comoiim dos maiores poe-
uma colegial, Edna St. Vincent Millay ( 2 5 °), tornando-se
tas em prosa de todos os tempos; outros desprezam-lhe o
famosa, em 1911, com dezenove anos de idade, pela pu-
"subsímbolista" q ii Stevenson e Anatole Fran-
blicação do poema "Renascence"; sonetista pagã-românti-
ca, eloquente como um Keats menor, feminino, estimada ce; mas outro* < o como o mais covarde dos es-
também porque sabia acompanhar os sentimentos da época, teticistas • • tempo de revolução s o a
ma
levantando a voz, em Justice Denied in Massachusetts, con- "sub judica Hf 4^^^EÊ&* ' s serenos abrem mfio
tra o assassínio legal de Sacco e Vanzettí. Só não senti- quela série | trgcn, espécime suficiei
mos hoje a "modernidade" da sua poesia cultivada — mas arte apreciável ti^^^Hbda de Cabell. Mas o livi
então a impressão era diferente: "She gave voice to importância • a que se conseguiu no pro
, (
a new freedom, a new equality, the right of the woman cesso coi ^ ^ B B W significou a emancipação
to be as inconstant in love as the m a n . . . " — poe- literatura
sia da adolescência. Muito disso só era teoria e sonho, Am i KB, assim definiu a situação,
irrealizável no ambiente americano, como demonstrou bem 1915, o « Brooks, então ainda o
o processo contra Jurgen, o romance rabelaisiano de Ca- cidido dor. C-III*>|M ^Bógrafo do expatriado >
bell ( 2 5 1 ), o escritor mais característico daquela Renascen-
James c* lo Mark Twain; vangn
ça meio entusiástica, meio falsa. Um americano moderno,
que, dep vos modernismos, recun
céptico, satisfaz aos seus desejos antipuritanos, inventando
uma <dora, meio nacionalista. "Ai
um mundo romanesco, fantástico, uma Idade Média aris-
tocrática e lasciva: isso é Cabell. Numa série interminá- rica's rase tinha vários sentidos, •
vel de romances trata dos feitos de Don Manuel em Poic- outros < ^ ^ ^ H | época do individualismo t>
tesme, país dos antepassados medievais dos burgueses da mico s^s^s^P^ 0 a e r a °*as ' u t a s (,!
cidade de Lichfield no Estado de Virgínia — como se duas Em i a revista socialista MB.
qual tis nâo a leram porque o •<•
mo > H t o seguro dos colaboradores s<
^ B s t i c a d o s . Nesse ambiem
250) Edna St. Vincent Millay. 1892-1950. ^ ^ H surgiu a figura patétu

í
Renascence and Other Poems (1917); The Harp-Weawer a ne ( ll«al", malogrado antes
Other Poems (1923); Fatal Interview (1931); Collected Sonnets
(1941). abri) ^^^Hpolução política, dizei>
E. Atkins: Edna St. Vincent Millay and Her Times. Chicago, da ri ii outros. Quem lhe i
261) James Branch Cabel, 1879-1958. o trabal! of|tro sentido do que B
Soul of Melicent (1913); Cream of the Jest (1917); Jurgen (1919);
Figures of Earth (1921); The High Place (1923); Strowa and
Prayer-Books (1924); Silver Stallion (1926).
H. Walpole: The AH of James Branch Cabell. New York, 1920. 252) Rand
H. L. Mencken: James Branch Cabell. New York. 1927. Youth S ^ H IJ of a hiterary
E. T. Sehrt: "Dle Weltanschauung James Branch Oabell. (In: L. FUI. VVMhlngton, 1943.
Englische Studien, LXXII, 1938).
3012 OTTO M A R I A CARPEAUX

sara, foi Mencken ( 2 5 s ), o "literary radical" dos anos de


1920. E do mesmo jornalismo de vanguarda sairá Sinclair
Lewis para a cruzada da demolição satírica do provincia-
lismo americano.
Todos esses partidários da "Renascença" de Green-
wich Village criticaram a América, comparando-a com a
E u r o p a : Spingarn, Van Wyck Brooks, Bourne, Mencken
conheciam bem a França, Inglaterra, Alemanha, Itália, a
Europa de Croce, Nietzsche, Rolland, Wilde, Shaw, a Eu-
ropa da vanguarda de 1900; estiveram em Paris, como Ger-
ÍNDICE DO \ <> MJ ME VI
trud Stein ( 2B4 ), a futura "mãe da emigração literária", ou
IX
então mudar-se-ão para Paris, como Margaret Anderson,
fundadora da Little Review e futura editora de Joyce.
K" E D E P O I S
Doutro lado, há embaixadores da vanguarda francesa em
Greenwich Village: o pintor francês Mareei Duchamp e
o pintor Francis Picabia, e estes dois últimos encontrar- Capítulo l
se-ão entre os fundadores de Dada. Uma revolução — "ou- 2573
O Simbni
tra do que a que eu esperava" — está em marcha.
Capítulo II

253) Cf. "A Revolta dos Modernismos", nota 218. A Época do Eu • Europeu 2 759
254) Cf. "A Revolta dos Modernismos", nota 181.

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