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I. Introdução
a) Tema
b) Delimitação do tema
c) Problema
processo.
d) Objetivos
Geral
de Janeiro.
Específicos
estrangeiros no Rio.
e) Justificativa
Os processos e situações vividos pelas pessoas que moram num país diferente ao
próprio são tão diversos como os mesmos indivíduos. Porém, existem elementos que
todas as pessoas que têm passado ou estão passando por essa situação encaram.
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Tendo em vista a alta porcentagem de estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro, se
f) Metodologia
Amostra
Foram realizadas duas entrevistas com estudantes estrangeiros da América Latina, que
Instrumentos
entrevista.
Análise de resultados
manual do instrumento.
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As complexas problemáticas sociais dos países latino americanos e o desenvolvimento
acelerado da globalização têm levado a que o fenômeno da imigração seja um dos mais
Para começar, é importante definir alguns dos conceitos relacionados com esse
mesma situação, mas desde diferentes pontos de vista. Para uma pessoa nascida e
residente no país de origem do migrante, trata-se de alguém que emigra para outro país,
enquanto para quem tem nascido no país de destino e mora nele, o estrangeiro é um
imigrante.
sendo os primeiros aqueles que viajam pela sua vontade, e os segundos aqueles que
precisam abandonar seu país para proteger a sua integridade ou a de sua família e
estudo.
Por outra parte, o fenômeno da migração supõe uma serie de processos de adaptação
onde é precisa a negociação e a interação com o novo meio para se ajustar a ele e
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desenvolver uma “nova identidade”.
acontece quando o indivíduo perde algo significativo para ele. Pode se dizer então que o
personalidade do indivíduo.
Embora os processos de luto causados pela morte de uma pessoa próxima não sejam
O luto é necessário para o imigrante, mas não se apresenta do mesmo jeito em cada um
psicológicas e sociais que tem que afrontar o imigrante. Esse luto pode ser “simples”
Mas o luto pode ser também “complicado” quando as circunstâncias pessoais e sociais
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apresentar dificuldades de adaptação tão fortes que exista um perigo para a saúde
mental do imigrante.
Segundo Achotegui (2002), o imigrante tem que vivenciar sete lutos: a família, os
amigos, a linguagem, a cultura, a terra, o nível social e o contato com o grupo étnico.
Todos esses elementos estão associados a memórias e afetos que levam a que o
Embora sejam muitas as circunstâncias que vão definir a maneira como se desenvolveo
necessariamente dois momentos. Em primeiro lugar uma adaptação espacial que visa
Trivonovitch (1980), por sua parte, identificou quatro etapas que normalmente
do ambiente.
algo negativo.
• Integração: A pessoa se sente mais cômoda com seu meio, não tem tantas
dificuldades e sente que pode ter controle sobre as situações, o que traz
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• Lar: A pessoa se adapta exitosamente à nova cultura e começa a se sentir na
sua casa.
Pela sua parte, Grinberg e Grinberg (1994), desde uma perspectiva mais clínica,
desamparo. É possível que esta etapa esteja acompanhada ou seja substituída por um
sua transcendência.
dificilmente tolerados, e a viver sua dor ao mesmo tempo em que começa a ser mais
com o qual o passado já não é vivenciado como “paraíso perdido”, sem que interfira
Embora essas etapas sejam só um intento por compreender o processo de adaptação dos
imigrantes, não se pode afirmar que se apresentem nessa ordem ou de igual forma de
indivíduo a indivíduo. Isso é devido a que existem muitos fatores associados com a
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I.4Fatores associados
país de residência.
Podemos definir os fatores internos como aqueles que estão associados com as
Os fatores externos anteriores à viagem têm a ver com o país de origem, a atividade ou
Depois da viagem influem, entre outras variáveis, o país de destino, as redes de apoio, o
Alguns dos fatores que facilitam a adaptação serão ampliados no ítem 1.7
até o ponto que em países com altos níveis de imigração, alguns pesquisadores têm
nas pessoas em situação de imigração que têm um nível de estresse maior à sua
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capacidade de adaptação. Desse jeito, a problemática é agora reconhecida como uma
Segundo Gonzáles Calvo (2006) a tristeza é o mais comum dos sintomas, acompanhado
geralmente pelo choro, mas a culpa se apresenta com maior freqüência nos imigrantes
provenientes de países ocidentais e o que tem a ver com que esse sentimento de culpa é
Por outra parte, os problemas confusionais podem até chegar a um nível psicótico,
tempo e no espaço, sendo esse o quadro mais comum nos imigrantes hospitalizados
Esses mesmos autores destacam uma das problemáticas mais comuns nos imigrantes
que conseguem uma rápida adaptação ao novo país. Eles parecem se adaptar às
aprendem o idioma e estabelecem um lugar para morar. Nos primeiros dois ou três anos
de permanência estão num estado de aparente equilíbrio psíquico e físico e até podem
conseguir êxitos profissionais e sociais. Mas depois caem num estado de profunda
tristeza e apatia, quando finalmente poderiam estar desfrutando dos seus sucessos.
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Esse quadro é chamado de Síndrome da Depressão Postergada que se apresenta em
alguns casos nos que as defesas maníacas que têm permitido a adaptação inicial,
desaparecem.
I.6Mecanismos de adaptação
Neste ponto é importante falar sobre esses mecanismos que permitem a adaptação do
tipos, que fazem possível que o indivíduo não perca seu sentido de identidade e o ego
mantenha seus limites apesar das ameaças do ambiente. Com esse fim, a pessoa pode se
aferrar a seus padrões culturais, seus costumes, sua língua, sua comida, sua música, se
negando a incorporar os padrões culturais do novo país. Por exemplo, é comum o caso
das pessoas que não aprendem o novo idioma apesar de ter passado anos no país, ou que
só se relacionam com pessoas de seu país de origem e não geram vínculos com quem
da identidade, e é por isso que muitos imigrantes viajam com objetos que não são
necessários, mas que possuem um valor emocional. Muitas vezes trata-se de objetos
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Achotegui (2002, p. 15) coloca que os mecanismos de defesa ativados no imigrante são
são:
afetam”.
• Formação reativa: Fazer o contrário do que demanda o impulso para ser aceito.
sofrimento. Ex: “Aqui tenho mais e melhores oportunidades e não existe razão
para voltar”.
o mesmo passar por esse processo quando existem condições favoráveis para
A adaptação dos imigrantes que viajam com um projeto acadêmico, difere daqueles que
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anteriormente, os estudantes correspondem à categoria de imigrantes voluntários, que
de um jeito muito menos intenso e emalguns deles podem até nem aparecer, quando o
Não é que o imigrante voluntário não tenha que passar pelos mesmos lutos do que o
imigrante forçado, mas o processo pode ser totalmente diferente para eles. Pouco a
pouco, o indivíduo começa a se familiarizar com seu novo ambiente e a criar vínculos
com os lugares e pessoas, e começa a sentir como próprios muitos dos aspectos que ao
Um fator que marca uma diferença muito importante do nível psicológico entre os
origem. Embora a pessoa não tenha planejado voltar, a certeza de que pode retornar
permite que não se sinta desarraigado. Essa perspectiva é tranqüilizante e permite que o
de um jeito mais tranqüilo, embora em muitos casos o projeto de viagem tenha uma
pode influenciar o processo, sendo menos intenso para as pessoas jovens, por ter maior
Além do anterior, outro fator que facilita a adaptação do estudante é morar em cidades
pequenas onde as comunidades são muito mais unidas. Nas grandes cidades, a
Essas características da vida nas grandes cidades podem dificultar ao estudante a criação
de vínculos, a apropriação dos espaços e da cultura e podem até ser ameaçantes para sua
identidade.
Nas cidades pequenas é muito mais fácil gerar redes sociais e fomentar relacionamentos
conta às circunstancias nas quais o imigrante morava no seu país. Nem todo mundo
grande urbe. Nesse caso, o estudante pode-se até sentir limitado em vez de seguro e
confortável.
Por último, é importante mencionar que as condições de migração dos últimos anos tem
tido uma enorme mudança a partir das novas tecnologias de comunicação e informação.
Hoje é possível manter o contato diariamente, a baixo custo, com as pessoas próximas e
os eventos que acontecem no país de origem, o que gera uma sensação de cercania que
identidade.
que muitas variáveis influem. Mas é tanta a riqueza que implica a aventura da viagem
2. A viagem do herói
Desde seu começo, a psicologia analítica, desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl
individual proposto por Freud, assim como muitas outras concepções da psiquiatria e do
sonhos e das bases da psicoterapia, entre outros, não somente foram inovadoras, mas
XX, não é possível desconhecer a influência de C.G. Jung nas escolas psicológicas que
epistemologia.
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Sobre a natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung afastou-se da concepção negativa
desde onde o indivíduo pode “se curar”. Neste sentido, a neurose é compreendida como
uma tentativa de sarar, que procura restabelecer o equilíbrio psíquico. Para Jung, a
neurose deve ser tratada com as ferramentas que cada indivíduo tem em seu momento
atual, segundo seu desenvolvimento psicológico. Desde esse ponto de vista, considerou
que a Psicanálise não funciona para as neuroses que aparecem na segunda metade da
centra unicamente nos anos da infância, mas durante a vida toda e incluso após da
pelo corpo, deu um novo sentido a esse tipo de conteúdos, que até o momento
consideravam-se fantasias, mas cujo poder e força nunca tinham sido vistas desde uma
perspectiva psicológica.
Jung fez também grandes contribuições ao preparar o campo para o uso de novas
ferramentas terapêuticas a partir de seu método da imaginação ativa, no que uma cena
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Jung considerou à psique como um modelo em constante dinamismo movimentado pela
libido ou energia psíquica. Essa energia é neutra e não se trata somente de uma energia
sexual, como Freud propôs. Neste modelo, o inconsciente e o consciente têm uma
uma instância ainda mais profunda da psique, que não corresponde à historia pessoal do
individuo, mas a uma dimensão coletiva do humano. Ele contém toda a herança
Os complexos são grupos de idéias ou imagens que têm uma forte carga emocional.
complexos fossem por si mesmos negativos, mas seus efeitos geralmente são
problemáticos para o indivíduo. Seu efeito negativo geralmente se apresenta como uma
intuição).
Enquanto não se tenha consciência dos complexos, estamos expostos a ser dominados
por eles. (Jung, Vol. 8 pár. 5). A identificação do ego com um complexo produz
2.3.1 A Persona
Assim como no teatro os atores usam máscaras para fazer as representações dos
personagens, Jung propõe que todos nós possuímos uma máscara própria que chamou
de persona. Trata-se de todos esses papéis que desempenhamos na vida diária e que
parecem definir quem somos nós, mas não são realmente nossa essência, mas uma
A persona não é uma criação de nossa consciência. Sua formação depende de múltiplos
irmãos, o lugar na sua família, são todos determinantes, entre muitos outros, dos fatores
É assim como a persona não tem origem somente na individualidade, mas também na
Tendo em vista o anterior, o meio social da pessoa tem um valor fundamental, não só na
formação, mas também na permanência da persona. Isso quer dizer que sem a referência
social, o papel da persona não sobrevive, porque precisa ser reconhecida pelos outros
que o ego se identifique com ela. Neste caso, o ego se identifica com os papéis que
a persona pode levar a certa “sensação de segurança” na que o indivíduo sente que tem
tudo sob controle. Mas o risco de permanecer identificado com a persona é alto,
No entanto, terminar essa identificação não é tarefa fácil e precisa da integração dos
desses elementos que não fazem parte de nossa máscara social pode mudar o jeito em
2.3.2 A Sombra
reprimidos pelo ego, e por tanto permanecem inconscientes e não são reconhecidos
Tendo em vista que esses conteúdos não são reconhecidos como próprios, geralmente
são projetados em outros indivíduos de maneira que não sejam ameaçantes para a
persona. É por isso que a sombra e a persona têm uma relação compensatória, e seu
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Não entanto, não se trata só de conteúdos negativos ou moralmente reprováveis, mas
também de instintos, habilidades positivas e impulsos criativos que, por alguma razão,
a primeira se relaciona com os conteúdos pessoais, a sombra coletiva tem a ver com os
A anima e o animus são tanto complexos pessoais como imagens arquetípicas. A anima
homem. Ela é personificada em sonhos através de mulheres que podem jogar um papel
desde sedutor até de guia espiritual (Sharp, 1994). Pode ser a mãe, a deusa, a amada, a
A anima é a mediadora dos elementos da psique com o self. Segundo Jung se relaciona
inconsciente.
ancestrais de homem que tem a mulher. Na sua expressão negativa pode levar à
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ser contraditas porque geralmente tem a razão. No entanto, desde seu aspecto positivo,
entendimento.
Anima e animus tem um papel importante no caminho para o self. A anima tenta
Por ser o centro da consciência o ego “acredita” ser o centro da psique, mas não é assim.
uma neurose. Quanto menos consciente seja um complexo, maior será sua autonomia.
de identidade e conhecer seus limites, quem é ele e quem são os outros. Quais são as
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com outros.
Mas esse desenvolvimento do ego faz parte da primeira metade da vida segundo Jung,
tendo em vista que a psique, uma vez diferenciada, procura integrar os elementos ao
redor de um novo centro, na segunda metade da vida. Esse centro integrador é o Self.
lendas, sonhos e fantasias. Sua personificação pode tomar diversas formas tais como
salvador, herói, rei, profeta e velho sábio. Como símbolo da totalidade pode aparecer em
como pares de opostos ou a dualidade unificada. (Jung, Vol. VI. par 790).
A meta do self é a unidade e manter o sistema psíquico em equilíbrio. É por isso que
inconsciente nos seus domínios. Desse jeito, a atitude consciente vai-se afastando do
centro.
Como seu nome o indica, a individuação é chegar a ser indivíduo, por meio da
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reconhece mais como o centro da psique, o self assume esse papel. Poder-se-ia dizer
Mas não se trata de um estado de iluminação espiritual como alguns acham, mas de um
processo vital que procura a unificação da psique por meio da conciliação dos opostos.
O enfrentamento entre os opostos gera uma tensão carregada de energia que cria um
transcendente.
Assim, a individuação é um processo que toma a vida toda e que tem sido ilustrado por
O escritor, filósofo e historiador Joseph Campbell, a partir dos seus estudos sobre
desenvolvimento espiritual.
As seguintes são as etapas apresentadas por Campbell no seu livro O Herói de Mil
Faces.
caminho, geralmente com a ajuda sobrenatural de uma figura que lhe dáferramentas,
amuletos. O herói então empreende a aventura e cruza o primeiro umbral, entre seu
enfrentamento com o guarda do umbral que deve ser encontrado para continuar a
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passagem. O passo ao novo mundo representa renascimento. O ventre da baleia é
• A Iniciação: Uma vez o herói cruza o umbral, tem que afrontar e sobreviver a uma
simbolizando o poder feminino da força vital e o domínio total da vida por parte do
herói. Mas aparece também a mulher como a tentação que deve ser superada para
continuar o caminho. Além disso, é preciso que o herói se reconcilie com a figura de
olhar do mundo e o leva a descobrir novas habilidades que antes não foram
reveladas. Agora ele está pronto para obter o objeto da sua busca e retornar obtendo
“Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças
desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o
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ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda
mágica (auxiliares). Quando chega ao nadir da jornada mitológica, o herói
passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser
representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento sagrado),
pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua
própria divinização (apoteose) ou, mais uma vez — se as forças se tiverem
mantido hostis a ele -—, pelo roubo, por parte do herói, da bênção que ele
foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de
uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação,
transfiguração, libertação)”.
pode recusar o retorno ao mundo conhecido, que agora se torna mundano demais
para ele. Se o herói decide voltar e recebe a benção das forças mágicas que o
ciclo com as benções e os poderes ganhados dos deuses. Mas se ele não conta com a
aprovação deles, terá que vencer novas provas para conseguir chegar a casa. O herói
cruza de novo o umbral que o levará a seu mundo e perde seu ego, sendo agora
recebidos, o herói chega ao final da sua viagem, agora com liberdade para viver.
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Chamado à
aventura
Como se falou anteriormente, a viagem do herói simboliza o caminho de
Cruzamento do umbral Elixir
Luta com o irmão
desenvolvimento e integração da psique no self. A individuação
Luta com o dragão como processo de
Regresso
Desmembramento
Ressurreição
Crucifixão
Resgate
diferenciação
Abdução psicológica visa a conseguir o desenvolvimento da personalidade
Luta no umbral
Jornada do mar e a
noite
individual. Provas
Jornada Nesse sentido,
do assombro herói é aquele que consegue assumir a responsabilidade por
Ventre da baleia Fuga
Auxiliares
seu destino e por sua realidade.
1. Casamento sagrado
“O objetivo não é dominar2.
àReconciliação
pai
com o
psicologia pessoal, chegar a ser perfeito, mas
3. Apoteose
se familiarizar com ela. 4.
Assim, a elixir
Roubo do individuação implica uma crescente
percepção de nossa realidade psicológica única, incluindo fortalezas e
limitações pessoais, e ao mesmo tempo uma apreciação mais profunda da
humanidade em geral.” (Sharp, 1994. p. 107)
Ulisses é a máxima expressão do viajante que sempre está desejando seu paraíso
perdido: Ítaca. Não é por acaso que a síndrome que descreve a condição clínica dos
imigrantes que não conseguem se adaptar a seu novo entorno, descrito no capítulo 1,
Embora Ulisses não se estabelecesse num lugar só durante sua longa viagem, é possível
fazer um paralelo entre as etapas de adaptação do imigrante e a jornada que ele viveu.
episódios de desespero e tristeza. Mas, apesar dessas dificuldades, ele nunca perde a
esperança do retorno.
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No início da sua jornada, Ulisses chega à terra dos lotófagos, onde tudo é esquecido
realidade.
Mas Ulisses não cai na armadilha de comer lótus, equivalente a usar drogas para fugir
do sofrimento, comum em alguns casos de imigrantes que, embora nunca antes tivessem
perda de identidade.
É por essa lucidez que Ulisses sofre a maior parte do tempo e mostra todos aqueles
sintomas próprios da síndrome que leva seu nome. Tristeza, tensão, idéias de morte,
estrangeiro, especialmente quando as condições nas que ficaram seus seres queridos no
país de origem não são as melhores. Ulisses sente essa culpa (Vernant, J.P, 2000, p.121)
Hermes, porém, não encontrou dentro ao magnânimo Ulisses; ele estava a chorar,
assentado na praia, onde, já antes, lágrimas, suspiros e aflições lhe tinham consumido
o peito. (A Odisséia, Canto V)
Por outro lado, é interessante observar que um dos fatores associados ao êxito da
maravilhosamente representada por Borges em nossos dias), que lhe anuncia seu retorno
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No entanto, para Ulisses essa é uma possibilidade cada vez mais remota e parte do seu
desespero tem a ver com o regresso frustrado que acontece, em seu caso, em duas
situações. Neste ponto, é importante dizer que assim como a possibilidade de voltar é
de risco.
terra dos lotófagos, consegue olhar as costas de Ítaca, mas uma repentina e forte
tempestade o leva a regiões desconhecidas muito longe de seu lar. A segunda vez
acontece ao abandoar a ilha de Éolo, quem entrega-lhe um odre onde estão guardadas as
fontes dos ventos e as tempestades. Ulisses confiado acha que agora voltará a casa e cai
num profundo sonho, em quanto seus companheiros, curiosos com o presente de Éolo,
Eu, que despertara, reflecti se devia morrer nas ondas, saltando da nau, ou suportar
tudo em silêncio e ficar entre os vivos. Resolvi sofrer e ficar. Recobrindo-me, continuei
deitado na minha nau. Entretanto, o sopro funesto do vento levava-nos todos de novo
para a ilha Eólia, enquanto os companheiros se iam lamentando. (A Odisséia, Canto X)
que descem as defesas do estrangeiro e ele começa a viver no presente e a desfrutar das
novas possibilidades que o contexto lhe oferece. Neste ponto pode-se falar de um
E é precisamente essa nova identidade quem vai dificultar o retorno ao país de origem,
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Essa problemática do retorno é belamente ilustrada por Homero, quando Ulisses recebe
Esse simbolismo de quem tem mudado tanto que já não se encaixa no lugar de origem,
vivenciado na viagem. Quer dizer, quem volta ao ponto de início da aventura já não
volta igual. Embora pareça que se retorna ao mesmo lugar, o retorno é feito por uma
pessoa diferente e o ponto de chegada é, como numa espiral, o mesmo ponto, mas agora
que muitas variáveis influem. Mas a riqueza da viagem é uma enorme oportunidade de
desenvolvimento pessoal. Ulisses representa o exilo mas também o herói que volta a
casa depois de se transformar. Ele nunca esquece sua origem nem sua pátria.
Dito isto, a deusa dissipou o nevoeiro e deixou aparecer a terra; e o paciente e egrégio
Ulisses regozijou-se com a vista da sua pátria, cujo solo fecundo beijou. (A Odisséia,
Canto XIII)
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arquétipos e a forma na que se encontram constelados vai ter uma influência importante
no desenvolvimento da jornada.
Embora sejam muitos os arquétipos que poderiam se relacionar com a viagem heróica,
3.2.1 A partida
3.2.1.1 O Inocente:
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um jeito positivo porque sabe que “as coisas serão como têm que ser”. O arquétipo do
Inocente aparece também nas pessoas que têm um olhar otimista sobre seu entorno e
3.1.1.2 O Órfão:
Na viagem do herói o Órfão está relacionado com assumir a idade adulta, o que quer
dizer, se fazer cargo de si mesmo. No aspecto luminoso o Órfão afronta a jornada com
independência e consciente de que estará sozinho no caminho, mas sem assumir o papel
de vítima.
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3.1.1.3 O Guerreiro:
Sua fortaleza tem que estar presente na viagem do herói, pois ele terá que se enfrentar a
Guerreiro.
3.1.1.4 O Servidor:
Embora o herói esteja sozinho para cumprir sua jornada, terá encontros e desencontros
no seu caminho. A interação com as pessoas poderá ser de grande valor ou, pelo
arquétipos como o Amante, estiver constelado desde o lado luminoso, o processo será
muito mais enriquecedor para o herói. O Servidor luminoso não só está sempre pronto a
3.2.2 A iniciação
3.2.2.1 O Buscador:
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aprender mais sobre si mesmo e
sobre a realidade mais abrangente
• Capacidade de ir além do que é • Perfeccionismo exagerado e
conhecido persecutório
• Habilidade para reconhecer o • Dificuldade de assumir
momento certo e agir compromissos ou envolver-se em
adequadamente processos de aprendizagem
• Valorização do esforço e das • Busca, investigação, exploração
iniciativas individuais que vazia, sem direção clara
fortalecem o grupo
• Necessidade de expandir a • Idéias/pessoas são descartáveis
consciência para além das quando não satisfazem o ego
fronteiras do ego – desejo de
transformação
• Atitudes pioneiras inovadoras • Discurso dissociado da ação
motivadas pela necessidade de
explorar novos horizontes
• Busca de encontro com a • Incapacidade de ser pragmático
verdadeira vocação na realização
• Inquietude saudável que questiona • Conhecimento buscado em fontes
todo tipo de exclusivamente externas
acomodação/conformismo
• Disponibilidade de assumir • Incapacidade de refletir sobre as
compromissos e criar vínculos próprias ações e seu impacto no
verdadeiros; autenticidade grupo/ambiente
vida.
3.2.2.2 O Amante:
O herói Amante é aquele que se mostra como ele é e que consegue lidar com as
para não recuar frente às situações. O arquétipo do Amante está relacionado também
3.2.2.3 O Destruidor:
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fim a questões dúbias
• Unidirecionalidade, certeza • Descuido, negligência e
interior de saber aonde quer indiferença levados ao extremo
chegar nas questões pessoais e
organizacionais
• Habilidade para romper e por fim • Despreocupação com o resultado
a estruturas limitantes de ações que afetam o bem-estar
das pessoas e do meio
ambiente/organização
• Prontidão em soltar, desapegar-se • Grosseria, impolidez, abuso de
e dar a volta por cima posição de autoridade
• Aceitação construtiva de tudo que • Recusa ao reconhecimento da
chega ao fim existência da “morte” e
dificuldade de aceitar o
transcendente
• Aceitação do transcendente, do • Autodestrutividade
mistério, daquilo que a mente
racional não explica
• Humildade, resignação; • Ausência de qualquer
capacidade de lidar com a preocupação com questões éticas,
adversidade e a transitoriedade do caráter duvidoso
sucesso e da fama
vínculos e as cargas do passado e entender que todo ciclo chega a seu fim. Não há
partida e o retorno, devido a que nessas etapas o herói deverá deixar atrás seu lar, para
3.2.2.4 O Criador:
criador conhece seu talento e consegue aplicá-lo nas situações mais inesperadas. Os
3.2.3 O Retorno
3.2.3.1 O Mago:
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meio da transformação da negativas. Negatividade
consciência generalizada
• Capacidade de curar/reverter • Uso do poder para causar o mal
condições não saudáveis ao todo das pessoas/situações
de uma pessoa ou organização
• Tolerância e • Negação de realidades subjetivas
afirmação/visualização do que e sutis no interior da consciência
precisa acontecer
• Capacidade de influenciar e de • Apego excessivo à materialidade,
ajudar os outros a se ao lucro indiscriminado
transformarem pela irradiação do
próprio exemplo vivo
• Percepção da ordem sagrada • Atitudes hostis e nocivas ao
(interior e exterior) que atrai ambiente
“coincidências” significativas às
experiências
• Capacidade de compreender o • Tendência a ignorar o fato de que
todo de qualquer questão/situação tudo está interligado – uma ação
e evento. Visão sistêmica prejudicial localizada tem efeitos
globalizantes
• Consciência do Propósito Maior, • Desconfiança/Falta de tato
da motivação espiritual de uma
pessoa/organização ou nação
• Capacidade de atuar com os dois • Frieza/Desqualificação do
hemisférios do cérebro em sofrimento alheio
equilíbrio
• Equilíbrio entre consciente e • Toda forma de ajuda implica uma
inconsciente imaginação e forma de controle/manipulação
racionalização que conduzem
palpites corretos
• Habilidades com a palavra: não só • Distorção da realidade,
para nomear e criar identidade reducionismo e manipulação da
mas para comunicar-se com escolha humana através da
eficácia publicidade abusiva
Poder-se-ia dizer que o Mago consegue fazer no espiritual, o que o Criador faz no
dos retos e obstáculos. Além disso, o mago consegue enxergar o futuro e planejar o
3.2.3.2 O Governante:
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Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios
• Humildade, empatia, competência • Comportamentos dominadores e
rígidos com tirania e abuso de
posição de autoridade
• Conhecimento dos desafios • Ira, arrogância e distanciamento
enfrentados por pessoas comuns das pessoas que fracassam
• Jovialidade interior independente • Crença no valor do
de idade física escalonamento hierárquico como
fonte de poder
• Equilíbrio interior de polaridades, • Desordem e desorganização
manifestado na capacidade de resultantes da incapacidade de
expressar eficazmente valores e lidar com situações autocriadas
verdades universais
• Responsabilidades exercidas com • Incapacidade de identificar as
excelência reais necessidades das
pessoas/egoísmo
• Vida interior e exterior em • Incapacidade de confiar nos
equilíbrio dinâmico processos
• Habilidade em promover a ordem, • Perda de autenticidade
a paz e a prosperidade
• Talento especial em lidar e gostar • Mentalidade de escassez
de pessoas, realçando-lhes o acreditando que não há o
melhor suficiente para todos
• Uso sábio e amoroso do poder • Intolerância/”cortar cabeças”
pessoal quando contrariado
• Capacidade de organizar, delegar, • Contrastes entre indolência e
influenciar e dirigir com eficácia e auto-indulgência e/ou rigidez
excelência espartana e intolerância
• Humildade criadora de ver várias • Arrogância destrutiva que
faces/aspectos da realidade aprisiona na atitude de ver apenas
aquilo que quer ver
ímã para atraí-los. O governante luminoso sabe tomar decisões não só pensando no seu
3.2.3.3 O Sábio:
dar um sentido a experiências que parecem isoladas e que não se relacionam entre si,
são características próprias do Sábio desde seu lado luminoso. Esse arquétipo apresenta-
jornada.
3.2.3.4 O Louco:
deve ser Louco tanto para empreender sua jornada como para empreender o retorno. E
deve ser impulsivo para continuar o caminho apesar das dificuldades. O Louco vive
aqui e agora e não se paralisa frente às barreiras do caminho. Toma decisões que nem
sempre são informadas ou racionais, mas que de outro jeito não teriam sido feitas.
3.3 Entrevistas
40
Adicionalmente, foi aplicado o questionário Índice de Mitos Heróicos (anexo 2), como
Manuel é engenheiro mecânico, peruano, está com 27 anos e chegou ao Rio há dois
meio no Rio. Veio para fazer um doutorado na UFRJ. Ela têm um irmão mais novo e
Os dois entrevistados são solteiros e vieram sozinhos ao Rio, sem conhecer ninguém
pessoalmente, mas com alguns contactos realizados por e-mail antes da sua viagem.
tratados na entrevista:
Manuel Ângela
1Para proteger a identidade dos entrevistados seus nomes têm sido modificados.
41
Eu estava me preparando para ir a Puerto Quando acabei o mestrado na Argentina e
Rico ou USA. Um amigo meu, que estava voltei à Colômbia tinha todas as
fazendo doutorado aqui me falou sobre a expectativas de ficar lá. Mas as condições
PUC. Eu nem sabia que existia. Me falou não me permitiram ficar e apareceu a
sobre as bolsas, que para mim era uma oportunidade de viajar ao Brasil. Ganhei
ajuda importante, e acabei por enviar uma bolsa e decidi vir para fazer o
meus papéis para aqui. doutorado.
Foi muito inesperado, tudo aconteceu
muito rápido.
Vim com a intenção de ver como era a
experiência. Mas não tinha deixado de
lado as outras opções, Não sabia se ia
acabar o mestrado no Brasil e continuei o
processo de seleção em USA durante o
primeiro ano.
No final do primeiro ano decidi ficar e
acabar o mestrado na PUC.
Fui conhecendo a PUC e quando vi as
possibilidades, os laboratórios, os
professores, as conexões, decidi ficar.
Manuel Ângela
Manuel Ângela
42
Acho que o difícil foi deixar à minha O mais difícil foi deixar minha família, a
namorada. Mas na verdade o resto não foi possibilidade de compartilhar tudo com
muito difícil. Como não morava com eles. Queria ficar trabalhando na
minha família há um tempo, não senti Colômbia e não consegui fazê-lo, foi um
tristeza por deixá-los. pouco frustrante.
Obviamente foi bom pela oportunidade,
mas não era o que estava procurando nem
planejando fazer, simplesmente chegou à
minha vida.
Manuel Ângela
Quando você chega e passa por as coisas Foi muito difícil, especialmente no
que têm que passar, tudo parece muito primeiro mês, porque morava com umas
difícil. Mas depois de um ou dois anos pessoas muito difíceis e diferentes a mim.
acho que não foi tão difícil assim.
No entanto essas pessoas me mostraram a
cidade e me ajudaram com os trâmites
iniciais.
Cheguei a morar num apartamento com
sete desconhecidos. Não é fácil conviver
com pessoas com as quais você não tem
Além disso a barreira do idioma é muito
nenhuma afinidade. Não conseguia dormir
grande. Eu sou uma pessoa que gosta
porque meu companheiro de quarto saía
muito de falar e de repente me vi na
de festa e fazia muito barulho ao voltar. O
condição de não conseguir me comunicar.
mesmo acontecia com os outros.
Passei muito tempo isolada, no laboratório
da universidade, que era onde passava a
maior parte do dia. À noite, quando
Estive morando lá o primeiro semestre.
chegava a casa, o ambiente ficava tenso e
Fui aoPeru de férias e quando voltei fiquei
foi muito difícil.
mais dois meses. Procurei muito até
encontrar um quarto com banheiro, perto Depois de um mês fui morar sozinha e
da universidade, num prédio bonito e fiquei mais tranqüila com meu espaço.
tranqüilo.
Mas no princípio foi muito difícil
emocionalmente e chorei muito.
Perguntava-me freqüentemente o que
estou fazendo aqui?
43
procurando, porque era seguir no mesmo e
eu não queria ficar nesse papel. Isso foi
muito difícil.
Manuel Ângela
Não tinha nada planejado. Ao final do Tinha planejado vir por quatro anos, mas
primeiro ano decidi ficar por mais um ano, não vou cumprir esse tempo porque vou
até acabar o mestrado. embora, depois de um ano e quatro meses.
Agora que acabei vou voltar para o Peru Se apresentou uma situação familiar que
na próxima semana. me obriga a enviar algum aporte
econômico e já que tinha tantas dúvidas
sobre o que estou fazendo no Rio, decidi
ir embora e trabalhar, que era o que
realmente queria fazer.
44
O processo de adaptação
Manuel Ângela
Não sabia nada de português quando O mais difícil foi conseguir onde morar.
cheguei. Mas como minhas aulas eram Isso é muito complicado numa cidade
técnicas, com as matemáticas a gente se como o Rio, porque tudo é velho e feio e a
entende. Por isso, meu desempenho gente está acostumada com outros padrões
acadêmico não foi afetado pelo idioma. totalmente diferentes.
Por exemplo na Colômbia ninguém aluga
um apartamento com umidade ou sujo.
Mas para conseguir me comunicar sofri
Embora seja velho, o dono o conserta e o
pelo menos dois meses.
arruma antes de alugá-lo. Mas aqui é
Tomei a aula de português para assim e você o toma ou o deixa.
estrangeiros da PUC e me ajudou muito.
Também toma tempo conhecer os bairros
Mas durante os dois primeiros meses só
e saber mais ou menos onde gostaria de
me comunicava com peruanos que
viver e encontrar algo que se acomode ao
conheci na PUC.
orçamento de um estudante não é fácil.
Isso tudo teve uma incidência emocional
em mim, especialmente durante o
primeiro mês.
Depois consegui um apartamento
mobiliado, mas era muito caro e tive que
procurar um mais barato e comprar os
móveis.
Rede social
Manuel Ângela
Quando cheguei ao Rio estava estressado Só conhecia umas pessoas por e-mail
e não tinha muitas opções para me relaxar. quando cheguei aqui. Foi na casa dessas
Com as pessoas que conhecia só tinha pessoas onde morei o primeiro mês.
duas opções, ficar bêbado ou procurar
Durante todo o tempo que tenho morado
mulheres todas as noites. Não era nada
no Rio não fiz amigos brasileiros. Fiz
disso o que eu queria.
quatro bons amigos colombianos e um
Não conhecia às pessoas adequadas para ir amigo chileno e um argentino. Mas os
à praia, ao cinema, beber alguma coisa, brasileiros que conheço não sinto que
bater papo, ouvir música. No Peru eu fazia sejam meus amigos. Só são pessoas com
muito essas coisas. quem compartilhei algumas coisas, mas
não os sinto amigos. Isso pode se
Tomou-me mais o menos um ano
relacionar com o idioma. Além disso, tem
conhecer amigos.
diferencias culturais importantes que não
Tenho boas amizades peruanas e de outros facilitam se relacionar com eles. Por
países de América Latina. Tenho alguns exemplo, eu nunca consegui ter um papo
amigos brasileiros, mas são poucos, a transcendente com um brasileiro, porque
maior parte dos brasileiros que conheço eles estão pensando mais na festa e levar
não os considero meus amigos. uma vida mais leviana.
Isso não quer dizer que não se perguntem
certos temas, mas não dá para falar com
eles sobre um tema pessoal ou de
atualidade mundial. É por isso que não
temos muito em comum.
46
A saudade
Manuel Ângela
O que mais me fez falta não era nada Sinto falta das pessoas mais do que
complicado. Eram as coisas simples. Por qualquer outra coisa. A comida também.
exemplo, a comida, meu cachorro.
Também minha namorada e as
possibilidades de me distrair e relaxar.
Saúde
Manuel Ângela
Momentos de crise
47
Manuel Ângela
Tenho tido momentos difíceis, mas depois Depois de mais ou menos 2 ou 3 meses de
do primeiro ano nunca pensei seriamente ter chegado tive a primeira crise do
em voltar ao meu país sem acabar o doutorado e quis voltar. Perguntava-me o
mestrado, quando decidi fazê-lo aqui. que estava fazendo aqui, para que vim,
queria ir embora.
Não fui embora porque me custa muito
abandonar as coisas que começo. E
também porque essas são sensações que
vivi em outro momento e que muitas
vezes correspondem a um estado de ânimo
específico e não a um desejo real.
O que acontece é que nesse momento
você fica mais susceptível por ficar longe
das pessoas que quer e do entorno. Se
sente uma vontade de ir embora logo.
Mas acho que têm muito a perder quando
deixa tudo por um impulso.
Acho que isso é válido e que se a pessoa
acha que não quer ficar mais tempo pode
ir embora. Mas acho que isso não pode
acontecer frente a um impulso, mas frente
a algo mais elaborado.
Só agora tenho a sensação real de ter que
ir embora, pela situação familiar, porque
isso não só tem a ver comigo mas também
com minha mãe e meu irmão. Eu vou
embora porque ha outras prioridades, não
só por mim.
Situação econômica
Manuel Ângela
A bolsa era suficiente alugando um quarto Tive uma bolsa que dava para o básico.
só e obviamente sem nenhum luxo. Mas pelo menos consegui morar sozinha o
tempo todo, nunca recebi dinheiro da
Não tive dificuldades nesse sentido.
Colômbia.
Opinião do Brasil
Manuel Ângela
As pessoas são muito amáveis, mas Gosto da alegria das pessoas. Sempre
obviamente tem todo tipo de gente. É estão contentes, é difícil vê-los tristes, não
claro que a PUC é outro Brasil. Há importa a situação, sempre riem. É um
pessoas com muito dinheiro e que nem povo mais feliz, pelo menos
falam com você pelo fato de ser aparentemente.
estrangeiro. Mas também tem gente muito
amigável e sem preconceitos.
Brasil é um país muito rico em muitos
aspectos. Musicalmente conheci muitos
Em outros aspectos, gosto muito da ritmos que não sabia que existiam.
música e da comida.
Gosto também da variedade da comida.
As aprendizagens
49
Manuel Ângela
Foi uma experiência muito boa para mim. Espiritualmente têm acontecido muitas
Aprendi a me relaxar um pouco e não coisas. Tenho tido vários encontros
ficar tão preocupado com as coisas. comigo mesma. Fiz terapia e percebi que
tenho problemas de relacionamento. Não
tinha percebido isso porque sou muito
No Peru alguma coisa sai mal e se forma sociável. Aqui descobri muitas barreiras
um grande problema com as pessoas. Mas que tenho e comecei a trabalhar nelas.
aqui é muito mais relaxado e isso me tem
tranqüilizado muito.
Além disso, foi muito bom reafirmar que
o que eu queria realmente era trabalhar,
Fiz boas amizades e essas ficam comigo. que era meu desejo desde vários anos
atrás.
Voltaria a fazer tudo de novo se tivesse
que eleger.
No emocional e no profissional foi muito
importante.
Vou embora muito agradecido com o Rio
e com o Brasil pela oportunidade.
experiência no Rio.
É interessante observar que as razões para viajar ao Brasil são muito diferentes nos dois
processos necessários. Ele não tinha planejado vir ao Brasil, mas decidiu tentar e acabou
por ficar.
Ângela, por outro lado, não tinha planejado continuar estudando e a opção de fazer um
doutorado no Brasil foi inesperada, mas aceita frente à situação de ficar sem trabalho no
seu país.
50
Antes da viagem Manuel já morava sozinho, enquanto a Ângela morava com sua
família, o que pôde influir no fato de que Manuel se mostrar mais independente
Por outro lado, frente à experiência dos primeiros meses no Rio, ambos os entrevistados
falam sobre as dificuldades, mas são claras as diferenças sobre a experiência do ponto
de vista emocional.
Manuel acha que sua dificuldade principal foi conseguir um lugar para morar, mas
lembrando a situação acha que emocionalmente não foi tão difícil assim. No entanto
vida) acompanhadas de uma situação emocional muito difícil. Ela se mostra muito
Assim mesmo, Manuel nunca teve uma crise na qual pensasse em voltar a seu país e
deixar o mestrado. No caso da Ângela as crises foram várias, razão pela qual não é uma
surpresa que Manuel ficou no Rio até acabar o mestrado, enquanto Ângela deixou o
doutorado um ano e quatro meses depois de iniciá-lo. Embora tenha razões de caráter
familiar, ela mesma acha que não estava satisfeita e que não teria deixado o doutorado
por si mesma, quer dizer, sem uma razão externa que a obrigasse a deixá-lo. Desse jeito
É interessante neste ponto o sentimento de culpa que aparece em Ângela e que não lhe
teria permitido voltar a seu país antes de acabar o doutorado, enquanto não fosse por
geralmente pelo choro, são também sintomas muito comuns, que aparecem na Ângela
freqüentemente.
51
Por outro lado, centrando-nos agora nos diferentes aspectos do processo de adaptação, é
de seu país ou de sua mesma língua e não consideram os brasileiros que conhecem
como seus amigos. Esse fenômeno pode estar relacionado com um mecanismo de
defesa próprio do imigrante, onde a pessoa se aferra a seus padrões culturais, seus
costumes, sua língua, sua comida, sua música, se negando a incorporar os padrões
Frente aos problemas de saúde, os dois entrevistados tiveram dificuldades nesse sentido,
afetando-os emocionalmente. Porém, mais uma vez o olhar sobre essa experiência é
muito mais prático no caso do Manuel e muito mais emocional no caso da Ângela.
É interessante observar que Ângela fala ao longo da entrevista sobre aspectos negativos
impontualidade). Evidentemente sua experiência de adaptação não foi tão boa e são
poucos os aspectos positivos que consegue resgatar do Brasil. Essa atitude pode ter a
(1980), onde a pessoa se sente alheia à nova cultura e julga as diferenças como algo
negativo.
raiva frente às múltiplas situações que experimenta o imigrante, pode se relacionar com
essa atitude, como uma reação de proteção da psique frente às ameaças e o estresse
pode-se falar de um luto migratório complicado (Calvo, 2006), que não chegou a
No caso do Manuel, o luto migratório foi elaborado de um jeito positivo, o que permitiu
complemento à informação obtida nas entrevistas e não como uma descrição exaustiva
Embora sejam muitos os arquétipos que estão em jogo, a partir da informação obtida é
adaptação.
Manuel apresenta traços característicos do arquétipo do Órfão, que tem a ver com a
si mesmo como adulto. Nesse sentido, em Manuel o Órfão aparece desde o luminoso, na
Por outra parte, o arquétipo do Buscador aparece em Manuel, como uma pessoa
Esse arquétipo é fundamental para uma boa adaptação na situação do imigrante, pois o
desejo de transformação é uma das razões mais importantes para empreender a viagem.
Por outro lado, as qualidades de liderança são fundamentais para planejar e executar as
idéias. Manuel conseguiu realizar seu projeto migratório realizando o mestrado. Sem
travessia, sem saber para onde ir, e muitas vezes abandonando a jornada.
Manuel se comprometeu com seu projeto de mestrado até o final e as dificuldades foram
confrontadas com otimismo. Deixou com tranqüilidade sua vida no Peru e empreendeu
uma nova jornada sem as dificuldades do apego neurótico. O Sábio aparece em Manuel,
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especialmente na avaliação de sua viagem ao Brasil, tranqüilo e dando valor à sua
experiência e aos aprendizados no Rio. Agora que sua viagem acabou, se sente
diferentes.
Ela decidiu abandonar o doutorado e voltar ao seu país muito antes do planejado
inicialmente. Embora essa opção possa ser totalmente válida, ao longo da entrevista
Ângela mostra sentimentos negativos frente a sua experiência e seu balanço não é
otimista. Nesse caso o Inocente pode se apresentar desde seu aspecto sombrio, por meio
se encontram tráz a decisão de deixar o doutorado “para ajudar à família”. Ela mesma
considera que essa é uma forma de deixar tudo sem se sentir fracassada.
Por outro lado, essa atitude também está relacionada com o aspecto sombrio do
Servidor, onde a pessoa auto-justifica suas decisões como um sacrifício por outros que
precisam de sua ajuda, enquanto atrai situações em que assume o papel de mártir o
vítima.
Ângela durante sua viagem, aparece o Amante desde seu aspecto sombrio, não sendo
Não entanto, é claro que também estão presentes aspectos luminosos, que permitiram a
Brasil.
necessária.
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Por outro lado, como vimos antes, o Buscador é um arquétipo fundamental na jornada
do herói. É ele quem ajuda a encontrar sentido nas novas situações e a procurar o
durante sua experiência no Rio e teve um processo pessoal que ela mesma classifica
como muito enriquecedor. O desejo de aprender sobre si- mesma e sobre a realidade, a
jornada.
É interessante observar que Ângela tem muito presente o arquétipo do Destruidor, sem o
qual, não tivesse conseguido deixar o doutorado para voltar a seu país. Tanto na partida
claridade de querer trabalhar e não continuar sua vida de estudante. Para ela, essa é uma
claridade que tinha há muito tempo, e que não deveu deixar pela oportunidade de
4. Conclusões
Todo imigrante passa por um luto migratório de cujo desenvolvimento vai depender, em
diferentes em cada caso. Isso acontece porque existem múltiplos fatores associados no
depois da viagem.
O estresse produzido pela situação do imigrante pode até chegar a gerar problemas
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imigrante desenvolve mecanismos de defesa que ajudam a sua psique a lidar com a
Alguns dos fatores associados a uma adaptação exitosa são a possibilidade de voltar ao
Por tudo o anterior, a experiência do imigrante pode ser uma vivência altamente
Nessa jornada, são muitos os arquétipos que têm um papel importante, mas alguns deles
O presente estudo permitiu observar que, nos casos observados, o lado luminoso dos
obstaculizando o processo.
Embora o estudo realizado não permita de jeito nenhum tirar generalizações dos
Tendo em vista o grande número de imigrantes numa cidade como Rio de Janeiro, a
maneira de sugestão, a presente monografia poderia ser uma base para futuros estudos
57
junguiana, poderia dar luzes sobre programas de apoio aos imigrantes em situação de
risco psicológico.
5. Bibliografia
58
• JUNG, Carl Gustav. Aion. Obras Completas, Vol. IX-2. São Paulo: Vozes.
Referências na web
• Martínez, M. Martínez A. (2006) Patología psiquiátrica en el inmigrante. Jornal
Anales del Sistema Sanitario de Navarra. Vol 29.Obtido de:
http://www.cfnavarra.es/salud/anales/textos/suple29_1.htm
• Pearson, C. Seivert, S. Leonard, M. Marr, H. (1990) Indice de Mitos Heróicos.
Obtido de: www.abbra.com.br/tipodelider.doc
• Scholten, A. (2007). Grupos de Apoyo: ¿Cómo Ayudan? Obtido de Emory
Healthcare: http://healthlibrary.epnet.com/GetContent.aspx?token=8482e079-
8512-47c2-960c-a403c77a5e4c&chunkiid=125604
6. Anexos
Dados gerais
1. Idade
2. Sexo
3. Tempo no Rio
4. Escolaridade
5. Estado Civil
6. Profissão
7. Nacionalidade
Perguntas entrevista
1. Quais as razões para vir ao Rio?
2. Como era a vida antes da viagem?
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• Características do grupo familiar
• Situação afetiva
• Saúde
El “índice de mitos heroicos” (IMH) ha sido diseñado para ayudar a las personas a que
se comprendan mejor a sí mismas y a los demás, a identificarse con los diferentes
arquetipos activos de su vida. Cada persona recibe un valor numérico que indica su
nivel de identificación con los arquetipos descritos. Los doce arquetipos son valiosos y
cada uno tiene una importante contribución que hacer en nuestras vidas. Ninguno es
mejor o peor, por consiguiente, no hay respuestas correctas e incorrectas.
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Instrucciones
Puntuar cada una de las 72 oraciones que componen el índice, según el grado en el cual
describan su propia personalidad, tomando como referencia la siguiente puntuación:
Cuestionario
5) Me siento seguro/a.
13) Creo que las personas en realidad no quieren herirse unas a otras.
16) Estoy de acuerdo con la frase: “Es mejor haber amado y perdido
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que no haber amado nunca”.
24) Me resulta más fácil hacer cosas por los demás que por mí
mismo/a.
31) Tengo momentos de grandes logros, en los que siento que los he
conseguido sin esfuerzo.
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39) Estoy dispuesto/a a correr riesgos personales para defender mis
creencias.
46) Soy hábil para asignar tareas según las habilidades de cada
persona.
55) Haberme sacrificado por otros me ha hecho ser una mejor persona.
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63) Doy por sentado que las personas que conozco son dignas de
confianza.
69) Tengo muchas buenas ideas, pero poco tiempo para realizarlas.
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